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INDECENTE,

IMORAL E PERIGOSO

TARA LYNN O’BRIAN

1 ª Edição - 2016
Copyright © 2016 Selo Editorial Ei – Eu Independente
Todos os direitos reservados. Criado no Brasil.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o prévio consentimento dos editores.
Imagem de Capa: Dollar Photo Club
Arte de Capa: Evy Maciel
Diagramação Digital: Evy Maciel
Produção Editorial: Equipe Selo Ei – Eu Independente

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

__________________________
OB13i
O’Brian,Tara Lynn,1988 –
Indecente,imoral e perigoso/Tara Lynn O’Brian.- [1.ed.] – Içara,SC: Selo Editorial Eu Independente, 2016.

1.Romance brasileiro. 2.Ficção brasileira. I. Título

CDD – B869.3
CDU – 821.134.3(81)
__________________________
Para minhas amadinhas!

Bjbjbj


LUCAS
Eu não acredito em anjos. Sim, isso mesmo que você acabou de ler. Por que eu acreditaria?
Nunca vi um! E sou igual São Tomé, só acredito vendo. Sou um homem prático, sem frescuras.
Comigo é preto no branco, oito ou oitenta, ou vai ou racha, ou dá ou desce.
É isso mesmo! Ou DÁ, ou DESCE!
— Cai fora Sabrina — digo para a mulher sentada no banco do carona do meu Porsche. A
sonsa que está se fazendo de santinha e se recusa a me pagar um boquete.
Você deve estar pensando: que grande babaca!
Tudo bem, não me importo.
Mesmo! Eu realmente não me importo.
A Sabrina de anjo só tem a auréola e, acreditem quando eu digo que essa auréola já foi
usada uma porção de vezes, por diferentes caras. Então, por que cargas d’água essa vadia não
quer chupar o meu pau? Se fazer de difícil não irá me manter interessado, se não quer se
lambuzar no pirulito do papai aqui, tem quem queira.
— Lucas! Como eu vou embora?
Estou revirando os olhos nesse exato momento. A garota sabia exatamente o que aconteceria
se aceitasse a minha carona, eu não a obriguei a entrar no meu carro, nem fui eu quem tomou a
iniciativa. Ela se sentou no meu colo enquanto eu conversava com outra mulher na festa do Caio,
ela sussurrou no meu ouvido “Me dá uma carona? Vai valer cada quilometro rodado”, ela quem
pegou no meu pau quando parei o carro no sinal vermelho. Então eu me pergunto: por que
prometer algo, se não pretende cumprir?
Ao menos sou sincero, não iludo ninguém. E também não sou o príncipe no cavalo branco.
Simples assim. Sabrina me enganou, Sabrina pode ir se foder.
— Pegue um táxi.
— Mas eu não trouxe dinheiro.
— Pague um boquete pro cara, ele vai aceitar numa boa.
Talvez eu esteja exagerando com a garota. Mas estou muito puto! Não sou acostumado a ser
recusado. A Sabrina é figurinha repetida, ela sabe que sou bom com os dedos, com a língua e
principalmente com o meu pau. Sabe também que detesto mulher que faz doce.
— Não consigo mais chupar ninguém — diz ela, sem me encarar.
Como assim? Não deve ser tão difícil chupar um pau, quer dizer, nunca chupei um, mas
reparo bem quando uma garota está trabalhando sua boca no meu.
— Eu te explico gata. Você, eu, sua boca, meu pau, sua língua, minhas mãos puxando o seu
cabelo. A gente já fez isso algumas vezes, não pode ter desaprendido a fórmula — digo com
sarcasmo.
— As últimas três vezes que tentei, acabei vomitando. Foi horrível!
Desculpe, mas se você me acha um babaca, essa é a hora exata para me achar um completo
imbecil. Sim, porque eu não consigo segurar minha risada diante do que acabo de escutar. Estou
rindo incessantemente enquanto Sabrina parece estar à beira das lágrimas.
— Estou grávida, Lucas!
Como é que é?
Meu sorriso cessa imediatamente.
— Que porra você disse? — pergunto para ter certeza.
Ela finalmente cede às lágrimas e começa a chorar.
Ah, merda! Mulher chorona é foda empatada. O que eu fiz para merecer isso?
— Estou grávida, tô enjoando à beça e não consigo nem olhar para um pau que sinto
vontade de vomitar.
— Que doideira é essa, Sabrina? Se você sabia que ia enjoar, por que ficou me instigando?
— Foi mal, Lucas. Eu achei que não aconteceria se fosse com você. Sempre te achei gostoso
demais, você sabe que nunca te digo não.
— Quem é o pai dessa criança? Porque sei muito bem que eu não sou.
Não sou idiota, jamais transaria sem camisinha, e nem comia a Sabrina com frequência, deve
ter rolado umas duas ou duas vezes, nem lembro. Uma punheta ou uma chupada de vez em
quando, mas nem sempre íamos até o fim.
Ela hesitou antes de responder.
— É o Caio.
Engasgo com minha própria saliva.
Será que ouvi direito?
— Ele sabe disso?
— Não, eu não quis contar.
— Por que não?
Ela ri e dá de ombros.
— Acha que ele vai acreditar que é o pai?
Solto o ar, pesadamente.
Meu modo cretino age automaticamente, me perdoe, mas às vezes primeiro eu falo e só
depois penso.
— Se não fosse tão vadia e se deitasse com qualquer um, talvez ele acreditasse.
Tudo bem, eu sei que peguei pesado demais com a garota.
— Ah, Lucas. Você se acha tão esperto, não é? Eu transo com o Caio há muito tempo, e só
com ele. Seu imbecil. Por mais que fique com outros caras, porque o idiota do seu amigo não pode
ver um rabo de saia e cai matando, nunca chego ao finalmente com nenhum deles. No máximo um
boquete, mas nem isso eu consigo mais. Tudo culpa daquele imbecil que enfiou um bebê dentro da
minha barriga!
Porra! Isso foi um belo discurso.
O Caio e a Sabrina, pais?
O apocalipse deve estar muito próximo.
Dou a partida no carro e não digo nada, até chegar em frente à casa da Sabrina. Ela desce
em silêncio e eu não faço questão de puxar assunto. Mulheres são dramáticas por natureza, mulher
grávida então? O próprio demônio de saia.
Agora, falando sério: Eu não queria estar na pele do Caio.
Um bebê? Nem fodendo!
NORA
Eu não sou uma freira, nunca me imaginei sendo uma. Mesmo que tenha sido educada em um
colégio cheio delas, não ouvi o chamado para a vocação. Para mim, este ciclo está encerrado.
Concluí o ensino médio com louvor, a maioria das minhas colegas está indo para a
universidade, mas eu não. Primeiramente porque não tenho como pagar, e mesmo que conseguisse
uma bolsa de estudos, meu pai não conseguiria bancar as despesas com moradia, alimentação e o
material didático. E também há outro motivo, quero passar mais tempo com ele, pois vivemos longe
um do outro por anos, e foi ele quem batalhou sozinho para me proporcionar a melhor educação.
Então é isso, estou a caminho de uma cidade nova, mas nem tão nova assim. Foi lá que nasci e
fui abandonada pela minha mãe, deixada com meu pai que foi corajoso e assumiu sozinho a minha
criação. Ele é realmente o meu herói. Grande Bento Sampaio, o homem turrão que tem mãos de
fada para cuidar das flores dos ricaços.
Olho pelo vidro do ônibus, logo estarei chegando à rodoviária. Meu destino final, a cidade
que nasci e não sei por quanto tempo irei permanecer, nem se irei me adaptar. Espero que sim,
viver por anos em uma escola só de garotas talvez tenha me deixado despreparada para o
mundo real, mas nunca pretendi viver naquele colégio para sempre, nem me enfiar em um convento
depois que finalmente me formasse. Por isso, minha única opção foi retornar.
Tenho esperanças de encontrar um bom emprego, logo faço dezoito anos e não fica tão
difícil. Quero ajudar o papai, ao menos não dar mais despesas do que já dou. Quem sabe consigo
juntar algum dinheiro para um cursinho pré-vestibular. Estou confiante.
O ônibus estaciona no terminal rodoviário e eu aguardo todos descerem. Minha mala é
pequena, mas pesada. Algumas roupas e calçados e poucos objetos pessoais. Deixo-a no guarda
volume de uma agência de viagens, para depois voltar com o papai e pegá-la. Irei até a mansão
caminhando. Não avisei ao papai que viria hoje, pois quero lhe fazer uma surpresa.
Observo o tempo, esteve chovendo por aqui. As ruas estão molhadas e há algumas poças
perto das calçadas. Arrumo minha mochila nas costas e começo a fazer a rota até a mansão.
Havia pesquisado na internet como chegar até lá, não parecia ser difícil e como diria a irmã
Noemia: “Quem tem boca vai ao rumo”. Sei que você deve estar aí corrigindo o ditado, mas não se
engane, este é o correto, o trocadilho por Roma veio depois. Palavras da irmã Noemia.
Estou morrendo de saudade do meu pai. Bento foi pai muito cedo e hoje aos trinta e seis
anos, pode se passar por meu irmão mais velho, embora tenha orgulho e sempre estufa o peito
para me apresentar com sua filha querida.
Não me lembro da mansão Marinho, meu pai começou a trabalhar lá pouco depois que nasci.
Minha mãe foi embora e me deixou com ele, então meu pai largou os estudos e começou a ajudar
meu avô com a jardinagem da mansão, e ali ficou. Meu avozinho, que Deus o tenha, acabou
deixando seu cargo como herança. Como meu pai havia crescido aos arredores daquela casa, a
família Marinho o tinha em alta estima, isso quem me contou foi minha tia Laurinha, irmã do meu pai
e uma das freiras que leciona na escola católica. Foi ela quem conseguiu minha vaga e um bom
desconto na mensalidade, assim meu pai conseguiu me manter lá desde o ensino básico até a
conclusão do ensino médio. Mas voltando ao que eu estava dizendo, após a morte do meu avô, o
senhor e a senhora Marinho, ofereceram o cargo ao meu pai, que já era de confiança e conhecia
perfeitamente o trabalho.
Os anos se passaram e meu pai se acomodou. O que me deixa triste de verdade, pois ele é
tão jovem e muito bonito também. Não desmerecendo a profissão de jardineiro, mas essa não era
a sua ambição na vida. Infelizmente, ser pai tão cedo o fez abrir mão de muitas coisas e com a
doença do meu avô, nos últimos anos, ficou inviável ele tirar um tempo para cuidar de si mesmo.
Por isso pretendo arrumar logo um emprego, para que meu pai não precise se desdobrar por
minha causa. Já sou uma mulher, almejo minha independência e quero muito retribuir ao papai todo
o esforço que ele fez por mim.
Aparentemente, estou perto da mansão. Ao menos eu me lembro de ter visto essa rua, no
Google Street View. Acredito que mais três quadras à frente, avistarei o muro gigantesco e o
portão de ferro que dá acesso à propriedade.
O bairro mais nobre da cidade está repleto de belas construções. Casarões milionários,
imponentes e luxuosos, uma vitrine para a conta bancária de seus proprietários. Estou
embasbacada com tanta riqueza escancarada, confesso que intimidada também.
Como me sairei vivendo no meio dessa gente montada na grana?
Capítulo 1
Lucas Marinho nunca foi um exemplo a ser seguido. Egoísta, autoritário, mimado e egocêntrico.
É assim que o jornal local o tem descrevido ultimamente. Mérito todo dele, o único herdeiro da
família Marinho, o filhinho da mamãe e garoto prodígio do papai. Sim, o ego deste homem foi
muito bem alimentado durante toda sua vida e ele sabe usar cada ponto ao seu favor, até mesmo
os negativos. Por este motivo, Lucas é odiado, admirado e invejado. Mas não se engane. O homem
tem seu valor.
Após deixar Sabrina em casa aos prantos, Lucas desistiu de terminar seu dia de festa entre
as pernas de uma mulher. O desastre com a garota grávida o deixou desmotivado para qualquer
atividade sexual, optou por voltar para a casa, onde tomaria um banho e pretendia dormir umas
boas doze horas.
Seu Porsche era uma verdadeira máquina, a velocidade estava dentro do limite permitido
para uma rodovia, mas Lucas trafegava em uma via local, onde deveria estar à no máximo
30km/h. Mas foda-se! A estrada estava vazia devido ao feriado e todos os seus vizinhos estavam
viajando, passando um tempo em suas casas no litoral ou no campo. Além disso, a polícia local era
composta por alguns de seus amigos, o que não deveria interferir em nada, pois uma infração é
uma infração, mas vamos ser sinceros, interferia.
O rádio tocava em alto e bom som, uma parceria de Ludacris com Usher e David Guetta. Lucas
cantarolava Rest Of My Life e balançava a cabeça no ritmo agitado. O loirinho de olhos azuis, se
amarrava em um bom hip hop americano.
“Dizem que o que não me mata pode me tornar mais forte
Então dois drinques à noite devem me ajudar a viver mais
Solto uma fumaça só para testar meus pulmões
Para que seguir calmamente pela vida
Para chegar seguro à morte? ”
Havia chovido algumas horas atrás, a estrada ainda estava úmida. Mas para Lucas, isso não
era um incentivo a diminuir a velocidade, continuou no mesmo ritmo, em breve estaria em casa. Seu
iPhone começou a tocar, mas Lucas não percebeu pelo toque e sim pela tela acesa, no banco do
carona. Quem ouviria um celular tocar, com o rádio ligado no último volume? Não Lucas,
certamente. Mas o movimento involuntário do aparelho, devido ao vibracall, despertou sua atenção.
Desviou os olhos da estrada por alguns segundos, o suficiente para pegar o iPhone do banco.
Como poucos segundos de desatenção podem causar estrago! O chafariz de água a sua
frente, o assustou. Foi pego desprevenido ao desviar o Porsche para o acostamento, do outro lado
da pista, justamente em uma das poças de água que haviam se acumulado, por causa da chuva.
Havia deixado a capota do carro aberta e, droga! Estava ensopado. Foi tudo muito rápido, mas
logo recuperou o controle do volante e freou.
— Puta merda!
Foi um belo susto.
— Oh, não... — resmungou uma voz feminina.
Nora estava encharcada. Esteve tão focada nas belezas arquitetônicas que encontrava pelo
trajeto, que não viu o carro se aproximar demais da calçada. Para seu azar, justamente em uma
das poças formadas pela chuva.
Engoliu o choro, era apenas água. Graças ao bom Deus, nada de grave havia acontecido, o
motorista desgovernado conseguiu parar o carro e um desastre maior foi evitado. Mas ela estava
assustada, suas pernas tremiam e precisou se escorar no muro atrás de si para recuperar o
equilíbrio e desacelerar seu coração, que estava prestes a sair pela boca.
Colocou a mão no peito, sentindo os batimentos e tentando retomar a calma. Olhou para o
carro à sua frente, onde um homem de cabelo loiro reclamava sobre o banco de couro legítimo e
algo mais, que ela não entendeu, devido à música alta tocando no rádio.
Ele sequer a havia notado. E se tivesse subido na calçada? Ela teria sido atropelada e só
Deus sabe o que poderia ter acontecido. Fez o sinal da cruz em uma oração silenciosa,
agradecendo ao Pai por tê-la poupado de maior desgraça.
— Seu maluco! — protestou ela, para chamar a atenção do homem.
Lucas ouviu o xingamento e franziu a testa. Desligou o rádio e olhou para a calçada, onde a
viu. A garota de cabelo castanho e olhos assustados, com o vestido molhado colado ao seu corpo,
que por sinal era perfeito. Passou a língua pelos lábios em um gesto involuntário, força do hábito
sempre que via diante de si uma transa em potencial. Sorriu, sabendo que aquela era uma de suas
armas infalíveis de sedução. Mulher alguma resistia ao seu sorriso de Hollywood.
Nora engoliu em seco, o homem parecia divertido ao vê-la daquele jeito. Estaria rindo dela
ou para ela? Manteve-se distante, mas não conseguiu retomar a caminhada, o que seria sensato de
se fazer. Não havia mais ninguém por aquelas bandas e já era fim de tarde.
— Falou comigo, delícia?
Irritou-se com o descaramento do sujeito.
— Está vendo outro maluco irresponsável por aqui, além de você?
Não deveria estar provocando o desconhecido, mas Nora estava possessa com o
descaramento dele em agir como se não a tivesse ensopado com água suja e quase a atropelado.
Lucas parou de sorrir imediatamente, diante da maneira agressiva que a garota respondeu.
Olhou para além do belo par de pernas que a jovem possuía e sim, finalmente viu o que causou
tanta revolta na moça. Ela estava tão suja quanto o couro importado, do banco de seu Porsche. Por
sua culpa, de fato. Ele havia sido o responsável pela lambança.
— Perdão querida, não foi minha intenção molhá-la.
Mas ao reparar naquele par de pernas, Lucas teve outro pensamento. Se fosse realmente
para deixar a jovem molhada, ele queria fazer de outra forma. Mordeu os lábios e conseguiu
evitar o sorriso malicioso a tempo, não queria dar a impressão de que estava debochando dela.
Nora nunca foi do tipo agressiva. Sempre serena e delicada, tratava a todos com educação
e respeito. Mas esteve muito tempo em um ambiente cercado de outras mulheres, onde todas se
tratavam como amigas e raramente havia algum conflito. Não queria ser rude com o homem,
mesmo que por dentro estivesse muito chateada. Não queria chegar até seu pai vestida com roupa
suja e molhada, conhecendo ele, a encheria de perguntas e iria querer tirar satisfações com o
responsável. Melhor evitar transtornos desnecessários, pensou.
Lucas saiu do carro e foi até a bela jovem, ela era ainda mais encantadora de perto.
Infelizmente ele a havia acertado em cheio, a garota estava toda molhada, desde o longo cabelo
castanho até sua roupa. Tentou buscar na memória o rosto dela. Tinha certeza que nunca a viu
antes, devia ser nova no bairro ou estava apenas de passagem. Ela também não parecia saber
quem ele era, coisa difícil de acontecer pelas redondezas, já que Lucas era praticamente uma
celebridade local.
— Qual o seu nome? — perguntou ele, observando-a com atenção.
Ela não estava receptiva para uma conversa amigável.
Na verdade, Nora mal conseguia raciocinar direito. Perdeu-se na íris daquele homem e no
profundo azul de seus olhos. Se existia a perfeição humana, Nora pensou que provavelmente havia
uma grande possibilidade de ela estar diante do raro exemplar.
— O gato comeu a sua língua? — perguntou Lucas, desejando secretamente ser o tal gato.
— O meu nome é Nora.
Ela o observou com curiosidade, como se ele fosse algum espécime em extinção, e Lucas focou
em seus olhos castanhos por alguns segundos, correspondendo-a. Ela também parecia ser diferente,
pensou ele. Então se lembrou do que sempre dizia sobre não acreditar em anjos, a não ser que
visse um à sua frente. Balançou a cabeça, achando absurdo o pensamento que lhe veio à mente.
Não, ela definitivamente não era um anjo. Parecia uma ninfa, uma bruxinha prestes a enfeitiçá-lo.
Por sorte, Lucas era um homem sensato e nunca foi adepto a crenças supersticiosas. Mulher
alguma exercia poder sobre ele, o que estava presenciando não era encantamento místico por
alguma divindade ou força da natureza. Era tesão. Apenas seus hormônios masculinos detectando
a presença de uma mulher gostosa.
LUCAS
Tento controlar, na maioria das vezes, a mania de pensar com a cabeça de baixo, ao invés
do meu cérebro. Sim, é um problema deixar o próprio pau pensar no lugar de minha mente. Esse
pode ser meu maior defeito e me envergonha assumir, mas não sou hipócrita para dizer o
contrário. Eu amo bocetas. Na verdade, acredito que seja viciado nelas. Dizem que o primeiro
passo para se livrar de um vício é assumir que o tem, então, pensando melhor, talvez eu não seja
tão obcecado assim, apenas as aprecio sem muita moderação — você percebeu que se for mesmo
um vício, não tenho a mínima intenção de deixá-lo, certo? Ótimo! Eu estava tentando ser irônico aqui
—.
Mas a culpa não é minha, não sou como um usuário de drogas que faz de tudo e corre atrás
do seu objeto de necessidade. É bem o contrário, é como se a própria droga viesse atrás de mim e
fizesse questão de ser experimentada. Sim, é isso mesmo o que você está pensando: chove boceta
na minha horta! Eu não preciso ir muito longe para encontrar sexo, basta apenas estar disposto a
foder a noite inteira, as oportunidades surgem sem grandes dificuldades, eu analiso as opções e é
isso aí! Simplesmente acontece.
Talvez eu tenha um dom.
Já imaginou, o encantador de bocetas? Como naquele conto de fadas que o flautista encanta
os ratos com sua música, eu encanto vaginas com o meu pau.
Tudo bem, devo estar exagerando em minha analogia, mas você já deve ter percebido que
sou um cara bonito, tenho sex appeal, e bem, sou totalmente ciente do meu poder de sedução. Isso
é crime? Então pare de revirar os olhos e não pense no quanto sou um babaca convencido, porque
a culpa de egos tão grandes como o meu, é de vocês mulheres que se enfeitam com roupas,
sapatos, maquiagem e joias, para nos impressionar. E vocês impressionam, principalmente, se sabem
da importância de um boquete bem feito e a hora exata de dar o fora sem ser inconveniente,
afinal, não irei pedi-la em casamento só porque transamos depois de alguns drinques e um bom
papo.
Aqui vai uma dica para evitar decepções futuras: aprenda a curtir o momento, não fique
criando caraminholas na cabeça, maquinando e construindo um relacionamento que nem existe, só
porque o cara te chamou de gostosa na hora do sexo e te deu apelidos carinhosos durante a
noite. Tudo bem! Vou entregar o ouro a você: Nós temos medo de dizer o nome errado, por isso
apelidamos você de “gatinha”, “minha linda”, ”princesa”, “gostosa”, “meu anjo”... Pense que somos
cretinos insensíveis ao fazermos isso, mas no fundo, estamos pensando no seu bem-estar. Não
queremos vê-la chateada caso o seu nome seja “Carolina” e na hora do orgasmo sai “Aline”, sem
querer... Apenas procure ver pelo lado positivo.
Certo, não queria ter divagado tanto, mas um assunto levou a outro e acabei me dispersando.
Minha grande fraqueza está me dominando, não deveria estar tão duro dentro das calças, não
quando uma garota me encara assustada e observo seus lábios começarem a tremer por estar
molhada.
Eu deveria ajudá-la, certo?
É um momento apropriado para ser gentil e não um tarado. Sou o culpado por ela estar
encharcada e suja. E chateada.
— Oi, Nora. Eu sou o Lucas. — Saio do carro e me aproximo dela, na calçada.
Tenho certeza que ela recuaria um passo, se já não estivesse escorada no muro.
Será que estou assustando-a?
— Foi mal. — Tento uma nova abordagem. — Eu me distraí com o celular e acabei fazendo
merda.
Ela sorriu de leve, acho que não queria rir, mas não conseguiu evitar.
— Podia ter me atropelado. — Sua voz suavizou-se.
Nora aparentava estar mais calma.
— Eu sinto muito, mesmo. — Uso uma expressão cabisbaixa, tentando mostrar a ela meu
arrependimento. Não que eu esteja arrependido. Bem, de certa forma estou. Posso não ser o
cavalheiro de armadura, mas jamais machucaria uma pessoa intencionalmente, foi imprudência da
minha parte e nada que eu dissesse justificaria. — Quer uma carona? Posso deixá-la em sua casa,
assim você não anda por aí suja e molhada.
Ela morde seus lábios de uma maneira tão sexy.
Eu preciso parar com isso!
— Estava indo ver meu pai. Não é exatamente a casa dele, mas ele mora lá.
Franzo a testa. Que explicação confusa.
— Eu te levo.
Ela já não me encara com desconfiança, o que é bom, mas parece envergonhada. Talvez seja
tímida, eu não sei. Essa garota me intriga de uma forma que não consigo descrever.
— Tenho que voltar para a rodoviária, não é tão longe. Irei a pé.
— Por que vai embora? Não ia ver seu pai?
Ela dá de ombros, mas a maneira como está segurando a alça da mochila com demasiada
força, entrega seu nervosismo.
— Deixei minha mala na rodoviária, é pesada e não consegui trazer. Preciso trocar de
roupa, meu pai vai pirar se souber que um doido passou correndo e me molhou na calçada.
— Ei, não sou um doido!
Ela ficou vermelha, instantaneamente. Parece envergonhada ao se dar conta do que disse
sobre mim. Acho que nunca vi uma mulher ficar encabulada na minha frente, não de verdade. As
mulheres que conheço costumam ser dissimuladas, mas Nora parece diferente de qualquer uma
delas, ela havia corado e o fato era... Fofo?
Desperto dos meus pensamentos quando ela começa a andar na direção contrária, está
retomando o caminho para a rodoviária. Se fosse outra mulher ou outra ocasião, diferente de eu
ser um desastrado e quase tê-la atropelado, teria lhe dado às costas e ido embora. Mas aqui
estou, correndo atrás de uma desconhecida, pegando-a pelo braço e fazendo-a me olhar nos
olhos, gesto que me arrependo profundamente. Ela parece devorar minha alma e desvendar meus
segredos, o que é bem ruim, porque meus segredos são sujos para olhos tão inocentes.
Cacete!
— Deixa eu te ajudar — peço, tentando não sucumbir ao desejo de colocá-la em meus
ombros, como um saco de batatas, e jogá-la no banco do meu carro
NORA
Acho que não devo aceitar a carona desse homem. Ele me intimida de uma maneira que não
consigo entender. Puxo meu braço de sua mão e ajeito a mochila em minhas costas. Suspiro,
cansada. Tudo o que mais quero é tomar um banho quente e trocar de roupa.
— Eu nem conheço você — digo, tentando fazê-lo ir embora. — Está desculpado pela
lambança, mas posso ir caminhando até a rodoviária.
Viro às costas e volto a caminhar, sinto seu olhar em mim, mas ignoro. Ouço passos se
aproximando e fico nervosa.
— Não sou um bandido — ele diz, parecendo indignado com a minha desconfiança. —
Todos me conhecem por aqui, o que prova que você é forasteira. Quem é o seu pai? Talvez eu o
conheça. Se sentiria melhor se eu o conhecesse?
Pelo visto, ele não vai parar de insistir. Acho que não custa nada eu lhe dizer quem é meu
pai. Paro de andar e me viro para olhá-lo novamente. Ele me assusta, mas ao mesmo tempo ... Não
sei.
— Sou filha do Bento Sampaio, ele trabalha na casa da família Marinho, como jardineiro.
Lucas me olha espantado, como se eu tivesse falado um grande absurdo. Então o inesperado
acontece, ele começa a rir descontroladamente. Pisco os olhos rapidamente, tentando acordar de
um sonho maluco, mas é real. Esse homem está rindo do meu pai!
Cruzo os braços e o encaro furiosa.
Quem ele pensa que é para rir do meu pai ou de mim?
— Você não pode ser filha do Bento — ele diz entre suas risadas. — Ele não tem idade
para ser pai de uma mulher do seu tamanho. O cara tem o quê? Trinta? E você? Deve ter uns vinte
e poucos anos.
É minha vez de começar a rir, deixando-o confuso. Não acredito que ele pensa que sou mais
velha. Tudo bem, meu corpo é bem desenvolvido e acho que sou mais madura do que muita garota
por aí, mas vinte e poucos? Que exagero!
Não faz sentido ele pensar que Bento e eu não somos pai e filha.
— Bento é meu pai — digo séria. Ele tem que entender que não estou de brincadeira. — Ele
tem trinta e seis, e eu, dezessete.
O riso de Lucas cessa instantaneamente. Ele me encara sério, até demais. Acho que percebeu
que não estou brincando.
— Você é uma menina...
— Sou sim — respondo, achando graça.
— Veio sozinha até aqui?
Dou de ombros.
— Uhum. Como diz a irmã Noemia, quem tem boca vai ao rumo...
Ele ri de novo e começo a ficar irritada.
— Por que tá rindo? Tenho cara de palhaça, por acaso?
Lucas percebe que estou chateada, levanta as mãos ao alto.
— Calma aí, garota. Não tô te zoando. Eu achei engraçado o que disse, o ditado certo é:
quem tem boca vaia Roma.
Reviro os olhos.
Esse mauricinho filho da mãe, quer me dar aulas?
— Vai à Roma ou ao rumo, dá no mesmo! Isso é coisa da irmã Noemia. Eu cheguei aonde
queria, fui perguntando e já estava a caminho da casa dos Marinho, para ver meu pai. Até você
aparecer e me estragar toda.
— Eu já pedi desculpas, cacete! Vaia Roma, no sentido de vaiar, não de ir à Roma. Mas que
droga! Por que estou aqui discutindo com você?
Dou um passo para trás.
— Ei! Já deu sua aula de ditados populares e está desculpado pelo quase atropelamento.
Mas vou recusar sua carona.
— Por quê?
Porque você me assusta...
— Porque você é um estranho e... Eu não fui com a sua cara.
Acho que exagerei, mas não volto atrás.
Ele parece não acreditar que eu disse o que disse, mas logo se recompõe e coloca as mãos
na cintura.
— Tudo bem, menina. Fiz minha parte como um cidadão responsável, mas já que você é mais
irritante que motor afogado, eu vou embora.
Eu quem deveria estar irritada, não ele. Mas não quero encrencas, estou em uma cidade nova
e esse cara pode ser alguém importante, pois dinheiro é obvio que ele tem, e minha tia Laurinha
me contou que as pessoas quando possuem dinheiro demais, acham que são donas do mundo e até
mesmo de outras pessoas. O melhor a fazer é voltar para a rodoviária, trocar de roupa e depois
procurar meu pai. Viro as costas novamente e apresso o passo.
Espero não o ver tão cedo, pois provavelmente nos esbarraríamos por aí. Cidade pequena,
todo mundo conhece todo mundo.
Ouço o motor do carro e me seguro para não olhar para trás, ele foi embora e só quero
esquecer o incidente.
Capítulo 2
Levou mais tempo que o planejado, mas Nora conseguiu encontrar o enorme portão de ferro
com o brasão da família Marinho. Havia uma guarita e ela se aproximou para conversar com o
homem responsável pela segurança.
— Boa tarde, eu posso falar com o Bento Sampaio? — pediu a garota, cruzando os dedos
para que logo encontrasse seu pai.
— A senhorita, quem é? — interrogou o senhor de cabelo grisalho, observando-a com
curiosidade.
Nora sorriu, envergonhada. Ela sabia que nem todos estavam cientes do fato de Bento ser
pai.
— Sou a filha dele, quis fazer surpresa e não avisei que estava chegando. Pode chamá-lo,
por gentileza?
— Jesus, Maria e José, e eu lá sabia que o Bento tinha uma filha?
O senhor Gerônimo acabara de iniciar seu turno na guarita da mansão Marinho, ficaria ali
até a meia-noite. Conhecia Bento Sampaio, eram colegas e se davam bem, mas não amigos tão
íntimos ao ponto de conhecer a história familiar do jardineiro. A menina diante de si era bastante
jovem, mas Bento não aparentava ter mais de quarenta anos, menos que isso até.
— Sou Nora, filha do Bento — reforçou a garota.
Ele sorriu para ela, demonstrando simpatia. A menina era bonita e bem-educada. O sol
estava quase se pondo e provavelmente Bento estava terminando de guardar as ferramentas, ele
trabalhava nos sábados às vezes. Discou o número do celular do jardineiro e aguardou.
Bento estava cansado, havia cortado a grama de grande parte do terreno. No dia seguinte
pretendia terminar o serviço de corte e iniciar a aparagem dos arbustos, não tinha nada para
fazer durante o feriado e optou por adiantar o serviço. Pensou em visitar sua irmã Laurinha e
talvez buscar sua filha Nora, mas ainda não tinha preparado o quarto para que ela ficasse bem
instalada, queria fazer uma surpresa. Torceu para que não chovesse, mas havia conferido na
previsão do telejornal local que o dia seria de muito sol. Embora os meteorologistas nem sempre
acertassem, ele estava confiante. O celular que carregava no bolso de seu macacão, para a
comunicação entre os funcionários da mansão Marinho, começou a vibrar. Era da portaria.
— Gerônimo?
Sabia que o senhor Gerônimo era o responsável pelo turno da noite, eram colegas há mais
de cinco anos e Bento gostava de conversar com ele quando tinha oportunidade.
— Boa tarde, Bento. Tem uma menina aqui na portaria, disse que é sua filha.
O coração de Bento acelerou. Sua filha, na mansão? Ele não estava sabendo de nada, havia
conversado com Nora há alguns dias e ela não tinha lhe comunicado que viria. Não estava
preparado para recebê-la como ela merecia. Queria que sua Nora tivesse um quarto de princesa,
mesmo que não pudesse proporcionar grande luxo a ela, faria o que estivesse ao seu alcance.
Mas tudo o que tinha em casa no momento era um colchonete velho, em uma cama de solteiro muito
antiga e um cobertor extra.
— Nora? — perguntou incrédulo. — Posso falar com ela, Gerônimo?
— Claro!
Levou poucos segundos para Bento ouvir a voz de sua amada filha do outro lado da linha.
Era mesmo verdade, Nora estava de volta!
— Pai, desculpe não ter avisado. Eu quis fazer uma surpresa.
Bento sorriu, emocionado. Fazia alguns meses que não a via.
— Minha querida, você é sempre bem-vinda. Vou buscá-la na portaria, me espere.
Terminou de guardar as ferramentas e após lavar suas mãos e o rosto suado, Bento correu
para encontrar Nora na guarita. A garota estava sentada ao lado do senhor Gerônimo, que
descascava uma laranja enquanto sua filha chupava uma já descascada. A menina sorriu quando
viu o pai se aproximar, levantou-se e correu para abraçá-lo. Desta vez, Nora vestia uma calça de
moletom e uma regata. Havia trocado de roupas e colocado uma reserva em sua mochila, antes de
retomar o caminho à procura de seu pai. Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo, para disfarçar
que estavam sujos e fez de tudo para que o pai não desconfiasse do banho de lama que havia
tomado. Aparentemente, ele nem reparou.
— Que saudade da minha princesa!
Bento era sorriso de orelha a orelha, assim como Nora. Ela deixou a laranja cair no chão,
mas não desgrudou do abraço forte do pai.
— Vim para ficar, pai. Agora o senhor vai enjoar de mim — brincou Nora.
— Como se fosse possível enjoar de você.
Bento e Nora se despediram de Gerônimo, após uma apresentação formal, e o jardineiro
levou sua filha até o casebre na parte de trás do enorme terreno.
— Trouxe só essa mochila? — Bento sabia que a filha tinha poucas roupas, mas não imaginou
que caberiam tudo em uma única mochila. Seu sorriso se foi, triste por não conseguir dar a ela
muito mais.
Nora percebeu a tristeza do pai, mas tentou disfarçar o incomodo. Iria procurar um emprego
o quanto antes, seu pai não precisava se desdobrar para dar a ela as roupas que gostaria de ter.
Nunca foi de luxo, sempre valorizou o que ganhava. Principalmente os presentes de valores
sentimentais, como cartas, fotografias e alguns botões de rosa. Guardava tudo em uma caixa de
madeira, a única coisa que sua mãe deixou para trás antes de ir embora.
— Deixei a mala na rodoviária, estava pesada demais. Podemos buscá-la amanhã? Eu
paguei um guarda-volumes.
Bento sorriu, um pouco mais tranquilo.
— Pego a caminhonete amanhã cedo e busco para você.
— Obrigada pai.
Estavam sentados à mesa da cozinha. A casa era pequena, mas bonita e confortável, possuía
dois quartos, um banheiro, uma cozinha conjugada com a sala de estar. Era de alvenaria, pintada
de branco por dentro e um tom de azul claro por fora. Nora havia achado a casa um charme,
como uma casinha de bonecas. Possuía uma pequena varanda, onde uma rede estava pendurada,
alguns vasos de plantas bem cuidadas estavam espalhados por todo o ambiente. Ela se sentiu à
vontade ali, no lar de seu pai e agora o seu também. Mesmo vivendo sozinho, Bento cuidava muito
bem de sua casa, e agora Nora poderia ajudá-lo e tomar as tarefas domésticas como sua
obrigação.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
A imponente mansão da família Marinho era o lar de Lucas desde que nascera, assim como
de seu pai, seu avô, bisavô e tataravô. Embora fosse antiga, os cuidados e restaurações deixaram
a imensa casa com aparência de nova. Lucas amava aquele lugar, lhe remetia boas lembranças da
infância e também era parte de sua história. Sua família havia levantado um império e a mansão
era apenas um dos muitos bens que herdaria de seus antepassados. Viviam ali ele e seus pais,
Alfredo e Isabella Marinho. Os avós já haviam partido para o outro plano e assim como Lucas,
Alfredo era filho único. Os empregados viviam em uma ala separada, circulando por ali apenas no
horário estabelecido.
Estava deitado em sua cama, irritado pela noite mal dormida. Frustrado e em contradição, seu
corpo queimava de desejo quando sua mente reproduzia a imagem de uma garota de cabelo e
olhos castanhos. Seu pau pulsava dentro da cueca, implorando por alívio, mas Lucas recusava-se a
ceder o impulso de tocar-se pensando naquela menina.
— Dezessete anos? Com aquele corpo suculento? — perguntou em voz alta, sem obter
resposta.
Ele sabia que era verdade, simplesmente porque não imaginava que uma pessoa de olhar
tão transparente como o de Nora, pudesse dizer alguma mentira. Lucas estava intrigado pela
maneira como seus pensamentos voavam com pressa em direção à garota, não entendia o motivo
de tal obsessão, sim, ele mesmo havia empregado tal palavra para descrever sua cisma com a
jovem que quase atropelara.
Fechou os olhos e tentou esquecê-la, mas ali estava a imagem da jovem usando seu vestido
floral, encharcado e colado ao seu corpo delgado, encarando-o com volúpia e desnudando-o com
um sorriso de ninfa das águas. Foi o suficiente para que Lucas abaixasse sua mão para dentro de
sua cueca. Pegou seu membro e o acariciou enquanto respirava com a boca aberta e a cabeça
jogada para trás.
— Gostosa para caralho — murmurou, imaginando os lábios rosados de Nora em volta do
seu pau, sugando-o com vontade, devorando sua carne e engolindo tudo o que ele tinha para lhe
dar.
Quando o líquido esparramou por sua mão, trazendo-lhe o alívio momentâneo, Lucas sentiu-se
envergonhado por ter sucumbido à uma fantasia. Nunca precisou de artifícios para se satisfazer
com a mulher desejada, se ele quisesse alguém em sua cama, conseguia, não se contentava com a
imagem projetada de uma ilusão.
Definitivamente, pensou que estava enlouquecendo.
LUCAS
Noite de merda. É isso mesmo, uma grande e longa noite de merda.
É domingo e geralmente sou muito animado aos domingos, mas certamente não hoje. Cacete,
hoje eu só quero ficar quieto e não conversar com ninguém. Preciso colocar a cabeça em ordem e
explicar para o amigo entre minhas pernas, que o dono da porra toda sou eu. Eu sou o cara, o
que manda na parada, o que dá a palavra final. Então, enquanto meu pau não aprende a me
obedecer, estou recluso em minha própria casa. Chega de farra por um tempo, ao menos até voltar
a ser dono do meu próprio desejo.
Quer saber? Um banho de piscina pode me fazer bem. Está calor e ainda não são nove
horas da manhã. Meus pais provavelmente estão dormindo e há pouca movimentação dos
empregados. Domingo é folga da maioria.
Dou meu primeiro mergulho e a água gelada faz minhas bolas encolherem até quase
implodirem em meu corpo. Porra! Talvez não esteja tão calor quanto eu imaginava. Dou algumas
braçadas pela piscina até me acostumar com a temperatura, o que finalmente, não demora a
acontecer. Menos mal, queria relaxar e não me autoflagelar.
Sento na borda da piscina e recupero meu fôlego.
— Bom dia, senhor Lucas.
Sorrio debochado.
— Não faça eu me sentir um velho, Bento. Bom dia para você também.
Ali está o cara, o culpado pela minha noite mal dormida. Por que esse homem tinha que ter
uma filha tão gostosa? Devia ter usado camisinha ao invés de ser o responsável por colocar no
mundo uma pessoa tão...
Ah! Eu devo estar pirando de vez.
— É a força do hábito doutor — responde o jardineiro.
Doutor! Está aí outra coisa que detesto. Eu não sou médico, se é o que você está pensando.
Mas tenho meu diploma em engenharia mecânica para deixar meu pai orgulhoso por não ter um
filho vagabundo.
Ei, não vá pensando merda a meu respeito. Não sou um mauricinho folgado. Dou duro
também, sabia? E não estou me referindo ao que você testemunhou na noite passada, tô falando
de trabalhar. Sim, eu trabalho e muito. Tá achando que isso aqui é apenas um corpo bonito e
sarado, com um par de incríveis olhos azuis? Eu coloco a mão na graxa, muitas vezes.
Eu te surpreendi agora, não foi?
— Bento, é verdade que você tem uma filha?
Bento sorri, parece orgulhoso.
— Notícia corre rápido, por aqui. — Deu de ombros. — Já tá todo mundo sabendo que a
Nora veio morar comigo?
Ei, ei, ei!
Como assim, morar?
Pensei que a fedelha estivesse apenas de passagem.
— Não tô sabendo de nada — aviso. Falar daquela garota me desperta um calor do
caralho. — Eu a encontrei ontem, a caminho da mansão. Ela disse que era sua filha e eu ri da
menina, cara, eu nem fazia ideia que você tinha filha daquele tamanho.
É, eu devia ser ator. Hollywood me amaria com certeza.
— Fui pai muito jovem — contou. — A mãe dela me deixou logo após o parto. Você era um
menino. Nora estava estudando em um colégio de freiras, mas concluiu o ensino médio tem uns
meses. Conversei com seu pai e ele permitiu que ela vivesse aqui comigo.
Oh, não! Isso não pode estar acontecendo. Ela não pode morar na minha casa, eu não posso
vê-la todos os dias andando por esse pátio com aquelas pernas incríveis e aquele sorriso de
menina sapeca.
Engulo em seco, preciso ser mais sensato, eu sou um homem de vinte e oito anos, não um
adolescente punheteiro de treze.
Espere aí, eu ouvi direito?
— Freiras? Sua filha vai ser freira?
Lembra-se de minhas bolas encolhidas pelo frio? Elas estão tentando se enforcar, agora.
A gargalhada do Bento me tranquiliza.
— Não, era uma escola só para garotas, dirigida por freiras — explica. — Minha irmã é
uma das freiras que leciona lá, eu consegui uma vaga para Nora desde a primeira série, por isso
você nunca a viu, tenho ido visitá-la ao longo dos anos.
Balanço meus braços na água, tentando disfarçar minha curiosidade excessiva.
— Vai trabalhar hoje? — pergunto, mudando de assunto.
Bento não é besta, ele sabe que sou mulherengo e ficar perguntando sobre sua filha não é
uma boa pedida.
— Mais tarde, eu vim falar com o seu pai. Quero pedir a caminhonete emprestada, preciso ir
à rodoviária buscar a mala da Nora.
— Pode pegar — autorizo.
— Obrigada patrão, não vou demorar.
— Leve o tempo que precisar.
Bento acena um tchau e vai em direção à garagem.
Sim, estou completamente fodido.
NORA
Estou encantada com meu novo lar. Ainda é cedo e meu pai saiu para buscar minha mala na
rodoviária, preferi ficar em casa e aproveitei para lavar a louça do café da manhã e ajeitar a
casa. Não havia muito que fazer, meu pai é um homem organizado e nossa casa está impecável.
Observo a propriedade a minha volta, estou sentada na rede pendurada na pequena
varanda da casa, balançando-me enquanto penso no que posso fazer para me distrair.
Não quero ficar rondando a propriedade, meu pai é um funcionário e mesmo que more aqui,
não me sinto à vontade para andar pelos arredores como se esse lugar também me pertencesse.
Existe uma chácara mais ao fundo do terreno, muitas árvores frutíferas que meu pai plantou
e cultivou ao longo dos anos. Ele disse que eu podia pegar qualquer fruta que quisesse.
Sorri, lembrando das vezes que me visitava no colégio e levava goiaba branca para me
presentear. Em parte, porque era minha fruta favorita, mas também porque não tinha condições de
me dar presentes caros. Meu pai recebe um bom salário como jardineiro, porque ele faz muito mais
que cuidar do jardim e seus patrões reconhecem o seu trabalho. Mas ele passou anos pagando a
mensalidade do colégio interno e custeando meu material escolar, além de roupas, calçados e tudo
o que era necessário para eu viver bem. A escola era frequentada por garotas ricas e meu pai
não queria que eu me sentisse diminuída, mesmo que eu insistisse que não precisava estar ao
mesmo nível de minhas colegas.
Levanto-me e calço um par de chinelos. Estou vestida com uma bermuda jeans e uma bata de
algodão. O objetivo já está traçado e caminho em direção à goiabeira da qual meu pai tanto se
gabava.
— Isso vai ser divertido.
Deixo os chinelos perto do tronco e me impulsiono no galho mais baixo, ele aguentará o meu
peso. Subo e logo e exploro os galhos mais altos, maravilhada por ver o pé carregado de
goiabas. Eu vou me esbaldar.
Sento-me em um galho mais grosso e seguro, tendo certeza de que ele não corre o risco de
quebrar. Seleciono algumas frutas não muito maduras e uso minha bata para segurá-las.
Esfrego a primeira goiaba em meu jeans, antes de dar a primeira mordida. É uma delícia, do
jeitinho que me lembrava. Fazia um bom tempo que não as comia, desde a última época da fruta.
Ouço passos se aproximando e tento olhar ente os galhos para ver de quem se trata,
permaneço em silêncio, mas sorrio travessa, imaginando o susto que darei em meu pai.
— Você? — pergunto surpresa, ao ver o rosto conhecido do jovem que quase me atropelou
no dia anterior.
Ele se assusta com a minha voz e olha para cima, encontrando-me. Assim que seu olhar
encontra o meu, ele sorri. Está com as mãos na cintura e parece ainda mais atraente do que eu
poderia me lembrar.
Seu nome é Lucas, eu lembro que ele havia se apresentado. Mas o que ele está fazendo
aqui?
— Ei, Nora!
Ele lembra o meu nome e não parece chateado comigo. Nossa despedida não havia sido a
mais amigável, não pensei que tornaria a vê-lo tão cedo, muito menos aqui, na propriedade dos
Marinho.
— O que faz aí em cima, garota? — pergunta, ainda com aquele sorriso de artista de
cinema.
— Comendo goiaba. — Mostro a ele minha goiaba mordida e em seguida coloco o último
pedaço da fruta em minha boca.
Sem prestar atenção, solto a mão que segura minha bata e logo minhas goiabas selecionadas
escorregam pelo tecido e caem, não no chão, mas em cima do homem. Quase me afogo ao engolir
o pedaço que havia mastigado, mas consigo me recuperar a tempo. A tempo do afogamento, mas
não de evitar a risada ao vê-lo desviar-se das frutas. Uma delas cai exatamente no centro de sua
testa e acho que doeu pois ele fica passando a mão na região, parecendo bastante incomodado.
— Pega leve aí, Nora!
Solto uma gargalhada e me arrisco bater palmas. É muito engraçado a careta que ele faz,
não consigo parar de rir.
— Não estou achando graça nenhuma — diz ele, irritado.
Minha risada não cessa e lágrimas começam a surgir em meus olhos.
— Você bem que mereceu — revido, ainda entre uma risada e outra.
Para meu azar, desequilibro-me do galho em que estou e não consigo voltar à posição
segura de antes. Sim, eu vou cair e o medo assola-me.
Dou um grito e fecho os olhos, preparando-me para sentir o impacto de meu corpo contra o
gramado. Droga, mesmo que não seja uma grande altura, sei que vai doer.
Sou surpreendida quando dois braços fortes me seguram com força, usando seu próprio
corpo para amortecer minha queda. O que para mim foi reconfortante, mas certamente, para
Lucas, dolorido.
— Ei doçura, peguei você.
Tento sair de cima dele para que possa se levantar, estamos caídos no gramado úmido e seus
braços me prendem pela cintura. Ele não parece fazer questão de me soltar tão cedo. Meu cabelo
está solto e esconde o seu rosto de minha vista, consigo desprender uma de minhas mãos e jogo
minhas madeixas para trás dos ombros, tendo a visão de seus incríveis e hipnotizantes olhos azuis.
Por Deus...
Esse homem tem os olhos mais lindos que já vi na vida.
Sinto-me paralisada, olhando-o com demasiada atenção. Sua respiração se mistura com a
minha, estamos muito próximos e acho que nunca estive tão perto de um homem como agora.
Engulo em seco, mas não consigo me mover ou desviar meus olhos. Existe uma energia que me
prende a ele, parece tão certo estar ali.
— Quando é o seu aniversário? — pergunta-me Lucas, fazendo-me sair do transe.
— Em dois meses, por quê?
— Serão os dois meses mais infernais da minha vida.
Molho meus lábios com a língua, em um gesto involuntário. Minha respiração está pesada e
não entendo porque meu corpo parece se eletrizar. É uma sensação tão estranha, mas ao mesmo
tempo boa. Eu não sei explicar. Caramba, é algo novo para mim e tenho a leve impressão de que
tem a ver com o fato de eu estar muito próxima de Lucas.
Sinto algo duro em minha perna, que está entre as pernas dele. O rubor surge
instantaneamente em meu rosto e sim, posso ser inexperiente, mas não sou tão ingênua quanto
pareço.
Lucas está excitado. Muito excitado.
— Oh meu Deus... — murmuro.
Suas mãos desprendem minha cintura e agora cobrem o seu rosto, ele suspira frustrado.
— Levante-se, Nora.
— Tudo bem.
Levanto-me desajeitadamente e ele permanece deitado na grama, com o rosto ainda coberto
pelas mãos. Olho para o volume em sua calça e aquela sensação elétrica ainda percorre meu
corpo. Está calor além da conta, também.
Lucas levanta-se habilmente e limpa sua calça jeans, retirando as folhas que haviam grudado
na roupa.
— Agora estamos quites — diz ele, aproximando-se de mim. — Na verdade, você me deve
uma. Eu te molhei com o carro, você me jogou goiabas na cabeça...
— Eu não jog...
— ... Mas eu te salvei de se esborrachar no chão. E veja só o estado em que você me
deixou?
Imediatamente meus olhos vão para o volume de sua calça, ainda em bastante evidência.
— Todo molhado da grama e sujo dessas folhas fedorentas. — Completa Lucas, sorrindo
maliciosamente. — Isso é culpa sua, Nora.
Lucas aponta para o jeans, mas a impressão que tenho é que ele não está se referindo a
sujeira da calça, mas sua excitação.
— Me desculpe — peço, desviando o olhar. — Não foi minha intenção.
— Certo, não foi a minha também.
Sem dizer mais nada, ele me dá as costas e vai embora.
Capítulo 3
Para Lucas, não ter o controle de seu próprio corpo era revoltante. Ele sempre foi seguro de
si e ciente de sua sexualidade, sabia usar o charme e beleza a seu favor e transformou a arte da
conquista em um dos seus passatempos prediletos. Mas sabia que as sensações que Nora lhe
proporcionava, eram algo muito além do que já havia vivenciado. E isso o assustou.
A garota era menor de idade e filha de um funcionário antigo da casa. Não apenas um
simples funcionário, mas Bento Sampaio, um dos homens mais descentes e gente boa que Lucas
conhecia e por quem tinha enorme apreço. Qualquer tipo de envolvimento com ela seria
ultrapassar um limite além do permitido. Ela era proibida para ele por um número X de razões.
Tê-la tão próxima a seu corpo o fez pensar nas inúmeras possibilidades. Poderia tomá-la ali
mesmo, naquele gramado úmido, sem pudor algum. Seu membro deixou claro o quanto a queria,
naquela manhã quando despertou pulsante e mais tarde, quando a teve em seus braços ao cair da
goiabeira.
Uma menina levada que trepava em árvores.
Fechou os olhos com força, amaldiçoando-se por estar pensando obscenidades com uma
garota. Mas ela não parecia uma menina, Nora tinha corpo de mulher. O quão insano era este
desejo que o consumia?
Observou a caminhonete aproximar-se. Era Bento, chegando da rodoviária. Entrou às pressas
para dentro da mansão, não queria encarar o homem. Precisava de um banho frio e também de
distrações para o domingo e a segunda-feira de feriado. Não podia ficar ali, iria enlouquecer.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora estava sentada na rede quando seu pai chegou segurando sua mala. Levantou-se e
abraçou o pai, agradecendo por ter buscado seus pertences. Foram para dentro da casa e Bento
acomodou a mala da filha em cima da cama provisória dela.
— O que fez enquanto estive fora? — perguntou à menina.
— Fui até a goiabeira.
Ele riu.
— Espero que não tenha comido demais, você sabe que pode causar prisão de ventre, não
sabe? Não quero que passe mal.
— Comi apenas uma, eu juro!
— Ótimo. O que quer fazer hoje? Não sei exatamente o que garotas da sua idade gostam
de fazer para se distrair. Tricô, talvez?
Nora gargalhou tanto que suas têmporas doeram.
— Tricô, pai? Tá falando sério?
Bento revirou os olhos.
— Eu disse que não sabia o que garotas costumam fazer. — Coçou a nuca, parecendo
desconfortável.
Nora deu um tapinha no ombro do pai.
— Não se preocupe, pai. Arrumarei minhas coisas no lugar, aproveitarei para lavar algumas
roupas que estavam guardadas há muito tempo. Não vou te dar trabalho e também não sei o que
o senhor costuma fazer aos fins de semana.
Bento deu de ombros. Não costumava fazer grandes coisas quando estava de folga.
— Nada de mais. Ainda tenho algum trabalho para fazer — explicou. — Geralmente vou
até a lanchonete do centrinho, no domingo à tarde, para assistir aos jogos do campeonato
estadual. Lá tomo um chope e converso com alguns amigos. Depois volto para casa, pego meu
violão e fico sentado na rede, tocando.
Nora sorriu, encantada.
— Eu não sabia que o senhor tocava violão.
— Nunca contei a você?
— Não.
— Desculpe filha, acho que nunca tive a oportunidade de tocar no assunto.
— Que tal, depois do almoço, o senhor me ensinar a tocar violão? Adoraria aprender.
Os olhos de Bento brilharam em expectativa. Sentia-se muito feliz por Nora estar ali com ele,
seria gratificante que pudesse lhe ensinar a tocar violão.
— Claro, minha menina.
Ser pai solteiro nunca foi uma tarefa fácil, ser responsável por outra vida além da sua foi
algo que pegou Bento de surpresa, principalmente quando sua amada Adelina o deixou sozinho
com a criança.
Adelina era uma linda jovem, tinha apenas dezessete anos quando engravidou e Bento não a
deixou desamparada. Ele a pediu em casamento, mesmo que a diferença entre classes sociais fosse
gritante. Sabia que os pais de Adelina o detestavam e que ela sempre foi muito acima de seu nível
social, mas a amava e era correspondido, o que tinha de tão errado naquele amor que fazia com
que ninguém os aceitasse?
Mas destino foi cruel com Bento, Adelina passou a gravidez em um sítio de sua família, pois
ninguém além dos pais dela e o pai e a irmã de Bento, sabiam sobre o bebê que estava a
caminho. Após um parto complicado, veio a grande surpresa: Bento e Adelina eram pais de uma
linda menina. Foi Adelina quem escolheu o nome de Nora, homenageando uma de suas escritoras
favoritas, Nora Roberts. Bento gostou do nome e quando pegou a menina em seus braços,
simplesmente compreendeu que aquele pequeno pedacinho de gente havia roubado o seu coração
e que daria a própria vida para que ela fosse feliz. No dia seguinte, a grande decepção de
Bento: Adelina havia ido embora no meio da noite, deixando-lhe um bilhete. Naquele pequeno
pedaço de papel, estavam as palavras que despedaçaram o coração de Bento para o amor. Ela
não suportava olhar para a pequena criança, não desejava ser mãe, não desejava ser esposa.
Queria viver sua vida e recomeçar, esquecendo-se dos erros que havia cometido. Bento era um
erro para ela e Nora um erro maior ainda. Foi a partir daquele dia que abdicou de todos os seus
sonhos, tornando Nora sua prioridade na vida.
Não foi fácil, teve que largar a faculdade e arrumar um emprego. Conseguiu moradia com
seu pai, na mansão da família Marinho, onde havia se criado antes de terminar o ensino médio e ir
morar num dormitório de faculdade, em uma cidade próxima. Sua irmã mais velha, Laura, era
freira e lecionava em um colégio interno para garotas. Seu pai, já viúvo, vivia sozinho no pequeno
casebre, mas fez de tudo para que Bento e a pequena Nora pudessem viver com ele. Quando o
pai de Bento adoeceu, parecia que o mundo havia desabado em suas costas, precisava dar conta
do trabalho na propriedade dos Marinho e pagava uma enfermeira para cuidar do pai e olhar
sua bebezinha. Quando seu pai faleceu, o cargo de jardineiro ficou com Bento, que teve a
oportunidade de um salário melhor para pagar alguém que olhasse sua menina durante a semana.
Dois anos depois surgiu a vaga em uma creche municipal, e quando Nora completou sete anos de
idade, conseguiu colocá-la no colégio interno, onde sua irmã Laurinha ficaria responsável pela
sobrinha.
Se fosse possível, Bento jamais deixaria Nora estudar tão longe, principalmente porque não
tinha condições de pagar o transporte para que a filha voltasse para casa em todos os fins de
semana. Nora ficou muitas vezes na escola, pois ele também não conseguia visitá-la sempre.
Laurinha lhe dava suporte, mas em sua consciência, Bento sabia que a filha sentia falta dele, e ele
a sua. Sempre foram muito ligados e agora com Nora de volta em casa, queria fortalecer o laço
entre pai e filha. Queria ser seu amigo, seu porto seguro, queria que ela visse nele um pai com
quem pudesse contar sempre que precisasse, alguém que jamais a abandonaria. Bento era pai, era
mãe, avô e avó. Bento era tudo o que Nora tinha na vida, além de sua tia Laurinha.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
— Está em casa? — perguntou Lucas, assim que Caio atendeu o celular.
— Sim, numa ressaca fodida — respondeu o amigo, com a voz estrangulada.
Lucas riu. Seu amigo gostava de farra tanto quanto ele.
— Que tal uma corrida? Preciso relaxar — sugeriu.
— Estou na bad, brother.
Lucas lembrou-se de Sabrina e do pequeno problema que ela e Caio tinham pela frente. Se
Caio acreditava que estava na bad, como dizia quando se sentia mal, ele não fazia ideia do que
estava por vir quando descobrisse que Sabrina estava esperando um bebê. Mas não seria Lucas o
mensageiro da boa nova.
— Você não precisa dirigir, eu piloto. Preciso de alguém para conversar.
— Espero que não seja sobre mulher.
— Por quê?
— Cara, quando um homem precisa conversar com outro homem sobre mulher, é porque a
coisa está ficando séria.
— Não tem coisa nenhuma. Só preciso desabafar.
— Tudo bem, eu te encontro no autódromo em uma hora.
— Fechado.
Lucas não estava mentindo. De fato, não havia nada entre ele e Nora, apenas uma leve
obsessão da parte dele em relação à garota. Embora acreditasse que ela também se sentia
atraída por ele, só não tinha tanta consciência do fato.
Lembrou-se da garota de olhos castanhos e sorriso travesso. Ela parecia inocente e ao mesmo
tempo tinha uma astúcia que o deixava maluco. Uma pequena bruxinha que o havia enfeitiçado de
alguma maneira desconhecida.
Finalizou a ligação e foi para a garagem. Gostava de ir ao autódromo no município vizinho,
lá podia extrapolar na velocidade sem se preocupar com o fluxo do trânsito ou grandes
obstáculos, a pista era feita especialmente para amantes da velocidade e Lucas certamente era um
deles.
A paixão pelo automobilismo surgiu na infância, quando seu pai, e de vez em quando o avô,
o levavam para assistir corridas de Fórmula 1 e Stock-car. Pilotava kart indoor quando pequeno,
mas nunca quis se tornar um profissional. A paixão verdadeira de Lucas não era exatamente a
pilotagem, mas a mecânica do carro. Herdeiro de uma grande franquia de auto mecânica, talvez a
maior do país, Lucas não era o tipo de patrão que ficava atrás de uma mesa remexendo em
papéis. Gostava de vestir seu velho macacão e sujar as mãos de graxa. Era o gerente da matriz,
localizada no município vizinho do vilarejo em que morava. Todos os dias dirigia seu Porsche por
quarenta minutos e após estacioná-lo à frente da auto mecânica, o filhinho do papai se tornava um
dos funcionários, tratando a todos os colegas como iguais e sendo respeitado pelos mesmos.
Quem via apenas o playboy Lucas Marinho, não acreditava que o mesmo jovem arrogante e
irritantemente charmoso, era capaz de exercer um tipo de trabalho que sujasse as mãos. Mal
sabiam que aquele rosto bonito e dono de olhos azuis profundos era o responsável pela
preparação e montagem de motores de competição, para uma forte equipe nacional. Poucos
sabiam, na verdade. Lucas não era o tipo de homem que gostava de se gabar no âmbito
profissional. Competência e discrição andavam de mãos dadas tratando-se de seu trabalho. A
única extravagância que exigia, era que pudesse pilotar uma vez ou outra na pista do autódromo.
E ele apreciava cada segundo como se fosse o último.
Enquanto trafegava pela rodovia, a caminho do autódromo, o celular de Lucas tocou. Depois
do ocorrido no dia anterior, sua consciência apitou para que não corresse um risco desnecessário.
Mas para que serve a consciência?
Oh, sim. É claro. Para ser ignorada.
— Alô?
— Luquinhas!
Por que não verificou o identificador de chamadas antes? Teria evitado o transtorno. Por que
Bárbara continuava ligando, se foi ela quem terminou o relacionamento entre eles?
— Ei, Bá. O que você quer?
Lucas não tinha paciência para chantagem emocional de ex-namorada. No caso de Bárbara,
ex-noiva. Não a via há quase cinco meses, desde quando ela esteve na mansão Marinho, fazendo
um escândalo na frente dos seus pais e saindo de lá com uma Louis Vuitton cheia de roupas e
sapatos que deixava por lá. Tudo bem, talvez Bárbara tivesse um pouco de razão em estar
revoltada e muito irada com ele. Que culpa Lucas tinha se aquela loira gostosa da festa era uma
modelo famosa? Ele não sabia que a moça era a queridinha dos paparazzi, quando se hospedou
com ela em um hotel de luxo, na capital. Lucas a conheceu em um camarote durante uma das
corridas do campeonato nacional. Alguns drinques e uma conversa animada, uma mão aqui e outra
ali, simplesmente aconteceu. Como sempre acontecia quando Lucas viajava. Mas daquela vez, foi
um pouco menos discreto ao sair em uma foto ao lado da modelo, nos sites de fofoca
sensacionalista. Tudo bem, ele assumia a responsabilidade. Não era bom em relacionamentos,
sempre foi um péssimo noivo, mas atualmente era um excelente ex-namorado. Daquele que não
ligava e não perturbava a ex, prometendo que se voltassem tudo seria diferente, porque
sinceramente, para Lucas, ser livre era uma dádiva dos deuses.
— Meu Cartier, deixei no seu closet.
— Qual Cartier, Bárbara? Seja especifica.
— A gargantilha que me deu de aniversário, Luquinhas.
— Pensei que não quisesse me ver, nem pintado de ouro.
— E não quero, mas amo aquela joia e não vou deixá-la para você, como um souvenir do
nosso relacionamento fracassado.
Oh, sim. Bárbara sabia exatamente como se comportar como uma vaca maldita. Lucas
procurou em sua memória o motivo pelo qual decidiu pedi-la em casamento algum dia, talvez
tivesse sido um momento de insensatez. Com certeza havia sido um momento de insensatez.
— Pode ir buscá-la, eu não estou na mansão.
Houve um minuto de silêncio do outro lado da linha, não que Lucas se importasse, estava
atento ao trânsito.
— Tudo bem, eu irei — confirmou Bárbara, com a voz embargada.
A ex-noiva de Lucas ainda o amava, embora soubesse que uma reconciliação estava fora de
cogitação. Conhecia-o perfeitamente para saber que ele não era o tipo de homem que sossegaria
e formaria uma família, Lucas era excêntrico e egoísta demais para se prender a uma única mulher,
ele não pensava nos corações que partia, mas nas bocetas que seriam o motivo de seus orgasmos.
— Ótimo, tchau Bárbara.
Lucas finalizou a ligação, sem se importar em uma despedida adequada. Bárbara era uma
mulher educada, refinada e inteligente. Merecia alguém que pudesse fazê-la realmente feliz. Ele
não alimentaria falsas esperanças. Ser curto e grosso evitava transtornos desnecessários.
Dez minutos depois estacionou seu Porsche na vaga exclusiva e encontrou Caio, que já o
aguardava. Cumprimentaram-se e após vestirem os macacões e colocarem os acessórios de
segurança, Lucas verificou o carro preparado para ele e logo estavam dando voltas na pista.
O barulho estridente do motor era música para seus ouvidos. Caio não gostava de pilotar,
mas adorava a sensação da velocidade, sempre que acompanhava Lucas em suas corridas. Eles
eram ótimos amigos, talvez os melhores. Sabia que correr era uma maneira de Lucas extravasar o
estresse, seu amigo não era muito de falar sobre o que se passava dentro de sua mente e seu
coração. Quando lhe pedia para ir ao autódromo para “conversarem”, sabia que a conversa era
resumida a muitas voltas naquela pista.
Quando parou nos boxes, Lucas estava menos tenso. Pilotar o transportava para uma espécie
de limbo, onde ele refletia sobre sua vida e de certa forma encontrava respostas para perguntas
silenciosas do seu coração.
— Você está esquisito, hoje — comentou Caio, no vestiário.
Estavam retirando os equipamentos e o macacão de corrida.
— Você sabia que o jardineiro da mansão, tem uma filha?
Caio fez uma careta.
— E porque eu saberia de uma informação dessas? Conheço o Bento Sampaio apenas das
visitas que faço à sua casa, não sou amigo do cara. O que isso tem a ver com a sua testa
enrugada?
Lucas ligou o chuveiro e deixou a água percorrer seu corpo, levando consigo o suor grudado
em sua pele.
— A maldita é a coisa mais linda que eu já vi.
Caio riu, ligando o chuveiro ao lado e entrando no banho.
— Esse Bento deve dormir no formol, o cara tem filha adulta?
— Aí é que está o problema, é uma garota.
— Como assim, uma garota?
Lucas desligou o chuveiro e pegou a toalha de banho que havia pendurado na divisória.
— Ela tem dezessete anos — revelou a Caio.
— Tá maluco, brother?
— Eu tô, tô maluco por aquela fedelha. E odeio me sentir assim, porque sempre tenho o que
quero, principalmente se tratando de mulheres. Mas ela? Fora de cogitação. Só precisava
desabafar com alguém. Eu a conheci ontem e essa maldita está me tirando o sono.
— Isso é encrenca na certa, Lucas. Já ouviu falar em pedofilia?
Lucas sentiu um calafrio percorrer seu corpo ao ouvir aquela palavra. Vestiu-se às pressas,
ansioso para ir embora.
— Não fala merda, Caio. Não é como se eu sentisse tesão por menininhas. E eu não estou
assediando a garota, ela é linda, gostosa e eu queria me enterrar dentro dela e ficar ali até me
aliviar. Mas isso, até descobrir que é filha de um cara que respeito pra cacete, e o fato de que é
uma adolescente. Querer é uma coisa, poder e fazer, são outras bem diferentes.
— Fique longe dela, Lucas. O que os olhos não veem, o seu pau não sente.
Ah, Caio. Você nem imagina que seu amigo Lucas não precisava vê-la para desejá-la, porque
sua mente projetava a imagem de Nora assim que ele fechava os olhos, deixando-o duro como
rocha.
LUCAS
Eu preciso transar. Afogar o ganso, molhar o biscoito, meter pra dentro! Trepar! Foder!
Copular! Acasalar!
Você entendeu? Ótimo.
Não revire os olhos, não diga “esse cara só pensa naquilo”, porque você tem razão. No
momento é no que estou realmente estou pensando.
Por quê?
Porque preciso. Simplesmente porque preciso.
Decido não voltar para casa. Chego ao flat que mantenho na cidade vizinha, geralmente
onde levo as mulheres com quem vou para a cama. O quê? Achou que eu as levasse para a
mansão? Há, há, há! Faça-me rir contando outra piada. Eu sou um babaca, mas não sou burro. Não
misturo o lazer sexual com minha vida pessoal.
Há uma danceteria badalada no centro da cidade e tenho um camarote VIP reservado para
todos os domingos. As noites são boas quando decido ir até a La Lola, jamais volto para o flat
desacompanhado. E hoje eu preciso realmente de companhia.
Durmo um pouco antes de tomar um banho de verdade e me arrumar. Visto uma calça jeans e
minhas botas militares favoritas, uma camiseta preta e minha jaqueta de couro. Jogo meu cabelo
para trás, ao melhor estilo James Dean, as mulheres adoram a pinta de bad boy e eu? Eu adoro as
mulheres. Pego a chave do meu Porsche, em cima da mesa, e vou ao meu destino.
Caio já está no camarote e tamanha é minha surpresa ao vê-lo abraçado com Sabrina.
Será que ela contou?
A garota me encara de um jeito esquisito e concluo que não, ele ainda não sabe.
Cumprimento meu amigo com um hang loose e dou um beijo no rosto da Sabrina. O lugar
ainda não está bombando, mas em breve estará cheio. A música é um technopop anos 80 e
sinceramente me irrita um pouco, mas não saí para apreciar a set list do Dj residente. Há um balde
de gelo com latas de energético e uma garrafa cheia de uísque em cima de uma mesinha. Sirvo-
me de uísque puro e viro o copo, bebendo o conteúdo em um só gole.
— Vai com calma, garanhão — alerta Sabrina. Encaro-a com o semblante sério, deixando
claro que não estou para brincadeira e que ela sabe que eu sei, então se quer o meu silêncio,
espero que não foda com a minha paciência. Acho que Sabrina entendeu o recado, pois fica
quieta enquanto Caio e eu conversamos.
— Daqui a pouco o resto da turma chega — avisa Caio, quando pergunto onde estão nossos
amigos.
Somos um grupo seleto, o filho do prefeito, o filho do delegado e mais alguns caras, todos
eles herdeiros de empresas locais. Todos os “bam bam bans” do pedaço. Uma verdadeira
panelinha de ouro, e ouso dizer que, sou a tampa da panela. Sirvo-me de mais uma dose de
uísque sem gelo e novamente viro em um único gole. Fecho os olhos com força, sentindo o líquido
rasgando minha garganta.
— Tá tudo bem com você? — pergunta Caio.
— É, pode ser.
— Pode ser o quê?
— Não sei — resmungo. — Qualquer coisa, tá legal? Pode ser qualquer coisa, ou melhor,
qualquer uma.
A risada do meu amigo chama minha atenção.
— Tá rindo de quê? Palhaço! — questiono.
Não me levem a mal, mas Caio e eu temos esse jeito peculiar e adorável de conversar.
Palhaço, não é nem de longe, uma ofensa ao meu amigo. Ele sabe que não deve me encher de
perguntas, mas isso não significa que ele ficará quieto.
Maldito curioso.
— Você precisa transar, parceiro. Vá à caça!
— E você precisa cuidar da sua vida, parceiro.
— É, eu sei. Mas não sou eu quem está de mau humor agora.
— Mas vai ficar se não calar a porra da boca.
Sabrina me olha com receio.
Merda! O que estou pensando?
Usar a gravidez da garota para irritar o Caio, só porque ele sabe que estou sexualmente
frustrado? Não sou tão canalha assim.
Respiro fundo e preparo outra dose de uísque, Caio e Sabrina me observam em silêncio.
Inteligente da parte deles, não estou afim de receber conselhos de quem quer que seja. Deixo meu
copo em cima de mesa e vou até a parte da área VIP que tem vista para a pista de dança no
andar de baixo. Estou no melhor ponto da casa noturna, dali consigo ver as entradas, o bar, o
pequeno palco para as ocasiões em que há show ao vivo, e a pick-up do DJ.
Preciso encontrar uma mulher à minha altura. Não, não, nem sou tão exigente assim. Bem,
talvez eu seja, mas minhas exigências não são tão excepcionais quanto você possa estar
imaginando. Eu gosto de vadias. Não exatamente prostitutas, porque acho que sou bom o bastante
para comer uma mulher sem ter que dar dinheiro a ela, afinal, eu quero gozar muito, mas também
proporciono o melhor para quem quer que tenha me feito um cara feliz durante uma noite de
trepada. Gosto de retribuir o favor, isso gera uma boa fama entre o círculo de amizade feminino,
e cara, se você quer ter opções em noites solitárias, é bom saber como tratar uma mulher na cama.
Elas gostam de sexo tanto quanto nós homens e se saciadas adequadamente... Boatos se espalham.
Certo?
Quem vai ser a putinha da vez?
Olho em volta, a procura de alguém que me chame à atenção, minha exigência principal é
que a escolhida seja um espírito livre, como eu, onde a necessidade de uma ligação emocional
esteja descartada, mas o fogo da luxúria percorra sua veia tanto quanto em mim, afinal, é de sexo
que estamos falando aqui. Por isso prefiro as vadias sem coração, mulheres que curtem uma boa
noite de trepação sem criar vínculos emocionais, sem pedir ou dar o número do telefone, sem
querer dormir abraçado depois da noite de curtição, ou esfregar minhas costas durante o banho.
Sexo no banho, para mim, é íntimo demais. E eu dispenso.
— Ah, merda. O que ela tá fazendo aqui?
Acho que estou ficando doido de vez. Alucinando com a bruxinha recém-saída da escola de
freiras.
Como Nora conseguiu entrar na danceteria?
Minha pergunta mental é respondida logo. Bento Sampaio está com ela. Ele parece diferente
quando não está vestido com sua roupa de trabalho. Nora veio para a balada com o pai, o quão
esquisito isso pode ser? Bento é um cara legal e é jovem. Sabe que a filha está na idade de sair e
ir à festas, e quem melhor do que ele para mostrar a ela e ao mesmo tempo zelar por sua
segurança?
Cara, Bento é um pai do caralho. Grande homem. Como Nora está bonita...
Sinto-me hipnotizado. Ela se veste de maneira simples, mas não perde para nenhuma mulher
aqui presente. Ao contrário, parece se destacar, como se uma aura brilhante a rodeasse. Mas
talvez isso seja consequência das doses de uísque que ingeri rapidamente.
É, pode ser.
Sinto a presença de Caio ao meu lado e o olho de esguelha.
— Ela tá aqui — digo, sem tirar os olhos de Nora e Bento.
— Ela quem, cara?
— A Nora.
— Nora de quem?
Lembro-me de não ter revelado ao Caio o nome da bruxinha.
— A filha do Bento Sampaio, o nome dela é Nora e ela está aqui com o pai.
— Ele trouxe a filha para uma balada? Uau, ele merece o prêmio de pai mais legal de
todos.
— É sim.
— Onde eles estão?
Apontei em direção à pista, onde Bento e Nora dançavam, um pouco envergonhados, mas
pareciam estar se divertindo. Ela está vestindo uma calça jeans escura e uma blusa regata branca.
Há um colar chamando a atenção para o seu pescoço à mostra, pois seu cabelo está preso em um
rabo de cavalo. Imediatamente minha mente fervilha na fantasia de tê-la de quatro em uma cama,
comigo por cima dela, puxando-a pelo cabelo enquanto me empurro para dentro dela. Sinto meu
pau latejando dentro da calça. Cacete! Essa menina mexe demais com os meus hormônios.
—Ela é linda, não parece uma adolescente — observa Caio. — Embora seja perceptível
como é retraída. Diferente das mulheres com quem você está acostumado.
— Nora é diferente de qualquer uma delas.
— Cara, você está me assustando.
Olho para meu amigo, não entendendo sua referência.
— Por quê?
— Parece apaixonado.
Balanço minha cabeça, negativamente.
— Essa não é a palavra. Eu não me apaixono por ninguém.
— Então, qual é a palavra certa?
— Enfeitiçado. Tudo não passa de uma obsessão maluca.
— E o que pensa em fazer a respeito?
— Achar alguém que supra a minha necessidade de sexo, ir para o flat e transar até meu
pau estar em carne viva.
NORA
Acho que tenho o melhor pai do mundo. Não porque ele se ofereceu para me levar à uma
danceteria na cidade vizinha, mas por ele se esforçar e se dedicar a mim. Sou uma garota de
dezessete anos e não conheço ninguém além de meu pai, tudo bem que ainda é recente, mas
valorizo o que ele está fazendo por mim.
—Tem uma danceteria na cidade vizinha, chama-se La Lola. Eu nunca fui, mas dizem que é
bem legal. Quer conhecê-la?
Estamos na varanda de casa, meu pai havia começado a me ensinar tocar violão. Foi muito
legal, eu era meio desajeitada no começo, mas acho que estou pegando o jeito da coisa.
Conversamos sobre música e, caramba! Meu pai se torna a cada dia um amigo.
— Nunca me imaginei saindo para uma balada com o meu pai.
— Tem vergonha de mim?
— O quê? Claro que não. Nada disso. Mas não é todo pai que se oferece para sair com a
filha, principalmente para lugares agitados. Eu nunca saí à noite, muito menos em um tipo de festa
como essa. Acho que será ótimo estar na sua companhia, mas aceito com uma condição.
— E qual é?
— O senhor precisa se divertir também. Nada de ficar me vigiando ou me tratando como
criança. Tudo bem? Já sou bem grandinha e tenho a cabeça no lugar.
Meu pai ri, achando graça, mas oferece a mão para que eu a aperte, então fechamos o
acordo. Ele sai para falar com o Sr. Marinho, para pedir autorização do uso da caminhonete.
Enquanto isso eu tomo um banho e demoro bastante tempo para decidir minha roupa, não porque
há indecisão sobre o que usar, mas pela falta de opção. Escolho uma calça jeans escura e uma
regatinha branca, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e passo uma maquiagem leve. Nunca
precisei me maquiar enquanto estava na escola, mas havia ganhado o básico como pó compacto,
rímel e blush, de uma das minhas colegas de quarto, a Suzana. Não gosto de usar batom. Abro
minha caixinha de acrílico e pego um colar de prata bali, presente de Marina, outra colega de
quarto. Calço uma sandália, salto quinze, e estou pronta.
Encontro meu pai na sala e ele está tão bonito. Meu pai é lindo, vamos combinar. Eu acho que
terei problemas com as mulheres olhando para ele o tempo todo. Espero que não, pois não quero
segurar vela para meu próprio pai. Seria cômico se não fosse trágico. Não quando eu estiver
sozinha, sem nenhuma amiga ou até mesmo um namorado.
—Uau! Pai, o senhor está um gato!
Ele ri sem jeito e coça a cabeça enquanto encara o chão, está ficando vermelho.
— Por favor, não precisa exagerar, Nora. É só jeans e camiseta, não há nada de incrível
nisso.
— Ah, pai. Vai por mim. Há sim. Mas espero que as mulheres nessa danceteria sejam umas
damas e não se atirem para cima do senhor. Posso ser bastante ciumenta.
— Você está linda, filha. Nem acredito que estou te levando para uma balada.
— A propósito, obrigada.
— Pelo quê?
— Por ser o melhor pai do mundo. O senhor está se esforçando para que eu me sinta bem,
morando aqui. E eu estou pai. Ainda é tudo muito novo, mas em breve conhecerei pessoas e farei
amizades, então o senhor poderá ficar mais tranquilo.
Meu pai se aproxima e me segura pelos ombros.
— Você é a minha princesa e estou muito feliz por tê-la morando comigo. Quero que sinta o
quanto é bem-vinda. E mesmo que eu seja um pobre coitado que não faz nada além de trabalhar
e assistir aos jogos de futebol em uma lanchonete, você terá liberdade de fazer o que quiser.
Claro, dentro dos limites da sua idade e do que é correto. Mas confio na sua índole, querida. Por
isso, hoje estou levando você para sair, porque é jovem e merece aproveitar sua idade.
Abraço meu pai e sinto a retribuição do carinho.
— Sei que o senhor tem se esforçado muito para me receber aqui, pai. Prometo não te dar
trabalho.
— Isso é ótimo, até porque ainda sou novo para ter cabelo branco.
Levamos quase uma hora para chegar à cidade vizinha, meu pai é bastante cauteloso no
trânsito e respeita os limites de velocidade. Não que eu tenha algum problema com isso. Ele
estaciona próximo à casa noturna chamada La Lola, um casarão enorme, de pedra, que se parece
com um castelo medieval. É linda. Caminhamos lado a lado e meu pai me pega pela mão quando
chegamos perto da entrada. Ele desvia do caminho e vamos até uma porta lateral.
— Meu amigo trabalha aqui, foi ele quem ofereceu a entrada — explica ele.
— Legal.
Passamos pela segurança e meu pai cumprimenta o amigo, apresentando-me como sua filha.
Engraçado como as pessoas custam a acreditar que ele é mesmo o meu pai.
Por dentro, a La Lola é ainda mais impressionante. Olho ao redor, embasbacada, para as
pessoas ali dentro. Não está em sua lotação máxima, mas tem um bom número de pessoas.
Mulheres lindas, vestidas com roupas pequenas e maquiadas com esmero, calçando salto alto e
desfilando para chamarem a atenção dos homens que circulam entre a pista de dança, o bar e as
áreas reservadas para camarotes. A música não é exatamente o que gosto de ouvir, sequer
conheço o que está tocando, mas não me importo, estou contente por estar aqui. Quero que seja
uma noite divertida para mim e para meu pai.
Seguro a mão dele e o puxo em direção à pista de dança.
— Vamos lá pai, vamos dançar!
— Sabe, eu gosto quando você me chama de pai — comenta ele, acompanhando meus
passos. — Mas me sinto um velho quando me chama de senhor. Vamos mudar isso, ok? Me chame
por você.
— Tudo bem, mas posso chamá-lo de pai? Ou também quer que te chame pelo nome?
Ele ri, e nega veementemente.
— Sou seu pai. Me chame de pai.
— Ótimo, pai. Porque ficaria chateada se quisesse me esconder das pessoas.
— Não fale idiotices menina, você é inteligente demais para isso.
Sorrio, meu pai é mesmo hilário.
Estamos dançando e reparo nas mulheres que tentam chamar a atenção do meu pai.
Engraçado, ele não percebe o quanto é cobiçado. Talvez elas pensam que sou uma ninfeta
interessada em seduzi-lo? Mas quer saber? Não me importo.
Ficamos ali durante umas cinco músicas. Meu pai está mais descontraído e eu também. Paro
de pensar que posso estar sendo desengonçada. Ninguém me conhece aqui mesmo e só consegui
entrar no La Lola porque estou acompanhada do meu pai, pois não é permitida a entrada de
jovens menores de dezoito anos. Eu devia saber que não seria um hábito frequentar esse ambiente,
até porque, pretendo arrumar um emprego logo.
— Está com sede? Quer água ou refrigerante?
Meu pai parece cansado de dançar, essa é a verdade. Sorrio, ele não está acostumado a
sair. Bem, nem eu.
— Estou sim, podemos no sentar no bar? — pergunto, sabendo que ele se sentirá aliviado.
— Claro, vamos lá.
Pegando-me pela mão, meu pai me leva até o bar e pede refrigerante. Como ele está
dirigindo, prefere não ingerir bebida alcoólica.
— O que achou do lugar? É maneiro, não é?
Sorrio.
— É sim, pai. Muito maneiro. Obrigada por me trazer.
— Eu agradeço por ter aceitado o convite, é bom sair acompanhado. Não sei há quanto
tempo não faço isso.
— Por que não, pai? Você é jovem e esteve sozinho durante todos esses anos. Você sabe,
depois que o vovô se foi, e eu fiquei no colégio interno.
— Nunca tive vontade, até agora eu acho. Você é a luz da minha vida, filha. Agora que está
aqui, é como se realmente fizesse sentido viver além da rotina que construí ao longo do tempo.
— Isso é bom, não é?
— Isso é ótimo.
Sabe quando você tem a impressão de estar sendo observada, mas não consegue encontrar
o observador? Pois bem, acho que estou me sentindo assim. Olho em volta, disfarçadamente, mas
não encontro nada diferente do comum para um lugar como o La Lola. Ou como eu imagino que
seja.
— Preciso ir ao banheiro — digo ao meu pai.
— Tudo bem, eu irei acompanhá-la.
Toco o braço do meu pai, tranquilizando-o.
— Fique aqui e guarde o nosso lugar, não vou demorar.
Ele parece indeciso sobre me deixar ir sozinha, mas concorda.
Caminho em direção aos banheiros e surpreendentemente, não está muito cheio. Olho-me no
espelho e uso um papel toalha para secar o suor em minha testa, está muito quente dentro do La
Lola. Ouço o barulho de alguém em uma das cabines do banheiro, parece estar vomitando, o que
deve ser normal para uma boate, já que as pessoas têm em mente que o ideal de diversão é sair
para dançar e encher a cara. Meu instinto natural de me preocupar com o próximo, me faz ir até
a cabine e bater na porta.
— Olá — chamo. — Está tudo bem? Precisa de ajuda?
Quem quer que seja não me responde. Está ocupada de mais colocando tudo para fora.
Aguardo, preocupada, talvez a moça precise de ajuda. Quando a porta se abre, vejo a garota
pálida sair da cabine e caminhar em direção a pia. Ela lava o rosto e faz gargarejo para tirar o
gosto ruim da boca, eu a observo, ainda aguardando para saber como ela está. Tem outras moças
no banheiro, mas elas não se importam.
— Foi você quem perguntou por mim? — diz ela, se aproximando.
Assinto em silêncio.
— Estou melhor agora, você tem um chiclete?
Lembro-me do pacote de goma de mascar que costumo levar sempre comigo, havia colocado
no bolso traseiro do jeans. Ofereço a ela que agradece com um sorriso.
— Obrigada. Foi gentil da sua parte se preocupar comigo.
— Não precisa agradecer — digo sendo sincera. — Fico feliz que esteja bem.
— Sabe, não estou bêbada se é o que está pensando.
— Oh não, eu não tenho nada a ver com isso.
Ela sorri.
— Eu sei, mas acho que preciso desabafar entende? E como não nos conhecemos, talvez seja
o ideal eu contar para uma estranha que estou grávida e não tenho coragem de contar ao pai do
meu bebê.
Sou pega de surpresa com a revelação da moça. Acabamos de nos conhecer e ela despeja o
balde de informações para cima de mim. Coitada. Deve ser horrível estar passando por isso
sozinha.
— Por que não contou a ele?
Escoramo-nos na parede do banheiro e ignoramos as garotas que entram e saem. Ela cruza
os braços e alterna entre falar e fazer bolhas com o chiclete.
— Digamos que eu não seja o exemplo de namorada perfeita. Sequer somos namorados,
mas há meses temos transado e sim, fomos imprudentes algumas vezes. Mas ele está sempre
curtindo com uma garota nova e para não ficar por baixo, acabo saindo com outros caras
também, embora não tenha dormido com eles, você sabe o que quero dizer.
— Na verdade, eu não sei. Só tenho dezessete anos e nunca tive um namorado. Nunca beijei
um cara, quem dirá dormir com um.
A expressão de espanto da garota quase me faz rir. Por certo ela acredita que sou uma
alienígena.
— Você é uma santa — comenta.
Começo a rir.
— Não exagere. Cresci em um colégio de freiras, é meu segundo dia na cidade e minha vida
está praticamente começando agora. Tudo tem seu tempo, ainda sou nova.
— O que faz no La Lola? Como conseguiu entrar?
— Acredite se quiser, mas o meu pai me trouxe aqui.
— Seu pai? Isso é estranho, mas legal.
— Você deveria ser sincera com o pai do seu bebê. Conte logo para ele, e seja o que Deus
quiser. Se não aceitar ou duvidar de você, ele será o maior babaca. Você é linda e parece ser
uma garota legal.
— É, pode até ser, mas não sou o tipo de garota para casar, entende? Acho que é por isso
que ele não me leva a sério.
— Então se leve a sério, em primeiro lugar. Você vai ser mãe, e as pessoas mudam. Conte a
ele e comece a pensar no seu bebê. Tenho certeza que será uma ótima mãe.
— Será? Eu só tenho dezenove anos.
— Acredite em mim. O meu pai me criou sozinho, ele largou tudo para cuidar de mim. Foi pai
aos dezenove anos e abandonado pela minha mãe. Acredite, foi difícil, mas não impossível.
— Qual seu nome, mocinha?
Sorrio para ela e estendo minha mão.
— O meu nome é Nora.
— Obrigada pelos conselhos, Nora. E prazer em conhecê-la. Meu nome é Sabrina e você
pode me considerar sua mais nova amiga.
Capítulo 4
Bento Sampaio sentiu-se feliz por sua filha ter aceitado o convite de ir até a La Lola. Ele
havia pensado nisso durante o dia para surpreendê-la. Passaram boa parte da tarde juntos,
enquanto ele lhe ensinava a tocar violão. Nora era excelente aprendiz, talvez tivessem o dom da
música em comum, pensou enquanto a observava. Seu antigo amigo da faculdade, Ítalo, era
responsável pela equipe de segurança da La Lola e em diversas ocasiões, quando se encontravam
na lanchonete para assistir aos jogos de futebol, ele o havia convidado para ir à boate. Bento
nunca sentiu a necessidade de ter uma vida social, mesmo sendo jovem e solteiro. Algo nele havia
sido partido quando Adelina o deixou, e apesar de ser um homem e ter suas necessidades, não
era o tipo de cara que gostava de sair para “caçar” mulheres. Sempre encontrava alguém na
lanchonete no centro da cidade, não que procurasse, mas a oportunidade surgia e em algumas
ocasiões ele não as desperdiçava. O Alcapone’s era um ambiente tranquilo, com decoração rústica,
os móveis amadeirados e a iluminação precária formavam uma bela equipe, deixando o clima de
taverna ainda mais presente. Havia mesas de sinuca, alvos espalhados em locais estratégicos para
a prática de dardos, mesas bem localizadas com iluminação diferenciada e um Jukebox para quem
quisesse se arriscar a escolher a trilha sonora do local. E era ali, naquele lugar, que Bento
encontrava companhia agradável, uma vez ou outra. Mas nada além de sexo casual, jamais
permitiu que qualquer uma delas chegasse perto do seu coração. Porque Bento Sampaio
acreditava que já não possuía um. Mas com a volta de Nora para sua vida, ele queria
proporcionar a filha algo diferente. Ela era uma linda menina e estava se tornando uma mulher,
mesmo que fosse protetor com ela, sabia que a filha iria se tornar independente um dia, e ele
queria mostrar a ela que não era apenas seu pai, mas um amigo em quem ela poderia confiar.
Portanto, seria ele a levá-la em sua primeira balada noturna.
Estava voltando da mansão após pedir autorização para seu patrão, Alfredo Marinho, para
usar a caminhonete de serviço. O Sr. Marinho estava ansioso para conhecer sua filha, assim como
Isabella Marinho, sua esposa. Ele prometeu apresentar Nora a eles no dia seguinte. Segurava em
sua mão o chaveiro com a chave da caminhonete enquanto passava pela área da piscina. Às
vezes Lucas, o único filho de seu patrão, dava grandes festas ali. Bento observou de longe muitas
vezes enquanto a elite local se divertia com a música alta, bebidas caras e trajes de banho. Um
mundo bem diferente do seu, mas nada que lhe fizesse falta. Era solitário por opção e tudo o que
lhe importava era sua princesa Nora.
— Ei você, pode me ajudar?
A voz feminina parecia-lhe conhecida, mas Bento não se lembrava de onde ouvira. Olhou
para a bela dama, parada na outra extremidade da piscina, tentando chamar sua atenção
enquanto abanava as mãos. Ele sorriu, o gesto da mulher era engraçado, como se estivesse em um
deserto escaldante em busca de socorro. Quanto exagero!
— Pois não, senhorita. Qual é o problema?
— O pneu do meu carro furou e o senhor da portaria disse que não há borracharia aqui
perto. Também não podia sair de lá para me ajudar a trocar. Droga, eu não pretendia demorar
muito por aqui.
Quem era ela afinal? Tinha certeza que a conhecia, porém, a memória lhe faltava.
Aproximou-se de onde ela estava. A senhorita o olhou de cima a baixo, especulando-o. Ele
vestia jeans surrado e uma camiseta velha, seu cabelo loiro estava desgrenhado e jogado para
trás, como de costume, era um tique, estava sempre penteando o cabelo para trás com os dedos.
Bento a avaliou também, mas intimidou-se com a elegância da jovem mulher. Seu cabelo bem
hidratado, em tom castanho no corte chanel, brilhava com a luz do sol, contrastando com o
esverdeado dos seus olhos. A franja rebelde a deixava com aparência jovem e era impossível
para Bento deduzir a idade da moça. Era deslumbrante, de fato. Mas muita areia para o seu
caminhãozinho, como costumavam dizer seus amigos no Alcapone’s, quando encontravam uma
mulher linda demais ao ponto de ser inalcançável. Não que pretendesse algo com ela, Bento não
era tolo. Sabia perfeitamente o abismo que havia entre ele e mulheres daquela classe. Afinal,
apaixonou-se perdidamente por uma delas, uma vez, o que resultou em uma vida solitária e a
responsabilidade pela filha que foi abandonada logo após o nascimento.
— Sim, onde está seu carro? — perguntou solicito.
— Ali. — Apontou em direção ao New Beetle preto, estacionado próximo a uma árvore, na
entrada da mansão.
Verificou o pneu dianteiro, estava totalmente murcho. A mulher lhe entregou a chave do
automóvel para que ele pegasse o estepe e as ferramentas necessárias para fazer a troca do
pneu. Estavam em silêncio, mas Bento sentiu os olhos dela lhe observando a todo o momento. O suor
em sua testa avisava-lhe que estava ficando constrangido com a situação. O quão estranho era
aquilo?
— Qual é o seu nome? — perguntou ela.
Ainda trabalhando com o macaco para levantar o carro, ele respondeu sem lhe dirigir o
olhar. Assim era melhor, pensou ele. Nada de contato visual.
— Sou o Bento, responsável pela limpeza e manutenção dos jardins da propriedade.
Não tinha vergonha do seu trabalho, era digno e lhe trazia o sustento.
— Não me recordo de tê-lo visto nas ocasiões em que aqui estive — ponderou a mulher, com
sua voz suave.
— Também não me lembro da senhorita, embora sua voz não me seja estranha.
Pegou a chave de rodas e concentrou-se em desparafusar. Qualquer coisa era melhor do
que olhar para ela. Nunca havia se sentido tão desconfortável na presença de uma mulher antes.
Nem com Adelina. Surpreendeu-se quando ela se abaixou, ficando próxima a ele, observando
enquanto fazia o trabalho. Bento quase se atrapalhou com os parafusos.
— Eu me chamo Bárbara. Estive aqui poucas vezes, enquanto namorava Lucas.
Oh, sim. Agora ele havia se lembrado de quem ela era. A ex-noiva do chefe.
Embora não a tivesse visto antes, a voz era inesquecível.
Bento engasgou ao se lembrar.
Em uma noite, chegando muito tarde após algumas rodadas de cerveja no Alcapone’s, Bento
estacionou a caminhonete na garagem de serviço e caminhou sorrateiramente para sua casa, aos
fundos da propriedade. No percurso, ouviu vozes e ficou atento. Caminhou em direção à voz
feminina e paralisou ao flagrar entre os arbustos uma das cenas que mais o chocou durante seus
anos de serviços prestados à família: Lucas estava fazendo sexo com a namorada, encostado em
uma árvore. Ela parecia estar gostando, pois gemia alto e ele até ouviu um “Ai meu Deus, não
para! ”. Levou dias para que conseguisse encarar o patrão com naturalidade.
Droga, agora sabia de onde conhecia aquela voz suave como um veludo. Permaneceu em
silêncio e efetuou a troca do pneu, guardou o material, ignorando a mulher que o olhava atenta.
— Prontinho, dona.
Tudo o que Bento queria era ir para casa, tomar um banho frio e esquecer aquela mulher.
Ela pestanejou.
— Quanto eu te devo? — perguntou ela, tirando da bolsa pendurada em seu ombro, uma
carteira chique.
— Como é que é? — Ele não acreditou no que estava ouvindo.
— Quanto irá me cobrar pelo serviço prestado?
Ele riu, balançando a cabeça.
— Não me deve nada, dona.
— Meu nome é Bárbara, e eu quero pagar.
Bento colocou a mão na cintura e a encarou de modo desafiador.
— Só quis ajudar a moça com o pneu do carro, não estou interessado no seu dinheiro. Com
licença.
— Mas eu...
E sem permitir que ela lhe questionasse, Bento deu-lhe as costas e caminhou às pressas para a
casa.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Enquanto estava no bar, aguardando Nora voltar do banheiro, Bento pediu outro
refrigerante. Não queria beber nada alcoólico, estava dirigindo e não daria mau exemplo à filha,
ingerindo álcool para depois pegar na boleia. A música alta o estava deixando maluco, ele não
estava habituado àquela rotina. Caramba, havia muito tempo que não sabia o que era ir à uma
boate. Ao menos estava sendo divertido fazer companhia à Nora, a menina estava realmente
contente por ele tê-la levado à La Lola. A parte chata era ter que ignorar os olhares das mulheres,
ele não estava ali para paquerar. Outra parte desagradável era aturar os olhares dos homens
para cima de sua menina, mas ele sabia que Nora tinha a cabeça no lugar e que um dia ela teria
um namorado. Sua filha era bonita e estava prestes a completar dezoito anos, não poderia
prendê-la em uma gaiola, por mais que quisesse protegê-la e evitar que sua princesa tivesse o
coração partido. Eram coisas que a vida fazia questão de ensinar, e tudo o que ele podia fazer
era se preparar para ser seu porto seguro quando as mágoas surgissem no decorrer de sua vida
adulta.
Bento era um bom pai. Muito melhor do que pensou que seria.
— Olha quem eu encontrei. O jardineiro bonitão.
Não, ela não. Pensou.
Virou-se para embasbacar-se com a beleza de Bárbara. Ela estava maravilhosa em um
macacão preto, frente única. As pernas esguias cobertas pelo tecido, mas o decote exagerado
chamava atenção para os seios. Ela não usava sutiã. Seu sorriso maroto denotava provocação e
Bento ficou alerta.
Sim, ela havia bebido, com certeza, além da conta.
— Boa noite, dona Bárbara.
Ela gargalhou, jogando a cabeça para trás. Bento observou seu pescoço e apertou a mão
com força, para enviar uma mensagem ao cérebro, através da dor causada pelas unhas cravadas
na pele, que ele deveria se comportar. Não era um menino, não era impulsivo. Era um homem e não
se deixaria seduzir por um pescoço atraente e seios aparentemente perfeitos. Ela estava brincando
com ele. Estava obvio demais. Provavelmente a senhorita estava acostumada a ter tudo sob
controle, e ele não se deixava controlar.
Sem pedir licença, Bárbara ocupou a banqueta que era de Nora, mas Bento não se sentiu
confortável para mandá-la embora. Ele não era um brutamonte. Sabia como tratar uma mulher, até
porque, não gostaria que tratassem sua filha com grosseria.
— Eu lhe devo uma cerveja — disse desafiadora.
— Não estou bebendo esta noite, e você não me deve nada.
— Não seja grosseiro, estou lhe oferecendo uma bebida.
— Não seja teimosa, eu disse que não estou bebendo essa noite. — Mostrou-lhe a lata de
refrigerante que estava tomando.
— Você é tão turrão — reclamou Bárbara.
— Estou dirigindo, não quero beber nada alcoólico.
— Sério? Acho que além de turrão, você é um senhor certinho.
Ela o estava provocando, Bento sabia disso. Mas não entendia o porquê.
— Não estou sozinho — revelou evasivamente. — Portanto sou responsável pela vida de
outra pessoa enquanto dirijo. Costumo beber chope quando estou na minha cidade, posso ir a pé
para casa, ou de carro, o que leva cinco ou dez minutos. Mas aqui? Não, prefiro ser prudente.
Bárbara olhou para o homem à sua frente. Ele a intrigava de uma maneira que não sabia
explicar. Estranho, pensou ela. Não era o tipo de mulher que tomava iniciativa em relação a um
homem, gostava de ser cortejada. Fazia questão. Fazia-se de difícil, tinha seus joguinhos de
sedução, tudo para que a arte da conquista fosse degustada de maneira adequada ao seu
paladar refinado. Bento era uma iguaria exótica, um homem belo demais para não ser percebido,
porém, simples demais para lhe despertar interesse. O que a pegou de surpresa, pois sentiu uma
atração imediata por ele. Talvez a culpa fosse de seu belo rosto. Ou seu corpo bronzeado. Aquele
pedaço de homem tinha provavelmente um metro e noventa, e músculos bem distribuídos, resultado
do trabalho braçal.
Droga! Ele a estava evitando.
Como um homem como ele poderia evitar uma mulher como ela?
Não fazia sentido algum.
Bárbara sempre gostou de desafios. Não estava acostumada a ser recusada, e ela decidiu
naquele momento que queria Bento, ao menos uma vez.
Que problema teria? Nenhum.
Ninguém do seu círculo social precisava saber que ela solicitou a atenção de um belo serviçal.
Estava decidido.
Ela o queria, e sendo assim, ela o teria.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Lucas não havia encontrado ninguém que lhe despertasse os sentidos, ou melhor, seu pau.
Nenhuma daquelas vadias interesseiras estava lhe dando tesão. E ele queria, precisava transar. A
masturbação não era uma opção para aquela noite. Tinha que se libertar, afundando-se em uma
boceta. Era uma questão de honra para ele.
Voltou a observar a pista de dança no andar de baixo. Não encontrou Nora e nem seu pai.
Onde diabos estariam eles? Droga, não queria saber. Não podia. Ela não seria a solução para o
seu problema. Na verdade, era seu calvário.
Passou a mão pelo rosto, frustrado. Caio aproximou-se novamente e o encarou preocupado.
Foi quando a viu novamente, voltando para a pista acompanhada de Sabrina. Elas se conheciam?
Desde quando? Franziu a testa, observando em silêncio enquanto as duas pareciam se divertir com
a música. Nora era tão linda. Seu corpo remexia em sintonia com a música, ela rebolava sem
vulgarizar, apenas balançando o corpo no ritmo perfeito. E Lucas não deixou de reparar nos
olhares masculinos em sua direção. Eles a cobiçavam. Desejavam-na para si.
Não, ele não permitiria. Ela seria dele, de mais ninguém.
— Eu quero — disse em voz alta.
— Quer o quê? — perguntou Caio, sem saber do que o amigo estava falando.
— Ela, a filha do jardineiro. — Apontou em direção à pista de dança, onde sua linda
bruxinha balançava o quadril.
— Para quê, Lucas?
— Para fodê-la, até que nenhum de nós dois consiga andar.
— Tá maluco? Ela é uma menina!
Lucas encarou seu amigo, irritado por ter sido lembrado do empecilho que lhe separava
momentaneamente da garota.
— Em breve ela completa a maioridade, então vou pegá-la para mim. E quando digo pegá-
la, você sabe exatamente do que estou falando.
NORA
Sabrina é muito divertida. Conversamos no banheiro feminino e ela me convidou para a pista
de dança. Sei que meu pai está se esforçando para que eu me divirta, mas não quero fazê-lo
dançar mais do que suportaria.
Caminho até o bar para contar que fiz uma amiga e quero dançar mais um pouco, se ele
quiser, pode me esperar no bar. Não quero demorar muito tempo, não estou acostumada a ficar
acordada até tarde e a música alta me deixa atordoada. Concluo que não sou o tipo de garota
noturna.
Sabrina foi até a área vip, avisar o cara com quem veio que ficará no primeiro andar, me
fazendo companhia. Acho que ela quer evitá-lo por um tempo, deve estar tomando coragem para
contar sobre a gravidez. Espero que eles se entendam e tudo corra bem quando Caio descobrir
que será pai. Não o conheço, mas espero que seja um cara legal, gosto da Sabrina e quero que
ela seja feliz. Todo mundo merece ser feliz, afinal.
Ao me aproximar, reparo que há uma mulher muito próxima de meu pai. Ela é alta e magra,
não de uma maneira exagerada, mas elegante. Meu pai parece desconfortável ao lado dela. Paro
abruptamente, sem saber o que fazer.
Devo me aproximar? Chamá-lo de pai? Ai caramba! Será que ele está paquerando?
Felizmente, meu pai me observa por entre o ombro da mulher, que permanece olhando para
ele. Ele me dirige um sorriso confiante, o que me deixa feliz por saber que posso me aproximar.
— Voltei — digo, apoiando minhas mãos em seu ombro, carinhosamente.
Meu pai sorri e beija minha testa.
Encaro a mulher e lhe dirijo um sorriso em simpatia. Ela parece estar reparando em cada
detalhe de minha roupa. Sei que não sou chique como ela, mas estou vestida apropriadamente. De
todo o jeito, ela me intimida. Embora me olhe da cabeça aos pés, não há desdém em sua inspeção,
a moça provavelmente está curiosa ao meu respeito. Talvez pense que sou sua rival.
— Vocês dois. — Ela aponta com o dedo indicador para meu pai e depois para mim. — São
namorados ou algo assim?
Engasgo.
Meu pai começa a rir e eu acabo o acompanhando.
— Nora só tem dezessete anos, senhorita — explica meu pai.
Ela pestanejou, antes de continuar especulando.
— Mas isso não responde a minha pergunta, Bento.
— Sou Nora — apresento-me estendendo minha mão para ela, para cumprimentá-la
adequadamente.
Ela hesita um instante, mas aceita. Seu aperto é firme e seu sorriso, apesar de desconfiado,
não é arrogante.
— Prazer em conhecê-la, Nora. Sou Bárbara.
— Você é amiga do meu pai? — pergunto, sem me conter.
Droga! Será que eu não devia ter contado?
Arregalo os olhos para meu pai, que continua tranquilo, sem se abalar com o que eu havia
acabado de falar. Bárbara arqueia as sobrancelhas.
— Quem é o seu pai? — pergunta, sem entender o que eu havia falado.
Antes que eu possa responder, meu pai intervém:
— Eu sou o pai da Nora, Bárbara.
A expressão de espanto no rosto de Bárbara é cômica. Controlo-me para não rir.
— Está de brincadeira comigo? — pergunta, denotando irritação na voz suave.
— Por que eu brincaria com algo assim? — devolve meu pai. — Mas não me surpreende o
seu espanto, quase todos reagem assim quando descobrem que tenho uma filha adolescente. O
fato é que fui pai muito cedo, mas sim, Nora é minha filha.
— Desde que nasci — brinco, tentando descontrair um pouco o clima tenso.
— Uau, isso é realmente impressionante — diz Bárbara.
Penso que talvez os dois queiram conversar à sós.
— Pai, eu conheci uma garota muito legal, enquanto estava no banheiro. Foi por isso que
demorei. O nome dela é Sabrina e me convidou para dançar mais um pouco, antes de ela ir
embora. O senhor pode ficar por aqui, e daqui uns vinte minutos eu retorno, pode ser?
Parece que meu pai está com medo de ficar sozinho com Bárbara. O que é engraçado. Mas
a maneira como ela olha para meu pai, é evidente que está interessada nele. Ela é bonita e
aparentemente simpática. Por que não? Meu pai é jovem, bonito e solteiro.
— Tudo bem, amor. Vai lá. Quando voltar, iremos para casa, tá?
— Uhum!
Beijo-o na bochecha e viro-me para Bárbara.
— Até outro dia, Bárbara. Foi um prazer conhecê-la.
— Igualmente, mocinha.
Caminho entre as pessoas até o ponto em que combinei com Sabrina. Ela pega minha mão e
juntas vamos para o centro da pista de dança, a boate agora está mais cheia, mesmo assim há
espaço para dançarmos.
Distraio-me enquanto me deixo embalar pela música, quando finalmente percebo Sabrina
dançando com um homem muito bonito. Ele não estava ali antes, nem o vi chegar.
Será o tal do Caio?
Aproximo-me, com receio. O homem faz um gesto com a cabeça, apontando para mim, e
Sabrina se vira para me ver. Ela sorri e me puxa pela mão.
— Nora, venha aqui. Quero te apresentar o Caio, meu amigo.
Amigo? Uau, que maneira de apresentar o pai do próprio filho.
Eles realmente precisam definir as coisas.
Caio é lindo, o cabelo castanho claro e a barba cerrada no mesmo tom. Ele deve ter em
torno de um metro e noventa, uns trinta centímetros a mais que Sabrina. Os braços musculosos, mas
não de forma exagerada, abraçam minha nova amiga de maneira possessiva, ele parece gostar
dela. Será que ela não percebe? Caio deve ter uns trinta anos, alguns a mais que ela. Eles formam
um belo par. Mesmo com Sabrina me segurando com uma das mãos, Caio a mantém em seu
abraço. Sorrio para ele e aceno com a cabeça.
— Oi Caio, sou a Nora.
Ele franze a testa por um momento, mas logo sorri.
— Prazer em conhecê-la, Nora. Você é nova por aqui? Não me lembro de tê-la visto antes.
Assinto com a cabeça.
— Moro na cidade vizinha, é a primeira vez que saio à noite, confesso. É tudo muito novo
para mim.
Sabrina acaricia o rosto de Caio.
— Não disse que ela é uma pessoa rara? Estou encantada com a garota.
Caio beija a bochecha de Sabrina. Fico sem graça, sentindo que estou sobrando.
Eles agem como um casal apaixonado.
— Sei de alguém que deve se sentir da mesma maneira — comenta Caio, em um tom
misterioso.
O que será que ele quer dizer com isso?
— Acho que vou indo nessa — digo, sentindo-me envergonhada. Não sei como agir diante
do casal.
— Por quê? — pergunta Sabrina.
— Meu pai está no bar e tem uma mulher conversando com ele. Mas acho que ele está
apavorado.
Sabrina e Caio riem com vontade, me fazendo rir também.
— Fique conosco — diz Caio. — Seu pai tem que aprender a se virar sozinho.
— Finalmente achei vocês — diz uma voz masculina, alto o suficiente para se sobressair
sobre a música alta.
Viro-me para ver quem é, e minha boca se abre, em surpresa ao reconhecê-lo.
— Lucas? — pergunto, involuntariamente.
— Nora. — Ele sorri, daquele jeito cínico habitual. Não parece surpreso ao me encontrar. —
O destino parece conspirar a nosso favor.
LUCAS
Eu até queria me manter afastado da tentação, mas algo parece me atrair para esta garota.
Nora está ainda mais linda do que no dia anterior, quando a encontrei em cima de uma árvore. Ela
está surpresa por me encontrar no La Lola, mas o que ela não sabe é que em cidade pequena,
todo mundo se esbarra. Tento não olhar para seus seios perfeitos, por debaixo de sua regata
branca. Encaro-a nos olhos, seus lindos olhos cor de mel, que insistem em me hipnotizar com sua
magia de bruxa sedutora.
Como consegue ser tão sexy, sem ao menos tentar?
— Vocês se conhecem? — pergunta Sabrina, encarando Nora e eu.
— A Nora mora na propriedade da minha família, com o pai — explico para Sabrina, que
está abraçada ao Caio.
Quanto ao meu amigo, ele me olha com um sorriso debochado, o filho da mãe sabe que ela é
a garota que está enlouquecendo minha mente.
Nora, por sua vez, me olha espantada.
Será que ela não sabe que sou o dono da mansão?
— Sua família? — pergunta.
Confirmo, acenando com a cabeça.
— Meus pais e eu. Pensei que soubesse.
— Não sabia.
Sabrina e Caio voltam a dançar, nos deixando à vontade para conversar. Apesar da música
alta, é como se só tivesse ela e eu e ninguém mais em volta. Conseguia ouvi-la perfeitamente.
— Eu estava lá hoje cedo — comento.
Ela dá de ombros.
— Só não liguei os fatos.
Essa menina está sempre com a resposta na ponta da língua.
— Onde está o Bento? — pergunto. Ela veio com ele, por que Bento deixaria a filha sozinha?
— Como sabe que meu pai está aqui?
Sorrio.
— Ele não a deixaria vir aqui sozinha.
Ela morde os lábios, mas concorda com a cabeça.
— No bar, daqui a pouco vamos embora — responde.
— É a primeira vez que sai à noite, não é?
— Uhum.
Seus olhos cor de mel não desviam, ela está focada em mim. Sinto minha cueca ficar
apertada.
— Quer dançar? — pergunto sem pensar.
Ela hesita e eu me aproximo dela, toco o seu queixo com uma das mãos e observo sua pele
se arrepiar. Sorrio, satisfeito com a reação de seu corpo ao meu toque. Nora pode não saber, mas
ela me quer. Chego mais perto e falo em seu ouvido.
— Não tenha medo, Nora. Eu não mordo. A não ser que você queira.
Seus lábios estremecem e eu sorrio novamente. Bom saber, não sou o único que fica
perturbado.
— Relaxa, bruxinha. Eu não vou ultrapassar os limites.
— Bruxinha?
— Oh, sim. Você é uma maldita bruxinha, me enfeitiçou e não consigo parar de pensar em
você.
Ela dá um passo para trás, na defensiva.
— Escute aqui, eu não te dei liberdade alguma para falar assim comigo. Seu sem vergonha!
Sem vergonha? Por Deus! Essa garota existe mesmo?
Começo a rir.
— Você não sabe falar palavrão? — pergunto, ainda rindo.
— Por que você é tão chato?
— Chato não é palavrão, Nora.
Ela bufa, coloca as mãos na cintura e me encara desafiadora.
— Pode parar com essas insinuações? Você tá jogando charme pra cima de mim, não está?
Encaro-a estupefato. Essa menina não tem filtro.
Porra!
Olho de relance e observo Sabrina e Caio saírem de perto de nós. Muito inteligente por
parte do meu amigo, me deixar sozinho com a Nora. Tecnicamente não estamos sozinhos, já que a
pista de dança está cheia de pessoas à nossa volta. Bem, você entendeu o que eu quis dizer.
O Neandertal dentro de mim quer colocá-la sobre meus ombros e levá-la para minha
caverna, deixá-la sob meus cuidados e ser o único a tocá-la. Eu sei que não é civilizado e nada
saudável pensar isso, ainda mais se tratando de uma garota menor de idade. Mas não é como se
eu fosse um abusador de menores. Nora tem quase dezoito anos, é uma mulher, mesmo que a lei
diga o contrário. E ela me deseja, embora não admita. Eu jamais faria qualquer coisa que a
machucasse. Não sou um maldito corruptor. Não irei molestá-la. É apenas um jogo de palavras,
algo que eu estou acostumado a fazer com as mulheres que me atraem.
Merda, mas ela não é como as outras. É?
Nora está com as bochechas vermelha, o que a deixa ainda mais linda.
— O que te faz pensar isso, docinho? — pergunto, provocando-a.
Ela parece intimidada agora.
Viu só? Se ela acha que vai me fazer de gato e sapato só porque tem uma boceta entre as
pernas, está muito enganada.
Bruxinha! Sou eu quem move as peças do jogo, não você.
— O jeito como fala comigo, parece que tudo o que sai da sua boca tem duplo sentido —
explica.
Levanto meu dedo indicador e gesticulo um não.
— Isso é coisa da sua cabecinha, Nora. Pare de ser maliciosa.
Sua boca se abre, mas ela não diz nada.
Consegui pegá-la desarmada, afinal.
Talvez eu deva agir diferente. Se eu me insinuar para ela, vou deixá-la assustada. Nora não
confia em mim. Eu preciso que ela acredite que não estou mal-intencionado. Até porque, minhas
intenções com elas são as melhores, ao menos no meu ponto de vista.
Decido mudar minha estratégia.
Manter-me afastado não é uma opção, já que meu pau decidiu ter vida própria e não se
interessa por ninguém mais além dessa fedelha com carinha de santa.
Novo plano.
—O que foi? — pergunto. — Sou um homem adulto. Olhe para mim, eu não preciso jogar
indiretas para nenhuma mulher. Muito menos para uma menina que acabou de sair das fraldas.
Pensou o quê? Que eu estava tentando alguma coisa com você? Eu tenho vinte e oito anos, Nora,
não sou um garotinho do colegial.
— Eu não estava...
— Estava sim! — acuso-a. — Não vou negar, te acho linda. Mas não faz meu tipo. Só estava
tentando ser legal, já que quase te atropelei e por acaso, você é filha de um dos meus
funcionários. Eu sou assim com todas. Não pense que você é diferente.
Tudo bem. Estou pegando pesado. Mas mulher é assim, quanto mais desdenhamos, mais elas
gamam. Quem sabe com Nora não seja assim também? Ela está toda cheia de si, achando que eu
estou dando em cima dela descaradamente, mesmo que eu esteja, não darei a ela o gostinho da
vitória.
Cara, essa bruxinha não faz ideia de como costumo agir quando dou em cima de uma mulher.
“Sem Vergonha” é um elogio, pode apostar.
Recuso-me a levar esporro de uma menina.
Foda-se.
— Acho melhor você voltar para o bar. Seu papaizinho deve estar preocupado.
Sem dizer nada, ela vira as costas e sai apressadamente.
Observo-a até que desaparece entre as pessoas.
— Sua malcriada — murmuro para mim mesmo. — Nora, Nora. Não é uma questão de
escolha, mas uma questão de tempo. No momento em que eu determinar, você será minha.
Mas agora eu preciso de alguém que possa chupar o meu pau.
Capítulo 5
Lucas Marinho tinha seus próprios princípios. Um deles era não perder a cabeça por causa
de mulher. Mas desde que conhecera Nora, as regras começaram a serem quebradas contra sua
vontade. Havia se masturbado usando-a como sua musa, havia confessado que não conseguia
parar de pensar nela e teve que ouvi-la chamá-lo de sem vergonha — por falta de adjetivo
melhor — estava zanzando pela La Lola em busca de uma conquista em potencial, porém nenhuma
mulher lhe atraía. Ele sabia perfeitamente quem poderia saciar seus desejos mais ocultos, mas ela
lhe era proibida. Ao menos por dois meses.
Conseguiria permanecer no celibato por dois longos e infindáveis meses?
Claro que não.
Completar a maioridade não significava que Nora iria ceder e entregar-se a Lucas. Era um
tiro no escuro, mesmo tendo certeza que ela também o desejava. Nora era ingênua, uma menina
do interior, criada em um colégio de freiras e protegida por um pai que era exemplo de caráter e
conduta. Bento Sampaio conhecia a fama de Lucas Marinho. Ele não permitiria que a filha se
envolvesse com um playboy mulherengo. E Lucas não queria nada além de uma transa casual. Ele
desejava aquela garota para desfrutar de suas fantasias, não para levá-la ao altar e torná-la a
mãe de seus filhos.
Valia o risco?
Talvez não.
Precisava tirá-la da cabeça.
Encontrava-se em uma verdadeira encruzilhada de dúvidas. Sentia-se contraditório o tempo
todo. Ele a desejava, mas sabia que era arriscado demais. Qual caminho seguir? O da razão? Ou
o do seu pau? Porque em grande parte do momento, Lucas estava pensando com a cabeça de
baixo.
— Sumiu, Lucas — comentou Daniel, o filho do prefeito de seu município. — Quem foi a gata
de hoje?
Daniel era petulante, não se importava em parecer inconveniente. Quando Lucas levava uma
mulher para a cama, Daniel fazia questão de saber quem era somente para dizer se já havia
experimentado ou para pedir uma recomendação. Eles trocavam figurinhas, por assim dizer. Não
que Lucas se importasse. Nenhuma delas o importava.
— Estava procurando pelo Caio — mentiu.
Desde que Nora havia lhe dado as costas, Lucas esteve circulando pela boate a procura de
uma companhia agradável, mas em nada resultou sua busca. Não viu Sabrina e Caio desde que
lhe deixaram a sós com a filha do jardineiro. Retornou ao camarote, onde encontrou os amigos, uns
dançando e outros sentados com belas garotas no colo. O de sempre, como sempre.
— Eles já foram, Caio estava sério. Sabrina parecia ter chorado. Não sei o que aconteceu.
Lucas ficou tenso pelo amigo. Será que Sabrina lhe contou sobre a gravidez? Os dois
pareciam apaixonados, não saíam um de perto do outro e Lucas nunca viu Caio tão atencioso com
uma mulher antes.
A família Antunes constituía a elite regional e Caio, assim como Lucas, foi criado para suceder
os pais. Ambos frequentaram a mesma escola particular e seguiram juntos para a universidade,
porém seu amigo especializou-se na área administrativa e assumiu um cargo de importância na
indústria têxtil que levava o nome da família. Caio Antunes era um jovem herdeiro de vinte e sete
anos, bonito, rico, solteiro. Que mulher não se sentiria atraída?
Sabrina Blanco era filha de uma viúva muito conhecida no município, a dona da lanchonete
Alcapone’s, Eulália. Embora a fama do bar e lanchonete fosse ótima, a da filha da dona era um
pouco comprometida. Quase todos os amigos de Lucas haviam saído com a moça e conhecido seus
talentos orais. Lucas também, claro. Sabrina e ele eram velhos amigos. Mas recentemente, Caio e
ela estavam se encontrando com muita frequência, saindo juntos de algumas festas, aparecendo
juntos em outras. Nada convencional, nem para ela e muito menos para ele. Lucas apenas
observava sem dar muita importância, pois volta e meia eles eram vistos em companhias diferentes.
Mas agora que sabia da gravidez de Sabrina, Lucas ficou preocupado com o amigo.
Sacou o iPhone do bolso de sua jaqueta e ligou para Caio.
Caixa Postal.
— Merda. Ele não atende.
— Não seja empata foda, Lucas. O Caio deve estar sendo chupado com esmero pela boca
deliciosa da Sabrina.
Lucas encarou o filho do prefeito, com cara de poucos amigos.
— Você ainda está aqui, Daniel? Vá trepar, me deixe em paz!
— O que foi Lucas? Vai descontar sua frustração em mim, cara? Não falei nada que não
fosse verdade. Todo mundo sabe que a Sabrina é a mestre dos boquetes, você mesmo já disse isso,
então não fode.
Lucas bufou, irritado e saiu do camarote antes que iniciasse uma briga com Daniel. Estava
irritado pela conversa com Nora e não queria arrumar confusão por causa de Sabrina, com quem
não tinha nenhum vínculo. Caio que se preocupasse em defender sua garota. Aquilo não lhe dizia
respeito.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora estava em seu quarto, deitada, tentando dormir. Chegaram da boate há quase uma
hora e ela foi para o banho. Seu pai estava na sala, assistindo algum filme na televisão, mas ela
preferiu deitar-se. Queria tirar de sua pele o toque de Lucas, queria esquecer que ele esteve tão
perto e principalmente o que lhe disse ao pé do ouvido.
Como poderia ter lhe dito que não conseguia parar de pensar nela e depois agir como um
brutamonte? Dizer que só estava sendo legal e que agia assim com todas. Que bipolar convencido!
Fechou os olhos, queria apagá-lo de sua memória. Mas como poderia? Havia descoberto que
ele vivia ali, na mansão Marinho. Não apenas residia, mas era filho dos donos. Que loucura. Ela o
desejou secretamente, mas agora o que sentia era raiva, mágoa. Ele era um imbecil. Com certeza
devia estar acostumado com as mulheres beijando seus pés. Mas ela não era como todas as
mulheres. Podia ser ingênua, mas não era idiota. Mesmo que nunca tivesse beijado um rapaz antes,
sabia que estava atraída por ele, mas isso não significava que cederia a tentação. Lucas era um
homem, Nora uma garota. Por que ele a desejaria se podia ter qualquer mulher que quisesse?
Sentiu-se diminuída quando disse que ela tinha acabado de sair das fraldas. Não era um bebê,
nem uma garotinha. Estava as vésperas de completar a maioridade, podia ser virgem, mas ainda
assim, era uma mulher. Percebera como os homens a cobiçaram quando estava na La Lola. Mesmo
que não se sentisse atraída por nenhum deles, e alguns olhares lhe causassem repulsa, ela não
podia negar que se sentira bonita ao chamar a atenção do sexo oposto.
Precisava arrumar um emprego, conhecer pessoas novas, jovens de sua idade com quem
pudesse interagir. Não queria mais se sentir deslocada. Seu pai era incrível, mas não poderia
monopolizá-lo para sempre.
Foi pensando nisso que Nora adormeceu.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Bento Sampaio estava exausto. Foi divertido levar sua filha para dançar, embora não
quisesse repetir a façanha. Nora era uma garota e aquela não seria a única vez que sairia a
noite. Mas para ele, a carreira estava encerrada. Gostava de suas noites tranquilas no Alcapone’s,
quando o mais ousado que fazia era arriscar-se na mesa de sinuca e escolher alguma canção no
Jukebox da lanchonete... Música alta, bebidas e um ambiente escuro cheio de luzes piscando não
era seu lugar favorito na Terra. Não mais.
Mas não era o ambiente do La Lola que o preocupava. Os pensamentos estavam
direcionados para a bela mulher de cabelo curto e lábios tentadores. O que Bárbara havia visto
em um homem como ele? Sem dinheiro, sem roupas caras, sequer tinha o próprio carro. Todo o
dinheiro que conseguia guardar estava sendo colocado em uma poupança para bancar os estudos
de Nora, que havia adiado a faculdade por ele não ter condições de bancar a estadia da filha
em um campus longe de casa. Sua menina era inteligente e conseguiria uma bolsa de estudos
integral, mas não havia muito dinheiro disponível, foram anos pagando o colégio católico e agora
que Nora havia concluído o ensino médio, Bento poderia guardar o dinheiro que era usado para a
mensalidade, para bancar os gastos com a faculdade quando ela começasse a estudar. E queria
um ensino de qualidade para Nora, ela merecia o melhor, e por ela ele economizava cada
centavo. Mais um ano e poderia colocar seu plano em ação. Era sua única ambição na vida.
Quanto a Bárbara, sabia que ela era uma mulher estudada, de família rica e com prestígio na
região. Não precisava contar moedas para beber uma cerveja, nem saber se o dinheiro separado
para a gasolina era suficiente para a viagem de ida e volta.
A dama é o vagabundo, versão nua e crua. Sem a magia da Disney.
Sentiu-se atraído. Bárbara ela linda, inteligente, desafiadora, interessante. Mas ele sabia que
era passageiro. Conhecia o olhar de desejo ao proibido. Há dezenove anos, quando era
adolescente, uma menina o olhou daquele mesmo jeito. Tinha apenas dezessete anos quando
conheceu Adelina. Eles estudavam no mesmo colégio particular, seu pai fazia questão de lhe dar a
melhor educação e Bento era um dos melhores alunos da classe. Adelina, filha do prefeito, era a
garota mais cobiçada por todos os rapazes, mas Bento nunca se aproximou. Ele sabia que eram de
mundos diferentes, que entre todas as opções ele seria o menos viável. Mas estava enganado.
Adelina o quis assim que colocou os olhos sobre ele. E foi ali que soube que sua vida nunca mais
seria a mesma. Não foi fácil superar a dor de ver a mulher de sua vida ir embora, abandonando-
o e a própria filha, porque se achava jovem demais para assumir a responsabilidade. Adelina foi
embora em busca de sua segunda chance para ser feliz, mas deixou Bento e Nora abandonados à
própria sorte. Ele não tinha mais esperanças de uma segunda chance, porém faria de tudo para
que Nora tivesse. E era justamente por isso, que Bento não iria se deixar levar pelo charme de
Bárbara. Porque ele não seria o objeto de desejo de uma menina rica. Não seria tratado como um
brinquedo novo e descartado quando não fosse mais novidade.
Sem segunda chance, sem segundo erro.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Bárbara ainda estava surpresa com o fato de Bento Sampaio ser pai de uma adolescente de
dezessete anos. Um pai solteiro, quem diria? Ela estava muito curiosa sobre a mãe da garota, mas
não quis ser inconveniente em perguntar. Provavelmente seria viúvo.
A conversa no bar foi como estar pisando em cacos de vidro. Bento era fechado e ela não
sabia o que poderia tornar a conversa interessante. Mesmo que quisesse seduzi-lo, não seria tão
descarada, queria saber mais sobre ele, não apenas usufruí-lo. Mas apesar de conversar, sorrir e
flertar, Bento Sampaio era uma caixa blindada. O que fazia Bárbara ficar ainda mais interessada.
Ele a excitava, a deixava louca para se jogar em cima dele, era um desejo tão primitivo que
surpreendeu a própria Bárbara, mas ela não desistiria com tanta facilidade.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Lucas acordou com uma terrível dor de cabeça. Sem encontrar companhia para aliviar suas
frustrações sexuais, ele optou por voltar à mansão Marinho. Detestaria dormir no flat
desacompanhado, era como assumir uma derrota e ele era um vencedor. Abriu os olhos e olhou em
volta, seu quarto estava escuro, graças às cortinas blackout, mas não tinha noção de que horas
eram. Levantou-se, ainda no escuro, e caminhou até o banheiro. O banho frio serviu para lhe
acordar. Vestiu uma regata preta e uma calça de moletom e desceu as escadarias da mansão,
descalço.
Encontrou seus pais na sala de jantar, a mesa posta para o almoço o fez perceber o quanto
havia dormido.
— Bom dia, família — disse preguiçosamente, sentando-se à esquerda de seu pai, ficando de
frente para sua mãe.
Isabella sorriu para o filho e Alfredo revirou os olhos.
— Nunca o vi dormir tanto em uma segunda-feira — observou o pai, tranquilamente.
Lucas deu uma risadinha.
— Hoje é feriado, a oficina está fechada e não tenho nenhum projeto para entregar. Tomei a
liberdade de tirar um dia de folga. Tudo bem?
O relacionamento entre pai e filho sempre foi amigável. Alfredo sabia que apesar da fama
de playboy, Lucas era muito responsável com o trabalho.
— Claro filho. Sem problemas. Até seu velho pai deu-se ao luxo de acordar mais tarde, não
tanto quanto você, mas o suficiente para me sentir dez anos mais jovem.
Isabella riu, e após limpar os lábios com o guardanapo de seda, disse:
— Meus meninos preguiçosos, apenas eu acordo com as galinhas?
— Mãe, a senhora dorme logo que o sol se põe. Como não vai acordar cedo?
— Quanto exagero Lucas!
— Só um pouquinho. Estou brincando, mãe.
Lucas reparou que na mesa haviam dois lugares preparados. Pestanejou.
— Iremos receber visitas? — Geralmente seus pais lhe comunicavam com antecedência.
Isabella sorriu parecia animada.
— Oh, sim. Conhecemos a filha do Bento, Nora. Ela é tão encantadora! Os convidamos para o
almoço, eles foram até o lavabo e em breve se sentarão à mesa conosco.
Lucas ajeitou-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Não estava preparado para ver
Nora tão cedo. Estava de pijama! Não que fosse relevante, sua casa era o único lugar onde não
precisava se preocupar com a postura de homem de negócios. Embora morassem em uma casa
enorme e sua família fosse de prestígio, Alfredo e Isabella gostavam da simplicidade e não
ostentavam riqueza vinte e quatro horas por dia. A mansão foi passada de geração para
geração, mas seus pais e ele gostavam de ficar à vontade e faziam de tudo para que a casa
imponente não se tornasse apenas um ambiente digno de editoriais nas revistas de decoração, mas
um lar onde habitava uma pequena família de três pessoas.
A verdade é que Lucas queria fugir de Nora. O efeito da bebida havia ido embora e com
ela toda a sua atitude de “sou bom demais para você”. Ele estava arrependido das coisas que
dissera a ela, sabia que ela devia estar odiando-o e detestava-se por isso.
— Ótimo. — Sorriu, disfarçando o constrangimento.
Não demorou muito para que Bento e Nora surgissem na sala de jantar. Ela arregalou os
olhos, surpresa ao vê-lo ali. Ele agiu como se não se abalasse, embora por dentro estivesse
nervoso. Sim, isso mesmo, Lucas Marinho estava nervoso por causa de uma garota, que segundo
ele mesmo dissera, acabara de sair das fraldas.
— Aí estão vocês. — Levantou-se Alfredo, indicando os lugares à mesa. — Sentem-se
conosco.
— Obrigado, senhor Alfredo — agradeceu Bento.
— Obrigada — disse Nora, ao mesmo tempo.
Nora parecia tão nervosa quanto Lucas. Sentara-se ao lado de Isabella. Primeiro Nora e
depois Bento. Lucas podia vê-la perfeitamente dali. A garota vestia uma jardineira jeans, com uma
camiseta preta por baixo. O cabelo estava preso em um coque e Lucas abafou um sorriso. Ela
estava maravilhosa. Tão singular.
O almoço foi servido após os cumprimentos habituais, seguindo a regra de etiqueta. Bento e
Nora, aos poucos, sentiram-se bem recebidos e já não havia constrangimento por estarem sentados
à mesa dos patrões.
Lucas se concentrou em seu risoto funghi e evitou olhar na direção dela. Ouviu em silêncio a
conversa de Isabella com os convidados. Não conseguiu encará-la, sentia-se um imbecil.
— Nora, querida. Bento me contou que você não irá para universidade este ano, somente no
próximo. Qual curso pretende fazer?
— Eu ainda não sei, senhora. Estive pensando em fazer pedagogia ou secretariado
executivo. Preciso me decidir. Minha meta atualmente é conseguir um emprego, depois iniciar os
estudos.
Lucas quase engasgou. Conseguiu disfarçar e bebeu um gole de água.
— Um trabalho? — perguntou antes que pudesse se conter.
Todos à mesa o encararam, sem entender sua reação brusca.
— Sim, um trabalho. Embora não seja maior de idade, posso ter minha carteira assinada.
Preciso de um emprego, para as despesas da faculdade.
— Tenho certeza que irá encontrar alguma coisa — disse Isabella em apoio à Nora. — Posso
ver com minhas amigas se elas precisam de alguém em seus negócios. Algumas são donas de
restaurantes, lojas, escritórios. Poderemos encontrar algo para você fazer. Se não for aqui, na
cidade vizinha.
Nora sorriu, sem jeito. Estava envergonhada por ter que sentar-se à mesa na presença de
Lucas. Estava magoada por suas palavras ácidas na noite anterior. Além disso, ela não queria que
ele soubesse nada a seu respeito, como planos para faculdade ou que estava em busca de
trabalho. Ele pareceu assustado quando mencionou a procura por um emprego. O que ele
pensava? Que era como ele, que poderia se dar ao luxo de viver em festas caras e sair por aí
respingando água nas pessoas, sem se importar com as consequências?
Não, ela não nasceu em berço de ouro.
Bento Sampaio permaneceu em silêncio enquanto sua filha conversava com os patrões. Ele
não sabia o que dizer. Sentiu-se impotente porque a própria filha tinha que arrumar um emprego
para custear os estudos porque ele não podia lhe proporcionar. A comida foi engolida com
dificuldade, seu orgulho ferido. Talvez não tivesse sido uma boa ideia aceitar aquele almoço.
Lucas não se conformava com a ideia de Nora ter que trabalhar. Tudo bem que as pessoas
trabalhavam para viver, e nem todos tinham uma vida como a dele, embora fizesse questão de
colaborar nos negócios da família e dava o sangue na oficina mecânica. Mas saber que sua
adorável bruxinha teria que adiar os estudos para arrumar um emprego, lhe causava um
desconforto absoluto em seu coração. Encarou Bento, viu nos olhos daquele homem a tristeza por
não poder realizar um dos sonhos de sua menina. Engoliu em seco. Droga. Queria poder fazer
algo para ajudá-los, mas sabia que ambos recusariam qualquer tipo de oferta. Bento jamais
aceitaria que outro homem pagasse a faculdade de sua filha. Nora jamais aceitaria que ele fosse
o responsável por isso. Ela o odiava depois da noite passada e a culpa era toda dele.
— Você pode trabalhar na oficina — disse em voz alta, olhando diretamente para Nora.
— Como é que é? — Alfredo perguntou, sem entender o que o filho estava dizendo. — Uma
garota na oficina? Fazendo o quê?
— Não entendi, filho — disse Isabella.
— Minha filha não consegue nem trocar um pneu de bicicleta, Lucas. O que ela pode fazer
em uma oficina? — brincou Bento, tentando descontrair.
Nora ficou em silêncio.
— Precisamos de uma telefonista — apontou Lucas, olhando para os pais em busca de apoio.
— Ramona está sobrecarregada, uma telefonista seria de grande ajuda para ela, no escritório.
— Telefonista? — Os olhos de Nora brilharam de interesse.
Lucas sorriu, satisfeito por ter conseguido chamar sua atenção. A menina parecia ignorá-lo
desde que o percebera na mesa. Nora estava interessada no emprego.
— Sim, atender as ligações e anotar recados ou fazer a transferência das chamadas. Isso
toma um bom tempo da Ramona. Ela pode te ensinar algumas tarefas, você ganha experiência e
podemos acertar um salário. Não é grande coisa, mas acho que pode ajudar.
— Excelente ideia, filho — concordou Alfredo. — Ramona anda muito rabugenta, e sou eu
quem tem que ouvi-la resmungar no escritório. — Olhou para Nora. — O que acha menina? Quer
o emprego?
Nora encarou o pai com expectativa. Queria muito um emprego e não sabia exatamente do
que se tratava a tal oficina, mas esperava de coração que seu pai fosse a favor dela trabalhar
como telefonista.
— Pai? — Nora queria a opinião do pai.
Bento remexeu-se na cadeira, havia terminado o risoto e estava satisfeito. Afastou seu prato,
indicando que não tornaria a comer.
— É uma excelente oportunidade. Você pode ir de ônibus até a cidade vizinha, eu a levo na
rodoviária e te espero lá, quando for à hora de voltar para casa. — Bento encarou Lucas. — Ela
ganhará o vale transporte?
Lucas confirmou com um aceno de cabeça.
— Posso levá-la e trazê-la — ofereceu, solicito. — Trabalho na oficina e chego cedo para
abri-la com Ramona. Meu pai vai um pouco mais tarde, mas não há problema de Nora ir e voltar
comigo. Há uma cozinha destinada aos funcionários, ela pode levar comida e almoçar lá. Ramona
faz isso todos os dias. Acho que as duas se darão bem.
Nora se retraiu. A ideia de ir e voltar com Lucas todos os dias, não lhe caiu bem. Será que
ele havia feito de caso pensado? Não, com certeza não. Por que ele faria isso?
— Por mim tudo bem, filha — disse Bento. — Se você faz tanta questão de trabalhar fora,
essa é uma boa oportunidade para começar.
Nora sorriu e tentou conter sua ansiedade. Estava muito animada por ter recebido uma
oportunidade.
— Quando eu posso começar? — perguntou ela.
— Se você puder, pode me acompanhar amanhã, te apresento à Ramona e vocês passam o
dia juntas, no fim do dia, conversamos para ver o que foi decidido. De motores eu entendo, mas
naquele escritório quem manda é ela e o meu pai.
Nora não quis perguntar para não ser enxerida, mas ficou curiosa sobre o que Lucas disse a
respeito de motores e o fato de não trabalhar no escritório. Olhou mais uma vez para seu pai, que
lhe sorria em apoio e então tomou sua decisão:
— Amanhã está ótimo.
— Encontre-me aqui às sete horas.
— Obrigada, senhor Lucas.
O sorriso de Lucas se desvaneceu.
Senhor? Ela o chamara de Senhor
Como se ele fosse muito mais velho que ela!
Bem, ele era, mas isso não vinha ao caso.
Sentiu-se ofendido.
— Por favor, tire o senhor e meu nome da mesma frase. O velhote aqui é o meu pai — disse,
tentando soar engraçado.
Isabella e Alfredo riram da piada do filho, Nora sentiu-se enrubescer.
— Desculpe, Lucas.
— Assim é melhor.
Após o almoço ser recolhido, a família Marinho e sua visita desfrutaram de uma sobremesa
deliciosa. Peras marinadas em uma calda de vinho tinto, o que para Lucas, era o paraíso na Terra.
Alfredo e Isabella monopolizaram Bento em uma conversa sobre jardinagem e algumas plantas
exóticas que gostariam de cultivar na propriedade. Lucas levantou-se e chamou Nora, com a
desculpa de lhe mostrar a biblioteca da família. Ninguém pareceu objetar sobre os dois ficarem
sozinhos. Nora quis recusar o convite, mas havia acabado de ganhar uma oportunidade de
emprego, por sugestão de Lucas, mesmo chateada com ele, não quis ser indelicada.
Ao adentrarem na imensa biblioteca, Nora espantou-se com o tamanho do lugar. A sala era
ampla e escura, as paredes ostentavam prateleiras feitas sob medida para preencher todo o
espaço. Uma cortina de veludo cor de vinho impedia a claridade de chegar ao ambiente,
protegendo os inúmeros exemplares de livros. Havia poltronas de couro em marrom escuro e uma
mesa pesada, em cerejeira, no que aparentava ser um escritório antigo. Ela sentiu-se deslocada,
parecia que estava no cenário de uma novela épica.
— É lindo aqui, não é? — perguntou Lucas, tentando puxar assunto.
Nora fez que sim, com a cabeça. Ainda não sabia o que dizer.
Lucas observou cada expressão no rosto da garota, ela estava impressionada com a
biblioteca.
— Quero me desculpar por ontem, sei que fui um grande babaca.
Ela parou de olhar os livros e o encarou, não esperava que ele fosse tocar no assunto, muito
menos se desculpar.
Lucas não deixou espaço, para que ela argumentasse.
— Eu tinha bebido demais, estava sexualmente frustrado e descontei em você. Não fui
exatamente um príncipe.
Nora quase engasgou ao ouvir “sexualmente frustrado” sair da boca dele. Observou o
homem à sua frente. Ele vestia uma regata preta colada ao seu corpo, e uma calça de moletom
larga. Também estava com os pés descalços. Completamente à vontade em sua casa e ela ali,
sentindo-se uma intrusa. Aquele não era seu ambiente, estava em desvantagem.
— Não vai dizer nada? — perguntou Lucas, ansioso para ouvi-la.
— Não sei o que dizer, Lucas. Você me deixa confusa.
Ele deu uma risadinha e se aproximou dela. Ela não recuou.
— Por que, Nora?
Ela molhou os lábios com a língua e ele amaldiçoou mentalmente, pois sabia que estava
ficando duro e ela logo perceberia o volume em sua calça.
— Sei que não foi coisa da minha cabeça, você se insinuar para mim — começou ela. — Não
sou tão ingênua quanto pareço.
Ele deu mais um passo à frente. Ela ainda não recuou.
— Não é?
Ele semicerrou os olhos e ela sentiu sua pele arrepiar. Reparou o volume protuberante na
calça de moletom e teve a certeza do que imaginava: Lucas a desejava como mulher. Ele podia
dizer que não, mas agora sabia que sim.
E o que poderia fazer com essa informação?
Também o desejava, embora soubesse que brincar com fogo era perigoso e Lucas estava há
anos luz à frente dela, no quesito experiência. E ainda estava chateada, não é porque ele estava
diante dela, com aqueles olhos azuis sedutores e seu sorriso de fazer qualquer mulher suspirar, que
Nora cederia.
Lucas estava certo de que poderia conquistá-la?
Nora mostraria a ele que estava errado.
— Não, eu não sou. Você não disfarça tão bem quanto acredita. — Sorriu maliciosamente,
olhando descaradamente para a ereção dele.
Lucas acompanhou o olhar de Nora e sorriu cinicamente.
— Um “eu te amo” pode ser falso, mas um pau duro é bem sincero, não acha? — Citou uma
frase que havia recebido pela internet e achado engraçada. Não conhecia o autor, mas
concordava com a lógica.
Nora entreabriu os lábios.
— Você é bem direto — acusou, mas não denotou irritação na voz.
Estava segura de si.
Lucas deu mais um passo à frente e novamente, Nora permaneceu onde estava.
— Você quer que eu seja direto? Ontem foi uma merda fodida. Estou tão obcecado por você
que não consigo medir as palavras. Isso é uma droga sabia? Nós nos conhecemos há três dias e
olha como estou?
— O que você quer de mim? — perguntou ela, encarando o jovem de olhos brilhantes.
Ele a cobiçou da cabeça aos pés. A menina não fazia ideia dos pensamentos sujos que
percorriam sua mente naquele instante.
Talvez tivesse.
— Tudo, eu quero tudo de você. Desde essa boquinha rosada, até sua bocetinha intocada.
Quero ser o homem que vai te devorar por inteira e te transformar em uma mulher de verdade.
— Você acha que eu ainda sou virgem? — ela perguntou sorrindo. — Talvez o ingênuo aqui
seja você, Lucas.
LUCAS
Não acredito no que ela acaba de insinuar com sua pergunta insolente. Minha boca se abre
e tenho a impressão de que meu queixo bateu no chão de mármore.
Ela não pode estar falando sério!
Solto uma risada desprovida de humor.
— Você só pode estar brincando — debocho.
Ela continua parada na minha frente, sem recuar um passo sequer. Estive me aproximando
dela lentamente, agindo como uma raposa diante de sua caça, pronto para dar o bote a qualquer
momento, mas ela me desarmou por completo.
Nora aponta o dedo indicador em meu peito, empurrando-me para trás desafiadoramente.
— É você quem está brincando comigo esse tempo todo, Lucas — acusa-me, e com razão. —
Mas agora eu sei exatamente o que quer de mim.
Se ela pensa que me vai pôr em desvantagem, está muito enganada.
— E agora que sabe, vai me dar o que quero? — pergunto, olhando-a diretamente nos
olhos.
Ela pisca nervosamente e se entrega. Eu sabia que metade daquela postura era pose. Nora
quase me enganou, mas eu ainda estou no controle.
Seu sorriso não alcança os lábios.
— É a ideia do proibido, não é? — Dá de ombros. — A garotinha inocente, intocada. Saber
que será o primeiro te faz sentir poderoso, Lucas? — Deu mais um passo à frente, me empurrando.
— Sinto muito se tirei a sua diversão, mas alguém chegou na sua frente e tirou o que você queria
tirar de mim.
— Você está mentindo! —Aaltero o tom de voz.
Não posso acreditar que Nora esteve com outro homem. Recuso-me.
— Não estou. — Devolve no mesmo tom. — Mas o que isso importa? Você só dirige carro
zero quilômetro?
— Você está brincando com fogo menina — alerto.
Ela se afasta de mim e caminha em direção à porta da biblioteca.
— Foi você quem provocou.
Viro-me em sua direção.
— Eu sei que é mentira, Nora.
Ela sorri.
— Só há uma maneira de saber.
Não consigo acreditar que a garota na minha frente é a mesma por quem estive obcecado
nos últimos dias.
Desde quando Nora é assim, tão atrevida?
Estou tão duro e tão irritado que se não estivesse em minha casa, com meus pais e o pai dela
na sala de estar, juro que a teria deixado de quatro no chão e a tomaria para mim. Ensinaria essa
menina malcriada a não mentir descaradamente, a não provocar deliberadamente, achando que
pode me manipular como bem entender.
— Espero que esta informação não mude o fato de que você me ofereceu um emprego. —
Ouço-a dizer e volto minha atenção para ela novamente. — Não quero ter que explicar aos
nossos pais o motivo pelo qual não sou mais qualificada para o cargo.
Respiro fundo e me controlo para não ir até ela.
Quem essa garota pensa que é?
— O emprego é seu, pirralha.
— Até amanhã então, patrão. — Fecha a porta atrás de si.
Bufo de raiva.
A partir de amanhã, minha paz naquela oficina chega ao fim.
NORA
Então é isso. Ele me vê como um prêmio. Quanta arrogância!
Lucas não gosta de mim, como poderia se não me conhece? O que ele vê é um corpo que o
atrai e a possibilidade de ser o primeiro a me possuir como mulher. Não há sentimento envolvido, é
pura luxúria. Não sou um espécime em extinção, existem outras mulheres virgens por aí, tenho
dezessete anos e vivi em um ambiente cercado por outras mulheres, nunca interagi com garotos da
minha idade. Sequer dei um beijo na boca, quanto mais ir para a cama com algum. Mas não sou
criança, sou uma mulher inexperiente.
A cada encontro que temos, sinto-me encurralada. Sua beleza masculina, seu sorriso sedutor,
seus olhos que parecem me devorar por inteira. Ele me faz sentir coisas que jamais senti antes,
desperta meu corpo e invade meus sonhos mais secretos. Lucas penetrou em meu subconsciente e
tem me atormentado, fazendo-me ansiar por seu toque. Tenho medo do que esses pensamentos
podem fazer com minha sanidade.
Não o entendo. Eu o vi lutando contra seu desejo, a princípio, pensei que estivesse
imaginando coisas, mas o vento mudou de direção e Lucas começou a se aproximar, como uma
tempestade pronta para fazer estrago. Ele provoca, joga com as palavras, insinua, joga charme.
Eu não quero demonstrar impotência diante dele. Por mais que me sinta atraída, não vou ceder ao
impulso de me entregar para alguém que quer apenas se divertir comigo.
Dizer a ele que não sou mais virgem foi a ideia que tive para pegá-lo de surpresa. Uma
grande mentira, de fato. Grande parte do tempo eu vivi no colégio de freiras e, quando minhas
amigas saíam para suas casas nas férias, eu permanecia lá. Não tive oportunidade de conhecer
outras pessoas. Rapazes? Nem pensar! Minhas colegas costumavam se reunir a noite, no quarto,
para contarem suas aventuras, durantes as férias. Eu não tinha nada a declarar, porém ouvia
atenta aos relatos. Todas haviam perdido a virgindade aos dezesseis anos, enquanto eu seguia
meus dias em meio aos romances literários, sonhando com um homem que um dia, faria meu
coração bater mais forte e despertasse em mim o desejo de me entregar.
Uma das coisas que aprendi com minha colega de quarto, no colégio de freiras, é que um
homem não deve saber o poder que exerce sobre uma mulher. Marina era experiente para a sua
idade e não se envergonhava de compartilhar suas aventuras amorosas, foi bom ter memorizado
tudo o que ela havia revelado. E eu faria bom uso dos seus ensinamentos. Talvez eu deva entrar
em contato com ela e pedir ajuda.
Não posso mostrar ao Lucas o quanto ele me afeta, ou ele virá com tudo para cima de mim.
Preciso me munir de forças e informações para poder lidar com um homem com “H” maiúsculo,
como de fato ele é.
Caminho de volta à sala de estar e encontro meu pai conversando com o senhor Alfredo e a
senhora Isabella. Não quero permanecer aqui, preciso ir para o meu quarto, repassar em minha
mente todas as palavras que troquei com Lucas, a mentira que contei, a maneira como agi, como se
fosse corajosa como demonstrei, embora por dentro estivesse tremendo na base. Espero que ele
tenha acreditado no que eu disse e que a falsa informação tenha abalado seu ego masculino.
Começo a trabalhar no dia seguinte e estou ansiosa. Terei que vê-lo todos os dias, por isso,
preciso me preparar e levantar minha armadura.
Ele me vê como uma menina pura e ingênua. Mas eu não quero ser essa garota para sempre.
Recuso-me.
Capítulo 6
Foi uma segunda-feira difícil para Lucas e Nora. Cada um em seu respectivo quarto,
pensando no rumo que a conversa da biblioteca havia tomado. Lucas arrependeu-se de ter se
exposto daquela maneira vulgar, Nora arrependeu-se de ter demonstrado ser alguém que não
era. O ponteiro do relógio pareceu andar sem pressa e quando anoiteceu, Nora percebeu a
inquietação do seu pai quando estavam na sala assistindo televisão.
— Pai, porque você não vai para o Alcapone’s?
Bento estava tentando prestar atenção na telenovela, mas não fazia ideia do que estava
acontecendo entre os personagens.
— Não quero deixá-la sozinha — justificou-se para a filha.
Ainda estava se habituando a ter companhia em casa.
Nora desligou a televisão.
— Eu não sou um bebê, pai. O senhor pode perfeitamente me deixar em casa sozinha.
Bento sorriu para a filha.
— Obrigado por me lembrar disso.
Era impressionante como sua filha adolescente era madura. Por ter sido abandonada pela
mãe ainda recém-nascida e passado grande parte de sua vida em um colégio interno, Bento teve
receio de que Nora adquirisse algum tipo de remorso e se rebelasse. Geralmente, a fase da
adolescência era um período de descobertas e crise existencial, mas para sua sorte, Nora era uma
boa menina, centrada, aparentemente bem resolvida com suas convicções.
— Pode ir, pai.
Bento levantou-se e passou a mão pelos jeans, como se quisesse desamarrotá-lo, não que
estivesse amassado, era apenas um gesto de nervosismo. Mas por que estava nervoso? Nem
mesmo ele sabia, apenas sentia dentro de si um desconforto, como se estivesse pressentindo algo.
Porém, não sabia se era uma sensação boa ou ruim, o que o deixava frustrado. Beber algumas
cervejas poderia ser a solução que estava precisando, em seus pensamentos uma linda mulher de
cabelo curto e lábios desejosos não parava de olhá-lo de modo provocante. Bárbara, patricinha
mimada.
Desde quando uma mulher habitava sua mente com tanta frequência?
Balançou a cabeça, afastando-a para o subconsciente.
— Tudo bem, eu vou. Mas não voltarei tarde, amanhã tenho muito trabalho.
Nora abraçou o pai e desligou a televisão, encaminhou-se para o seu quarto e buscou
embaixo do travesseiro o livro que estava lendo. Tratava-se de um romance de Nicholas Sparks,
chamado Um Amor Para Recordar, seu livro favorito no momento. Já o lera diversas vezes, assistiu
ao filme com suas amigas e era secretamente apaixonada por Shane West, ator que interpretava
Landon Carter, o personagem principal da obra. Nora também era fã de Mandy Moore e sabia
cantarolar todas as músicas que a atriz e cantora interpretou no filme. Também foi através do filme
que descobriu a banda Switchfoot, uma das suas preferidas.
Deitando em sua cama confortavelmente, Nora colocou os fones de ouvido e ativou o
aplicativo de música de seu celular, havia selecionado a trilha sonora do filme para ouvir enquanto
relia o livro. “You” começou a soar em seus ouvidos e ela se distraiu com a canção e parou de
prestar atenção no capítulo.

“Sempre há algo no caminho


Sempre há algo se interpondo
Mas não sou eu
É você
É você”
Batidas em sua janela, ao lado da cama, desviaram a atenção de Nora. Ela se sobressaltou,
fechou o livro e tirou os fones para ter certeza de que não havia sido sua imaginação. As batidas
persistiram, não eram estridentes, mas com certeza não se tratava de galhos de árvore batendo
por causa do vento.
Era alguém. Mas quem?
— Quem está aí? — perguntou ela.
— Sou eu, Lucas.
Sua coloração esvaiu-se de seu rosto e Nora retesou seu corpo ao ouvir aquela voz que a
torturava com emoções e sensações distintas, porém igualmente intensas. Ela ainda não sabia
identificar o que era, mas cada vez que Lucas se fazia presente, Nora precisava fazer grande
esforço para não sucumbir ao seu charme.
O que será que ele estava fazendo ali? Pensou ela.
— Por que está em minha janela? — perguntou, espiando entre as frestas da madeira.
Estava escuro, não conseguiu vê-lo.
— Será que pode abrir a janela? Preciso conversar com você.
Abriu-a com relutância. Engoliu em seco, disfarçando o quanto vê-lo deixou-a balançada.
Lucas vestia um conjunto de moletom preto, calça e jaqueta com capuz. Seus olhos azuis
destacavam-se no escuro, ao refletirem a luz que vinha de seu quarto. Aquele homem era tão
bonito que Nora não conseguiu evitar ficar vermelha feito um pimentão, por admirar sua aparência
física.
Eram nove horas da noite, seu pai havia recém-saído de casa e ela já tinha tomado banho e
vestido seu pijama de dormir. Sentiu-se ridícula. Não conseguia entender o que Lucas viu nela,
quando poderia ter aos seus pés qualquer mulher que quisesse. Na verdade, ela sabia, era a sua
inexperiência. Ele a via como um desafio. Nora pensou que ao insinuar que não era mais virgem,
Lucas perderia o interesse, porém ali estava ele, furtivamente na janela de seu quarto.
Encaravam-se em silêncio, ele sorria para ela ternamente e ela tentava decifrar o que aquele
olhar significava. Oh sim, claro. Ela usava uma calça e blusa de algodão, rosa bebê com estampa
de lacinhos em rosa pink.
Lucas sorriu, um sorriso torto com o canto dos lábios. Nora estava uma gracinha naquele
pijama. Por mais que tivesse ansioso para conversar com ela, ou que a desejasse de uma maneira
obsessiva, vê-la vestida como uma menina despertou-lhe o desejo de apenas deitar-se ao seu lado
na cama, abraçá-la de “conchinha” e zelar por seu sono durante uma noite inteira.
Mas que porra de pensamento era aquele?
Observou-a enquanto ela se levantou, ficando de pé em cima de sua cama. Surpreendeu-se
quando Nora se sentou na janela, com as pernas para o lado de fora. Estava com os pés descalço,
não usava meias e pode ver o quão delicado eram seus pés. Sentiu um desejo imenso de
massageá-los e beijá-los com adoração.
Droga Lucas! Quer parar de pensar nessas coisas cafonas?
— Por que não bateu na porta? — perguntou Nora, quebrando o silêncio entre eles.
Lucas deu um passo à frente.
Nora não recuou.
Ele sorriu de modo travesso e ela arqueou as sobrancelhas.
— Vi pela janela do meu quarto quando o Bento saiu com a caminhonete. Queria te ver, mas
não quis correr o risco de alguém me pegar batendo na porta de sua casa — explicou-lhe, um
tanto constrangido.
Lucas estava agindo como um adolescente encabulado, sem se dar conta.
— Já está tarde, Lucas. Amanhã cedo nós iríamos nos ver de qualquer maneira.
Deu um passo à frente, ficando a centímetros dela.
— Mas eu queria te ver agora, Nora. Também quero me desculpar pela maneira como te
tratei hoje cedo. Não sei o que está acontecendo comigo, droga! — Parecia angustiado. — Você é
linda, me fascina de um jeito que não sei explicar. Sinto-me atraído e não faz ideia de como isso
me deixa puto. Puto comigo mesmo, por agir como um adolescente que não consegue controlar os
hormônios, puto com você, por ter uma espécie de imã que insiste em me atrair para perto. Tem
sido um inferno desde que te conheci, garota. Eu tenho vinte e oito anos, Nora. Sou um homem feito.
Você é só uma menina, caramba! O seu pai é um dos poucos homens que admiro. Sinto-me um
cretino por pensar as coisas que penso sobre você e ter que conversar com ele, agindo
naturalmente, como se fosse completamente normal eu desejar a filha do cara ajoelhada na minha
frente, chupando o meu pau.
Nora abriu sua boca, chocada com as palavras de Lucas. Já devia ter percebido que ele
era uma pessoa direta e que muitas vezes não media as expressões vulgares. Mas ela havia
mostrado a ele o seu lado adulto e experiente, mesmo que muito dele fosse fachada.
— Viu só? — perguntou Lucas com um sorriso debochado. — Eu tento consertar uma merda,
mas acabo fazendo outra. Perdoe-me, Nora.
Lucas virou-se de costas para Nora e começou a ir embora.
— Espere — disse ela, fazendo com que ele parasse seus passos imediatamente.
Lucas olhou para trás e seu olhar encontrou o de Nora.
— Eu também penso coisas sobre você — confessou, tentando se mostrar segura de si.
Ele se reaproximou, chegando mais perto do que antes.
— Que tipo de coisas? — perguntou ele, especulando.
Ela engoliu em seco. Lucas estava indo embora, mas Nora o chamou de volta, então se viu na
obrigação de esticar a conversa. Lucas estava sendo franco com ela, não era justo que não fizesse
o mesmo.
— Aquele dia, na goiabeira, por exemplo.
Ele riu.
— Você pensa sobre jogar goiabas na minha cabeça?
Ela revirou os olhos e cruzou os braços, em um gesto defensivo.
— Não, seu tonto. Mas penso sobre como foi sentir seu corpo colado ao meu, como aconteceu
quando caí da árvore.
Lucas gostou de ouvir o que a garota acabara de dizer. Deu um passo à frente, e mais outro.
Nora abriu suas pernas automaticamente e Lucas deu mais dois passos, aconchegando-se entre
elas. Depositou as mãos na cintura dela. Nora tirou-lhe o capuz da cabeça, deixando-o cair atrás
do pescoço. Lucas sorriu com o gesto casual, pareciam confortáveis na presença um do outro.
Apesar da atmosfera sexual lhes rondando, ambos permaneceram em silêncio. Nora descansou
suas mãos sobre os ombros de Lucas.
— Você é culpada por me fazer sentir um menino.
Ela sorriu.
— Você é culpado por me fazer sentir uma mulher.
A partir dali seus corpos agiram por vontade própria e o beijo aconteceu espontaneamente.
Não se podia dizer qual dos dois havia iniciado, foi uma ação conjunta. Lábios se chocaram com
força e enquanto ele a puxava para si, pela cintura, ela fazia o mesmo com ele, pelo pescoço.
Lucas manteve Nora sentada na janela, mas permaneceu colado a ela o quanto era possível.
Sua língua invadiu a boca da garota que a sugou com volúpia. Era como se a boca de Nora fosse
feita sob medida para a dele, beijavam-se em sincronia, devoravam-se com lascívia, exploravam-
se com luxúria e deliciavam-se com o sabor um do outro. Para Lucas, Nora tinha sabor de
morango. Para Nora, Lucas tinha sabor de hortelã. Não queriam se afastar um do outro, mas
precisavam respirar. Lucas acalmou o beijo, mas permaneceu beijando-a, distribuindo selinhos por
seus lábios inchados, em seguida por seu queixo, bochechas, nariz e finalmente a testa. Nora
manteve os olhos fechados, tentando regularizar sua respiração. Aquele foi seu primeiro beijo, mas
nunca admitiria para ele. Manteria a sua postura de garota experiente, a sua mentira havia sido
lançada e ela não voltaria atrás.
— Esse beijo foi foda pra caralho, Nora. Você me deixa louco.
Ela sorriu, sentiu-se orgulhosa. Lucas não percebeu que ela nunca havia beijado antes.
— O que acontece agora? — perguntou ela.
Lucas soltou suas mãos da cintura dela, mas manteve-se perto. Nora sentiu falta de ter as
mãos dele sobre seu corpo, retirou os braços em volta do seu pescoço e deixou-os cair sobre suas
pernas.
— Preciso de um banho frio, urgente — respondeu Lucas, ainda ofegante.
Nora sentiu-se chateada, mas disfarçou. Não iria demonstrar fraqueza diante dele.
— Boa noite, então — sugeriu, tentando se afastar dele para descer da janela e retornar
para o seu quarto.
As mãos de Lucas voltaram a prender sua cintura, impedindo-a de se afastar.
— Tem noção do quanto isso foi errado, Nora? — perguntou, fitando-a seriamente. — Você
é menor de idade, e eu tenho praticamente o dobro da sua.
— Você não tem o dobro da minha idade, não exagere! E não me forçou a nada! Quando
um não quer, dois não fazem.
Ele sacudiu a cabeça em negativa.
— Nem sempre, menina — desdenhou. — Você não pode ser tão ingênua ao ponto de
acreditar nisso. O mundo não é assim tão perfeito.
— O que aconteceu agora a pouco, foi porque nós dois agimos. Eu quis isso tanto quanto
você, Lucas. Não sou uma criança e sei que não me vê como uma. Então me poupe do papo furado
de se sentir culpado! Você bateu na minha janela, droga! Por que veio aqui, afinal?
Lucas passou as mãos pelo cabelo.
— Porque eu queria me desculpar por ter agido feito um idiota.
— Então pare de continuar agindo como um! Em menos de dois meses eu completo dezoito
anos, não sou criança, já disse isso. Você não é um aliciador de menores, o que aconteceu foi
porque eu também quis, não é o fim do mundo! Olhe para mim, Lucas. Eu estou falando com você,
então não seja covarde e me olhe nos olhos.
Lucas começou a rir, mas encontrou seu olhar com o dela.
Nora podia ser uma garota, mas era dona de uma maturidade que o impressionava. Passou
a mão pelo rosto dela, carinhosamente.
— O que eu vou fazer? — perguntou, sentindo-se confuso.
De uma coisa Lucas tinha certeza: Aquele beijo não foi o suficiente, sua sede de Nora apenas
se intensificou depois de provar de seus lábios.
Nora segurou o rosto dele entre suas mãos e sorriu.
— Vá tomar um banho frio. Eu preciso dormir. Amanhã é meu primeiro dia no emprego, sabe?
Lucas retribuiu o sorriso e colocou suas mãos sobre as de Nora, que permaneciam em seu
rosto. Aquele gesto carinhoso o pegou de surpresa, mas aqueceu seu coração de uma maneira que
ele não soube explicar, mas que lhe era reconfortante.
— Boa sorte no seu primeiro dia, espero que o seu chefe não seja um pé no saco — brincou,
piscando para ela.
Nora ficou séria, de repente.
— Lucas, eu preciso desse trabalho. Darei o melhor de mim, isso é muito importante.
Lucas pestanejou, não entendeu o porquê de Nora estar lhe dizendo aquilo.
— O que quer dizer com isso? — perguntou ele.
— O que aconteceu entre nós não pode interferir no meu emprego — alertou.
— Tudo bem, Nora. Acho que mal vamos nos ver. Eu não trabalho no escritório, sou mecânico.
Nora ficou surpresa com a revelação de Lucas.
— Mecânico? Jura?
Ele sorriu.
— Pensou que eu fosse um mauricinho que usa terno e fica atrás de uma mesa de escritório,
revirando papelada o dia inteiro? Eu sou mais o tipo de mauricinho que gosta de usar macacão e
me sujar de graxa.
— Uau.
— As mulheres se amarram em um mecânico. — Piscou, fazendo graça.
Sem se darem conta, eles ainda estavam com as mãos unidas no rosto de Lucas.
Nora ficou séria, de repente.
— O que é isso entre nós, Lucas? — perguntou receosa.
Lucas deu-lhe um selinho rápido nos lábios dela, que não teve tempo de retribuir.
— Vamos descobrir aos poucos, tudo bem para você? — perguntou a ela.
Nora anuiu em silêncio, retirando suas mãos do rosto dele.
— Vá tomar o seu banho, eu preciso tentar dormir — desconversou ela.
— Tentar? — perguntou maliciosamente.
— Estou ansiosa por causa de amanhã. — Nora deu de ombros.
— Sei. Eu não tenho nada a ver com sua ansiedade? — perguntou esperançoso.
— Talvez, um pouquinho.
— Ótimo! Já é o suficiente para me deixar ansioso também.
Sorriram um para o outro e Lucas afastou-se, acenou um tchau para Nora, e sumiu entre as
árvores.
Nora o observou desaparecer entre as árvores, entrou em seu quarto e fechou a janela.
Deitou-se se cobriu com o edredom. Colocou os dedos sobre seus lábios e sorriu de um jeito
sonhador. Havia dado seu primeiro beijo, e não foi em nenhum garotinho tão inexperiente quanto
ela. Foi com um homem de verdade, um homem que despertava nela sensações indescritíveis. Toda
a sua força de vontade em mostrar a Lucas que não era uma menina boba, dobrou de tamanho.
Ela queria ser uma mulher à altura daquele homem. Não fazia ideia de como as coisas entre eles
iriam prosseguir, mas sentiu toda a sua convicção de mais cedo ir por água abaixo.
Seria impossível resistir a Lucas Marinho.
LUCAS
Só há uma certeza neste momento: Estou completamente de quatro por aquela garota.
Não estava em meus planos sucumbir à Nora quando me dirigi furtivamente para a janela de
seu quarto, mas era fato que eu precisava vê-la antes de dormir. Agora estou aqui, deitado em
minha cama, completamente nu, duro feito pedra mesmo após tomar um banho frio para tentar
apagar esse fogo que me consome sempre que penso nela. O problema é que antes tudo não
passava de imaginação, agora sei o gosto de seus lábios, senti sua pele contra a minha e o quanto
seu corpo correspondeu ao meu.
Droga, se já estava difícil resistir a ela, como será daqui para frente?
Tento dormir, mas estou agitado. Meu pau pulsando sobre minha barriga, por culpa daquela
bruxinha. Toco-me fechando os olhos e imaginando sua boca em torno do meu pau, chupando-me
com volúpia, sugando-me com tanto desejo quanto beijou meus lábios. Eu sei que você deve estar
pensando o quanto sou um filho da puta pervertido, mas porra, eu não tenho argumentos para me
defender, sabe por quê? Por que eu sou sim, um filho da puta pervertido.
Ok. Vamos tirar a minha mãe dessa conversa. Minha coroa não tem nada a ver com meus
pensamentos obscenos com a filha do jardineiro.
Depois de gozar em minha mão, lavo-me e me afundo na cama, dormindo logo em seguida.
Sou um maldito punheteiro que não consegue comer mais nenhuma mulher, porque uma
adolescente de dezessete anos ocupa todos os meus pensamentos.
Saibam que não me orgulho disso. De jeito nenhum.
Acordo cedo, como de costume, antes do despertador me alertar. Levanto-me e tomo um
banho, visto minha habitual boxer preta, jeans e coturnos, uma camiseta preta sem estampa — eu
odeio camisetas com qualquer tipo de logomarca — e penteio meu cabelo com os dedos. Gosto
quando o vento o seca enquanto dirijo meu Porsche, deixa meus fios com aparência rebelde. Pode
ser que seja vaidade de minha parte, mas estarei mentindo se disser que não dou a mínima para a
minha aparência.
Cara, olhe para mim. Eu sou lindo pra caralho. Gosto de estar bonito, você não pode me
julgar porque sinceramente, também me acha um pedaço de mal caminho, não é mesmo? Sem
hipocrisia, estamos apenas sendo sinceros um com o outro, não se sinta constrangida por concordar
que eu sou um homem lindo. Mas tudo bem, deixemos a sessão “alimente o meu ego” de lado.
Tomo café com meus pais, comentamos sobre o primeiro dia de Nora como telefonista.
Ramona ainda não sabe que terá uma pessoa para ajudá-la, já estou vendo o sorriso daquela
morena simpática. Ramona é muito querida por todos na oficina, a chamamos de “Vovózona”
porque ela praticamente adotou toda a equipe como seus netinhos. Ramona trabalha com meu pai
há mais de vinte anos, é quase um patrimônio da nossa oficina matriz, foi uma das que apoiou a
ideia de meu pai em transformar nossa oficina em uma franquia, hoje, uma das mais famosas do
país.
Faltam cinco minutos para as sete horas e me despeço de meus pais. Encontro Nora assim que
saio pela porta da frente, ela está sentada na escadaria de entrada e ainda não percebeu minha
presença. Observo-a de costas. Ela tem o cabelo preso em um rabo de cavalo e meu pau
desperta imediatamente. Sei que estou sendo repetitivo, mas sempre que a vejo de cabelo preso, é
inevitável pensar em colocá-la de quatro e puxar o seu rabo de cavalo para trás, tomando sua
boca na minha enquanto meto fundo dentro dela. Sinto minha boca salivar e passo a língua sobre
meus lábios.
Muito cedo para isso, eu sei.
— Bom dia, Nora — cumprimento-a, fazendo com que ela olhe para trás e se levante às
pressas a me ver.
— Bom dia, Lucas — cumprimenta-me com um sorriso tímido.
Coço minha cabeça, desconfortável, sem saber como agir com ela depois do que aconteceu
ontem.
— Está aqui há muito tempo? — pergunto, tentando puxar assunto.
Deixe-me esclarecer uma coisa: Não é porque admiti para mim que estou de quatro por ela,
que irei ficar babando cada vez ela estiver na minha frente. Eu posso me masturbar todas as
noites antes de dormir, desde que a conheci, posso não conseguir comer nenhuma mulher, posso
pensar nela em grande parte do meu dia, mas ainda assim eu tenho que transparecer
autocontrole. Não vou entregar o jogo e mostrar a ela que praticamente me tem nas mãos. Cara,
uma mulher não pode saber que tem esse poder todo sobre um homem, isso fode completamente a
nossa vida. Elas nos fazem de gato e sapato, se quiserem. Esse é o poder que uma boceta tem
sobre um homem que aprecia o sexo oposto.
— Cheguei quase agora — responde normalmente.
Deixe-me esclarecer outra coisa: Pensei que ela fosse me olhar de um jeito diferente esta
manhã. Nada de olhos brilhantes, sorriso de orelha a orelha, respiração acelerada. A garota está
normal. E eu me achando o “foda da parada”, por fingir que posso ser indiferente, mas a menina
está jogando um balde de água fria no meu ego, agora.
Sua bruxinha maldita!
— Pronta para o primeiro dia? — pergunto, descendo a escada, sendo acompanhado por
ela.
Caminhamos até a garagem.
— Sim. — Continua indiferente. — Mais uma vez, muito obrigada pela oportunidade, Lucas.
Esse emprego é importante para mim. Valeu mesmo.
— Não precisa agradecer, apenas mostre serviço e não me decepcione, ok? — pergunto sem
encará-la.
— Uhum.
Abro a porta do carona para Nora, e espero ela se acomodar antes de fechar a porta e me
encaminhar para o banco do motorista. Dou a partida no carro e o rádio liga automaticamente em
uma estação local. Eu não conheço a música, mas observo de soslaio que Nora está sorrindo e
cantarolando baixinho enquanto observa a estrada.
— Que banda é essa? — pergunto curioso.
— Switchfoot. Chama-se I Dare You To Move, a música. É uma das minhas favoritas da banda
— revela sorrindo.
Assinto em silêncio, e mantenho-me concentrado no trânsito.
Será que essa merda vai dar certo? Quero dizer, nós tivemos um lance na noite passada e
agora estamos nos comportando como se nada tivesse acontecido. Não quero demonstrar o quanto
nosso beijo mexeu comigo, mas não suporto vê-la indiferente a mim.
Que porra isso significa?
Só pode significar que eu estou ficando louco.
NORA
Os ensinamentos que minha colega Marina passou na época de colégio interno, estão sendo
úteis agora. Eu estava realmente ansiosa pelo primeiro dia de trabalho, mas antes disso, muito
nervosa para saber como seria encontrar Lucas logo pela manhã para irmos juntos até a oficina.
Apesar de me pegar de surpresa, aparecendo na frente da mansão sem que eu o
percebesse e me preparasse, consegui aparentar calma diante dele. Marina sempre deixou claro
que, o reencontro depois de um beijo deve ser cauteloso. Nós mulheres, por natureza, temos a ideia
de fantasiar com o príncipe encantado e nos antecipar. Enquanto estamos pensando em como será
o modelo do nosso vestido de casamento e quais serão os nomes dos nossos filhos, os homens estão
pensando se a mulher curte ou não sexo anal. Palavras dela, não minhas. Eu nunca fiz sexo
tradicional, quem dirá anal.
Mas voltando aos ensinamentos, Marina aconselhou a observar com atenção, a maneira como
o homem reage no reencontro:
“Faça ‘cara de paisagem’. Espere ele tomar a iniciativa e observe a maneira como a
cumprimenta. A partir daí você percebe se ele está feliz em vê-la, ou se prefere fingir que nada
aconteceu. Então você age da mesma maneira, mesmo que por dentro esteja decepcionada ou muito
puta por ele ser um imbecil. ”
Acho que ainda não estou no ponto de perder a minha cabeça, por causa de um homem.
Confesso que me senti triste por ele não me tocar ou dar algum sinal de que queria me ver, mas
optei por seguir o conselho de Marina e agi com ele com o mesmo polimento. Lucas não foi
grosseiro, mas acho que eu esperava um pouquinho mais de comoção de sua parte.
Erro meu, eu sei. Antecipei e me dei mal.
Mas fui esperta e não dei bandeira.
Mereço um ponto a meu favor, certo?
A viagem foi silenciosa, ele apenas puxou assunto sobre uma das músicas que tocou quando o
rádio do carro ligou automaticamente. Depois disso não disse mais nada e eu também não quis
puxar assunto.
Chegamos à cidade vizinha e observo com verdadeira curiosidade, pois quando estive aqui
na noite do La Lola, não consegui ver muita coisa. A cidade é bonita. Há prédios gigantes e
lindamente arquitetados, parecem verdadeiros monumentos de arte, não apenas prédios. No que
parece ser o centro, há uma praça muito bonita, com uma igreja enorme cheia de vitrais coloridos,
árvores antigas e um jardim muito florido e bem cuidado. Ótimo lugar para passear durante um
fim de semana, sentar-se em um dos muitos bancos espalhados pelas sombras das árvores e ficar
batendo papo com amigos sem ver o dia passar. Sorri. Em breve eu faria novas amizades e
poderia ter essa opção de passatempo.
Lucas estaciona seu Porsche em frente a um grande pavilhão. A oficina que carrega o nome
de sua família é enorme. Ele desce do carro e antes que eu consiga sair, abre a porta para mim.
Encaro-o, mas não consigo ver seus olhos, pois Lucas está usando óculos escuros, modelo aviador.
Sigo-o. É ele quem abre a oficina.
— Não sou um bom guia turístico, Nora — explica. — Irei apresentá-la à Ramona, que chega
daqui a pouco e ela se encarregará de te mostrar todas as dependências. Tudo bem?
Ele está à minha frente, mas me observa sobre o ombro, e concordo com a cabeça.
Olho em volta e admiro o quanto tudo é organizado. A impressão que eu tinha de uma
oficina era algo bem diferente do que está diante de mim. Subimos uma escadaria que dá acesso
ao andar de cima do pavilhão, Lucas destranca a porta e faz uma mesura para que eu entre no
escritório.
— É aqui que você irá trabalhar — diz tranquilamente.
O ambiente é arejado, cheio de janelas cobertas por persianas em tons de marfim, há dois
aparelhos de ar-condicionado, três mesas de escritório, dois armários de arquivos, um balcão com
água mineral refrigerada e uma cafeteira. Parece agradável, eu gosto.
Estou observando ao redor quando sinto Lucas me abraçar por trás, puxando-me para si.
Seu cheiro é tão delicioso, e tento não suspirar ao me deliciar com sua colônia masculina. Fecho
meus olhos e sinto seus lábios tocarem a pele do meu pescoço.
— Você é tão cheirosa, Nora — sussurra ao pé do meu ouvido.
Não sei o que dizer, sou pega de surpresa com sua aproximação e repentina mudança de
atitude. Ele habilidosamente me vira, deixando-me de frente para ele, sua mão macia levanta meu
queixo e ele sorri daquele jeito que me faz derreter por dentro.
— Agora um beijo de boa sorte — fala, beijando-me em seguida.
Não penso em me afastar, é praticamente impossível. Lucas é uma força da natureza, eu sou
fraca, tenho que admitir. Depois que o beijei na noite passada, não consigo frear meu corpo se ele
insiste em se aproximar de mim. A iniciativa é dele, ao menos isso me conforta, e não me deixa
sentir fracassada por não resistir ao seu charme. Retribuo o beijo que começou lento, mas que em
segundos se torna intenso demais. Tudo com Lucas parece ser assim.
Ele se afasta com relutância e me olha nos olhos, vejo o fogo do desejo e sou forte por conter
um sorriso de satisfação. É muito bom saber que não é apenas ele que mexe comigo, mas que eu
desperto nele algo tão forte quanto o que ele desperta em mim, mesmo que isso não passe de
atração, é recíproco.
— Boa sorte, Nora.
Oh sim, eu vou precisar.
Desejem-me sorte, porque será quase impossível não me apaixonar por este homem.
Capítulo 7
Nora adaptou-se rapidamente a sua rotina no escritório da oficina. Ramona era uma senhora
simpaticíssima e após duas horas de convivência, Nora já a considerava a “Vovózona” que os
funcionários tanto adoravam. Ela era espirituosa, tinha bom humor e ficou imensamente agradecida
por ganhar uma assistente. Ramona chegou alguns minutos depois que Lucas deixou-a sozinha no
escritório, para abrir o restante da oficina e aguardar a chegada dos funcionários. O
entrosamento entre elas foi instantâneo e a manhã passou sem que Nora percebesse o relógio
correr.
Havia se esquecido de preparar o almoço, mas levou dinheiro e decidiu fazer um lanche em
alguma lanchonete perto do pavilhão. Ramona a indicou uma, na esquina oposta da oficina. Nora
agradeceu e foi caminhando até lá. Não viu Lucas depois que ele lhe apresentou à Ramona, mas
não queria ser indiscreta e perguntar para sua nova colega de trabalho onde ele costumava fazer
as refeições diárias. Sentou-se em uma das mesas e observou o cardápio, eles serviam almoço
também, era um prato feito com arroz, feijão, batata frita e bife de carne bovina. O prato vinha
acompanhado de salada de alface, tomate e cenoura ralada. O preço era acessível e Nora pediu
um suco de laranja para acompanhar. Enquanto esperava seu pedido chegar, observou a rua e
avistou Lucas do outro lado da calçada, caminhando ao lado de Caio.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Lucas sentiu o corpo formigando durante toda a manhã. Os funcionários estavam curiosos
para ver quem era a nova telefonista e assistente da “Vovózona”, mas graças aos céus, Nora não
precisava circular pela oficina durante o expediente. Ele adorava seus colegas de trabalho,
apesar de ser o dono e o gerente da oficina como mecânico chefe, tratava a todos com respeito e
não era o tipo que gostava de ser superior por causa de uma pirâmide de hierarquia. Mas sabia
como eram os caras, eles adoravam apreciar um belo rabo de saia, e Nora era, definitivamente, o
seu rabo de saia. Não queria compartilhá-la com os colegas, queria ser o único a desejá-la. Se
pudesse colocá-la em uma caixinha para preservá-la, certamente o faria. Pensou em convidá-la
para o almoço, pois não a viu trazer nenhuma vasilha de alimento consigo, porém, ao fecharem a
oficina ao meio-dia, Lucas foi surpreendido por Caio. Seu amigo estava com uma cara péssima,
olheiras profundas e rosto abatido, algo certamente não estava bem.
— Ei, brother, ainda não é halloween. Para que a fantasia de zumbi? — brincou Lucas,
tentando descontrair.
Cumprimentaram-se com o habitual abraço de macho e tapinha nas costas.
—Estou me sentindo um bosta, man. Vamos almoçar?
Seus planos de almoçar com a bruxinha foram anulados. Amigos sempre vinham antes das
mulheres, era uma regra de ouro e Lucas respeitava o manual.
— Vamos.
Caio mal tocou na comida. Estavam em um restaurante de comida típica italiana, onde Lucas
costumava comer todos os dias, o ambiente era simples, porém limpo e a comida caseira feita com
muito capricho. Ele sabia apreciar as coisas boas da vida, mas sabia que nem sempre o caro e o
luxo eram necessariamente bons, aquele restaurante era modesto, mas na opinião de Lucas servia
as melhores massas da região. Escolheu talharim ao molho branco e filé de picanha ao molho
gorgonzola, estava ansioso por uma caneca de chope bem gelado, mas como ainda precisaria
voltar para a oficina no turno da tarde, deixou o desejo de lado, e preferiu um suco de abacaxi
com hortelã.
— Não vai me contar por que está com essa cara péssima? — indagou ao amigo.
Caio especulou a comida em seu prato e tentou comer, havia escolhido o mesmo prato que
Lucas e o amigo parecia estar se deliciando com a iguaria. Esforçou-se para comer, assim poderia
adiar o assunto que queria desabafar.
Sabia que ao contar seria repreendido por sua estupidez. Eram amigos há tantos anos,
sempre foram sinceros um com o outro, essa era uma característica fundamental naquela amizade,
mesmo que doesse ouvir a verdade, ambos a faziam.
Terminaram o almoço e Lucas pagou a conta. Caminharam em silêncio de volta para o
pavilhão, os funcionários estavam na área de lazer, uma sala especial com micro-ondas, geladeira
e pia, além de uma grande mesa. Ali podiam esquentar suas refeições e também descansar, pois
também tinha sofás dispostos por todo o ambiente. Era um dos requisitos principais na franquia que
criaram para a oficina, os funcionários mereciam um espaço adequado para o horário de
descanso.
— Cara, quer me dizer logo que porra está acontecendo com você? — Lucas estava sem
paciência, pois sabia o que Caio queria lhe contar, não entendia o porquê de o amigo divagar
tanto para lhe dizer.
Caio passou as mãos pelo cabelo e começou a andar de um lado para o outro,
nervosamente.
— A Sabrina está grávida — revelou desesperado. — E segundo ela, esse filho é meu!
Lucas ficou sem ação, ele já sabia sobre a gravidez de Sabrina, mas ela havia lhe pedido
segredo e ele detestaria revelar ao amigo que já sabia do fato. Odiava ter que esconder a
verdade, mas não era algo que pudesse interferir no relacionamento deles. Sempre haveria a
cumplicidade, aquele fato era irrelevante, tratava-se de algo que Lucas não tinha o direito de
revelar ao amigo, a não ser a pessoa envolvida, Sabrina.
Franziu a testa e fitou Caio, que ainda circulava pela oficina.
— E é? — perguntou.
O amigo soltou a respiração pesada, antes de lhe responder.
— Pode ser. Mas é obvio que irei pedir um exame de DNA. — Riu, desprovido de humor. —
Como pude cair nessa cara? Que idiotice! Aquela vadia transa com qualquer um e eu fui vacilar
justamente com ela. Caí em um dos golpes mais antigos e baixos.
Caio realmente não estava aceitando bem a gravidez de Sabrina, mas acusar a garota de
golpe do baú ou golpe da barriga era exagero. Lucas se viu na obrigação de defender a garota.
— Ei, brother. Pense com clareza. A Sabrina não é uma pobre coitada, dar golpe do baú não
é algo que acredito que ela possa ter interesse em fazer. E golpe da barriga? É sério que você
está especulando isso? Estamos no século vinte e um, Caio. Sabrina sabe que não se prende um
homem com um bebê. Ela pode até ser a vadia que você diz, mas a garota não é burra.
— Não sei o que pensar! Estou no chão com essa notícia. Eu tenho quase trinta anos, não
pensava em me casar ou constituir família e agora isso? A porra de um bebê? Meus pais irão me
matar!
— Caio, você mesmo disse, tem quase trinta. Não é uma criança que vive debaixo da saia de
sua mãe. É adulto, um excelente profissional, tem uma carreira estável. Seus pais podem até ficar
decepcionados, mas não quer dizer que eles irão expulsá-lo de casa ou cortar a sua mesada. Por
favor, homem! Pense com clareza. Não é o fim do mundo.
Caio riu, mas Lucas sabia que o amigo estava prestes a se debulhar em lágrimas.
— É o fim do meu mundo, Lucas! Porra! Um filho com a Sabrina? O que todos irão pensar de
mim? Certamente que eu fui o trouxa que transou sem camisinha, com a mulher que já deu pra
quase todos os solteirões da cidade.
— Eu nunca pensei que você pudesse ser tão babaca, Caio!
Lucas e Caio voltaram-se em direção à porta do pavilhão, onde Nora havia acabado de
entrar. A garota estava com uma expressão furiosa e as mãos na cintura demonstravam que ela
não iria recuar.
— Nora? O que faz aqui? — perguntou Caio, confuso, alternando o olhar entre a garota e
Lucas.
Ela se aproximou.
— Não interessa o que faço aqui. — Balançou a cabeça e apontou o dedo em riste, na
direção de Caio. — Escute aqui, homem. A Sabrina é uma moça muito bacana, não merece que
fale assim dela. Ouvindo você agora, eu não consigo acreditar que se trata do cara apaixonado
que conheci naquela boate. Quando eu a conheci no banheiro do La Lola, ela estava chorando
desesperada porque não sabia como te contar sobre o bebê. Sabrina tinha certeza que você não
ia acreditar nela, pelo fato dela sair com outros caras enquanto você a deixava de lado pra
“galinhar” por aí. Vocês homens são tão machistas. Enquanto se gaba por ter comido metade das
garotas da cidade, ela não pode sair com outros homens para tentar esquecer o babaca que não
a valoriza como ela deseja? Seu hipócrita!
Lucas e Caio estavam perplexos, encarando a garota como se ela fosse um extraterreste.
Lucas já conhecia o lado agressivo de Nora, mas surpreendeu-se ainda mais por vê-la defender
Sabrina com unhas e dentes.
— Você não sabe da missa a metade, Nora — revidou Caio, tentando se defender.
Nora riu.
— Você é que não sabe de nada. Se toca, Caio. Há quanto tempo você e a Sabrina se
conhecem? Há quanto tempo esse relacionamento ioiô de vocês acontece às escondidas? Ela me
contou tudo. Você sabe que ela não era esse retrato de vadia que você e os outros caras pintam.
Então pare e pense um pouco, quem a fez agir assim? — Arqueou as sobrancelhas e deu-lhe um
sorrido sarcástico. — Acho que sabe muito bem, a Sabrina te devolveu na mesma moeda tudo o
que fez para ela. Mas como você é homem, saiu com o troféu de garanhão e ela por ser mulher,
ganhou o troféu de vadia.
— Nora, por favor... — Lucas tentou acalmá-la, mas recuou quando a garota lhe dirigiu um
olhar fulminante.
— Deixem-me falar, droga! — Nora alterou o tom de voz. Aproximou-se de Caio e continuou
a lhe apontar o dedo, próximo a face. — Tome vergonha na sua cara, Caio. Se foi homem o
bastante para se enfiar entre as pernas dela, seja homem e assuma a sua responsabilidade. Seu
filhinho de papai, mimado. Vê se cresce!
Após fazer o seu desabafo em defesa de Sabrina, Nora passou por Caio e Lucas, indo em
direção à escadaria de acesso ao escritório. No meio do trajeto, reparou que os mecânicos da
oficina estavam amontoados em uma porta, aos fundos do pavilhão. Sentiu-se enrubescer na
presença dos homens que a encaravam de olhos arregalados, surpresos por sua atitude diante do
patrão e seu melhor amigo.
— Oi pessoal. — Acenou e dirigiu-lhes um sorriso tímido. — Sou a Nora, a nova telefonista.
— Oi Nora! — disseram em coro, ainda perplexos pela ousadia da garota.
Constrangida, subiu a escada com pressa e escorou-se na porta após fechá-la.
Caio encarou Lucas, sem entender o que havia acabado de acontecer.
— Que porra foi essa, Lucas? O que essa garota faz aqui?
Lucas engoliu em seco antes de responder.
— Nora está trabalhando no escritório, ajudando a “Vovózona”. Hoje é seu primeiro dia.
— Caramba! Vai segurar a onda ao tê-la tão perto assim?
Suspirou, desanimado.
— Vamos nos preocupar com o seu drama, depois pensamos no meu, tá legal?
— Essa fedelha me deu um esporro daqueles, man. Nem a minha mãe fala daquele jeito
comigo.
Lucas sorriu, mesmo que Caio fosse seu melhor amigo, sentiu-se orgulhoso por Nora. Sua
bruxinha havia falado umas belas verdades para Caio.
— O que você vai fazer?
— Eu preciso pensar — respondeu Caio. — Mesmo que tenha sido foda ouvir o que Nora
me jogou na cara, a garota tem um pouco de razão. Minha situação com a Sabrina estendeu-se
por muito tempo, acho que nunca dei uma chance para nós dois. Gosto dela sabe? Mas é
complicado...
— Talvez sejam vocês dois que complicam demais. Esfrie a cabeça, Caio. A Sabrina está
passando por um momento delicado, se você que é o pai está desse jeito, imagine ela? A maior
parte do peso está sobre ela, e não é justo que carregue sozinha.
— Eu sei, man. Que merda. A gente estava se dando bem pra caralho. Você viu, domingo? Eu
estava com ela numa boa. Então fomos para meu apartamento, e ela jogou a bomba no meu colo.
— Como você reagiu?
Caio fechou os olhos.
— Da pior maneira possível.
— E o que vai fazer, agora?
— Correr atrás do prejuízo.
Lucas não entendeu o que o amigo quis dizer com aquela metáfora, porém não quis
especular mais. Estava preocupado com Nora, queria subir e ver como ela estava se sentindo após
sua sessão de lição de moral.
— Vou indo nessa — avisou Caio, aproximando-se e abraçando Lucas. — Tenho que pensar
com clareza antes de tomar qualquer decisão.
— Vai lá, brother. Sabe que pode contar comigo.
— Sempre.
Assim que Caio saiu pela porta do pavilhão, Lucas correu até o escritório e abriu a porta com
pressa, quase derrubando Nora no chão. Ela estava escorada na porta e levou um susto quando
ele a empurrou com força.
— Droga, Nora! Você está bem?
A garota se recompôs e o fitou, sem demonstrar emoções.
Essa menina é dura na queda!
— Estou ótima.
Lucas optou não por se aproximar dela. Fechou a porta atrás de si e a chaveou, encostou-se
a ela e observou sua bruxinha zangada.
— O que foi aquilo lá embaixo? — questionou Lucas.
— Você estava lá, sabe exatamente o que foi aquilo. Uma dose de realidade na cara do
idiota do seu amigo.
Ele sorriu.
— Desde quando você tem um palavreado tão afiado? — desafiou. — Pensei que em uma
escola dirigida por freiras, as meninas fossem comportadas. Seu vocabulário e atrevimento vêm me
surpreendendo a cada dia, desde que a conheci.
Ela revirou os olhos.
— Eu posso ter sido educada em uma escola de freiras, mas não em um convento. Não sou
uma santa, Lucas.
— Ah, não é mesmo, Nora.
Fitaram-se em silêncio, a atmosfera sexual surgindo aos poucos. Lucas deu dois passos à
frente, mas Nora permaneceu paralisada no meio do escritório.
— Vai me contar? — perguntou ele.
— Contar o quê?
— Quem foi o seu primeiro? Quando aconteceu?
Nora pestanejou. Como mudaram o rumo da conversa tão rápido?
— Isso não é da sua conta.
— É sim, por que um filho da puta roubou o meu lugar e eu quero saber quem foi.
Ela riu.
— Não seja ridículo. Eu não te conhecia, Lucas. Você não tinha e não tem nenhum direito
sobre o meu corpo.
Lucas deu mais dois passos à frente, ficando muito próximo a ela.
— Não? Pois eu acho que tenho, Nora.
As mãos dele envolveram-na pela cintura. Nora sentiu sua respiração falhar. Lucas estava
muito atraente naquele macacão sujo de graxa. O cheiro de óleo misturado a sua essência natural
o deixavam ainda mais sexy. Ela não queria sucumbir, estava no seu ambiente de trabalho, mas
como resistir ao toque daquelas mãos grandes e macias em seu corpo?
Ele era bem mais alto que ela, sentia-se uma formiguinha diante dele, mas ao contrário de
antes, Nora não o sentia intimidá-la. Pelo contrário, ter Lucas tão perto de si era como se ele fosse
um cavaleiro de armadura, disposto a protegê-la de qualquer perigo.
— Deixe-me esclarecer uma coisa, Nora. — Tocou seu queixo, fazendo-a olhá-lo diretamente
nos olhos. — Não estou para brincadeiras. Tentei me manter distante, sei que é perigoso, mas
agora é tarde demais, não consigo ficar longe de você. Então, eu digo: tenho todo o direito sobre
o seu corpo, a partir do momento que você me deixou beijá-la naquela janela. Não tenha dúvidas,
tão logo você completar dezoitos anos, será minha. Eu sei que você quer isso tanto quanto eu.
Nora recuou um passo. As palavras de Lucas eram precisas e ele estava falando sério. Sentiu
receio, algo em seu tom de voz era possessivo, quase como se não lhe desse escolha. Talvez
estivesse brincando com fogo fazendo a linha de garota ousada e experiente. Poderia se queimar
feio.
— Você é como o Caio, não é? — Optou por mudar de assunto, tentando descobrir mais
sobre o homem à sua frente, se queria lutar de igual para igual, precisava de armas. Não sabia
nada sobre Lucas Marinho.
Lucas franziu a testa, não entendeu a pergunta que Nora havia acabado de fazer.
— Do que está falando?
— Você é lindo, rico, sedutor. É obvio que as mulheres devem se jogar em cima de você,
Lucas.
— E o que isso tem a ver com nós dois?
— Tudo. Não vou ser mais uma na sua lista. Não quero ser uma Sabrina, me entregar
acreditando que podemos nos envolver e depois de você conseguir o que deseja, tratar-me como
se eu fosse uma desconhecida e partir para outra. Acho que mereço muito mais. Não quero ter o
meu coração partido e revidar saindo com outros, para tentar esquecê-lo.
Lucas riu e se afastou.
— O que pensou que aconteceria, Nora? Que eu fosse pedi-la em casamento?
— Pensei que não seria vista como um pedaço de carne, que você deseja provar e
recomendar aos seus amigos. Quando a Sabrina me contou sobre Caio e o seu grupo de amigos
riquinhos e safados, não pensei que você fosse o tipo de cara que fizesse parte disso. Mas estava
enganada. Vocês são iguais, só que eu sou diferente. Não dou a mínima para o status de vocês.
Nunca precisei disso.
— Você passou praticamente a vida inteira em um colégio interno, Nora. A vida não é um
conto de fadas. Eu nunca disse que era um monge ou um santo. Sinto-me atraído por você, mas em
momento algum te fiz promessas, fiz? Então não venha me julgar só porque eu tenho dinheiro e um
estilo de vida que você considera leviano. Poupe-me da sua liçãozinha de moral. E siga o conselho
que você mesma deu ao Caio: Vê se cresce garota!
Lucas destrancou a porta e saiu furioso do escritório. Nora permaneceu estática, absorvendo
todas as palavras que foram proferidas naquela discussão. Como foi que haviam chegado aquele
ponto?
Mas foi melhor assim, pensou ela. Lucas era muito mais do que Nora podia almejar. Deixou-se
levar por seus beijos e carícias, mas ele tinha razão, nunca lhe prometeu nada. Ela quem havia
cometido o erro de fantasiar. Lembrou-se de Marina, e seu aviso sobre os homens.
Ah, quer saber. Que se dane Marina e seus conselhos!
Nora chegou à conclusão de que não precisava fingir ser o que não era. Porque não sabia nada
sobre relacionamentos além das páginas dos romances que lia. Tentou aparentar experiência e
segurança, mas na hora de agir como adulta comportou-se como uma garotinha sonhadora.
LUCAS
Em que momento as coisas desandaram mais uma vez entre Nora e eu? Puta que pariu! Nós
estávamos falando do Caio, e em segundos aquela bruxinha virou o jogo, deixando-me irritado, o
que consequentemente significa que falo muito mais merda que o habitual. É minha autodefesa,
usar as palavras para ferir, sair por cima em uma discussão. Droga! Nós estávamos indo tão bem e
de repente voltamos à estaca zero.
Mas por que estou surpreso? Garotas adolescentes possuem a mente romantizada
automaticamente, e Nora não é diferente. Ela é ingênua demais. Mesmo que hoje em dia as jovens
de sua idade sejam experientes e cheias de malícia, com ela não é assim. Mesmo após me
confessar que não é mais virgem, não acredito que Nora tenha saído por aí transando as
escondidas com muitos caras. Provavelmente ela perdeu a virgindade com algum garoto de sua
idade, acreditando estar apaixonada e vivenciando uma linda história de amor.
É assim com as garotas, não é?
Ela diz que é diferente, mas acusa-me de ser igual ao Caio, o que não deixa de ser verdade.
Eu a conheço há menos de uma semana, o que você pensou que aconteceria? Que me apaixonaria
perdidamente por uma menininha e me ajoelharia aos pés dela? Oh, por favor. Seja menos
sonhadora, não me decepcione com tanta ilusão sentimentalista.
Eu não sou o tipo de homem que rasteja aos pés das mulheres, muito menos de uma garota.
Então, por que estou me sentindo um grande bosta?
Desço a escada com pressa, chego ao térreo e deparo-me com meus colegas observando-me
com demasiada atenção. Estão espremidos na porta da sala de lazer. Franzo a testa, mas sorrio. É
engraçado ver um bando de machos se comportando como mocinhas curiosas e fofoqueiras.
— Perguntem logo — digo sorrindo.
— Você demitiu a garota? — pergunta Ivan, um dos mecânicos em treinamento.
— O quê? Não! Claro que não.
— Caraca, ela é bem estressadinha — comenta Savério, meu funcionário mais antigo.
— E linda — complementa Pietro, o Don Juan.
Reviro meus olhos.
— A menina está proibida para qualquer um de vocês. Entenderam bem?
Até os funcionários que observam em silêncio compreendem a seriedade nas minhas palavras.
— Sim senhor — dizem em uníssono.
— Não quero ninguém se engraçando para cima da Nora — continuo, em tom de sermão. —
Ela faz parte da nossa equipe, merece respeito.
— Claro, chefe.
— Tá certo, tá certo.
— Nem tá mais aqui quem falou!
Todos disfarçam e voltam resmungando para a sala de lazer, o horário de almoço está quase
chegando ao fim.
Vou até o banheiro e lavo meu rosto.
Droga! Preciso me acalmar.
Nunca me senti tão volúvel. Uma hora estou determinado a me manter longe dela, em outra,
obcecado por tê-la a qualquer custo. Entendo que me envolver com ela é perigoso, seu pai é
funcionário da minha família há anos, tenho quase o dobro da idade dela, ela é menor de idade.
Obstáculos mais do que suficientes para que eu permaneça distante. Mas tudo se torna irrelevante
quando me lembro daqueles olhos cor de mel, seu rabo de cavalo que me excita pra porra, e o
sorriso de menina levada derruba qualquer muralha de autocontrole que me proponho a erguer.
Escoro-me na parede do banheiro.
Eu fui um ogro com ela. Mais uma vez.
Mas ela me tira do sério!
Como conseguirei que Nora me desculpe, depois do que disse a ela?
Praticamente assumi que sou um safado, e que tudo o que quero é me aproveitar do seu
corpo. O que não deixa de ser verdade, mas há muito mais que desejo carnal.
Droga! Como assim, muito mais que desejo carnal? Que merda eu estou pensando?
Está difícil me controlar perto dela. De manhã eu estava tentando ser o todo poderoso,
mantendo uma linha de “não estou nem aí para você”, mas ela fez o mesmo e então o que fiz?
Simplesmente a puxei para mim em um beijo de boa sorte. Boa sorte é o cacete! Aquele beijo foi
de puro tesão e vontade de tê-la para mim, sorte não tinha nada a ver com aquilo. Era um beijo
de afirmação para que Nora compreendesse que eu a queria e que não sossegaria enquanto não
a tivesse por completo.
— Você está acabando com a minha sanidade, Nora...
Estou de cabeça quente agora, não adianta ir até lá e tentar reverter o conflito que ambos
criamos. Mais tarde, quando estivermos sozinhos em meu carro, indo para a casa, conversaremos e
tudo se resolverá.
Ao menos é o que eu espero
NORA
Tento me acalmar. Eu nunca estive tão sobrecarregada de raiva antes, nem mesmo quando
Lucas quase me atropelou e me encharcou de água suja, nem das outras vezes que discutimos e ele
foi um babaca comigo. Desta vez foi pior porque a culpa foi minha. Eu mesma me iludi acreditando
que as coisas entre nós estavam se encaminhando para algo especial. Como fui tão burra? Por que
tento transparecer adulta e centrada, mas quando chega a hora de agir eu só consigo mentir ou
meter os pés pelas mãos? Agora ele acredita que não sou virgem e que estava esperando algum
tipo de relacionamento sério por parte dele.
Não posso continuar com isso, não é saudável, não é correto. Ele é mais velho do que eu, não
tem idade para ser meu pai, mas considerando que ainda sou menor de idade, isso pode vir a ser
um problema. Ele pertence a uma classe social muito superior à minha, além disso, meu pai trabalha
para a família dele e agora eu também. As pessoas tentam dizer que o mundo está moderno e
muita coisa está diferente, mas alguns paradigmas são difíceis de ser desconsiderados.
Respiro fundo e engulo o choro. Cogito a possibilidade de ligar para a Marina e lhe pedir
alguns conselhos, mas descarto logo em seguida. Não sou como ela, até gostaria de ser, mas sei
que não sou. Eu tenho alguns princípios e eles batem de frente com o estilo de vida que Lucas está
habituado. Eu não quero uma aventura, não quero ser um passatempo ou um brinquedo novo que
ganha demasiada atenção, mas que em breve se torna desinteressante e é substituído. Não consigo
ser uma garota descolada que só quer curtir o que a vida tem de bom para oferecer sem se
preocupar com nada. Eu me preocupo com meu coração, com os meus sentimentos e minhas ilusões
românticas. Quero meu príncipe encantado, não precisa ser perfeito, desejo apenas que me trate
com carinho e aceite retribuir o amor que eu, com toda a certeza do mundo, darei a ele. Quero
entregar meu coração a alguém que cuide dele, não que o despedace e parta para a próxima
conquista. Por isso, decido acordar para a realidade de que com Lucas, nenhum dos meus sonhos
secretos se tornará realidade, quanto mais cedo eu aceitar isso, melhor.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Tomo algumas decisões ao longo da tarde. Converso com a senhora Ramona e o senhor
Alfredo, que elogiam o meu desempenho e confirmam a minha contratação. Receberei um salário
mínimo e terei minha carteira de trabalho assinada como auxiliar administrativo. Estou tão feliz por
finalmente estar empregada, por sorte, não demorou muito tempo e isso soa positivo aos meus
planos de fazer um pé de meia para a faculdade no início do segundo semestre. Estamos
chegando ao final de março e faço aniversário na segunda quinzena de maio, por incrível que
pareça não me sinto ansiosa. Acho que já me considero adulta desde os quinze anos de idade,
portanto ter dezoito anos não será nenhum rito de passagem, apenas uma constatação legal de
que já sou responsável pelos meus atos.
— Seja oficialmente bem-vinda à equipe Fast Mariner’s — cumprimenta-me o senhor Alfredo,
estendendo-me a mão em um cumprimento formal.
— Obrigada pela confiança e oportunidade, senhor.
O pai de Lucas é um homem excepcional, tão diferente do filho, que parece ter “titica” de
galinha na cabeça. Certo, posso ter usado uma hipérbole aqui, mas estou chateada e uma mulher
quando está chateada tem todo o direito de menosprezar um homem. Até que Lucas me prove o
contrário, ele é acéfalo e imbecil.
Ramona é uma pessoa maravilhosa, sinto que vou me apegar a ela facilmente. Nunca tive
convivência com meus avós, os paternos são falecidos e os maternos eu nunca conheci. Não sei
quem são, pois, meu pai omitiu esta informação, revelou mais tarde que eles nunca demonstraram
interesse em fazer parte da minha vida. Aos doze anos, quando finalmente descobri a verdade
sobre minha mãe ter me abandonado e não morrido — como eu acreditava — meu pai
perguntou se eu gostaria de procurar meus avós e talvez tentar uma aproximação com minha mãe.
Mas para quê? Eles não quiseram saber de mim, por que eu iria querer saber deles? Não vou
arriscar a possibilidade de ser rejeitada uma segunda vez, amo meu pai e minha tia Laurinha, eles
são mais do que suficientes. Um dia terei minha própria família e jamais farei ao meu filho o que
minha progenitora fez comigo.
Passei o restante da tarde focada em aprender o trabalho, mas às vezes, minha mente
divagava para a conversa entre Caio e Lucas e me senti incomodada, preocupada com Sabrina.
Como será que ela estava se sentindo, depois de contar ao Caio sobre o bebê e ele ter sido um
idiota completo? Deve ser por isso que Lucas e Caio parecem ser tão amigos, os dois são farinha
do mesmo saco.
Fico irritada novamente e lembro-me de que o final do expediente está chegando. Sorrio,
sentindo-me com uma “carta na manga”. Espero que ele “caia do cavalo” quando vier me chamar
para ir embora. Mas se ele pensa que pode falar daquele jeito comigo e depois agir como se
nada tivesse acontecido, está enganado. Eu posso não ser tão autoconfiante e corajosa como
demonstrei a ele em algumas ocasiões, mas não preciso mais fingir, porque eu quero ser essa
garota, farei de tudo para ser. Sem artifícios, apenas eu mesma, moldando a mulher que pretendo
ser. E começarei mostrando a Lucas que eu não sou uma menina boba, que ele não pode me fazer
de “gato e sapato” quando bem entender.
Recordo-me de um trecho da música interpretada por Frejat e Barão Vermelho e sorrio.
“Se você quer brigar
e acha que com isso estou sofrendo.
Se enganou meu bem,
pode vir quente que eu estou fervendo.”
Lucas Marinho, você não perde por esperar.
Capítulo 8
Lucas não estava de bom humor naquela tarde de terça-feira. O dia que havia começado
aparentemente agradável acabou se tornando cheio de palavras que não deviam ter saído de
sua boca. Sempre foi o tipo de homem que não se arrependia de falar o que pensa, embora
muitas vezes não pensasse muito bem antes de falar. Sua impulsividade muitas vezes gerou conflitos
desnecessários e ele era completamente ciente disso. Mas Lucas também sabia reconhecer quando
estava errado, também não era orgulhoso ao extremo, se tivesse que pedir desculpas e voltar
atrás em suas convicções, ele voltava. Não porque queria agradar, mas por acreditar que a vida
permitia as pessoas mudarem suas opiniões, e ele só voltava atrás se realmente acreditasse que
valia a pena, não porque as pessoas não conseguiram compreender seu jeito de pensar ou agir.
Por Fim, ele estava se sentindo mal por ter gritado com Nora, por dizer de um jeito nada sensível
que estava interessado nela, mas não pensava em ter um relacionamento sério.
Havia muito que pensar sobre o assunto, ele se contradizia o tempo todo quando se tratava
da garota. Lucas desejava Nora, embora soubesse que poderia se meter em encrenca caso fosse
mal interpretado se alguém descobrisse. Quando disse a si mesmo, de cabeça quente, que tinha o
dobro de sua idade, estava exagerando. Não era exatamente o dobro, pois se isso fosse verdade
poderia ser pai da menina. Bento Sampaio tinha o dobro da idade da filha. Pensar que se ele
tivesse a mesma idade de Bento, o fez sentir-se ainda pior, pois o pai da garota jamais aceitaria
que um homem com a mesma idade que a sua se envolvesse com Nora. Bento era um homem
tradicional e conhecia a reputação de conquistador que Lucas tinha pela região. É, seria mesmo
impossível fazer o homem aceitá-lo como genro, caso tivesse intenção de ter Nora como sua
namorada.
Talvez devesse se manter longe dela, tirar sua obsessão da cabeça e procurar alguém mais
próximo de sua realidade, tentar ficar um tempo com a mesma companhia. Revezava demais, sabia
disso, era dessa maneira que se mantinha solteiro. Estar na companhia de uma mesma pessoa por
muitas vezes poderia ser considerado como um relacionamento bem perto de estável, e depois de
Bárbara, Lucas não quis se prender a mais ninguém. Se pensasse com clareza, nem com Bárbara
ele pretendia ter ido tão longe. Não queria ir longe com ninguém.
Desistiu de mexer no projeto em que estava trabalhando, para uma grande equipe
automobilística, não estava focado e qualquer cálculo errado poderia ser um grande desastre.
Supervisionou a equipe, deu algumas dicas para Ivan, o funcionário que ainda estava em
treinamento. O garoto era esforçado e gostava do trabalho, para Lucas, não bastava apenas
querer trabalhar, mas amar aquilo que se escolheu fazer.
— Quantos anos você tem, Ivan?
— Dezenove, patrão — respondeu o garoto, com firmeza nas palavras.
— Está estudando?
— Sim, estou no segundo semestre de engenharia mecânica. Estudo a noite na faculdade
local.
Lucas deu uma “tapinha” nas costas do jovem.
— Isso mesmo rapaz, nada de ficar para trás. Você está indo muito bem aqui na oficina,
depois do período de experiência, podemos ver uma ajuda com os seus estudos. Vou falar com
meu pai.
Ivan abriu um sorriso largo, imensamente feliz com a possibilidade. Já era um grande passo
ver que um dos chefes estava interessado em lhe ajudar. Sabia que Lucas era formado no mesmo
curso e que ele prestava serviço para uma grande empresa que mantinha uma equipe profissional
de corrida automobilística. Era seu exemplo de profissional competente, saber que poderia ter a
chance de aprender com um dos melhores o deixava em êxtase.
— Valeu mesmo, chefe. Nem sei o que dizer...
— Não precisa dizer nada, só continue fazendo o seu trabalho com competência e tire boas
notas.
— Pode deixar, chefe!
O fim do expediente estava próximo, Lucas foi até o vestiário trocar de roupa e se preparou
para encontrar Nora. Eles iriam embora juntos e usaria esse momento para conversar com a
garota. Alfredo, o pai de Lucas, havia saído horas antes para verificar uma filial. Ramona e Nora
estavam sozinhas no escritório. Assim que trocou de roupa e lavou as mãos e o rosto, Lucas subiu a
escada e adentrou na ala administrativa da Fast Mariner’s. Encontrou Ramona sentada em seu lugar
habitual, porém não viu Nora em lugar algum naquele espaço fechado.
— Ei Ramona — chamou sorridente. — Não fique até tarde. O sinal daqui a pouco irá tocar.
A senhora encarou o homem à sua frente, tinha grande afeto por Lucas Marinho. Ele era um
jovem muito bonito e com excelente senso de humor, Ramona sabia que ele tinha fama de
conquistador e também de cafajeste, mas não conseguia repreender o homem, Lucas era tão
encantador com ela e estava sempre disposto a ajudá-la, demonstrava preocupação pelo seu
bem-estar dentro e fora da oficina. Não considerava Lucas apenas o seu chefe, ele era o seu neto
loirinho preferido, já que ela era de descendência angolana e todos os seus netos eram morenos,
mesmo dois de seus filhos sendo casados com mulheres caucasianas.
— Meu querido, eu já estou quase acabando. Vou conseguir ir embora cedo, pois agora
tenho uma assistente que me é de grande ajuda. — Ramona levantou-se e caminhou em direção a
Lucas. Abriu os braços em um gesto que ele já conhecida, iria ser abraçado com tanto carinho que
se emocionaria. Era o que sempre acontecia quando se deixava acalentar pela “Vovózona”. —
Muito obrigada por trazer a menina Nora, fiquei sabendo que a ideia foi sua. Esta velha aqui já
não é a mesma.
Retribuiu o abraço e beijou-lhe a testa.
— Faço tudo por você, mulher — brincou Lucas.
Sentiu-se um pouco culpado, pois sabia que a verdadeira intenção por trás de tudo era
manter Nora por perto, e ajudá-la indiretamente com a faculdade. Mas, Lucas ponderou que soube
unir o útil ao agradável e que acertou em cheio naquela decisão. Nora estava empregada e
Ramona finalmente teria um pouco de sossego na rotina de trabalho.
— Onde está a Nora? — perguntou, tentando manter-se indiferente. Ramona era uma
senhora muito perspicaz, sabia que todo cuidado era pouco.
Desfizeram-se do abraço.
— A menina já foi embora.
Lucas sentiu algo semelhante a um soco no estômago.
— Embora? Como?
O alarme soou estridente pelo pavilhão, era o toque de recolher. O expediente havia
encerrado e os funcionários estavam indo embora.
Sentiu-se nervoso ao saber que a garota já havia ido. Como ele não a viu sair?
— Seu pai e eu conversamos com ela, a menina está contratada e será uma funcionária
registrada. Também daremos o vale transporte e organizamos os horários para que ela possa
pegar o ônibus sem grandes transtornos. Ela chegará às nove da manhã, e sairá às cinco da tarde.
Terá uma hora de almoço.
Lucas tentou ao máximo prestar atenção ao que Ramona lhe dizia, mas sua mente estava
maquinando sem parar.
— Quer dizer que ela saiu há uma hora?
A senhora anuiu.
— Tudo bem, Ramona. Você pode fechar a oficina, para mim? Lá embaixo está tudo certo,
basta ativar os alarmes e trancar a porta do pavilhão.
— Claro que sim, menino. Eu já fiz isso muitas vezes.
— Obrigado, “Vovózona”. Você é a melhor.
Despediu-se da senhora com um beijo na testa e correu até o estacionamento. Ao dar a
partida no carro, Lucas cogitou a possibilidade de ligar para Nora e verificar onde ela estava,
mas deu-se conta de que sequer possuía o número do seu telefone.
— Mas que merda! — espinoteou.
Algo lhe dizia que a garota havia feito de propósito. Eles haviam combinado de ir e voltar
todos os dias juntos, mas depois da briga, Lucas concluiu que ela estava mesmo chateada para não
querer ir embora com ele.
Respirou pesadamente, focou sua atenção no trânsito.
Talvez fosse melhor assim. Ponderou. Aquela história já tinha ido longe demais. Nunca uma
mulher, em tão pouco tempo, desestruturou seu corpo e mente como Nora havia sido capaz de
fazer. E ela não fez nada de mais. Apenas o fitava com seus olhos cor de mel, cheio de promessas
inocentes e um sorriso cativante. Depois de tê-la beijado, temia não ser forte o bastante para
esperar que a garota completasse a maioridade.
— Puta que pariu! — Enervou-se.
Sabia que estava soando desesperado, assemelhava-se a um viciado em drogas,
enlouquecendo por não poder usufruir daquilo que lhe poderia trazer o alívio almejado. Era
insano, porque nunca foi assim tão obcecado por uma mulher. Estava sendo intransigente e sabia
que mais cedo ou mais tarde prejudicaria a si mesmo.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora desceu do ponto de ônibus em frente ao Alcapone’s. Havia conseguido comprar um
bloco de vale transporte na agência local e aproveitou para checar os horários semanais. Estava
feliz por ter conseguido o emprego, passaria pelos três meses de experiência e depois receberia
um aumento de salário, estava satisfeita pelo que conquistou. Sentiu-se privilegiada por ter uma
hora reduzida do seu expediente, para que conseguisse pegar o ônibus e chegar em casa cedo.
Mas Ramona lhe garantiu que não haveria problemas, pois pensariam em alguma maneira dela
recompensar essas horas. Nora não queria que lhe beneficiassem de alguma maneira, por ser
jovem demais ou até mesmo por sentirem que estavam fazendo um favor ao seu pai. Ela não tinha
medo de trabalhar, se precisasse chegar um pouco mais tarde em casa, chegaria sem problemas.
Porém já estava decidido: iria para o trabalho e voltaria para casa de ônibus.
O senhor Alfredo indagou Nora do porquê recusar a carona de Lucas, até se ofereceu para
trazê-la, mas a garota foi insistente e disse que não queria nenhum tipo de regalia, pois estava na
hora de começar a ser independente e aprender a se virar sozinha. O senhor Alfredo não insistiu,
pois admirou a tenacidade da menina.
A tarde foi de muito trabalho, ajudando Ramona a organizar alguns arquivos pendentes e
fazendo ligações de cobrança. Era bom ter com o que se ocupar, assim sua mente não pensava
demais em quem não devia. A pontada de tristeza permeava no fundo do coração, mas a razão
lhe orientava a ignorar o sentimento, Lucas estava certo a seu modo, porque não lhe fez
promessas, mas a sutileza não era sua maior qualidade. Quando chegou a hora de ir embora,
Nora conseguiu sair da oficina sem ser percebida pelos colegas, e para seu alívio, por Lucas.
Havia uma porta nos fundos do pavilhão, ela teve que fazer um trajeto um pouco mais longo até
chegar à estrada principal, mas era a única maneira de não encontrar-se com Lucas.
Já no ônibus, telefonou para Sabrina. Elas haviam compartilhado o número de telefone na
noite em que se conheceram na La Lola.
— Nora! — Sabrina atendeu ao segundo toque. Estava feliz por receber a ligação de sua
mais nova amiga. Ao menos sabia que Nora era uma das poucas pessoas que lhe apoiavam
incondicionalmente, bem, somente ela e sua mãe. Caio não havia aceitado bem a notícia de sua
gravidez. Sabrina fechou os olhos, engolindo a tristeza e focando toda a atenção na amiga.
— Ei, como você está? — indagou Nora.
— Eu e o Caio brigamos feio, estou me sentindo tão mal.
— Escuta, preciso ver você. Quero muito conversar contigo. Estou indo para casa, você mora
perto da lanchonete da sua mãe?
— Sim, nosso apartamento fica em cima do Alcapone’s, o prédio é da minha mãe.
— Posso ir aí?
— Claro! Preciso tanto desabafar com alguém, Nora...
— Ah, minha querida. Eu também preciso.
— Ótimo. Te espero para chorarmos uma no ombro da outra.
Nora soltou uma gargalhada, lembrou-se que estava no ônibus e sentiu-se envergonhada.
— Até daqui a pouco.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Caio estava em seu quarto, deitado na cama king size e cercado pela escuridão. Precisava
pensar com clareza, dar um rumo a sua vida, pesar prós e contras na balança, descobrir em que
momento de sua vida permitiu-se ser manipulado pela vontade dos pais.
Pensou em Sabrina, a garota que o deixava louco de muitas maneiras. O seu jeito atrevido, o
corpo escultural, a maneira como lhe acariciava o cabelo enquanto pensava que ele estava
dormindo, a habilidade inegável no sexo oral, sua respiração leve enquanto dormiam abraçados.
As unhas afiadas que lhe arranhavam as costas enquanto ele se afundava dentro dela, a risada
alta e cheia de bom humor quando ele tentava dizer algo engraçado. O choro engolido sempre
que ele a decepcionava, a indiferença com que o tratava quando chegava a alguma festa e o via
com outra mulher. Sabrina era forte, ousada e destemida. Poucos a conheciam de verdade, mas
Caio sabia que fazia parte dessa minoria. Quando estavam juntos ela desabrochava e enquanto
estavam isolados de tudo e de todos, formavam o par mais perfeito que poderia existir.
Mas então ele acordava para a realidade. O pai o preparou para ser seu sucessor, a mãe o
mimou como se ele fosse um cristal raro. Mulher alguma era digna de possuir o coração de seu
filho, a não ser é claro, que ela escolhesse sua pretendente. E Carmem Antunes jamais escolheria
Sabrina Blanco.
Não fosse sua mãe, que era realmente o grande empecilho, havia ainda a reputação de
Sabrina entre os solteiros da região. Ele sabia que ela era incrível com a boca, mas muitos outros
também estavam cientes do talento que a moça possuía. Sabrina não era conhecida por ser um
modelo de virtude, era totalmente o oposto. E Caio tentava não dar ouvidos aos boatos, porque
sabia que indiretamente, muitas vezes diretamente, foi o culpado por ela ter circulado tanto entre a
roda de amigos.
O tempo passou rápido demais, quando a conheceu ela era uma garota inocente. Foi ele
quem a seduziu, lhe fez promessas, mentiu para conseguir o que tanto queria. Ela era mesmo
virgem, ele pensou que era mentira, mas não. Sabrina entregou-se a Caio acreditando que
gostava dela e que ficariam juntos. Mas ele não a culpou por criar falsas expectativas, pois foi o
responsável por semeá-las. Sim, ele estava ciente de que foi algo muito errado. Sabe que foi um
cretino idiota.
Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente.
Mas era tarde demais.
Seduziu uma garota, deu as costas a ela. Ele pediu desculpas, ela o desculpou. Deu-lhe
esperanças apenas para tê-la em sua cama novamente, ele ensinou algumas brincadeiras sacanas,
ela era uma excelente aluna. Fez a garota chorar, disse que não se amarrava a ninguém e que ela
deveria fazer o mesmo, que a vida era curta demais para ficar se prendendo a convenções e
ideias ultrapassadas de moralismo. Depois de tanto chorar, a garota aprendeu a lição. Desligou-se
das emoções e assuntos do coração, deixou-se levar apenas pela luxúria e usou o sexo como uma
válvula de escape para esquecer o coração em pedaços dentro do peito.
Caio sabia que havia transformado uma boa menina em garota má.
E cometeu o pior dos pecados: apaixonou-se perdidamente por ela.
Agora ela estava esperando um filho seu.
Sim, ele não tinha dúvidas de que aquele bebê no ventre de Sabrina era seu filho.
Não, ele não seria covarde desta vez.
Seu pai lhe educou para ser um homem de bem, sua mãe lhe ensinou que a mulher amada
merecia ser tratada como uma rainha, pois ela seria o seu braço direito nas batalhas da vida e um
homem que soubesse valorizar sua mulher, era um homem afortunado.
Levantou-se da cama, decidido.
Ele era um homem afortunado, não?
Apaixonou-se, encontrou sua rainha.
Ela seria muito mais que seu braço direito, seria a mãe dos seus filhos.
Tudo o que Caio precisava fazer, era sair da inércia e tomar as rédeas de sua própria vida.
Precisava encontrar Sabrina, pedir perdão, e torcer para ser perdoado.
Mais uma vez.
NORA
— Ainda não acredito que você deu um “chega pra lá” no Caio, por minha causa.
Estou no quarto de Sabrina, sua mãe está cuidando do Alcapone’s e prometemos a ela que
desceríamos em breve.
— Sei que não tenho nada a ver com o assunto de vocês, mas fiquei tão chateada —
explico.
Sabrina sorri e me puxa para um abraço, estamos sentadas em sua cama e havia acabado
de contar a ela tudo o que aconteceu hoje cedo. Também a coloquei ciente da minha situação com
Lucas, não estou conseguindo lidar bem com isso sozinha, preciso muito de alguém para me ouvir e
me aconselhar.
— Nora, você é minha amiga — afirma Sabrina. — Embora eu te conheça há pouquíssimo
tempo, você fez por mim o que nenhuma outra garota fez, me defendeu. Isso prova que posso
confiar em você e que te devo essa mesma fidelidade.
— Obrigada.
— Não me agradeça ainda, talvez fique chateada comigo.
Franzo a testa.
— Por quê?
— Não quero te enganar, você já conhece minha história com o Caio. Eu tenho dezenove, ele
tem vinte e sete. Nós estamos nesse vai e vem desde que eu tinha dezessete anos. Ninguém sabe,
muitos pensam que ficamos há alguns meses, mas nada sério. Ele nunca me levou a sério, mas
sempre o amei. Cada vez que se aproximava eu acreditava que poderia fazê-lo me amar. Esse foi
o meu erro, Nora. Homens como Caio não podem ser persuadidos, eles fazem suas próprias
regras. Demorei muito tempo para me dar conta disso, e veja onde fui parar!
— Ainda não entendi.
— Eu tenho fama de vadia entre os caras daqui, mas eu busquei isso. Enquanto Caio é o
“pegador”, eu sou a “piranha” safada. E só para você saber, também já fiquei com o Lucas. Posso
te garantir que ele é igualzinho ao melhor amigo.
Ouvir da própria Sabrina que ela já ficou com Lucas, desperta um sentimento esquisito dentro
de mim. Não gosto de saber disso, mas é bom que eu saiba por ela e não por qualquer outra
pessoa. Somos amigas, essa sinceridade é essencial para nosso vínculo se fortalecer. Detestaria que
alguém usasse esta informação contra mim, apenas para me afetar de alguma forma. Mesmo que
ninguém saiba sobre o breve envolvimento entre Lucas e eu, não gostaria de ser pega de
surpresa.
Engulo em seco.
— Ficou com ele, como? — pergunto corajosamente.
Ela morde os lábios, mas percebo que segura uma risada.
— Já transei com ele, Nora. Foi uma vez só, ou duas. E não vou mentir, o cara é um deus do
sexo. Nas outras vezes, eu o chupei e em troca ele me deu orgasmos incríveis. Lucas tem dedos
mágicos e uma língua...
Fecho meus olhos, tento afastar qualquer possibilidade de imaginar as cenas que Sabrina
acaba de me descrever. Sinto meu estômago revirar. Estou com... Nojo!
— Por favor, pare! — peço, engolindo as lágrimas.
Sabrina me encara com espanto e pesar.
— Ah, droga! Nora, por favor, me perdoe... Não pensei que isso pudesse te fazer sentir mal,
quero dizer, você nem gosta dele, certo?
Não sei o que dizer, me sinto perdida e tão triste.
— Eu...
— Ah, não... Você está se apaixonando por ele — constata Sabrina, por si mesma.
Não confirmo, porém não me dou ao trabalho de negar.
— Nora, você tem dezessete anos. O Lucas, vinte e oito. Ah, e daqui a alguns dias ele fará
vinte e nove. A festa está agendada para o sábado da próxima semana, ele alugou o Alcapone’s
especialmente para esta ocasião.
— Eu sei que existe uma grande diferença de idade — menciono.
— Mas não é só isso, querida. Eu me preocupo com você, pela maneira que reagiu quando
eu descrevi o sexo com Lucas, deu para perceber que você é completamente inexperiente no
assunto. Você ainda é virgem, Nora?
Afirmo, envergonhada, com um gesto de cabeça.
— Então o meu conselho é o seguinte: Fuja para as colinas, amiga! Curta a sua idade, você é
jovem e sua primeira vez tem que ser especial, com um carinha bacana que trate você como uma
princesa. O Lucas nunca será essa pessoa. Já perdi as contas de quantas garotas vi chorando por
causa daquele babaca. Ele não é má pessoa, mas relacionamento não é o perfil do Lucas, e você
é uma moça direita, dessas que o garoto precisa pedir permissão ao seu pai para namorar você,
com direito a aliança de prata simbolizando compromisso. Você é para casar, menina. Não para
viver chorando pelos cantos ou fechando os olhos para imaginar o homem dos seus sonhos
enquanto beija um desconhecido. Não cometa meus erros, Nora. Seja esperta e pula fora.
Tarde demais, minhas lágrimas estão escorrendo incessantemente pelo meu rosto. Vejo a
preocupação de Sabrina e sinto sua tristeza, por Caio, por ela, pela situação delicada que está
vivenciando. Mesmo com seus problemas, ela está preocupada comigo e tentando me ajudar,
fazendo-me enxergar a realidade da situação: Lucas e eu somos totalmente sem futuro.
Não que eu tivesse alguma esperança, mas ouvir alguém me apresentar uma lista dos “N”
motivos pelo qual estamos fadados ao fracasso, foi um chute no meu castelo de areia.
— Eu sinto muito, Sabrina. Queria tanto poder fazer algo por você, para te ver feliz e não
chorando por causa do Caio.
— Você pode fazer, Nora. Seja mais esperta do que eu e não caia na teia de sedução do
Lucas.
Assinto, abraçando-a novamente.
— Eu não vou cair, prometo.
LUCAS
Ainda estou furioso e decido não ir para a casa. Minha mãe perceberá que não estou bem,
prefiro evitar suas indagações e não deixá-la preocupada. Talvez beber uma caneca de chope
me faça relaxar, no horário de almoço eu não pude, mas o expediente encerrou e não é como se
eu pretendesse encher a cara em plena terça-feira.
Estaciono em frente ao Alcapone’s, não há nenhum outro carro aqui, deve ser porque acabou
de abrir e provavelmente sou o primeiro cliente da noite. Entro e avisto Eulália no balcão principal.
Ela é a dona do estabelecimento, também é a mãe de Sabrina. Aproximo-me e sento em uma
banqueta.
— Boa noite Eulália — cumprimento-a.
Ela me olha desconfiada, mas abre um sorriso simpático e se aproxima.
— Boa noite, Lucas. Nunca te vi por aqui no início da semana, estou surpresa.
Suspiro profundamente antes de responder.
— Dia estressante, preciso de uma caneca de chope bem gelado.
— É para já, querido.
Aguardo ela me servir e tomo três goles seguidos, deixando o líquido gelado refrescar minha
garganta e trazer-me a sensação de bem-estar.
Eulália retoma seus afazeres, orientando os funcionários da cozinha. O Alcapone’s, além de
servir tipos variados de bebidas também tem no cardápio pratos deliciosos. Nosso município é
pequeno e a lanchonete é praticamente o point preferido para um happy hour.
Estou mais calmo agora. Preciso pensar com clareza, em como prosseguir daqui por diante.
Sei que insistir em algo com Nora é arriscado, digo isso o tempo todo, mas não tempo suficiente
para me convencer de realmente tomar uma decisão definitiva. Talvez agora seja o momento certo,
ela sabe sobre minha reputação leviana, eu mesmo fiz questão de colocar isso às claras para ela,
então tudo o que preciso fazer é me manter distante, parar de procurá-la como um cachorrinho
sem dono, abanando o rabinho para ganhar atenção.
Ouço risadas atrás de mim e me distraio de meus devaneios. Olho por sobre o ombro e meu
olhar automaticamente se fixa em Nora, ao lado de Sabrina. Engulo em seco, ela para de rir e
assume uma expressão neutra, fria até. Não sei porque, mas algo dentro de mim se sente mal por
saber que foi por minha causa que ela parou de expressar sua alegria. Volto a olhar para minha
caneca de chope, focado no pensamento anterior.
É melhor assim...
Termino minha bebida e peço para Eulália repor minha caneca. Pretendo ir embora depois
dessa, tomar um banho frio e ir cedo para a cama.
As garotas estão sentadas perto do balcão, consigo vê-las cochichando, elas parecem não
querer que eu ouça a conversa. Que ridículo! Como se eu quisesse mesmo ouvir.
Meu celular toca. Olho no identificador de chamadas, é a Bárbara.
— Mas que porra é essa, Babi? Vai começar a me encher o saco, de uma hora para outra?
— pergunto, sem conseguir controlar minha raiva.
— Acalme-se Luquinhas! — diz ela, sem se incomodar com meu tom arrogante. — Estou
ligando em paz.
— Vou fingir que acredito.
— Preciso de algumas informações sobre o seu jardineiro.
Pestanejo ao ouvir a pergunta.
— Como é que é?
— Você me ouviu.
— Pensei ter alucinado.
— Não me enrole, Lucas. Conte-me algo relevante sobre o Bento, preciso saber mais sobre
ele.
Respiro fundo, tentando não ser um escroto com ela.
Tentar não significa exatamente conseguir.
— O que você está tramando, mulher? — pergunto com veemência. — Bento é um cara legal,
de origem humilde e não sei o que você pretende, mas aviso de antemão, pula fora. Ele não é um
objeto.
Bárbara gargalha do outro lado da linha.
— Luquinhas, Luquinhas. Eu percebi que Bento não é um objeto, ele é um belo exemplar de
homem e estou interessada em saber mais sobre ele. Você poderia ser um bom amigo e me ajudar.
Amigo? Porra! Eu não sou a porcaria de um amigo.
Não dela.
Balanço a cabeça em negativa, mesmo que ela não consiga ver. Bárbara é tão mimada e
mesquinha, com certeza quer brincar com os sentimentos de Bento. O que mais surpreende é ela
procurar por ele, geralmente gosta de ser conquistada e não o contrário.
— O que eu ganharia com isso? — pergunto com sarcasmo.
Alguns segundos de silêncio.
— Eu fico te devendo um favor. Só preciso de alguma informação relevante.
Um favor. No que Bárbara pode me ser útil? Não, eu não quero transar com ela novamente. Esse
não é o tipo de favor que tenho em mente, mas uma pessoa influente como Babi pode me ser útil em
algum momento.
Certo. Se a Babi quer brincar de princesa e plebeu, o problema é todo dela. Não vou
interferir.
Decido responder:
— Ele frequenta um barzinho há umas quadras da mansão. Você conhece, o Alcapone’s. Já o
encontrei diversas vezes aos sábados à noite e domingo à tarde. Eu não sei como está sua rotina
agora que a filha veio morar com ele, mas tenho certeza que você não vai desistir, não é mesmo?
— Acertou em cheio, Luquinhas.
— Babi, Babi. Só não faz besteira, tá?
— O que foi, Lucas? Preocupado comigo?
Minha vez de dar uma risada.
— Preocupado com ele, isso sim.
— Obrigada pela dica, quando precisar de um favor, ligue-me. Tchaaau!
Desligou.
Isso foi estranho.
Termino minha caneca de chope e tiro dinheiro da carteira para pagar a conta. Olho de
relance para a mesa onde as garotas estavam, mas não vejo Nora.
Em que momento ela saiu?
Sabrina se aproxima e eu aceno com a cabeça. Ela retribui o gesto e vai para trás do
balcão, pega o dinheiro e abre a caixa registradora para me dar o troco. A música ao fundo
alivia o clima de tensão entre nós. Aproximo-me para facilitar a entrega.
— Como você está? — pergunto.
Pego o troco e o guardo na carteira.
— Como você imagina que eu estou? — pergunta ela, mas sem soar agressiva. Sabrina está
abatida, sinto pena da garota. — Deve saber que Caio não aceitou muito bem a notícia da minha
gravidez.
— Eu sinto muito, Sabrina.
Ela dá de ombros.
— Tanto faz, Lucas.
— Estou sendo sincero. Caio está confuso agora, mas ele vai pensar com clareza e vocês
poderão resolver isso amigavelmente.
— Resolver isso amigavelmente? O que isso significa, afinal?
Reviro os olhos, e passo as mãos pelo cabelo.
Por que as mulheres complicam tudo?
— Não sei, só estava tentando ser legal com você.
— Tudo bem Lucas, você não precisa ser legal comigo. Mas espero que seja legal com a
Nora.
— O quê? Como assim?
— Não repete com a Nora o que aconteceu entre Caio e eu. Você viu que isso não acaba
nada bem. E é ela quem vai sofrer quando você partir para o próximo rabo de saia.
Bufo de raiva.
Quem essa garota pensa que é para me dar lição de moral?
— Escute aqui Sabrina, não vem com esse papinho de merda para cima de mim! — Altero
minha voz. — O Caio nunca te obrigou a nada, você deu porque quis, sempre deu porque quis.
Lembro-me muito bem das vezes que você abaixou as minhas calças sem eu ter que fazer esforço.
Então não se faça de vítima agora que engravidou!
Ela não se acua diante da minha explosão de palavras.
— Não estou me fazendo de vítima, seu idiota! Eu aprendi a minha lição muito bem, sei que o
que está acontecendo agora é consequência das escolhas erradas que fiz, não quero isso para a
minha amiga.
Rio, debochado.
— Vocês mal se conhecem!
— Vocês também! — revida. — Pare com essa merda, Lucas. Deixa a menina em paz. Não
estrague a vida dela.
— Eu não obriguei Nora a nada!
— Você mexe com ela, sabe disso. Então pare de alimentar o que quer que seja que está
pensando em fazer com ela.
— Eu não estou alimentando nada! E pare de gritar comigo, droga!
— Pare você de gritar com ela, Lucas!
Só pode ser brincadeira...
Olho para trás e encontro o olhar de Caio, furioso.
O que ele está fazendo aqui?
Oh, sim. Deve ter vindo resolver a merda em que se meteu com a Sabrina.
— Estou de saída — digo, acalmando-me. Não quero brigar com meu melhor amigo.
Principalmente por causa de mulher.
Não peço desculpas a Sabrina, porque não acho que devo. Ela foi uma idiota comigo, posso
muito bem ser um idiota com ela.
Dou um tapinha nas costas do Caio antes de sair dali.
Entro no Porsche e dou a partida. Decido ir devagar, pois bebi e estou irritado. Não é uma
boa combinação. O farol do carro está aceso e logo avisto um movimento na calçada.
É ela. Indo para a casa sozinha, à noite.
Que porra de garota estúpida ela é?
Freio o carro bruscamente, bem próximo à calçada. Ela se assusta e me fita com os olhos
arregalados. Está com medo.
É bom que esteja.
E se fosse um pervertido?
Um tarado que quisesse abusar dela?
Essa menina está brincando com a sorte.
— Entra nesse carro agora, Nora!
Capítulo 9
Nora olhou para o homem no carro, observando-a com expressão irritada. Mais uma vez
Lucas Marinho atravessava seu caminho. Desde que chegara aquela cidade, tudo o que Nora
desejava era conseguir um emprego para custear seus estudos, também queria se aproximar ainda
mais de seu pai, de quem esteve afastada por muitos anos. Não pensava que um homem pudesse
surgir em sua vida tão repentinamente e deixá-la tão consciente de seu próprio corpo, estava
despertando para a sexualidade e não apenas isso, seus sentimentos começavam a ficar confusos
e eram tão intensos que a assustavam. Mas sabia que era proibido, que havia uma grande
diferença entre eles, de idade, classe social, personalidade. Não se deixaria levar por suas ilusões
românticas e sonhadoras, antes de tudo, Nora era adulta e sensata. Aos olhos de muitos poderia
ser uma adolescente, uma jovem que ainda tinha muito que aprender da vida, mas ela sabia
discernir o certo do errado e sua índole sempre fora impecável. Também não era uma garota
irresponsável e por isso, só por isso, aceitou a carona sem pestanejar. Estava escuro e ela teve
pressa em sair do Alcapone’s sem que Lucas a percebesse, aproveitou enquanto ele falava ao
telefone para se despedir de Sabrina. A mansão da família Marinho não ficava muito longe, em
vinte minutos estaria avistando os portões de ferro, mas percebeu sua imprudência quando não viu
ninguém andando pela calçada. A cidade era pequena e aparentemente pacata, todos se
conheciam pelo nome e tratavam-se cordialmente, mas o mundo não era uma utopia, pessoas
dispostas a fazer o mal surgiam de onde menos se esperasse.
Abriu a porta do carro e sem dizer nada se sentou no banco do carona. Lucas havia
vociferado para ela entrar, não foi um convite cordial, mas praticamente uma exigência. Nora
poderia ter ignorado e continuado sua caminhada, deixando-o acompanhado de seu próprio ego,
mas reconsiderou. Estava ciente de que seria arriscado dar oportunidade ao acaso, seu pai a
estava esperando em casa e já imaginava que ela voltaria da cidade vizinha acompanhada de
Lucas. O celular descarregou logo depois que chegou à casa de Sabrina, ela não se comunicou
com Bento, pois não pretendia demorar, mas a conversa foi longa e quando se deu conta já havia
escurecido consideravelmente.
Lucas deu a partida no carro, esperava enfrentar uma nova batalha de teimosia com Nora,
mas ela continuou em silêncio. Reduziu o pé no acelerador, pois não queria chegar tão rápido em
casa, queria conversar com ela, mesmo depois de ter refletido e concordado com sua consciência
de que o certo seria ele se manter longe. Mas o que seria mais uma contradição, depois de tantas?
— O que deu na sua cabeça para sair sozinha há essa hora? — vociferou.
Nora permaneceu em um silêncio inabalável, os braços descansados sobre as pernas,
enquanto olhava para a estrada. Seria um trajeto pequeno, pensou com positividade. Tudo o que
mais desejava era correr para o seu quarto e desabar na cama.
— Aqui não é o convento onde você viveu por anos, Nora. — Continuou Lucas, com a voz
mais amena.
Nora continuou quieta mesmo que por dentro estivesse a ponto de gritar com ele, não iria
despejar sua raiva novamente. Sabia que de certa maneira Lucas estava certo, foi um ato
impensado sair sozinha do Alcapone’s, mas ela não daria essa vitória para ele. Assumiu seu erro em
silêncio, afinal, não havia um ditado que dizia que quem cala consente?
— Não vai falar comigo, é isso?
Lucas bufou, tentando não perder a paciência, contou mentalmente até dez. Estavam
chegando perto da mansão. Havia pouquíssimo tempo para falar com Nora sobre a discussão na
oficina. Novamente, Lucas estacionou o Porsche no acostamento, mas deixou o carro ligado. Nora o
olhou com desconfiança, porém não se moveu ou disse qualquer coisa.
Era agora ou nunca, pensou Lucas.
— Escute, Nora. Eu sei que não sou muito bom com as palavras, peço desculpas por ter sido
estúpido com você hoje cedo, mas não me arrependo do que disse. É tudo verdade, não sou um
santo. E não te fiz promessa nenhuma. Sinto muito se em algum momento lhe dei falsas esperanças.
Talvez se eu fosse mais jovem, as coisas pudessem ser diferentes. Não posso mudar meu passado, e
não quero planejar um futuro. Sou de viver o presente, desfrutar da vida sem grandes cobranças e
ver o que acontece. Você me atrai muito, mas é nova demais, inocente demais. Pode me odiar
agora, eu espero que me odeie mesmo, porque assim terei um motivo para ficar longe de você. Só
Deus sabe o quanto isso parece impossível, mas é o certo.
O silêncio pairou entre eles, Nora o fitou com atenção tentando decifrar em seu olhar azul
profundo se o que Lucas acabara de dizer era realmente verdade ou um mero artifício. O que ele
esperava dela, ao se assumir como um homem que não gostava de planejar o futuro e apenas
queria se divertir no presente? Nora ponderou cada palavra e finalmente optou por uma resposta
clara e objetiva.
— Não odeio você — disse confiante, mas sem demonstrar emoção.
Lucas fechou os olhos, apreciou ouvir aquela voz dizendo que não alimentava sentimentos
ruins para com ele. Quando tornou a fitar Nora, ela parecia calma demais. Concluiu que a menina
possuía outras facetas que ainda desconhecia, sentiu-se tentado a desvendá-las, mas logo reprimiu
o desejo. Estava sendo adulto depois de muito tempo agindo como um garoto tolo.
Anuiu em silêncio, aceitando aquela revelação como uma concordância. Concentrou-se
novamente no seu carro e logo os portões da mansão Marinho se abriram para que ele entrasse.
Era o turno do senhor Gerônimo, que cumprimentou o patrão e Nora com um sorriso e um aceno
cordial. Lucas foi em direção às garagens e quando desligou o carro, a garota apressou-se em
desafivelar o cinto e abrir a porta. Levantou-se, mas foi impedida de sair, pois Lucas a segurou
pelo braço delicadamente.
— Se de alguma forma eu te forcei a qualquer coisa, saiba que nunca foi minha intenção te
obrigar a algo que não quisesse. Jamais te obrigaria, Nora. Sei que passei dos limites, mas nunca
fiz isso antes. Você me atraiu desde o início e quando soube que tinha apenas dezessete anos,
quase enlouqueci.
Nora se desvencilhou do toque de Lucas e conseguiu ficar de pé. Estava sendo forte para
não desabar na frente dele, mas também se sentia na obrigação de não deixá-lo acreditar que
estava “tirando o corpo fora” e dando um jeitinho de limpar sua consciência.
Afinal, ela estudou em um colégio de freiras, mas não era discípula da Madre Tereza de
Calcutá.
— Se quer absolvição dos seus pecados, Lucas, procure um padre e faça uma confissão. Eu
sei exatamente o que aconteceu entre nós. Assim como sei que acabou. Pare de tentar encontrar
uma justificativa e concentre-se em me deixar em paz.
Sem deixa para ele argumentar, Nora segurou sua bolsa a tiracolo e saiu.
Lucas permaneceu estático em seu assento de motorista por alguns instantes, não conseguiu
dizer nada. Depois assimilou palavra por palavra do que Nora havia que falado e algo dentro de
si se despedaçou.
Não soube dizer o que era.
Seu coração?
Não, Lucas tinha certeza que era o seu orgulho ferido.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Quando Caio se aproximou do balcão do Alcapone’s, em nenhum momento seus olhos
desviaram de Sabrina. A notícia da gravidez era recente, mas ele podia perceber que a garota
irradiava uma beleza diferente na sua atual condição. Mesmo com seu semblante triste, ela estava
linda.
— Oi — disse, tentando encontrar uma maneira de começar a falar tudo o que pensou
durante o trajeto até ali. Sentou-se em uma banqueta e tamborilou os dedos nervosamente no
balcão.
Sabrina estava mexendo na caixa registradora, sua mãe orientava a equipe da cozinha e
nenhum cliente havia entrado ainda, com exceção de Lucas, que já havia ido embora.
Por que Caio estava ali? pensou ela. Depois da última conversa, acreditou que não o
encontraria tão cedo. Ele foi bem claro quando disse que não iria cair naquele truque barato de
gravidez indesejada.
— A amostra de DNA será colhida assim que o bebê nascer, não antes disso. Então volte
daqui a alguns meses.
Droga!
Ela estava muito chateada, ponderou Caio. Mas sabia que era o mais provável. Não
desistiria na primeira tentativa, agora que estava decidido a obter o perdão de Sabrina.
Quando finalmente percebeu que amava aquela garota, Caio se sentiu feliz e ao mesmo
tempo apreensivo. Não podia voltar no tempo, sabia que muito do que ela fez foi em revide de
seus próprios atos. Ela queria um amor, ele queria um corpo para saciá-lo na cama. Ela queria
conversar, conhecê-lo melhor, ele queria que a boca dela abrisse apenas para beijar os seus lábios
ou chupar o seu pau. Caio nunca deu uma verdadeira oportunidade a ela, mas por quê? Não
conseguia entender o quão estúpido ele foi. Havia se passado pouco mais de dois anos desde que
a seduzira pela primeira vez, nesse período, foram idas e vindas. No início a garota teve
esperanças de que ele pudesse assumir um relacionamento com ela, mas depois ele a fez ver um
novo lado da história. Então, Caio criou um monstro. Recomendá-la aos seus amigos foi uma
maneira de tirar a garota insistente do seu pé. Agora, ele a amava e teria que passar por cima
dessas lembranças. Alguns de seus amigos mais próximos, inclusive seu melhor amigo Lucas, se
envolveram de alguma forma com Sabrina. Não seria fácil lidar com isso, Caio tinha uma
reputação a zelar...
Mas que reputação?
À noite enquanto deitava em sua cama, sozinho, não era sua reputação que lhe abraçava e
sussurrava “boa noite” de um jeito sexy e ao mesmo tempo carinhoso.
— Não quero fazer nenhum exame de DNA, sei que esse filho é meu.
Ouvir Caio confirmando a paternidade do bebê que ela esperava, deixou Sabrina
vulnerável. Ela o amava, sempre o amou. Temeu revelar-lhe sobre a gravidez em um momento em
que ambos estavam se divertindo juntos, aparentemente felizes como um casal apaixonado. Foi a
primeira vez que Caio lhe deu a oportunidade de ser mais que a garota com quem ele fodia e
depois deixava de lado. Talvez se não estivesse gravida, teriam passado mais tempo juntos e ela
tivesse a chance de conquistá-lo definitivamente. Agora que seria mãe, não pensava em si como
prioridade. Seu bebê era o novo centro do universo, tudo giraria em torno dele. Seu coração
partido, e a mágoa pelo amor não correspondido foram deixados de lado.
Já não lhe importava que Caio não a amasse...
Certo, isso era uma grande mentira, claro que se importava, mas não seria por este motivo
que ela deixaria de seguir em frente para se tornar uma boa mãe para seu filho.
Sabrina decidiu que não procuraria Caio novamente, que não valia a pena esforçar-se tanto
para se sentir amada, quando a outra pessoa não estava interessada em contribuir amor.
Sabrina fechou a gaveta da caixa registradora e se aproximou do balcão. Vestia uma calça
de moletom e baby look com uma estampa engraçada do Pato Donald. A barriga não estava
evidente, mas como sempre foi magra, notava-se o arredondamento do ventre que agora
abrigava um feto. Em breve suas roupas não lhe serviriam mais, mas por enquanto, vestia-se
confortavelmente. Colocou as mãos no bolso da calça e fitou Caio. Não queria brigar, ele não
parecia disposto a isso, talvez Lucas tivesse razão, Caio poderia ter pensado com clareza e se
conversassem cordialmente, poderiam resolver amigavelmente a situação.
— E como você chegou a essa conclusão? — perguntou Sabrina. — Andou conversando com
seus amigos? Fazendo a checagem no calendário?
Realmente não queria brigar, mas estava magoada demais para levar a conversa a um nível
desprovido de ironias.
Caio engoliu em seco.
— Pare com isso, Sá. Você não está facilitando as coisas.
— Não estou? Logo eu que sempre fui tão fácil para você.
— Você jogou uma bomba no meu colo, Sá. Como queria que eu reagisse?
Ela revirou os olhos.
— Como você faz nos negócios, parasse e analisasse os pontos antes de tomar decisões ou
dizer qualquer coisa. Mas você preferiu transferir a culpa toda para cima de mim.
— Eu sei, mas estou aqui. Fui precipitado e grosseiro, pensei muito antes de vir falar com
você. Se eu tivesse alguma dúvida, teria lhe dado às costas, mas estou reconhecendo que fui
imbecil e te pedindo uma chance.
— Uma chance? De que, exatamente?
Caio hesitou, não por dúvida, mas por medo de ser rejeitado. Se ele fosse, entenderia a
garota.
— De tudo. De sermos amigos, amantes, pais de uma criança linda. — Deu-lhe um sorrisinho
charmoso. — Olhe só para nós, somos lindos. Esse bebê vai ser perfeito! E muito amado também,
Sá. Porque eu já amo essa criança. E também amo você.
As pernas de Sabrina vacilaram e ela precisou se escorar no balcão. Caio se assustou ao ver
que ela estava pálida e correu para dentro do balcão, tomando-a em seus braços. Eulália viu a
cena e correu em socorro da filha.
— Querida, você está se sentindo bem? — perguntou, passando a mão pelo rosto da filha
enquanto Caio a amparava.
— Foi uma vertigem, estou bem — respondeu Sabrina.
Eulália encarou Caio com severidade.
— O que está fazendo aqui? — indagou descontente.
— Vim conversar com sua filha!
—E veja o que aconteceu? A menina passou mal.
— Já estou bem, mãe — interveio Sabrina.
— Os clientes começarão a chegar daqui a pouco — comentou Eulália. — Não quero
discussão no meu bar, muito menos sobre um assunto tão delicado. — Encarou Caio novamente. —
Leve Sabrina lá para cima e, por favor, conversem civilizadamente. Não me façam sair daqui para
apaziguar briga, nenhum de vocês gostará disso.
Caio anuiu em silêncio e em segundos pegou Sabrina no colo, a garota debateu-se em seus
braços.
— Já disse que estou bem, Caio. Posso ir andando.
Eulália sorriu, gostou de ver os dois juntos daquele jeito. Pensou que talvez houvesse um final
feliz para sua menininha. Apoiaria qualquer decisão que Sabrina tomasse, desde que ela e o bebê
ficassem bem.
— Subam logo, não façam uma cena aqui. Vai gerar burburinho entre os clientes. — Acenou
para eles.
— Vamos, Sá — disse Caio, saindo de trás do balcão, levando a garota no colo.
— Eu posso ir andando.
Caio parou um instante e encontrou seu olhar com o de Sabrina. Beijou-lhe a testa, pegando-
a desprevenida.
— Deixe-me cuidar de você, sua cabeça dura.
— Por que isso, agora?
— Eu já disse. Porque te amo, e porque você será a mãe de todos os meus filhos.
NORA
Não sei onde eu estava com a cabeça quando cogitei, lá no fundinho do coração, que Lucas
e eu pudéssemos nos entender de alguma forma. Só tenho percebido minhas intensões
sentimentalistas depois que algo ruim acontece. Não gosto de ser assim, não sei lidar com esses
sentimentos que se formam em mim. Eu mal cheguei aqui e estou me deixando confundir por um
homem que está acostumado a ter as mulheres aos seus pés. Mas quem sou eu para julgá-lo? O
que sei da vida, afinal?
Quase tropeço no caminho até minha casa, mas recupero o equilíbrio e me preocupo em
manter a calma. Foi meu primeiro dia de emprego e meu pai provavelmente irá me interrogar,
querendo saber como foi. Por dentro sinto um desejo enorme de gritar, extravasar minha raiva,
minha angústia. Odeio me sentir desta maneira, mas não consigo impedir essas emoções de
dominarem meu coração, tudo o que posso fazer a respeito é reprimi-las até que me tranque em
meu quarto.
Entro em casa e encontro papai na cozinha, ele está preparando o jantar.
— Nora! Venha ver o que estou preparando para nós — chama meu pai.
Sinto o cheiro de bife acebolado e chego mais perto do fogão.
— Muita fome — digo sorrindo para ele.
Meu pai se aproxima e beija minha testa.
— Está quase pronto, amor. Fiz a mais para você levar amanhã. Esqueci de preparar o seu
almoço para hoje. Desculpe.
— Pai, eu posso preparar nosso jantar. Hoje me atrasei porque estava na casa da Sabrina, a
filha da Eulália. Conhece, né?
— Sim, você a conheceu no sábado.
— Ela está passando por um momento delicado, fui conversar com ela.
— Fico feliz que esteja fazendo amizades, filha.
— Estou sim, pai.
Ah, se ele soubesse como minha vida esteve atribulada desde que cheguei aqui. Mas não
quero preocupá-lo. Conhecer Lucas seria inevitável, ele é o dono de tudo à minha volta. Meu pai
trabalha para sua família há anos, o que eu faria para evitá-lo por completo? Seria praticamente
impossível. Mas as coisas seriam diferentes a partir de agora. Lucas estava claramente
arrependido por tudo o que houve entre nós, sentia-se culpado de certa forma, pelo fato de eu
ser menor de idade. Não que ele tivesse abusado de mim, tenho plena consciência de que não fui
forçada a nada. Eu quero ser tratada como uma mulher, então seria hipocrisia de minha parte
agora que encerramos o que quer que nós tenhamos começado, que eu me fizesse de vítima.
Enquanto papai termina de preparar a janta, lavo as mãos na pia da cozinha e coloco a
mesa. Jantamos e aproveito para repassar a ele o meu dia na Fast Mariner’s.
— Estou muito orgulhoso de você, filha. Seu primeiro emprego, parabéns!
Sorrio, me sinto feliz por tê-lo dado um motivo de orgulho.
— Obrigada pai.
— Ah, eu preparei uma surpresa para você, espero que goste.
Arregalo os olhos, surpresa.
O que poderia ser?
— Termine o jantar, depois eu te mostro.
Concordo com um gesto de cabeça.
— Sabe que há uma universidade na cidade vizinha? — pergunta meu pai, mas logo em
seguida começa a rir. — É claro que não sabe. Eu moro aqui há anos e fiquei sabendo hoje. Recebi
um panfleto de divulgação na rua, fui até lá verificar. Eles têm uma ótima estrutura e há os dois
cursos que você tem interesse. Há vagas para bolsa integral e parcial, o histórico escolar pode ser
levado em consideração, juntamente com uma prova de avaliação. É uma universidade particular,
conceituada, que possui extensão aqui. Você não precisará viver em um campus, o que torna as
despesas reduzidas.
Ao assimilar o que meu pai diz, por um momento esqueço toda a tristeza que sinto por dentro,
meu sorriso de expectativa se expande e tento morder os lábios para contê-lo, mas não consigo,
ele tem vontade própria. Meu histórico escolar é impecável e acredito que posso tirar uma boa
nota em uma avaliação. Sou capaz.
— Era essa a surpresa? — pergunto eufórica. — Pai, isso é incrível! Posso me preparar para
ingressar no segundo semestre. Obrigada por me contar esta novidade.
Meu pai retribui o sorriso, tão feliz quanto eu. Sei que ele se sente ressentido pelo fato de eu
ainda não estar na faculdade. Menos uma preocupação.
— Eu tenho dinheiro guardado, filha. Economizei esses anos todos para bancar seus estudos
no colégio interno, mas também para que você pudesse ter uma segurança caso acontecesse algo
comigo. Nunca se sabe, não é?
Bato três vezes na madeira.
— Credo, pai. Não fala uma coisa dessas! O senhor é jovem demais para morrer, vire essa
boca pra lá!
Ele ri, achando graça do meu gesto supersticioso.
— Para morrer, basta estar vivo.
— Para viver, também. Então vamos parar de falar de coisa ruim, por favor.
— Certo, filha. Mas como eu ia dizendo, tenho esse dinheiro guardado, o suficiente para
pagar dois anos de mensalidade, além do material didático. Se conseguir a bolsa, seja integral ou
parcial, e acredito plenamente que você é capaz disso, o dinheiro fica guardando para você usá-
lo quando precisar.
— Pai, eu estou trabalhando agora. Irei me esforçar para conseguir a bolsa, mas de todo o
modo, o dinheiro que receber pelo meu trabalho é para suprir as despesas da faculdade. Estou
animada por saber que poderei estudar aqui perto e não ficar mais quatro anos afastada do
senhor.
Foi à vez de o meu pai revirar os olhos. Isso foi engraçado.
— Já liberei você de usar o termo “senhor”, comigo. Assim eu me sinto um velho.
Começo a rir.
— Você não é um velho, é o pai mais gato do mundo!
— E você a filha mais “puxa saco” do mundo!
Dou de ombros.
— Não me importo nenhum pouco. — Sorrio convencida.
— Se quiser, eu te levo para conhecer as dependências da universidade em um dia desta
semana. Te busco na oficina quando seu turno acabar e vamos.
Bato palmas, empolgada.
— Sim! Sim! Sim!
— Você trouxe vida à minha existência, Nora. Ter você aqui é um presente de Deus.
— Ah, pai...
Ouvir essas palavras de meu pai, é o gatilho que faltava para minhas lágrimas desabarem.
Esse homem é tudo o que tenho na vida, além de tia Laurinha. Bento Sampaio é meu exemplo de
ser humano, nunca se rendeu as dificuldades que a vida lhe impôs. Foi guerreiro e me criou quando
minha mãe o abandonou, deixando-me recém-nascida aos seus cuidados.
Meu pai se levanta e se aproxima de minha cadeira, ajoelha-se no chão e me puxa para um
abraço. Retribuo, quero que ele sinta todo o amor que tenho por ele. O quanto sou grata por não
ter desistido de mim quando tudo parecia ir contra ele.
— Não chore, minha menina. Tudo o que faço é justamente para não vê-la derramar
nenhuma lágrima.
É impossível controlar as emoções diante de suas palavras carinhosas. Eu estou chorando de
alegria, por saber que tenho em minha vida uma pessoa tão especial e incrível como pai. Estou
chorando de raiva por saber que minha mãe foi uma covarde e deixou todo o peso da
responsabilidade para cima dele, que por seu abandono e meu nascimento, Bento Sampaio, o lindo
garoto de dezoito anos, teve que abdicar de todos os seus sonhos e hoje faz de tudo o que estiver
ao seu alcance para realizar os meus. Sinto-me péssima por ter tido pressa em terminar o jantar
para finalmente me trancar no quarto e chorar por um homem que não me considera especial,
como o que me abraça neste exato momento. Como me arrependo de estar contando cada minuto
para me retirar. Tudo o que quero agora é abraçar meu pai e esquecer que existe um mundo lá
fora, um mundo que não é perfeito e pessoas que não irão me colocar como prioridade, que
sequer se importam com o que sinto em meu coração. Eu não posso chorar por essas pessoas. Eu
não posso chorar por ele.
— Venha, querida — chama meu pai, afastando-se e me oferecendo sua mão. — Quero
mostrar sua surpresa.
Enxugo minhas lágrimas e franzo a testa.
Pensei que a surpresa fosse à notícia sobre a faculdade.
Levanto-me e meu pai me leva até a porta de meu quarto.
— Espero que goste. A vendedora me ajudou a escolher, porque sou péssimo para assuntos
de decoração.
— Ai meu Deus... — murmuro em expectativa.
Meu pai abre a porta do quarto lentamente e deslumbro-me ao perceber a surpresa que ele
preparou para mim. Cubro minha boca com as mãos, sem acreditar.
— E então, gostou?
O quarto foi todo redecorado. Guarda-roupa, cama, penteadeira, criado mudo e até uma
escrivaninha com computador, ocupam o ambiente. Em tons de pérola, tão delicado e feminino. Tudo
o que jamais sonhei, pois seria longe da minha realidade.
— É perfeito — murmuro ao me recuperar da surpresa.
Pulo em meu pai, para um abraço. Beijo-o inúmeras vezes nas bochechas.
— Você não deveria ter gastado tanto comigo, papai. Mas obrigada, obrigada, obrigada!
— Pare de falar em dinheiro, mocinha. Eu trabalhei durante todos esses anos para poder lhe
dar uma boa vida. E agora que está aqui comigo, é isso que pretendo fazer. Deixe-me mimá-la um
pouco. Pode fazer este imenso favor, ao seu velho pai?
Assinto.
— Velho? — Sorrio. — Claro que sim, você é o melhor. Já disse.
Abraçamo-nos uma última vez, papai insiste para que eu descanse e veja se meu quarto está
organizado do jeito que gosto. Abro meu guarda-roupa e fico espantada ao ver que tudo está
absolutamente organizado. Troco de roupa e visto meu pijama, estou tão cansada e acabo
deixando o banho para o dia seguinte. Observo meu quarto mais uma vez. Caramba, papai
passou boas horas deixando tudo pronto. Nenhuma loja entrega, e monta móveis com tanta
rapidez assim.
Vou ao banheiro e escovo os dentes, papai já se retirou para seu quarto. Deito-me em minha
cama nova, muito mais macia e confortável que o velho colchonete. Abraço meu travesseiro e olho
para o forro. Queria que ali fosse um céu cheio de estrelas, para eu me perder na infinidade de
astros reluzentes e esquecer tudo que fere o meu coração.
— Deixe pra lá, Nora. Deixe pra lá tudo o que não te faz bem. Deixe o Lucas pra lá.
Fecho os olhos e mentalizo o novo mantra, até pegar no sono:
Deixe o Lucas pra lá. Deixe o Lucas pra lá. Deixe o Lucas pra lá. Deixe o Lucas pra lá....
LUCAS
Sei que tomei a decisão certa, que continuar um jogo de sedução com uma garota como Nora
poderia me meter em problemas. Mas saber disso não quer dizer que consigo simplesmente
esquecê-la, por isso aqui estou eu, sentado no box do banheiro deixando a água morna cair sobre
mim, refletindo sobre os últimos dias e tentando descobrir qual o segredo dessa obsessão. Não é
uma beleza rara e magnífica, Nora é uma menina bonita e tem um lindo corpo, mas já estive com
mulheres muito mais gostosas do que ela. Seus olhos cor de mel me chamam a atenção, seu cabelo
castanho quando preso em um rabo de cavalo é capaz de alimentar as fantasias mais depravadas
e seus lábios são delicados, mas capazes de me devorar com uma intensidade que jamais senti com
qualquer outra. Então, fica ainda mais complicado entender o que me envolveu nessa teia de
sedução. Fui eu quem tomou a iniciativa, fui eu quem jogou com as palavras e a encurralou, fui eu
quem deu o primeiro passo para a perdição. É por isso que me sinto culpado. Se desde o início eu
tivesse me mantido no controle, hoje eu não estaria me sentindo tão mal.
Mas vai passar, sei que vai. Acho que é a ideia de não ter conseguido o que tanto almejei
assim que coloquei meus olhos sobre ela. Eu queria seu corpo sob o meu, queria sugar seus mamilos
com força, fazê-la gemer meu nome tão alto que eu precisaria cobrir sua boca com uma das mãos,
enquanto me encaixaria perfeitamente entre suas pernas e me deliciaria com sua boceta apertada.
Droga! Estou duro de novo.
Levanto-me assustado e desligo o chuveiro. Seco-me rapidamente e não toco meu pau para
não ceder ao impulso de me masturbar mais uma vez pensando nela. Eu não vou sucumbir dessa
vez.
Visto uma cueca e uma calça de moletom e deito-me na cama. Pego o controle no criado
mudo e ligo o ar-condicionado, me enrolo em um edredom, fecho meus olhos com força e lanço um
desafio pessoal: Não abrir os olhos até que o dia clareie.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Eu venci o desafio, não abri meus olhos até cair no sono. Mas não foi fácil. Isso me deu
confiança para levantar e seguir minha rotina, pois provei que se eu me esforçar consigo
exatamente o que quero. E agora eu quero tomar café com meus amados pais e passar o resto do
dia trabalhando em um novo motor para competições. É quarta-feira e pretendo dormir no flat,
talvez ligue para alguma amiga e não passe a noite, sozinho. Preciso e vou retomar minha rotina.
Não é possível que em menos de uma semana, apenas por conhecer uma garota, eu tenha me
transformado em outro ser humano. Ainda sou Lucas Marinho, semana que vem é meu aniversário e
preciso focar em organizar minha festa e deixar para lá qualquer coisa que me tire à razão.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Tenho um escritório no pavilhão da oficina. Não quis que fosse junto ao administrativo, pois
queria um toque pessoal em minha própria sala e quando quisesse ficar sozinho para desenvolver
meus projetos, um ambiente que me deixa confortável ajuda muito.
Passei toda a parte da manhã, trancafiado dentro dele.
Sei que você deve estar imaginando coisas. Mas não, eu não estou fugindo da Nora. O meu
mundo não gira em torno dela, então pare de criar ilusões a respeito disso e acredite quando digo
que estou trabalhando em algo novo e preciso de total concentração.
Meu celular toca. É o Daniel. Desde domingo, no LaLolla, não falo com ele.
— Fala Daniel — Atendo, mantendo a naturalidade.
Não sou mulherzinha, não vou ficar de “mimimi” porque um amigo me tirou do sério. As
mulheres deviam aprender isso conosco. Eu ainda estou puto, mas não vou fazer disso um roteiro
de novela e me estender no assunto. Seria um desgaste desnecessário.
— E aí, parceiro — diz animado. — Seu aniversário está chegando! Você disse que fecharia
o Alcapone’s especialmente para essa comemoração.
Sim, não foi uma pergunta. Daniel sabe de tudo isso, então ele está divagando.
Aluguei o Alcapone’s para o sábado da próxima semana, meu aniversário é no domingo, mas
pretendo passá-lo com meus pais. A festa será para os amigos com quem costumo ir a festas e
antigos colegas da faculdade. Meus pais conhecem o meu estilo e preferem — graças a Deus —
não participarem dessa ocasião.
— Você não me contou nenhuma novidade até agora, Daniel. Vá direto ao ponto, por favor.
Ouço a gargalhada dele, acabo por sorrir também.
— Sempre tão sútil, Lucas! Quero saber se eu posso levar algumas meninas.
— Claro que sim. Você sabe exatamente do que gosto em minhas festas de aniversário.
— Beleza, então. Eu só queria confirmar, sabe como é.
— É eu sei.
— Você falou com o Caio? Ele não atende minhas ligações.
— Ele está resolvendo uma encrenca.
— Está certo. Até mais.
— Até.
Finalizo a ligação e retomo meu trabalho.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
O expediente chega ao fim e me preparo para fechar a oficina. Ramona está de saída, meu
pai ainda se encontra no escritório, e Nora saiu no horário determinado para que pegasse o
ônibus para casa. Os funcionários terminam de arrumar tudo no lugar e se despedem uns dos
outros.
— Até amanhã, Lucas.
— Até amanhã, Ramona.
Vou até a mesa de meu pai e me sento em uma cadeira, ficando de frente para ele. Meu pai
para imediatamente de checar os papéis nos quais estava atento, e me olha com expectativa.
— O que foi? — pergunto, sem entender nada.
Meu pai tira os óculos e passa as mãos pelo rosto.
— Eu é que te pergunto, filho. O que foi?
Franzo a testa.
— Como assim?
— O que aconteceu entre você e a Nora? — Vai direto ao ponto.
—Nada.
Ele anui.
— Nada — repete. — Tem certeza? Porque na segunda-feira ficou combinado que você
daria carona para a menina, ontem ela inventou mil justificativas para vir de ônibus, hoje você se
enfiou no escritório durante todo o expediente, nem vestiu seu macacão para trabalhar. A menina
esteve cabisbaixa o dia inteiro. Então, não pense que acredito quando me diz que nada aconteceu,
Lucas.
Engulo em seco.
— O senhor quer me dizer, exatamente, o que está pensando?
— Eu prefiro não tirar conclusões, tenho um filho adulto e responsável e sei que ele irá me
dizer, exatamente, que porra aconteceu.
Aí está meu pai. Só para você saber, ele é a melhor pessoa do mundo. Mas não é otário, e
não gosta que ninguém o trate como se ele fosse um. Muito menos seu próprio filho. Se você pensou
que estive o dia todo isolado por causa da Nora, agora você sabe realmente, por causa de quem
eu evitei subir nesse escritório.
— Não consigo dizer. — Sou sincero.
Estou envergonhado, abaixo minha cabeça para não ter que encarar meu pai.
— Você não fez...
— Foi só um beijo! — interrompo antes que ele faça a pergunta em voz alta. — Dois beijos.
Droga!
Meu pai se levanta abruptamente e me encara furioso.
— Não acredito que teve coragem de abusar daquela menina! — gritou.
Levanto-me rapidamente, assustado com a irritação do meu pai e com a possibilidade dele
estar pensando o pior de mim.
— Eu não fiz! — grito de volta, desesperado. Meu pai precisa acreditar em mim. — Não
abusei da garota, pelo amor de Deus, pai! O senhor me conhece.
— Conheço mesmo? — debocha. — Acho que não bem o bastante.
— Eu não forcei a Nora. Nós sentimos uma atração mútua, a iniciativa partiu de mim, mas em
nenhum momento eu a obriguei, simplesmente aconteceu. Sinto muito.
Meu pai se senta novamente, apoia os cotovelos na mesa e cobre o rosto com as mãos.
— Você tem inúmeras mulheres aos seus pés. Porra, Lucas! Ela é menor de idade!
Fecho meus olhos com força, como se tivesse acabado de levar uma bofetada de meu pai.
— E não apenas a questão da idade, ela é filha do Bento, nosso colaborador há anos. Tem
noção da merda que fez?
Assinto ainda de olhos fechados.
— Bento confiou em nós, permitiu que Nora trabalhasse em um local cheio de homens. Permitiu
que ela pegasse carona com você.
— Eu sei, pai.
— Então por que não controlou seus hormônios?
Abro meus olhos e encaro meu pai. Vejo a decepção em sua expressão e isso me parte o
coração. Sempre fui motivo de orgulho para ele e minha mãe. Mesmo sabendo da fama que tenho
com as mulheres, nunca os decepcionei. Nem mesmo quando Babi rompeu o noivado comigo ao
descobrir minhas traições.
Mas agora, eu percebo que ultrapassei um limite.
O que posso fazer para consertar isso?
— Eu não consigo.
— Que porra você está dizendo, Lucas?
Minha vez de passar as mãos pelo meu rosto.
Se há uma pessoa no mundo que merece minha total honestidade, é meu pai.
— Não consigo tirar ela da minha cabeça.
— É claro que consegue. Você é um homem adulto, dono das suas vontades. — Diz com
severidade.
— Não quando se trata dela, pai. Eu acho que estou ficando louco — assumo. — Não
consigo explicar o que é, mas desde que vi Nora pela primeira vez, ela não sai da minha cabeça.
Acha que não sei o quanto isso é errado? Não é como se eu tivesse uma escolha, quero dizer, sei
que tenho e fiz o que é certo. Mas me manter afastado não significa que ela saiu da minha mente.
— Aponto com o dedo para minha cabeça. — Ela está aqui, o tempo todo. Contra a minha
vontade. Então, acho que é ela quem está abusando de mim e não o contrário.
Ouço meu pai suspirar.
— Não acredito no que acabei de ouvir. Isso é insano, meu filho.
— Eu sei. Droga! Eu sei! Na verdade, eu não sei. Estou confuso pra caralho.
— Não filho. Você está se apaixonando.
Capítulo 10
Ouvir o pai dizer que ele estava se apaixonando por Nora, fez Lucas hiperventilar.
Não podia ser.
Apaixonado?
— Lucas, respire! — gritou o pai, preocupado. — Não vá ter um ataque de pânico, rapaz!
Não é como se você fosse um ser humano sem coração. Era esperado que um dia fosse se
apaixonar por alguém. Acho até que demorou bastante.
Ele forçou-se a respirar no ritmo adequado. Sua boca seca estava adormecendo.
— Ela é só uma menina — disse com esforço.
— Não se escolhe por quem se apaixona. Acontece de uma hora para outra. De repente,
você é fisgado e não consegue mais viver sem aquela pessoa.
Lucas encarou o pai e espantou-se ao vê-lo sorrindo. Havia acabado de levar uma bronca
por ter se envolvido com Nora, mas agora o pai lhe encarava de modo divertido, como se
zombasse do fato dele supostamente estar apaixonado por alguém. Por Nora Sampaio.
— Eu não estou apaixonado, pai. Consigo perfeitamente viver sem a Nora — disse ele,
tentando acreditar nas próprias palavras. — É apenas um tipo de obsessão maluca.
Alfredo desfez o sorriso e olhou para seu filho com seriedade. Lucas estava apaixonado pela
garota, mas recusava-se a enxergar a verdade estampada em sua face, sempre que a
mencionava. O que não era uma coisa boa, já havia empecilho o bastante para que ele e a
menina se envolvessem. Se o filho declarasse confiantemente que amava Nora, Alfredo como pai o
apoiaria incondicionalmente, pois sabia que Lucas honraria um relacionamento baseado em amor.
Mas a insegurança e o medo nos olhos do seu único filho o deixavam hesitante. Não podia confiar
que o julgamento de Lucas seria coerente. O filho estava confuso, seus sentimentos pareciam
bastante contraditórios, o que não era seguro, concluiu Alfredo. Precisava intervir antes que algo
ruim acontecesse, fosse para Lucas ou para Nora.
— Você irá para a Alemanha — disse a Lucas, com veemência.
Lucas recuperou seu autocontrole instantaneamente.
— Tá de brincadeira?
— Não quero você perto dela, não enquanto se comportar como um adolescente.
— Eu não tenho mais catorze anos, pai. Não saí de carro escondido com uma garota do
ginásio. Cometi um erro e estou ciente disso, não vai tornar a acontecer. Você não precisa me
castigar.
Alfredo levantou-se e se aproximou do filho.
— Ela faz dezoito anos em dois meses, lembro-me de Ramona comentar comigo quando
xerocou os documentos dela para o contrato de experiência. Você vai para a Alemanha e só volta
depois que Nora for legalmente maior de idade.
A risada de Lucas saiu sem que pudesse controlar. Não estava achando engraçado, mas
preferiu rir para não ceder ao impulso de jogar algum objeto na parede. Estava irritado, furioso.
O que seu pai estava pensando quando decidiu mandá-lo para a Europa?
— Isso não faz sentido, pai — argumentou. — O senhor tem medo que eu faça mal a ela?
Não sou a porra de um estuprador!
— Lucas! — gritou Alfredo. — Veja bem como fala comigo, rapaz! Está decidido. Planejei seu
presente de aniversário há meses, irá conhecer algumas empresas do Grupo Volkswagen.
Especificamente Audi, Bentley, Ducati, Lamborghini e sua idolatrada Porsche. Ficará longe de Nora
e pensará com clareza nos seus sentimentos e quando voltar, se ainda sentir algo por ela, eu apoio
você. Se for a porra de uma obsessão, ficar longe é o mais seguro. Para ela e para você. Não
acredito que queira fazer mal a garota, filho. Eu confio no seu caráter. Só não quero que magoe
essa menina e faça algo que possa se arrepender depois. Você não percebe, mas está
transtornado e isso pode te cegar.
— Não sou um descontrolado, o senhor está exagerando, pai. Pelo amor de Deus! Não
consigo acreditar nisso, meu próprio pai duvidando de mim. Isso é uma grande merda!
Lucas estava chateado com Alfredo. O pai estava sendo protetor ao extremo, tomando
medidas de precaução, que para Lucas eram desnecessárias. Assumia que sentia uma forte
atração pela garota, mas nada ao ponto de não se conter e acabar ultrapassando um caminho
sem volta. Seu desejo não beirava a insanidade, era dono de suas faculdades mentais. O que
sentia por Nora não era uma perversão pelo fato da garota ser jovem demais. Simplesmente
aconteceu. Desde que a viu, algo nele havia mudado. Ela foi a primeira garota que chamou sua
atenção. Sempre gostou de mulheres mais desenvolvidas e experientes, principalmente por gostar
de sexo sem compromisso, mulheres mais novas se apegavam com facilidade e Lucas costumava
fugir delas como o diabo fugia da cruz. Mas Nora foi a exceção à regra, totalmente imprevisível.
Não sabia explicar, era raro, improvável e imprudente. Porém, acima de qualquer coisa, era o
sentimento mais real que já havia sentido, e recusava-se a assumir que o que sentia, era doentio ou
de certa forma, perigoso.
Será que ele seria capaz de fazer mal a ela?
Não, sabia que não seria capaz.
Gostava muito de Nora, queria seu bem. Odiava vê-la chateada, por isso sempre que agia
como um babaca ele se sentia péssimo. Jamais faria algo que a machucasse, não intencionalmente.
— Veja lá como fala comigo, rapaz — ralhou Alfredo. — Eu sou o seu pai, não os seus
amiguinhos de farra. A viagem estava planejada, era uma surpresa para o seu aniversário. Não
duraria tanto tempo, mas você pode aproveitar e ficar lá mais algumas semanas. Esfrie a cabeça,
recupere o seu equilíbrio emocional. Tire um tempo para você e descubra o que de fato sente por
ela. É só o que te peço, Lucas. Não vou te obrigar, mas quero que pense no assunto e por fim,
decida o que achar melhor. Mas se ficar aqui, quero você longe dela e me certificarei disso.
Lucas arqueou as sobrancelhas.
— Exatamente como, você pretende me manter longe dela?
— Eu mando essa menina para fora do país.
— Você não disse o que eu acho que ouvi você dizer. — A voz de Lucas soou decepcionada.
Alfredo sabia que estava tomando medidas extremas, não era uma situação tão grave. O
filho estava apaixonado, apenas não reconhecia o fato. Mas preferia pecar pelo excesso de zelo
a tentar amenizar o estrago depois de feito.
— Ou você vai para a Alemanha e fica por lá até Nora completar a maioridade, ou ofereço
a ela uma bolsa de estudos em uma universidade fora do país. A escolha é sua. Dois meses, contra
quatro ou cinco anos.
Lucas fechou os olhos com força, sentiu que as lágrimas cairiam sem que pudesse controlá-las.
Nunca chorou na frente do pai, a não ser quando seu amado avô falecera, e ele era apenas um
adolescente. Não pensou que ao revelar sua atração por Nora, estaria assinando uma sentença de
punição. Jamais desrespeitou seu pai e jamais o faria. Por este motivo, nem sequer pensou duas
vezes antes de tomar sua decisão.
— Irei para a Alemanha com uma condição. Viajo no domingo à noite. Planejei uma festa com
meus amigos e nunca passei um aniversário longe do senhor e da mamãe, não vou quebrar essa
tradição. Eu fico aqui mais uma semana e depois vou embora.
Alfredo sentiu-se culpado por estar pressionando o filho a tomar uma decisão tão difícil. Mas
não voltaria atrás. Sabia que estava fazendo aquilo pelo bem de Lucas, quem sabe no futuro o
filho lhe agradecesse a intervenção.
— Não estou mandando você embora, filho. É apenas uma viagem de férias — justificou-se,
tentando amenizar o clima entre eles.
Mas Lucas estava realmente magoado com o pai, não conseguia evitar o olhar de decepção.
— Não é uma viagem de férias. É um exílio.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Quando Sabrina acordou na manhã seguinte, Caio estava deitado ao seu lado na cama de
solteiro. Virou-se para ficar de frente para ele e observá-lo enquanto dormia. Caio era tão bonito,
adorava quando ele deixava a barba por fazer, era desleixado e ao mesmo tempo sensual. Seu
cabelo castanho claro, quase em um tom de loiro, era uniforme a cor da barba. Combinado ao
azul desbotado de seus olhos, a pele clara com um leve bronzeado o esculpia beirando a
perfeição. Acariciou sua face, sentindo a barba arranhar suavemente seus dedos. Dormindo ele
parecia tão tranquilo. Poderia passar o dia inteiro ali, admirando-o.
O amou desde a primeira vez que o viu. Ele sempre teve carisma com as mulheres. A
aparência ajudava muito, mas Caio tinha lábia e sabia envolver. Usava suas armas de sedução
para conseguir o que desejava. Quem desejava. E quando ele desejou Sabrina, ela não teve para
onde fugir.
Foram dois longos anos e agora estavam ali, deitados lado a lado. E não apenas isso, seriam
pais. Ele disse que a amava. Apesar de estar morrendo de medo, ela acreditou.
Sentia-se magoada ainda, Caio não aceitou bem a notícia no início e despertou em Sabrina
um desespero descomunal. Era jovem demais para ser mãe, não sabia se conseguiria passar por
isso sem o apoio dele. Eulália criou Sabrina sozinha, a menina tinha apenas dez anos quando
perdera o pai em um acidente automobilístico. Desde então, Eulália cuidou da filha e gerenciou o
Alcapone’s com mãos de ferro. Sabrina espelhar-se-ia na própria mãe, pois queria que seu bebê
fosse protegido e se sentisse amado, mesmo que o pai não estivesse presente, assim como ela
própria nunca se sentiu desamparada, pois a mãe esteve com ela em todos os momentos de sua
vida, inclusive nas fases que derramou lágrimas pelo amor não correspondido que sentia por Caio.
Mas agora ele a correspondia. E no momento em que ela mais precisava dele.
Poderia ser orgulhosa e mandá-lo embora. Poderia ter gritado com ele e jogado em cima
dele todas as frustrações acumuladas durante anos, mas estava cansada daquele jogo. Estava
disposta a esquecê-lo de uma vez por todas e focar sua atenção no bebê, mas então, Caio
reapareceu e deixou claro o quanto se sentia preparado para encarar tudo por ela e o filho que
esperavam. Conhecia seu passado, sabia dos erros que ela cometera, tinha participação em alguns
deles também. E não a julgou. Perdoaram-se em silêncio, mas fizeram questão de afirmarem em
voz alta o quanto estavam dispostos a fazer o relacionamento dar certo dali em diante. Queriam
ser felizes e lutariam juntos para alcançar a felicidade tão desejada. Ela estava em paz agora,
finalmente sua vida estava indo para uma direção certa. Sentia que sim e não importava o que os
outros pensassem desde que Caio estivesse ao seu lado para apoiá-la.
Ele sorriu ainda de olhos fechados.
—Estou acordado — revelou em tom brincalhão.
— Está? Pois não parece.
— Mas estou, tem quase trinta minutos e você não para de me olhar.
— Você está de olhos fechados, não sabe o que está dizendo.
— Sinto seus olhos sobre mim, eles são quentes. É como se emitisse raios solares em minha
direção.
Ela beijou-lhe o rosto e ele finalmente abriu os olhos.
— Bom dia — murmurou Sabrina.
— Bom dia.
— Você não deveria estar no trabalho? — perguntou ela. — Quero dizer, são nove horas da
manhã de uma quarta-feira. Seus pais sabem que não dormiu em casa?
Caio sentou-se na cama, apenas para se posicionar em cima de Sabrina. Ajeitou-a de costas
para o colchão e levantou os braços dela para cima da cabeça, prendendo-os com uma única
mão. A outra iniciou uma leve carícia pela lateral do corpo da garota, deixando-a arrepiada de
excitação. Fitaram-se intensamente, tentando desvendar a alma um do outro. Finalmente haviam se
permitido sentir o amor sem barreiras, deixando-se levar pelo puro e simples desejo de estarem
juntos. Aquilo era raro, pensou Caio. De todas as maneiras que imaginou o seu final feliz, aquele
era muito mais real e perfeito.
— Você é minha prioridade agora — disse sem pestanejar. — Quero ver meu filho, podemos
agendar uma ultrassonografia?
Ela sorriu e ele segurou-se para não a beijar, um beijo levaria a outras coisas e ele estava
mesmo ansioso para saber do bebê.
— Fiz isso na semana passada, mas posso agendar outra consulta.
— Você foi sem mim? — perguntou chateado.
— Desculpe, Caio. Mas eu precisava saber se estava tudo bem com o meu filho, e ainda não
tinha coragem para te contar.
— Nosso filho, Sá. Perdoe-me por ter sido um babaca prepotente, prometo que a partir de
agora, tudo o que diz respeito a você e a essa criança, é o que mais me importa. Basta me ligar e
eu paro tudo o que estiver fazendo. Eu Juro.
— Caio, eu entendo que você tem as suas responsabilidades.
— Nosso filho é minha responsabilidade.
— Eu sei que se sente culpado pela maneira como agiu comigo. Mas não pode compensar
isso me sufocando. Nós temos nossas vidas independentes, entendo que você tem um trabalho e
compromissos do qual não faço parte. Não estou exigindo que pare sua vida, e viva
exclusivamente em função de mim e do bebê. Mas quero ter a certeza de que posso confiar em
você, que esse amor que diz sentir por mim é real e que no momento em que eu precisar, me prove,
esteja lá para mim. É isso o que mais preciso.
Caio pensou em cada palavra que Sabrina lhe disse. Ele estava sentado sobre as pernas
dela e ainda a mantinha presa. Observou o cabelo loiro da garota esparramado pelo travesseiro,
era longo e ondulado, estava um pouco embaraçado, mas para ele era incrível. Os olhos castanhos
tinham um brilho especial e quando ela sorria, as covinhas se formavam em sua bochecha. O que
sempre o atraiu em Sabrina foi seu jeito moleca e livre de ser, e agora a queria somente para si.
Sua moleca. Sua garota.
— Não sei como eu demorei a enxergar o quanto amo você...
Os olhos dela marejaram, os hormônios estavam à flor da pele, desde que descobrira a
gravidez. Sabrina chorava por qualquer coisa, mas para sua alegria, o choro agora era de
felicidade. Permitiu-se chorar, porque não conseguiria mesmo se conter.
— Eu vou estar sempre aqui para você, Sá. Não chora, por favor.
Mas seu pedido não foi acatado. A garota debulhou-se em lágrimas. Angustiado, Caio soltou-
lhe os braços e abaixou-se para perto dela, procurando seus lábios trêmulos a fim de tranquilizá-
la com um beijo. Desta vez funcionou.
Caio exercia certo magnetismo sobre Sabrina, tê-lo tão perto, sentir seu toque, seu cheiro, era
inebriante e nunca conseguia resistir. Ele a abraçou e aprofundou o beijo, logo estavam trocando
carícias, retirando as peças de roupa que os impediam de um contato mais íntimo.
— Você me deixa tão duro, Sá...
Ambos estavam nus e Caio estava pronto ela, mas queria mostrar a Sabrina o quanto a
garota era especial e suas necessidades vinham antes das dele. Sabia o quanto ela gostava das
preliminares, então lhe sugou um dos mamilos, a mão direita desceu para sua buceta e ele não se
fez de rogado, penetrou dois dedos dentro dela, massageando aquele lugarzinho especial que a
deixava nas nuvens. Sabrina estava enlouquecida de tesão, Caio era tão bom com as mãos, era
impossível conter o seu quadril no colchão, impulsionava-o contra a mão dele buscando por mais e
mais prazer. A sensação deliciosa a cada investida profunda que Caio lhe proporcionava deixou-
lhe delirante, ela gemia palavras desconexas enquanto sentia os dentes de Caio roçando seu
mamilo eriçado. O orgasmo veio com tudo, sem que ela pudesse se preparar para conter-se e
fazê-lo durar mais. Chamou por ele, puxando-lhe o cabelo com força enquanto se libertava. O
sexo com Caio era maravilhoso, no ato ou na masturbação que o precedia, ele sabia exatamente
como deixar Sabrina ansiosa por mais. E agora sim ela estava pronta para recebê-lo dentro dela.
— Adoro ver você gozar, Sá. Parece uma gatinha manhosa.
— Caio...
— Eu sei amor, já estou indo.
Quando finalmente entrou nela, ambos esqueceram completamente do mundo fora daquele
quarto. Sempre que possuíam um ao outro, Sabrina e Caio deixavam-se envolver por completo.
Engraçado como demoraram tanto tempo para perceber que só se sentiam assim, quando estavam
juntos. Ele não se dava conta de que era o corpo dela que o saciava por completo, procurou em
muitas outras, mas nunca encontrou a essência daquilo que apenas Sabrina era capaz de lhe
proporcionar. Já a garota não se dava conta que ninguém poderia substituí-lo, porque desde o
início fora dele e a partir de então, não seria de mais ninguém.
Sabrina atingiu o orgasmo novamente, desta vez ainda mais intenso. Logo depois foi a vez
dele chegar ao clímax. Os corpos suados, entrelaçados na cama de solteiro, a respiração
entrecortada, a sensação de alívio e acima de tudo, satisfação por estarem novamente juntos.
Caio abraçou Sabrina, beijou seu cabelo e movimentou-se para ficar por cima dela como
havia feito logo que acordou naquela manhã.
— Não consigo mais me imaginar acordando sem você ao meu lado. — Confessou ele com a
voz embargada. Estava emocionado, não reconhecia a si mesmo, mas estava orgulhoso de ter
finalmente aceitado a sua verdade. Queria Sabrina com todas as suas forças. — Case comigo, Sá.
Seja minha mulher e fica comigo para sempre.
Novamente, pensou Sabrina, o destino estava recompensando-a por todo o tempo que passou
sofrendo por aquele homem. Finalmente Caio havia caído em si, não era mais um garotão
irresponsável que só queria curtir sem pensar em ter um relacionamento sério.
Ela podia tentar lhe pregar uma lição? Poderia, mas seria hipócrita.
Ver o homem diante de si se declarando, confessando seu amor e pedindo que fosse sua
companheira para o resto da vida, fazendo exatamente tudo o que ela sempre sonhou desde que
se entregara a ele pela primeira vez. E dizer não? Para quê? Para estender ainda mais o
sofrimento de ambas as partes?
Sabrina não era tão boba a este ponto.
Não chutaria sua felicidade para escanteio por causa de orgulho besta.
Na vida, às vezes, temos que pensar e repensar o que realmente vale apena. Ela queria ter
uma família ao lado do homem que amava, queria um futuro feliz e para que isso fosse possível, o
passado deveria ficar exatamente onde estava: lá atrás!
— Eu caso.
E esse seria o recomeço.
NORA
Não vejo Lucas há dois dias. É sexta-feira e o expediente na oficina está quase terminando.
Meu pai ficou de vir me buscar para irmos juntos na universidade. Resolvi ficar até às seis horas,
pois como não pegarei ônibus, não acho necessário sair mais cedo.
Estou cada dia mais acostumada com a rotina da oficina, Ramona está muito contente pela
ajuda que vem recebendo, e até o senhor Alfredo tem me elogiado. Não sei se o desaparecimento
de Lucas tem a ver com nossa última conversa, mas tento não pensar no assunto embora muitas
vezes a lembrança daquele sorriso sem vergonha, e seus olhos azuis especuladores surgem em
minha mente espontaneamente.
Sabrina me ligou na quinta-feira para contar como ela e Caio haviam feito as pazes, e que
ele a pediu em casamento e ela aceitou. Fiquei feliz por eles, mesmo que tenha me desentendido
com Caio, só o fiz pelo bem de Sabrina. Finalmente ele tomou juízo e percebeu que estava prestes
a cometer uma grande idiotice. Jogar a felicidade fora e agir como se nada importasse além de si
mesmo, faria Caio se arrepender mais tarde, mas ele foi esperto e soube reverter à situação. Torço
muito pela felicidade do casal e espero de coração que ele não tenha guardado mágoa de mim.
Combinei com ela de passar hoje à noite no Alcapone’s para conversarmos pessoalmente, como meu
pai é cliente do bar, uni o útil ao agradável e combinei com ele para irmos juntos.
O senhor Alfredo organiza sua mesa e levanta-se, despedindo-se de Ramona e de mim, ele
vai embora logo em seguida. Olho no relógio e faltam cinco minutos para as seis horas.
— Você pode ir, Nora — dispensa-me Ramona.
Sorrio para ela e termino de guardar alguns papéis dentro da gaveta de arquivo.
— Tenha um bom fim de semana, Ramona.
Desço a escada e caminho até a sala de recreação, onde ficam os armários dos funcionários,
para pegar minha bolsa. Cumprimento alguns mecânicos que passam por mim, indo em direção à
saída do pavilhão. Sinto-me envergonhada na frente de tantos homens, mas eles em momento
algum me fazem sentir desconfortável, pelo contrário, são gentis e bastante respeitosos.
Entro na sala e abro o armário que foi designado para mim, ouço alguém se aproximar e
viro-me em direção a porta. É o Ivan, o mecânico novato, ainda em período de experiência. Ele é
muito legal, conversamos hoje por alguns minutos durante o horário de almoço. Certo, ele não é
apenas legal, mas bonito também. O cabelo castanho escuro é cumprido, e ele geralmente usa um
elástico para prendê-lo atrás do pescoço, mas agora está solto. Ele usa um cavanhaque desenhado
de um jeito moderninho. É magro e um pouco mais alto que eu, a pele bronzeada e os olhos pretos
parecem duas jabuticabas maduras, seu sorriso é simpático e ele parece ser o tipo de carinha que
faz amizade com todos a sua volta. Sim, eu sei.
Acho que reparei demais nas características do garoto.
— Oi, Nora — cumprimenta-me.
Sorrio e aceno um oi com a mão.
Reparo que Ivan está limpo, e sem o macacão, uniforme da oficina.
— Ei! — digo, envergonhada.
Estamos sozinhos na sala de recreação. Ivan abre seu armário e tira uma mochila com
estampa camuflada, estilo uniforme de exército.
— Hora de ir para faculdade — comenta, decifrando meu olhar curioso em sua direção.
— Qual curso você faz? — pergunto interessada. Pego minha bolsa e em seguida tranco meu
armário com o cadeado. Caminho para a porta e Ivan me acompanha, andamos lentamente em
direção à saída do pavilhão.
— Engenharia mecânica.
— Legal, estou ansiosa para voltar a estudar. Terminei o ensino médio ano passado, mas
ainda não iniciei o superior. Meu pai vem me buscar hoje para que eu conheça as dependências
da universidade.
— A estrutura é ótima, os professores são excelentes. Você vai adorar. E quando começar, me
avisa, posso ser o seu guia até você se adaptar. Conheço aquela universidade como a palma da
minha mão.
Sorrio contente por ele ter se oferecido.
— Valeu Ivan. Pode ter certeza que vou me lembrar dessa oferta!
— Bem, eu tenho que ir. Não quero chegar atrasado. Tenha um bom fim de semana, Nora.
Sem que eu tenha tempo para desviar, Ivan se aproxima rapidamente e estala um beijo
rápido em meu roso, afastando-se e indo em direção ao centro da cidade.
— Posso saber que oferta é essa?
Dou um pulo ao ouvir a voz de Lucas atrás de mim. Viro-me e o encaro, sem saber o que
dizer. Ele parece tão diferente do que estou acostumada a ver. Está apático. Franzo a testa e dou
um passo para trás, para manter uma distância segura.
— Não é da sua conta — retruco.
Lucas coloca a mão na cintura e gesticula a cabeça em um sim.
— É da minha conta quando se trata de dois dos meus funcionários, conversando no ambiente
de trabalho.
Reviro os olhos. Ele só pode estar de brincadeira.
Que cara chato!
— O expediente terminou e nós estamos do lado de fora da oficina, Lucas. E não estávamos
conversando sobre trabalho, então não é da sua conta.
Ele abre a boca para dizer alguma coisa, mas desiste. Balança a cabeça em negativa e
passa as costas da mão direita na testa, secando o suor.
— Tanto faz... — resmunga. — É melhor que eu não saiba, mesmo.
Dou de ombros.
— Finalmente concordamos em algo.
O silêncio paira sobre nós, mas continuamos nos olhando intensamente.
— Se eu fosse embora por um tempo, você sentiria a minha falta? — perguntou Lucas,
parecendo ansioso pela minha resposta.
Sou pega desprevenida, não sei o que dizer.
Eu sentiria a sua falta?
Não é como se ele fosse importante para mim.
— Eu não sei — murmuro confusa.
Ele anui em silencio.
— Tudo bem, não é como se eu me importasse com a sua resposta. Esquece isso.
Sinto uma pontada em meu coração, como se fosse um alarme para algo que eu estava
deixando passar despercebido.
Por que essa pergunta me incomodou tanto?
Lucas chacoalha um molho de chaves na mão e sem dizer nada, passa por mim e vai em
direção ao seu carro. Ouço o alarme ser destravado e viro-me para observá-lo se sentar no
banco do motorista.
— Lucas! — chamo em voz alta, sem conseguir me conter.
Foi um gesto incontrolável. Ele olha em minha direção.
— Eu sentiria sim — digo, com a voz engasgada.
O que eu estou fazendo? Por que eu disse isso?
Tarde demais, as palavras foram ditas e eu não posso simplesmente recolhê-las de volta.
Eu não devia ter dito isso.
Droga!
Lucas dá à partida no carro e vai embora.
Às vezes, nem eu me entendo!
LUCAS
Eu não quero ir para a Alemanha, me afastar e não ter a oportunidade de pelo menos vê-la
de longe. Mas está difícil lidar com essa miríade de sentimentos conflitantes dentro de mim.
Reconheço minha loucura.
É oficial: Estou louco.
Se você me conhecesse há sete dias, numa sexta-feira comum como qualquer outra, eu estaria
animado por ter encerrado o expediente e pronto para ir ao meu flat, beber uma dose de uísque
puro, sem gelo, e descansar para mais tarde ir até a La Lola encontrar meus amigos e uma foda
em potencial. Sim, eu penso bastante com a cabeça de baixo. Sou jovem, solteiro e tenho um
apetite sexual que precisa ser saciado. Qual é o problema nisso?
Mas em alguns dias, tudo virou de pernas para o ar. Minha mente só pensa em uma garota,
meu pau só levanta por uma garota, minha vida está mudando por causa de uma garota.
Nora Sampaio, sua bruxinha.
Vê-la tão descontraída conversando com Ivan me deixou puto. O rapaz é gente boa, mas
odiei vê-los tão próximos. Nora é linda e Ivan é jovem, eles poderiam se entender e...
Não, eu não vou pensar nessa merda!
Não sei o que deu em mim para perguntar se ela sentiria minha falta, nós mal nos
conhecemos, por que ela sentiria? Mas então sua resposta indiferente me fez perceber que talvez
eu esteja muito mais envolvido do que pretendo admitir, e que ela pode não se sentir da mesma
forma. Não quero que esta atração seja unilateral. Não quero que ela ceda por se sentir
pressionada, coagida de alguma maneira. Sei que posso ser persuasivo, que Nora já confessou
sentir atração por mim, mas não acredito que seja saudável para nenhum de nós que esse jogo de
quero e não quero, continue.
E é por isso que desisto de dizer qualquer coisa da qual posso me arrepender, e vou para
meu carro. Na verdade, já me arrependi de dizer a ela que sua resposta não me importava. Tudo
sobre ela me importa. Destravo o alarme e me acomodo no banco do motorista, coloco o cinto de
segurança antes de encaixar a chave na ignição.
— Lucas!
Ouço Nora me chamar e meu coração dispara, olho para ela.
— Eu sentiria sim.
Ouvi-la dizer que vai sentir minha falta, mesmo que ela pense que tenha sido uma pergunta
hipotética, faz meu coração bater mais forte. Eu sei que algo em mim está mudando, e essa
constatação está me assustando e ao mesmo tempo me dando forças para fazer as coisas do jeito
certo. Então, ao invés de ir até ela e novamente agir por impulso, penso primeiramente com a
razão e não digo nada, dou a partida no carro e saio.
Dirijo até meu flat, estaciono o carro em minha garagem privativa e subo. Assim que entro,
preparo uma dose de uísque e bebo em um gole só. Pego a garrafa e deixo o copo em cima do
frigobar. Vou até minha cama e sento-me, segurando a garrafa em uma mão e o controle remoto
com a outra. Só preciso me distrair com qualquer merda que esteja passando na televisão, não
presto atenção ao canal, nem ao programa, só deixo que as vozes entrem em minha cabeça e
sufoquem o eco que sussurra, torturando-me:
Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim.
Mais um gole e as vozes na cabeça. Outro gole e mudo de canal, mais vozes na cabeça.
Mais um gole, e outro, e só mais um.
Engraçado, eu me sinto leve agora. Deito-me e continuo abraçado à garrafa de uísque. Sei
que preciso de um banho, mas não quero (leia-se não consigo) me levantar agora. Levanto minha
cabeça e tomo mais um gole. As vozes já parecem distorcidas aos meus ouvidos. O eco que me
perturbava desaparece e sinto que estou em paz agora.
Desde a conversa que tive com meu pai, estou dormindo aqui no flat. Tenho ligado para
minha mãe todos os dias, inventei desculpas e me senti mal por ter mentido, mas grato porque
papai não contou nada a ela sobre meu envolvimento passageiro com Nora, e a decisão de me
mandar para a Alemanha por dois meses. Do jeito que a minha mãe é antiquada, ia querer que eu
me casasse com a garota. Já não basta meu pai me mandando para o outro lado do mundo, tudo
o que não preciso é minha mãe me empurrando para o altar de uma igreja vestindo um fraque
ridículo.
Abro meus olhos, droga! Tudo está girando, talvez se eu tomar mais um gole as paredes
param de rodar. Desisto, coloco a garrafa quase vazia no chão e deito-me novamente. Fecho meus
olhos e a escuridão toma conta.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Perco a noção do tempo de quanto tempo eu dormi, abro os olhos e está tudo escuro. Nem
me dei conta que as luzes estavam apagadas quando cheguei e apenas a iluminação da janela de
vidro clareava o ambiente. Ouço batidas na porta, alguém insistente está querendo entrar.
— Já vou! — Grito.
Em um impulso, levanto-me da cama e sinto meu estômago embrulhar. Caminho até a porta e
abro, sem olhar no “olho mágico”.
— Você está um lixo!
Sorrio debochado. É o Caio.
— Fala a “merdinha” que há dois dias estava na mesma situação.
Caio entra e fecha a porta atrás de si, fazendo-me um imenso favor. Volto a me sentar na
cama.
— Mas agora eu sou um homem comprometido com a mulher que ama e vou ser pai. Estou
ótimo, caso queira saber.
— Como é que é? — grito. — Ai! Minha cabeça dói...
— Pedi a Sabrina em casamento, ela aceitou. Então é isso, vamos nos casar em três meses.
— Dá para voltar a fita? — ironizo. — Perdi um detalhe importante do filme. Aquela em que
você me conta que sonhou que pediu a Sabrina e casamento e que no sonho iam se casar em três
meses. Volte lá, eu só quero confirmar a parte do sonho.
Caio me encara irritado e eu levanto minhas mãos ao alto. Ele se senta ao meu lado.
— Você está bêbado — acusa-me.
Dou de ombros, sentindo minha a cabeça explodir.
— Talvez.
— Está fedendo a uísque.
— Quer me dar banho? — revido com rispidez.
Porra! Eu sei que bebi, sei que preciso tomar um banho e sei que Caio não é a minha mãe
para ficar me dando sermão ou lição de moral.
— Man, baixa a guarda — diz Caio. — Só estou dizendo o obvio. O que foi que aconteceu
para você beber desse jeito, em casa?
Respiro fundo, desanimado. O Caio tem razão, estou sendo um imbecil.
— Meu pai sabe que estou apaixonado pela Nora — digo da boca para fora. Percebo a
merda que acabo de dizer ao meu melhor amigo e balanço a cabeça, tentando colocar os
pensamentos em ordem. Maldito uísque! — Quero dizer, ele sabe que eu sinto uma forte atração
pela Nora.
Caio começa a rir descontroladamente, jogando-se para trás, deixando na minha cama.
— Será que você pode voltar a fita, naquela parte em que você assume que está
apaixonado pela filha do jardineiro? — zomba de mim, tentando segurar o riso.
Decido “jogar a real” com meu melhor amigo. Deito-me para trás, cobrindo meus olhos com o
braço direito.
— Eu estou completamente fodido, man.
— Apaixonado e fodido, não são exatamente sinônimos — diz Caio, a voz da razão.
— Apaixonado é diferente de amar, certo? Quero dizer, paixão é algo relacionado ao
corpo, ao sexo, a conexão física entre duas pessoas que possuem afinidades. É isso, não é?
— Eu acho que sim.
— Então posso estar apaixonado por aquela menina. — confesso desolado. — Sim, eu estou.
Admito. Talvez admitir isso facilite as coisas, é desgastante tentar mentir para si mesmo.
— Ótimo, é um grande passo vindo de você. Melhor ainda, vindo de você bêbado.
— Então é isso que sente pela Sabrina? — pergunto.
— Também, mas o meu lance com a Sá é maior que isso. Nós temos uma história juntos. E meus
sentimentos por ela ultrapassam o sexo, demorei para perceber, mas é como se eu não pudesse
viver sem ela. É muito “foda” e ao mesmo tempo tão incrível. Isso é amor e eu estou feliz, Lucas. É
isso.
— Quem é você e o que fez com meu amigo Caio, porra? — digo em tom de brincadeira.
— Eu apenas acordei para a vida, man. Tenho quase vinte e oito anos e ainda moro com
meus pais, nunca tive um relacionamento sério e jamais me vi como um homem casado. Mas o que
eu seria então? Um coroa solteirão que não leva ninguém a sério? Não quero ficar sozinho, tive
uma puta sorte com a Sabrina e quase estraguei tudo.
— Tô feliz por você. A Sabrina é gente boa, e bem, você sabe...
— Sei o quê?
— Você sabe, Caio.
— Porra Lucas, sei o quê?
— Não me faça dizer isso em voz alta, merda — resmungo.
— Fala logo, idiota!
— Você sabe, ela chupa tão gostoso...
Caio levanta-se abruptamente e me puxa logo em seguida, pela gola da camiseta, fazendo-
me esforçar-me para ficar de pé.
— Nunca mais fala da minha mulher, seu babaca! — grita. — Vá tomar a porra de um
banho e vamos sair para comer alguma coisa.
Minha cabeça vai explodir, é sério. Caio não me deixa falar, arrasta-me a força até o
banheiro e me coloca para dentro box, ligando o chuveiro. A água gelada cai em cima de mim,
com roupa e eu quero dar um soco no meu melhor amigo.
— Porra Caio!
— Isso é por elogiar o boquete da Sabrina, seu “cuzão” — ri da minha cara.
De um jeito desengonçado, consigo tirar minha camiseta. Aceito o banho frio, preciso ficar
sóbrio o suficiente para ser visto em público.
— Foi mal, cara. Eu tô bêbado — justifico.
— Pois trate de ficar sóbrio.
Tiro minha calça jeans e jogo ela molhada em cima do Caio.
— Sai daqui, não vou ficar pelado na sua frente. Vai que você também fica com vontade de
me chupar, hein? debocho.
— Vá se foder, Lucas!
Caio sai do banheiro e fecha a porte. Sento-me no chão e deixo a água cair em minha
cabeça, tentando recuperar minha sobriedade.
Meu melhor amigo está apaixonado. Não, ele está amando. E isso parece fazer tão bem a
ele.
E quanto a mim? O que esse sentimento que tenho por Nora irá me trazer?
Não quero sentir o vazio que sinto toda vez que penso que ficarei dois meses sem olhar para
aquela garota. Eu não sei exatamente o quanto isso é ruim, mas não quero ter que descobrir.
Capítulo 11
Bento estacionou a caminhonete no pátio da universidade. Nora estava extasiada para
conhecer as dependências da instituição, mesmo que só pudesse começar as aulas no início do
segundo semestre, via seu sonho cada vez mais perto de ser realizado. Caminharam lado a lado
enquanto o pai da garota ia lhe falando sobre tudo o que ficou sabendo, quando esteve ali da
última vez.
Levou pouco mais de trinta minutos para que ela conhecesse tudo. Observou os alunos indo e
vindo, entrando e saindo e circulando pelo campus. Como ela queria fazer parte daquilo!
— Não vou ter que esperar seis meses — diz a garota, animadamente. — Você se informou
sobre a data da prova?
Estavam sentados a uma mesa, na área reservada para as refeições dos alunos. Era uma
cantina que servia vitaminas e sucos naturais, café expresso e sanduíches variados, pastéis assados
e fritos, pão de queijo e algumas variedades em iogurtes e bolos caseiros. Nora e seu pai estavam
fazendo um lanche enquanto conversavam sobre a possibilidade dela ingressar na instituição de
ensino superior.
— Em junho. As aulas retornam em julho e quem passa na avaliação, ingressam nesse período
também.
— Pouco mais de três meses, então.
— O suficiente para você estudar e passar — disse Bento, após tomar um gole do seu suco
de laranja.
— Sim, vou me dedicar muito.
— Quer fazer cursinho?
— Não precisa, pai. Eu posso estudar em casa.
— Você é quem sabe, se quiser, podemos matricular você em um.
Nora acena um não com a cabeça e toma um gole de seu café expresso. Gostava de passar
um tempo com seu pai, sentia que podia conversar com ele sobre qualquer coisa, porém, o que
estava guardando dentro de si sobre Lucas, era um assunto que não podia mencionar com ele.
Para ela, era tão difícil ter que guardar seus sentimentos dentro de si, havia conversado com
Sabrina e ela lhe alertara sobre ele, mesmo assim, não podia controlar o coração de ter vontade
própria, o que era angustiante, pois mesmo ali, sentada na cantina da universidade, feliz por ver
um sonho tão próximo de se realizar, Nora não se sentia completa. Estava triste e odiava ter que
disfarçar essa agonia.
— Ora, vejam! Que surpresa mais agradável encontrá-los aqui!
Pai e filha olharam para a linda mulher que se aproximava sorridente. Bárbara Lanco de
Castro, aquela que atormentava os pensamentos de Bento Sampaio desde a noite no LaLolla,
estava ainda mais bonita do que ele poderia se lembrar. Isso porque Bárbara vestia jeans skinning
preto, o que deixava seu quadril delineado e as curvas sedutoras em evidência. Ela era o que
chamavam de “falsa magra”, tinha um corpo esbelto e estava sempre bem vestida. Para
complementar, a camisa de seda branca, feita sob medida, deixava-lhe elegante e ao mesmo
tempo destacava seus seios pequenos e perfeitos, com o decote discreto causado pelo botão
aberto. Não eram volumosos e exagerados como muitos homens prefeririam, mas aos olhos de
Bento tinham o tamanho perfeito para encaixá-los em suas duas mãos.
— Bárbara! — Nora parecia feliz em rever a mulher.
— Olá, mocinha. Será que posso me sentar com vocês? — Perguntou ela, alternando o olhar
entre Bento e Nora.
— Por favor, sente-se conosco — convidou Bento, levantando-se e arrastando a cadeira em
um gesto cavalheiresco.
Bárbara ficou encantada com a atitude do jardineiro, Bento sempre a surpreendia e isso era
agradável e ao mesmo tempo assustador. Ela queria seduzi-lo por puro capricho, mas não podia
deixar de reparar nas qualidades que aquele homem possuía além da beleza rústica. Um pai
atencioso e um homem extraordinário.
— Então, o que fazem por aqui? — perguntou Bárbara, sem esconder a curiosidade.
Foi Bento que lhe respondeu:
— Trouxe Nora para conhecer a universidade, não sabia que havia uma na cidade, se eu
soubesse antes teria providenciado para ela ter ingressado no primeiro semestre.
— Esta instituição está na cidade há três anos. Por onde você andou este tempo todo? —
brincou Bárbara.
— Trabalhando muito, sujando as mãos de terra, para bancar os estudos da minha filha.
Você sabe o que é trabalhar duro, senhorita? — respondeu o jardineiro, soando um pouco
arrogante.
Bárbara perdeu o sorriso de imediato, sentindo-se constrangida por ele ter falado com ela
naquele tom ríspido. Não estava acostumada a ser tratada daquela maneira, a não ser por Lucas,
mas ela já havia aprendido a lidar com o ex noivo.
— Você estuda aqui, Bárbara? — interveio Nora, tentando amenizar o clima tenso que se
instalou entre a moça e seu pai.
Bárbara não conseguiu disfarçar o quanto se sentia desconfortável, em momento algum quis
ofender Bento, mas ele parecia sempre estar na defensiva quando ela estava por perto. Talvez,
pensou ela, não fosse uma boa ideia tentar algo com ele. O homem era turrão e estava mais do
que obvio que vivia plenamente para o bem-estar de sua filha. Ela não precisava se sujeitar a
nenhum tipo de humilhação para ter um homem aos seus pés. Podia estar exagerando, talvez ele
nem tivesse feito de propósito, mas não gostou da maneira como Bento havia lhe respondido, e
suas intenções haviam caído por terra. Não passaria por aquilo novamente. Tentou se manter firme
e sorriu para Nora, que percebera o quanto ela estava chateada com a resposta do pai. A
menina não tinha culpa, portanto não lhe custava nada ser cordial com ela.
— Você pode me chamar de Babi, Nora. E não, eu não estudo aqui. Eu trabalho aqui.
— Sério? Você é professora?
Bárbara achou engraçada a pergunta, começou a rir.
— Oh, não! Eu não tenho o menor jeito para lecionar, embora meu pai seja um excelente
professor. Sou filha do reitor desta universidade, e também uma das donas da instituição. É um
legado de família. Mas meu trabalho é na área administrativa.
— Uau! Que incrível!
— Viu só? Eu não sou uma patricinha mimada. — disse em tom de brincadeira, olhando para
Nora, mas a mensagem estava sendo enviada para o pai da garota, cujo ela não conseguia olhar
nos olhos. — Trabalho duro também, embora não sujo minhas mãos de terra.
Bento remexeu-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Nora sentia-se envergonhada pelo
pai.
— Não quero tomar mais do tempo de vocês — desconversou Bárbara, levantando-se. —
Hoje é sexta-feira e preciso assumir o meu posto de socialite. Tchauzinho, pessoal — acenou com a
mão e tratou de sair logo dali.
Nora encarou o pai, chateada.
— O senhor não precisava ser tão ríspido com ela, pai!
Bento franziu a testa.
— O que foi que eu fiz?
Nora revirou os olhos.
— Ah, por favor! Não se faça de sonso, não é do seu feitio. Vá atrás dela e se desculpe.
— Ei, eu sou o pai nesta relação.
Nora deu de ombros.
— Mas quem agiu feito criança pirracenta, foi o senhor. Corre lá, pai. Vá se desculpar com a
Babi. Eu espero aqui.
Bento bufou. Não costumava ser tão teimoso, mas sabia que havia sido arrogante com a
moça. Bárbara era linda, rica e parecia uma boneca de porcelana importada. Mas isso não
significava ser um enfeite para se exibir em uma estante. Ele deu a entender que ela não fazia
nada da vida, apenas ostentava sua riqueza de herdeira, usando um tom ríspido para lhe impor
que trabalhava duro, como se isso o fizesse melhor que ela. A verdade, Bento assumiu para sim
mesmo, é que ele mesmo fez questão de colocar um abismo entre os dois. Mas não devia ter sido
daquela maneira, estava arrependido e sentindo-se um babaca.
Levantou-se e correu, sem a menor cerimônia, até alcançar Bárbara. Ela continuou
caminhando em direção ao estacionamento da universidade, sem olhá-lo, embora soubesse que ele
a estava acompanhando.
— Desculpe-me, eu fui um idiota lá na cantina. Não devia ter falado naquele tom, com você.
Ela parou e o fitou, sentindo o corpo inteiro arrepiar-se apenas por respirar o perfume
masculino tão próximo. Mas lembrou-se que não ia ser tratada como uma boneca de luxo sem
valor intelectual.
— Eu posso ser fútil em grande parte do meu tempo, mas não conclua algo a meu respeito
sem antes me conhecer — revidou no mesmo tom de arrogância que ele usara na cantina. —
Dinheiro não nasce em árvore, Bento. Minha família trabalhou anos para possuir o que tem, então
não venha para cima de mim, com papinho de pobre coitado que suja as mãos para trabalhar.
Nós dois trabalhamos honesta e dignamente. Não tenho culpa por ter nascido em berço de ouro. Eu
sou egoísta, mimada e dona das minhas vontades. Mas se eu precisasse sujar minhas mãos de terra
para ganhar a vida, sujaria.
— Você está exagerando, senhorita Bárbara.
— É, pode ser. Mas não gostei do que me disse, nem do tom que falou comigo.
— Estou me desculpando!
— Ah, tudo bem. — Deu de ombros. — Não sei aonde eu estava com a cabeça quando me
senti atraída por você. Acho que foi pelo desafio, mas a brincadeira perdeu a graça. Eu percebi
que você é um homem íntegro e que eu estava indo longe demais por um capricho bobo. Você tem
uma filha linda, é um ótimo pai. Por fim, eu estava mesmo agindo como uma patricinha mimada.
Queria a sensação do proibido, agora estou aqui me humilhando enquanto digo a verdade. Você
tem toda a razão em querer me manter longe, só não insinue que eu não faço nada na vida.
Bárbara virou-se e continuou caminhando em direção ao seu carro. Parou para procurar a
chave dentro da bolsa, e ouviu passos se aproximando.
— Então é isso, você queria brincar comigo? — perguntou ele, irritado.
Ela continuou procurando pela chave, ignorando-o.
— Nossa conversa encerrou — disse ela, após encontrar a chave e destravar o alarme do
New Beatle.
— Não sou um brinquedo, Bárbara. Eu sou uma pessoa.
Ela deu de ombros.
— Tanto faz. Eu só estava interessada em sexo, mas já desisti da ideia. Agora se me der
licença, eu estou de saída. Vá cortar grama, Bento. Adeus.
Ele ficou perplexo com a súbita mudança de atitude daquela mulher. De receptiva à
chateada, para egoísta e desdenhosa. Bárbara Lanco de Castro podia ser linda por fora, mas por
dentro era cheia de imperfeições. Ele se manteve distante, pois de certa maneira a havia colocado
em um pedestal, como uma relíquia preciosa, achava-a superior a ele, mas ela não era. Já esteve
envolvido com uma mulher de classe alta, e por experiência própria, sabia que relacionamentos
entre pessoas de mundos tão distintos como eles, não acabavam bem. Mas Bárbara deixou claro
que o interesse nele era puramente sexual, então, mesmo com raiva por se sentir um objeto de
desejo, algo dentro de Bento se sentiu desafiado.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora observou o pai correr para alcançar Babi. Ele foi rude com a moça e ela se sentiu
envergonhada, pela primeira vez, pela atitude de seu pai. Bebericou seu café e manteve-se
pensativa, concentrando na imagem projetada em sua mente, de Lucas indo embora da oficina,
depois dela responder-lhe que sentiria sua falta caso ele fosse embora para longe.
Por que ele havia feito àquela pergunta? Será que pretendia mesmo ir embora? Será que
ela era a culpada dele tomar uma decisão como esta? Mil perguntas se formavam em sua mente,
mas ela não sabia como descobrir as respostas.
— Ei, bom te ver — disse Ivan, pegando-a de surpresa. Ela sorriu-lhe e novamente, sem que
pudesse reagir, o garoto se aproximou e beijou-lhe a bochecha rapidamente, em um gesto de
cumprimento amigável.
— Oi — cumprimentou-o, sem saber o que dizer.
Ele se sentou onde antes Bento estava, repousou as mãos em cima da mesa e fez um gesto
com a cabeça, para que o garçom da cantina viesse lhe atender.
— Desculpe, nem perguntei se podia sentar aqui. Mas estou morrendo de fome e quero
aproveitar o intervalo para fazer um lanche. Tudo bem de eu ficar aqui?
— Claro, fique à vontade. Meu pai foi conversar com uma amiga, mas já deve estar voltando
para irmos embora.
— O que achou da universidade?
— Maravilhosa, não vejo a hora de estudar aqui. Espero que seja possível.
— Vou torcer por isso.
O garçom apareceu e Ivan fez seu pedido, suco de laranja e pão de queijo.
— Vai tentar bolsa? — questionou Ivan.
— Uhum.
— Eu consegui bolsa parcial, pago apenas metade da mensalidade. O que é uma benção,
pois eu não teria como bancar tudo. Ainda estou em período de experiência na oficina.
— Eu também estou então não quero me arriscar enquanto não tiver certeza. Se conseguir a
bolsa integral ou parcial, será ótimo. Vou estudar muito para tirar uma boa nota na avaliação.
— Se precisar de ajuda, pode contar comigo. Eu fiz a prova e tirei nota máxima, só não
consegui bolsa integral porque o meu curso não tem essa opção. Que curso pretende fazer?
— Eu estava em dúvidas, mas já me decidi por secretariado executivo.
Ivan sorriu e observou Nora. A garota era tão bonita e lhe passava uma tranquilidade sem
igual. Ele não a havia conhecido em seu melhor momento, pois ela tinha acabado de discutir com o
patrão e seu amigo, Caio Antunes. Mas depois teve a certeza de que era uma menina legal e
tranquila, que o incidente no primeiro dia foi algo fora dos padrões, e isso o fez admirá-la. Nora
era bonita, simpática e “na dela”. Ele se via curioso para conhecer mais da garota, queria ter a
oportunidade de encontrá-la mais vezes fora da oficina e a faculdade seria o local ideal.
Não teve tempo de continuar a conversa, o garçom trouxe o seu pedido e logo em seguida
um homem se aproximou.
— Está tudo bem, por aqui? — perguntou o sujeito.
Ivan franziu o cenho, confuso.
— Está sim — respondeu-lhe cordialmente.
— Pai, este é o Ivan — interveio Nora, tranquilamente. — Ele trabalha na oficia e estuda
aqui.
Pai? Aquele era o pai da Nora? Pensou Ivan.
Achou-o jovem demais para ser pai de uma adolescente de dezessete anos, mas certamente
todos achavam aquilo, concluiu.
Levantou-se e estendeu-lhe a mão, sem intimidar-se.
— Muito prazer, senhor.
Bento analisou o jovem à sua frente, ele tinha o cabelo comprido e uma barba esquisita, coisa
da moda atual, mas aparentemente era um jovem estudante e desde que não tivesse más intenções
com sua filha, ele seria agradável. Chega de tratar as pessoas mal, depois de Bárbara e a
surpresa que ela trouxe com sua revelação, Bento só queria ir embora logo. Aceitou o aperto de
mão do garoto e sorriu-lhe amistosamente.
— Bento Sampaio, muito prazer.
Ivan já ouvira falar de Bento Sampaio, mas nunca o conheceu pessoalmente. Tornou a sentar-
se à mesa e começou a fazer o seu lanche, o intervalo seria breve e logo voltaria para a sala de
aula.
— Nora, querida. Temos que ir, você quer passar no Alcapone’s para conversar com a
Sabrina, certo?
— Sim, pai. Bem lembrado. — Nora virou-se para Ivan. — Obrigada por me fazer
companhia, segunda-feira nos vemos na oficina. Tenha uma boa aula, Ivan.
— Até segunda-feira, Nora. — Virou-se para Bento. — Prazer em conhecê-lo, senhor.
— Até outro dia, Ivan — despediu-se Bento.
Pai e filha caminharam lado a lado até o estacionamento, em silêncio. Já na caminhonete, a
caminho do Alcapone’s, Nora resolveu conversar com o pai.
— O Ivan é muito legal, pai. O senhor gostou dele?
Bento estava atento ao trânsito, mas sentiu-se confortável para conversar com a filha e
quebrar o silêncio que o agonizava.
— Ele parece um bom rapaz. Você gosta dele?
— Sim, mas não do jeito que o senhor está imaginando. Ele é meu colega do trabalho e um
rosto conhecido na universidade, é bom saber que não estarei sozinha quando começar. Acho que
nós podemos ser amigos. O senhor aprovaria?
— Por que, não? Eu confio em você, filha. Não pense que não conheço a fama de Sabrina
entre os rapazes, mas jamais a julguei e impedi que vocês se tornassem próximas, pois sei que ela
é uma menina do bem, e que você não faria nada que pudesse gerar falatório na cidade.
Nora engoliu em seco.
— Que tipo de falatório, pai?
— Sabe, eu realmente não me importo com o que as pessoas dizem. Mas me preocupo com o
que você pode sentir se as pessoas falarem algo a seu respeito. Eu amo a filha que tenho, eu a
eduquei, mesmo à distância, juntamente com sua tia, para que soubesse a diferença entre o certo e
o errado. Acredito que você tem consciência disso, e que antes de tomar decisões, pesará na
balança as consequências que elas podem trazer para sua vida.
— Como o quê, por exemplo?
— Como uma gravidez indesejada, uma doença sexualmente transmissível, ou um coração
partido.
Nora sentiu-se enrubescer. O pai estava entrando em um tema constrangedor para ela.
Nessas horas, sentia falta de uma presença feminina, que não fosse sua tia freira, para que
pudesse desabafar. Ela não queria que essa pessoa fosse sua mãe, já estava conformada pelo
abandono. Mas talvez alguém que pudesse ser tão próxima quanto.
Sorriu ao se lembrar de Babi.
— Eu não quero conversar sobre sexo, com você, pai.
Bento riu, nervosamente.
— Eu fico feliz por isso, filha. Mas saiba que pode contar comigo para o que precisar, eu sou
o seu pai e é meu dever conversar com você sobre certos assuntos. Nunca irei reprimi-la. Eu sei que
você é uma jovem bonita e que não tem vocação para feira, como a sua tia, então tenho que me
conformar que um dia você terá um namorado, um marido, e irá constituir família.
Bento sabia o que a repressão, e excesso de zelo causaram a Adelina. Ela se rebelou contra
os pais e viu nele a válvula de escape. Mas quando chegou o momento de finalmente romper o
cordão umbilical que a prendia aos pais super protetores, ela preferiu abrir mão da própria filha
e continuar sua vida como se a gravidez e ele, nunca tivessem acontecido. Foram embora para
outro país, recomeçaram a vida e continuaram tratando Adelina como uma boneca maleável. Pois
ela permitirá.
Nora sentia-se mal, por não ter coragem de conversar com o pai sobre os novos sentimentos
a respeito de Lucas. Preferiu mudar o rumo da conversa.
— Você se desculpou com a Babi?
Bento respirou fundo antes de responder.
— Sim, mas não nos entendemos.
— Por que não?
— Porque a senhorita Bárbara não é uma pessoa legal.
— Ela te tratou mal?
— Acho que ela me colocou no meu devido lugar.
— Que seria? — Incentivou o pai a continuar.
— Vestindo macacão e botas de borracha enquanto corto a grama da mansão Marinho.
— Pai! — repreendeu-o.
— Estou falando sério. Mas tudo bem, eu fiz a minha parte. Mulheres como a senhorita
Bárbara merecem homens como Lucas Marinho. Talvez eles se acertem um dia.
Nora sentiu uma pontada em seu coração. Era algum tipo de “alerta perigo”?
— Por que o senhor está falando isso, pai? — perguntou receosa.
— Porque a sua querida Babi era noiva do patrão Lucas.
NORA
Permaneci em silêncio durante o restante do trajeto até o Alcapone’s. Confesso que fiquei
chateada ao descobrir que Babi e Lucas haviam sido noivos, mas não questionei o porquê eles não
haviam se casado. Algo dentro de mim sentiu uma pontada de decepção, não sei explicar...
Mas o que eu poderia querer? Que Lucas fosse casto? Um celibatário? Um homem puro que
nunca tivesse se envolvido com outra mulher? Quão ridícula eu seria se desejasse isso?
Dez anos nos separam, sei que não sou uma criança agora, mas em determinada fase da
vida eu brincava de boneca e ele já era um homem. De qualquer maneira, não tenho que ficar
pensando nisso ou chateada por descobrir algo relacionado ao passado dele, mesmo que esse
passado não seja muito distante. Nós não temos nada, já havíamos conversado e colocado um
ponto final na atração insana que sentimos um pelo outro. Além disso, havia Sabrina. Minha nova
melhor amiga confessou que esteve envolvida com Lucas algumas vezes. Essas pessoas têm um
passado, eu estou chegando a suas vidas agora, eles não têm culpa e eu não sou ninguém para
julgá-los.
Foi só outra grande surpresa.
Meu pai estaciona em frente ao Alcapone’s. Entramos lado a lado e nos encaminhamos para o
balcão. É sexta-feira e o local está movimentando, Eulália está no caixa, fechando a conta de
algum cliente. Vejo Sabrina segurando uma bandeja e indo até uma das mesas de sinuca, servindo
alguns homens com canecas de chope. Eles a encaram descaradamente, mas ela não lhes dá
atenção, a não ser a cordialidade de um bom atendimento profissional.
Sentamos em duas banquetas que estão livres e Eulália nos cumprimenta:
— Boa noite e sintam-se à vontade! Hoje estamos na correria, pois perdi uma funcionária.
— Quem morreu? — papai perguntou, preocupado.
Eulália riu.
— Ninguém morreu, Bento. Vire essa boca para lá! Samanta pediu demissão, está de
mudança para outro estado. Não pôde cumprir o aviso prévio, foi repentino. Agora estou
desfalcada. Sabrina está me ajudando esta noite, mas agora que ela e Caio resolveram se casar,
ele não quer vê-la no bar. Sorte que minha filha bateu o pé com ele, e está me ajudando esta
noite. Mas preciso arrumar outra menina para substituir Samanta. Ela trabalhava aqui de sexta a
domingo, mas fazia toda a diferença, pois são os dias de mais movimento.
Observo Sabrina retornar para trás do balcão. Ela me vê e se aproxima para me
cumprimentar, dirige um sorriso ao meu pai e um aceno com a cabeça.
— Que história é essa de você e o Caio se casarem? — pergunto surpresa.
Ela sorri largamente, impossível esconder sua felicidade.
— Nós conversamos e resolvemos tudo, ele me pediu perdão e assumiu toda a
responsabilidade comigo e com nosso bebê. Cansei de ficar brigando, Nora. Eu só quero ser feliz e
cuidar do meu filho, se o homem que eu sempre amei quer ficar comigo e me apoiar, então aceito
isso de braços abertos.
Seguro as mãos de Sabrina sobre o balcão. Estou muito feliz por ela.
— Isso é incrível, Sá! Você merece essa felicidade, torço muito por você.
— Parabéns, Sabrina — disse meu pai, interrompendo nossa conversa. — Bom saber que o
Caio Antunes honrou o compromisso que tem com você e o filho que esperam. Desejo-lhes
felicidade.
— Obrigada, Bento.
— Quer beber alguma coisa, Bento? — perguntou Eulália.
Meu pai parece frustrado desde que saímos da universidade, acredito que não tenha sido
agradável a conversa que ele teve com a senhorita Bárbara. Sim, agora eu não consigo mais
chamá-la de Babi. Simples assim.
— Estou dirigindo com a Nora, não quero ser imprudente, nem dar mal exemplo à ela.
Conforto meu pai com um tapinha nas costas.
— Uma caneca de chope não vai alterar seu senso de direção, pai. E nossa casa não fica
tão longe assim. Eu finjo que é guaraná, não me sentirei influenciada.
Meu pai sorri e balança a cabeça.
— Sabe, você é adulta demais para o seu tamanho, menina. — Bagunça meu cabelo. — Tudo
bem, Eulália, pode me servir uma caneca.
De súbito, uma ideia percorre meus pensamentos. Não sei se o meu pai estará de acordo, mas
não custa tentar.
— Estive pensando, eu poderia substituir a Samanta aqui no bar. Sexta, sábado e domingo
não me prejudicam no trabalho da oficina, e assim consigo juntar mais dinheiro. — Deixo a
sugestão no ar, tanto para Eulália quanto para meu pai. Eu realmente adoraria trabalhar no bar.
Conheceria mais pessoas e também teria uma boa economia para a faculdade e meus gastos
pessoais.
Sabrina pareceu gostar da ideia, Eulália também, mas encarou meu pai, aguardando a
opinião dele.
— Você já tem um trabalho, Nora. E quando iniciar a faculdade, você estará sobrecarregada
— argumentou meu pai.
Suspirei, não quero contrariá-lo, mas realmente gostaria de trabalhar no Alcapone’s.
— Por favor, pai! — Peço. Nunca precisei apelar para chantagem emocional, mas acho que
eu seria capaz disso se precisasse. — Pelo menos até que a Eulália encontre alguém, então?
— Nora é uma menina responsável — argumenta Eulália, ajudando-me a convencê-lo. —
Acho que se ela perceber que está fazendo mais do que pode suportar, irá abrir mão do
trabalho. Bem, estou mesmo precisando de ajuda aqui no bar, então não irei descartar a chance
de ter Nora na equipe, mas você é o pai dela e eu não irei interferir.
— Até que horas ela precisa ficar? Eu teria que buscá-la todas as noites. — disse papai.
— Eu me encarrego de deixar meus funcionários em casa, ao fim do expediente. Não se
preocupe, Nora estará em casa no domingo, mais tardar à meia-noite. Mas na sexta e no sábado,
eu sempre fecho à uma da manhã, então até às duas horas ela estará em casa.
— Deixe-me fazer um teste, pai — insisti. — Se o senhor não gostar que eu trabalhe à noite,
eu desisto da ideia. Só me dê uma chance de provar que sou capaz, até que a Eulália encontre
outra pessoa.
Papai semicerrou os olhos e bebeu mais um gole de seu chope gelado. Depois me sorriu.
— Garota, o que eu não faço por você?
— Isso é um sim? — pergunto com expectativa.
— Uma experiência — salienta. — Este fim de semana, pode ser?
Olho para Eulália, buscando sua aprovação.
— Por mim tudo bem — concorda ela.
Levanto da banqueta e dou pulinhos de felicidade.
— Obrigada, obrigada, obrigada. Posso começar? É só me ensinar que eu aprendo
rapidinho!
— Eu te explico, amiga — disse Sabrina, que até o momento só nos observava. — Vamos ao
vestiário, vou te entregar uma camiseta do Alcapone’s e o avental.
Antes de ir, beijo meu pai no rosto.
— O senhor vai ficar e me vigiar? — pergunto.
— Não, eu vou para casa assim que terminar de beber este chope. A Eulália disse que leva
os funcionários para casa, em segurança, este é meu voto de confiança a ela e a você.
— Porque você é o melhor pai do mundo!
Abraçamo-nos e sigo Sabrina, até os fundos do bar, onde se encontra o vestiário dos
funcionários.
— Você vai adorar trabalhar aqui, Nora — diz Sabrina, animadamente. — O pessoal é
gente boa, ninguém desrespeita as garçonetes, apesar de nos devorarem com os olhos. Mamãe
sempre fez questão de manter a imagem do Alcapone’s como um ambiente descontraído, mas não
vulgar. Todos a respeitam e a temem, porque vamos combinar, minha mãe é osso duro de roer.
Entramos no vestiário e Sabrina me entrega a camiseta, é de gola polo, preta, com o nome do
bar em sua letra bem trabalhada, bordada do lado direito na parte da frente. O avental é
igualmente preto e com o mesmo tipo de bordado, porem de maior tamanho, centralizado no bolso
onde caneta e bloco de anotações são acomodados.
Não me importo de trocar de roupa na frente de Sabrina, apenas me viro de costas
enquanto retiro a minha camiseta para substituir pelo uniforme.
— Assim que sua mãe disse que precisava de alguém, pensei em me oferecer. Quero muito
juntar dinheiro e deixar meu pai livre de responsabilidades, acredita que ele montou um quarto
para mim? Parece de princesa! Deve ter custado um dinheirão — conto à ela.
— Seu pai é muito legal, você tem sorte, Nora! Espero que Caio seja metade do homem que o
seu pai é. Isso me deixará imensamente tranquila, pois sinto que preciso dessa proteção dele,
sabe? Meu pai morreu e foi triste, não quero que meu bebê cresça sem a presença paterna, agora
tudo está perfeito e espero que continue assim.
Vesti a camiseta e virei-me para ela.
— Espero que o Caio não me odeie, nossa discussão na terça-feira foi bem desagradável.
— Ah, mas foi graças a ela que o Caio acordou para vida. Devo isso a você, Nora.
— Não deve nada, Sabrina. Você me aconselhou quanto ao Lucas, esqueceu?
— Isso não foi nada, perto do que você fez por mim.
Sentei-me em uma cadeira e Sabrina fez o mesmo.
— Olha, eu não queria falar novamente sobre isso — falo, sentindo-me constrangida. — Mas
não tenho com quem desabafar, além de você.
A expressão de Sabrina torna-se preocupada.
— Somos amigas, você pode me contar tudo o que quiser.
— Eu só não quero que me repreenda, porque sei que já me disse tudo o que eu precisava
saber. Mas acontece que não consigo reprimir meus sentimentos.
— Sentimentos? Está falando do Lucas?
Anuo em silêncio.
— Gosta mesmo dele? — pergunta-me.
— Sei que não deveria, pois nada de positivo me leva para isso. Mas não é como se eu
pudesse simplesmente arrancá-lo de dentro de mim. Isso é loucura, não é? A gente mal se conhece.
E ele não é exatamente um modelo de príncipe dos sonhos.
— Eu sabia que o Caio era encrenca, e mesmo assim eu insisti, não foi? Quem sou eu para
dizer que o que você sente é errado?
— Mas aquele dia...
—... Aquele dia — interrompeu-me — eu estava muito chateada com o Caio e a nossa
confusão. Eu não queria que você passasse por algo parecido, Nora. Droga! Ainda não quero, mas
eu vejo nos seus olhos como parece sofrer por sentir o que sente. Não se sinta culpada, a gente
não tem culpa por amar os babacas.
— Eu não o amo, eu...
— Mas gosta dele.
— Sim. E sei que não devo. Mas hoje, ele me perguntou se eu sentiria a sua falta caso ele
fosse embora. Tentei fugir da resposta, mas no fim, confessei que sentiria. E ainda descobri que a
Bárbara e ele foram noivos.
Sabrina franze a testa.
— Você conhece a Bárbara?
— Uhum, eu acho que está rolando um clima entre ela e o meu pai.
Sabrina começa a rir, deixando-me confusa.
— Aquela patricinha mimada? Com o Bento? Gente, que mundo pequeno.
— Eu a acho legal, e estava torcendo para que meu pai e ela pudessem se conhecer melhor.
Sei lá, queria que o meu pai não ficasse o tempo todo focado no trabalho e em mim.
— Nora, querida. Às vezes você me surpreende por ser tão adulta, outras vezes por ser tão
ingênua.
Suspiro, desanimada.
— É eu sei.
— A Bárbara e o Lucas romperam há alguns meses. Ele não era um namorado fiel, então ela
descobriu um dos deslizes dele e rompeu o noivado.
Lucas traia Bárbara. Isso eu realmente não esperava ouvir. Sinto as lágrimas querendo tomar
conta dos meus olhos e os esfrego com as mãos, tentando não ceder a elas.
— Sou mesmo uma idiota. É claro que ele não me levaria a sério, sou uma menina boba! —
repreendo-me.
Sabrina levanta e me puxa pela mão, fazendo eu me levantar também.
— As pessoas podem mudar, Nora. Eu acredito que o Caio mudou, por se descobrir
apaixonado por mim. Não acho certo ceder acreditando que poderia mudá-lo, foi o meu principal
erro com o Caio. O Lucas sempre foi mulherengo, a relação da Babi com ele era mais por
aparência do que por amor. Então, acredito que se ele realmente gostar de você, irá levá-la a
sério. Mas apenas se ele se abrir com você, falar o que sente e o que pretende. Nada menos que
isso. Não se deixe enganar, nem se iluda achando que poderá mudá-lo. Ele tem que fazer isso
sozinho. Se puder suportar, esperar para ver o que acontece, não desista. Mas se for muita
bagagem para você carregar, faça o que for preciso e tente arrancar isso do seu coração.
Engulo em seco.
— E como eu consigo isso?
Ela sorri, com ternura.
— Nada melhor para curar um amor, do que outro amor.
LUCAS
Não rolou jantar, depois do banho eu só tinha força o suficiente para me jogar na cama e
dormir. Caio acabou me ajudando e depois foi embora. Ele ia se encontrar com a Sabrina no
Alcapone’s. É, parece que a coisa entre eles está realmente séria. Meu amigo vai se casar!
Acordo sentindo uma tremenda dor de cabeça, a luz do sol invade o quarto e abro os olhos
com dificuldade, sento-me na cama, mas meu estômago se agita e sinto a bile subir pela minha
garganta. Corro para o banheiro e chego a tempo de me ajoelhar no chão e eliminar toda a
porcaria que bebi a noite passada, na privada.
Passo a manhã toda deitado, bebendo água e resolvendo algumas questões de trabalho em
meu laptop. Peço o almoço no quarto, pelo serviço de delivery de um fast food e depois de me
entupir com hambúrguer e batata frita, sinto-me novo em folha. Ligo para o Caio e combinamos de
ir até o autódromo, preciso correr para relaxar e contar a ele sobre minha viagem para a
Alemanha na próxima semana. Meu aniversário é no domingo que vem e minha festa está
agendada para o sábado, no Alcapone’s, não faço ideia de como as coisas ficarão agora que a
Sabrina e o Caio estão noivos. Espero que ela não esteja servindo as mesas nesta noite, ou vai ser
foda. O Daniel ficou de levar algumas garotas e, bem, ela pode dar uma de ciumenta para cima
do cara. Agora eles são um casal e terão um filho, não sei como o Caio vai se comportar em minha
festa, eu só espero que não arrumem confusão. Pretendo conversar com ele sobre isso, é claro.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Pilotar é minha segunda paixão. Motores automobilismos com certeza é a primeira. Pilotar um
carro que possui um motor que ajudei a projetar e montar? Orgasmo múltiplo. Até o Caio se
arriscou em dar algumas voltas, sozinho, o que deve ter sido bom para ele. Quando estou
pilotando, em alta velocidade, é como se estivesse em um universo só meu, um lugar onde todos os
problemas são esquecidos e eu estou totalmente no controle da situação. É assim que me sinto nesse
momento. Depois da noite passada, a bebedeira e toda aquela merda sobre estar apaixonado, vir
até aqui e me desligar de tudo é como receber um prêmio. A vida poderia ser assim sempre, cada
vez que algum problema surge, eu aceleraria até me distanciar. Mas como não é possível, basta
que eu faça isso por alguns minutos e recupere meu equilíbrio praticando meu esporte favorito.
— Sabe que a minha festa de aniversário é no próximo sábado, no Alcapone’s, não é? —
pergunto ao meu melhor amigo, enquanto saímos do vestiário do autódromo.
— Mas é claro, não perco por nada.
— E a Sabrina?
— Ela vai estar lá, a mãe dela é a dona do bar.
— Tá de boa com isso? Quero dizer, o Daniel vai levar umas gatinhas e sabe que ele
capricha.
Caio dá de ombros.
— Tanto faz, man. Eu já tenho a minha garota.
Encaro meu amigo e arregalo os olhos.
— Uau, o bicho do amor te mordeu para valer.
Ele anui, todo sorridente.
— Eu não me importo que você zoe de mim, tô de boa com isso.
Bato palmas, para provocá-lo.
— Man, quando crescer eu quero ser que nem você.
— Ainda dá tempo de você tomar juízo, parceiro. Ou se esqueceu o que me disse ontem?
Dou de ombros, disfarçando o meu desconforto. Chegamos ao estacionamento e destravo o
alarme do Porsche. Caio e eu sentamos, dou a partida no motor.
— Não esqueci — confesso. — É estranho eu admitir isso para mim mesmo, quem dirá para
outra pessoa, sabe? Ela é tão jovem, mas não é isso que me incomoda. O que me deixa puto é o
fato de que simplesmente não consigo parar de pensar nela um minuto sequer. Eu sinto que a minha
existência foi abalada. A Nora é como o meteoro que extinguiu os dinossauros.
Caio começa a rir sem parar.
— Que merda você está falando, man? — pergunta, tentando controlar o riso histérico. —
Não tinha uma analogia melhor para fazer? Que porcaria...
Presto atenção na estrada, estou indo para minha casa, ver minha mãe. Se eu não dormir em
casa esta noite, com certeza ela vai perceber que tem algo muito errado comigo.
— Você ri, mas veja bem, eu estava despreparado e ela simplesmente surgiu e devastou tudo
à minha volta. Ela extinguiu da minha mente qualquer mulher pela qual eu já estive interessado. Ela
fez uma limpeza geral nas minhas emoções. É isso, man. Não tem mais ninguém além dela invadindo
os meus pensamentos, nenhuma dinossaurinha gostosa que já me fez um boquete antes. Não sobrou
ninguém. Boom! Escafederam-se.
— Essa é a maior merda que já ouvi, saindo da sua boca. E por favor, não fala mais de
boquete comigo. Esse assunto é proibido entre nós. Tô falando muito sério.
— Certo. Bem, eu não sou bom em falar das coisas do coração. Sinceramente, estou
admirado que a Sabrina e você resolveram tudo numa boa. E tô feliz por vocês.
— Minha mãe quase teve um ataque cardíaco quando eu contei que ia me casar com a
Sabrina, e que ela será avó. Foi barra pesada fazê-la aceitar que o filhinho querido não era o
modelo de perfeição que ela tanto desejava. Mas eu estou feliz, eu sei que estou fazendo a coisa
certa e por isso enfrento o que for preciso.
— Invejo a sua coragem.
— Inveja por quê? O que te impede de tentar fazer dar certo com a Nora?
Balanço a cabeça, em um gesto negativo.
— Não sou bom com relacionamentos. Você lembra como era quando eu namorava a Babi?
— Você gostava da Babi como gosta da Nora?
Rio, debochando do que Caio acaba de perguntar.
— Não chega nem perto.
— Você tá amarradão na dela.
— É, eu tô sim.
— Vai deixar passar em branco? E se ela for a sua garota? Não faz a merda que eu fiz,
Lucas. Não vire as costas para a felicidade.
— Vou para a Alemanha, depois do meu aniversário — revelo. — Meu pai quer que eu volte
depois que a Nora tiver dezoito anos completos.
— Isso é fodido...
— Fiquei puto no começo, mas ele tem razão. Tenho me comportado como um adolescente
que não sabe manter o pau dentro da cueca. Já foi difícil admitir o que sinto por aquela garota,
mas o que posso fazer a respeito? Levá-la para cama e trepar feito um louco? E depois? Mesmo
que ela complete a maioridade, isso não me dá o direito de usá-la para o meu “bel” prazer. Tá
legal, eu sei que já fiz isso com várias mulheres, mas não quero fazer isso. Nora é diferente, e não
quero ser um merda para ela.
— Por isso vai fugir para outro continente?
— Não é uma fuga, é um período de meditação.
— Conta outra, amigo, você está morrendo de medo.
— Quer saber? Você tem razão, man. Eu tô me borrando de medo.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Deixei Caio em frente ao Alcapone’s e fui para a casa. Tomei um banho e desci para passar
um tempo com minha mãe. Papai está viajando, mas volta antes do meu aniversário. Eu e mamãe
assistimos a um filme juntos e depois jantamos. Ela se recolheu para dormir e fiquei na sala, sozinho.
Já é tarde, quase uma da manhã. Estou me sentindo inquieto e sei que se for me deitar agora
não conseguirei pregar o olho. Decido tomar um banho de piscina, levanto-me e vou para fora de
casa, sinto o ar fresco e olho para o céu estrelado. Está uma noite agradável, nem fria e nem
quente demais, boa o suficiente para que eu possa nadar um pouco. Tiro toda minha roupa e a
coloco em uma espreguiçadeira, me jogo na piscina e sinto meu corpo se acostumar com a água
rapidamente. Está excelente. Dou algumas braçadas e nado, fazendo a volta na piscina. Quando
finalmente sinto meu fôlego se acabar, paro e retorno à superfície, passo as mãos pelo rosto para
tirar a água que escorre de meu cabelo.
Então a vejo, parada, com o olhar hipnotizante em minha direção. Nora está tão perto da
piscina, como se tivesse acabado de chegar da rua, a caminho de sua casa. Franzo a testa,
confuso.
— Onde estava até essa hora? — pergunto, tentando soar casual. Sei o quanto ela pode ser
agressiva e não quero iniciar uma discussão.
— Trabalhando.
Mergulho até a borda da piscina, ficando mais próximo dela.
— Como assim, trabalhando? — Não entendo o que ela quer dizer.
— Estou trabalhando no Alcapone’s. Nada concreto. Este fim de semana é uma experiência.
Papai ainda não está satisfeito com minha ideia de ter dois empregos.
— Eu também não estou — digo sem pensar. Mas é verdade, porra. — Por que você precisa
de dois empregos?
Nora se move e tenho certeza que ela vai me deixar aqui, falando sozinho. Mas ela me
surpreende, como sempre. Caminha até as espreguiçadeiras e senta-se ao lado daquela onde as
minhas roupas estão. Reparo que ela observa as peças, e arregala os olhos ao se dar conta que
minha cueca também está ali. Seguro um sorriso.
Ah, bruxinha. Como eu adoro te ver constrangida...
— Fui à universidade local, hoje — revela. — Papai me levou até lá. Quero juntar grana
para poder iniciar os estudos no próximo semestre.
— Nora, sabe o quanto isso magoa seu pai? Ele se sente mal por não poder pagar a sua
faculdade. E agora você quer trabalhar em dois empregos?
Ela parece refletir no que acabo de dizer.
— Mas ele não contestou. Eu só quero diminuir o fardo das costas dele, entende? O meu pai
sempre trabalhou para pagar a minha escola, guardou dinheiro para a faculdade e me comprou
um quarto tão bonito. Ele é o melhor. Também se informou sobre a faculdade e disse que tem
dinheiro para custear dois anos de curso, o que é ótimo. Mas enquanto eu estudo o que ele vai
fazer? Trabalhar, trabalhar e trabalhar. Para mim, não para ele.
— Ei mocinha — digo, tentando ser gentil. — É isso o que os pais fazem, eles cuidam dos
seus bebês. E você é a bebezinha do Bento. Deixa-o cuidar de você. Faça a sua parte e estude,
tire boas notas e forme-se em uma profissão. Vai dar tanto orgulho para esse cara. E então será a
sua vez de retribuir, mostrar que graças aos esforços dele, você se tornou uma pessoa de bem e
que consegue andar com as próprias pernas.
Nora me encara sem dizer nada, mas percebo o quanto minhas palavras lhe emocionaram.
Bem, não foi nada de mais, só disse a ela o que minha mãe costumava me dizer quando eu
ingressei na universidade. O fato de eu estar prestes a completar vinte e nove anos, e ainda morar
com os meus pais, não precisa ser levado em consideração neste momento. Eu amo a minha família,
e enquanto não constituir a minha própria, ficarei com os meus velhos.
— Isso que você disse é tão bonito — murmura ela, ainda sem desviar o olhar do meu.
— É sincero, querida.
Ela morde o lábio e sinto o meu pau despertar debaixo d´água.
Eu pelado, perto dessa garota. É tão errado.
— Eu dei a minha palavra que ficaria até a Eulália encontrar uma pessoa, de todo o jeito,
com a faculdade, não poderia continuar lá. Talvez eu fique, um mês apenas.
— Tá de garçonete? — pergunto, tentando disfarçar o ciúme. Não quero nem pensar em
Nora servindo bebidas, para um bando de urubus esfomeados por carne fresca.
— Não. A Eulália e o meu pai entraram em um acordo, como ainda sou menor de idade,
ficarei no balcão, lavando os copos e trabalhando no caixa. Eles não querem que eu sirva
bebidas.
Menos mal, tenho vontade de dizer.
— Mas pensa no que te falei. Tenho certeza que o Bento não quer te impedir de tomar suas
próprias decisões, mas se sente mal por ver a filha em dois empregos. No dia em que fiz a
proposta para você trabalhar na oficina, eu vi a relutância nos olhos dele. Mas ele deixou porque
você, mocinha, é bem perseverante e ele não quis tirar o brilho dos seus olhos.
Ela sorri, parece gostar do que eu acabo de dizer.
— Você é legal, quando se comporta como um adulto — comenta, despretensiosamente.
Sorrio. Estou louco para sair desta piscina e tomá-la em meus braços. Quero mostrar a ela
que sou gente grande, se é que vocês me entendem. Mas não o faço, porque acima de tudo, quero
mostrar a mim que posso me controlar diante dela.
— Obrigado — agradeço.
O silêncio paira sobre nós, mas nossos olhos permanecem conectados.
Ela morde os lábios mais uma vez.
— Você está pelado aí dentro? — pergunta ela.
Sorrio.
— Estou sim.
— Oh... — Ela está chocada com a minha resposta e vejo seu rosto enrubescer.
— Não pensou que eu usasse duas cuecas, não é? — Dou-lhe uma piscadela. — Você viu
que aí em cima está um traje completo.
Agora ela sorri e desvia o olhar. Minha respiração acelera, meu pau está pulsando e eu estou
prestes a sair daqui. Basta que ela me peça, é claro.
— O que você sente, Nora? — pergunto sem me conter.
— Como assim? — Ela parece confusa.
— Eu estou pelado. Você já sabia e mesmo assim me perguntou. Por quê?
Seu rosto enrubesceu ainda mais. Linda, toda envergonhada.
— Eu não sei, desculpe. — Levanta-se e sei que ela pretende ir embora.
— Não vá — peço com veemência. — Sente aqui, mais perto de mim. Estamos conversando,
Nora. E nem gritamos um com o outro. Consegue manter a civilidade entre a gente? Estou mesmo
tentando.
Ela hesita, mas se senta no chão, na beirada da piscina. Dobra as pernas na posição de lótus,
como diria uma professora de ioga. Observo suas pernas torneadas, no jeans preto, e seus seios
perfeitos contornados pela regata de algodão, na mesma cor da calça. Nora deixa sua pequena
bolsa à tira colo e apoia as mãos em seus joelhos. Só falta começar a meditação.
— Vamos brincar? — digo com um sorriso travesso.
Ela me olha desconfiada.
— Brincar do quê?
— Vamos brincar de ser sincero um com o outro. Proponho três perguntas, sem mentiras e sem
julgamentos. Nós sabemos o que está acontecendo entre a gente. Eu sei que nossa última conversa
foi um desastre total, que o certo era que nem voltássemos a conversar, mas vamos esquecer tudo,
por dez minutos, e recomeçar.
— E depois?
— Depois a gente toma uma decisão. Definitiva.
Vejo que Nora está em uma batalha interna com seus pensamentos. Estou apreensivo, com
medo de ela fugir e a nossa chance de conversar seja anulada. Quero e preciso resolver as coisas
entre nós, porque me sinto corajoso agora e se adiar, talvez não haja uma nova oportunidade.
— Tudo bem, quem começa: você ou eu? — responde-me com uma pergunta.
É agora ou nunca, Lucas. Ou dá, ou desce.
Capítulo 12
— Quer começar? — perguntou Lucas, para a garota a sua frente.
Tudo estava se encaminhando para que eles pudessem, definitivamente, resolver as questões
em aberto. Ao menos era o que o homem esperava, pois depois de tanto negar a verdade a si
mesmo, finalmente estava disposto a se arriscar em algo novo para sua vida, algo sério e se
possível, duradouro.
Nora anuiu timidamente. Podia ter ido embora dali, mas desde que chegara a sua cidade
natal, seu caminho cruzava o de Lucas, mesmo que tentasse fugir. Talvez, pensou ela, aquela fosse
a última oportunidade. Não seria covarde, para depois se arrepender. Precisava saber o que era
aquilo entre Lucas e ela. Além disso, estava difícil não pensar em como ele seria da cintura para
baixo. Estava totalmente nu dentro da piscina, ela seria hipócrita se dissesse que não queria se
juntar a ele.
— Vá em frente, pergunte o que quiser.
Pensou no que poderia perguntar. Eles estavam ali, frente-a-frente, em um jogo da verdade.
As respostas seriam responsáveis pela decisão final de ambos.
— Eu sei que você foi noivo da Bárbara, e que não era fiel a ela. Por que estava em um
relacionamento sério, se não queria ser monogâmico?
Lucas engoliu em seco e pensou um “puta que pariu”. A garota estava mesmo levando a sério
aquele jogo. Perguntou-se mentalmente como ela poderia ter obtido aquela informação, mas logo
se recordou que Nora e Sabrina eram amigas agora, e talvez a noiva de Caio andasse falando
mais coisas do que deveria. Mas fora ele quem havia feito a proposta, então nada mais justo do
que ser sincero e não desviar da verdade. Afundou-se na piscina, permanecendo submerso por
alguns segundos, logo retornou à superfície e encarou uma Nora preocupada, sorriu-lhe e passou
as mãos pelo rosto, respirou fundo e finalmente começou a responder:
— Eu e Babi terminamos há alguns meses. Fomos namorados por um ano ou mais, sabe que
eu realmente não me lembro? Para ser sincero, nem sei como a pedi em casamento, quer dizer, eu
me lembro do dia, mas não lembro o porquê. Nunca pensei antecipadamente em traí-la, mas
aconteceu algumas vezes, nas primeiras, confesso que me senti um cretino, mas depois acabou se
tornando um hábito. É uma merda, eu sei. Não foi legal da minha parte, nem honesto. Estou ciente
pra caralho que eu fui o pior namorado de todos os tempos. Mas ela foi minha primeira e única
namorada, me dei conta que não gostava dela o suficiente para entrar em um relacionamento
duradouro. Quando Babi descobriu meu deslize, terminou comigo e eu simplesmente aceitei, deixei
que me chamasse de todos os adjetivos esdrúxulos que eu merecia. Também deixei que me
acertasse com alguns objetos e até mesmo tolerei alguns tabefes na cara. Viu só? Eu fui um
completo canalha com ela, mas fui um canalha sincero no final. A verdade é que, depois dessa
experiência, eu não quis namorar mais ninguém. Sem promessas, sem decepções. Sei que magoei a
Babi, mas aprendi a nunca mais enganar outra pessoa.
Ele falou sem parar, quase sem respirar também. Nora o fitou boquiaberta com a sinceridade
de Lucas, não esperava que ele falasse tão abertamente sobre o assunto, sem ao menos
questionar-lhe como ela sabia daquela informação. Sentiu asco pela resposta dele, era horrível se
dar conta que o homem por quem estava começando a ter sentimentos, não tinha respeito por
nenhuma mulher. Recuperou-se do choque e tentou manter sua expressão indiferente. Havia mais
duas perguntas a serem feitas, mesmo que seu coração estivesse se despedaçando com uma única
resposta, ela iria até o fim naquela brincadeira.
— Por mais que tentamos ficar longe um do outro, algo sempre nos traz para perto,
percebeu? — Ela riu, sentindo-se nervosa. — Não responda, foi uma pergunta retórica. O que
sente em relação a mim, de verdade? O que passa pela sua cabeça quando pensa em nós? —
Esta pergunta foi feita com a voz trêmula. Nora estava com medo de ouvir palavras que a
ferissem ainda mais.
Lucas sorriu, tentando passar conforto a ela. As mãos que estavam apoiadas na beirada da
piscina, lentamente se moveram até as canelas da garota. Ela se remexeu, ao sentir o toque das
mãos molhadas sobre o jeans, mas permitiu que ele permanecesse ali.
— Foram duas perguntas — retrucou Lucas, sem repreendê-la. Estava tentando deixar o
clima mais descontraído, embora estivesse tão nervoso quanto ela.
— Elas fazem parte de um contexto, não podem ser separadas — argumentou ela, com
perspicácia.
— Você é inteligente e madura demais para a sua idade. É uma das qualidades que mais
amo em você.
Nora passou a língua pelos lábios secos.
Lucas queria ele mesmo umedecer os lábios dela.
— Não fuja da pergunta.
Acariciando com suavidade as canelas de Nora, Lucas pensou bem antes de colocar em
palavras os seus sentimentos. Não queria arriscar. Sabia que aquela pergunta era crucial.
— Quando eu te vi pela primeira vez, naquele fatídico dia em que te encharquei toda, meu
primeiro pensamento foi que suas pernas eram incríveis e que eu adoraria passar uma noite
inteirinha com minha cara enfiada entre suas coxas.
A garota poderia facilmente ser confundida com um tomate maduro, estava tão vermelha
quanto um. Lucas não media as palavras, era descarado e absurdamente sincero.
— Eu não posso mentir para você, Nora. Você me enfeitiçou, me deixou cheio de tesão e eu
só consegui dormir depois de me masturbar, pensando em você me chupando bem gostoso.
— Lucas!
— Deixe-me falar, eu quero começar do começo — disse impaciente. — Sei que não estou
sendo um cavalheiro, mas minha intenção aqui é explicar a você o quanto me senti atraído. O
quanto o seu corpo me enlouqueceu à primeira vista. Sei que você ainda é menor de idade, e isso
pesou na minha consciência, me senti um pedófilo, sei lá. Mas depois refleti que não a desejei pelo
fato de você ser uma adolescente, eu nunca me senti atraído por alguém tão jovem, então eu sei
que não é nenhuma doença ou perversão. Também não senti que estava abusando de você,
porque também se sentiu atraída por mim. Foi mútuo e consensual. Foi você como mulher que me
chamou a atenção, a sua beleza simples e ao mesmo tempo estonteante. Entrei em conflito porque
pesei na balança os prós e contras de tentar algo com você. Sua idade, minha idade, seu pai, sua
inocência, o fato de que não levo ninguém a sério e que me envolver com você poderia trazer
problemas dos grandes, caso fossemos descobertos. Enfim, não havia nada de positivo, a não ser a
minha realização pessoal e sexual de te comer.
— Nada disso mudou — replicou Nora, quase em um sussurro. —Tudo o que pesou na
balança de forma negativa, ainda existe.
— Mas o lado positivo ganhou peso e está se sobrepondo ao negativo. Eu tenho sentimentos
por você, Nora. Sentimentos que nunca tive por mulher alguma em meus quase vinte e nove anos.
Tem algo de especial e muito positivo nisso, não é? — Ele balançou a cabeça. — Não responda,
ainda não é a sua vez. Eu pensei em uma louca obsessão, e não descarto isso ainda. Você não sai
da minha cabeça, eu te desejo desenfreadamente, me sinto um merda cada vez que brigamos e
morri de ciúmes quando vi você e o Ivan conversando. Eu tomei um porre por sua causa! Nunca
fiquei de porre por causa de mulher, isso foi a proclamação da minha derrota como o ser humano
solteiro e mulherengo que sempre me orgulhei de ser.
— Você está me deixando confusa, Lucas.
Lucas pestanejou. Sabia que estava divagando demais.
— Tô tentando explicar que me apaixonei por você, porra! — desabafou, sentindo-se
angustiado.
Oh droga, eu acabei de me declarar pra ela...
Os olhos de Nora se arregalaram com o que Lucas acabara de confessar. Ele disse, mesmo
de um jeito nada romântico, que estava apaixonado por ela. Caramba! Nunca, ninguém esteve
apaixonado por ela antes. Aquilo era... Não sabia descrever, mas sentiu seu coração se inundar
com um tipo de sensação imensurável, como se ele fosse transbordar algo deliciosamente perfeito.
O que poderia ser esta sensação? Que nome poderia dar ao que estava sentindo naquele
momento?
— O que se passa pela minha cabeça — continuou Lucas — quando penso em nós, é o
desejo de descobrir com você o que é isso que temos. Quero entender o porquê eu não consigo
tirar você da minha cabeça, e porquê me sinto tão incompleto quando você não está presente,
porque sei que ainda não me pertence, mas quero muito que seja minha. E quero muito ser seu.
— O que está disposto a fazer em relação a esses sentimentos? — Nora estava
sobrecarregada de informações, mas ainda queria saber até onde ele chegaria com sua
sinceridade.
Não reconhecia o homem que estava diante de si, acariciando sem malícia suas canelas, mas
deixando-lhe a sensação de que poderia entrar em combustão a qualquer momento.
— Estou disposto a te provar que posso merecer a sua confiança, o seu respeito, e
principalmente, o seu coração.
Uma lágrima escorreu de seu rosto, foi inevitável tentar controlar, mas Nora sequer tentou.
Lucas sentiu o desejo incontrolável de secar a lágrima, mas estava nu dentro da piscina e não
conseguia chegar perto o bastante para alcançar o rosto da garota.
— Eu não sei o que dizer... — murmurou ela.
Ele a fitou com ternura.
— Pois é melhor pensar, porque agora é minha vez de fazer as perguntas.
Ela sorriu e concordou, assentindo silenciosamente com a cabeça.
— Você acredita quando eu digo que estou disposto a te levar a sério, caso você me dê uma
oportunidade? — perguntou Lucas.
Nora hesitou.
Acreditaria nele? Poderia confiar que Lucas seria fiel a ela caso estivessem em um
relacionamento? Que ele a respeitaria e não a faria sofrer? Era um verdadeiro tiro no escuro, se
levasse em consideração o currículo de relacionamentos inexistentes e fracassados que ele possuía.
Mas então, lembrou-se do que Sabrina lhe dissera na noite anterior, que se o próprio Lucas
estivesse disposto a mudar por ela, sem que ela lhe forçasse a isso, haveria uma chance, porém,
ela teria que fazer uma escolha também.
Ela estava pronta?
— Eu estou disposta a acreditar.
Lucas pareceu decepcionado com a resposta.
— Foi uma resposta evasiva — argumentou ele.
— Foi sincera.
Ele anuiu.
— A segunda pergunta, você me respondeu na sexta-feira. Quando te perguntei se sentiria a
minha falta se eu fosse embora, você disse que sentiria.
Nora sentiu-se tensa, Lucas estava abordando aquele assunto novamente.
— Você vai embora? — questionou-o.
Lucas sorriu de um jeito enigmático.
— Sua vez de perguntar acabou. Agora, minha última pergunta, Nora: você esperaria por
mim?
Esperar? Por que ela teria que esperá-lo?
Nora se agitou, nervosamente. Algo ali não parecia se encaixar.
— É isso então? Você vai embora e quer que eu te espere? — questionou Nora.
Lucas bufou, frustrado. Puxou Nora para perto de si, fazendo com que a garota esticasse as
pernas e as deixasse afundar dentro da piscina, mas ela não se importou em molhar a calça e o
par de tênis, e ele não parou de olhá-la nos olhos mesmo tendo-a de pernas abertas tão perto de
seu rosto. Pousou as mãos em suas coxas, mas sem acariciá-las, apenas segurando-as com firmeza.
Nora segurou Lucas por seus respectivos pulsos, sentindo a energia da atração vibrar entre eles.
— Eu fui sincero em todas as suas perguntas, mas você está evitando as respostas que
preciso ouvir da sua boca...
Ela virou a mão direita de Lucas para cima e entrelaçou seus dedos nela. Lucas sentiu o
coração apertado, queria ouvir de Nora as palavras que precisava para se manter firme em seu
propósito. Estava disposto a agir da forma correta, ser um bom homem e merecê-la, arriscar-se
novamente em um relacionamento, mas fazê-lo dar certo. Queria aquilo, mas precisava de um
incentivo.
— Desculpe — sussurrou a garota, tornando a fitá-lo. — Eu quero acreditar que nós
podemos fazer isso. Não posso dar certeza porque tudo é muito novo para mim, Lucas. Tenho
medo de me machucar, mas também tenho sentimentos por você, e se está disposto a se
comprometer e fazer dar certo, sim, eu espero. O tempo que for preciso, desde que seja
verdadeiro.
Lucas sorriu, não conseguiu conter sua euforia ao ouvi-la. Talvez, a felicidade estivesse
batendo à sua porta. Talvez fosse merecedor de uma oportunidade, nunca pensou que fosse se
apaixonar por alguém, não esteve fugindo do sentimento, mas não acreditava que fosse possível.
Há uma semana, não acreditava que pudesse ser fiel a uma única mulher, mas agora, ele só
conseguia pensar em Nora e nenhuma outra vencia a redoma que aquela garota erguera em seu
coração. Ninguém entrava, mas ela não saía de lá.
— É verdadeiro, Nora. Você é a bruxinha que enfeitiçou meu coração. Não há outra verdade
além dessa. Eu só preciso que seja paciente e me espere.
Nora franziu a testa, novamente ele tocara no assunto de esperar.
— Esperar o quê, exatamente? — perguntou, enquanto acariciava o cabelo molhado de
Lucas.
Ele não queria contar sobre a Alemanha porque ela poderia facilmente fazê-lo mudar de
ideia. Lucas queria antes de tudo provar a si mesmo que estava no controle, que gostava dela e
estava disposto a assumir um compromisso, mas antes, precisava manter distância e esperar que
Nora atingisse a maioridade legal. Mesmo sendo menor de idade, o relacionamento deles não era
proibido legalmente, mas havia muito mais do que uma lei autorizando ou não o envolvimento entre
um adulto e um adolescente. Embora estivesse muito perto de ser considerada adulta, Nora foi
educada em um colégio religioso e seu pai era bastante protetor, havia um relacionamento de
amizade entre a família Sampaio e a família Marinho, a diferença de idade, a fama de Lucas com
as mulheres, tudo contribuindo para que a relação deles não fosse vista com bons olhos. Lucas
precisava de tempo para mudar sua reputação, pois acatando o pedido do seu pai, ganharia o
apoio dele e automaticamente o de sua mãe. Se os dois estivessem ao seu lado e Nora já não
fosse menor de idade, alguns empecilhos seriam derrubados e a probabilidade de serem aceitos
como um casal aumentaria.
— O momento certo. Isso é tudo o que posso dizer. Confia em mim?
Estranhamente, ela confiava.
— Sim.
— Então por enquanto, a gente espera.
— Tá.
Fitaram-se, selando uma promessa silenciosa. Nora confiou seu coração aquele homem, sabia
que era arriscado, que poderia se magoar, mas preferiu mergulhar de cabeça a se arrepender
sem ter tentado. Não entendeu de fato o pedido de espera, mas não iria pressioná-lo, fora Lucas
quem tomara a iniciativa de tentar fazer dar certo. Ela era inexperiente demais em assuntos do
coração, mas sentia-se diferente desde que ele aparecera em sua vida. A garota acreditava em
destino, também acreditava em redenção, e daria a Lucas essa oportunidade. Veria até onde
poderiam chegar juntos, tentaria manter sua cabeça no lugar, mesmo que seu corpo se
desmanchasse todo, sempre que ele a tocasse.
Eles estavam tão próximos, o corpo dele gelado por estar dentro da água por bastante
tempo. Havia se passado muito mais que dez minutos, Nora precisava voltar para casa e Lucas sair
daquela piscina.
— Sabe nadar? — perguntou Lucas.
— Uhum...
— Deixe a sua bolsa aí no chão — pediu ele, com um sorrisinho sacana.
Ela semicerrou os olhos.
— Eu não vou nadar com você, Lucas.
O sorriso do homem aumentou.
— Não vamos nadar, só quero que chegue mais perto.
Ela o encarou com desconfiança.
Era inacreditável que estivessem ali, em plena madrugada, à beira da piscina, conversando
como duas pessoas civilizadas.
— Promete? — insistiu ela.
— Não vamos nadar, tire a sua bolsa e chegue mais perto.
Nora prendeu a respiração, sentiu seu ventre acalorado, em antecipação. Sentia falta do
corpo de Lucas colado ao seu, saber que ele estava sem roupa e tão perto, despertava-lhe
sensações maravilhosas em seu interior. Ela sabia que ele a excitava, Lucas não precisava se
esforçar muito para que ela ficasse suscetível ao seu charme. Tirou a bolsa e deixou-a no chão.
Logo depois, Lucas a puxou, com delicadeza, para mais perto. Muito perto. O rosto dele estava
entre suas pernas e ela sentiu sua vagina pulsar em expectativa.
Como seria se ele a tocasse ali? Ou se a beijasse ali?
Marina havia contado uma de suas experiências, com o sexo oral. Ela disse que todo homem
que se preze, deveria saber dar prazer a uma mulher com a língua. Se o beijo de Lucas era tão
incrível como ela considerava, sabia que seria perfeito se ele a beijasse no meio das pernas.
— Você está ficando vermelha, Nora. — observou ele, com malícia na voz. — Está tendo
algum pensamento erótico?
Os olhos da garota se arregalaram, surpresa por ter sido desmascarada.
— Não, eu...
Ele riu, desarmando-a por completo.
— Você é uma péssima mentirosa, bruxinha.
Se tivesse uma opção do último vermelho na tabela de cores, esta seria a cor exata para
descrevê-la naquele momento.
Lucas arrastou sua mão, atrevidamente, até a virilha de Nora. Com o polegar, acariciou a
parte interna da coxa, fazendo com que ela fechasse as pernas, por instinto. Ele riu, achando
graça e ao mesmo tempo se excitando novamente. A respiração entrecortada, somada a
vermelhidão de sua face, deixou Nora vulnerável e Lucas estava muito satisfeito com aquele
avanço. Era muito bom saber que ele não era o único que se descontrolava por ela. Continuou
acariciando, e a outra mão que agora segurava o passante da calça jeans, puxou a garota para
mais perto, molhando o tecido acima do joelho.
— Nós não vamos nadar — repetiu Lucas. — Mas eu vou mergulhar na sua boca, bruxinha.
Venha aqui.
Ela segurou em seus ombros enquanto ele lhe puxou para dentro da piscina, foi grande o
esforço para não gritar e chamar a atenção para eles, mas Nora conseguiu se controlar, mesmo
que a sensação da água gelada em todo o seu corpo a fizesse respirar descompassadamente.
Lucas a abraçou firme e a manteve colada ao seu corpo. Assim que se acostumou a temperatura,
percebeu algo duro sendo pressionado contra sua barriga.
Não queria se assustar, já o sentira antes, mas agora era diferente, Lucas estava nu e mesmo
que não olhasse para o volume, Nora sabia perfeitamente que o homem à sua frente foi
agraciado por Deus. Muito agraciado. Sentindo-se corajosa, ela enroscou suas pernas em torno da
cintura de Lucas, fazendo-o gemer e repousar a cabeça em seu ombro, mordendo-o levemente.
— Puta que pariu, Nora...
A garota esperou que ele a olhasse novamente, o que levou algum tempo.
Lucas estava morrendo de tesão. As pernas de Nora em volta de si pressionavam o seu pau
na entrada protegida pela maldita calça jeans. Um maldito cinto de castidade impedindo-o de
tomar para si o que tanto almejava desde que a conhecera. Mas manteve-se firme em seu
propósito, tinha que esperar, era o certo a fazer. Ele esperaria, principalmente agora que ela
havia lhe prometido esperar também. Recuperou a sanidade, ou parte suficiente dela, e só então
tomou coragem de fitá-la novamente. Cobiçou seus lábios entreabertos, misturou sua respiração
com a dela, sentiu seus corpos se aquecendo na água, e então permitiu-se perder-se nela por
alguns instantes.
Não conseguiu dizer nada, então fez o que tanto teve vontade, prendeu sua mão na nuca
dela e a puxou para si, tomando sua boca em um beijo desesperado e cheio de fome e volúpia.
Ela era boa naquilo, assim que seus lábios se colaram, Lucas sentiu a língua de Nora invadir sua
boca e explorá-lo sem pudor algum. Era por isso que ela era diferente, não queria executar
nenhum desempenho pornográfico a fim de seduzi-lo, ela agia por instinto, deixando o desejo fluir
e saciando-o de maneira crua. Ele deu um passo à frente, pressionando-a conta a parede da
piscina, assim conseguiu equilíbrio e retirou uma de suas mãos da cintura dela, explorando o corpo
que tanto desejava possuir. Subiu a mão lentamente, por dentro da regata encharcada, tremendo
com o toque de pele contra pele, seus dedos fazendo o reconhecimento do abdômen macio,
subindo para as costelas e logo alcançando um dos seios. Eram pequenos, mas lindamente naturais.
Havia o sutiã, impedindo-o de explorar com mais vontade, mesmo assim ele seguiu em frente até
conseguir invadir o espaço protegido pelo acessório feminino.
Nora estava queimando por dentro, o sabor de Lucas era maravilhoso, viciante. Queria beijá-
lo o suficiente para que seu gosto permanecesse consigo para sempre, mas infelizmente não era
assim que funcionava. Quando ele tocou um dos seios, ela gemeu contra sua boca, adorando a
sensação da mão dele beliscando o seu mamilo entumecido pelo frio da água, ou arrepiado pelo
toque dos seus dedos lhe apertando para provocá-la. Tudo aquilo que ele despertava nela era
indescritível, sentia-se num paraíso flutuante, em um sonho que não queria acordar. Mas então
Lucas interrompeu o beijo, e afastou-se com um pouco de cautela, assustando-a.
— Eu adoraria te comer nessa piscina, Nora. É o que faria se não me importasse tanto
contigo, mas me importo. Então é melhor você ir para casa. O momento certo lembra? É isso que
vamos esperar, e então quando ele chegar, eu vou fazer amor com você.
Ela sorriu para ele, sentindo-se especial. Algo em Lucas havia mudado, Nora viu a fome e o
desejo lascivo em seus olhos, mas também viu ternura e um brilho especial que ainda não conseguia
decifrar, sabia apenas que era o bastante para acreditar e esperar por ele.
NORA
Meu coração está quase saindo pela boca! Não foi fácil me afastar de Lucas, não depois de
tudo o que dissemos um para o outro e do que fizemos na piscina. Meu corpo flameja e flutua
sempre que estou em seus braços, o que não aconteceu muitas vezes, mas o suficiente para eu
perceber que há algo de especial quando estamos juntos.
Não quero agir como uma garotinha sonhadora, mas...
Às vezes garotas precisam sonhar um pouco. Não?
Estou ensopada, pois entrei na piscina de roupa e tênis. Onde eu estava com a cabeça?
No mundo da lua, talvez...
Entro em casa e não me sinto preparada para mentir ao meu pai, é obvio que ele irá
perguntar o que houve quando me encontrar neste estado deplorável. Devia ter pensado nisso
antes, tarde demais, Nora.
A casa está silenciosa, não ouço o barulho da TV. Tiro a chave de dentro da minha pequena
bolsa e abro a porta, cautelosamente. Espio por entre a porta vejo que a luz da sala está
apagada, mas a da cozinha acesa. É assim que o papai costuma deixar quando vamos dormir.
Entro e tranco a porta, caminho passo a passo até o banheiro e consigo não fazer barulho.
Como diria a tia Laurinha: “Mais sorte do que juízo”.
Mas eu não posso ficar contando com a sorte.
Enquanto tiro minhas roupas molhadas, ligo o chuveiro para a água esquentar, ela demora
um pouco e embora a noite não esteja fria, eu prefiro tomar um banho quente. Entro no pequeno
box e pego o sabonete, faço bastante espuma na esponja e a esfrego pelo meu corpo. Estou
tentando não pensar nos lábios de Lucas contra a minha pele, nem da sua mão curiosa explorando
meu corpo. Também não quero pensar em como tive coragem de me enroscar nele daquela
maneira e o devorar com meus beijos famintos, isso provou não só a ele, mas a mim também, que
por mais que eu seja inexperiente, sou uma mulher e tenho minhas necessidades.
Ao me dar conta disso, eu paro de me esfregar e escoro-me na parede do chuveiro.
— Ah droga...
Não desmenti minha virgindade para ele.
Como posso fazer isso?
Lucas abriu seu coração para mim, revelou estar apaixonado e disposto a tentar algo sério
comigo. Isso me emociona e embora o medo de ser magoada ainda permeie meus pensamentos,
dei-lhe um voto de confiança. Ele me deseja ardentemente e isso ficou claro ao senti-lo, sem roupa,
na piscina esta noite. Deixei-me levar tão fácil, quase me esquecendo de tudo à minha volta. Foi
Lucas quem tomou as rédeas da situação, ele decidiu parar quando provavelmente eu não o teria
parado. Sequer pensei no porteiro da mansão, ou no meu pai e os de Lucas, ou qualquer outro
funcionário que pudesse circular por ali naquela hora e nos encontrar em uma situação bastante
comprometedora.
Como fomos descuidados! Mas principalmente, como eu fui descuidada!
Não posso cometer erros dessa magnitude, deixando a sorte guiar meu destino. Quero e vou
esperar por Lucas, seja lá o que ele tem em mente, tenho certeza que é para o nosso bem.
Acordo do meu transe e volto para o banho. Passo shampoo no cabelo e o esfrego, em
seguida enxáguo e aplico o condicionador, hidrato os fios e enxáguo novamente, faço minha
higiene íntima e desligo o chuveiro. Seco-me e enrolo-me na toalha de banho, mas antes de sair do
banheiro, certifico-me de colocar minhas roupas molhadas dentro do cesto, misturando-as com as
outras peças. Estou sendo paranoica, agora, mesmo que o momento crucial para ter agido deste
jeito tivesse passado.
Já em meu quarto, visto meu pijama e deito-me na cama com o cabelo molhado. Não quero
fazer barulho usando o secador. Abusar da sorte não é do meu feitio.
O sono demora a chegar, sinto-me eufórica. Passo em minha mente cada palavra, cada olhar,
cada beijo. É tão bom e ao mesmo tempo tão assustador.
Isso é o amor, afinal?
Quanto tempo uma pessoa leva para se apaixonar por alguém?
Apaixonar e amar são a mesma coisa?
Como saber que não estou caindo em uma armadilha da vida?
Eu posso superar uma desilusão?
Eu posso ter tido a sorte de encontrar o amor verdadeiro, logo na primeira tentativa?
Lucas pode realmente mudar, para ficar comigo?
Eu posso estar sendo ingênua... E essa não é uma interrogação, mas quase uma certeza.
Mil perguntas são elaboradas enquanto mantenho os olhos fechados e tento dormir. Viro-me
de um lado para o outro, alterno posições buscando a mais confortável para que meu corpo
desligue e adormeça até amanhecer, mas nada disso acontecer.
Sento-me na cama e passo as mãos pelo rosto, tentando afastar os pensamentos ruins. Sei
que estou com medo, pois é tudo tão novo para mim. Mas não tenho dúvidas, de que tomei a
decisão certa ao dar uma chance para a felicidade.
Ouço meu celular vibrando, embaixo do travesseiro. O pego e verifico. Trata-se de uma
mensagem de um número desconhecido.
Deve ser engano, ou a operadora fazendo algum marketing.
— Oh meu Deus! É ele!
Leio a mensagem umas dez vezes seguidas, para ter certeza que não estou tendo
alucinações.
>>> Não paro de pensar em seus beijos.
Sorrio e digito uma mensagem de volta.
Nora>>> Quem é?
>>> Você andou beijando mais alguém?
Se eu sorrir mais, é capaz do meu maxilar se deslocar.
Nora>>> Não!
>>> Então você sabe quem é.
Nora>>> Como conseguiu meu número?
>>> Na oficina, há alguns dias.
Uau, ele tinha meu número antes de nos entendermos...
Nora>>>Eu também não paro de pensar...
>>> De pensar no quê?
Nora>>> Em nós dois, na piscina.
>>> Você foi incrível.
Minha nossa! O que eu digo?
Nora>>>Você também.
>>> Da próxima vez que eu estiver nu...
Nora>>> O QUÊ?
>>> ... no mesmo ambiente que você...
Oh meu Deus!
>>>... não te deixarei ir embora. Ficará comigo a noite toda.
Eu preciso dizer a verdade a ele.
Digito a mensagem, mas desisto de enviá-la. Estava frente-a-frente com Lucas quando o
deixei acreditar que eu não era mais virgem, não seria adulto de minha parte contar a verdade
por mensagens de texto. Antes que eu conseguisse pensar em uma resposta adequada, meu celular
vibra com uma nova mensagem.
>>> Boa noite bruxinha. E não esqueça: Espere por mim!
>>> E sonhe comigo... pelado!
Lucas pode mudar seu jeito mulherengo de ser, para tentar um relacionamento sério comigo.
Mas se há algo nele que certamente não irá mudar é seu vocabulário sujo e mente maliciosa. Ele
definitivamente nasceu para o pecado e sexo, aparentemente, é o seu sobrenome. Mais cedo ou
mais tarde eu terei que contar a verdade. Ele vai ter que pegar leve comigo. Apesar de querer
muito estar com ele e me entregar, sei que ficarei nervosa na primeira vez.
Dou-lhe boa noite e guardo meu celular novamente, embaixo do travesseiro. Deito-me na
cama e fecho os olhos. Continuo sorrindo, deixei de lado as apreensões que estavam me
inquietando. Conversar com Lucas por mensagem me deixou mais tranquila sobre a escolha que fiz.
Eu só precisava ser honesta com ele, assim como ele foi comigo.
LUCAS
Desligo meu celular para não ceder à tentação de passar o restante da noite enviando
mensagens para Nora. Eu não quero me comportar como um adolescente bobo, apaixonado pela
primeira vez. Mesmo que nos últimos dias eu tenha me descontrolado e tornado obsessivo,
comportando-me como um garoto de fato, agora eu sinto que finalmente estou pensando com
clareza e preciso me manter assim.
Estou apaixonado. Dei-me conta disso e por mais que seja assustador, quero viver esse
momento. Porém, não pretendo agir no calor da emoção e somente mais tarde perceber que fui
impulsivo. Espero que essa semana passe rapidamente e que os dois meses que ficarei longe dela,
passe mais rápido ainda. Vai ser uma tortura? Sim! Mas estou ainda mais convicto de que essa
distância é necessária. É como se eu fosse um viciado e precisasse me desintoxicar da droga,
limpar meu organismo para tentar um recomeço livre da dependência. Mas Nora não é como uma
droga, eu não preciso me desintoxicar dela, nem recomeçar sem ela, pelo contrário, preciso me
manter distante para colocar meus sentimentos em ordem e voltar preparado para enfrentar o que
for preciso, provar a todos que o que sinto é real e não um capricho. Droga! Sei que é real, pois
algo tão intenso não pode ser fugaz. Vou encontrar o equilíbrio entre a paixão e a sanidade e
poderei tê-la por completo.
— Vai dar tudo certo, Lucas. Dê tempo ao tempo, cara... — murmuro para mim mesmo, antes
de cair no sono.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Acordo abruptamente, ao som de fortes batidas na porta do meu quarto. Abro os olhos e
sento-me na cama. As batidas persistem e agora consigo perceber a voz de minha mãe misturada
ao som das batidas.
— Lucas, querido. Acorde!
Levanto-me apressadamente e corro para abrir a porta, minha mãe parece bem, então por
que diabos ela está me acordando se não é uma emergência?
— Que horas são? — pergunto sonolento, coçando meus olhos preguiçosamente.
— Vá vestir uma roupa, menino! — ralha. — Isso é jeito de vir atender sua mãe?
Reviro os olhos.
Dona Isabella e seu recato!
— Mãe, eu estou de cueca no meu quarto, sozinho e com a porta trancada. E a senhora já me
viu pelado, afinal, quem me deu banho durante os meus primeiros anos?
Ela ri e me abraça.
— Você pode pegar um resfriado, querido — tenta se justificar.
Beijo seu cabelo e desfaço-me do abraço. Caminho até meu closet e pego uma calça de
moletom.
— Tenho certeza que não vou adoecer só porque abri a porta, seminu, mãe. Você é
protetora demais. — Visto minha calça e volto para o quarto. Encontro minha mãe sentada em
minha cama.
— Você não saiu ontem, por quê? — perguntou.
Franzi a testa.
Será que ela me viu com a Nora ontem?
Dei de ombros, tentando disfarçar o meu desconforto com a indagação dela.
— Eu não queria te deixar sozinha. Você sempre fica sensível quando o papai viaja e eu te
fiz companhia, lembra?
— Adorei cada segundo, filho.
— Já sabe o meu motivo, então...
Reparo que minha mãe está vestida elegantemente e maquiada, de uma maneira que não
costuma fazer quando pretende ficar em casa.
— A senhora vai a algum lugar? — questiono, sentando-me ao seu lado.
— Sim, foi por isso que te acordei. O seu celular está desligado? Tentei te ligar, mas você não
atendia então fiquei preocupada e resolvi te acordar.
— Quer que eu vá com você?
— Oh, não é preciso. Só vim lhe comunicar. Hoje é domingo e não há ninguém na mansão, dei
folga a todos os funcionários da casa, apenas o senhor Gerônimo está cuidando da portaria. Irei a
uma exposição de plantas ornamentais e Bento será meu acompanhante. Pretendo voltar depois do
almoço, então você está sozinho. A não ser que queira ir comigo, mas provavelmente Bárbara
estará lá, já que o evento tem o apoio da universidade.
Minha mãe sabe perfeitamente que procuro me manter longe de Bárbara, desde o nosso
rompimento. A maneira como terminamos não foi muito amigável, então eu prefiro evitar qualquer
transtorno desnecessário. Mesmo que tenhamos nos falado algumas vezes por telefone, não
descarto a possibilidade de Babi dar chilique em um encontro cara-a-cara. Ela ficou muito
magoada comigo quando descobriu minha traição, mas eu não a culpo.
— Certo, acho que ficarei em casa. Caio está noivo da Sabrina e agora que eles estão
grávidos, não se desgrudam mais. Acho que ele devia entender que ser pai não significa
necessariamente se tornar um gêmeo siamês da mãe de seu filho, mas ele está mais interessado em
compensar o tempo em que foi um babaca com ela.
Minha mãe ri e dá um tapinha em meu ombro.
— Caio está apaixonado, fico feliz por ele. Quem sabe um dia você descubra o que é isso?
Sorrio, mas dou de ombros. Ainda não estou preparado para conversar com minha mãe
sobre Nora.
— É, quem sabe um dia,
— Talvez encontre alguém, em sua temporada na Europa.
Suspiro, desanimadamente.
— Mãe, pare de bancar a casamenteira. A última vez que bancou a cupido, eu quase me
casei com a Bárbara. Ia ser o maior erro da minha vida.
— Não diga isso, querido. Eu só quero que seja feliz. Seu pai e eu não viveremos para
sempre, eu queria deixar você encaminhado antes de partir deste mundo.
Puxo minha mãe para um abraço e beijo seu cabelo.
— Você e o papai viverão muitos anos, e me ajudarão a criar os dez filhos que pretendo ter
um dia.
— Por Deus, Lucas! Dez filhos? — pergunta, chocada. — Espero que eles sejam de uma única
esposa. Não me decepcione.
— É claro que serão, dona Isabella. Por que acha que ainda não me casei? É difícil encontrar
uma pretendente que aceite ser mãe de dez crianças.
Ela ri, ainda abraçada a mim.
— Você pretende montar um time de futebol, ou algo assim? — pergunta, entrando na
brincadeira.
— Preciso de muitos herdeiros para gerenciar as oficinas.
— Você é um sedutor! — Desfizemo-nos do abraço. — Mas agora, falando sério, eu desejo
o melhor para você, Lucas. Espero estar viva para conhecer sua outra metade, aquela que
finalmente conquistará o seu amor e se tornará sua companheira para o resto da vida. Quero
para você o que eu e seu pai temos.
— Eu também quero, mãe. Não duvide disso.
Ela pestanejou, surpreendendo-se com minha resposta.
— Quem é você, e o que fez com meu filho galanteador?
— É mãe, acho que finalmente o seu bebê está se tornando um homenzinho.
Minha mãe se levanta e beija minha testa, antes de se encaminhar para o corredor.
— Já estava na hora — diz ela. — Eu tenho que ir, Bento está me esperando. Eu devo
retornar até às três da tarde.
— Divirta-se.
— Tchau.
Minha mãe se vai e deito-me novamente.
Penso na breve conversa que tivemos.
Desde quando me tornei um homem que sonha em se casar e ter dez filhos?
Capítulo 13
Nora acordou tarde naquela manhã de domingo, estranhamente seu pai não a chamou.
Verificou em seu celular o horário e constatou que se passavam das dez. Levantou-se
preguiçosamente e abriu o guarda roupa, escolheu um vestido floral — o mesmo que usara no dia
em que conheceu Lucas — e prendeu seu cabelo no habitual rabo de cavalo. Calçou os chinelos e
encaminhou-se para a cozinha.
Nem sinal de Bento.
— Pai? — Foi até o quarto do pai.
Chamou por ele mais duas vezes enquanto batia na porta. A casa estava silenciosa, então
Nora concluiu que ele devia estar na rua. Retornou para a cozinha decidida a preparar um bule
de café, ao reparar na garrafa térmica em cima da mesa, Nora avistou um pedaço de papel com
a caligrafia de seu pai.
Filha:
Fui à uma exposição de plantas ornamentais com a senhora Isabella.
Deixei comida preparada para você na geladeira. Tem café novinho na garrafa térmica.
Pensei em acordá-la, mas você parecia um anjinho dormindo.
Devo estar de volta pelas três horas da tarde, se passar deste horário, te ligo.

Nora dobrou o bilhete e o deixou em cima da mesa, preparou uma caneca com café e leite e
sentou-se na sala para assistir um pouco de televisão. Dormira tarde na noite anterior e o motivo
de sua insônia não saía de seus pensamentos desde que acordara. Não fazia ideia de como as
coisas seriam dali por diante, mas estava crente de que tudo daria certo. Tomou seu café
despreocupadamente e após terminá-lo, lavou a caneca e a guardou no armário. Lembrou-se das
roupas molhadas e resolveu lavá-las. Seu tênis também precisava de sol para secar. Nora se
entreteve com os afazeres domésticos, levando o cesto de roupa suja até a área na parte de trás
da casa, onde havia uma máquina de lavar roupas e um pequeno tanque. Por sorte, as roupas não
haviam mofado, ela as colocou na máquina, juntamente com os produtos de limpeza e ativou o
comando de lavagem. Enquanto a lavadora fazia seu trabalho, Nora foi pendurar os tênis no
varal.
— Esse vestido foi o causador de pensamentos muito sujos a seu respeito.
Ela deu um pulo, ao ouvir a voz de Lucas atrás de si. Deixou um dos tênis cair no chão, antes
de conseguir prendê-lo. Abaixou-se para pegá-lo e o pendurou ao lado de seu par.
— Caramba, você me deu um susto danado!
Virando-se, a garota fixou seu olhar no homem de sorriso safado.
Não levou muito tempo para Lucas se dar conta que Nora e ele estavam sozinhos na mansão.
O universo finalmente estava conspirando ao seu favor, ele aproveitaria todas as oportunidades
possíveis para se encontrar com ela, antes de sua viagem para a Alemanha. Vê-la usando aquele
vestido fez seu pau pulsar dentro da cueca. Ele estava tentando não se deixar levar pela luxúria,
querendo provar a si mesmo que os sentimentos que nutria pela garota, ultrapassavam a barreira
do sexo. Lucas desejava Nora com fúria, porém tinha certeza que não era apenas atração física.
Mas algumas reações não podiam ser controladas e seu pau tinha vontade própria quando se
tratava de Nora.
Ele deu dois passos à frente e ela não recuou.
— Perdão, não foi minha intenção assustá-la. O que está fazendo?
Ela deu de ombros.
— Estava colocando minhas roupas para lavar.
Lucas rompeu a distância entre os dois e puxou Nora pela cintura, prendendo-a ao seu
corpo.
— Que tal passar o restante da manhã comigo? — Lucas beijou-lhe a ponta do nariz.
A garota arqueou as sobrancelhas, desconfiada.
— Fazendo o quê? — indagou Nora.
— O que você quer fazer? — Seu sorriso era ainda mais malicioso.
Ela engoliu em seco.
— E-eu não sei.
— Por que você está gaguejando, Nora? — Lucas apertou-lhe um pouco mais a cintura.
— É que... — hesitou na resposta.
— Vamos lá, bruxinha — incentivou Lucas. — Temos que aprofundar a conexão entre nós,
então você não pode ter vergonha de me dizer o que está pensando.
Ela riu, sentindo-se encabulada.
— Não me leve a mal, Lucas. Mas as coisas que você fala, sempre pendem para um lado
sexual.
Lucas afastou a garota, com delicadeza. Fitou-a com seriedade e viu insegurança nos olhos
dela. Percebeu que seu jeito atrevido a intimidava, mas o fato era que ele estava acostumado com
mulheres mais velhas, ousadas e acostumadas a tomarem a iniciativa ou participarem do seu jogo
de sedução. Mas Nora era diferente, ela sentia-se intimidada com as insinuações dele. Era uma
mulher linda e com um corpo bastante atraente aos seus olhos, o seduzia sem fazer esforço algum,
mas não era ciente do poder que exercia sobre ele. Essa inocência era o que mais lhe cativava,
talvez o fizesse desejá-la com muito mais ímpeto. Fora por este motivo que Lucas aceitou a
sugestão de seu pai de ir para a Alemanha, queria provar a si mesmo e que poderia esperar.
Agora precisava provar a ela que estava realmente disposto a fazer isso.
Segurou o rosto da garota entre suas mãos.
— Eu gosto muito de você, Nora. Não apenas porque te acho bonita e gostosa, mas porque
algo em você tocou profundamente em mim. Não sei dar um nome ao que sinto, mas estou disposto
a descobrir o que é.
— Você disse que estava apaixonado por mim... — murmurou Nora, confusa.
— Eu estou muito apaixonado por você, mas não quero começar uma história movida por
paixão. Embora sinta que seja tarde demais, pois tudo começou com uma forte atração física. Mas
vou te provar que é mais que isso.
A garota tocou-lhe as mãos, que ainda seguravam seu rosto.
— Como?
— Eu te pedi que me esperasse, falei que o momento certo iria chegar. É assim que vou
provar para mim, e para você, que podemos dar certo.
Nora deu um passo para trás, se desfazendo do toque de Lucas.
— Você fala de uma maneira enigmática. Eu preciso saber o que está realmente
acontecendo, Lucas.
Ele sabia que o momento de contar a ela sobre a viagem havia chegado.
— Estou de viagem marcada para a Alemanha — revelou, sentindo sua garganta ficar seca.
Observou a reação de Nora, seus olhos se arregalaram em surpresa e sua boca se entreabriu
levemente, mas não emitiu som algum. Decidiu dizer tudo de uma vez. — Meu aniversário é no
próximo domingo, meu voo está agendado para a segunda-feira. Viajo no domingo à noite para a
capital, assim chego a tempo, no aeroporto.
Nora não conseguiu dizer nada, estava tentando absorver tudo o que Lucas lhe dizia, mas
ainda não assimilara o porquê aquela viagem influenciaria no relacionamento deles.
A não ser que...
— Quanto tempo você ficará fora? — perguntou ela, começando a entender tudo.
Lucas desviou o olhar.
— Dois meses — disse, sentindo sua voz falhar. Era um assunto delicado para ele, apesar de
já ter aceitado, ainda era difícil pensar que ficaria sessenta dias sem vê-la ou tocá-la.
— Oh...
— Na verdade — continuou Lucas. — Eu só retorno depois que você tiver completado a
maioridade legal.
— Por quê?
— Porque será um empecilho a menos para enfrentar.
— Empecilho? — Perguntou magoada.
Lucas estendeu a mão para Nora, o olhar suplicante para que ela segurasse. Nora olhou
para a mão de Lucas estendida em sua direção, mas hesitou aceitá-la.
— Venha comigo até minha casa, confie em mim, não há nenhuma intenção sexual por trás do
convite. Vamos conversar sobre a viagem e aproveitarmos para nos conhecer melhor, agora que
estabelecemos uma relação sem brigas e provocações. Deixe-me explicar a você o que preciso
fazer para que a gente dê certo como um casal.
As palavras de Lucas foram convincentes e serviu para acalentar Nora, a garota aceitou a
mão que lhe foi estendida e Lucas aproveitou para puxá-la novamente para perto, colando seu
corpo ao dela.
— Mas antes, eu quero um beijo... — disse ele, reivindicando a boca da garota para si.
Cada vez que se beijavam, a conexão entre eles se fortalecia. Nora sentia seu corpo
derreter e o coração aquecer dentro do peito. Estava vivenciando um dos momentos mais felizes
de sua vida, a descoberta do amor.
Lucas fechou os olhos e deixou-se levar pela sensação de estar no paraíso, ter Nora em seus
braços e ter o privilégio de saborear seus lábios, não somente o consumia de desejo, mais lhe
proporcionava uma espécie de êxtase divino. Como se finalmente fosse abençoado com um
sentimento raro e digno de sua dedicação e respeito. Sim, seu pau estava duro dentro das calças e
ele sentia uma necessidade enorme estar dentro dela, mas compreendeu que esse era o seu antigo
“eu” querendo se sobressair, a natureza lasciva de sua personalidade não entendia que as coisas
precisavam ser diferentes a partir de agora, pois antes do sexo, havia um laço emocional que o
ligava a ela. E por este motivo, afastou-se lentamente e interrompeu o beijo.
— Vamos ter o nosso primeiro encontro, Nora. Hoje eu serei um cavalheiro.
Ela sorriu para ele, e Lucas retribuiu o gesto. Adorava quando ela lhe olhava daquela
maneira. Como sentiria falta desses momentos, ainda era tão recente e enfrentaria uma longa
pausa.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Bento manobrou a caminhonete no estacionamento da universidade e desligou o carro,
aguardou a senhora Isabella estacionar na vaga ao lado, em seu Audi A1 Sportback prateado. Ele
aceitou acompanhá-la na exposição de plantas ornamentais, para juntos escolherem algumas
espécies para cultivar na mansão. Deixou um bilhete para Nora, avisando que retornaria pela
parte da tarde.
Desceu da caminhonete e acionou o alarme, caminhou até o Audi e abriu a porta para sua
patroa, em um gesto de cavalheirismo. A senhora havia insistido que viessem em carros separados,
queria que Bento transportasse as plantas que ela compraria. O senhor Alfredo geralmente
conduzia o carro, então para Isabella, dirigir quando tinha oportunidade era quase uma terapia.
— Obrigada querido, você como sempre muito gentil — cumprimentou Isabella, descendo do
carro.
— É uma honra, senhora.
Caminharam lado a lado até um dos ginásios da universidade. Algumas estufas foram
montadas, para abrigar as plantas sem danificá-las.
Não era a primeira vez de Bento em uma exposição como essa, ele havia acompanhado a
senhora Isabella em incontáveis eventos. Os dois compartilhavam a paixão pela botânica e para
ele não era incomodo algum, fazer companhia para sua patroa. Eram dois amigos compartilhando
um gosto em comum.
Bento nutria uma paixão particular pelas Orquídeas, a aparência sensível da planta escondia
a força de sua sobrevivência, plantas acostumadas com o calor e sobreviventes às altitudes
variadas, desde o nível do mar até as regiões mais altas, porém não devem ser expostas ao sol e
nem regadas em demasia. Era uma contradição o tempo todo. Forte e frágil em doses altamente
semelhantes. Ele adorava cultivá-las e possuía uma pequena coleção em sua casa. Ao avistar uma
estufa cheia de orquídeas, de todas as cores e tamanhos, Bento encarou a senhora Isabella, que
lhe sorriu, acompanhando-o até lá.
— Eu sabia que essa seria a sua primeira parada — observou a patroa, enquanto
apreciavam uma linda variedade de híbridas phalaenopsis. A espécie de origem asiática florescia
quase o ano inteiro, porém precisava de um ambiente onde a umidade do ar fosse mais alta. Bento
poderia mantê-la dentro de casa, na sombra, perto de outras plantas, assim sua chance de
florescer seria mais alta.
— Ainda não tenho uma dessas — explicou Bento, analisando a coloração das plantas. —
Acho que vou dar uma para a Nora. Ela gosta de plantas, assim como eu. Talvez eu deva ensiná-la
a cultivar orquídeas.
— Tenho certeza que ela irá adorar, sua menina é muito esperta e logo aprenderá a
manusear as plantas com a delicadeza que elas exigem. Filho de peixe, peixinho é. Você aprendeu
com o seu pai, nada mais justo que passe o conhecimento para a próxima geração.
Bento riu, fazia sentido o que Isabella dizia.
— Assim como Lucas herdou a paixão pelos motores automobilísticos — comentou com a
patroa. — É a quarta geração.
— Exatamente, querido.
Continuaram passeando entre os corredores, mas logo Isabella foi reconhecida e sua atenção
exigida por alguns amigos, deixando Bento à vontade para circular pelo evento. Parou na estufa
de bromélias e observou com atenção a infinidade de espécies.
— Olá, jardineiro — sussurrou a voz feminina em seu ouvido, deixando-o em alerta.
Bento virou-se, sem demonstrar surpresa ao encontrá-la.
— Olá, senhorita Bárbara.
— Nossa, quanta formalidade.
— Nós não somos amigos, só quis ser educado.
A mulher lhe dirigiu um sorriso sarcástico.
— Claro, claro. Eu tentei ser sua amiga, mas não deu certo.
Bento não conseguia entender onde Bárbara estava querendo chegar, com seu tom
provocativo.
— Você queria se divertir comigo, pelo que me lembro. — Bento decidiu entrar no jogo de
provocações para ver até onde ela iria. — Amizade não era o que você tinha em mente.
Ela riu, gostou de ver Bento descontraído. A tensão sexual entre eles era quase palpável,
quem os visse poderia não perceber, mas eles com certeza sabiam que estavam brincando com
fogo e pareciam não estar com medo de se queimarem.
— Nunca ouviu falar em amizade colorida? Amigos com benefícios? — Bárbara continuou.
Sentia-se ansiosa para saber até que ponto Bento teria coragem de avançar. Ela certamente
não tinha medo de ir até o fim. Já não estava irritada com ele pela grosseria do outro dia. E ao
vê-lo ali, naquela estufa, ela não conseguiu se segurar, aproximou-se o bastante para inalar o
perfume de água marinha que ele exalava. Foi o bastante para esvair qualquer mágoa ou raiva
que nutria por Bento, e trouxe à tona a atração inicial. Aquele homem tinha um quê de mistério, ela
gostava daquilo. Bento era lindo de uma maneira rústica, sedutor de um jeito rude, atraente de
forma perigosa. E ela o desejava como nunca havia desejado outro. Nem Lucas.
Bento ponderou a pergunta de Bárbara e hesitou antes de elaborar sua resposta. Observou-
a com atenção e seu olhar fixou-se quase que imediatamente em seu decote. Ela estava
maravilhosa como sempre, em um vestido longo de malha bali, na cor preta. Havia uma rachadura
estratégica do lado esquerdo, deixando parte de sua perna esguia à mostra. A pela clara de
Bárbara aparentava maciez, e Bento umedeceu os lábios e em seguida engoliu em seco. Estava se
excitando e não queria perder o controle. Não queria dar o braço a torcer para aquela patricinha
mimada. Quase caíra no seu jogo, mas não seria tolo o bastante. Ele sabia que para ela era tudo
diversão.
Mas, e para ele?
— Você parece estar em conflito, garotão. Está gostando do que vê?
Bento sentiu seu rosto ficar vermelho. Ela havia conseguido constrangê-lo com sua pergunta
descarada. Mas Bárbara estava certa, ele estava realmente em conflito. Ao mesmo tempo em que
não queria cair naquele jogo de sedução sem futuro, desejava-a com ardor. Queria sentir o gosto
de sua pele, a textura, o aroma, as reações ao seu toque. Ele não era o tipo de homem que
ignorava uma transa em potencial, mas nunca fez parte de um jogo como aquele. Não sabia que
consequências sua decisão traria. Mas de uma coisa Bento tinha certeza: ela era incrivelmente
perigosa, tanto quanto tentadora.
— Pensei que tivesse desistido da ideia. — Lembrou-se da conversa que tiveram.
Ela deu-lhe uma piscadela.
— Eu posso ter repensado minha decisão, mas não pense que vou implorar por você, Bento.
Hoje pode ser o seu dia de sorte, se você não for medroso, é claro.
Bento ficou sem reação diante da forma direta com que Bárbara deixou suas intenções às
claras. Ela o queria, mas não insistiria se ele recusasse. A escolha estava nas mãos dele.
Bárbara plantou sua sementinha na consciência de Bento, agora bastava ele tomar a decisão.
Acenou-lhe um tchau e deixou-o ali com as bromélias. Avistou um grupo de homens e aproximou-se
para cumprimentá-los, sim, ela queria que Bento lhe visse e sentisse ciúmes. Uma atitude infantil,
mas necessária para fazê-lo tomar sua decisão. Bárbara queria mostrar a Bento que ele não era
a única opção, que deveria se sentir privilegiado por ela estar tão interessada nele.
— Olá rapazes.
Sua voz melódica era atraente aos ouvidos masculinos, ela sabia como se comportar, como
seduzir sem demonstrar interesse. Com Bento Sampaio poderia não funcionar, mas sempre
funcionava com os outros.
Daniel aproximou-se e segurou Bárbara pela cintura, puxando-a para um beijo na bochecha,
que propositalmente por parte dele, alcançou o canto dos lábios da moça. Afastou-se e o olhar de
cobiça percorreu todo o corpo de Bárbara.
— Cada vez que eu vejo você, está ainda mais deliciosa, Babi — galanteou Daniel, sem
pudor algum.
Bárbara riu, por dentro sentindo asco, mas por fora demonstrando estar lisonjeada.
— Sempre tão sútil, Daniel.
Ele deu de ombros.
Wellington, o filho do delegado, e Felipe, um dos professores da universidade,
cumprimentaram Bárbara com respeito, apertando-lhe a mão e beijando-lhe a bochecha
rapidamente. Conversaram por alguns minutos, apenas o suficiente para ela tentar alguma reação
de Bento, porém, quando olhou na direção da estufa de bromélias, não o encontrou.
Sentiu-se decepcionada e após disfarçar alguns minutos, despediu-se dos três homens e
continuou circulando pelo ginásio, buscando sem que reparassem em sua ansiedade, o homem que
lhe despertara um súbito desejo.
Onde estaria Bento?
Passou-se mais de uma hora, nem sinal do jardineiro. Bárbara sentiu-se frustrada, tendo que
sorrir e conversar com muitas pessoas, seu pai, o reitor da universidade, não pudera comparecer
no evento e ela estava ali para representá-lo em nome da instituição. Não via a hora de poder
fugir alguns instantes para o seu escritório. Quando finalmente conseguira desvencilhar-se dos
diálogos, ela discretamente se retirou do ginásio e caminhou pelo campus, indo em direção ao
bloco administrativo. Ao chegar à sua sala, retirou a chave da bolsa de mão que carregava e a
colocou na fechadura.
— Eu posso fazer você implorar, duvida?
Arrepiou-se da cabeça aos pés, a voz sussurrada do homem que esteve desaparecido na
última hora, invadiu seus sentidos e causou-lhe umidade em sua calcinha.
— Onde você estava? — Bárbara não conseguiu evitar a pergunta.
— Sentiu a minha falta? — Bento pressionou seu corpo contra o dela, fazendo sua ereção
roçar contra a sua bunda.
— Talvez. — Pressionou sua testa contra a porta.
— Eu fui comprar camisinha.
Oh...
Ele havia se decidido, e ela não soube o que dizer.
Ficaram em silêncio, mas logo Bárbara recobrou os sentidos. Ela estava na porta de seu
escritório e podiam ser vistos naquela posição comprometedora. Abriu a porta e entrou
apressadamente, Bento acompanhou-lhe sem pedir licença. Não que fosse necessário, se ele não o
fizesse, ela certamente o teria puxado pelo colarinho da camisa.
Bárbara jogou o molho de chaves na direção de Bento e ele o agarrou no ar. Trancou a
porta do escritório e então se virou para ela. Sem dizer nada, começou a abrir os botões da
camisa, um por um, sem que seu olhar desviasse do dela. Ela ficou estática, no meio do escritório,
hipnotizada pelo atrevimento do jardineiro sexy que finalmente havia tomado uma decisão.
— Vamos esclarecer alguns pontos — disse ele, terminando de desabotoar a camisa. — Você
quer brincar comigo, tudo bem. Eu vou deixar. Vai ser bom para nós dois. — Tirou a camisa e a
jogou no chão, em seguida, desafivelou o cinto da calça, retirando-o lentamente. — Mas antes, sou
eu quem vai brincar um pouco. E quando você finalmente implorar, eu te como.
Jogando o cinto no chão, Bento se aproximou de Bárbara e a puxou pela cintura, com força,
sem dar-lhe chance de escapar. Não que ela quisesse, estava tão excitada e ainda absorvendo as
palavras que ele acabara de proferir. Jamais pensou que ele seria capaz de falar daquele jeito,
com aquele olhar atrevido, dominante, safado. Aquilo a surpreendeu e deixou-a ainda mais louca e
faminta por ele.
— Seu jardineiro arrogante — murmurou, provocando-o.
Ele sorriu e deu-lhe uma palmada na bunda, fazendo-a pular de surpresa.
— Sua patricinha mimada.
Em segundos estavam se devorando, a disputa de línguas explorando a boca um do outro
com fome e fúria. Bento ergueu Bárbara e a fez entrelaçar suas pernas em torno dele. Puxou o
vestido da moça para cima e ao jogá-lo no chão, com ajuda dela, soltou um gemido de prazer ao
ver os seios desnudos. Ela não usava sutiã e Bento não demorou em ter um de seus mamilos na
boca.
— Ai...
Enquanto chupava e dava suaves mordiscadas, alternando entre um seio e outro, Bárbara
mordia o pescoço de Bento, sugando-o com a mesma volúpia que ele a chupava. Ela queria
marcá-lo, sentiu a necessidade de deixar nele a lembrança do que estavam prestes a fazer. Sentiu
uma palmada forte em sua bunda e tentou afastá-lo, mas ele era mais forte que ela, conseguia
sustentá-la no colo ainda de pé, no meio do escritório.
— Você me bateu!
Ele riu.
— Pare de me morder, vai deixar marcas — revidou ele.
— Essa é a intenção.
— Tudo bem, se é o que deseja. Mas terá a palma da minha mão estampada na sua bunda
gostosa. — Dito isso, Bento deu-lhe outra palmada.
Não era forte o suficiente para deixar marca, na verdade, a sensação de leve ardência
causava em Bárbara um frisson delicioso. A mistura da dor e do prazer era inusitada, mas
totalmente bem-vinda.
Bento gostava de sexo, não o tinha sempre, pois era difícil encontrar alguém que tivesse
interesse apenas no ato, sem qualquer envolvimento emocional. Mas Bárbara o esteve provocando
e ele não era de ferro. Apesar do seu drama no passado, ao se envolver com uma mulher de
classe alta, sabia que a situação atual era diferente, eles estavam focados apenas no prazer
carnal, nada de sentimentos compartilhados. Se parasse para pensar, sequer gostava dela,
achava-a atraente, mas não uma pessoa agradável. Então, teve a certeza de que seu coração
estava seguro e poderia levar aquele jogo adiante, sem medo de se dar mal.
Beijou-a novamente e andou até uma poltrona de couro, no canto da sala. Colocou Bárbara
sentada e abriu suas pernas. Ela vestia apenas uma minúscula calcinha rosa, e ele sorriu ao
constatar que a umidade havia ultrapassado o tecido. Seu ego inflou, satisfeito por ver a prova de
que ela o desejava.
— Você está encharcada...
Bento fazia questão de desconcertá-la. Bárbara enrubesceu. Não havia se relacionado com
mais ninguém, desde que rompera o noivado com Lucas. Ninguém despertou o seu interesse, após a
decepção da descoberta de traição. Havia se fechado em uma bolha, até conhecer o jardineiro.
Mas não pensaria em Lucas nesse momento, já não o amava, porém, a expectativa de estar com
outro homem, depois de tanto tempo sem alguém, foi o que fizera se lembrar do ex. nada de
especial, disso ela tinha certeza.
— Você é um descarado!
Ele não revidou, ajoelhou-se diante dela e com pressa tirou sua calcinha. Bárbara não
protestou, estava fascinada por ele. Bento ainda vestia o jeans, mas sua ereção era visível. Ela
ansiava por vê-lo completamente nu, mas ele não demonstrava a menor intenção de se despir.
— Não vai tirar a calça?
Ele negou com a cabeça.
— Primeiro, vou brincar um pouco — sussurrou com a voz rouca.
Não levou muito tempo para Bárbara descobrir qual seria a brincadeira. Bento se aproximou
dela e quando ela pensou que seria beijada novamente, ele abaixou sua cabeça e afundou-se
entre suas pernas. Ela gritou quando sentiu a língua dele lhe invadir, acariciando seus pontos
sensíveis, sugando e beijando seus lábios vaginais, procurando o ponto erógeno que lhe
proporcionaria o ápice do prazer.
— Bento...
Ele apertou-lhe uma das coxas enquanto a outra mão trabalhava em seu clitóris. Bárbara
puxou-lhe o cabelo e remexeu as pernas, tentando encontrar o fim de sua agonia. Precisava do
orgasmo, estava sentindo-o se aproximar, mas percebeu que Bento a estava privando de atingi-lo.
— Por quê? — perguntou entre um gemido e outro. Ele a estava torturando, parando quando
ela estava cada vez mais perto de gozar.
— Você ainda não implorou... — revelou-lhe, com um sorriso vitorioso.
Bárbara queria bater nele, sentiu a fúria tomar conta, mas assim que Bento enterrou um dedo
dentro dela, fazendo movimentos estimulantes, Bárbara esqueceu qualquer raiva.
Ela só queria prazer, e se tivesse que implorar por isso, ela imploraria.
— Bento! — Gemeu, sentindo que estava perto novamente.
— Hummm.
— Por favor...
— Por favor, o quê?
— Me faça gozar!
Ele riu e tirou o dedo de dentro dela.
— Você não manda em mim...
— Eu imploro!
Ele riu.
— Música para os meus ouvidos...
— Cale a boca, Bento!
— Eu vou calar...
Quando Bento retomou as carícias, Bárbara deixou-se levar pelas sensações. A língua dele
devorava-a, e desta vez permitiu que ela atingisse o Nirvana. Sim, porque o orgasmo que Bento
Sampaio, o jardineiro, proporcionou a ela, foi transcendental. Gritou o nome dele e arqueou o
corpo, deleitando-se com cada espasmo.
Bento sentiu o controle esvair-se ao vê-la gozando, tão perfeita, em sua boca. Bárbara era
uma flor que havia acabado de desabrochar e ele fora o responsável pelo momento incrível. Ela
se abriu para ele, permitiu-lhe desfrutá-la e se derramou sobre ele. Aquilo quase foi suficiente
para que ele mesmo gozasse em sua calça.
Enquanto ela se recuperava, Bento levantou-se e abriu o zíper da calça, retirou a carteira do
bolso traseiro e tirou de dentro dela um preservativo. Jogou a carteira no chão e abaixou a calça
até o joelho, juntamente com a cueca. Seu pau estava a ponto de bala, precisava estar dentro de
Bárbara com urgência. Rasgou a embalagem e rapidamente envolveu a proteção de látex em seu
membro. Reparou na mulher à sua frente e sorriu ao constatar que ela ainda o desejava, mesmo
depois de ter se satisfeito.
— O que foi? Está gostando do que vê? — provocou-a.
Bárbara passou a língua pelos lábios e então se levantou aproximando seu corpo do dele.
— Muito.
Bárbara estava acostumada com o bom e o melhor, não queria comparar, mas um leve
nervosismo tomou conta dela, juntamente com a expectativa. Depois de Lucas, desejou que suas
próximas experiências fossem igualmente ou mais prazerosas. Por enquanto, Bento estava cobrindo
todas as expectativas.
Ele a pegou no colo novamente e ela envolveu os braços em torno do seu pescoço, tomando
os lábios dele para si. Bento a beijou com delicadeza por alguns instantes, virou-se e então se
aconchegou à poltrona onde ela esteve anteriormente. Bárbara queria fazê-lo implorar por ela,
mas não queria mais brincar. Sem dar tempo para novas provocações, ela se levantou apenas o
suficiente para ajeitar o pênis dele em sua entrada.
— Vem, devagarzinho — pediu ele.
Descendo lentamente, ela sentiu cada centímetro dele deslizar para dentro de si,
preenchendo-a por completo e trazendo-lhe novamente a sensação de prazer.
Aquilo era novo. Aquela sensação, a intimidade que compartilhavam. Isso era bom, era
desconhecido, mas incrivelmente perfeito. Gemeram em uníssono, um se acostumando com a invasão
do outro. Abraçaram-se forte e se entreolharam. A respiração pesada, uma energia
compartilhada.
— Babi...
Bento fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, apoiando-a na poltrona.
— Agora acelera — pediu novamente, segurando-a firmemente pelo quadril.
Enquanto Bárbara deslizava para dentro e para fora, Bento se deixava levar pela onda de
prazer que o ato estava lhe proporcionando. Ela era apertada, mas estava tão molhada e pronta
para ele. Era como se fossem duas peças de um quebra-cabeça, que se encaixavam com
perfeição.
Era só sexo. Sexo do bom.
Bom pra caralho.
Incrível.
Maravilhoso.
Perfeito.
Mas apenas sexo.
NORA
Estranhamente, nunca me imaginei tendo encontros com garotos. A verdade é que enquanto
eu estava no colégio interno, não mantinha uma rotina de adolescente, nutrindo paixonites e saindo
para encontros furtivos, toda aquela coisa clichê de filmes ou livros young adult. Foquei muito nos
estudos, em deixar meu pai orgulhoso e ter conhecimento e preparo para ingressar na faculdade,
de preferência com uma bolsa de estudos integral. Mas estando aqui no mundo real, vi que nem
sempre os planos que as pessoas traçam para suas vidas acontecem exatamente como elas
imaginavam. Não pensei que eu me apaixonaria de forma repentina, por uma pessoa improvável
e quase impossível. E agora estou aqui, sentada no mármore de um balcão de cozinha enquanto
observo não um garoto, mas um homem, preparando o almoço de domingo, tentando me
impressionar.
— Tem certeza que não precisa de ajuda? — Ofereço mais uma vez enquanto observo Lucas
lavando um ramo de alfaces frescas.
— Você é minha convidada especial.
Sorriu.
— Isso é fofo da sua parte, moço.
Ele termina de lavar e coloca as folhas em uma bacia plástica.
— A lasanha está quase no ponto, deve estar uma delícia, porque não fui eu quem preparou.
Então pode ficar tranquila, pois não há possibilidades de eu estragar uma simples salada de
alface.
— Tudo bem!
Desde que entramos na casa principal, Lucas não se afastou de mim. Conversamos enquanto
permanecemos abraçados, nos beijamos até que perdermos o fôlego e quando o clima
esquentava, ele se afastava, mantendo uma zona segura e respeitosa.
Confesso que me surpreendi com o autocontrole dele, e que também senti uma pontada de
decepção. Estar perto de Lucas me despertava sensações incríveis, o cheiro dele tão delicioso e
acolhedor, fazia-me querer prender meus braços em torno de seu pescoço e o abraçar forte,
aconchegar minha cabeça em seu ombro e inalar seu perfume até perder os sentidos. Meu
coração batendo contra seu peito e o calor de sua pele contra a minha, o seu abraço protetor, sua
mão curiosa, mas cautelosa, evitando explorar demais e me deixando com expectativas.
Fazia-me lembrar de que eu ainda omitia uma verdade e que não sabia como abordar o
assunto. Talvez o medo de o repelir, caso ele descubra que ainda sou inexperiente sexualmente.
Lucas ainda não me contou detalhes sobre a viagem para a Alemanha, mas isso me deixou
ainda mais receosa. Se ele irá se afastar até que eu atinja a maioridade é porque quer ser
correto comigo. As convenções sociais nos impedem de assumirmos um relacionamento agora,
principalmente por nos conhecermos a pouquíssimo tempo. E mesmo que eu o deseje loucamente,
não posso me entregar de bandeja. Nós acabamos de nos acertar, nos conhecemos há menos de
um mês. Tenho medo de me precipitar, embora meu corpo clame pelo dele.
A primeira vez de uma garota deve ser especial, não é?
Admiro a intenção de Lucas provar seu valor, e por isso compreendo a decisão de se manter
longe. A saudade irá gritar mais alto, principalmente porque temos pouco tempo para estarmos
juntos e ainda em segredo. Mas tenho fé de que há males que vem para o bem, como minha tia
Laurinha costuma dizer. Esse distanciamento servirá para nos pôr à prova e nos dar a certeza de
que nosso sentimento é verdadeiro, que podemos superar isso e muito mais.
— Terra chamando Nora!
Pisco os olhos rapidamente, despertando-me dos pensamentos. Lucas está organizando a
mesa para o almoço.
— Desculpe-me. Por um momento eu acho que me desliguei — argumento.
— Sobre o que você estava pensando?
Dou de ombros.
— Sobre a sua viagem para a Alemanha.
Seu semblante tornou-se inexpressivo.
— Eu não quero falar sobre isso agora. Depois do almoço, ok? Estou tentando ser gentil, fofo,
ou qualquer coisa que um homem tenta ser durante um encontro, menos um tarado.
Pulo do balcão e aproximo-me dele. Estou mais confiante agora, já o sinto meu e gosto de
estar perto de dele. Eu mesma tomo a iniciativa e o puxo para um beijo. Ele me abraça e
aprofunda o ato, invadindo minha boca com sua língua exploradora e apertando-me contra si,
como se quisesse nos fundir em um só ser. Quando finalmente nos afastamos, sorrio para ele e me
afasto, vou até uma das cadeiras e sento-me para aguardar o almoço ser servido. Apoio meus
cotovelos na mesa e recosto meu rosto em minhas mãos, Lucas continua parado, me observando.
Dou uma piscadela para ele, tentando jogar charme ou qualquer coisa do tipo.
— Eu gosto do Lucas tarado — provoco. — Mas o Lucas fofo também está me
surpreendendo.
Ele me encara com os olhos semicerrados.
— É só o começo, bruxinha. Aos poucos eu vou te revelando todas as faces que posso ter. É
uma melhor que a outra, pode apostar.
LUCAS
Essa garota está acabando comigo.
Não me reconheço mais.
Passamos uma manhã agradável, como dois namorados. Quando namorava a Babi eu não
costumava passar muito tempo livre com ela, então estar com a Nora é algo novo, mesmo que eu
não seja um garoto. Mas o que mais me surpreende é o quanto ela parece uma mulher.
A ingenuidade faz parte do pacote, Nora é tímida e na maioria das vezes fica com o rosto
avermelhado. Acho graça, mas é algo tão bonito. Mesmo assim, ela é madura e tem uma postura
tão adulta quanto uma mulher da minha idade. Eu pelo contrário, muitas vezes ajo com
infantilidade. Mas isso faz parte da minha personalidade, do estilo de vida cujo estou acostumado
a levar. Sou mimado, sempre consigo o que quero de um jeito ou de outro, e esse tipo de coisa
mexe com o ego de uma pessoa, com o meu certamente mexeu.
Agora não consigo entender como de uma hora para a outra, tornei-me o cara que fica em
casa num domingo, deitado no sofá, abraçado de conchinha com uma garota, assistindo filme na
televisão. Filme de mulherzinha.
Que porra esse tal de Nicholas Sparks tem na cabeça?
Nora parecia um bebê chorão enquanto o Ryan Gosling e a gostosa da Rachel McAdams
passavam por poucas e boas em Diários de Uma Paixão. Sério, como vocês mulheres podem gostar
de algo assim? É gostar de sofrer! Nunca mais assistirei a um filme desses novamente, eu já fiz o
meu sacrifício. Nenhum homem deveria passar por isso. Por que somos nós a aceitar o filme que as
mulheres escolhem? Hoje foi para agradar a bruxinha, mas se eu tiver que fazer isso novamente,
podem apostar que será algo com muita velocidade e ação, talvez sangue. Pode ser que eu a leve
no cinema, algum dia.
Que patético.
Daniel se envergonharia de mim se me visse agora. O Caio talvez ficaria orgulhoso, ele está
numa fase apaixonada e deve querer a mesma coisa para mim, principalmente levando em conta
que Sabrina e Nora estão se tornando amigas.
Veja eu aqui de novo, pensando em encontros de casais — e não estou me referindo a swing
— e programas de índio. Só pode ter sido bruxaria.
Nora está dormindo em meus braços. Estamos estirados no sofá de minha casa, o filme
acabou — Deus é Pai — e desliguei a televisão. Faz alguns minutos que estou aqui, olhando para
ela e pensando em como a vida pode pregar peças nas pessoas, em mim. Em circunstâncias
normais, estaria dormindo, de ressaca pela farra na noite anterior. Ou no flat, transando com
alguma desconhecida. Talvez em uma festa na beira da piscina, organizada por um de meus
amigos figurões.
Ah! Tenho que esclarecer, posso ser um tarado, safado ou seja lá como vocês mulheres
preferem chamar um homem, que curte o sexo como uma atividade física e ao mesmo tempo de
lazer. Mas não sou estúpido, nem descuidado. Uso proteção e faço exames regularmente, sou um
homem saudável e preocupado com o bem-estar do meu pau — e meu corpo —. Tá legal? Por isso
fiquei surpreso ao descobrir sobre a gravidez da Sabrina. Ela e o Caio foram descuidados, se
envolviam com outras pessoas e não usavam proteção quando estavam juntos. Por sorte, aqueles
dois se amam. Um bebê não é algo que possa ser descartado, trata-se de uma vida. Não sei o que
faria se acontecesse comigo.
Talvez seja por isso que eu tenha mudado um pouco, aconteceu muito coisa nesse curto espaço
de tempo. Ainda sou o mesmo Lucas, mas cheguei a uma conclusão: preciso pegar leve.
Tenho praticamente vinte e nove anos, um trabalho que amo, pais que me adoram e apoiam o
bastante para que eu ainda não consiga criar asas e sair de casa, companheiros de festas para
os momentos de diversão, amigos que entendem o meu estilo de vida, mulheres que gostam do jeito
que sou. Reclamar da vida, para quê?
Mas então, surgem novas incertezas.
Nunca pensei em um futuro mais distante, a velhice dos meus pais, minha responsabilidade
com os negócios, estabilidade emocional, possibilidade de constituir família.
Nada de planos, apenas curtindo a vida no agora.
O que mudou?
Acho que tudo, ou quase tudo.
Para começar, essa menina em meus braços.
Ela surgiu do nada, mas entrou com tudo.
Nora foi tipo um soco no estômago, dado sem que você perceba a intenção do agressor.
Eu sei que vocês se “amarram” nas minhas analogias. Talvez um dia eu escreva um livro
usando-as para aconselhamentos pessoais. Lucas Marinho, o guru. Quem seria Augusto Cury perto
de mim?
É, estou divagando há não sei quanto tempo.
Querem saber por que, exatamente?
Nora está tão perto. Nossos corpos produzindo calor, mas devidamente vestidos. Estou usando
uma almofada para cobrir minha ereção e ouvindo a voz do anjinho no meu ombro direito,
aconselhando-me a ser o príncipe encantado, enquanto o diabinho em meu ombro esquerdo
sussurra-me provocativamente, tentando-me a agir como o lobo mau.
Eu, particularmente prefiro o lobo mau. E vocês?
O lobo mau é muito mais legal, mais divertido, mais faminto.
Mas no final das histórias, com quem a mocinha fica?
O maldito príncipe encantado.
— O que eu não faço por você, hein? — Sussurro, enquanto ela se aconchega para mais perto de
mim.
BÁRBARA
Definitivamente, o melhor sexo da minha vida.
Nunca mais verei Bento Sampaio como antes. Recatado, bruto, sempre na defensiva. Ele ainda
é assim, mas agora conheço o seu melhor lado. Sensacional.
Depois de me fazer implorar, deixei-me levar pela delícia de estar sob o seu domínio.
Cavalgá-lo em uma poltrona do meu escritório, foi insano. A fantasia mais louca. Sou muito focada
no trabalho, priorizo minhas responsabilidades, porém, deixar tudo de lado por algumas horas foi
arrebatador. Nós nos perdemos um no outro, deixando as diferenças do lado de fora e
experimentamos posições, velocidades e intensidades que nosso corpo permitiu. Batizei com sexo
cada canto deste escritório.
E então, depois de exaustos, Bento se vestiu e foi embora. E aqui estou eu, um trapo de
mulher. Cabelo desgrenhado, maquiagem borrada, lábios inchados de tanto beijá-lo e chupá-lo...
Acho que a falta de sexo recente me fez querer realizar com Bento, todas as minhas
curiosidades eróticas. Mas eu sabia que seria uma única vez, então aproveitei cada segundo.
Por fim, consegui o que tanto queria desde que coloquei meus olhos sobre ele. Uma boa
transa. Mas enganei-me quando pensei que ele seria meu brinquedo. Já entendi que com Bento
Sampaio não se brinca. Ele pode ser um exemplo de pai, um homem pacato e solitário, mas não um
santo que merece ser canonizado. Bento também é pecado e eu adorei cada segundo da minha
perdição.
Talvez eu não me importe de ter que implorar novamente...
BENTO
Termino de colocar o último vaso de planta na carroceria da caminhonete e cubro-a com um
tecido leve, para não sufocá-las. Estou cheirando a sexo e não sei se é porque estou consciente do
que fiz com Bárbara naquele escritório, ou porque realmente é possível que alguém perceba algo.
Preciso chegar em casa rápido e estou rezando para que Nora não repare em mim, talvez ela
esteja em seu quarto e eu consiga ir direto para o banheiro.
Não é como se estivesse escrito em minha testa que acabei de fazer o sexo mais louco da
minha vida, mas seria impossível que não tivesse ficado nenhuma evidência da minha aventura.
Aquela patricinha mimada mordeu meu pescoço e ombro, por sorte a gola da minha camisa
disfarçou bem. Pena que ela não pode sair por aí mostrando a bunda, pois as palmadas que dei
nela também deixaram marcas. Acho que nunca fui tão bruto no sexo, mas seria hipócrita de minha
parte dizer que não gostei do que fiz. Bárbara pensou que iria brincar comigo, que eu me
deslumbraria porque uma dama fina como ela estava interessada em um simples jardineiro. Ela me
provocou e eu revidei a altura. Jamais me deixaria dominar por uma mulher como ela, que acha
que por ter dinheiro pode usar as pessoas para seu bel prazer. Sim, é deste jeito que eu a vejo. O
sexo não mudou nada.
Com Adelina eu fazia amor, era romântico, delicado, apaixonado. Fui o primeiro homem na
vida dela e ela minha primeira mulher. Seria a única, se não tivesse me abandonado. Eu a amei
com todas as forças do meu coração, superei o preconceito que sofria por ser pobre e ignorava as
provocações dos nossos colegas, ou as inúmeras vezes que os pais dela ou alguém de seu nível
social e econômico tentava me diminuir por ser o filho do jardineiro e bolsista na universidade. Ela
era tudo para mim e eu tentei ser o melhor para ela. Quando Nora nasceu, acreditei que minha
felicidade estava plena, a mulher que eu amava tinha me dado uma filha linda e saudável, mesmo
que não tivéssemos planejado, a benção foi aceita de bom grado, embora os pais dela e a
própria Adelina tivessem vergonha de assumir a gravidez em público. Eu estava fazendo planos
para vivermos juntos, compraria um anel de noivado e a tornaria minha esposa, como mandava o
figurino. Jamais pensei que sofreria um golpe do destino, Adelina foi embora e deixou-me sozinho
com nossa filha, não se sentia preparada para a maternidade e jogou sobre mim a
responsabilidade de cuidar sozinho de um bebê. Eu, o garoto pobre, filho do jardineiro, o bolsista
da faculdade. Como sustentaria uma criança recém-nascida? Com condições financeiras para dar
à Nora uma vida de princesa, os pais de Adelina também se recusavam a aceitar a neta na
família, foram embora da cidade e nunca retornaram para conhecê-la. Depois de sofrer esta
grande decepção, minha vida tomou um rumo diferente e amor de verdade, somente o que eu
sentia pela minha filha.
Nenhuma mulher conseguiu ser especial, depois de Adelina. Não porque ela significa alguma
coisa, mas porque me destruiu por dentro, fez com que eu não conseguisse confiar em ninguém
mais. Nora é a única para quem eu me doo por inteiro. Desisti do amor de homem, desisti de
encontrar uma companheira. O único amor que eu sinto por uma mulher, é o paterno, pela minha
filha, e o fraterno, pela minha irmã.
Envolver-me com mulheres sem manter um compromisso ao longo desses anos foi fácil,
nenhuma delas mexeram comigo. Atração física, necessidade masculina, sim. Mas sentimentos?
Nenhuma delas.
Eu não sei o que aconteceu naquele escritório, mas foi diferente de tudo o que já vivi com
uma mulher. Se isso é bom ou é ruim, não sei distinguir. Mas não quero perder tempo pensando
nisso, foi ótimo, mas não irá se repetir. Mulheres como Bárbara não se envolvem com homens como
eu. Existe uma ponte gigantesca que separa o meu mundo do dela, e não pretendo me arriscar a
atravessá-la. Também não permitirei que ela tente, pois se Bárbara gostou de brincar, que encontre
outro brinquedo.
Capítulo 14
Eles estavam brincando um pouco com a sorte, mas aparentemente a sorte estava ao lado
deles. Lucas e Nora passaram um tempo agradável juntos, conversando e se conhecendo melhor.
Ela contou sua história familiar, o drama de ter sido abandonada pela mãe. Ele falou sobre a
paixão pela velocidade e os motores de carros. Nora compartilhou seu gosto por livros e filmes
românticos, Lucas segurou o riso, mas não conseguiu, ela ficou chateada e ele a puxou para um
abraço e a beijou. Ela deixou-se levar pelo carinho dele e o perdoou. Ele não falou sobre as
inúmeras mulheres, as noites regadas a muita bebida e sexo e nem sobre o relacionamento com
Bárbara. Ela não falou que mentira sobre a questão da virgindade, pois não tinha coragem de
abordar o assunto delicado.
Havia pouca semelhança, mas muita vontade de ficar perto. Ele conhecia o mundo, ela estava
começando a conhecer a vida. Aos olhos de todos, podiam ser improváveis, um fracasso amoroso
em potencial, um desastre do destino que gosta de brincar com o coração dos apaixonados. Mas
juntos, sem saber, eram uma força da natureza e estavam muito próximos de devastarem todos os
preconceitos e convenções impostas pela sociedade. Tudo o que precisava ser feito era confiar um
no outro.
Despediram-se quando no relógio marcava duas horas da tarde. Nora foi para a casa e
trancou-se no quarto. Tivera uma conversa séria com Lucas a respeito da viagem à Alemanha. Ele
revelou que seu pai estava sabendo dos seus sentimentos e o fez perceber que uma distância era
temporariamente necessária, ao menos até que ela completasse a maioridade legal. Nora relutou
inicialmente, mas aceitou. Não entendia o porquê se afastar, agora que estavam se conhecendo se
dando bem. Porém o homem por quem estava apaixonada sentia-se inseguro sobre conseguir o
apoio dos pais, e do próprio Bento, quando decidisse assumir um relacionamento sério com ela. E
era o que Lucas tinha em mente. Namoro, fidelidade, companheirismo. Sentia-se atraído demais e
tinha medo de se precipitar, pela primeira vez, queria fazer tudo corretamente, como exigia o
figurino. Por fim, depois de um debate de argumentos, ambos entraram em comum acordo: ele iria,
ela o esperaria. Quando retornasse, reuniriam seus pais em um jantar e contariam sobre o
relacionamento. Durante o período de exílio — como Lucas preferia chamar —, manteriam contato
através do aplicativo de mensagens do celular. Fariam funcionar e provariam a si mesmos, antes de
qualquer outra pessoa, que eram capazes de fazer dar certo.
Como havia dado sua palavra para Eulália, Nora foi para o Alcapone’s no horário
combinado. Conversara com o pai, antes de sair de casa, sobre desistir da ideia de ter dois
empregos. Bento ficou feliz e aparentemente aliviado por ela ter mudado de ideia. Antes de iniciar
o expediente, Nora comunicou a mãe de Sabrina para que ela disponibilizasse a vaga à outra
pessoa, mas que continuaria ali até que ela encontrasse uma substituta, Eulália a compreendeu e
pediu-lhe que ficasse para o próximo fim de semana, pois fecharia o bar no sábado para uma
festa particular.
O aniversário de vinte e nove anos, de Lucas.
Resolvido os pormenores, a garota assumiu o posto atrás do balcão, logo o estabelecimento
começou a encher de clientes e o clima amistoso pairou por ali. Música, conversas animadas,
bebidas, jogos, danças. Havia um pouco de tudo, todos se conheciam e se respeitavam.
Nora nem percebeu quando Sabrina chegou, viu a amiga sentada em uma banqueta ao lado
de fora do balcão e tomou um leve susto.
— Ei, não te vi chegar. Como estão as coisas?
Sabrina sorriu para a amiga, parecia que não se viam há séculos. Mas hipérbole à parte, ela
estava preocupada com Nora.
— Muito bem, na verdade. Caio não sai lá de casa, está um grude. Mas eu gosto de ser
mimada e ter a atenção só para mim.
— É tão bom te ver assim.
Sabrina desceu da banqueta e dirigiu-se para a parte de dentro do balcão, ao se aproximar
de Nora, olhou diretamente nos olhos da garota, tentando buscar a verdade em sua resposta.
— Você está diferente hoje, o que aconteceu? — indagou, analisando cada linha de
expressão de Nora.
Nora tentou conter o sorriso, mas mesmo que timidamente, ele se revelou em seus lábios.
— Estou apaixonada.
Sabrina pestanejou.
— Por quem? — Ela já sabia a resposta.
Nora não hesitou.
— Lucas — sussurrou quase inaudível.
Alguns clientes se aproximaram do balcão para fechar a conta, Sabrina se afastou para que
Nora fizesse o atendimento e assim que a amiga desocupou, ela tornou a se aproximar.
— Aconteceu alguma coisa entre vocês, depois do que conversamos na sexta-feira?
Nora ponderou sobre contar ou não a amiga tudo o que acontecera na noite anterior.
Parecia tão errado compartilhar com alguém o momento decisivo entre ela e Lucas. Não, ela não
macularia aquela lembrança. Dispensaria os conselhos de Sabrina desta vez, ouviria o seu coração
e somente ele.
— O que está insinuando, Sabrina? — Decidiu virar o jogo.
— Nada! — respondeu na defensiva. — Só que... Ah, deixa pra lá!
Nora não gostou do jeito que Sabrina desconversou.
— Pode ir falando — exigiu.
— Sábado que vem é aniversário do Lucas, eu comentei isso com você. O aniversário é
domingo, mas a festa aqui no Alcapone’s é antes.
Nora deu de ombros.
— Ah sim, sua mãe pediu que eu viesse ajudar. Será meu último fim de semana aqui, desisti
de ter dois empregos.
— Por quê? — Pestanejou.
— Sei que o papai não gostou, mas não quis podar minhas asas imaginárias. Ele tem me
dado autonomia para tomar minhas decisões, mas acho que exagerei querendo arrecadar dinheiro
para os estudos, de todo o jeito possível. Então eu o deixarei participar como ele planejou.
Também ocultara que fora por incentivo de Lucas que tomara a decisão de não trabalhar a
noite. Ele a fizera abrir os olhos e perceber que mesmo sem intenção, estava magoando seu pai,
fazendo-o sentir-se incapaz.
Mais clientes surgiram para fechar a conta.
— Retomando o assunto. — Sabrina aproximou-se novamente quando Nora estava livre. —
Não quero encher sua cabecinha de minhocas, mas as festas de aniversário do Lucas não são
exatamente regadas a bolo e refrigerante.
Nora sentiu um nó na garganta. Sabia que Sabrina não estava mal-intencionada, que se
preocupava com ela. Por que a amiga estava dizendo aquilo?
— Eu só quero que esteja preparada caso aconteça alguma coisa que lhe desagrade.
— Que tipo de coisa?
— Mulheres, bebidas, as besteiras que ele consegue dizer da boca para fora, para se
enaltecer perante os amigos riquinhos, mimados e descaradamente cafajestes.
O coração de Nora pareceu se encolher dentro do peito, como se ele fosse uma bola de
papel e alguém o tivesse amassando para jogar fora. Aquele a quem Sabrina acabara de
descrever era o mesmo homem que preparou almoço, assistiu romance e a acolheu nos braços
enquanto ela dormia no sofá de sua casa. A amiga estava lhe alertando sobre o Lucas que ela
conhecia há anos, deixando-a insegura sobre o Lucas que acabara de conhecer, aquele que na
noite anterior declarou-se apaixonado por ela. O medo assolou-a e sentiu as lágrimas se
apoderarem de seus olhos.
— Por favor, não chore — implorou Sabrina, olhando por sobre o ombro de Nora, que
estava de costas para o balcão. — Não agora, pelo menos.
Mas ela não conseguia esconder sua angústia.
— Boa noite, senhoritas! — A voz de Caio era amistosa.
Nora virou-se para cumprimentar Caio, mas seus olhos arregalaram ao ver Lucas do lado de
seu amigo. Ele sorria para ela, mas ao perceber suas feições entristecidas, ficou sério
instantaneamente.
Foi à gota d’água para que ela perdesse a compostura.
— Sabrina, pode cuidar do caixa um instante? Eu já volto!
Engolindo o choro, Nora não esperou a resposta de sua amiga, apressou o passo e não olhou
para Lucas quando passou por ele, fugindo em direção à sala dos funcionários.
— Mas que porra foi essa? — perguntou Caio, revezando o olhar entre Lucas e Sabrina.
Lucas fulminou Sabrina com o olhar.
Algo não estava bem. Queria saber o que havia acontecido para que Nora se comportasse
daquela maneira, antes de ir atrás dela e tentar confortá-la.
— O que disse àcela, Sabrina? — perguntou, sem fazer questão de entonar simpatia.
A agora noiva de seu melhor amigo assumiu uma postura desafiadora e o encarou com o
mesmo olhar intimidante que ele dirigia a ela. Sabrina também era osso duro de roer, ponderou
Lucas. A garota estava claramente preparada para defender a si e sua amiga.
— Eu disse a verdade, que ela devia estar preparada para o seu aniversário. Pois suas
festas não são famosas pelo recato.
Lucas sentiu o sangue subir à cabeça.
— Que porra eu fiz, para você se tornar a minha relações públicas do inferno?
Caio segurou o braço de Lucas com força.
— Não grite com a minha mulher! — sibilou.
Lucas riu, sarcástico.
— Vocês são patéticos — cuspiu as palavras ácidas. — Há menos de um mês eu estava
dando carona para ela, em troca de boquete — sussurrou raivosamente. Por sorte a música e a
conversa ao redor, não permitia que os outros ouvissem. — Seu babaca! Você estava ocupado
demais comendo outra e não dava a mínima, para o jeito como eu ou qualquer outro tratava a
Sabrina.
Caio não acreditou no que acabara de ouvir do seu melhor amigo, estava a ponto de socar a
cara de Lucas, mas o amigo continuou despejando as palavras contra ele e sua noiva.
— Não venha para cima de mim com essa merda, Sabrina — vociferou entredentes,
mantendo a voz fria e a mais silenciosa possível. — Se o Caio mudou por você e você por ele, por
que eu não posso mudar também?
— Eu não... — ela tentou argumentar.
Mas Lucas não permitiu. Era a vez de ele deixar claro que não iria aceitar ninguém se
metendo no relacionamento dele com Nora.
— Pare de pensar que vou agir com a Nora, do mesmo jeito que o Caio agiu com você. Ao
contrário dele, percebi a tempo o quanto gosto daquela garota. — Puxou o braço das mãos de
Caio, que o encarava chocado, e apontou o dedo na direção de Sabrina. — Eu não irei magoá-la
ou fazer qualquer coisa que incite Nora a se tornar uma vadiazinha. Coloca isso na sua cabeça, eu
não sou o Caio e a Nora não é você.
Lucas não esperou uma reação de nenhum dos dois, deixou-os estáticos ali e foi para os
fundos do bar, aonde se localizava os banheiros e a sala restrita aos funcionários. Instintivamente
entrou sem bater, sentindo que a garota estaria ali dentro. E acertou. Nora estava sentada no
banco de madeira escorado em uma parede, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos
cobrindo seu rosto, com a cabeça abaixada.
Ela estava chorando baixinho.
Ah, merda...
Vê-la tão vulnerável fez Lucas sentir uma agonia estranha em seu peito. Trancou a porta com
a chave e foi até ela. Abaixou-se o suficiente para segurá-la nos braços e levantá-la, pegando-a
de surpresa. Nora fitou-o assustada, mas ele não a soltou.
— Depois de ontem, do que conversamos. Vai sentar aqui e chorar, só porque uma ex
periguete te falou do meu passado?
Sua voz era firme, mas ao mesmo tempo suave. Lucas não queria brigar, mas precisava que
Nora compreendesse que ele não iria decepcioná-la. Entendia que, pelo fato dela ser jovem e
inexperiente, a insegurança feminina ainda sobressaia a autoestima.
Nora suspirou, sentiu-se constrangida por ter sido flagrada chorando. Secou as lágrimas com
as costas das mãos e tentou reerguer-se emocionalmente. Lucas estava certo, o que Sabrina disse
sobre ele estava relacionado ao passado. Eles viviam o presente, planejavam um futuro.
Tentou sorrir, mas não obteve sucesso. De todo o modo, negou com a cabeça.
— Não o quê, Nora?
— Não vou mais chorar, não vou ligar para o seu passado. Eu não estava nele.
Lucas sorriu satisfeito. Aquela era sua garota durona voltando ao posto.
— Eu, você. Daqui pra frente, sem olhar para trás — disse à ela, com convicção.
— Tá.
Ele sentou no banco e puxou-a para seu colo.
— Haverá mulheres na minha festa, meus amigos, algumas poucas amigas. Terá bebida,
música. Pessoas fazendo coisas que talvez você não esteja acostumada a assistir, fora da televisão.
Mas não será nenhuma orgia. A Eulália jamais permitiria que eu fizesse algo assim no seu bar.
— Mas você já fez, em outros lugares. — Não foi uma pergunta.
— Você quer uma confirmação?
Ela negou com a cabeça.
— Boa garota.
— Desculpe, eu agi como uma menininha chorona.
Ele não pode deixar de sorrir.
— Você é uma menininha — sussurrou. Sua voz denotando excitação.
Nora percebeu quando o olhar de Lucas tornou-se mais sombrio, as pupilas dilatando-se, o
olhar de desejo que ela havia acostumado a presenciar, fitando-a com adoração.
Lucas segurou a mão direita dela, roçando o polegar insistentemente no centro da palma.
Umedeceu os lábios com a língua e sorriu para ela. Daquele jeito.
— No meu aniversário, quando você me encontrar rodeado por aquelas mulheres, porque eu
não vou mentir, elas estarão em cima. Tenha em mente que nenhuma delas tem a capacidade que
você possuiu de forma natural, de me deixar assim...
Para que Nora entendesse o que ele estava querendo dizer, Lucas levou a mão dela para o
meio de suas pernas, onde a protuberância em seu jeans era mais do que evidente. E então ele
pressionou a mão dela ali, fazendo com que Nora sentisse através do tato como o deixava
excitado, sem sequer fazer algo para incitá-lo.
— Oh...
Sua respiração tornou-se pesada e ela engoliu em seco. Foi impossível não olhar para onde
sua mão estava. Mal podia acreditar que estava tocando um homem... Ali.
Oh céus! Bem ali!
— Desde que te conheci, mesmo quando não estamos assim tão perto, em meus pensamentos
mais sujos. É você que me desperta desta maneira.
Ela mordeu o lábio inferior e tentou controlar a respiração. Seus olhares se encontraram e
Lucas foi aproximando seu rosto do dela, a ponto de suas bocas roçarem suavemente.
— Aperte, sinta. É seu, Nora. É todinho seu.
E despindo-se de qualquer pudor, Nora deixou-se levar pela paixão que Lucas lhe
despertava. Com a mão livre, segurou ele pela nuca e o puxou de encontro a sua boca. Ele não
demorou a assumir o comando do beijo, mas ela não se incomodou deixou que ele lhe guiasse
naquele caminho de desejo e sedução do qual estava aprendendo a explorar e gostar cada vez
mais.
Ela apertou, sentiu, e queria muito mais...
— Tudo bem, bruxinha... — sussurrou com a voz rouca de tesão. — É melhor a gente parar
por aqui, eu não vou te comer dentro de um vestiário.
— Lucas! — Nora deu-lhe um tapa na testa.
— Desculpe. — Ele riu. — Não dá para ser um cavalheiro quando você está apertando meu
pau desse jeito.
Nora corou e tirou a mão rapidamente, evitando olhar para Lucas.
Como fora tão ousada? Aquele foi um avanço muito grande para ela.
Levantou-se e ficou de costas para ele. Havia chegado o momento de revelar a sua
inexperiência. Mas ao abrir a boca para falar, não conseguiu. Pensou que seria humilhante, pois
fora tão desafiadora no dia em que deu a entender sobre a perda de sua virgindade, acreditava
que por causa daquele dia Lucas mudou com ela, começou a vê-la de outra maneira, não mais
como um desafio.
Sentiu o corpo dele abraçando e desistiu covardemente.
— Estou brincando com você, Nora.
— Eu sei, só não estou acostumada a falar tão abertamente sobre essas coisas.
— Sobre sexo.
— Sim, sobre sexo.
Lucas mordeu o lóbulo da orelha de Nora, ela se arrepiou e encolheu nos braços dele.
— Nós temos uma química muito forte. A maneira como você reage ao meu toque e como eu
fico, apenas de pensar em você, isso é incrível. A gente não fez nada ainda, mas sei que quando
acontecer, será maravilhoso.
Ela se afastou, sentindo-se mal por não contar a verdade.
Lucas sentiu o desconforto de Nora. Gostava do jeito tímido da garota, mas às vezes
chegava a ser frustrante. Ela já havia se envolvido sexualmente com alguém antes dele, como
poderia ser tão envergonhada assim?
A não ser que a primeira experiência dela não tenha sido satisfatória, ponderou Lucas.
Pensou em perguntar para Nora, mas optou por encerrar o assunto. Eles ainda não tinham
intimidade o bastante para que perguntasse sobre seu primeiro parceiro. Ele próprio não se sentia
confortável em falar sobre qualquer mulher com quem já se envolvera, perto dela.
— É melhor você voltar para o caixa — sugeriu. — Conversei com a Sabrina, ela não tem o
direito de interferir na nossa relação.
Nora o fitou novamente.
— Sabrina está sensível com a gravidez, Lucas. Você não foi ríspido com ela, foi? —
perguntou preocupada. Sabia que Lucas não media as palavras quando estava irritado com
alguém, certamente fora agressivo com sua amiga, dizendo-lhe palavras dolorosas. Ela mesma já
havia conhecido aquele lado dele e não queria vê-lo tão cedo novamente.
Lucas respirou fundo, tentando não perder a calma. Aprendera que para lidar com Nora,
não podia usar de grosseria. Na verdade, sabia que deveria ser assim com qualquer mulher, mas
ele não seria hipócrita. Não se importava com nenhuma outra, apenas com aquela menina.
— Nora, eu sei que você gosta dela. Mas eu conheço a Sabrina há mais tempo que você. Se
existe alguém que não pode me julgar, é o Caio e ela. Cada um com sua própria história, eles
estão recomeçando a deles, depois de tantos tropeços. Nós estamos começando a nossa e eu farei
de tudo para não pisar na bola com você. Acredita em mim?
Ela anuiu confiante. Mantiveram a distância corporal para preservar o autocontrole.
— Eu acredito em você. Mas entendo a Sabrina, eu prefiro estar ciente dessas informações
por mais que me magoe. É seu passado, vou aprender a lidar com ele. Mas odeio ser limitada por
desconhecer essa parte do seu mundo e me sentir tão despreparada.
Lucas eliminou o espaço entre eles e a abraçou novamente.
— É exatamente por isso que gosto de você, porque vamos descobrir juntos, um mundo novo.
Um equilíbrio entre o meu e o seu.
— Você é especial pra mim, Lucas. — Ela sentiu a necessidade de dizer algo a ele, pois
desde que se entenderam realmente, Lucas estava sempre tentando fazê-la entender que era para
valer. Mas ela nunca soube usar as palavras para demonstrar os seus verdadeiros sentimentos.
Sentimentos que afloravam a cada dia e ela não sabia mais como esconder. — Eu me apaixonei
e... — Mordeu os lábios e abaixou o olhar. — E quero ficar com você.
Lucas sentiu imensa felicidade ao ouvi-la falar sobre o que sente por ele. Beijou-lhe a testa e
a apertou contra si.
— Nós estamos juntos. Caso não saiba ainda, você é minha namorada secreta. E quando eu
voltar da Alemanha, eu vou gritar para todos saberem que você é minha.
— E eu vou te esperar, porque você é meu também.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Sabrina sentou-se em uma das banquetas e tentou se acalmar. Não queria ficar nervosa e
passar toda a sua frustração para o bebê. Caio estava do lado dela, acariciando suas costas e
dizendo-lhe carinhosamente para ficar tranquila e não se exaltar.
Não teve má intenção, queria proteger Nora. Sabia que a amiga desconhecia a realidade do
mundo em que Lucas vivia. Ela mesma já fora assim, cometeu erros por amor e queria que Nora
não passasse por algo semelhante. Jamais passou por sua cabeça que Lucas Marinho pudesse
estar realmente apaixonado por alguém, mas ao que tudo indicava, não foi apenas Caio quem
despertou para o amor. Se soubesse que os sentimentos dele por Nora eram sinceros, jamais se
colocaria entre eles.
— Eu a magoei — disse mais para si mesma do que para Caio.
— Você gosta dela, quis protegê-la.
Sabrina balançou a cabeça, inconformada.
— Perguntei a ela se tinha acontecido alguma coisa entre eles, Nora disse que não. Então
como eu iria prever que Lucas estava levando a garota à sério? Se ela tivesse me contado...
Caio abraçou Sabrina. Estavam em um canto reservado dentro do balcão. Eulália estava
cuidando do balcão, perguntou por Nora e Sabrina disse que a amiga estava no banheiro,
esperava que não demorasse muito ou poderia ser repreendida.
— Nora é uma menina reservada — argumentou Caio. — Ela pode ter ficado com medo, eu
não sei dizer. Não a conheço. Mas acredito que você não teve intenção de prejudicá-los. Lucas tem
razão, eles não são a gente. Então que tal um trato?
Ela pestanejou.
— Que trato?
— Focaremos em nós e no nosso filho, temos um casamento para preparar e uma mãe
ciumenta para amansar, que por sinal é a minha. Deixemos que Lucas e Nora resolvam-se. Você
apoia sua amiga e eu o meu amigo, mas nossa prioridade é a nossa vida.
— Trato feito!
Ele ofereceu a mão para que ela aceitasse o gesto, selaram acordo e em seguida abraçaram-
se. Sabrina sentiu-se melhor, o homem que amava a estava apoiando e a cada dia a seu lado,
redimia-se do passado conturbado que tiveram. Torceria pela felicidade de Nora e rezaria por
ela, para que não sofresse nada parecido com o que sofrera por Caio. Precisava desculpar-se
com Lucas também.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora retornou ao seu posto no caixa, pedindo desculpas à Eulália pela demora. Acabou
tendo que mentir uma dor de barriga e detestou-se por isso. Sabrina a acobertou, dizendo que ia
ao banheiro, portanto, pela demora, foi a única desculpa que lhe veio à mente. Sentiu-se grata a
amiga pelo apoio. Não queria levar bronca no trabalho e nem ser descoberta conversando com
Lucas em um ambiente fechado. Saíra do vestiário, desacompanhada, e tentou agir naturalmente.
Caio deixou Sabrina sozinha e foi em direção aos banheiros. Nora não sabia como agir, sentiu-se
constrangida pelo clima desagradável que gerou entre eles.
O movimento no Alcapone’s foi diminuindo ao longo da noite. Apesar de ainda estar nervosa,
Nora concentrou-se no trabalho e conseguiu se distrair da tensão. Em determinado momento,
avistou Caio e Lucas indo embora. Nenhum dos dois olhou para o balcão, estavam sérios demais.
Sabrina aproximou-se quando Nora estava terminando de fechar o caixa. Os garçons
varriam o chão e limpavam as mesas, preparando-se para fechar o estabelecimento.
— Lucas parece tão apaixonado quanto você — disse Sabrina, tentando puxar assunto.
— Estamos nos dando uma chance, ele parece disposto a fazer dar certo — revelou Nora.
— Eu nunca pensei que isso pudesse acontecer um dia, fui pega de surpresa. Desculpe-me
por dizer aquelas coisas.
Nora encarou a amiga e compadeceu-se dela. Sabrina estava realmente arrependida. Mas
ela não tinha culpa, tinha?
— Obrigada por se preocupar comigo, Sá. Eu me deixei levar pela insegurança, não fiquei
chateada com você. Tem sido minha grande amiga, em tão pouco tempo.
Sorriram uma para outra e uniram-se em um abraço. Foi impossível conter as lágrimas das
garotas melodramáticas, cada uma vivia seu próprio drama pessoal e os sentimentos estavam à
flor da pele. De maneiras diferentes, a vida estava trazendo novidades para Nora e Sabrina e
agora elas tinham uma à outra para se amparar.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Caio deixou Nora e Sabrina à vontade para conversarem. Estava preocupado com Sabrina,
mas ela recuperou a calma e sentiu-se mais confortável de deixá-la sozinha para ir conversar com
seu melhor amigo. Foi até o vestiário destinado aos funcionários da lanchonete e bateu duas vezes
antes de entrar e encontrar Lucas sentado em um banco de madeira, escorado na parede e
encarando o forro pouco atraente.
— Este é um bom momento para você me dizer umas verdades, seu babaca. — Caio não foi
agressivo com Lucas, apenas quis chamar a atenção do amigo para si, e tornar possível um clima
para conversa. Entrou no vestiário e o trancou, foi até Lucas e sentou-se ao seu lado no banco.
Lucas deu de ombros, não tirou os olhos do forro daquele cômodo.
— Você não precisa se tornar um chato, só porque será pai — provocou o amigo.
Caio riu.
— A Sá vive dizendo o quanto sou exagerado, mas sei que ela gosta.
— É claro que gosta, depois de tanto tempo te dividindo com outras, Sabrina quer descobrir
como é te ter só para ela.
Caio não respondeu. Ficou repassando em sua mente, as palavras que Lucas dissera para
Sabrina. Lucas não disse nada, continuou olhando para cima, pensativo.
— Você quis dizer o que disse? — perguntou Caio. — Sobre eu e Sabrina sermos patéticos?
Lucas deu de ombros.
— De certa forma sim. Vocês não podem simplesmente apagar toda a merda do passado.
Fiquei muito puto com a Sabrina. Porra! Sei que estou longe de ser canonizado pela igreja, mas ela
não precisava plantar as malditas sementes da dúvida, em Nora. Tenho me esforçado pra cacete,
querendo provar para aquela garota que as minhas intenções com ela são sérias. E Sabrina fodeu
tudo em minutos.
— Eu não sabia da sua mudança de planos — apontou Caio.
Lucas finalmente olhou para o amigo.
— Você não sabe de uma porção de coisas. Mas entendo o seu lado, não pretendo disputar
sua atenção com uma gestante. Só não esqueça que você é como um irmão para mim, e às vezes,
vou precisar que me coloque no banho depois da bebedeira. Foi assim que eu me dei conta dos
sentimentos que tenho por Nora.
— De nada, então — provocou.
Riram e levantaram-se ao mesmo tempo.
— Vamos lá para casa — convidou Lucas. — Preciso desabafar com alguém. A cada dia
que o meu aniversário se aproxima, minha mente parece que vai explodir. Não sei se conseguirei
ficar tanto tempo longe dela.
Lucas destrancou a porta, mas antes que pudesse abri-la, Caio o puxou pelo ombro e o virou,
atingindo o olho de Lucas com um soco de direita, não muito forte, mas o bastante para doer.
— Mas que porra foi essa Caio? — gritou, sentindo a dor latejar rapidamente.
Caio apontou o dedo em riste, no nariz de Lucas.
— Nunca mais pronuncie as palavras boquete e Sabrina, na mesma frase — disse com
firmeza. — Agora podemos ir. Você precisa andar rápido ou Nora irá perceber seu olho inchado.
Seu “cuzão”.
Lucas sorriu, apesar do seu olho estar se fechando, devido ao inchaço. Felizmente, a amizade
entre ele e Caio não havia se abalado.
NORA
A semana passa rapidamente, minha rotina está estabelecida e a cada dia eu sinto que faço
parte de tudo isso. Esta cidade, meu lar, meu emprego, os colegas de trabalho, o relacionamento
com meu pai. Tudo parece se encaixar perfeitamente e isso me dá segurança e uma tremenda paz
interior. Minha vida está acontecendo e aos poucos eu vou realizando meus sonhos.
Depois da conversa que tive com Lucas, no Alcapone’s, mantivemos contato por mensagens no
celular. Contou-me que Caio deu-lhe um soco no olho e causou um hematoma. Ele não permitiu que
eu o visse com o olho roxo, nem na oficina eu consegui vê-lo, permaneceu em seu escritório
desenvolvendo algum projeto e me evitou. Fiquei um pouco chateada.
Estou com saudades e a aproximação de seu aniversário deixa-me apreensiva. Eu estarei lá,
mas não como gostaria. Nosso relacionamento é secreto e aos olhos de todos os presentes, Lucas
ainda é o solteiro convicto que adora festas. E esta é a sua festa.
É sexta-feira e estou em meu quarto, deitada em minha cama, encarando o celular.
Será que envio uma mensagem para ele?
Eu já devia ter perdido o medo de tomar iniciativas, Lucas tem me deixando à vontade e
demonstrado seu interesse. Ser retraída, mais cedo ou mais tarde poderá pesar contra mim na
balança. Ele é um homem feito e eu ainda estou me descobrindo mulher. Tenho conversado com
Sabrina sobre como me sinto e o quanto Lucas tem sido respeitoso comigo, evitando até mesmo o
seu linguajar vulgar. Com exceção da noite de domingo, quando ele me fez tocá-lo de maneira tão
íntima, nossas conversas estão restritas a assuntos casuais, onde tentamos conhecer um ao outro à
distância. É praticamente um treinamento para a longa viagem que ele fará.
Não consigo aceitar esta viagem, eu tento, mas só de pensar que ficaremos longe todos esses
dias, me dá vontade de fazer algo para impedi-lo. Eu só não sei o quê.
Sendo consumida pela coragem, digito uma mensagem para Lucas.
Nora>>> Toc,toc,toc.
Soei infantil, eu sei. Mas não fazia ideia do que eu poderia mandar.
Observo o aparelho com expectativa, mas a resposta não vem. Desisto de esperá-lo e coloco
o celular de baixo do travesseiro. Pego o livro que estou lendo e abro na página que parei. Se
Lucas está ocupado, fazendo sei lá o que, posso dirigir toda a minha atenção para mais um livro
de Nicholas Sparks. Estou relendo “Querido John” pela terceira vez.
Meu celular vibra logo em seguida, não dando tempo de eu prosseguir a leitura. De imediato
eu fecho o livro e faço a troca, pego o celular debaixo do travesseiro e guardo o livro novamente.
Verifico a caixa de entrada e sorrio, satisfeita ao ver a resposta de Lucas.
Lucas>>> Quem é?
Nora>>> É a sua namorada.
Lucas>>> E o que a minha namorada está fazendo acordada a esta hora?
Esqueci-me de mencionar. São dez e meia da noite e eu não consigo dormir.
Nora>>> Pensando em você.
Lucas>>> Pelado?
Nora>>> Comigo.
Lucas>>> Pelado com você?
Nora>>> Lucas!
Lucas>>> Nora!
Ele está me provocando, de fato. Decido não responder.
Lucas>>> Eu estou na mansão, no meu quarto. Quero te ver.
Meu coração dispara.
Nora>>> Você fugiu de mim a semana inteira.
Lucas>>> Eu fugi de mim a semana inteira, é diferente.
Nora>>> Como assim?
Lucas>>> Eu me comportei direitinho, Nora. Não me faça falar o que não devo.
Por que será que suas palavras me fazem querer descobrir suas intenções? Eu posso deixar o
assunto de lado, pois sei que vindo de Lucas, é malícia na certa. Mas adoro quando ele é assim
comigo, me faz sentir desejada, interessante. Mulher. Desperta uma chama dentro de mim.
Nora>>> Eu quero saber.
Lucas>>> Depois de domingo, sinto que não posso ficar tão perto ou irei ceder à tentação
de te fazer minha. Quero respeitar meu propósito de esperar, mas meu corpo entra em conflito
com a minha mente.
Engulo em seco. Eu também sinto essa necessidade, meu corpo está cada vez mais desperto
para os desejos da carne e Lucas exerce uma atração muito forte sobre mim. Meu medo é que
algo nessa viagem o faça refletir sobre tudo e ele desista de me levar a sério. Sinto-me culpada
por ter essa migalha de dúvida e é apenas por este pequeno fragmento, que me permito não
pedir que ele fique. Apesar de estar sendo contraditória, agora eu entendo a necessidade desta
distância. Ela é necessária. Mas não agora, agora eu só quero ficar perto dele e aproveitar o
pouco tempo que nos resta.
Meu pai está no Alcapone’s, hoje é dia de campeonato de sinuca e ele está participando das
rodadas da noite. Ainda me resta algum tempo sozinha em casa, antes dele chegar.
Digito a mensagem apressadamente, na expectativa de que Lucas aceite.
Nora>>> Pare de fugir de mim, Lucas. Estou sozinha em casa, venha bater na minha janela.
LUCAS
Deus é testemunha do quanto tenho sido forte. Esta semana foi uma tortura auto imposta,
para que eu não cometa a loucura que tanto desejo. É admirável ver o quanto amadureci nessas
últimas semanas. Eu já não sou o mesmo cara, bem, talvez eu seja, mas agora tenho um novo
propósito em minha vida.
Meu pai chegou de viagem e tive uma conversa franca com ele, abri meu coração e revelei
meus sentimentos por Nora, pedi seu apoio e mantive a decisão de ir para a Alemanha. Meu pai,
como o esperado, apoiou-me e disse estar orgulhoso de mim, por eu ter finalmente aceitado o
presente que a vida havia me dado, que nem todos têm a sorte de encontrar o amor e ser
correspondido. Eu não sei se é amor, mas com certeza o que sinto pode estar se encaminhando
para algo assim, não estou com pressa de descobrir e prefiro não remoer o assunto. Estou bem
agora e o que vier daqui para frente será bem-vindo, se for para acrescentar em minha
felicidade. Não fujo dessa palavra, porém a pronunciarei apenas no dia que tiver certeza da sua
veracidade.
Estou em meu quarto, na mansão. Pensei em dormir no flat, mas passei a semana inteira
dormindo lá, minha mãe detesta quando durmo fora de casa e como estou de viagem marcada,
optei por passar mais um tempo com meus pais. Viajo no domingo à noite, e voo na segunda-feira
rumo à Europa.
Estive trocando mensagens com Nora durante os dias em que não a vi, senti-me um
adolescente e isso foi diferente, de um jeito bom. A maneira como eu costumava me envolver com
as mulheres, desde cedo, sempre foi em âmbito sexual. Descobri que era atraente aos olhos
femininos muito cedo e usei minha aparência ao meu favor. Nunca fui tímido, perdi minha
virgindade aos quinze anos com uma universitária, prima do Daniel. Ela tinha vinte e um anos e
aquele foi o melhor verão da minha vida. E foi apenas o pontapé inicial de um longo período de
devassidão. Agora, com quase vinte e nove anos, aqui estou, em meu quarto, sozinho, pensando em
atender ou não ao pedido de minha namorada menor de idade, para ir sorrateiramente encontrá-
la na janela de seu quarto.
Lembram-se do anjinho e o diabinho que ficavam me aporrinhando no outro dia? Eles estão
aqui novamente, em uma luta acirrada para ver quem leva a melhor. No outro dia o anjinho venceu
e acabei me comportando. Mas hoje? Bem, hoje estou apertando o botão do foda-se para o
anjinho filho da mãe.
Quero e preciso ver Nora e irei até lá.
Levanto-me e visto meu conjunto de moletom. É noite e assim aproveito para me esgueirar
entre as árvores até o quarto dela. Não pretendo me demorar, mas quero tê-la em meus braços
por alguns minutos e beijá-la até que me falte o ar. Coloco o celular no bolso da blusa e saio
sorrateiramente, pelos corredores da mansão. Consigo sair sem ser percebido, não sei se meus pais
estão acordados, mas não os vi pela casa. Desço a escada e me dirijo aos fundos da mansão,
passando pela piscina.
Ouço um gemido em meio aos arbustos e me sobressalto.
Que porra está acontecendo?
Ando em direção ao barulho e assimilo o som, alguém está vomitando. Pensando que pudesse
ser um dos funcionários, aproximo-me para verificar quem precisa de ajuda. Surpreendo-me ao me
deparar com Bento Sampaio, caído de joelhos na grama, vomitando sem parar.
— Bento? — Tento chamar sua atenção para mim, mas ele não parece ter me ouvido.
Caminho até ele e tento levantá-lo, ele parou de passar mal. Mas está grogue.
— O que houve com você, cara? — pergunto preocupado.
Nunca, durante todos os anos que conheço Bento, o vi alterado pela bebida. Mas agora,
diante de mim, o vejo no seu pior estado. Ele não está apenas embriagado, está podre de bêbado.
Tem algo muito errado.
— Aquela maldita! — murmurou entre lágrimas.
Cacete. Ele está chorando feito um bebê.
Meu corpo fica tenso ao me dar conta que ele está se referindo a uma mulher.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, com receio de entregar minha preocupação em
relação à Nora. — de quem você está falando, cara?
— Adelina — diz com a voz enrolada.
Respiro, aliviado. Sim, é egoísmo de minha parte sentir tranquilidade quando tem um homem à
minha frente, passando mal. Porém saber que não há nenhum tipo de conflito entre Nora e Bento
deixa-me mais confortável, pois estou às vésperas de ir embora por um tempo. Assim, uma
preocupação a menos para levar na bagagem.
Ajudo Bento a se levantar, ele está realmente incapacitado. Tento arrastá-lo para sua casa e
demoramos um bom tempo nesta tarefa. Ele tenta caminhar enquanto resmunga debilmente sobre a
tal da Adelina, enfatizando o quanto ela é uma maldita desgraçada. Cara, essa mulher deve ter
fodido com o psicológico dele. Acho que nem eu bebi tanto assim quando me dei conta do que
sinto pela Nora. Oh, tudo bem, talvez eu tenha bebido na mesma proporção, apenas fui esperto o
bastante para fazer isso em um local seguro.
Chegamos à área de sua casa e bato na porta.
Droga, não foi assim que imaginei o meu encontro com Nora.
Leva alguns minutos para ela abrir a porta da sala, e a expressão de pânico invade sua
face ao deparar-se com o pai no estado lastimável. Estou segurando um dos braços de Bento por
sobre o meu ombro, ele esforça-se para manter-se firme no chão, mas ao ver a filha diante de si,
perde as forças. Seguro Bento no colo, o que me dá um trabalho danado. Ele é tão grande quanto
eu e parado, pesa pra caralho.
— Meu Deus! O que houve com o meu pai?
Nora está transtornada e observo seus olhos marejarem. Droga! Detesto vê-la tão frágil e
sensibilizada. Se eu pudesse, evitaria qualquer tipo de situação que pudesse magoá-la.
— Acabei de encontrá-lo, estava vomitando.
Ela abre a porta e sinaliza para que eu entre com seu pai, tenta me ajudar, mas em vão.
Prefiro carregá-lo sozinho para evitar machucá-la.
— É melhor você ficar longe, querida — alerto-a. — Ele está bêbado e muito puto com uma
tal de Adelina, pode não reconhecê-la e te machucar.
Nora fica ainda mais espantada com o que digo. Vejo-a abrir outra porta e percebo que é o
banheiro.
— Você pode colocá-lo no chuveiro, para um banho frio, por favor?
Assinto, já levando Bento para o banheiro. Nora fica do lado de fora, pois, o cômodo é
pequeno. Coloco Bento sentado no chão do box e ligo o chuveiro após colocar na temperatura
fria. Ele parece reagir, ao sentir frio, e isso soa animador.
— Eu não sabia que meu pai costumava beber desse jeito — diz Nora, decepcionada.
Olho para ela e sinto vontade de abraçá-la.
— Nunca vi o seu pai bêbado, nem rumores de que ele tenha esse hábito — revelo, tentando
confortá-la. — Talvez esteja chateado com essa Adelina. Você sabe se ele estava namorando
alguém?
Nora respira pesadamente antes de me responder.
— Adelina é a minha mãe.
— Eita! — Coço minha nuca, sentindo-me desconfortável.
Fui colocado sem querer em meio ao olho do furacão. O drama familiar da minha namorada.
— Sei pouca coisa sobre isso, apenas o necessário. Ela não me quis, deixou-me com o papai
e foi embora com os pais dela, como se nunca estivesse grávida. — Ela já havia me contado, mas
estava repetindo. — Nunca senti necessidade de saber mais sobre ela, eu amo minha tia Laurinha
como se fosse a minha mãe.
Não sei o que dizer para demonstrar meu apoio.
Bento começa a tossir debaixo d’água e vou até o box, ajudá-lo.
— Feche a porta, deixe que eu cuido dele — aviso. — Prepare um café bem forte, ele vai
precisar.
Nora faz o que eu pedi e fico sozinho com Bento.
— Certo — murmuro para mim mesmo, esforçando-me para tirar a camisa dele. — Agora
entendo como o Caio se sentiu naquela noite.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
— Como ele está? — Nora me pergunta, após eu deixar Bento em seu quarto, enrolado nu
em um cobertor.
Depois do banho, ele cooperou um pouco e tomou o café que sua filha fez. Retirou a calça e
a cueca molhada, mas não quis se vestir. Murmurou um pedido de desculpas para a filha e logo
depois apagou.
Fecho a porta do quarto e me aproximo dela.
— Ele vai ficar bem, mas vai acordar com uma puta ressaca.
Ela anui.
— Não entendo o que houve — murmura.
Vou até ela e a acolho em meus braços, senti-la contra mim neste momento não desperta
desejo sexual, mas uma onda de emoções tão fortes que deixa minhas pernas bambas. É por isso
que Nora é tão especial, ela consegue me desestruturar de uma forma que nenhuma outra faz. E
eu sei que algo assim não pode ser considerado errado. Por isso, acredito que estarmos juntos era
para acontecer.
— Eu meio que o compreendo — digo para tranquilizá-la. — Eu fiz isso dias atrás, um dia
antes de conversarmos na piscina. Foi o Caio quem me ajudou. Eu estava no flat.
— Você bebeu por minha causa? — perguntou surpresa.
Beijei-lhe o topo da cabeça.
— Pode-se dizer que sim.
Senti um beliscão em meu braço direito, afastei-me um pouco dela.
— Não faça isso de novo! — esbravejou a garota.
Dou-lhe um puxão de cabelo, mas nada exagerado. Ela arregala os olhos, surpresa. Sorrio
para provocá-la.
— Que mania feia que as mulheres têm, de reagir com agressividade. — Dou de ombros. —
Não faça isso de novo! — Pisco para ela, jogando charme.
Nora me abraça novamente e eu retribuo. Adoro cheirar o cabelo dela, é tão delicioso.
Talvez eu compre o shampoo que ela usa, para levar comigo para a Alemanha.
— Obrigada por tudo, Lucas.
— Eu que agradeço, bruxinha. Você chegou para ficar e mudou a minha história.
Capítulo 15
Bento Sampaio abriu os olhos na manhã de sábado e viu o quarto girar ao seu redor.
Descontara todas as frustrações na bebida e quando não conseguira distinguir qual era o copo e
qual a sombra dele, Eulália o mandou embora. Sem condições para dirigir, Bento foi para casa
arrastando-se pela estrada e fez um esforço danado para disfarçar a bebedeira para o senhor
Gerônimo, que percebeu, mas fingiu que não tinha reparado. Quanto mais próximo de sua casa
estava, mais o corpo parecia pesado e o estômago se agitava. Não se lembrava de como havia
chegado até sua cama e do porque estava nu.
Oh céus...
Olhou em volta, novamente vendo tudo girar, porém conseguiu distinguir as paredes e os
móveis e deu-se conta de que estava sozinho. Nenhuma mulher. Não que pudesse ter alguma
mulher em sua cama, jamais levara alguma delas ali. Era o seu lar, o lar de sua filha. Não havia
espaço para uma terceira pessoa. Não havia espaço para ninguém mais em sua vida. Então suas
lembranças lentamente vieram à tona.
Nunca bebera daquele jeito, mas após anos lidando sozinho com a criação de Nora,
reprimira extravasar suas frustrações e se tornara um exemplo de homem para a filha admirar.
Mas agora, quando tudo parecia bem, com Nora prestes a comemorar seus dezoito anos, um
fantasma do passado decidiu assombrá-lo e ameaçar sua paz de espírito.
Adelina.
Ela não tinha direito algum sobre a filha. Não havia porque se preocupar. Mas Bento se
preocupava. Adelina e a família tinham dinheiro e Nora sempre teve uma vida sem luxo. O medo
de que sua filha preferisse ficar com a mãe para aproveitar uma vida com maiores oportunidades,
tomou conta com a notícia de que ela estava de volta.
Sim, isso mesmo. Adelina estava de volta à cidade.
Fora Eulália a portadora da notícia. Ninguém sabia que Nora era filha da ex-namorada de
Bento Sampaio. Para eles, Adelina havia ido embora após se desiludir com o namorado
universitário que teve uma filha fora do relacionamento. Ele não fazia questão de desmascarar a
verdade, para ele tudo o que importava era cuidar de sua vida e que os outros tirassem suas
próprias conclusões. Mas com Adelina de volta, não sabia como reagiria quando a encontrasse.
Não fazia ideia do porquê depois de tantos anos, ela retornara. Justamente quando Nora se
tornara uma adulta e não precisava de tantos cuidados, pois estava aos poucos adquirindo sua
independência.
Bebeu para tentar esquecer, como se fosse possível. Agora estava acordado, com uma forte
ressaca e a sensação de que sua vida estava próxima de sair da zona de conforto.
Ouviu a batida na porta e foi como se alguém tivesse martelado em sua cabeça.
— Pai?
Nora tentou não falar muito alto, mas passava das dez horas da manhã e nada de seu pai
acordar. Preparou café forte para que ele tomasse novamente. Estava preocupada e assustada,
nunca vira o pai naquele estado e sentia a necessidade de verificá-lo. Lucas foi embora logo que
o sol nascera, após passar a noite com ela, ambos deitados no sofá da sala. Foi reconfortante tê-lo
tão perto em um momento em que se sentia frágil, ele não quis deixá-la sozinha com o pai no
estado em que se encontrava, permaneceram abraçados e conversando por horas, trocaram
carícias e beijos delicados até que adormeceram vencidos pelo cansaço. A cada dia Nora se sentia
ainda mais ligada ao homem que vivia na enorme mansão. Lucas estava se tornando necessário,
importante, essencial. Isso a confortava e amedrontava ao mesmo tempo.
— Só um minuto, querida — murmurou Bento, sentando-se na cama.
— Eu te espero na cozinha, pai!
— Dez minutos e estarei novo em folha, ou quase.
Bento Sampaio levantou-se e fechou os olhos rapidamente, para evitar que a vertigem lhe
causasse náuseas. Caminhou até o guarda-roupa e procurou por uma cueca, jeans e camiseta.
Vestiu-se preguiçosamente e aos poucos foi se sentindo melhor. Saiu do quarto e encontrou Nora na
cozinha, sentada à mesa, servindo-se de café.
— Bom dia, pai — cumprimentou com a voz suave, denotando tranquilidade.
Ele se sentiu envergonhado, sua filha estava tentando agir naturalmente para não o
constranger. Sentou-se à mesa, ficando de frente para Nora, que lhe ofereceu uma caneca com o
líquido fumegante. Assoprou algumas vezes antes de finalmente bebericar o café forte que ela
havia lhe preparado.
— Perdoe-me, filha...
Ela não queria demonstrar fragilidade diante de seu pai, mas ouvi-lo tão vulnerável balançou
a força que estava tentando mostrar. Nora estendeu a mão sobre a mesa, tocando a de seu pai
que não segurava a caneca de café. Bento deixou-se acalentar pela filha.
— Estou envergonhado. Você jamais deveria ter presenciado algo assim.
Para não sucumbir ao choro, Bento continuou tomando seu café. Nora conseguiu segurar as
lágrimas, mas fitou o pai com compaixão, compreendia que ele era apenas um ser humano
suscetível a falhas.
— Não tenho que perdoá-lo, pai — disse a ele. — Todas as pessoas têm momentos de
fragilidade, o senhor não tem porque se sentir envergonhado.
— Tenho sim, eu deveria ser mais responsável, sei o que acontece quando se bebe além da
conta e mesmo assim extrapolei. Não pensei em você, na preocupação que lhe causaria quando me
encontrasse bêbado.
Nora ficou em silêncio, pensando no que poderia perguntar ao pai. Sabia que algo o
incomodou, para que descontasse na bebida daquele jeito.
— O senhor costuma beber desse jeito, com frequência? — perguntou cautelosamente.
Bento remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, terminou de beber o café e soltou a
caneca em cima da mesa, uniu sua mão livre à de Nora, lhe confortando. Fitou-a com seriedade,
queria mostrar a ela que estava sendo sincero em suas palavras.
— Nunca bebi desse jeito, nem quando era mais novo e sua mãe nos abandonou. Prometo
que não irá se repetir.
— Pai, eu acredito no senhor. Só fiquei preocupada, o que houve?
Bento hesitou, não sabia como revelar à Nora que Adelina estava de volta. Também não
sabia se a mulher teria o interesse de conhecer a filha. Sentia-se em um beco sem saída, o passado
vindo à tona forçando-o a se posicionar defensivamente. Depois de pensar sobre o assunto, Bento
decidiu não revelar nada a Nora até que se encontrasse pessoalmente com a mãe da garota.
— Prefiro não tocar no assunto — desconversou, evitando mentir para ela. — Garanto que
não acontecerá novamente, só me sinto desconfortável para conversar sobre isso com você.
Ela sorriu, apertando ainda mais as mãos dele, passando-lhe confiança.
— Tudo bem, vamos virar essa página. — Soltou-lhe as mãos e levantou-se. — Hoje à noite é
meu último dia de trabalho no Alcapone’s, eu prometi à Eulália que ajudaria, pois é aniversário do
Lucas e ele fechou o bar para sua festa. Tudo bem se eu for. Já se sente bem?
Bento não gostou da ideia, ter Nora trabalhando em um evento fechado no Alcapone’s,
principalmente uma festa de Lucas Marinho. O jovem era famoso na região por suas festas
extravagantes. Porém, não queria ser o pai chato que proíbe a filha de tudo. Eulália jamais
permitiria que Nora trabalhasse em um ambiente desrespeitoso, além disso, a filha tinha juízo e ele
confiava na menina. A contragosto, sorriu para ela e anuiu sua permissão.
— Tenho certeza que até a tarde estarei melhor.
— Obrigada pelo voto de confiança, pai. O senhor tem sido incrível comigo. Não sei se
mereço essa liberdade que me proporciona, mas agradeço de coração.
Bento levantou-se, e foi até a filha puxando-a para um abraço.
— Você está entrando na vida adulta, e ficou presa por tempo demais naquele colégio. Mas
pode ter certeza, no momento em que eu acreditar que devo vetar alguma coisa, para o seu
próprio bem, eu o farei e espero que compreenda.
Desfizeram-se do abraço e Nora encarou o pai, pensativa.
Será que ele estava desconfiado de alguma coisa, sobre Lucas e ela estarem envolvidos?
Detestava esconder o romance do pai, mas sabia que era necessário ao menos
temporariamente. Lucas precisava de tempo para munir-se de uma boa reputação e adquirir nova
postura diante de sua antiga fama de bon vivant. Não chegava a ser considerado um boêmio, mas
muitos dos seus amigos eram e a expressão “diga-me com quem andas e te direi quem és”
perpetuava na sociedade como uma erva daninha.
— Acho que quando isso acontecer, poderemos lidar com a situação juntos — argumentou
Nora, sabendo que em determinado momento, teria que conversar com o pai sobre Lucas. Estava
ciente de que não seria fácil, mas estava mais do que disposta a lutar por sua felicidade. Não
saberia o que fazer se o pai lhe impedisse de ficar com o homem por quem estava apaixonada,
nunca se imaginou rebelando-se contra seu progenitor, não queria que as coisas desandassem a
este ponto. Ao se dar conta de que nem tudo poderia ser como sonhava, Nora sentiu uma angústia
dentro de seu coração.
— A sua maturidade às vezes me espanta. Você é uma menina prodígio. Tenho a sorte de ser
seu pai.
Enquanto Nora caminhava em direção ao seu quarto, Bento teve um relapso de memória
sobre a noite anterior. Pestanejou ao se dar conta que acordara nu, e de banho tomado. Aquele
era o ápice de sua vergonha.
— Filha, como eu fui parar no meu quarto, pelado?
Por Deus, que ela não lhe dissesse o que estava pensando ter ocorrido.
— Não se lembra? — perguntou ela, mas ao ver a expressão confusa no rosto do pai,
percebeu que Bento não fazia ideia de como havia voltado para a casa. — Lucas te encontrou
vomitando no pátio, te trouxe para casa, deu banho no senhor e o colocou na cama. Ele também
ficou no sofá, até o sol nascer, para ter certeza de que não precisaria socorrê-lo ou algo assim.
A garota optou por revelar parcialmente a verdade. Omitira que ficara na sala, dormindo
com o patrão de seu pai, no sofá, enquanto ele estava desmaiado após a bebedeira. Era uma
maneira de fazê-lo enxergar Lucas com bons olhos, essa atitude do namorado para com seu pai
poderia contar a favor deles.
Bento sentiu o estômago embrulhar, a náusea tomou conta e sabia que precisava correr para
o banheiro ou sujaria o chão da cozinha. Enquanto desintoxicava seu organismo, refletia na
porcaria de noite que tivera. Saber que Lucas Marinho o trouxera para casa e o ajudara em um
momento de fraqueza, deixou-o aliviado. Por um momento, temeu que a filha tivesse passado pelo
constrangimento de banhá-lo e colocá-lo na cama no estado em que se encontrava. Deixando o
orgulho de lado, Bento Sampaio reconheceu que precisava se desculpar com o patrão e lhe
agradecer o socorro prestado.
— Pai, está tudo bem? — perguntou Nora, próxima a porta do banheiro, que estava
entreaberta.
Bento gemeu, ainda sentindo-se enjoado.
— Efeitos colaterais de uma noite de merda — murmurou para si. — Está tudo bem, filha. —
Disse em voz alta para tranquilizar a garota.
Não, não está tudo bem. Porra nenhuma!
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Lucas não conseguiu dormir novamente após retornar à mansão. Tomou um banho frio para
recompor-se e quase não tocou seu órgão genital, para não se deixar levar pelas lembranças de
Nora em seus braços. Estiveram juntos por toda a noite, mas nada do que tinha em mente quando
foi até sua casa, aconteceu. Merecia o Oscar de melhor ator, por ser tão controlado perto dela e
interpretar o príncipe encantado com maestria. Até mesmo a masturbação estava evitando, para
não macular o momento que tiveram naquele sofá. Vestiu uma calça de moletom limpa, na cor
cinza, e uma regata de algodão, na cor preta. A mania de andar descalço pela mansão era
incontrolável, mesmo sabendo que dona Isabella Marinho iria lhe puxar a orelha por estar
suscetível a um resfriado. Coisa de mãe coruja.
Ao sentar-se à mesa para o café da manhã, Lucas cumprimentou os pais e serviu-se de suco
de laranja e sanduíche natural, preparado ao seu gosto.
— Tudo pronto para sua festa de aniversário? — questionou Isabella, demonstrando
demasiado interesse.
Lucas deu de ombros. Já não estava tão empolgado para a festa, se tivesse conhecido Nora
há mais tempo, preferiria fazer algo com a garota ao invés de reunir todas aquelas pessoas que
estariam presentes à noite, no Alcapone’s. Não que deixaria os amigos de lado por uma namorada,
mas aos poucos ele estava mudando suas prioridades e se abrindo para uma nova visão sobre as
coisas, as pessoas. Incrível o que o amor pode fazer, não? E Lucas Marinho sequer percebia isso,
estava mudando gradativamente por causa dos novos sentimentos, mas ainda não sabia
reconhecê-los totalmente.
— Sim — respondeu à sua mãe. — Não há muito com o que se preocupar, deixei Eulália
responsável por comida e bebida, e meu amigo Daniel, como de costume, ficou de convidar todo o
pessoal.
Isabella soltou uma risadinha.
— E qual a sua participação, na organização?
Ele deu de ombros.
— Sou o aniversariante, tudo o que preciso fazer é dar as caras na festa. O resto o pessoal
se vira.
— E a viagem — mencionou Alfredo, iniciando sua participação na conversa. — Está tudo
certo?
Lucas fitou o pai, seriamente. Apesar de já terem conversado sobre o assunto, Alfredo ainda
tinha dúvidas se o filho conseguiria cumprir a palavra de se afastar temporariamente.
— Sim pai, a Vovózona já cuidou de todo o roteiro de viagem. Saio amanhã à noite, para a
capital, meu voo é segunda-feira pela manhã. Mas isso vocês já sabem.
Isabella remexeu-se na cadeira, sentindo-se desconfortável.
— Ainda não entendi o porquê de você ficar dois meses fora. É tempo demais, querido.
Lucas e Alfredo entreolharam-se.
— Não são apenas férias, mãe. Também aproveitarei para me especializar em algumas
novidades. Prometo ligar para senhora com bastante frequência.
Isabella sorriu e soprou um beijo para Lucas. Era muito apegada ao filho, ele nunca ficara
tanto tempo longe.
— Se você não ligar, eu me encarregarei de fazê-lo.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Quando Bento foi ao encontro de Lucas, não sabia ao certo como iria desculpar-se com o
patrão. Caminhou em passos firmes, determinado a resolver a pendência. Foi até a piscina, pois
conhecia os costumes do homem e naquele horário, Lucas aproveitava para nadar.
Ao se aproximar, Bento abaixou-se e esperou Lucas chegar até ali.
— Caralho, Bento! Que susto! — gritou Lucas, ao emergir da água, apoiando os braços na
borda da piscina, dando de cara com o pai de sua namorada.
Bento deu uma risadinha, achando graça da expressão assustada de Lucas. Logo se lembrou
do porque estava ali e novamente sentiu-se constrangido.
— Perdão, patrão. Não foi minha intenção assustá-lo. Vim me desculpar por ontem à noite e
agradecer por ter zelado pela minha filha, enquanto eu estava bêbado.
Lucas pestanejou.
Quem merda fodida...
— Cara, você estava muito mal — desviou do assunto correspondente à Nora.
— Nunca fui disso, patrão. Ainda mais agora, com a Nora em casa. Foi um grande erro e
não irá se repetir. Estou envergonhado.
Lucas admirou Bento por sua coragem em admitir o erro e lhe pedir desculpas. Além de um
ótimo funcionário, o jardineiro também era considerado um amigo da família. O que Bento fazia
fora do expediente não lhe dizia respeito, mas ele era pai de Nora, e Lucas jamais permitiria que
a sua garota tivesse que se preocupar com um pai alcoólatra. Saber que Bento não tinha vício e
aquela foi uma situação isolada, deixou-o mais tranquilo.
— Relaxe, Bento. Fiquei preocupado com você, mas sei que é um cara decente. Espero que
não se repita. Sua filha ficou muito preocupada contigo.
— Já conversei com a Nora, foi ela quem me contou sobre a sua ajuda. Eu não me lembro de
muita coisa.
— Tudo bem, vamos esquecer isso. Sim?
— Certo.
Bento se levantou e Lucas saiu da piscina. Os homens apertaram as mãos, em um gesto
amistoso.
— Nora vai trabalhar na sua festa de aniversário. Haverá algo inapropriado esta noite?
Lucas engasgou e arregalou os olhos.
— O que é inapropriado para você, Bento?
— Perdoe-me, patrão. Mas você sabe a fama que tem na região, suas festas são famosas.
Não quero que a Nora passe por algum constrangimento e seus amigos são atrevidos. Ela ainda é
menor de idade e fico receoso de deixá-la à mercê desses rapazes.
— Porra, Bento! Você fala como se eu fosse um pervertido e meus amigos uns maníacos
sexuais. Jamais permitiria que algum deles se aproximasse da sua filha com má intenção. — Omitiu
os reais motivos para tal. —Acredito que Eulália não a chamaria se pensasse que a menina
corresse algum risco. Nós somos jovens e gostamos de farra, mas somos pessoas civilizadas.
Bento desviou o olhar. Sentiu-se desconfortável por falar tão abertamente com o patrão,
sobre seu comportamento. Mas sua filha estava envolvida e ele quis ter certeza de que não estaria
permitindo que ela frequentasse um ambiente de risco. Nora era ingênua demais, só queria
protegê-la.
— Só quero o melhor para a minha menina, patrão.
— Por Deus, homem! Pare de me chamar de patrão. — Lucas irritou-se.
Detestava que Bento o lembrasse a todo instante que havia uma hierarquia entre eles.
Tratava-se de mais um empecilho em seu relacionamento com Nora. Odiava convenções sociais.
— É a força do hábito — justificou Bento.
— Habitue-se a me chamar de Lucas, por favor.
O jardineiro anuiu em silêncio.
— Preciso ir, tenho que ir ao Alcapone’s verificar como estão os preparativos da festa. Fique
tranquilo, Bento. Eu estarei de olho na Nora, nada de ruim irá acontecer a ela.
— Obrigado, Lucas.
Lucas não estava fazendo aquilo por Bento. Ele era o principal interessado pelo bem-estar
de Nora.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Caio chegou ao Alcapone’s perto do meio-dia, combinara de almoçar com Sabrina e Eulália.
A movimentação de funcionários no estabelecimento devia-se à festa de aniversário do seu melhor
amigo. Encontrou Sabrina varrendo o chão da lanchonete.
— O que está fazendo com essa vassoura na mão, Sabrina Blanco?
A garota fitou o noivo, sorrindo. Mas Caio não retribuiu e ela sabia porquê. Ele não queria
que ela fizesse esforço físico. Para descontrair, Sabrina colocou a vassoura entre as pernas e sorriu
para ele, com malícia.
— Estava me preparando para dar um passeio — respondeu.
Caio não segurou a risada.
— Essa desculpa não colou, você não é uma bruxa. — Aproximou-se dela e retirou a
vassoura de suas mãos. — Já pedi que evitasse esforço físico, Sá.
— Engraçado, quando você dorme lá em casa, não se importa nenhum pouco do esforço
físico que fazemos na minha cama.
— Não é esforço, é exercício de alongamento. — Piscou para ela.
Abraçaram-se e Caio a beijou apaixonadamente. Quando estava com Sabrina, sentia-se o
homem mais feliz do mundo. Como era bom estar com a pessoa amada, e como demorou a
perceber que Sabrina era a sua metade. Por mais que estivesse por perto, nunca parecia o
suficiente. Não via a hora de tê-la como esposa e acordar ao seu lado todos os dias.
Uma tosse forçada os tirou do limbo de amor. Afastaram-se com relutância e viraram-se para
se deparar com Lucas. Sabrina ficou retraída, ainda não conversara com ele sobre o incidente da
semana anterior.
— Como estão os pombinhos apaixonados? — perguntou Lucas.
— Famintos — respondeu Caio. — Já almoçou?
— Na verdade, não.
— Almoce conosco — convidou Sabrina.
Lucas arqueou as sobrancelhas, em uma pergunta silenciosa. Ele estava ciente de que a
relação com Sabrina estava abalada, desde a discussão que tiveram. Não guardava nenhum
rancor, até porque a garota era noiva de seu melhor amigo e também a nova melhor amiga de
sua namorada.
Caio ficou tenso, esperou uma resposta ácida de Lucas e preparou-se para defender a
noiva.
— Eu te devo desculpas, Lucas — continuou Sabrina. — Não tinha o direito de me meter no
seu relacionamento com a Nora, mas as coisas não eram exatamente como imaginei. Eu estava
preocupada com ela, mas fui injusta com você. Estou arrependida e gostaria que você acreditasse
que não irei interferir novamente.
Lucas se aproximou do casal, a passos lentos.
— Tudo bem, menina. Esquece isso.
Ela anuiu com a cabeça.
— Posso participar da sua festa, hoje à noite? — perguntou Sabrina, para ter certeza.
— Claro que sim, Sá. Você é dona do Alcapone’s e noiva do Caio, e apesar de termos nos
estranhado semana passada, é uma amiga. Será bem-vinda.
— Obrigada.
— Também quero que me ajude a ficar de olho em Nora. Ela vai precisar de você, para não
se intimidar com meus convidados. Gostaria que pedisse a ela para vir sem uniforme, assim não
chamará a atenção dos caras, sabe como eles adoram provocar as garçonetes. Quero Nora à
paisana, como se fosse minha convidada.
— Ela não deveria ser? — perguntou Caio, confuso.
Lucas respirou pesadamente, antes de responder.
— Deveria, mas ainda não é o momento de expor nosso relacionamento. Vocês sabem que é
muito recente e infelizmente as coisas não funcionam para nós, como funcionam para vocês.
Sabrina e Caio concordaram com Lucas.
— Tudo bem. Avisarei a ela.
O celular de Sabrina tocou e ela atendeu em seguida. A ligação foi rápida e ao ser
finalizada, ela guardou o celular no bolso do jeans.
— Mamãe está nos chamando para subir, o almoço está pronto.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora olhou-se no espelho mais uma vez. Vestiu-se de maneira simples, pois mesmo não
havendo a necessidade de usar uniforme na noite de sábado, não quis chamar a atenção de
ninguém durante a festa de aniversário de Lucas. Jeans escuro, justo ao corpo, uma camisa de
flanela xadrez em tons de vermelho e azul. Calçou seu par de All Star e prendeu o cabelo em seu
costumeiro rabo de cavalo. Optou por uma maquiagem leve, não costumava se maquiar para ir
trabalhar, mas como era o aniversário de seu namorado, quis estar bonita para que ele a
admirasse. Em seu interior, a insegurança ao constatar que certamente haveria lindas mulheres
presentes na festa, foi mais um motivo.
Encontrou seu pai sentado no sofá, assistindo televisão. Bento desviou o olhar da tela para
verificar a filha. Sorriu satisfeito ao ver que ela estava vestida de maneira adequada para passar
despercebida diante das demais convidadas da festa. Embora a beleza de Nora não necessitasse
de artifícios para se destacar, vê-la vestida com jeans e camisa o deixou mais tranquilo.
— Você está linda, filha.
— Valeu, pai.
Bento se levantou e pegou o molho de chaves em cima da mesa de centro.
— Eu te levo, já busquei a caminhonete no Alcapone’s.
— Vamos então.
Durante o trajeto, Nora tentou disfarçar o nervosismo e ansiedade. Quando Bento estacionou
na frente do Alcapone’s, a garota respirou aliviada ao ver que os convidados não haviam
chegado. Somente o Porsche de Lucas, o Jipe de Caio e um New Beattle preto, estavam
estacionados. Ela desceu da caminhonete e acenou um tchau para o pai, que permaneceu
estacionado. Ao ir em direção do bar, Nora deparou-se com Bárbara saindo do local e sentiu um
frio na barriga. Gostava muito de Babi, mas desde que soubera do noivado com Lucas, tinha
receio de que a moça ainda fosse apaixonada por ele.
Bárbara avistou Nora chegando ao Alcapone’s, mas o que mais lhe chamou a atenção foi a
caminhonete estacionada ao lado de seu carro e o motorista dentro dela. Sorriu, satisfeita, fazia
algum tempo que não o via, a última vez havia sido espetacular e a deixou com “gostinho de
quero mais”, porém Bento era um homem muito reservado e Babi não tinha desculpa alguma para
ir até a mansão, com pretensão de encontrá-lo por acaso. Deixou nas mãos do destino, que
parecia estar ao seu favor.
— Nora, querida. Veio para a festa do Luquinhas? — Puxou assunto com a garota,
estranhando sua presença no bar onde seria comemorado o aniversário de seu ex-noivo.
A garota lhe sorriu timidamente e parou para cumprimentá-la. Abraçaram-se amistosamente e
Babi deu-lhe um beijinho rápido na bochecha. Não apenas por se sentir atraída pelo pai da
menina, realmente gostava de Nora. Tinha muita simpatia pela garota, até mesmo estava
providenciando uma oportunidade de ela ingressar na universidade antes do segundo semestre.
— Vim a trabalho, na verdade, esta é a última noite que trabalho no Alcapone’s. Inicialmente
pensei que fosse uma boa ideia para juntar dinheiro, mas reconsiderei. Não posso me
sobrecarregar.
— Você é uma menina esforçada, querida. Sabe, precisamos marcar um dia e conversar
sobre a faculdade.
Nora pestanejou, não entendia o porquê Babi teria interesse em falar com ela sobre aquilo.
— Sobre o que, exatamente? — perguntou, tentando conseguir maiores informações.
Babi deu de ombros, não deixou passar despercebido o fato de Bento ainda não ter ido
embora.
— Estive vendo a possibilidade de você entrar ainda no primeiro semestre, mas não quero
falar sobre isso agora. Assim que eu tiver algo definitivo, marcamos uma reunião, você fala com
seu pai e conversaremos melhor. Tudo bem?
A garota anuiu, sentindo-se animada com a possibilidade. Esquecendo seu receio em relação
à Babi e Lucas, Nora se aproximou da moça e lhe deu um abraço de agradecimento.
— Você é incrível, Babi. Muito obrigada por me ajudar.
— Farei o possível, querida. Agora preciso ir. — Desfizeram-se do abraço. — Apesar de
não ter sido convidada para esta festa, fiz questão de parabenizar o Luquinhas pessoalmente. —
Deu uma piscadela para a garota, como gesto de cumplicidade. — A verdade é que eu quis
provocá-lo. Ele pensa que ainda gosto dele, morre de medo que eu vire uma ex-noiva pé no saco.
— Gargalhou, divertindo-se.
Nora engoliu em seco.
— E você ainda gosta? — Nora ousou perguntar.
Babi arregalou os olhos, como se tivesse acabado de ouvir um grande disparate.
— Vire essa boca para lá, menina! Lucas é página virada. Apesar da nossa história ter sido
um fracasso, tenho muito carinho por aquele babaca. Eu sei que ele não é má pessoa, nós apenas
não fomos feitos um para o outro.
O alívio que Nora sentiu ao ouvir da própria Bárbara que não havia mais sentimentos por
Lucas, foi gritante. Ela sorriu para a moça novamente, mas na verdade estava deixando sua
felicidade transparecer. Uma ex-noiva apaixonada era tudo o que Nora não precisava para
acrescentar a vasta lista dos fatores que a impediam de ficar com Lucas Marinho.
Despediram-se e assim que Nora entrou no estabelecimento, Bárbara foi até a caminhonete
ainda estacionada. Precisava vê-lo, falar com ele, sentir seu cheiro de homem, incitá-lo a algo mais.
— Ei, jardineiro. Bom te ver! — Sorriu-lhe despretensiosamente.
Bento semicerrou os olhos, desde que vira Bárbara saindo do Alcapone’s, não conseguiu dar a
partida no carro. Como se uma força invisível o estagnasse ali, para que ele pudesse observá-la
por mais tempo.
— Oi, patricinha.
Ela riu, achava sexy quando ele a chamava daquele jeito.
— Veio para a festa do Lucas? — perguntou Bárbara. Não quis chamá-lo de Luquinhas para
que Bento não pensasse que os dois ainda eram íntimos.
— Não, apenas trazer a Nora para seu último dia no trabalho.
— Ah sim, ela me contou. Você deve estar aliviado.
— Mais do que imagina — confidenciou-lhe.
O silêncio pairou sobre eles, mas a atmosfera sexual, a energia que seus corpos exalavam
quando estavam próximos era possível ser detectada.
Bento estava duro de desejo, queria Bárbara com uma intensidade fora do comum. Todos os
motivos que criara para não sucumbir a ela novamente caíram por terra, precisava estar dentro
dela mais uma vez. Era um desejo bruto, insano. Seu olhar focou no decote que a moça adorava
exibir. Bárbara estava linda como sempre, usando uma saia lápis na cor vermelha e um top preto
que deixava parte de sua barriga à mostra, o umbigo coberto pelo cós alto de sua saia, deixava-
a elegante e sensual, sem vulgaridade alguma. Os malditos sapatos de salto, que lhe deixavam
louco, eram um acessório à parte.
Droga! Não podia deixar o momento passar.
— Entre logo nesse carro Bárbara, eu sei que você também quer.
Ela pensou em estender o momento, mas logo mudou de ideia. Sabia que Bento não era como
os homens com quem estava acostumada. Se fizesse jogo duro, ele lhe daria as costas, e de todas
as partes do corpo másculo do jardineiro sexy, não era esta a parte pela qual ela tanto estava
interessada no momento. Não disse nada, apenas lhe sorriu e rapidamente encaminhou-se para o
lado do carona. Bento abriu a porta para ela e assim que Bárbara colocou o cinto de segurança,
ele deu a partida e foi em direção ao motel mais próximo.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Lucas viu Nora entrando no Alcapone’s e seu pau deu sinal de vida imediatamente. Estava
morrendo de tesão desde a noite passada e recusara-se a se masturbar. Ela estava deliciosa
naquele jeans apertado e o cabelo preso, causava um efeito devastador no pobre homem. Seus
convidados ainda não haviam chegado, com exceção de Caio e Sabrina. Bárbara havia acabado
de sair dali, provavelmente as duas se cruzaram pelo caminho, mas Babi era passado e ao
contrário do que ele pensara, ela não nutria mais nenhum tipo de sentimento romântico por ele.
Não depois do que lhe fizera, seria tola se ainda sentisse algo. Era um alívio e um problema a
menos para encarar. Foi até a namorada e pegou pela mão, sem dizer nada. Caminhou até os
fundos do bar, levando-a até uma porta no fim do corredor, onde havia pilhas de caixas com
cascos de cerveja, era o pátio onde as descargas de mercadoria eram feitas.
— O que... — Nora tentou perguntar o que ele estava fazendo, mas Lucas a impediu com um
beijo. Pressionou-a contra a parede do bar e devorou seus lábios.
A garota deixou-se levar pelo desejo e automaticamente suas mãos foram até o cabelo de
Lucas, puxando-o com vontade, não querendo soltá-lo nunca mais. Lucas pressionou seu membro
contra a cintura da menina, buscando um pouco de alívio, inutilmente. Não era esse tipo de contato
que lhe proporcionaria o céu que tanto pretendia atingir com ela. Tinham pouco tempo juntos, no
dia seguinte ele daria início ao seu exílio e se manteria afastado dela. Nunca pensou que seria
fácil, mas a cada hora que passava a angústia aumentava e a vontade de desistir lhe invadia.
— Quero te roubar para mim, garota...
— Pode roubar, eu deixo.
Ele riu. Ela era corajosa.
— Vai, me deixe aqui sozinho — pediu ele. — Preciso pensar em velhinhas desdentadas
querendo me chupar. Só assim meu pau ficará mortinho, dentro das calças.
Nora riu e empurrou Lucas, dando-lhe um tapinha no ombro.
— Estarei de olho em você — alertou a garota.
Ele lhe deu uma piscadela e jogou-lhe um beijo.
— E eu farei a mesma coisa a seu respeito, bruxinha.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nada do que passou pela cabeça de Nora, ao imaginar como seria a festa de aniversário
de Lucas, se consolidou. Nenhuma mulher seminua, nenhum casal se agarrando explicitamente,
ninguém bebendo descompassadamente ou fazendo strip-tease em cima da mesa. Música alta sim,
mulheres lindas e bem vestidas, homens bonitos e cheios de charme, conversa alta, risadas, alguns
flertes. Nada que pudesse considerar anormal. O aniversariante perambulava entre as diversas
rodas que se formavam pelo ambiente, interagindo com seus convidados, cumprimentando,
abraçando. Lucas era muito querido por todos, principalmente pelas mulheres.
Nora sentiu uma pontada de inveja, elas pareciam venerá-lo, quase babavam em cima dele,
mas por incrível que pareça, Lucas sequer percebeu os sinais que emitiam. Nora estava focada em
observar cada gesto que demonstrasse que o namorado pudesse estar passando dos limites, mas
para seu alívio, tudo estava perfeitamente equilibrado. Sentiu-se culpada também, por ter certa
dúvida sobre a índole de Lucas perante os convidados. Mesmo que tivesse fé no relacionamento, o
medo e a insegurança teimavam em pairar sobre sua cabecinha jovem e inexperiente. O que ele
viu nela, afinal? Todas ali eram lindas, estonteantes, pareciam modelos saídas de capas de revistas
sobre boa forma e estética. Por vezes, seus olhares se encontravam e Lucas lhe dava piscadelas e
um sorriso disfarçado. Seu coração parecia que ia sair pela boca e sua autoconfiança renascia.
Alguns homens tentaram puxar assunto com ela, saber seu nome, de onde veio, mas Nora manteve-
se profissional e suas respostas sempre foram monossilábicas e evasivas, foi até um pouco apática,
para não dar a impressão de estar interessada por qualquer um deles. Realmente não estava.
Eulália enfiou-se na cozinha, uma das cozinheiras acabou deixando-lhe na mão, de última
hora, e para que tudo saísse como o previsto, ela tomou as rédeas da situação. Os garçons
estavam circulando com os aperitivos para os convidados, Nora e Sabrina cuidavam da parte do
chope, e mais três garçonetes circulavam com diferentes tipos de bebidas. Tudo conforme o
planejado.
Sabrina, assim como Nora, não estava de uniforme. Além de ajudar na festa também era uma
das convidadas. Estava receosa no início, pois apesar de ter prometido não dar palpite no
relacionamento recente de Nora e Lucas, preparou-se para amparar sua amiga, caso acontecesse
algo inesperado. Estava ajudando Nora encher as canecas de chope para os convidados, do lado
de dentro do balcão. Não quis se afastar da amiga e de onde estava podiam conversar sem que
os convidados se aproximassem. Ela conhecia praticamente todos, cumprimentara algumas das
mulheres ali presentes e também os homens. Nenhum dos amigos de Caio, exceto Lucas, sabia sobre
o noivado e a gravidez. Fazia pouco tempo que se acertaram e era a primeira vez que iam juntos
em um evento. Estava nervosa, sabia que sua imagem perante aquelas pessoas não era das
melhores. Muitos ali presenciaram seus momentos de solteirice bem aproveitada, alguns deles
compartilharam muito mais do que apenas um copo de cerveja. Mas ela não se deixaria intimidar,
tinha um passado, fato, mas seu foco estava no presente e no futuro que lhe aguardava, como mãe
e futura esposa do homem que tanto amava.
Caio estava cercado por seus amigos, conversava, sorria, distraía-se por breves momentos.
Mas sua atenção logo se voltava para a noiva. Sabrina estava linda, usava um vestido floral curto,
deixando suas pernas à mostra. Devido à gravidez, os seios estavam maiores e mesmo que ainda
não fosse visível, ele enxergava o volume de sua barriga. Engraçado, para todos os presentes ela
continuava sendo a mesma de sempre, mas não para ele. Sabrina era sua noiva, a mãe de seu
bebê, sua futura esposa. E mesmo que alguns dos homens que estivessem ali presentes se
envolveram com ela, Caio não se importava. Pois ele também esteve envolvido com algumas
daquelas mulheres. A página foi virada e agora eles escreviam sua própria história.
— Com tanta mulher gostosa nessa festa, você não tira o olho da Sabrina, Caião!
Caio fitou Daniel, o senhor inconveniente. Ele sempre dava um jeito de fazer suas
provocações idiotas.
— Sabrina é a única que me interessa — respondeu com convicção.
— Credo! Até parece que está apaixonado — desdenhou o filho do prefeito.
— E se eu estiver, Daniel? Que porra você tem a ver com isso? — Estava perdendo a
paciência.
Daniel soltou uma gargalhada.
— Logo por quem? Aquela boquinha já passou pelo pau de quase todo mundo nessa festa.
Em questão de segundos, Caio segurou Daniel pela gola da camisa de grife e o jogou com
firmeza contra uma parede. Os convidados em volta se alertaram e o burburinho tornou-se
algazarra.
— Se falar merda de novo, eu te quebro a cara, Daniel. Sabrina está comigo agora e não
admito que a desrespeite. Seu merdinha do caralho.
Daniel levantou as mãos para o alto, nervosamente.
— Foi mal, cara. Não sabia que vocês estavam juntos! Até ontem, você dizia para a gente
que ela era uma putinha assanhada, como eu ia adivinhar que está de quatro por ela?
O golpe foi desferido sem dó, nem piedade. Caio sentiu-se satisfeito por deixar o rosto de
Daniel marcado. Logo sentiu braços à sua volta, puxando-o para longe do cretino. O homem ria
descaradamente, zombando de sua fúria. Ele sempre teve um pé atrás com o Daniel, mas relevava
seus comentários maldosos e atitudes escrotas, apenas por não ser o alvo direto das provocações.
Daquela vez foi diferente, envolveu Sabrina e zombou dele diante de todos. Não deixaria que
Daniel saísse ileso.
— Seu imbecil! Meça suas palavras quando falar da minha mulher!
— Acalme-se Caio — pediu Lucas, segurando-o com firmeza. — Não estraga tudo, man.
— Ele se acha melhor que todo mundo! Quem ele pensa que é? — vociferou Caio, tentando
se soltar para agredir Daniel novamente.
— Não banque o bom moço para cima de mim, Caio — retrucou Daniel, sem se intimidar. —
Eu não disse nenhuma mentira. Se você quer levar a garota a sério, problema seu. Mas isso não
significa que Sabrina se tornou uma santinha da noite para o dia. Não sou o único que pensa
assim, então melhor se acostumar.
— Já chega!
Todos voltaram sua atenção para Sabrina. A garota invadira a roda que se formou no canto
do bar e alternou o olhar entre Caio e Daniel.
— Posso ser uma putinha assanhada, mas você não tem o que falar a meu respeito, Daniel!
Afinal, quando me ofereceu dinheiro para te chupar, eu não aceitei. Pois não faço caridade, pau
pequeno, nem pagando eu chupo.
As vaias e risadas aumentaram, Daniel ficou vermelho e fitou a garota com ódio.
— Podem parar com o barraco, ou mando todo mundo embora! — Foi a vez de Eulália
intervir.
Os convidados começaram a se dispersar e Daniel saiu acompanhado de três amigos,
escoltando-o para fora do Alcapone’s.
— Caio e Sabrina, eu acho que essa festa já deu para vocês. — disse Eulália, antes de
voltar para a cozinha.
Aquela era a deixa para os dois se retirarem da festa. Sabrina segurou as lágrimas e foi a
passos firmes até o balcão, onde Nora estava sozinha.
— O que houve? — perguntou Nora, preocupada.
— Fica calma, Nora. Não teve nada a ver com o Lucas. O problema sou eu e o meu passado
pecaminoso.
Nora franziu a testa, não fazia ideia do que havia acontecido, estava atendendo aos
convidados e apenas viu quando algumas pessoas se aglomeraram em um canto do bar. Parecia
briga.
— Vamos para casa, Sá. — Caio surgiu atrás da noiva e lhe abraçou pela cintura.
— Eu vou para casa, Caio. Você, eu não sei. — Sabrina desvencilhou-se do homem e saiu em
direção à rua.
Caio ficou estupefato, não compreendeu por que a garota lhe deixara ali.
— Vá atrás dela, Caio — aconselhou Nora, preocupada com a amiga.
Sem dizer nada, Caio saiu apressadamente para alcançar Sabrina.
— Nossa, que confusão... — murmurou uma voz masculina, conhecida.
— Ivan? Que surpresa te ver aqui hoje! — Nora sorriu para o colega de trabalho, que
retribuiu ainda mais animado.
— Cheguei há pouco tempo, o suficiente para presenciar O Caio dando um soco no filho do
prefeito.
— Oh meu Deus!
— Ele bem que mereceu. O Daniel não é flor que se cheire.
— Quer chope? — Nora ofereceu.
— Sim, por favor.
Assim que entregou o copo descartável para Ivan, o olhar de Nora percorreu todo o bar, em
busca de Lucas. Porém não o viu em lugar algum.
— Está procurando alguém? — interrogou Ivan.
Ela deu de ombros, tentando disfarçar.
— Ninguém. Só conferindo se está tudo ok.
— Não sabia que você trabalhava aqui — comentou Ivan.
A verdade é que Nora não comentava sua vida particular com ninguém. Ivan e ela
conversavam durante o horário de almoço na oficina, mas nada pessoal, os assuntos giravam em
torno da faculdade, na maioria das vezes.
— É só por hoje.
Mais uma vez, Nora procurou por Lucas entre os convidados e não o encontrou.
Alguns convidados apareceram no balcão e pediram chope. Estava sozinha, tentando dar
conta de atender a todos. Depois que Sabrina foi embora, nenhum dos garçons apareceu para
ajudá-la.
— Só um minutinho pessoal, que eu ainda não consigo me dividir em duas — disse ela,
tentando descontrair diante da situação.
— Eu é que te divido em duas, se te pego, menina... — Alguém murmurou, na fila que se
formava atrás do balcão.
Nora paralisou ao ouvir aquilo. Pensou em tirar satisfações com o engraçadinho, mas
repensou. Além de ser o aniversário de seu namorado, também estava trabalhando e não faria
nada que pudesse prejudicar a reputação do Alcapone’s. Continuou servindo os copos como se não
tivesse ouvido aquele comentário esdrúxulo.
— Ei, deixe-me ajuda-la — ofereceu Ivan, já ao seu lado. — Se eu ficar aqui com você,
esses engraçadinhos irão sossegar o rabo deles.
Nora sentiu-se agradecida e aceitou de bom grado a ajuda de Ivan.
— Tudo bem, eu encho os copos e você entrega. Tudo bem?
— Deixa comigo, gatinha!
Conseguiram dar conta do serviço e Nora sentiu-se mais segura na companhia de Ivan. Eles
conversavam e riam nos intervalos, e aos poucos ela foi se sentindo muito mais à vontade. O
garoto era ótima pessoa e ela o considerava um amigo, mesmo que não fosse como Sabrina em
nível de cumplicidade. Nora gostava de Ivan e confiava nele. A única coisa que incomodava a
garota, naquela festa, era o sumiço repentino de Lucas.
Lucas seguiu Ricardo, Eric e João Paulo, os três amigos que seguravam Daniel. Viu quando
Caio seguiu Sabrina em direção à casa da moça e sentiu-se mais tranquilo, o amigo e a noiva logo
se entenderiam. O que não podia permitir é que Daniel continuasse agindo como um babaca.
Sempre relevaram o comportamento do homem, mas o filho do prefeito estava ultrapassando os
limites e, desde aquela noite no La Lola, Lucas estava saturado do comportamento do amigo.
— Me soltem, porra! Não fui eu quem saiu batendo em alguém — vociferou Daniel,
remexendo-se para que os amigos o soltassem.
— Soltem-no e voltem para a festa. Obrigado pela força, pessoal — agradeceu, Lucas.
Estavam nos fundos do Alcapone’s. Assim que os rapazes voltaram para dentro, Lucas esperou
Daniel dizer alguma coisa, mas o homem permaneceu em silêncio.
— Por que você é assim, cara? — perguntou Lucas, quebrando o silêncio.
— Assim como? Qual é, Lucas. Vai querer me dar lição de moral?
— Nada disso, man. Mas você está sempre tirando onda com a gente, principalmente se
tratando de mulheres. Relevamos porque é nosso amigo, mas hoje você insultou o Caio, mesmo ele
pedindo que não falasse da Sabrina.
Daniel bufou, irritando-se com aquela conversa. Começou a andar de um lado para o outro,
tentando ficar calmo. Gostava do Caio, gostava de Lucas também, não queria arrumar mais
confusão.
— Como eu ia saber que ele está apaixonado pela puta da Sabrina? O Caio sempre fez
aquela menina de gato e sapato. Não dá para levar a sério o que ele diz.
— O lance deles é sério, man.
Daniel riu.
— O mundo dá voltas...
— Chega de confusão na minha festa, tá legal? Não somos garotos do colegial, nós somos
homens porra!
— Está certo, vamos voltar para a festa. Eu tenho uma surpresinha para você!
Lucas pestanejou. Que surpresinha Daniel teria preparado? Teve a intuição de que não
gostaria do que estava por vir.
— Que merda você aprontou para mim, Daniel?
O filho do prefeito sorriu com malícia.
— Nada que você não esteja acostumado.
Esse é o problema, porra!
Daniel entrou no Alcapone’s e Lucas o seguiu. Assim que o amigo se aproximou do balcão,
Lucas presenciou de longe uma cena que lhe desagradou: Nora e Ivan lado a lado, próximos
demais. Ele dizia algo ao pé do seu ouvido e ela tentou segurar o riso, mas não conseguiu. Daniel a
chamou e Nora franziu a testa, mas logo anuiu para ele e lhe entregou uma garrafa de tequila.
Ivan ajudou a garota a dispor os copinhos e Daniel preparou os shots, formando uma fila na
horizontal.
— Gatinhas solteiras, venham até aqui! — gritou Daniel, despertando a atenção dos
convidados. — Chegou a hora de cantar os parabéns para o nosso amigão, Lucas Marinho! E esse
ano, as velinhas serão diferentes.
As mulheres se aglomeraram em torno de Daniel, que parecia estar gostando de ser o centro
das atenções. Lucas ainda estava sob o efeito da raiva que sentiu ao ver Ivan e Nora tão íntimos,
publicamente. Exatamente do jeito que ele queria. Permaneceu escorado em um pilar, observando
o show que seu amigo estava proporcionando aos convidados.
— Vamos lá amorzinhos, mostrem os tanquinhos para nós. Quem quiser segurar uma velinha
para o Lucão, vai ter que tirar a blusa.
Lucas ficou tenso de repente. As coisas estavam caminhando para um lado nada bom. Não
agora que estava comprometido secretamente com a menina atrás daquele balcão, ao lado de um
dos seus funcionários mais queridos. Aproximou-se lentamente, tentando entender qual era o plano
de Daniel.
— Estão vendo esses shots de tequila? — O filho do prefeito gesticulou, de forma teatral. —
Vinte e nove doses, representando cada ano de vida do nosso aniversariante. E vocês, minhas
meninas lindas, serão o bolo!
Os aplausos surgiram em polvorosa. As garotas começaram a tirar a blusa e Daniel a
distribuir os shots.
— Coloquem o shot entre os peitos, meninas! Isso mesmo, nosso Lucão beberá todas as
velinhas direto dos seus cupackes! Quem sabe hoje não é a noite de sorte de uma de vocês? Ou
mais de uma?
— Que merda... — murmurou Lucas para si mesmo.
Nora sentiu o corpo paralisar ao ouvir o que o amigo de Lucas acabara de dizer.
— O que será que ele vai fazer, Ivan?
— Isso não vai prestar — murmurou o rapaz. — Vinte e nove shots de tequila? O Lucas vai
cair em coma alcoólico. Esses caras são muito doidos, agora entendi porque as festas deles são
famosas.
— Venha até aqui Lucão! — chamou Daniel. — Aqui está seu presente de aniversário! A
gente canta os parabéns e você assopra as velas! Neste caso, terá que beber cada shot de
tequila, diretamente dos peitinhos deliciosos dessas gatinhas. Não vale segurar com a mão, isso fica
para mais tarde.
Novamente os assovios, palmas e algazarra tomaram conta do ambiente. Lucas se aproximou,
mas estava focado em Nora. Ele viu a angustia nos olhos da menina e seu coração amoleceu,
deixando a raiva causada pelo ciúme de lado.
— Quer foder com o meu fígado, man? — perguntou, tentando não demonstrar desconforto
na frente dos amigos.
— O que foi Lucas, vai “arregar”? — provocou Eric.
— Tá com medinho da mamãe sentir o bafo de tequila. Vai ficar sem sobremesa por um mês!
— Ricardo continuou com a chacota.
— Lucas fugindo de mulher? Essa é nova! — gritou João Paulo.
Todos os convidados estavam em volta de Lucas, atiçando o homem em relação ao desafio
que Daniel lhe propusera. Sentindo-se entre a cruz e a espada, Lucas fitou Nora mais uma vez e
conseguiu ler seus lábios quando ela mumurou um “não” sem emitir som algum.
— Vamos lá pessoal! Parabéns pra você... — Daniel puxou o coro, todos começaram a cantar
os parabéns para incitar Lucas a cumprir o desafio.
Sem saber o que fazer, Lucas deu um passo à frente em direção à primeira mulher da fila.
Reconheceu Marcinha, uma das que já levara para o flat. Logo depois prestou atenção nas outras
que estavam atrás dela. Se fosse em outros tempos, ele cumpriria o desafio de bom grado.
Mas os tempos haviam mudado.
Ele não era mais o homem que costumava ser.
Quando se deu conta de que não ia fazer o que todos ali presentes esperavam, Lucas
procurou a única pessoa que lhe importava, a única que não queria que ele cometesse aquela
loucura.
Lucas Marinho, um homem de vinte e nove anos, dono de seu nariz, de suas vontades. Não
precisava provar nada para nenhuma daquelas pessoas, pois nenhuma delas era a dona do seu
coração. Apenas ela, Nora Sampaio.
Mas onde ela estava? Não a viu em lugar algum. Nem ela, nem Ivan.
— Merda!
Afastou-se das mulheres, ignorou os parabéns. Foi até o balcão e encontrou duas garçonetes.
Nenhum sinal de Nora. Nenhum sinal de Ivan. Correu até a sala de funcionários do Alcapone’s, onde
Nora se refugiou da última vez, mas a sala estava vazia. Foi até os fundos do bar, onde se
encontraram no início da noite, mas foi em vão.
— Aonde você se meteu, bruxinha?
Será que ela foi embora? Será que Ivan a levou dali?
Mil perguntas se passavam pela mente de Lucas, ele apressou-se em sair dali para ir
procurá-la. Não podia permitir que algo que não aconteceu, estragasse tudo o que estavam
construindo juntos naquele relacionamento.
— O que deu em você, man? — perguntou Daniel, barrando Lucas no caminho.
— Sai fora, Daniel. Eu tenho que sair logo daqui. — Tentou se desvencilhar.
— Sem apagar as velinhas?
Lucas conseguiu se soltar e empurrou Daniel, apenas o suficiente para que ele saísse da sua
frente.
— Foda-se as velinhas!
Sem se importar em abandonar sua própria festa, Lucas caminhou a passos largos até seu
Porsche. Havia bebido, mas não o bastante para ser um motorista perigoso. Precisava encontrar
Nora o mais rápido possível. Deu a partida no carro e pegou a estrada, seguindo o trajeto que
levava para a mansão de sua família. Não havia nenhum carro na estrada, o que deixou Lucas
ainda mais nervoso. Mas após alguns metros, avistou na calçada, escorados em um muro, aqueles a
quem procurava desesperadamente. Tentando assimilar a cena diante de si, sentindo ódio e a fúria
o consumir por dentro, Lucas encostou o carro e em tempo recorde correu para afastar Ivan de
Nora. Não conseguia acreditar no que acabara de presenciar: sua namorada pressionada contra
o muro, sendo beijada pelo rapaz a quem tinha enorme apreço.
— Não toque nela, seu merdinha! — vociferou ele, puxando Ivan pelo braço.
Com toda a sua força, Lucas arremessou o garoto para o chão, e foi em sua direção disposto
a enchê-lo de pancadas.
— Por favor, Lucas! Não! — implorou Nora, derramando-se em lágrimas.
Ivan se levantou, mas se manteve afastado. Lucas fitou sua namorada, sentindo-se traído.
Estava odiando-a naquele momento, sua respiração pesada, a adrenalina em seu corpo, o aperto
em seu coração ao ver sua garota nos braços de outro.
— Está defendendo ele? — gritou, apontando o dedo para ela.
— Não é isso, Lucas! E-eu...
— Cara, foi só um beijo! — interveio Ivan. — Ela nem...
— O que você está fazendo aqui ainda? — O olhar de Lucas na direção de Ivan era quase
assassino. — Some daqui!
Ivan levantou as duas mãos, rendendo-se à Lucas.
— Tudo bem, eu vou! Mas e ela? — Apontou para Nora. — Eu ia levá-la para casa.
Lucas deu um passo na direção de Ivan, que recuou. Nora aproximou-se do namorado para
tentar acalmá-lo e explicar o equívoco, mas o olhar de Lucas deixou-a temerosa. Ele jamais a
olhara com tanta raiva.
— Fique longe, Nora! — pediu Lucas, com a voz desprovida de qualquer emoção. — Não
toque em mim, não chega perto de mim. — Voltou sua atenção para Ivan. — Se manda daqui
moleque, ou eu soco a sua cara!
— Mas e ela?
— Ela não tem nada a ver com você!
— Pode ir Ivan — pediu Nora, entre as lágrimas. — Lucas vai me levar para casa, não se
preocupe.
— Ele vai contar para o seu pai. Não é culpa sua...
— Ele não vai contar, Ivan. Pode ir.
O garoto alternou o olhar entre Nora, magoada e chorosa, e Lucas, furioso e prestes a
agredi-lo. Não sabia o que fazer, mas para evitar maiores transtornos, além do que já causara à
garota, Ivan foi embora, caminhando em direção à rodoviária. A festa para ele já havia
terminado. Infelizmente para Nora também, por sua culpa.
Lucas observou Ivan se distanciar. Respirou fundo e fechou os olhos, tentando recuperar sua
calma. Estava muito alterado, o turbilhão de emoções deixando-o instável. A dor em seu peito
deixando-o vulnerável e suscetível a falar ou fazer alguma besteira.
— Lucas, por favor...
— Cale essa boca!
— Mas eu...
— Entra logo nesse carro e fique quieta, Nora. Não quero ouvir a sua voz, nem a sua
respiração. Só fique quieta, porra!
A garota não sabia mais o que fazer, ver Lucas daquele jeito partia seu coração. Queria
explicar que seu coração pertencia a ele, e somente a ele. Mas o homem que amava não parecia
ser aquele que lhe mandara se calar. O Lucas por quem se apaixonara não estava ali. Sem dizer
nada, Nora foi até o Porsche estacionado e sentou-se no banco do carona. Tudo o que conseguia
fazer era rezar e pedir aos céus que seu Lucas voltasse para ela.
NORA
Meu Deus! Isso não pode estar acontecendo comigo, com a gente. Lucas precisa me ouvir, mas
a maneira como gritou comigo me deixou sem palavras, até mesmo com medo. Ele está muito
alterado e não sei como lidar com esse Lucas. Estamos chegando à mansão e ele para o carro,
aguardando os portões se abrirem. Olho para a guarita e não vejo o senhor Gerônimo, felizmente
é outro que está fazendo o turno da noite. O senhor Gerônimo é muito querido e praticamente me
adotou como sua neta, me ver no carro de Lucas à esta hora da noite, com certeza o deixaria
intrigado e talvez o fato poderia chegar até meu pai. Não gosto que notícias se espalhem sem que
eu seja a portadora dela, trata-se da minha vida e sou eu quem irá dizer ao papai que Lucas me
trouxe para casa.
Ele entra na propriedade e os portões se fecham, está um silêncio absoluto, nem mesmo o
rádio que tanto gosta de ouvir, está ligado. Minhas lágrimas cessaram, esgotei todas elas durante o
trajeto. Pensei em cada detalhe do que aconteceu e sei que errei feio em alguns momentos, se
tivesse permanecido no Alcapone’s, o incidente entre Ivan e eu seria evitado e toda a dor que sinto
agora não existiria. Ou seria ainda pior. Ver Lucas encarando aquelas mulheres, principalmente a
primeira da fila, despertou em mim um ciúme terrível, ele parecia estar travando uma batalha
interna e quando seu sorrisinho apareceu nos lábios, senti minha derrota ser declarada. Ele não
desistiria do desafio na frente de todas aquelas pessoas. E eu não sou forte o bastante para vê-lo
agir como o homem que ele disse não existir mais. Saí correndo de lá, cega pelas lágrimas, sem
pensar no perigo que era andar sozinha à noite.
Quando Ivan me alcançou e pediu que me acalmasse, desabei ainda mais. Ele não entendia o
porquê eu chorava desesperadamente e comecei a murmurar perguntas sem sentido, querendo
saber porque minha vida estava se transformando em uma bagunça, quando tudo parecia um
conto de fadas moderno. Escorei-me no muro e apoiei minhas mãos no joelho, sentindo o fôlego me
faltar. Nunca me senti tão desesperada e isso me assustou, me tornar essa pessoa instável quando
eu me orgulhava de ter a cabeça no lugar. Ivan pediu que eu me acalmasse e se aproximou,
abraçou-me e disse que ia ficar tudo bem. Tentei me acalmar e quando fui desfazer o abraço, ele
me surpreendeu, prendeu-me contra o muro e me beijou. Jamais esperava que ele pudesse fazer
algo assim, nunca lhe dei abertura para pensar que eu estava interessada nele. Imediatamente eu
tentei me afastar, mas devido ao abraço, estava presa a ele e isso dificultou que eu me afastasse.
Foi então que Lucas apareceu e o mal-entendido se formou. Agora eu preciso explicar que não o
traí, antes que pense que sou como essas mulheres com a qual está acostumado a lidar.
— Desça do carro.
Nem percebi que entramos na garagem. Ouço o portão elétrico se fechando e a cada minuto
parece que meu mundo vai desmoronar ainda mais. Lucas está frio e distante, seus olhos azuis
cristalinos cheios de raiva.
— Deixe-me explicar, por favor.
Não posso simplesmente virar as costas e ir embora. Cometi esse erro no Alcapone’s, mas
aprendia lição. Temos que resolver esse assunto agora, ou pode ser o fim da minha história de
amor, que mal começou. Olho para Lucas, ele está com os braços e a cabeça apoiados no volante,
como se tentasse se esconder de mim.
— Nada explica o que eu vi, Nora.
Meus lábios estremeceram e senti que iria chorar novamente. Engoli em seco e me mantive
firme ao meu propósito.
— Eu não o beijei. Sequer permiti que Ivan me beijasse. Estava tentando me afastar dele
quando você chegou! Precisa acreditar em mim, Lucas! Jamais faria isso com você.
Ele não diz nada, continua com o rosto enterrado no volante.
— Eu sei que é difícil você confiar — tentei um novo argumento. — Mas pense um pouco,
nunca te dei motivos para acreditar que estou interessada em outra pessoa. Só existe você no meu
coração. Desde sempre é só você Lucas.
Cada segundo de silêncio era como se ele se afastasse cada vez mais de mim. Senti que o
estava perdendo, que o laço entre nós estava se desfazendo aos poucos.
— Nunca foi difícil confiar em você, Nora. — Levantou o olhar para mim e ver os resquícios
de lágrimas em seus olhos me fez sentir a pior das pessoas. — Sempre fui eu o indigno de
confiança. O que tenta provar a você, aos meus pais, e até a mim mesmo, que posso levar um
relacionamento adiante, pois se gosto tanto de alguém, não devo ser um cretino.
— Eu confio em você...
— O caralho que você confia! — grita, tornando a me fitar com raiva. — Se confiasse em
mim não teria saído daquele bar. Teria ficado e presenciado o momento em que pulei fora.
— Você não bebeu? — pergunto, realmente me sentindo surpresa.
Ele ri, mas não é aquele tipo de risada que você dá quando acha algo engraçado. É aquela
risada forçada.
— Se confia tanto em mim como diz, acha que devo responder essa pergunta? — Sua frieza
comigo me fere por dentro. — Acabei de dizer que pulei fora, menina! Isso não é suficiente para
você? Estou cansado para porra! Passei a festa inteira contigo em meus pensamentos, me
policiando para não te decepcionar, não que eu quisesse fazer algo errado, mas não quis te dar
motivos para insegurança. E o que você fez? Ficou de papinho com o Ivan, atrás do balcão.
Cochichando e rindo como dois namoradinhos. E na primeira oportunidade de presenciar que ao
invés dos meus amigos e da farra com a qual estou acostumado, eu te escolhi, onde é que você
estava? Saiu correndo como uma criança amedrontada. Então, como quer que acredite que confia
em mim?
— Eu só...
— Você não faz ideia da proporção que isso toma em nossas vidas, Nora.
— Lucas, por favor...
— Presenciar você nos braços de outro. — Fecha os olhos com força. — Acabou comigo,
você tem o poder de me destruir e não se dá conta disso. É tão difícil enxergar que a porra dos
meus sentimentos, são reais?
Minhas lágrimas tornam a cair. As palavras de Lucas perfuram meu coração, tudo o que ele
tem feito por nós é muito maior do que eu tenho feito. Devo reconhecer que desta vez ele é o dono
da razão. Considerar-me adulta porque estou às vésperas de atingir a maioridade não chega
perto do que é a verdadeira maturidade. Sou uma garota que pensa que é gente grande, mas no
fundo sou apenas uma menininha assustada.
— Eu sinto muito — murmuro, com a voz trêmula.
Lucas me olha com pesar, vejo a decepção em sua face. Eu daria qualquer coisa para provar
a ele que o amo e que acredito em nós. Cometi um grande erro e agora não sei como posso
consertar as coisas.
— Como posso levar isso adiante? — Pergunta ele, deixando uma lágrima cair. — Ir para
longe, me manter afastado até você completar dezoito anos. Voltar e tentar mostrar ao seu pai
que as minhas intenções com você são sérias. Provar aos descrentes que estou disposto a mudar,
que já mudei. Não posso enfrentar isso sozinho, você tem que aprender a lutar por nós. Se o que
aconteceu naquele bar é muito para você enfrentar, como será quando chegar o momento de
revelar nosso namoro para todos? Como posso ser forte se você se acovardar?
Assinto, em silêncio. Ele tem razão. Nada do que eu disser irá justificar minhas ações. Minha
inexperiência em relacionamentos? Eu não posso usar esse fator sempre. Estou em um
relacionamento agora, e se desejo que ele prospere, preciso fazer por merecer.
— Vai para casa, Nora. Seu pai deve estar te esperando.
— E a gente? — pergunto aflita.
Lucas volta a se apoiar no volante e não me olha mais.
— Teremos dois meses para pensar se isso vale mesmo a pena.
— Está terminando comigo?
Ele não responde e minhas lágrimas persistem em cair.
Solto-me do cinto de segurança e abro a porta do carro, Lucas continua imóvel.
Meus Deus! Ele está desistindo de mim, por minha culpa! Não posso permitir que isso aconteça.
Caminho decidida até a frente do Porsche, desabotoo minha camisa, deixando à mostra o
meu sutiã. Não se trata de nenhuma lingerie chique, apenas um sutiã simples, preto com poá em
branco. Abro o botão de minha calça jeans e desço o zíper. Lucas permanece em silêncio e não vê
o que estou fazendo.
— Eu não vou embora — digo com determinação. — E eu não quero que você vá nessa
viagem, Lucas. Quero que fique e enfrentaremos juntos o que vier pela frente. Também quero que
pare de me tratar como uma menininha, e passe a me ver como uma mulher.
Ele não se move e minha autoconfiança começa a se abalar.
Não! Eu não posso desistir tão fácil!
— Olhe para mim, Lucas. Quem está sendo o covarde agora?
A palavra “covarde” parece tê-lo despertado. Lucas olha em minha direção e a frieza de
antes aos poucos vai se dissipando. Eu sei que ele me deseja, nunca escondeu de mim o quanto
meu corpo o afeta. Se para ter sua atenção eu preciso usar este fator ao meu favor, eu o farei.
Está na hora de agir como uma mulher de verdade e mostrar ao homem que amo, que sou
corajosa o bastante para lutar por nós.
— Vai mesmo me mandar embora com o gosto de outro na minha boca? Você não pode me
deixar, Lucas Marinho. Eu amo você.
LUCAS
Meu coração bate forte, parecendo uma bomba relógio pronta para explodir a qualquer
momento. Em questão de alguns minutos, o paraíso no qual eu pensei que me encontrava tornou-se
um inferno. Briguei com um amigo, fugi de minha própria festa de aniversário e encontrei a garota
por quem estou perdidamente enlouquecido, nos braços de outro. Nunca estive preparado para
algo assim, eu sempre soube que estar com Nora às escondidas não é a maneira mais correta de
levar este relacionamento, mas vocês são testemunhas de que tenho tentado fazer o que é certo.
Tenho todos os defeitos do mundo, mas minhas intenções com essa menina são as melhores, e
quando vi Ivan beijando-a, deixei que o ciúme me cegasse. Não se trata de confiança, eu sempre
confiei nela, mas eu vi o que vi, não há como negar. Larguei tudo para trás e fui atrás dela e
então a vi com outro. Ninguém com sangue nas veias conseguiria manter a calma diante de uma
situação dessas, senti-me traído, enganado, e agora percebo como fui uma merda de homem
quando traí Bárbara. Ela não merecia sentir o que senti esta noite, e eu fiz isso com ela mais de
uma vez.
Sim, isso deve ser um castigo divino. Deus está me punindo pelo ser humano escroto que fui ou
talvez ainda seja. Colocou um anjo em minha vida e me fez perceber o quanto tenho cometido
erros ao longo dos anos, e então o ser mais inocente que conheço, também cometeu um erro. Sei
que eu decepcionei muita gente e a única pessoa que pensei que não me decepcionaria, deixou-
me nesta situação. Não acredito que estou chorando por ela, não acredito que essa dor que sinto
por dentro é tão insuportável que me faz querer gritar e dizer palavras dolorosas para que ela
se sinta da mesma maneira. Isso me torna uma pessoa ruim e eu não quero ser uma pessoa ruim.
— Eu não vou embora. E eu não quero que você vá nesta viagem, Lucas. Quero que fique e
enfrentaremos juntos o que vier pela frente. Também quero que pare de me tratar como uma
menininha, e passe a me ver como uma mulher.
O que essa garota está dizendo? Eu sempre a vi como uma mulher, porra! Desde o primeiro
momento eu a vi como mulher e a desejei para mim. Talvez esse tenha sido o meu maior erro. Eu
deveria tê-la visto como uma menina e por consequência deste fato, me mantido afastado. Mas
não, persisti até corrompê-la, até fazê-la me ver como um homem e corresponder às minhas
expectativas.
— Olhe para mim, Lucas. Quem está sendo o covarde agora?
A garota está brincando com fogo. Alguém precisa mostrar a ela que esse tipo de jogo não
se faz, a não ser que você pretenda levá-lo até o fim. E ela é correta demais para seguir adiante
com esse tipo de provocação.
Levanto minha cabeça do volante e olho para frente do meu carro, onde ouvi sua voz.
Puta que pariu!
Nora está com a camisa aberta e aquele maldito sutiã estilo bonequinha, parece implorar
para ser rasgado. O zíper da calça também está aberto e posso ver sua calcinha querendo
aparecer. Inevitavelmente o meu pau ganha vida, minha raiva mistura-se ao tesão e me odeio
ainda mais por não conseguir controlar meus impulsos sexuais. Ela quer e está conseguindo me
enlouquecer.
— Vai mesmo me mandar embora com o gosto de outro na minha boca? Você não pode me
deixar, Lucas Marinho. Eu amo você.
Não acredito no que acabo de ouvir. Isso só pode ser um pesadelo, um sonho, sei lá! Que
porcaria de destino é esse que brinca com a gente como se fossemos marionetes? Que porra essa
menina sabe da vida para dizer tão abertamente que me ama?
Eu tenho que estar alucinando.
Encaro-a em silêncio e espero algo acontecer. Talvez eu acorde de repente em meu quarto,
ou no flat, constatando que bebi as vinte e nove doses de tequila. Ou talvez ela comece a rir de
mim, dizendo que tudo não passou de uma brincadeira, um jeito mórbido te me pregar uma peça,
como presente de aniversário.
Mas o que eu estou dizendo? Não se trata de imaginação, está realmente acontecendo.
Levanto-me e ando até ela, minha respiração falha porque ela me tirar o fôlego. Nora não
possui um padrão de beleza convencional, ela pode ser considerada magra demais, sem grandes
atributos por ainda ser muito jovem e não ter um corpo tão desenvolvido, mas aos meus olhos ela é
perfeita. Sua pele exposta desta maneira só me dá a certeza de que eu realmente a desejo com
voracidade. Mesmo estando muito puto com ela e toda a situação à nossa volta, meu corpo
responde de imediato ao seu. Uma dádiva, mas ao mesmo tempo a pior das maldições.
— O que você está fazendo, mocinha? — pergunto, tentando me manter sensato. Um de nós
precisa ser o adulto agora. E ela não é a melhor candidata.
— Estou tentando te fazer ficar, me ouvir, não desistir de nós.
Ela está chorando e eu odeio vê-la chorar. Aproximo-me ainda mais, ficamos frente a frente
e posso sentir o calor de sua pele. Estamos quase nos tocando e me sinto orgulhoso do meu
autocontrole. Ela está por um fio e é bom que ela se vista logo.
— Eu te disse para ir pra casa, Nora.
Ela rompe o último centímetro de distância entre nós e meu pau se aperta ainda mais dentro
das calças. Fecho os olhos, evitando encarar os seios perfeitos, tão expostos, deixando-me sedento
por degustá-los.
— Eu não vou. — Ela responde com teimosia. — Você não pode me deixar.
Continuo de olhos fechados, mas sinto quando suas mãos tocam meu peito, ela com certeza
pode ouvir a batida frenética do meu coração.
— Sem confiança, não há esperança para nós — digo, tentando me manter firme.
— Sei que errei Lucas, mas quero te provar que confio em você. Não quero mais te
decepcionar.
— Não é tirando a roupa para mim que irá mostrar o seu valor, menina.
— Para de me chamar de menina! — grita, socando-me com agressividade.
Abro meus olhos e a seguro pelos pulsos, com firmeza. Como pode ser tão destemida? Como
ousa me enfrentar assim?
— Então pare de se comportar como uma! — Devolvo no mesmo tom.
Tudo bem, sei que peguei pesado agora.
— Desculpe — peço rapidamente, tentando consertar as coisas. — Você está me enfrentando
e eu não penso direito nessas horas, sabe disso. — Dou dois passos para trás e solto seus pulsos.
— Ainda estou puto com o lance do Ivan, com o fato de você ter ido embora do bar. Você não
pode simplesmente tirar a roupa e se oferecer desse jeito. Você vale muito mais que isso, Nora.
Não é justo me aproveitar desta situação. Então vá pra casa.
Ela morde os lábios e engole o choro, mas não arruma as roupas no lugar. Nora senta-se no
capô do carro e me olha de um jeito... obsceno.
— Eu quero você e quero agora. Sei que você também me quer, Lucas...
Nego com a cabeça.
— Não assim. Eu não faria amor com você, eu te comeria. Não seria pelo prazer de estar
com você. Seria um cachorro mijando no poste, marcando seu território.
Ao invés de se sentir acuada, Nora tira a camisa e a joga no chão. Dou um passo à frente e
estou tão perto, mais um pouquinho e posso tocá-la. Ela se aproxima e passa a mão pelo meu rosto,
acarinhando-me.
É o meu fim...
Estar tão perto e sentir seu toque em minha pele, desmorona minha barreira de autocontrole.
Quando sua boca se aproxima da minha, tudo o que consigo fazer é devorá-la. Sinto a
necessidade insana de fazê-la esquecer a porra do beijo que aquele garoto magricela deu contra
a sua vontade. Sinto a necessidade mesquinha de marcá-la como minha mulher, para que ela possa
sentir na pele como é ter meu corpo contra seu, como é ser preenchida inteiramente por mim. E eu
não consigo frear meus desejos, não consigo pensar com clareza, pois o tesão misturado à raiva,
complementado pelo meu machismo idiota, vencem qualquer razão. É emoção demais para ser
contida.
Impulsiono o corpo de Nora, enrosco suas pernas em torno de minha cintura. Ela geme alto
quando mordo seus lábios e isso desperta ainda mais o meu tesão. Escoro-a contra o capô do
carro e me mantenho pressionado contra ela, meu pau roça em seu jeans aberto, deixando-me
desesperado para tê-la pele contra pele. Nora toma a iniciativa e começa a tirar minha camiseta,
ajudo-a para que possamos ter um contato mais íntimo. Ela joga minha camiseta no chão, ao lado
da sua, e puxa-me novamente para um beijo. Estou faminto, não quero apenas beijá-la, quero
provar sua pele e cada pedacinho do seu corpo delicioso. Não é uma tarefa difícil, logo consigo
abrir a pequena fivela do seu sutiã. O pequeno par de seios está exposto, à minha mercê. Ela
respira ofegante, mas não vejo medo em seus olhos e isso me impulsiona a continuar. Nora pediu
por isso, deixou bem claro que me deseja então não há erro em termos um do outro o que tanto
queremos.
— Você é minha perdição... — murmuro antes de tomar um de seus delicados mamilos em
minha boca.
Os gemidos dela são música para meus ouvidos. Sugo com vontade, passo a língua em torno
da auréola, provocando-a antes de mordiscar o biquinho entumecido.
— Gostosa pra caralho...
Ela puxa meu cabelo com força, sei que está se derretendo com o prazer que lhe
proporciono. Descubro que aquela é uma de suas zonas erógenas. Nem toda mulher sente tesão
ao ser acariciada nos seios, mas Nora ama isso e eu torno cada momento uma tortura deliciosa. Ela
se contorce embaixo de mim, impulsiona sua pélvis contra meu pau, sente a necessidade de alívio,
tanto quanto eu. É por isso que ela é tão perfeita, porque nossos corpos respondem facilmente um
ao outro.
Abaixo uma das mãos, acaricio sua cintura e logo eu chego aonde quero: sua calça. Nora me
surpreende ainda mais, levanta seu corpo, facilitando para que eu abaixe o jeans juntamente com
a calcinha, descendo-as até os joelhos. Olho para sua bocetinha, está tão molhada e ainda nem
trabalhei nela. Passo a língua pelos lábios e meu desejo é mergulhar entre suas pernas e chupá-la
com força para fazê-la gritar o meu nome enquanto goza loucamente em minha boca.
— Eu vou te chupar tão gostoso, que você irá esquecer o próprio nome.
No fundo da minha consciência, eu sei que não é desse jeito que as coisas deveriam
acontecer. Mas eu tentei de todas as formas agir corretamente com ela, eu tentei provar que posso
ser um bom companheiro e tenho feito de tudo para que ela confie em mim. Em algum ponto eu
falhei, mas de todo o jeito, Nora ainda me quer. Ela tomou a iniciativa sem que eu a induzisse a
isso. E eu a desejo desde a primeira vez que a vi. No ponto em que chegamos, ou avançamos um
passo ou jogamo-nos em queda livre e torcemos para que um grande número de pedaços se
juntem depois, para um recomeço incompleto.
Inclino-me em direção ao meu paraíso e caio de boca em sua boceta. Introduzo minha língua
e quase gozo em minhas calças ao sentir seu sabor, ela geme alto puxa meu cabelo com mais
força, impulsionando-me a continuar. Não há como isso ser apenas sexo, é tão diferente de todas
as vezes que estive com outra. Ela é definitivamente, diferente. Ela foi feita especialmente para o
meu deleite. Não há uma maneira de eu me afastar dela, depois disso. Nora me pertence e
ninguém me impedirá de ficar com ela.
— Mais! — Ela pede e eu dou. Continuo estimulando seu ponto G com a língua e ela se
contorce cada vez mais, está cada vez mais perto do seu prazer e eu quero que ela chegue logo.
Porque assim que ela atingir o seu ápice, será a minha vez de me deleitar.
— Lucas... Oh, meu Deus!
Sorrio, satisfeito ao vê-la gozando com tanta volúpia. Mordisco seu clitóris mais uma vez, para
deixá-la ainda mais delirante. Nora se derrete em minha boca, deixando-se levar pelo seu desejo
e entregando-se a mim sem pudor algum. Não, ela não é uma menina. Ela é a mulher mais deliciosa
com quem já estive.
Subo lentamente, trilhando um caminho de beijos em seu corpo. Ela ainda não se recuperou
do orgasmo e este é o momento perfeito para mim. Abaixo minhas calças com pressa, apenas o
suficiente para o meu pau saltar para fora. Não há tempo perder, preciso disso com urgência. É
uma necessidade insana que me domina e faz com que eu pare de pensar com a razão. Em outro
momento eu poderei ser o seu príncipe encantado, poderei amá-la com paciência e adoração,
poderei ser delicado, carinhoso e romântico. Mas agora eu sou pura luxúria e desejo contido.
Quero meter nela tão fundo, com força para fazê-la gritar ainda mais alto do que quando gozou
em minha boca. Eu vou foder sua boceta do mesmo jeito que ela fodeu meu cérebro.
— Minha vez, bruxinha — sussurro em seu ouvido, antes de virá-la de frente para o capô do
carro.
Nora ainda está ofegante, espalma as duas mãos contra o carro e meu pau roça em sua
bunda macia. O líquido pré-ejaculatório desliza pela glande e sei que não vou durar muito. Seguro
firme em seu rabo de cavalo, puxo sua cabeça para trás, exatamente do jeito que imaginei
inúmeras vezes, enquanto me masturbava no banheiro. Ajeito meu pau em sua entrada e arremeto
com tudo.
— Ah!
O grito dela é esganiçado, como se tivesse sentido dor. Permaneço dentro dela e tento me
manter são. Nora é muito apertada e senti cada centímetro de seu interior se alargando para me
receber. Seu corpo está tenso e eu acaricio seu clitóris com a mão livre, a outra ainda segura o
maldito rabo de cavalo.
— Eu sei que sou grande, mas você se acostuma, bruxinha. Está tudo bem? — Pergunto.
Apesar de estar louco para me movimentar, preocupo-me com seu bem-estar. Tem que ser bom
para nós dois.
Ela anui, e solta um gemido fraco. Continuo parado, logo ela se acostuma ao meu tamanho.
— Continua. — Ela pede, com a voz entrecortada.
Solto seu cabelo e acaricio seus seios, lentamente eu me movo para fora e novamente para
dentro. Sinto seu desconforto, mas aos poucos ela vai se soltando e começa a se mexer,
sincronizando seus movimentos com o meu.
Ela é boa nisso. Caralho! Ela é muito boa.
Essa menina é definitivamente a assinatura da minha sentença de morte.
Nora empina sua bunda gostosa, me incitando ainda mais. Aperto-a ainda mais contra mim e
sinto que meu alívio está perto.
— Porra!
Estoco mais duas vezes antes de me derramar dentro dela. A sensação que tenho é de atingir
o nirvana, meu estado de libertação. Porém minha busca não é espiritual, mas puramente carnal.
Minha respiração acelerada se confunde com a dela, e cuido para não jogar meu peso todo
contra ela.
— Agora você é minha, Nora. Só minha.
— Só sua...
Meu pau semi-ereto desliza para fora com facilidade. Afasto-me para virá-la de frente para
mim. Estive tão focado em realizar minha fantasia, que não me dei conta que a possuí sem sequer
olhar em seus olhos. Queria este tipo de ligação com ela, mas ficará para as próximas vezes.
A garagem da mansão fica distante da casa, assim não havia como sermos ouvidos. A
acústica do ambiente também é favorável. A luz está acessa, e levanto-me para me limpar
enquanto Nora se vira de frente para mim.
— Oh merda, isso é sangue! — Olho para o meu pau e tento entender como eu posso ter me
machucado. Mas nada em mim dói, então só pode ter sido ela.
Encaro Nora, preocupado e vejo algumas manchas de sangue entre suas coxas. Não é nada
exagerado, mas porra! Isso significa que eu a machuquei. Visto minha cueca e calça
apressadamente, sem me preocupar em limpar-me. Aproximo-me dela e a examino, tentando saber
como eu consegui fazê-la sangrar daquele jeito.
Arqueio as sobrancelhas.
— Está menstruada? — Pergunto sem nenhum constrangimento.
A garota fica vermelha instantaneamente e me olha com receio.
— Não!
Fico tenso.
— Eu sei que meu pau é grande, mas não ao ponto de machucar. Você é apertada, mas
devia ter me pedido pra parar... — Começo a ficar nervoso.
Observo-a enquanto ela sobe sua calcinha e fecha o zíper da calça. Quando caminha até
sua camisa, e tenta se abaixar no chão, vejo o desconforto com que se movimenta.
— Caramba, Nora! Eu machuquei você...
— Lucas, pare! — Ela pede, elevando o tom de voz. — Eu estou bem!
— Se estivesse bem, não estaria sangrando!
Nora desvia seu olhar do meu e vira-se de costas para mim. Abaixa-se e pega minha
camiseta do chão, segurando-a em seguida contra seu rosto.
— Isso pode acontecer com uma mulher, na sua primeira vez.
Eu não posso ser tão imbecil.
Eu perceberia se fosse a primeira vez dela...
Como eu não perceberia?
Meu Deus! Eu deveria perceber!
— Você não mentiria sobre algo assim. Mentiria, Nora?
Ela se vira e as lágrimas em seus olhos a denunciam.
Não acredito!
— Eu ia te contar!
— Quando?
Seu queixo estremece. Ela aperta minha camiseta conta seu corpo, como se aquele pedaço de
tecido a protegesse de algo. Não sei o que dizer. Parece que estou anestesiado, é uma sensação
muito estranha.
— Lucas...
— Eu fui um cavalo com você! — Grito. Começo a rir. — Eu “arrombei” você. Eu violei a sua
inocência. Puta merda, Nora! Onde você estava com a cabeça?
— Que diferença faz? Aconteceu e foi bom para mim. Para você também. Doeu, mas não foi
ruim, Lucas. Jamais permitiria que você me machucasse.
Essa menina só pode ter um parafuso a menos na cabeça. Onde está a Nora madura e
responsável?
— E como você ia me impedir? Do mesmo jeito que impediu o Ivan de te beijar? — grito,
extravasando minha revolta contra sua mentira.
Passo as mãos pelo meu cabelo. Não sei explicar como me sinto agora. Estou muito puto com
ela, por sua irresponsabilidade, pela mentira. Sempre quis ser o primeiro homem de sua vida, mas
se soubesse que Nora ainda era virgem, não teria cedido com facilidade. O pior de tudo é essa
culpa dentro de mim, me corroendo, fazendo-me dar conta que tirei a virgindade dela em cima de
um carro, numa garagem, sem sequer olhá-la nos olhos e fazê-la enxergar o quanto é especial
para mim. Aos poucos a realidade vai tomando forma e a proporção dos meus sentimentos é tão
imensa que eu não sinto os meus pés no chão. Eu amo essa menina. Eu a amo tanto e não me
conformo em ter lhe roubado um dos momentos mais importantes na vida de uma mulher.
Eu a amo, mas não consigo lidar com isso agora.
Oh meu Deus! O que eu fiz?
— Foi perfeito assim, Lucas. Você não tem que agir como se tivesse feito algo contra a minha
vontade.
— Não foi certo, Nora. Você me manipulou e eu como um idiota, que só pensa com a cabeça
de baixo, caí como um patinho.
Ela tenta se aproximar, mas eu recuo. Não quero tocá-la depois do que fiz.
— Lucas, por favor...
— Isso foi tão.... Indecente, imoral.... Perigoso.
Estou chorando feito uma criança mimada, não acredito nisso!
Eu tenho que sair daqui o mais rápido possível. Preciso me afastar dela.
— Fique longe, Nora. — Peço, sentindo o meu coração rasgar por dentro. — Eu preciso
recuperar a minha sanidade. Não posso lutar por nós, agindo dessa maneira. Estou instável e isso
vai foder tudo.
Olho para ela uma última vez, memorizo cada traço de seu rosto perfeito. O amor que sinto
por essa menina é minha bênção e minha maldição. Ela me fez arrepender-me de todos os
pecados que já cometi, e quando acreditei ter conseguido a redenção, ela me fez cometer o pior
de todos os pecados.
— Você prometeu que ia me esperar. — Digo a ela, enquanto caminho para a porta na
lateral da garagem. — Eu vou confiar em você.
Deixo-a sozinha e vou às pressas para minha casa. Entro sem fazer barulho e consigo chegar
ao meu quarto sem que minha mãe apareça para perguntar sobre a festa. Não saberia que
desculpa inventaria para explicar o motivo de estar chegando em casa sem camiseta. Tranco a
porta do quarto e me jogo na cama.
Fui do céu ao inferno em questão de segundos.
Então, para piorar ainda mais a situação, lembro de um detalhe muito importante.
— A porra da camisinha!
Como pude ser tão estúpido?
Sento-me na cama, nervoso. Reviro o bolso do jeans e encontro meu celular, procuro o número
entre os contatos e aguardo ela atender. Ao quarto toque, ouço sua voz sonolenta.
— Babi, lembra-se daquele favor que ficou me devendo? Está na hora de quitar sua dívida.
BÁRBARA
Não acredito que estou em um quarto de motel com Bento Sampaio. Se na primeira vez que
transamos fiquei viciada em seu toque, depois desta noite eu não sei o que será de mim. Como é
possível me tornar tão obcecada por sexo? Mas não qualquer sexo, não com qualquer pessoa.
Sexo com Bento.
Tornei-me uma “Bentomaníaca”.
Seguro minha risada ao ter essa constatação idiota. Esse homem me enlouquece, consegue me
fazer esquecer de tudo e concentrar-me apenas em nós dois. A bolha que críamos a nossa volta
quando estamos juntos, esquecendo as diferenças e até mesmo nosso pequeno desafeto, é algo
realmente inexplicável. Admiro-o como homem, como pai. Mas sei que Bento acredita que sou uma
mulher superficial, a princípio não me importei, porém estou sentindo a necessidade de mostrar a
ele que sou muito mais.
Bárbara Lanco de Castro não é somente uma patricinha mimada, mas uma mulher
independente e que não tem medo de lutar pelo que quer. Certo, não continuarei a falar de mim
na terceira pessoa. Eu sei o que quero, quero ele, Bento, só para mim. Não posso aceitar que se
envolva com outras mulheres, pois somente o enxergo a minha frente, nenhum outro me interessa.
Aqui, agora, deitada nesta cama em uma suíte de luxo, em um motel requintado, que ele fez
questão de me trazer, encaro com adoração o homem que dorme profundamente ao meu lado.
Tão lindo, tão perfeito. Seu corpo grande ocupa grande parte da cama king size, seus braços
definidos pelo serviço braçal estão em volta de minha cintura. Após horas sexo, banho, conversa e
mais sexo, Bento se permitiu dormir. Estávamos exaustos após nossa maratona erótica alucinante,
mas por algum motivo eu não consegui dormir tranquilamente. O medo de que ele acordasse antes
e fosse embora, abateu-se sobre mim, confesso. Não sei como será quando Bento acordar e
tivermos que sair desse ninho. Lá fora ele é o jardineiro da família Marinho e eu sou a patricinha
que ele tanto detesta. Será impossível fazê-lo me ver com outros olhos?
Ouço meu celular vibrar embaixo do travesseiro. Outra loucura da madrugada. Quando
percebi que Bento estava dormindo profundamente, desvencilhei-me de seu corpo e peguei meu
celular na bolsa. Não riam de mim, mas tirei algumas fotografias. Vocês não têm noção do quanto
esse homem é delicioso, e dormindo, sem nenhuma de suas barreiras de autoproteção, Bento é a
forma humana de um deus greco-romano. Por sorte, tem o sono pesado e consigo me afastar para
atender ao telefone.
— Alô — cochicho, para não abusar da sorte.
— Babi, lembra-se daquele favor que ficou me devendo? Está na hora de quitar sua dívida.
— Lucas? Só um minuto. — Na pressa, esqueci-me de verificar o identificador de chamadas.
Tem algo muito errado. Lucas jamais me ligaria a esta hora da madrugada.
Levanto-me e vou até o banheiro para ter mais privacidade. Tudo o que não preciso é que
Bento me pegue conversando com meu ex-noivo, às três da manhã, enquanto ainda estou ao seu
lado na cama. Fecho a porta e sento-me na tampa da privada.
— O que deu em você para me ligar?
— Preciso da sua ajuda, Bárbara. Eu fiz merda, das grandes. Não sei o que fazer, eu...
A angustia em sua voz deixou-me em alerta.
— Você matou alguém? Pelo amor de Deus, Lucas! O que você fez?
— Não posso falar ao telefone. Pode vir até minha casa? — Ele está chorando? — Porra
Babi! Eu não te chamaria se não fosse sério.
Apesar de nossa história não ter acabado de maneira agradável, Lucas é uma das pessoas
por quem tenho imenso carinho. Se ele está desesperado ao ponto de me ligar e deixar seu
orgulho idiota do lado para me pedir ajuda, não sou capaz de virar as costas por conta de
vingança pelo que me fez no passado. Não sou esse tipo de pessoa.
— Eu irei. Mas levarei em torno de uma hora para chegar.
— Pode trazer algo com você?
— Do que você precisa?
— Pílula do dia seguinte.
Lucas Marinho desesperado e pedindo pílula do dia seguinte. Por essa eu não esperava.
— Seu irresponsável! — sussurro, repreendendo-o.
— Babi, é sério. Preciso da sua ajuda, porra!
— Tudo bem, estou indo.
Desligo o celular e ainda perplexa, volto para o quarto. Encontro minha roupa espalhada no
chão e a visto com pressa, fazendo o possível para não acordar Bento. Droga! Estou deixando o
homem que me proporciona os melhores orgasmos, para encontrar o homem que me proporcionou
a maior desilusão de minha vida.
Após pegar um táxi até o Alcapone’s, parando no caminho em uma farmácia 24h, conduzo
meu carro para a propriedade dos Marinho. O porteiro aguardava minha entrada, sendo avisado
com antecedência por Lucas. Estaciono meu carro e entro na mansão. Lucas enviou mensagem,
comunicando-me que a porta estaria aberta.
Caminho silenciosamente até seu quarto, rezando para que sua mãe não esteja circulando
pela mansão. Isabella tem sono leve e as vezes perambula pela casa. Uma vez, quando ainda era
noiva de Lucas e passei a noite em um dos quartos de hospedes, ela me pegou no flagra no
momento que tentei ir para o quarto dele. Foi uma situação constrangedora, como mãe protetora e
antiquada, Isabella não permitia que dormíssemos juntos em sua casa sem estarmos casados. Se ela
me flagrar agora que não tenho nenhum vínculo com Lucas, com certeza armará um escândalo.
Abro a porta sorrateiramente e não encontro Lucas. Ouço o barulho do chuveiro e um
resmungo baixinho. Curiosa, ando até a porta do banheiro, que está aberta, e vejo uma cena que
me parte o coração: Lucas sentado no chão do box, chorando com a cabeça entre os joelhos,
enquanto a água quente cai sobre seu corpo. Compadeço-me de seu sofrimento, deixo minha bolsa
cair no chão e vou até ele. Desligo o chuveiro, pego uma toalha de banho pendurada no vidro do
box e abaixo-me para cobri-lo. Lucas é dono de um corpo lindo e muito atraente, que um dia foi a
minha perdição, mas hoje tudo o que consigo ver é um homem assustado e um amigo que precisa
do meu apoio. Não sinto nenhum desejo sexual, o que é estranho, mas ao mesmo tempo
reconfortante. E apavorante também, pois significa que estou mais envolvida com Bento do que
imaginei.
— Ei, Luquinhas. Vamos sair desta sauna?
Minha voz suave o desperta e ele levanta sua cabeça, fitando-me com um olhar de derrota.
— Estraguei tudo Babi, você tem que ajudar...
Concordo com a cabeça e o ajudo a se levantar. Vamos até seu quarto e viro-me de costas
para que Lucas se seque. Ele vai até seu closet, aproveito para pegar minha bolsa e sento-me em
sua cama para aguardá-lo. Observo-o com pesar, agora ele veste uma calça de moletom branca,
mas permanece sem camisa. Esse é o estilo Lucas, percebo que ele não mudou muita coisa.
— Vai me contar o que houve?
Ele se senta ao meu lado, mas logo se joga para trás na cama. Cobre o rosto com as duas
mãos e entendo que quer esconder os olhos vermelhos por suas lágrimas.
— Eu me apaixonei por uma pessoa. Uma garota — diz ele, ainda com as mãos cobrindo seu
rosto.
Sorrio.
— Você está chorando porque se apaixonou por uma mulher? — pergunto com humor. —
Não acredito que me chamou até aqui para dizer isso. — Começo a me irritar. — Isso é algum tipo
de piada? Quer me testar para ver se ainda sou aquela idiota apaixonada por você?
Rapidamente, Lucas torna a se sentar e me encara com seriedade.
— Estou completamente apaixonado pela Nora.
Oh meu Deus.... Tenho a leve impressão que disse isso em voz alta, mas era para ser apenas
um pensamento. Cubro minha boca com as mãos, rapidamente. Aos poucos, assimilo sua revelação
e começo a entender seu desespero.
— A pílula do dia seguinte... — murmuro, deixando minhas mãos cair sobre minhas pernas. —
Você é um filho da puta!
Levanto-me, sentindo meus nervos à flor da pele.
— Ela só tem dezessete anos, Lucas! — sussurro, pois, apesar de irritada, não quero acordar
seus pais. — O Bento vai te matar quando descobrir. Por favor, me diz que não forçou a barra...
— Não fiz o que está pensando! — revida, levantando-se. — Nora também me ama, ela
quis tanto quanto eu. Droga! Eu tentei ser forte, mas ela veio com tudo e... Não usei proteção e
para piorar, foi a primeira vez dela. A maldita era virgem e não me disse nada!
— A menina tem dezessete anos, Lucas! Passou metade da vida em um colégio de freiras. Por
que diabos você imaginou que ela não seria virgem?
— Ela disse que não era.
Nora mentir sobre a virgindade é algo que realmente não consigo acreditar. Mas Lucas
jamais mentiria sobre isso e seu desespero é bastante revelador.
— Não sei porque ela mentiu, Lucas. Mas virgindade não é um tabu como costumava ser.
Você disse que está apaixonado e é correspondido. Foi irresponsável da sua parte não usar
camisinha, você tem quase trinta anos, apesar de se comportar como um adolescente. Como pode
ser tão irresponsável?
Ele passa a mão pelo cabelo, quase arrancando fio a fio da cabeça.
— Eu estava muito puto, droga! É uma longa história.
Sentei-me novamente em sua cama.
— Acalme essa bunda, Lucas. Sente-se e me conte tudo desde o início. Somente assim poderei
te ajudar.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Não consigo acreditar que o Lucas à minha frente é o mesmo por quem me apaixonei um dia.
Apesar de nunca der dito que o amava, realmente acreditei que era amor. Minha decepção ao
descobrir suas traições deixou-me destruída, mas com o passar dos meses e vendo como ele não se
envolvia seriamente com ninguém, cheguei à conclusão que o problema de Lucas Marinho era
nunca ter se apaixonado. Quando se ama, não pensamos em machucar a pessoa ou magoá-la com
ações impensadas, ou até mesmo planejadas. Ele nunca me amou, nunca amou ninguém. Até agora.
O homem que chora, deitado sobre minhas pernas como uma criança assustada, não é o mesmo de
antes. Este homem ama uma menina, e sente-se a pior pessoa do mundo porque tirou dela sua
inocência de uma maneira nada especial.
Eu poderia recriminá-lo por sua reação quando descobriu a mentira de Nora e a maneira
como consumaram o ato. Os dois tiveram sua parcela de culpa, mas quem sou eu para apontar os
erros de alguém? Tudo o que posso fazer por Lucas é tentar abrir seus olhos e fazê-lo enxergar
que se realmente ama a menina, precisa agir como um homem de verdade e não como um babaca
impulsivo.
— Fui bruto com ela, Babi. Meti com força, sem pensar em nada, apenas no desejo de tê-la
para mim. E depois continuei, mesmo sentindo que ela era apertada demais e...
— Não precisa entrar em detalhes, por favor. Como não desconfiou de nada?
— Nunca comi uma virgem! Como eu poderia saber?
— E você se acha tão experiente... — Meu ar de deboche o ofendeu.
— Eu me achava tantas coisas, mas nas últimas semanas tenho percebido que toda minha
experiência com as mulheres não me valeu de nada, pois não sei como agir com a única que
realmente é importante para mim.
— Bem-vindo ao mundo real, Lucas Marinho.
— Merda...
— Vai mesmo fazer essa viagem, sem resolver as coisas com ela?
Ele balança a cabeça, confuso.
— Não sei de mais nada, Babi.
Verifico meu celular, são sete horas da manhã. O tempo passou e ficamos horas conversando.
Daqui a pouco a mãe de Lucas acorda e isso pode me causar problemas. Levanto-me e caminho
até a porta.
— Vou até a casa dela. Nora precisa conversar com uma mulher, levarei a pílula e a
convencerei a ir comigo ao ginecologista, amanhã. Não estrague tudo Lucas, pense em tudo o que
aconteceu, nas coisas que você disse a ela e repense a decisão de ir para a Alemanha. Agora que
o mal foi feito, não existe a necessidade de você se afastar. Se realmente a ama, seja homem e vá
conversar com pai da garota. Mas antes de qualquer coisa, fale com ela e conserte a merda que
você fez.
Ele anui em silêncio e se levanta. Surpreendo-me quando Lucas me puxa para um abraço.
Resisto de início, mas acabo cedendo e retribuo o gesto carinhoso.
— Obrigado por tudo, Babi. Eu fui um merda com você e mesmo assim está me ajudando.
Espero que um dia me perdoe por tudo o que te fiz, e que encontre um homem que te ama do jeito
que você merece.
— Talvez eu tenha encontrado este homem, ele só precisa se apaixonar por mim — confesso.
Nos afastamos e Lucas me olha com curiosidade.
— Bento Sampaio?
— O próprio. — Abro a porta e viro-me para ele uma última vez. — Feliz aniversário,
Luquinhas.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
A sorte parece estar ao meu favor nesta manhã de domingo. Consigo sair da mansão sem
que Isabella ou Alfredo me encontrassem. Desço a escada e sigo as recomendações de Lucas para
chegar até a casa de Nora. Avisto a propriedade e meus passos travam no chão. Sinto-me
nervosa. Será que Bento está em casa? Qual será sua reação ao me ver ali?
Respiro fundo e continuo em frente. Subo o pequeno degrau da área e bato na porta de
entrada. Minhas mãos apertam minha bolsa com força, para tentar descontar meu nervosismo em
algo. A porta se abre e a visão de Bento Sampaio, de banho tomado e exalando o cheirinho de
sabonete, quase me faz perder os sentidos. Ele me olha de um jeito profundo, mas confuso, não
sabe porque estou diante de sua porta e com certeza está intrigado. Felizmente, não parece
irritado. Felizmente não, pois isso significa que ele não se importou por eu ter ido embora sem me
despedir.
— O que está fazendo aqui, Bárbara?
Sua voz é rude, mas não recuo. Este homem acha que pode me amedrontar agindo com
grosseria, mas sei que se sente perturbado com a minha presença e esta é à sua maneira de se
proteger. Bento Sampaio acha que pode esconder seu verdadeiro eu, de mim. Mas está muito
enganado. Posso ver quem ele é de verdade, e gosto muito do que vejo.
Em um ato de atrevimento, empurro-o com meu ombro e entro em sua casa. Também sei ser
grosseira quando quero e petulância pode ser meu sobrenome, quando me sinto tentada a entrar
em uma discussão.
— Vim falar com a sua filha — respondo, desafiadoramente.
Ele arqueia as sobrancelhas, provavelmente não entende o porquê preciso conversar com
Nora às sete da manhã.
— Ela está dormindo.
Dou de ombros.
— Tenho certeza que ela não está dormindo, pode chamá-la. Ela irá me receber.
Antes que Bento pudesse me responder, uma porta se abre e posso ver Nora. Coitadinha, a
menina parece ter chorado o Oceano Atlântico.
— Deixa ela entrar, pai — pede com a voz, fraca.
Bento se aproxima da filha.
— O que aconteceu, Nora? Está tudo bem com você? — Ele está aflito e sinto-me mal por
saber do que se trata enquanto ele permanece na ignorância sobre o relacionamento da filha com
Lucas.
— Estou com cólica, mas já tomei remédio. — A garota olha para mim. — Você pode entrar,
Babi?
Olho para Bento e aguardo sua aprovação.
— Tudo bem, pode ir — autoriza.
— Há uma padaria perto da rodoviária, você pode me esperar lá? — pergunto, rezando
para que ele aceite. — Precisamos conversar também.
Bento está relutante, desconfiado. Sinto que meu plano não irá funcionar.
— Está bem, eu te espero lá.
— Obrigada.
Aguardo Bento sair de casa e me encaminho para o quarto de Nora. Ela me permite a
passagem e sem pedir licença, sento-me em sua cama. Mal consigo acreditar que vou falar sobre
sexo com a filha do homem com quem ando transando e a mulher por quem meu ex-noivo está
terrivelmente apaixonado.
— Muito bem Nora, chegou a hora de uma conversa de mulher para mulher.
BENTO
O que será que Bárbara quer conversar com Nora? E comigo?
Essa mulher me tira do sério. Talvez tenha chegado o momento de colocar um fim nessa
história que nem deveria ter começado. Era para ser apenas uma transa e bastou repetirmos a
dose, para ela se sentir corajosa o bastante para me desafiar. Não posso permitir que Bárbara
entre sorrateiramente em minha vida. Tê-la dentro de minha casa, conversando não sei o quê com
minha filha, depois de passarmos a noite em um motel compartilhando momentos de prazer, não é
algo que me deixe confortável. Além disso, ela saiu do motel sozinha, sem se despedir de mim e
provavelmente pegando um táxi. Quando acordei e não a vi ao meu lado, não pude recriminá-la.
Da outra vez eu lhe dei as costas também.
Olho por olho, dente por dente. Foi o que pensei a princípio. Mas ao chegar à mansão, vi seu
carro estacionado no jardim. Era cedo demais e todos naquela casa estavam dormindo. O que ela
foi fazer ali? Sei perfeitamente que Bárbara e Lucas não têm mais nada em comum, ao menos era
no que eu acreditava. Minha cabeça está confusa, essa mulher mexe comigo mais do que deveria e
me sinto fora do controle de minhas emoções.
Caminho até a garagem e uso a caminhonete para me transportar até o centro da cidade.
Esperarei por ela, mas esta será nossa última conversa. Não quero que nossa relação se torne
pessoal ao ponto de ela querer opinar na criação de minha filha. Nora não precisa de uma mãe
agora, ela tem a mim e isso é suficiente.
Estaciono na frente da padaria e me encaminho para uma mesa ao canto, não quero chamar
a atenção e sei que quando Bárbara chegar e se sentar comigo, os olhares especulativos serão
voltados para nós imediatamente. Ela tem esse poder, todos param para admirá-la, principalmente
os homens.
Verifico o cardápio e peço para a atendente me trazer um café preto, sem açúcar, e duas
baguetes recheadas com maionese e mortadela. Aguardo meu pedido e aceno para alguns
conhecidos que entram e saem. A senhora que me atendeu traz meu café e pães. Concentro-me em
repor minhas energias. A noite foi exaustiva e após dormir como pedra, acordei faminto.
— Finalmente te encontrei, Bento Sampaio.
Essa voz, não pode ser...
Engulo o pedaço do pão que parece descer como caco de vidro em minha garganta.
— Adelina.
Reconheço-a de imediato. Ela está bastante mudada, mas ainda é possível ver na mulher a
menina que um dia ela foi. Seu cabelo e olhos castanhos, herança que passou para a filha, a pele
clara e delicada, sobrancelhas bem desenhadas e os traços de seu rosto podem me dar uma
noção de como Nora ficará daqui há alguns anos. Adelina é linda demais, mas meu corpo não
reage ao seu como antigamente. Ela não me atrai, não me desperta nenhuma emoção além da
raiva. Isso é algo que não consigo evitar.
Sem pedir licença, a mulher do meu passado senta-se à minha frente e cruza as mãos em
cima da mesa. Perco a fome instantaneamente. Reparo alguns olhares curiosos em nossa direção,
mas ignoro. Para todas essas pessoas, eu fui o traidor que engravidou uma desconhecia enquanto
era namorado da menina rica. Eles não conhecem a nossa história, a enxergam como a vítima e eu
como o sem vergonha, mesmo nunca tendo tocado no assunto, vejo o julgamento em seus olhares.
— Você está ainda mais lindo, Bentinho. O tempo fez bem a você.
O sorriso doce não me convence, existe uma armadura invisível que me protege de qualquer
tentativa dela se aproximar usando seu charme feminino.
— O que está fazendo aqui, Adelina?
Ela continua sorrindo, como se minha reação fria não a atingisse. É um lado dela que eu
desconheço, jamais presenciei a Adelina dissimulada, mas são anos sem nos vermos e ela é
realmente uma estranha para mim.
— Vim conhecer minha filhinha linda.
Linda?
— Como sabe a aparência da minha filha?
— Eu andei investigando, Nora é minha filha também.
Fecho meus punhos com força, para não socar a mesa e armar um escândalo.
— Ela deixou de ser sua filha no dia em que você foi embora. Esqueceu? Um nome em uma
certidão de nascimento não diz muita coisa sobre você ser a mãe dela.
— Diz muita coisa sim, Bentinho. Nora é minha filha e eu irei conhecê-la, quer você queira ou
não.
— Por que está fazendo isso agora?
Seu olhar vacilou um pouco.
— É meu direito de mãe, conviver com ela.
— Foda-se o seu direito de mãe. Você devia ter pensado no seu dever de mãe, antes de
abandoná-la. Ela não precisa de você.
A risada de escárnio que Adelina soltou causou-me arrepios. Definitivamente esta não é a
mulher que um dia eu amei. Ou eu fui muito enganado no passado. Como ela pode ter se tornado
tão diferente daquela garota meiga? Sinto-me um idiota por ter me deixado levar pelo amor que
acreditei sentir por ela. Os anos de sofrimento me fizeram ver que Adelina nunca me amou de
verdade, que não passei de um capricho bobo.
— Meus pais morreram, estou sozinha no mundo, Bento.
Seu semblante triste não me convence. É como se ela tentasse demonstrar sofrimento pela
perda dos pais, mas ainda assim parece tão artificial. Meu Deus! Eu devo estar enlouquecendo.
Tudo o que ela faz é visto aos meus olhos como uma atitude planejada. Eu não posso estar tão
negativo assim a seu respeito, posso? Isso é justo com ela? Mas e quanto a mim? É justo comigo que
ela apareça agora e tente se aproximar da minha filha?
— Eu sinto muito, Adelina.
— Nora é a única família que me resta, quero passar um tempo com ela, conhecê-la. Preciso
me redimir com a nossa filha. Tenho tanto a oferecer...
— Dinheiro? — desdenho. — Nora não é esse tipo de pessoa. O seu dinheiro não será
suficiente para pagar os anos de sua ausência na vida dela.
— Você não pode me jogar contra ela! — Alterou o tom de voz.
Finalmente, ela estava demonstrando uma emoção real. Apesar de disfarçar muito bem,
Adelina estava nervosa e perdendo o seu jogo de cintura.
— Jamais faria isso, eu sou o pai dela, você é a mãe. Mas cabe a Nora a decisão de
conhecer você. Ela nunca me pediu isso e não serei eu a forçar a barra, muito menos te ajudarei a
se aproximar.
Posso estar sendo muito duro com ela, mas as mágoas do passado vêm à tona e não consigo
ser condescendente com Adelina. Meu coração não a perdoa e sei que é um caminho sem volta.
— Ou você conversa com ela e fala sobre a minha volta, ou darei um jeito de me aproximar
dela por conta própria, o que pode ser desagradável para você.
Surpreendo-me com sua petulância.
— Está me ameaçando, Adelina?
— Estou avisando, Bento, ou você conversa com Nora e fica ciente de que iremos nos
encontrar em algum lugar combinado por seu intermédio, ou tomarei minhas providências para
conhecê-la, sem a sua permissão.
Encaro-a, mas logo desvio para meu café. Não consigo sustentar meu olhar para ela, minha
raiva cresce e fico com medo de fazer algo imprudente. Aceno para a atendente e peço que me
traga um novo café e substitua minha xícara. Irei ignorá-la, quem sabe assim ela vai embora.
Tomo meu café e concentro-me em mastigar meu sanduíche, a fome e nula, mas preciso me
concentrar em algo que não seja essa mulher. Talvez ela se canse e saia daqui.
— Responda-me, Bentinho. Irá falar com a Nora sobre meu retorno?
Termino meu segundo sanduíche e tomo meu último gole de café.
— Você ainda está aqui — digo, olhando-a com desprezo.
— E ficarei, até que você pare de agir como uma criança birrenta e me responda logo.
— Bom dia, querido! Demorei? — Bárbara se aproxima e me dá um beijo rápido nos lábios.
Surpreendo-me com a sua ousadia em demonstrar publicamente algum tipo de afeto por mim.
Querido?
Franzo a testa e finalmente me dou conta do que ela está fazendo: Marcando território.
Entro em seu jogo, afinal, Adelina me despertou tanta raiva que meu desejo em desestruturá-
la suprime a vontade de dizer à Bárbara que não temos nada um com o outro.
— Acabei tomando café sozinho, me perdoe — digo, sorrindo para ela envergonhado.
Talvez eu devesse tê-la esperado, sequer pensei sobre isso.
— Tudo bem, você pode ficar me olhando comer. — Ela é tão espontânea, praticamente
ignora Adelina e isso me deixa orgulhoso dessa patricinha mimada.
Quando Bárbara se dá ao trabalho de encarar Adelina, as duas travam um duelo silencioso.
Minha patricinha não se deixa intimidar. Talvez porque elas sejam parecidas, constato. Tanto
Adelina quanto Bárbara são mulheres lindas, ricas e donas de si. A afronta de egos é quase
palpável. Odeio ser o possível pivô desta batalha.
— Quem é a sua amiga, Bento? — pergunta Bárbara, sorridente.
Meu Deus, dê-me forças!
— Sou Adelina, mãe da Nora.
Meu corpo se retesa na cadeira, observo as duas mulheres de pé, cumprimentando-se como
velhas amigas. O aperto de mãos e os sorrisinhos amistosos podem enganar qualquer um dos
presentes, mas é a pura falsidade feminina em ação.
— Sou Bárbara, mulher do Bento e madrasta da Nora. Tudo bem com você, Adelina?
Engasgo com o que acabo de ouvir.
Bárbara senta-se e acena para a atendente, ela pede uma xícara de café com leite e
adoçante. Adelina torna a se sentar à mesa e não parece disposta a ir embora.
— Reparei que vocês não usam aliança, estão casados há muito tempo? — pergunta Adelina.
Bárbara ri, e me olha, o divertimento estampado em seu rosto.
— Não somos oficialmente casados, mas vivemos juntos há alguns anos.
— Bentinho sempre foi tão certinho, viver com alguém e não ser casado é algo que não
imagino ele fazendo.
— Certamente ele mudou muito depois que você foi embora, querida. Mas estamos bem do
jeito que está, um anel não é nada comparado à cumplicidade de um casal. — Bárbara tem suas
respostas na ponta da língua e eu comemoro por dentro a satisfação de ver Adelina intimidada.
De repente ela se levanta e sorri, tentando manter sua postura inatingível.
— Preciso ir, foi um prazer conhecê-la, Bárbara. — Seu sorriso se esvai quando ela olha
para mim. — Aguardo o seu retorno, ou eu mesma tomarei as devidas providências. — Deixa um
cartão em cima da mesa e sem se despedir, vai embora.
— Mulherzinha intragável... — comenta Bárbara, pingando gotinhas de adoçante em sua
xícara.
Não consigo conter meu sorriso. Confesso que apesar de toda a tensão do momento, gostei
da atitude de Bárbara. Uma mulher defendendo o seu homem, foi o que me pareceu.
— O que foi isso? — pergunto, gesticulando. — Quer dizer que vivemos juntos há alguns
anos?
Ela sorri descaradamente e toma um gole de seu café.
— Sou uma excelente atriz, não acha? — Pisca para mim. — Porque minha vontade era
pegar essa mulher pelo cabelo e jogá-la na calçada. Mas eu tenho classe, jamais desceria do meu
salto por alguém como ela.
— Como ela? Você a conhece? — pergunto, desconfiado.
Bárbara dá de ombros.
— Não a conheço, mas uma mulher que abandona a própria filha por egoísmo, não vale o
chão que pisa.
— Adelina quer conhecer Nora.
Ela me olha, apreensiva.
— O que você pensa sobre isso, Bento?
Suspiro, desanimadamente.
— É uma decisão que cabe à Nora, ela tem idade para fazer sua escolha. Meu maior medo
é que Adelina consiga convencê-la a ir embora, algo assim.
Bárbara me surpreende ao segurar minha mão, o gesto de carinho me pega desprevenido e
mexe com algo dentro de mim. Um sentimento que sei exatamente o que significa, mas que há muito
tempo eu não sentia por ninguém.
— Sua filha é uma menina maravilhosa, ela sabe o pai incrível que tem. Jamais duvide do
amor dela por você. Nora fará o que é certo, porque não há outra opção a não ser você.
— Há Adelina.
— Como eu disse, querido. Não há outra opção a não ser você.
Sem pensar duas vezes, aproximo-me de Bárbara e lhe dou um beijo rápido. Ao me afastar,
sinto os olhares especulativos em cima de nós e isso me incomoda.
— Somos a atração do momento — digo, sentindo-me irritadiço.
— Você não deve nada à essas pessoas, Bento Sampaio. Então deixe que pensem o que
quiser sobre nós. Isso tem a ver com você e eu, apenas.
Observo-a atentamente enquanto ela toma outro gole do seu café.
— Eu não quero entrar em um relacionamento, Babi.
Reparo em seu semblante e percebo a leve mudança. Ela sim é verdadeira, tenta disfarçar
mas sei que a magoei com minhas palavras.
— Não precisamos dar um nome ao que temos — argumenta, com a voz firme. — Mas saiba
que você é o único com quem estou envolvida de maneira íntima, e enquanto você tiver a intenção
de estar comigo desta maneira, peço que não se envolva com mais ninguém. Gosto de estar com
você, não vou te cobrar nada, apenas faço essa pequena exigência. Somos dois adultos e
podemos lidar com isso, correto?
Eu estava decidido a colocar um basta nessa história, mas depois do que a patricinha me
disse e sua postura perante Adelina, minhas barreiras levantadas contra ela caíram por terra.
Gosto de sua voz, sua presença, seu sabor em minha boca, sua pele contra a minha. Nossos corpos
se encaixam com perfeição e cada segundo com ela é sublime. Tenho me mantido fechado durante
anos, mas com a volta de Adelina e a constatação de que não tenho nenhum sentimento pela mãe
de minha filha, talvez seja um sinal de que a vida está me dando uma nova oportunidade de viver.
E eu não quero desperdiçá-la.
— Corretíssimo, patricinha. — Sorrio para ela e beijo sua mão.
— Ótimo. E que tal você passar o dia comigo, hoje? Nora está em casa, repousando.
Conversamos e tudo o que ela precisa agora é ficar um tempo sozinha.
— Por quê? — Estranho suas palavras. — Está tudo bem com ela? Algum problema que eu
deva ficar sabendo?
— Apenas um coração partido, querido. Mas ela é jovem e em breve estará sorrindo
novamente.
Levanto-me.
— Acho melhor voltar para casa, preciso falar com ela sobre Adelina.
Bárbara levanta e se aproxima, apoia suas mãos em meu ombro.
— Aceite um conselho: Esqueça Adelina por hoje. Amanhã você conversa com sua filha sobre
isso. Nora está bem, confie em mim. Pode fazer isso?
— Por incrível que pareça, eu posso sim.
Beijo sua testa e sinto como a muito tempo não sentia, que estou fazendo a coisa certa ao me
dar uma oportunidade com Babi.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
CAPÍTULO 16
— Estive com o Luquinhas, ele me contou tudo — começou Bárbara, deixando Nora
apreensiva.
— Tudo o quê? — Estava sentada na cama, ao lado de Babi.
— Você já deve conhecê-lo o suficiente para saber que ele fala tudo o que pensa e sente.
Então, eu sei de tudo mesmo, desde o quase atropelamento até a confusão de ontem.
Nora encolheu-se na cama.
Lucas havia descrito o ocorrido da noite anterior como uma “confusão”?
— Meu Deus, que vergonha. — Cobriu o rosto com as mãos.
— Não tem do que se envergonhar, Nora.
— Eu menti para ele e quando descobriu, ficou furioso comigo. Eu praticamente o obriguei.
Deve estar me odiando agora.
Bárbara riu, não conseguindo se conter.
Era estranho demais ser a mediadora de Lucas e Nora, mas o casal improvável estava
passando por um período delicado, e depois de presenciar o desespero de Lucas e a evidente
culpa que Nora estava sentindo, Bárbara percebeu que os dois realmente se gostavam e estavam
sofrendo.
— Ele não odeia você, Nora. Na verdade, ele está se odiando agora.
A menina não conseguiu conter suas lágrimas por muito tempo.
— A culpa é toda minha. Fui embora do Alcapone’s, pensei que ele fosse beber aquelas
doses, sequer esperei que tomasse a primeira. Ivan me seguiu e quando dei por mim, estava me
beijando. Eu ia me afastar, mas foi tudo muito rápido e Lucas chegou em seguida, ele ficou tão
fora de controle. Tive medo.
— Lucas tem um temperamento explosivo, Nora. Nunca o vi tão emocionalmente abalado
como agora. O ciúme, a raiva pelo sentimento de traição, são coisas que ele nunca havia sentido
antes. Era ele quem traía, nunca o contrário.
— Mas eu não o traí!
— Sei que não, e ele também. Lucas ama você, Nora. Ele não está sabendo lidar com isso, só
precisa de um tempo para colocar os pensamentos em ordem.
Nora suspirou, secou suas lágrimas com a manga de sua blusa, mas o choro era incessante.
— Ele não quer me ver, por isso te mandou aqui?
Bárbara chegou mais perto da menina, puxando-a para um abraço.
— Não chore, vai ficar tudo bem. Vocês serão muito felizes, só precisam enfrentar algumas
pequenas batalhas. Lucas pediu que eu viesse, pois há um assunto que talvez você prefira
conversar com uma mulher. Ele quer o seu bem, está preocupado contigo. Lucas pensa que te
machucou.
Ao se afastarem, Nora viu compaixão nos olhos de Bárbara.
— O que me machucou foi ele ter ido embora, sem que tivéssemos a oportunidade de
conversar.
— Nora, não é que eu o esteja defendendo, mas conhecendo Lucas como conheço, o melhor
que ele fez foi se afastar. Aquele homem é tão irritante que quando quer, consegue ser cruel com
as palavras. Talvez se tivesse ficado, as coisas poderiam ter se agravado e aí sim seria um
caminho sem volta.
Nora anuiu em silêncio, absorvendo cada palavra que Bárbara dizia.
Quando viu Lucas lhe dar as costas, mal acreditara que seu mundo perfeito estava se
esvaindo. Havia se entregado ao homem que amava, embora não tenha sido como ela imaginou
um dia, não havia se arrependido de sua escolha, apenas arrependeu-se de ter mentido sobre a
virgindade, mas era impossível voltar atrás e tudo o que podia fazer era rezar para que Lucas lhe
desse uma nova chance.
Bárbara abriu sua bolsa e retirou a pequena caixa de remédio.
— Aqui, tome isso.
Nora pegou a caixa e verificou a embalagem:
Pilem – levonorgestrel 0,75mg. Uso adulto. Contém 2 comprimidos.
— O que é isso?
— Pílula do dia seguinte. Certamente já ouviu falar.
— Oh meu Deus! — Suas mãos tremiam.
Como pôde ser tão imprudente?
Não haviam feito sexo seguro.
Poderia estar grávida!
— Escute, Lucas faz exames regularmente e está limpo de qualquer doença. Acredito que
você também esteja limpa, mas sugiro que aceite ir comigo ao ginecologista, amanhã, para fazer
exames de rotina e ser orientada pelo médico. Pode começar a tomar pílula anticoncepcional, assim
que o seu ciclo menstrual iniciar novamente.
Nora ainda estava tentando assimilar a possibilidade de uma gravidez indesejada.
— Tomara que não seja daqui a nove meses — murmurou, aflita.
— Tome a pílula. Quanto mais rápido, melhor. Não faz muito tempo desde o ato. Você pode
tomar as duas juntas se quiser, não há problema. Ou toma uma agora e a outra daqui há doze
horas. Sua menstruação deve descer em alguns dias, uma semana no máximo.
— E se não descer? — Havia desespero em sua voz.
— Aí eu compro o teste de gravidez, mas não se aflija antes da hora.
— O que eu fiz, Babi? — As lágrimas tornaram a cair. — Como vou para a universidade se
estiver grávida? Meu pai vai ficar tão decepcionado comigo, Lucas vai achar que foi um golpe, só
porque é rico e eu...
— Ei, ei, ei! Pare com isso!
O pânico tomou conta de Nora, a menina rasgou a caixa de Pilem apressadamente e retirou
a cartela, pegou os dois comprimidos e os enfiou na boca, com pressa. Levantou-se e correu até a
cozinha, serviu-se de um copo d’água e engoliu como se estivesse engolindo pregos. Bárbara
seguiu os passos da garota, sentindo-se aflita por presenciar tamanho desespero.
— Não posso ficar grávida. E-eu não posso, Babi!
— Vai ficar tudo bem Nora. Confie em Deus, Ele fará o que for melhor para você. Se a
maternidade estiver no seu caminho, mesmo que prematuramente, tenha certeza que você estará
preparada para ser mãe de um lindo bebê. Afinal, você tem o melhor pai do mundo e ele te
ajudará. Também tem o Lucas...
— Ele vai me odiar ainda mais.
— Ele não odeia você, querida. Tire essas “caraminholas” da cabeça.
Voltando para o quarto, sentindo-se derrotada, Nora deitou-se na cama e deixou as lágrimas
falarem por sua tristeza.
— Como eu queria voltar no tempo...
Ele ainda me quer?
Ele vai para a Alemanha, mesmo depois do que aconteceu entre nós?
Ele me perdoará por ter mentido sobre a virgindade?
E se eu estiver grávida?
A garota tinha plena consciência de suas decisões erradas e das consequências que elas
trouxeram aos dois. Fora precipitada, imprudente, agiu por desespero somado ao amor que sentia
por Lucas. A noite tornou-se um pesadelo e Nora tentava assimilar tudo. Sabia que devia ter
contado sobre a virgindade, mas no calor do momento e no desespero de reconciliar-se com o
homem que ama, tudo o que conseguiu pensar foi em uma maneira de provar a ele que tinha sua
confiança. Entregar-se a Lucas era algo que Nora queria fazer, talvez aquele não fosse o
momento certo, mas seria inevitável. Cada vez que seus corpos se aproximavam, uma chama
inflamável crescia dentro dela. Ter pressionado Lucas e o provocado até que ele cedesse, foi
errado, ela sabia que havia ultrapassado um limite irreversível. Mas quando Lucas lhe beijou onde
ninguém tinha lhe beijado e lhe proporcionou sensações que nunca havia sentido, Nora deixou o
receio e qualquer medo para trás. Sentiu-se feminina, mulher de verdade, e mesmo que tenha sido
de um jeito bruto, o prazer de estar com Lucas pela primeira vez foi tão sublime que ela jamais
esqueceria. Aquela foi sua primeira vez, com o homem que amava e no momento em que escolheu.
Poderia não ser como uma garota romântica sonharia, mas foi perfeito do jeito que foi. Até o
momento em que ele descobriu sua mentira e lhe virou as costas. Agora, com a possibilidade de
uma gravidez, a jovem de dezessete anos estava apavorada, sem saber o que o futuro lhe
reservava.
— Sei que está nervosa e com medo. — Bárbara sentou na cama de solteiro e acarinhou as
costas de Nora, tentando lhe passar tranquilidade. — Mas preciso perguntar, você está
machucada, doeu muito?
Nora negou com um gesto de cabeça.
— N-ão estou machucada, não fisicamente.
— É normal doer e sangrar na primeira vez, Nora.
— Não quero conversar sobre isso com você, Babi. Me desculpe, mas você é ex-noiva dele e
não me sinto confortável.
— Perdão, só estou preocupada. Aceite que eu te leve ao médico amanhã. Não preciso te
acompanhar na consulta, aguardo na sala de espera. Ninguém ficará sabendo, prometo.
— Tudo bem. Obrigada por vir. Eu só preciso ficar sozinha, agora.
— Amanhã eu venho te buscar, Lucas me passou o número do seu celular. Eu te ligo.
— Certo.
Não conseguindo conter o impulso, Bárbara se aproximou de Nora e lhe beijou o cabelo, em
um gesto maternal. Levantou-se e deixou o quarto da menina, que ainda chorava. Ao sair da casa,
digitou uma mensagem para Lucas, antes de chegar ao seu carro e ir ao encontro de Bento, na
padaria.

Babi>>> Ela está sozinha. Seja um homem descente, faça o que tem que ser feito. Do Bento
cuido eu, não se preocupe.
Luquinhas>>> Obrigado!
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Enquanto aguardava notícias de Bárbara, Lucas ponderou suas ações durante a madrugada
e tentou colocar a cabeça no lugar. Precisava tomar uma decisão definitiva e ir de encontro aos
novos ideais. Havia finalmente chegado a uma conclusão e quando leu a mensagem de Babi,
agradeceu-lhe pela ajuda. Depois de tudo, sua ex-noiva lhe prestara um imenso favor, mas agora,
tudo dependeria exclusivamente dele. Levantou-se da cama e foi até seu closet, vestiu uma regata
branca e colocou a carteira no bolso traseiro de seu moletom, calçou um par de chinelos e foi rumo
ao seu destino.
Ao chegar na sala de estar, encontrou sua mãe sentada, assistindo a um programa matinal.
Tentou passar despercebido, mas não aconteceu. Isabella jamais deixaria de notá-lo.
— Bom dia, aniversariante. Não quis tomar café conosco?
Lucas aproximou-se de sua mãe e beijou-lhe a testa.
— Bom dia, minha rainha. Estou sem fome.
— Como foi sua festa de aniversário, ontem?
Oh sim, sua maldita festa de aniversário. Havia esquecido completamente.
— Acho que estou perdendo o jeito da coisa. Não foi nada de mais.
— Isso é novidade, vindo de você.
Lucas fitou sua mãe, sentindo-se angustiado por estar escondendo seus sentimentos dela.
Ajoelhou-se a sua frente e segurou o rosto de Isabella entre suas mãos.
— Tem muita coisa nova em mim, mãe.
— Por que diz isso, meu amor?
— Em breve a senhora saberá o porquê. — Beijou-lhe a testa mais uma vez e levantou-se.
— Preciso ir.
— Lucas, onde você vai?
— Resolver minha vida, mãe. De uma vez por todas.
Sem dar ouvidos ao chamado de Isabella, Lucas se apressou em descer a escada e foi em
direção à casa de Nora. Ao invés de ir pela área e bater na porta, Lucas desviou para a lateral,
onde avistou a janela do quarto da garota, aberta. Tentou ser silencioso e quando estava perto o
bastante, conseguiu ouvir soluços de alguém que estava abafando o choro.
Ah, merda...
Sem pensar em se anunciar, Lucas equilibrou-se e pulou a janela, caindo em cima da cama de
Nora, assustando-a. A garota se agitou, sentando-se bruscamente. Quando seus olhos finalmente se
encontraram, ela não acreditou que era real, que Lucas estava ali, a sua frente, em sua cama. Mais
lágrimas teimosas caíram e sua respiração estava fraca.
— Ei, bruxinha... chora não, vai!
Ela não conseguiu dizer nada, ainda pensava que era uma miragem, um sonho. Mas quando
Lucas se aproximou e lhe tomou nos braços, deixou-se levar pela ilusão de sua presença e se
permitiu senti-lo mais uma vez. Parecia tão real.
— Você está mesmo aqui? Não me odeia?
Ele afastou o rosto da menina para que pudesse fitá-la nos olhos e mostrar toda a
veracidade do que lhe diria a seguir:
— Por que eu te odiaria? Você é a melhor coisa que aconteceu em minha vida, Nora.
O coração dela se inundou de esperança, que pudesse acordar logo e algo semelhante
aconteceria.
— Como eu queria que isso fosse verdade...
Sentiu as mãos de Lucas tocarem seu rosto, parecia tão real.
— Ainda não confia em mim, bruxinha? — A voz dele soou decepcionada, triste.
— E-eu, só queria que não fosse um sonho.
— Espere aí, você acha que isso é um sonho?
Ela anuiu e uma lágrima escorreu em sua face avermelhada. Os olhos inchados partiram o
coração de Lucas. Enquanto esteve transtornado em seu quarto, sofrendo por ter sido um canalha
com Nora, ela esteve se sentindo tão mal ou ainda pior que ele.
— Não é um sonho, Nora. Eu estou aqui, de verdade. — Beijou-lhe a ponta do nariz.
Nora acariciou a face de Lucas, comprovando que se tratava dele mesmo. Assustada, pulou
para trás, afastando-se de seu toque.
— Lucas, eu... — As malditas lágrimas continuavam a lhe encharcar o rosto. Sentia-se fraca,
cansada, desolada, mas ao que parecia, ainda existia líquido em seu corpo para serem
convertidos em choro. — Me perdoe, eu... não foi de propósito, não pensei nisso... você tem que
acreditar em mim.
Lucas pestanejou, Nora parecia transtornada, fora de si.
— Psiu, está tudo bem, amor. — Puxou-a para perto novamente e a aninhou em seus braços.
— Sou eu que preciso te pedir perdão. Fui eu que estraguei tudo...
— Eu menti.
— E eu fugi.
— Eu ia te contar, não foi de caso pensado.
— Nora, se acalme, por favor.
Ela o apertou contra si, com medo que fosse embora a qualquer momento.
— Você não pode ir para a Alemanha, não pode me deixar sozinha. Por favor...
— Não vou a lugar nenhum, sem você. Se ainda me quiser, depois do que te fiz.
Foi a vez da garota segurar o rosto do homem entre suas mãos.
— Eu amo você, Lucas.
Ele sorriu, feliz por ouvir a frase novamente. Ela havia declarado seu amor, momentos antes
de se entregar naquela garagem e o mundo desabar ao seu redor. Estava tão cheio de raiva que
não absorvera as palavras como elas mereciam, mas desta vez, olhando-a diretamente nos olhos e
sentindo todo o poder que o sentimento exercia sobre ele, Lucas teve certeza de que estava
tomando a atitude certa.
— Não vou para a Alemanha, meu lugar é aqui. E chega de esperar, nossa história não tem
mais prazo para começar. Falarei com o seu pai hoje e chega de segredo. Eu te amo, bruxinha. E
a gente vai ficar junto.
— Oh meu Deus...
— Eu não acreditava em anjo, mas hoje tenho certeza que alguém lá em cima te mandou
para mim.
Nora mal conseguia acreditar que Lucas estava ali e que a amava também. Depois de temer
perdê-lo e chorar tudo o que podia e não podia, finalmente suas lágrimas cessaram e um sorriso
brotou em seus lábios. Sem medo de ser rejeitada, aproximou sua boca da dele e o beijou como se
não houvesse o amanhã. O desespero e saudade, tornou o beijo ainda mais intenso que os
trocados em outros encontros. Estavam sentados na cama de solteiro, e Nora mexeu-se apenas o
suficiente para ficar de frente para Lucas e encaixar suas penas entre as dele. Os braços de
Lucas prenderam sua cintura possessivamente e Nora continuou acariciando o rosto dele enquanto
o beijava faminta. Queria ter certeza de que ele não se afastaria.
Lucas sentiu seu corpo entrar em erupção novamente, assim que seus lábios tocaram os de
Nora. Sua garota estava novamente em seus braços, entregue à paixão que os unia sempre que
estavam tão perto um do outro. O mundo parou de girar, o tempo parou de contar e nada à sua
volta lhe importava, a não ser a mulher que amava. Seu pau ganhou vida, como sempre acontecia
quando estava com ela. Sentiu-se culpado por estar desejando-a com tanta fome, mesmo depois
do que acontecera durante a madrugada, na garagem da mansão. Foi então que a realidade
veio à tona mais uma vez, fazendo-o se sentir culpado pela maneira bruta e superficial com a qual
tomou a virgindade de Nora. Distanciou-se com certa dificuldade, encerrando o beijo e tentando
retomar a clareza de seus pensamentos. A garota o fitou, havia confusão e receio em seu olhar,
mas para tranquilizá-la, Lucas acariciou seu rosto delicado e beijou-lhe a ponta do nariz. Como
gostava daquele gesto, uma maneira carinhosa de expor seu sentimento de proteção em relação a
ela.
— Como você está? — perguntou, preocupado. — Sente dor, desconforto?
O rosto da garota enrubesceu, mas ele não a pouparia daquela conversa. Haviam
ultrapassado uma barreira e dado um passo gigantesco naquele relacionamento tão prematuro,
mas não era possível reverter o acontecido e tudo o que precisavam era conversar, superar e
seguir adiante, mais unidos do que nunca. Precisavam se fortalecer para enfrentarem juntos o que
quer que viesse pela frente. Reparando na janela aberta, Lucas tratou logo de fechá-la para ter
mais privacidade com ela.
— Não tenha vergonha de mim, Nora. Você é minha mulher.
Ela negou em um gesto de cabeça.
— Eu me sinto diferente, mas não sinto dor. Só sei que algo mudou em mim.
— Quero que vá ao médico amanhã, pedi para a Babi te levar. Desculpe por envolvê-la
nisso, mas tirando minha mãe, não há outra pessoa em quem confio, para pedir algo assim.
Nora lembrou-se da possibilidade que a assombrava.
— E se eu estiver grávida, Lucas? — O pânico em sua voz era evidente. — Como eu pude
ser tão burra?
Com o dedo indicador, Lucas levantou o queixo de Nora e a fez olhá-lo nos olhos.
— Eu fui o irresponsável. Tinha camisinha na carteira e no porta luvas do carro. Não fui
prudente, não pensei nas consequências. Fiz tudo errado, Nora. — Balançou a cabeça
freneticamente, transtornado. — Sequer olhei nos seus olhos, fui um cretino...
— Lucas! Eu fui para cima de você, te provoquei...
— Está me defendendo, bruxinha?
— Eu não vou atribuir a culpa do que houve, a você. Eu puxei o gatilho.
— Se você estiver grávida, nós estaremos grávidos. Entendeu? Não será você esperando um
filho. Será nós. Nosso filho. A gente fez isso junto.
— Desculpe, eu não pensei em nada disso...
— Tomou a pílula?
— Uhum.
— A gente espera e seja o que Deus quiser, pequenina. Não pensa mais nisso.
— Meu pai...
Lucas deu de ombros e riu, beijando a testa de Nora.
— Tirando o fato de eu estar apavorado, com a possibilidade de ele querer arrancar meu
pau e me tornar um eunuco, acho que mais cedo ou mais tarde ele terá que aceitar. A gente se
ama, o que há de errado nisso?
— Tem razão. Mas estou nervosa e...
Ele não permitiu que ela continuasse, beijou-lhe novamente e esqueceu todas as
preocupações.
Nora sentiu o corpo inteiro se arrepiar, o calor em seu ventre se aprofundando e o desejo
crescendo a cada segundo, fazendo-lhe esquecer tudo o que lhe afligia. Suas mãos percorreram o
corpo de Lucas, por cima da regata branca, mas logo não foi suficiente e a garota ousou ir mais
além, invadiu a pele por baixo da camiseta, sentindo o calor emanando em cada célula do corpo
de Lucas. Nora pressionou seu corpo ainda mais contra o dele, dando os sinais de que queria
pertencer novamente ao homem que amava. Lucas entendeu o recado e para dar livre acesso à
Nora, tirou sua regata e a jogou no chão. A garota cobiçou o abdômen perfeito e passou a língua
pelos lábios, como se estivesse prestes a provar algo delicioso.
— Você é tão lindo... — Sem pudor algum, Nora tocou-lhe os ombros e beijou o peito
desnudo de Lucas. O cheiro de sabonete a inebriou e o calor de sua pele a deixou ainda mais
acesa.
Estavam sentados na cama em uma posição não muito confortável. Em um gesto rápido, Lucas
segurou Nora pela cintura e se remexeu na cama, ficando de pé tempo o suficiente para tirar os
chinelos e em seguida deitou sua garota de costas para o colchão. Pairando sobre ela, admirou
encantado o brilho que iluminava o olhar de menina mulher. Jamais presenciara algo assim com
outra. Era por este e outros motivos, que Lucas tinha completa certeza do seu amor por Nora. Ela
era diferente, o que sentia por ela era diferente de qualquer coisa que já sentira antes, e fitá-la
nos olhos e ver algo tão puro e verdadeiro, lhe fazia questionar se era realmente merecedor de
uma dádiva tão grande. Após anos sem se importar com o sentimento de qualquer mulher,
encontrara alguém por quem finalmente valia a pena todas as concessões. Tudo o que lhe
importava era a felicidade da garota a sua frente.
— Deixe-me te amar do jeito certo, Nora. Do jeito que você merece.
— Sim...
Era tudo o que ele precisava ouvir. Lucas separou as pernas de Nora, e se encaixou entre
ela. A garota vestia uma calça de algodão, parte de um conjunto de roupa de dormir. Ele tirou a
blusa dela, deixando-a nua da cintura para cima. Não havia reparado que estava sem sutiã,
porque pela primeira vez na vida, Lucas olhava uma mulher diretamente nos olhos e não em seu
decote. Prendeu a respiração ao vê-la tão exposta, tão entregue. Nora não se sentia
envergonhada diante de Lucas. Agora, mais do que nunca, ela queria estar com ele, pertencer a
ele. Seus mamilos estavam enrijecidos, reação causada pela excitação que sentia e expectativa do
que estava por vir.
— Você é linda.
Sem mais delongas, Lucas iniciou uma trilha de beijos pela barriga de Nora, alternando entre
mordidas leves e sucções. A garota gemia, deliciando-se com cada sensação nova. Quando a
língua de Lucas alcançou um dos mamilos, Nora arqueou seu corpo e apertou os ombros de Lucas,
arranhando levemente a pele macia. Queria aproveitar cada segundo daquele momento sublime,
mais um que seria inesquecível em sua vida. Beijou o pescoço de Lucas, e mordiscou sua orelha,
fazendo com que ele soltasse um gemido.
— Você me deixa louco, Nora. — Tomou-lhe o outro mamilo, dando-lhe igual atenção.
A sensação de tê-lo tão próximo, de maneira tão íntima, era indescritível. Nora fechou os
olhos e deixou-se levar pelo instinto, traçou beijos pelo bíceps braquial e logo suas mãos desceram
até o cós da calça de moletom. Lucas parou imediatamente e a encarou surpreso.
— Quero te ver nu.
Ele sorriu, satisfeito com a iniciativa da garota. Rapidamente, saiu de cima dela e deitou-se de
costas na cama.
— Sou todo seu. Se quiser me ver pelado, terá que me despir.
Ela gostou do desafio. Estava sendo diferente dessa vez e queria aproveitar, conhecer,
explorar. Sentindo-se corajosa, Nora ficou de pé em sua cama, admirando o corpo de Lucas
esticado. Ele estava muito excitado, a protuberância evidente sob o moletom a deixou ainda mais
curiosa para vê-lo sem roupa.
— Está gostando da vista aí em cima, bruxinha?
— Estou amando.
Mas ela não havia se levantado para apreciá-lo, fora apenas um bônus. Nora ficou de pé
para tirar seu pijama, e assim o fez, lentamente, sem desviar os olhos de Lucas. Ele a devorava
apenas com os olhos e isso a deixou mais confiante para deixar o tecido de algodão cair aos seus
pés. Ficou apenas com sua calcinha rosa, com um minúsculo lacinho lilás.
— Puta que pariu! Isso foi sexy pra porra. Venha aqui, Nora.
E ela foi, abaixou-se sobre ele, sentando em cima de sua ereção e gemendo ao sentir a
deliciosa pressão.
— Você me surpreende cada vez mais — disse Lucas, tentando se sentar na cama, mas
sendo impedido por Nora, que começou a beijá-lo no abdômen enquanto ameaçava puxar a calça
de moletom para baixo.
Lucas permitiu ser explorado, queria deixá-la à vontade, curtir cada segundo. Era a vez de
Nora fazer suas descobertas. Colocou os braços para cima, atrás da cabeça, e fechou os olhos,
deixando-se levar pelo rastro dos lábios dela por sua pele.
— Ah... — Gemeu quando os dentes de Nora mordiscaram um de seus mamilos e as unhas
arranharam sua costela.
O rastro das unhas foi cada vez mais para baixo, chegando novamente a sua cintura. Sentiu
o tecido da calça escorregando e arqueou o corpo para facilitar o trabalho de Nora.
— Oh, sim...
Ela tirou a cueca, juntamente com a calça. Sentia seu pau pulsando sobre a pele quente e não
resistiu a curiosidade. Fitou-a no exato momento em que Nora contemplava sua majestosa ereção.
Os peitos de Nora ficavam magníficos enquanto ela respirava pesadamente, admirando o homem
diante de si, Lucas lutou contra o desejo insano de tomá-los em sua boca novamente. Seria
paciente.
— Você é tão... — Nora buscou em sua mente, a palavra adequada para descrevê-lo.
Lucas dirigiu-lhe um sorriso safado, não conseguindo evitar provocá-la.
— Grande? Suculento? Caralhudo?
— Babaca! — Revidou Nora, rindo da expressão falsamente ofendida que Lucas fizera.
— Um babaca caralhudo, posso lidar com isso. — Sorriu cinicamente.
— Talvez eu deva amordaçar você, cobrir a sua boca com uma das minhas meias.
Ele fez uma careta.
— Isso não foi sexy.
— Seu ego também não é.
— Perdoe-me, bruxinha. Vamos voltar ao clima romântico, esqueça o que eu disse.
— Quero tocar você — confessou, engolindo em seco.
— Eu quero que você me toque. Como eu disse antes, sou todo seu.
Nora assentiu e não se fez de rogada. Espalmou suas mãos nas coxas de Lucas,
massageando-as com deliberada lentidão. Aos poucos, a coragem lhe dominou e subiu as mãos
para a virilha, chegando finalmente aonde mais lhe interessava. O pênis de Lucas era grande, de
espessura grossa e veias aparentes. Assim que o segurou com firmeza, ele arqueou o corpo.
— Ai, caralho...
— Como eu faço? — Perguntou ela. Queria agradá-lo, sentia essa necessidade.
Lucas evitou dizer qualquer coisa que pudesse soar pretensioso, ainda não sabia até que
ponto poderia ser espontâneo com ela. Nora era inexperiente e depois da primeira vez
desastrosa, seria cuidadoso. Ao invés de instruí-la, ele apoiou o peso do corpo em um dos braços e
com a mão livre, tocou a dela, movimentando-a lentamente, de baixo para cima, para que ela
encontrasse o ritmo perfeito na masturbação.
— Continue, é exatamente assim... — Jogou a cabeça para trás e entreabriu os lábios,
tentando manter a respiração ritmada.
— Isso é bom?
— Maravilhoso...
Nora adorou cada gemido de satisfação que Lucas soltava, ao ser acariciado por ela.
Queria proporcionar prazer a ele, mostrar que estava disposta a aprender tudo o que poderia
ensiná-la.
— Chega! — Gritou ele, assustando-a, fazendo-a parar imediatamente. — Não quero gozar
na sua mão, bruxinha. Você está me enlouquecendo.
Lucas sentou-se na cama e agarrou a garota, invertendo as posições. Pairando novamente
sobre Nora, apressou-se em tirar a calcinha dela, e contemplou seu corpo.
— Eu te amo Nora Sampaio.
Antes que ela pudesse responder de volta, Lucas abaixou-se rapidamente e abriu as pernas
da garota, aprofundando sua língua no núcleo naturalmente lubrificado. Nora estava tão excitada
quanto ele, Lucas continuou estimulando o clitóris com a língua e a garota lhe puxou o cabelo,
enquanto apertava a cabeça dele com as pernas.
— Isso é bom... — Ainda melhor que da primeira vez, pensou ela.
Não tardou em atingir o clímax gemendo o nome de Lucas enquanto se contorcia na cama.
Lucas se afastou para pegar um envelope de camisinha na carteira. Mesmo que houvesse a
possibilidade de Nora estar grávida, ainda confiava na eficácia da pílula do dia seguinte. Não
erraria novamente, não debocharia do destino. Rasgou a embalagem e deslizou a proteção de
látex por sua extensão rígida. Reparou que Nora não tirava os olhos da cena. Sua garota era
curiosa e isso o deixaria ainda mais louco por ela. Deitou-se sobre ela e lhe beijou, fazendo-a
sentir o sabor de seu próprio prazer. Acariciou os seios perfeitamente moldados para suas mãos e
deslizou um dedo para dentro dela, querendo sentir sua lubrificação e ter certeza de que não
estava machucada. O gemido que Nora soltou deixou Lucas mais seguro para continuar. Encerrou o
beijo e acariciou sua bochecha, traçando os lábios com o polegar.
— Memorize cada segundo, Nora. Porque essa é a primeira vez que faremos amor. A
primeira de muitas. Está pronta?
— Sempre estive pronta para você, Lucas.
— Não feche os olhos, quero te olhar o tempo todo.
Dando-lhe um beijo rápido nos lábios, Lucas encaixou seu membro na entrada de Nora,
começando a penetrá-la devagar, para que ela se acostumasse com o seu tamanho e pudesse
apreciar cada segundo. Suas mãos entrelaçaram as dela e os olhares se encontraram, o sorriso nos
lábios e a cumplicidade recíproca.
— Eu te amo, Nora.
— Pode vir, Lucas. Eu não vou quebrar.
Ele anuiu, penetrando-a até que seu membro estivesse completamente dentro dela. Os dois
gemeram, juntos, sentindo a conexão de corpos e almas tão intensamente.
— Eu te amo, Lucas. Você pode continuar, agora.
Ele riu.
— Sem pressa, bruxinha...
Ser preenchida novamente por Lucas, de maneira delicada e lenta, deu a Nora uma nova
perspectiva sobre sexo. Estavam fazendo amor e a sincronização dos movimentos de seus corpos
era sublime. Aos poucos, Lucas acelerou o ritmo, mas jamais deixou de olhá-la, beijá-la, acariciá-la.
Seu coração se inundou de amor, sentiu-se preenchida e completa. Nada mais lhe faltava. Com
Lucas ao seu lado, Nora sentia-se realizada. A felicidade finalmente havia se estabelecido em sua
vida.
Ao atingir o orgasmo novamente, a garota gemeu o nome de Lucas e ele encostou sua testa
na dela, continuando as estocadas ritmadas até atingir sua própria libertação. Exaustos e saciados,
permaneceram abraçados até Lucas se retirar de dentro dela.
— Preciso jogar a camisinha fora. — Beijou a testa dela e em seguida se levantou, indo para
o banheiro.
Nora observou cada detalhe do corpo de Lucas, que caminhou pela casa, nu. Quando
retornou, ela não pôde deixar de olhar seu membro, semi-ereto.
Por que tanta perfeição em um único ser humano?
— Vai embora? — perguntou, sentindo-se decepcionada ao vê-lo vestir a cueca e em
seguida pegar sua calça de moletom.
— Pode apostar que não, só estou me vestindo. Não posso me deitar ao seu lado, sem
nenhuma roupa. Você pode se assustar com a inconveniência do Lucão aqui embaixo.
— Oh...
— Pegue. — Entregou a ela suas roupas. — É melhor você se vestir também.
Nora se levantou e vestiu suas roupas. Já vestidos, estavam de frente um para o outro, ao
lado da cama de solteiro. Lucas a puxou para um abraço e beijou o topo de sua cabeça, Nora
envolveu os braços em torno de sua cintura apertando-o contra si.
— Vai dar tudo certo, Nora. Confia em mim.
— Eu sei, Lucas. Eu confio em você.
BENTO
São duas horas da tarde e passei a manhã inteira nessa cama, no mesmo motel de antes,
desfrutando dos momentos mais incríveis com Bárbara. Há algo nela que me vicia de uma maneira
inexplicável, e não se trata apenas de sexo, que também é excelente. Essa patricinha é muito mais
do que imaginei. Ela é inteligente, astuta e desafiadora. Linda, bem-humorada e muito carinhosa. É
difícil se manter impassível diante dela, depois de certo tempo de convivência.
Meu Deus, estou me deixando levar... Não posso me apaixonar por ela, por ninguém.
Onde eu estava com a cabeça quando aceitei passar um dia inteiro em sua companhia?
Mesmo transtornado com a volta de Adelina, sei que não deveria usar Bárbara como uma válvula
de escape, além disso, há algo errado com minha filha e não conversei com Nora ainda, para
saber do que se trata. Mesmo que seja um coração partido, como disse Babi, eu quero que minha
filha tenha confiança em mim para me contar o que lhe aflige. Olho para Bárbara, que dorme
profundamente. Estou tão exausto quanto ela, mas algo me mantém acordado. Uma inquietação,
não sei explicar, é como se fosse um sexto sentido.
— Tão linda, você...
Quando acordei na madrugada e vi que Bárbara não estava ao meu lado na cama, sabia
que não poderia dizer nada. Mas eu queria ter conversado nesta manhã, sobre o porquê de ela
ter ido embora e o que fazia na mansão Marinho, tão cedo. Não quero lhe exigir nada e acreditei
quando disse que não estava se envolvendo com mais ninguém, além de mim. Mas isso me intriga e
não consigo evitar. Somado ao fato de ela aparecer em minha casa, para falar com Nora, tendo a
certeza de que minha filha a receberia tão cedo. Algo está fugindo aos meus olhos e isso me deixa
tenso.
— O que você está me escondendo, patricinha?
E ainda tem Adelina. Preciso conversar sobre a volta dela, com Nora. Levanto-me
sorrateiramente e começo a vestir minhas roupas. Por mais que seja tentador passar o resto do
domingo em uma cama, com Bárbara, preciso seguir meu coração. Tenho que me afastar um pouco
para não demonstrar afeto demais, estamos juntos de uma maneira descompromissada e é assim
que pretendo continuar. Não quero lhe fazer perguntas que possam demonstrar ciúmes, também
não quero demonstrar que estou cada vez mais afetado por ela. Então, o melhor que tenho a
fazer no momento é ir embora e deixá-la dormindo, exatamente como fez comigo mais cedo. Não
é nenhum revide ou vingança. É apenas uma saída de emergência. Deixo dinheiro para pagar a
diária do quarto, em cima do criado mudo, e rabisco um bilhete apressado:
“Preciso ir. Nos vemos outro dia. Beijos. ”

São quase três horas quando eu estaciono a caminhonete no pátio da mansão Marinho.
Caminho até minha casa e estranho ao ver tudo fechado. Nesse horário, Nora já teria aberto as
janelas para arejar. Entro na sala e não a vejo.
Ela disse que estava com cólica, dever estar dormindo.
A porta do quarto está fechada, mas ela não tem o hábito de trancar. Dou uma batidinha de
leve, para avisar minha entrada e abro a porta apenas o suficiente para espiá-la.
— Oh meu Deus! — Não consigo acreditar no que estou vendo. — Que merda é essa?
Escancaro a porta com força e vou com fúria em direção a cama de minha filha.
Lucas me encara perplexo, vejo pânico em seus olhos, Nora está tão assustada quanto ele.
Estavam deitados, abraçados com uma intimidade que jamais imaginei ser possível. O que esse
mulherengo filho da mãe, pensa que está fazendo no quarto da minha filha?
— Vamos conversar, Bento — diz Lucas, levantando-se e erguendo as mãos para cima, como
se fosse um bandido pego no ato do crime.
Não consigo conter minha raiva, aproximo-me rapidamente e seguro o tecido de sua regata,
tentando imobilizá-lo.
— O que fez com a minha filha? — grito, sem conseguir me conter. — Que porra deu na sua
cabeça para seduzir uma adolescente? Seu fodido de merda!
A regata fina me impede de segurá-lo com mais força. Prendo minha mão direita em volta de
seu pescoço e o aperto. Eu não vou matá-lo, embora minha cólera seja assassina.
Como ele teve coragem? Meu Deus, ela é só uma menina.
— Pai, por favor! Pare com isso.
O desespero no pedido de Nora me faz tirar os olhos de cima do traste de homem e encará-
la com demasiada surpresa. Ela o está defendendo?
— Não se meta Nora, isso é assunto entre eu e esse marmanjo aqui!
Tento manter a calma para não ser agressivo com ela, mas a adrenalina percorre meu corpo
e estou me segurando para não socar a cara desse imbecil.
— Me solte, cara. Vamos conversar numa boa.
— Numa boa? Está pensando que eu sou moleque, Lucas? Minha filha tem dezessete anos,
como você quer que eu reaja vendo um mulherengo, onze anos mais velho, deitado na cama dela?!
— Pai, por favor, você está me assustando. Solte ele!
Fecho os olhos, com raiva.
Meu Deus, isso não pode estar acontecendo...
— Vá para a sala, Nora. Agora — mando.
— Pai...
— Eu disse vá para a sala, filha. Agora.
A angustia nos olhos de Nora, deixou-me péssimo. Eu não queria que ela presenciasse algo
que fugisse do meu controle. Estou muito decepcionado com ela, pois era evidente que Nora
gostava mesmo de Lucas. Mas eu o conheço há muitos anos e sei que ele não tem compromisso
nenhum com mulheres, não as leva a sério.
— Vai Nora, obedeça seu pai.
Observei minha filha sair do quarto e fechar a porta atrás de si. Soltei Lucas, empurrando-o
com força para trás, ele se desequilibrou, mas logo se recompôs. Meu olhar se desviou para a
cama de solteiro, onde os lençóis emaranhados me fizeram sentir uma raiva ainda maior.
— Até onde você levou essa brincadeira, Lucas?
— Bento, eu amo a sua filha.
— Você não ama ninguém! — grito. — Não posso te acusar de ter abusado da Nora,
porque vejo nos olhos dela o quanto está apaixonada. Jamais pensei que você fosse tão
inescrupuloso, ao ponto de seduzir uma criança.
— A Nora não é uma criança, Bento. Porra! Você ouviu o que eu disse? Eu amo a sua filha!
Amo de verdade, entendeu?
— Ama? Até quando? Até ela te dar o que você quer? Não pense que irá brincar com os
sentimentos da minha filha, seu marmanjo folgado. Eu não permito que se aproxime de Nora,
novamente. Você me entendeu?
Tento não gritar para não assustar a Nora. Foda-se que Lucas seja meu patrão, para o diabo
com essa merda toda. O que ele fez destruiu todo o respeito que eu tinha...
— Você não pode me pedir isso, droga! — Lucas começa a andar de um lado para o outro.
Parece nervoso. — Meu pai queria me mandar para a Alemanha e eu não fui, não posso ficar
longe dela. Quero que você permita o nosso namoro, minhas intenções com Nora são as melhores.
Eu juro, Bento. Por tudo que é mais sagrado, eu juro que amo a sua filha, porra!
Não consigo acreditar como ele pode ser tão cara de pau para insistir que eu aceite esse
despautério.
— Não vou permitir que minha filha se torne o seu brinquedinho favorito do momento. Que
Deus me perdoe, Lucas Marinho. Mas se você tocar nela de novo, eu juro que mato você.
— Bento, não fala isso...
— Nora vai para longe daqui, e eu só não peço demissão porque vou ter que trabalhar
como um condenado para mantê-la. Mas aqui ela não fica.
— Eu caso com ela! — Segura-me pelos ombros, apertando-me. Fito seus olhos e o desespero
que vejo neles, com a possibilidade de eu mandar Nora para longe, isso me assusta. Ele parece
consternado de verdade. — Eu caso, só não afaste ela de mim.
Empurro ele para não o agredir ainda mais.
— Vai ficar longe dela! Ouviu o que eu disse? — grito, descontrolando-me.
— Ah, eu não vou mesmo. Ela é minha.
Não consigo conter minha raiva e parto para cima dele. Dou-lhe um soco de dianteira sem
mirar, atingindo-lhe a têmpora. Lucas tenta se defender, segurando minhas duas mãos.
— Pelo amor de Deus! Parem com isso!
A voz de Bárbara reverbera pelo quarto, deixando-me sem ação por alguns segundos, o
suficiente para que Lucas consiga de afastar de mim. Subitamente, assimilo a realidade: A
patricinha sabe de tudo. Ela já sabia e não me contou nada, pelo contrário, fez com que eu
permanecesse fora de casa para que Nora ficasse sozinha.
— Você sabia...
Bárbara muda sua postura de pronta para o ataque, para pronta para fugir. Seu olhar
desafiador dá lugar ao culpado e é nesse momento que eu constato a verdade: Sim, ela realmente
sabia.
— Mentirosa.
— Bento... — Sua voz falha termina de lhe denunciar.
— Como teve coragem de me esconder uma coisa dessas, Bárbara? Você foi noiva dele,
sabe como Lucas trata as mulheres, como se fossem descartáveis!
— Não fale assim com ela, Bento! — bradou Lucas.
— Cale a boca, Lucas! Você já pode ir embora, meu recado está dado. Mas não pense que
ficará assim, ainda hoje falarei com o seu pai. — Olho para Bárbara. — Você pode ir embora
também.
— Esfrie a cabeça, homem. Esse assunto não morre aqui, eu amo a Nora e você terá que
aceitar isso.
— Nunca!
— É o que vamos ver...
Tento me aproximar dele, novamente, disposto a dar uma lição que ele jamais esquecerá. Mas
Lucas é mais rápido e sai do quarto. Bárbara me segura e só não a empurro porque eu jamais
machucaria uma mulher, por mais que eu a odiasse neste momento.
— Vá embora, preciso ter uma conversa séria com Nora.
— Bento, eu não era a pessoa certa para contar sobre eles... não tinha o direito de interferir.
— Não tinha o direito de interferir? E o convite para passar o dia fora, foi o quê? Com
certeza não foi só pelo sexo, você estava dando cobertura para eles. Meu Deus! Como pude ser
tão burro?
Passo as mãos pelo cabelo, em um gesto de frustração.
— Bárbara, eu me precipitei. Essa coisa entre nós, acaba agora. Não confio mais em você.
A surpresa e tristeza em seu rosto é evidente.
— Não faz isso...
— Saia daqui.
Ela me encara, está engolindo o choro, é perceptível. Meu Deus, essa expressão tristonha me
mata por dentro. Mas é o certo a fazer. Mais cedo ou mais tarde a gente ia se encrencar. Quanto
antes terminar, mais fácil de superar.
— Tudo bem, eu vou. Mas pense bem no que irá fazer. Lucas ama Nora, como nunca amou
ninguém. E ela também o ama. Você não pode afastá-los só porque acha que sabe o que é melhor
para ela.
— Ele é onze anos mais velho. E o que ela sabe da vida? É apenas uma menina.
Ela se aproxima e toca meu rosto. Fecho os olhos, para não sucumbir ao desejo desesperado
de beijá-la.
— Você tem quantos anos, Bento Sampaio?
— Trinta e Seis.
Ela anui, pensativamente.
— Sabe quantos anos eu tenho? — Pergunta.
Está aí uma das coisas que eu não sei sobre ela.
— O que isso importa, agora?
— Eu tenho vinte e seis anos, Bento Sampaio. Dez a menos que você. Já pensou se nos
conhecêssemos antes, há uma década atrás? Seria muito semelhante à Nora e Lucas, agora.
Engulo em seco.
Droga! Como eu nunca me perguntei sobre a idade de Bárbara?
— É diferente. — Argumento, mantendo minha voz ríspida.
— Sim, é diferente. Nos conhecemos tarde demais, e antes disso sofremos decepções com as
pessoas que acreditávamos amar. Lucas ama sua filha, e ela sente o mesmo. Eles tiveram a sorte de
se encontrar, talvez um cedo demais, por ela ainda ser menor de idade, mas isso não muda o fato
de que eles também poderiam se encontrar e se apaixonar no futuro. Lucas poderia ter trinta e
seis e ter vivido relacionamentos fracassados. Nora poderia ter vinte e sete e ser uma professora
ou uma secretária executiva. E então, um belo dia, eles se esbarrariam e se apaixonariam. Porque
tinha que acontecer.
— Logo ele se encantará por outra. Nora é apenas uma novidade.
Ela se afasta e caminha até a porta do quarto.
— Ah, Bento Sampaio. Você se acha tão vivido, não é? Mas o que sabe sobre o amor? Não
sabe nada, ou perceberia apenas de olhar para aqueles dois. Eu sinto muito ter escondido o fato,
por algumas horas, pois descobri há pouco tempo. Sobre omissão, espero que não cometa o mesmo
erro que eu. Converse com Nora, sobre o assunto pendente, de hoje cedo. Não espere que ela
descubra por conta própria, ela pode odiar você, como você está me odiando agora. Adeus,
jardineiro.
Suas palavras se aprofundam em minha mente e coração, com uma força avassaladora.
Quando consigo assimilar cada uma delas, é tarde demais. Bárbara foi embora.
— Meu Deus... O que eu faço, agora?
BABI
Quando peguei no sono, senti os braços de Bento me abraçando com carinho. Deixei-me levar
pela exaustão e dormi demais. Um grande erro. Ao acordar e me dar conta de que estava sozinha
no motel, meu coração sentiu a apreensão de imediato, como se algo muito ruim estivesse prestes a
acontecer.
— Oh, meu Deus!
A primeira coisa que veio à minha mente, foi que Lucas e Nora pudessem estar juntos e Bento
descobriria tudo da pior maneira possível. Quando finalmente cheguei a mansão Marinho, caminhei
às pressas para a casa de Bento. Ouvi os gritos assim que coloquei meus pés na área da casa e
sem pensar em bater na porta, entrei sem ser convidada. Encontrei Nora na sala, aos prantos, mas
não consegui lhe dizer nenhuma palavra de conforto. Corri para o seu quarto e me ocupei de
apartar uma briga entre Bento e Lucas.
Seu olhar de decepção quando descobriu sobre eu já saber da verdade, foi algo que nunca
tinha presenciado em Bento. Ele realmente estava muito chateado comigo, realmente me odiando.
Machucou-me profundamente ser o alvo de tanto desprezo, mas era compreensível até certo ponto,
ele estava muito surpreso por flagrar o filho de seus patrões com sua filha.
Tentei conversar, me defender, mas ele estava convicto em suas crenças. Não adiantava
persistir com uma pessoa de cabeça quente, seria ainda mais desgastante e talvez eu ouvisse
ainda mais coisas que preferiria nunca ter ouvido. Aquele turrão sabia ser muito duro com as
palavras.
Mesmo que esteja doendo em mim, virei-lhe as costas. Nós tínhamos acabado de dar um
passo importante em nossa relação, eu tinha esperanças de progredir e aos poucos fazê-lo romper
suas barreiras de autodefesa sentimental. Mas tudo havia ido por água abaixo.
Eu sou Bárbara Lanco de Castro. Corro atrás do que quero e luto por meus ideais. Mas sei
que para tudo existe um limite. Para Bento, eu rompi a confiança que ele depositou em mim,
desmerecendo a chance que havia me dado. Então tudo bem, irei respeitar o seu desejo. Fui até
onde eu poderia ir. Mas não ultrapassarei o limite.
Definitivamente, a história entre Bento Sampaio e eu, chegou ao fim antes mesmo de começar.
Saio sem me despedir de Nora, e sem a esperança de Bento correr atrás de mim. Já o
conheço suficientemente bem, para saber que ele jamais virá. E é por isso que eu desisto de insistir
nessa história.
Estávamos fadados ao fracasso.
— Você está bem?
Assim que chego ao jardim, destravo o alarme do meu carro e me sobressalto ao ouvir a voz
de Lucas. Ele se aproxima e reparo os olhos vermelhos. Alguém andou enxugando lágrimas
recentes.
— Vou ficar — garanto, tentando soar convincente. — E você? O que pretende fazer agora?
Seu suspiro exasperado demonstra sua alma em conflito interno.
— Ele disse que irá mandá-la para longe. Não posso permitir. Vou falar com meu pai,
primeiro. Depois vou tentar conversar com Bento, mais uma vez.
— Não meta os pés pelas mãos, Luquinhas.
Seu olhar desviou-se do meu.
— Eu sei. Só não está sendo fácil, lidar com tudo isso.
Sorrio para ele e me aproximo para abraçá-lo.
— Perdão por não ter avisado sobre a volta de Bento. Acabei dormindo demais...
Lucas se afasta do abraço e me fita com preocupação.
— Como ficou, vocês dois?
Nego com a cabeça e abro a porta do meu New Beatle, preparando-me para ir embora.
— Não ficou. Mas tudo bem, eu supero. Bento Sampaio é cabeça dura demais.
— Sinto muito Babi, a culpa foi minha, envolvi você no meu problema...
— Lucas! A culpa é minha. Bento é um homem cheio de fantasmas do passado. Eu me meti
aonde não fui chamada, aprendi a lição. Agora você, querido, ama essa garota. Então faça o que
for preciso para baixar a crista daquele homem, e fazê-lo enxergar que está cometendo um
equívoco, separando Nora de você. Lute por ela, Lucas.
— Eu lutarei. Nem que para isso eu precise levá-la embora daqui.
Sorrio. Lucas é intenso demais quando se trata de Nora.
— Não vá sequestrar a garota, por favor.
Ele pisca e abre um sorriso maroto.
— Boa ideia, Babi. Obrigado!
Entro no carro e não continuo dando asas para sua imaginação. Conheço Lucas, sei que ele
não faria algo tão imprudente como roubar Nora, ou algo semelhante. Apesar de ser imaturo e
irresponsável em algumas ocasiões, Lucas Marinho tem um limite.
— Amanhã eu volto, levarei Nora ao médico. Qualquer mudança de cenário, nessa história
maluca, você me ligue. Tudo bem?
— Pode deixar, Babi. E mais uma vez, muito obrigado.
Dou de ombros.
— Agora é você quem me deve uns favores.
Pego a estrada e tento me manter firme. Não quero me permitir desmoronar por causa de
um homem turrão que não está disposto a se dar uma chance de ser feliz.
— Eu vou ser feliz, jardineiro, e bem longe de você e seus problemas. Cansei!
NORA
Ouvir meu pai e Lucas discutindo, sem poder fazer nada para apaziguar a situação, deixou-
me com a sensação de impotência. Não foi assim que eu imaginei que seria, o momento em que
finalmente meu pai saberia sobre Lucas e eu. Agora, enquanto permaneço estática no centro da
sala de estar, chorando feito uma menininha boba, os dois homens da minha vida estão discutindo
em um tom nada amigável.
Eu seria ingênua demais se pensasse que meu pai aceitaria de primeira o meu envolvimento
com Lucas. Sei que ele tem um passado não muito louvável, no que se trata de relacionamentos,
mas eu conheci um Lucas diferente e gostaria muito que meu pai desse uma chance a ele, assim
como eu dei. O que deveria ser o dia mais feliz da minha vida, novamente se torna um pesadelo.
Começo a acreditar que talvez eu não mereça tamanha felicidade. Que tudo não passa de uma
lição que a vida está me dando, para que eu amadureça e aprenda a ser mais forte.
— Nora vai para longe daqui, e eu só não peço demissão porque vou ter que trabalhar
como um condenado para mantê-la. Mas aqui ela não fica.
Eu não quero ir embora! Meu pai quer me deixar, novamente? Ele não pode ser tão arredio
comigo porque me apaixonei. Isso não é justo.
— Eu caso com ela! Eu caso, só não afaste ela de mim.
Oh, Lucas! O que você está dizendo?
— Vai ficar longe dela! Ouviu o que eu disse? — Meu pai grita.
Nunca o vi tão alterado, estou realmente com medo do que pode acontecer naquele quarto.
Lucas é o patrão do meu pai, mesmo que seu envolvimento comigo o tenha deixado furioso, meu
pai deveria pensar um pouco antes de agir. Lucas e eu não estávamos fazendo nada quando ele
chegou, apenas dormindo. E se meu pai tivesse chegado antes e interrompido nosso momento, por
mais vergonhoso que seria para mim, teria que admitir que eu era tão culpada quanto Lucas. Não
fui forçada a nada, eu queria e faria tudo de novo.
— Ah, eu não vou mesmo. Ela é minha.
Lucas está tão convicto do que quer e isso me deixa feliz, apesar de temerosa. Eu não queria
que eles brigassem. Mas já tomei minha decisão e farei o que for preciso para viver minha própria
história. Eu amo meu pai, mas também amo Lucas e com ele aprendi a ser uma mulher, aprendi a
ver a vida com outros olhos e não pode ser errado amar alguém como eu o amo. Meu pai terá
que entender e respeitar minha escolha.
Ouço um barulho estridente e começo a chorar. Eles estão brigando?
Tão rapidamente me dou conta do que está acontecendo, a porta da sala se abre e Bárbara
invade a casa, correndo para o meu quarto. Estou em choque, não consigo sair do lugar.
— Pelo amor de Deus! Parem com isso!
Não consigo compreender o que acontece a seguir. Meu pai parece estar chateado com
Bárbara, as vozes ainda estão alteradas e Lucas sai pela porta, exasperado. Ele me olha com um
desespero que me aterroriza, sem conseguir me conter, o abraço com toda a minha força e sou
amparada por seus braços protetores.
— Vai dar tudo certo, bruxinha. Ele não vai te tirar de mim — Sussurra em meu ouvido.
— Eu não vou embora, Lucas. Não quero ir.
Lucas se afasta e levanta meu rosto, para fitá-lo nos olhos.
— Deixe seu pai esfriar a cabeça e eu volto para falar com ele.
— Tudo bem.
Segurando meu rosto entre suas mãos, Lucas me beija rapidamente.
— Eu te amo, Nora.
— Também te amo, Lucas.
Assim que ele vai embora, seco minhas lágrimas e reúno minhas forças. Preciso ser corajosa,
tenho que falar com meu pai e fazê-lo entender que sou responsável por minhas escolhas, e
escolho Lucas. Ando até o banheiro e lavo meu rosto, pego um elástico dentro do armário de
parede e prendo meu cabelo em um rabo de cavalo, escovo meus dentes e volto para a sala, no
momento em que Bárbara sai do meu quarto, sem dizer nada, e vai embora. Respiro fundo e me
preparo para enfrentar meu pai. Sento-me no sofá da sala e fico encarando a porta do meu
quarto, aguardando ele sair.
Por favor, Deus, me dê forças.
Papai sai do quarto e me encara, a expressão do seu rosto não me diz nada. Não consigo
decifrá-lo e isso é muito ruim, pois não faço ideia de como começarei a me explicar.
— Arrume suas coisas, vou te levar para ficar alguns dias com sua tia — diz, com a voz
calma e totalmente sem emoção.
Nego com a cabeça.
— Eu não vou — digo, tentando não falhar minha voz.
Meu pai me encara surpreso, espantado. Acho que ele não esperava que eu fosse contra um
pedido seu.
— Filha, uma vez eu disse que se fosse preciso, tomaria a decisão que achasse melhor para
você. Te dei liberdade demais, acreditei que saberia discernir as coisas, mas veja o que
aconteceu?
— Eu me apaixonei, esse tipo de coisa não se escolhe.
— Você não entende. Lucas não é a pessoa certa para você. Está se aproveitando da sua
ingenuidade.
Levanto-me e tento me manter firme para defender o que acredito.
— Lucas me ama, pai. Eu sei que ele tem um passado duvidoso, mas provou o quanto mudou
por minha causa, merece meu voto de confiança e o seu também.
— Está cega, filha. Ele te envolveu.
— Não sou mais criança pai, sei dos meus sentimentos.
— Você é tão jovem, está vivendo o primeiro amor pela primeira vez, mas haverá outras
oportunidades.
— Eu amo o Lucas, pai. E não acredito que amarei outra pessoa, mais do que o amo. Quero
a oportunidade de viver essa história.
— Não posso permitir. Você escondeu de mim, trouxe ele para o seu quarto enquanto eu
estava fora. O quanto você mentiu para mim, filha?
A mágoa em sua voz era palpável, senti-me a pior das filhas por não ter lhe revelado antes.
— Não menti, pai. Foi acontecendo aos poucos e não tive a chance de conversar com o
senhor, Lucas veio aqui hoje justamente para conversar sobre isso.
— E acabaram pegando no sono? — Papai senta na mesa de centro e passa as mãos pelo
rosto. Parece cansado.
Sento-me no sofá novamente, evitando fitá-lo nos olhos, sinto-me envergonhada, não quero
falar sobre algo tão íntimo com meu pai. Acho que esse é o único momento em que sinto falta de
uma mãe.
— Pai...
— Nora, eu fui relapso com você em muitas coisas, confesso. Mas não permitirei que cometa
este erro, você é jovem demais, terá muitas oportunidades na vida. A faculdade, uma carreira, a
chance de conhecer um rapaz da sua idade que poderá fazê-la feliz. Pode ser que hoje você me
odeie por podá-la, mas lá na frente, irá me agradecer por esta intervenção.
— Só peço que dê uma chance a Lucas, ele quer conversar com o senhor.
— Não! — Alterou o tom de voz, descontrolando-se.
Levanto-me.
— Eu não quero me rebelar, pai. Mas não irei embora desta vez. Eu já não sou uma criança
que o senhor pode mandar para longe porque não sabe como lidar comigo.
Arrependo-me do que digo, assim que termino de falar. Cubro minha boca com as mãos e
sinto seu olhar triste em cima de mim. Sei que o magoei.
— Você não está sendo justa comigo, filha.
— Perdão, pai. Não quis dizer o que disse, mas o senhor também não está sendo justo com
Lucas.
— Sei que é difícil para você compreender, Nora. Mas é para o seu bem.
— Não quero falar com o senhor, agora — digo, indo em direção ao meu quarto.
— Esse assunto não acabou, Nora.
Olho para trás, fitando-o uma última vez antes de entrar no meu quarto.
— Com certeza, está só começando.
Fecho a porta e viro a chave, trancando-a, escoro-me nela e deixo-me escorregar no chão,
sentando-me sem a menor vontade de sair dali.
— Não posso escolher um dos dois... não é justo.
LUCAS
— Aonde está o papai? — perguntei à mamãe ao encontrá-la na varanda, lendo um livro.
— O que houve, filho?
Dona Isabella sabe me ler como ninguém.
Passei as mãos pelo cabelo e tentei olhá-la nos olhos, mas não consegui.
— Preciso conversar com o pai, é urgente.
— Lucas, o que está me escondendo? — Levantou-se vindo em minha direção.
Ah merda, não quero contar sobre Nora. Não enquanto esse assunto estiver mal resolvido.
— Não posso falar, não ainda.
— Lucas Marinho, eu não admito que esconda algo de mim.
Rio e dou-lhe uma picadela.
— Não pense que sabe tudo sobre mim, mamãe. Eu sou um poço de mistérios.
Abracei-a, buscando conforto.
— Não adianta disfarçar, sei que tem algo errado. Mas eu espero você me contar. Só quero
que fique bem, meu amor.
— Eu vou ficar, mãe. Não se preocupe. Sabe onde está o papai?
— Na biblioteca.
Beijo-lhe o topo da cabeça e me afasto.
— Obrigado.
Viro-me para ir até meu pai.
— Lucas!
Olho para minha mãe, que me encara aflita.
— Eu te amo, meu bebê.
Sorrio. Ela é sempre tão carinhosa comigo.
— Também te amo, minha rainha.
Caminho apressadamente até a biblioteca, encontro papai concentrado, lendo alguns papéis.
Nem percebe minha presença.
— Pai, precisamos conversar.
Não consigo disfarçar meu desespero. Eu sei que parece patético, um homem da minha idade
estar agindo como um adolescente. Mas porra! Essa droga de amor é novidade para mim e eu
confesso: não sei como agir. Preciso de ajuda.
Meu pai desvia o olhar dos papéis e me encara, percebendo imediatamente o quanto estou
tenso.
— O que aconteceu, filho?
— Preciso de ajuda. Bento não aceita meu relacionamento com a Nora, quer mandá-la para
longe de mim.
— O quê? Você está louco?
Bufo, tentando controlar minha frustração. Não posso me descontrolar na frente do meu pai, a
última vez que o fiz ele quis me mandar para a Alemanha. Aliás, ele ainda acha que irei nesta
viagem.
— Ele sabe de tudo. Mas não aceita. O que eu faço? — Aproximo-me de sua mesa, mas não
consigo me sentar. Estou hiperativo, querendo uma solução urgente.
— Lucas, desde quando você está em um relacionamento com essa menina? — Seu tom
áspero não me passou despercebido, ele está puto comigo, mas tenta se manter calmo. — O que
aconteceu com o período de espera? E como foi que Bento descobriu?
Fecho meus olhos, preparo-me para ouvir sua repreensão.
— Ele nos flagrou no quarto dela e surtou. Tentei me explicar, disse que a amava e que
minhas intenções eram as melhores. Falei até que me casaria com ela. Mas Bento não me ouve, está
irredutível e eu não sei o que fazer...
Começo a andar de um lado para o outro. Meu pai se levanta e imita meu gesto de
nervosismo.
— Será que é tão difícil manter esse pau dentro das calças? A garota é menor de idade, seu
irresponsável!
— Ele não pegou a gente transando, droga! Estávamos vestidos, apenas caímos no sono.
— Eu disse que ficaria do seu lado, mas pedi que esperasse! Era pedir demais que reprimisse
a libido por uns meses? Pelo amor de Deus Lucas! Você só complicou as coisas.
Suspiro pesadamente e encaro meu pai.
Ele está certo. Mas o que eu poderia fazer? Não fui forte o bastante para resistir à Nora.
Agora preciso arcar com as consequências. Quero acertar tudo e ser feliz com a minha garota. É
pedir demais?
— Não vou para a Alemanha. Eu simplesmente não consigo ficar longe dela, muito menos
agora que Bento sabe de tudo.
— Ficar longe depois de jogar a merda no ventilador, não terá eficácia nenhuma, meu filho.
Você cometeu um grande erro. Devia ter esperado, agora Bento está em sua razão e você perdeu
a chance de fazer as coisas direito.
— Eu só quero ser feliz com a porra da mulher da minha vida! Por que isso é tão difícil de
aceitar?
— Você está se comportando como um garoto mimado! Eu não te criei para se comportar
desse jeito. Encare os fatos, você errou, agora tem que encarar as consequências.
— Bento não pode me proibir de ficar com ela. Estamos no século vinte e um, porra! Ela me
ama e também quer ficar comigo.
— Fácil falar, filho. Na prática não é assim que funciona. Bento é um homem fechado,
protetor em relação à filha. Você não é exatamente um modelo de pretendente ideal.
Revirei os olhos.
— Obrigado, pai. Você é meu maior incentivador. — Debocho.
— Seja realista, Lucas. Eu não sou cego, conheço muito bem o filho que tenho. Semanas atrás
você não queria saber de mulher alguma pegando no seu pé. Agora está vidrado nessa menina,
não fala em outra coisa.
— Eu a amo, não existe mais ninguém.
— Nunca pensei que esse dia fosse chegar.
Encaro meu pai e vejo a descrença em seus olhos.
— Mas chegou, pai. Nora é tudo para mim. Por favor, me ajude.
Aguardo enquanto ele fica pensativo, andando de um lado para o outro.
— Falarei com Bento.
Sinto como se o meu coração fosse sair pela boca.
Porra! Eu sei que fui fraco ao não resistir meus impulsos e tomá-la para mim. Não consegui
cumprir meu acordo com papai e a Alemanha está fora de cogitação, principalmente com a
possibilidade de Nora estar esperando um filho meu. Eu sei que soa egoísta, mas uma parte de
mim secretamente deseja que ela esteja grávida, pois se isso acontecer, não haverá impedimentos
para ficarmos juntos. Eu amo e não tenho receio de assumi-la perante todos, na verdade é o que
mais quero. Se for preciso, caso-me com ela para reparar o mal que fiz. Bento é um homem
tradicional e sei que deseja o melhor para sua filha, tem medo de que Nora passe por algo
semelhante ao que ele passou e é totalmente compreensível o seu instinto paterno e protetor. Mas
Nora não é uma criança, ela é dona de suas vontades e corresponde aos meus sentimentos. Ele tem
que esfriar a cabeça e respeitar a escolha da filha.
Meu pai está quieto, me observando.
Decido soltar a bomba e me preparar para ouvir mais reprimendas.
— Ela pode estar grávida — digo, sem encará-lo.
— O que você fez? — Seu grito ecoa pela biblioteca.
Sorrio nervosamente.
— Ah, pai. Você sabe exatamente como as mulheres engravidam. E Nora não fez uma
inseminação artificial.
Tenho certeza que se eu não fosse tão alto e mais forte que ele, e tivesse uns dez anos a
menos, meu pai estaria em cima de mim agora, me estapeando.
— Pelo amor de Deus! Não estou te reconhecendo, homem! Desde quando você tem “titica de
galinha”, no lugar de um cérebro?
— É eu sei, fui um estúpido. Mas não tem como voltar atrás. Ela tomou a pílula, mas pode ser
que não faça efeito. Estou pronto para o que vier.
Meu pai balança a cabeça, em negativo.
— Fala isso porque é homem. Não pensou na garota? Os sonhos de uma faculdade, uma
carreira? Nora tem ambições, é uma menina esforçada. Uma gravidez adiaria tudo isso. Por Deus
Lucas, não faça mais nenhuma besteira até que eu converse com Bento ou juro que lavo minhas
mãos.
— Tudo bem.
— Vá para o flat. Durma lá esta noite e amanhã conversamos. Falarei com Bento ainda hoje.
Sinto-me mais calmo. Ter o apoio de meu pai, mesmo após seus puxões de orelha, é algo
reconfortante. Não saberia quais decisões tomar sem ele para me aconselhar. Aproximo-me dele e
o puxo para um abraço, emociono-me ao senti-lo retribuir. Apesar de estar chateado com minhas
atitudes, meu pai está sempre comigo.
— Tome juízo, Lucas. Essa menina merece um homem de bem.
— Eu sei, pai. Eu sei.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Passo o restante da tarde com minha mãe. Ela mandou preparar um baquete para o café da
tarde, com tortas e doces variados. Procurei ser o mais atencioso possível com ela, revelei que não
iria mais para a Alemanha e lhe acalmei, dizendo que em breve contaria a ela o que estava
acontecendo em minha vida. Eu sei que se contar agora, ela irá interferir e meu pai ficará ainda
mais puto comigo. Dona Isabela tem uma tenacidade irritante e ao mesmo tempo admirável.
Está escurecendo e decido não ir tarde para o flat, até porque meu pai enrolou a tarde
inteira e não foi falar com Bento, tenho quase certeza que é porque esperava o homem aparecer
na mansão, o que graças aos céus não aconteceu. Minha mãe teria um ataque de nervos se
presenciasse qualquer desavença entre Bento e eu.
Tomo um banho e me visto, com pressa. Arrumo uma valise com mudas de roupas, para alguns
dias. Talvez seja melhor passar a semana fora, até que tudo se resolva. De qualquer maneira,
verei Nora na oficina. Pego meu celular e digito uma mensagem para ela:
Lucas >>> Estou indo para o flat, meu pai irá conversar com o seu. Em breve tudo se
resolverá. Te amo bruxinha.
Cliquei em enviar e fechei a valise, procurei a chave do carro e preparei-me para sair. Senti
meu celular vibrar no bolso da calça, verifiquei o visor e sorri. Era uma mensagem de Nora.
Nora >>> Espero que seu pai consiga algum avanço. Eu também te amo.
Guardo o celular e saio. Despeço-me de minha mãe e recebo um abraço apertado.
— Cuide-se, meu amor.
— Mãe, estou indo para a cidade vizinha. Não para a Alemanha.
— Cuide-se, mesmo assim, oras!
— Eu te ligo assim que chegar, dona Isabella.
A vontade de ir até a casa de Bento e tentar uma última conversa, é grande. Mas decido não
meter os pés pelas mãos. Ao menos desta vez irei fazer o que meu pai pediu. Entro no Porsche e
saio da propriedade de minha família.
Ao acessar a rodovia intermunicipal, acelero o Porsche para desfrutar da velocidade.
Sempre amei carros velozes, embora a adrenalina percorra meu corpo enquanto piloto, a
sensação que tenho é de paz e liberdade. Estabilizo ao atingir cento e vinte quilômetros por hora
e mantenho-me atento ao trânsito. Está escuro, não há carros na pista contrária e ultrapasso os
poucos que surgem à minha frente durante o trajeto. No rádio, a voz de Nelly, cantando Just A
Dream, me faz pensar em Nora.
— Vai dar tudo certo, Nora. Confia em mim.
— Eu sei, Lucas. Eu confio em você.
Quando estou dirigindo, cara, eu juro
Eu vejo o rosto dela a cada curva
Tento acabar com o meu disfarce, posso deixar queimar
E espero que ela perceba
Que ela é a única que eu desejo
Eu sinto falta dela, quando é que vou aprender?
A luz de meu celular acende no banco do carona. Eu deveria saber que não é boa ideia me
distrair enquanto dirijo, mas ler o nome de Nora no visor, em uma ligação, é o suficiente para me
desestabilizar. Estico o braço para pegar o iPhone e uma luz forte cega-me os olhos, em um ato de
reflexo giro o volante para a direita, tentando desviar para o acostamento, mas não consigo
impedir o impacto.
CAPÍTULO 17
Nora não conseguiu dormir naquela noite, a insônia furtou-lhe a tranquilidade e a inquietude
tornou-se sua companheira durante a madrugada. Levantou-se pouco antes do sol nascer, sentindo-
se estranhamente ansiosa. Iria ao médico ginecologista, Bárbara a levaria e depois a deixaria na
oficina. E só então veria Lucas.
Tentara ligar para ele na noite anterior, sentindo-se melancólica por seu pai estar dificultando
o relacionamento dos dois. Alfredo Marinho tentara conversar com Bento, mas ele o havia
dispensado, com educação e polimento. Respeitava o patrão e pediu-lhe que soubesse separar as
situações, pois como o pai de Nora, e não como um funcionário, ele se recusava a conversar sobre
o ocorrido naquela tarde. Justificou estar de cabeça quente e, portanto, não seria o momento
propício para um diálogo.
A menina tentara mais uma vez conversar com o pai, mas não imaginou que Bento seria tão
cabeça dura.
— No futuro, irá me agradecer por ter impedido a burrada que estava prestes a cometer —
disse ele.
Mal sabia que ela já havia cometido tal “burrada”. Mentiu sobre a virgindade, provocou e
seduziu Lucas até que ele não pudesse mais resistir. Foi descuidada e sequer lembrou-se de exigir
o uso da camisinha e a dúvida sobre uma gravidez indesejada lhe corroía de culpa.
O que faria se estivesse esperando um filho de Lucas?
Ele disse que a apoiaria, que o filho era deles, não apenas dela. Sentia-se segura em
relação a isso, mas não era apenas isso que a preocupava. Estava às vésperas de completar
dezoito anos, em breve ingressaria na faculdade e focaria nos estudos para construir uma carreira
de sucesso, fosse qual fosse a profissão que escolhesse seguir. Um filho a faria adiar novamente
seus sonhos. Seria amado, certamente, jamais seria como sua mãe. Não abandonaria uma criança
para se colocar em primeiro lugar, porque se fosse confirmado a gravidez, nada além do bebê
seria sua prioridade.
Por isso estava com medo.
Pensou que Lucas retornaria à ligação, mas não aconteceu. Tentou dormir, mas o sono não lhe
privilegiou.
Colocou água para ferver na chaleira, decidida a coar café. Seu pai ainda dormia. Talvez
ao acordar, poderiam ter uma nova conversa. Bento iniciava o expediente cedo. Levantava-se às
seis da manhã e às sete horas já estava cuidando de suas funções.
Após colocar o café na garrafa térmica, Nora se sentou à mesa e serviu-se de uma xícara
de café preto. Bebericou a bebida e tentou não se preocupar com a consulta. Ao fim daquela
semana sua menstruação desceria e tudo voltaria ao normal. Iniciaria a pílula anticoncepcional
para prevenir-se, e poderia se entregar a Lucas novamente, quantas vezes quisesse.
Sorriu ao lembrar-se do quão sublime fora a segunda vez que estiveram juntos. Ele fora tão
carinhoso e preocupado, algo que ela jamais pensaria ser possível, pois Lucas era intenso em tudo
e na primeira vez, sua luxúria misturada à raiva, a mostrou outro lado da sexualidade. Um lado
mais selvagem. Gostara dos dois, não podia negar, de maneiras completamente diferentes, as duas
vezes em que fora a mulher de Lucas Marinho, no sentido da carne, foram especiais.
Ela era dele. E ele era dela.
Ouviu um barulho e virou-se para encarar o pai. Infelizmente, pareciam dois estranhos. Tudo
o que Nora desejava é que pudessem conversar novamente, ter uma chance de provar a ele que
Lucas havia mudado e queriam um futuro juntos. Ter a bênção de seu pai era imprescindível, mas
persistiria até ele lhe dar uma oportunidade. Desistir de Lucas não era uma opção, isso Nora jamais
faria.
— Bom dia, filha.
Bento tomou a iniciativa de cumprimentar Nora, para mostrar que apesar de decepcionado e
chateado com ela, não a ignoraria em sua própria casa. A quebra de confiança não seria
restaurada com facilidade, a filha ainda insistia em fazê-lo dissuadir da posição que tomara ao se
impor contra o relacionamento dela com o filho dos patrões. Mas estava firme em suas convicções.
Zelava pelo bem de Nora, sabia que logo a menina perceberia o erro e superaria, seguiria em
frente. Para isso, precisava manter-se leal ao que acreditava, mesmo que para isso tivesse que ir
contra o que prometera ao se tornar pai: Não intervir nas decisões de sua filha, quando ela se
tornasse mulher. Nora poderia cometer seus erros e aprender com eles, mas para um erro tão
grave como aquele, não poderia simplesmente fechar os olhos e fingir que não viu sua filha
escorregar na beirada de um precipício.
Sim, porque Lucas Marinho era a porra de um precipício.
— Bom dia, pai. Fiz café.
Ele serviu-se e ficaram em silêncio, de frente um para o outro, à mesa. Ficaram mais de dez
minutos assim, pensando em como engatar uma conversa, mas sem sucesso. De repente, batidas
frenéticas na porta da sala fizeram ambos se sobressaltar. Bento encarou a filha, com uma
expressão severa.
— Fique aqui.
A menina engoliu em seco, surpresa com a atitude brusca de seu pai. Observou Bento se
levantar e ir às pressas abrir a porta, antes que a pessoa do lado de fora a arrebentasse.
— Está maluca, por acaso? — bradou ao se deparar com Bárbara.
Ela estava com os olhos inchados, aparentemente, de tanto chorar. Ele constatou isso por ver
que as lágrimas ainda insistiam em cair no canto dos olhos. A linda mulher que mexia com sua libido
e também seu coração, não se parecia muito com a da manhã anterior. Parecia cansada, além de
extremamente triste.
Bárbara sofria por algo e, presenciar algo assim o feriu. Principalmente porque existia uma
pequena possibilidade de ele ser o culpado. Mas, ela não se desesperaria por ele, não é? Até
porque, ponderou Bento, quem lhe omitiu verdades foi ela. Ele apenas reagiu como qualquer
pessoa que se sentisse enganada, reagiria. Não gostava de mentiras e omissões, iniciar um
relacionamento, mesmo que este não fosse voltado ao âmbito sentimental, apenas sexual, com a
confiança abalada, era apenas o início do fracasso. Apesar de se comover ao vê-la assim, Bento
não mudou de ideia. E sua estratégia para afastá-la, como sempre, era ser rude.
— Preciso falar com a Nora, é urgente. — Bárbara ignorou a súbita vontade de estapear
Bento e fazê-lo engolir sua crista de galo. Se ele pensava que ela iria permitir tratá-la daquele
jeito, estava enganado.
Mas havia algo muito mais importante para ser feito. Importante e extremamente doloroso.
Não queria ser portadora de más notícias, mas a família de Lucas estava envolvida demais em
lamentações e desespero, e Alfredo sequer recordou-se que havia alguém na vida de seu filho,
que se preocupava tanto quanto eles. Alguém que ao perdê-lo, sofreria como se parte de si lhe
tivesse sido tirada.
Não sabia como contar a Nora, mas pedia a Deus que lhe provesse coragem e discernimento
para conduzir a notícia com cuidado.
Também havia outra notícia, mas esta teria que ser passada a Bento, sem que a garota
ouvisse.
— Por que, de um dia para o outro, você decidiu se preocupar tanto com a minha filha?
Ela o fitou com desprezo, ele não esperava tal reação.
— Eu não estou aqui para discutir com você os motivos pelo qual considero Nora uma boa
garota. Nem o porquê gosto e me preocupo com ela. — Sua voz saiu dura, exatamente como ela
gostaria.
Bento engoliu em seco, sua armadura de indiferença rompendo-se diante da constatação de
que Bárbara não se sentiu nenhum pouco abalada com a maneira como ele a repudiou. Pelo
contrário, era ela quem o estava repudiando. Estranhamente, a atitude o magoou. Mas tratou logo
de esconder esse sentimento.
— Não será a mulher dos recados — cortou-a. — Se pensa que vou permitir esse leva e
traz, está enganada. Diga a Lucas para deixar de agir como um adolescente. Isso aqui é mundo
real, não uma releitura de Romeu e Julieta!
— Se ele sobreviver, eu digo! Seu imbecil! — gritou Bárbara, esgotando sua paciência com o
jardineiro. — Onde está a Nora?
O espanto na face de Bento não a compadeceu. Irritada, empurrou o jardineiro com toda sua
força e entrou na casa, esbarrando com Nora, que havia saído correndo ao ouvir o que ela disse.
A garota tinha imenso respeito e obediência ao pai, apesar de nos últimos dias ter se
comportado de maneiras que ele repreenderia, porém, acatou quando Bento pediu que
permanecesse à mesa enquanto ele verificava quem estava batendo na porta. Acreditou que seria
Lucas, mas ouvir a voz de Bárbara alterada, só a fez ter mais certeza de que algo entre ela e seu
pai estava acontecendo. Porém, o desespero tornou-se incontrolável quando a ex-noiva de Lucas
disse algo sobre sobrevivência.
— Cadê o Lucas, Babi? Ele está bem? — perguntou, deixando que as lágrimas irrompessem.
O corpo trêmulo pressentia algo ruim.
— Nora, querida. Eu sinto muito...
— Não! — gritou, imaginando o pior. As pernas fraquejaram, mas a garota tentou ser forte e
apoiou-se nos ombros de Bárbara, que a amparou.
— Eu queria ter vindo antes, mas não soube a muito tempo. Vim te buscar.
— Diga logo o que aconteceu, Babi!
Mas Bárbara não conseguia dizer as palavras, era como se ao pronunciá-las em voz alta, a
tragédia se consolidaria.
— Ele sofreu um acidente ontem à noite...
As forças de Nora se esvaíram e a garota se permitiu cair no chão.
— Não! É mentira! — gritou.
Bento assistia a cena, desolado, não sabia o que dizer, ou como agir. Talvez nem fosse real...
Meu Deus...
— Eu queria que fosse, querida. Mas é verdade.
— Não, não, não, não...
Ver o desespero da menina deixou Bárbara pior do que estava, mas precisava ser forte e
amparar a garota.
— Ele está morrendo, Nora...
— Isso é mentira! Eu não acredito em você! Por que está fazendo isso, Babi?
Nora preferia acreditar que Bárbara estava sendo cruel e mentindo sobre algo tão grave.
Mas no fundo, sabia que a mulher dizia a verdade. Mas se recusasse a acreditar, talvez houvesse
alguma possibilidade de não ser real.
Lucas não podia morrer. Ele era dela...
Bárbara desatou a chorar tanto quanto Nora. Bento não conseguiu se manter impassível
diante do sofrimento da ex-amante, aproximou-se dela, que estava sentada no chão, acariciando o
cabelo de Nora enquanto a menina se derramava em lágrimas em seus braços, e abaixando-se,
abraçou-a. Imediatamente, sentiu o corpo de Bárbara se retesar. A patricinha o fitou e ele teve a
certeza de que algo se perdeu.
— Solte-me. Eu não quero que você toque em mim, nunca mais, Bento Sampaio.
— Babi...
— Meu nome é Bárbara, e eu pedi para você se afastar.
Sentindo a punhalada profunda em seu coração, Bento se afastou tão rápido quanto teria se
afastado de uma cerca elétrica. O choque ao ouvi-la, foi imensurável. A dor que sentiu,
inenarrável. Sem saber como agir, Bento se sentou no sofá, sentindo-se acuado e completamente
sem ação. Observou com pesar enquanto Bárbara embalava Nora em seus braços, e murmurava
“Eu sinto muito, menina”. Foi impossível controlar as lágrimas, por mais que tentasse ser forte, Bento
estava realmente abalado com a notícia, mas principalmente, com a reação de sua filha. Lucas
estava morrendo e Nora demonstrando toda a fragilidade que Bento temia presenciar, quando o
filho dos patrões a abandonasse por outra conquista. Não era assim que ele desejava que
terminasse. Por Deus! Quando disse ao homem que o mataria, não estava sendo verdadeiro,
apenas deixou-se dominar pela raiva.
— Vou levá-la ao hospital, para se despedir... — sussurrou Bárbara.
— Ele não vai morrer, Babi! Deus não pode tirá-lo de mim agora...
— Eu sinto tanto...
Bárbara não sabia mais o que dizer para acalmar a dor de Nora, tudo o que podia fazer
era ficar ali, sentada no chão, embalando-a até que a menina tivesse forças para se levantar e ir
ao hospital local, onde Lucas estava internado na UTI.
Recebera a ligação às onze da noite, de uma amiga enfermeira, anunciando a tragédia com
o ex-noivo, na rodovia intermunipal. O Porsche de Lucas se chocara contra a Hilux de Daniel. O
filho do prefeito e a namorada foram à óbito no local do acidente. Lucas teve uma parada
cardiorrespiratória durante o trajeto da ambulância para o centro cirúrgico, mas foi reanimado. O
choque ao receber a notícia deixou Bárbara desnorteada, ao encontrar Alfredo e Isabella no
hospital, fora informada de que o filho único do senhor e senhora Marinho esteve em cirurgia para
conter uma hemorragia abdominal. Isabella precisou ser sedada ao ter uma crise nervosa diante
das circunstâncias de seu filho e Bárbara permaneceu cuidando da ex-sogra para que Alfredo
pudesse se manter firme.
O médico responsável pelo caso de Lucas revelou que o estado dele era grave e por isso ele
foi induzido ao coma, para diminuir a atividade cerebral devido à um edema que estava causando
uma isquemia, que segundo a explicação do doutor, tratava-se do bloqueio do sangue até uma
parte do cérebro. O inchaço podia deixar sequelas, se ele sobrevivesse, mas não havia como
afirmar com certeza. A contusão no pulmão, provocou insuficiência respiratória, fazendo com que
Lucas dependesse de aparelhos para respirar.
A fé de Bárbara foi se esvaindo aos poucos assim que a notícia de uma segunda parada
cardiorrespiratória foi anunciada. Ela saiu às pressas do hospital para ir até a propriedade dos
Marinho, buscar Nora. Jamais se perdoaria caso a menina não tivesse tempo de se despedir. Ao
mesmo tempo em que desacreditava das chances de Lucas, rezava incessantemente para que um
milagre acontecesse.
— Babi! Espere!
Bárbara parou ao ouvir a voz de Eulália, a dona do Alcapone’s. Provavelmente já sabia o
que acontecera com Lucas. Cidade pequena, as notícias se espalhavam com muita facilidade.
— Eu soube do Lucas, sinto muito. Como ele está?
— Nada bem... — Fechou os olhos e sacudiu a cabeça, tentando afastar a frase que
pensara em dizer.
— Caio está desesperado por notícias, mas não quis preocupar Sabrina, se ele viesse ela
perceberia que algo está errado então me prontifiquei a vir.
Bárbara reparou que Eulália estava bastante abalada, segurando-se para não chorar. Não
sabia que ela era tão próxima de Lucas, para sofrer tão visivelmente.
— Hoje foi um dia de tantas desgraças... — murmurou a mãe de Sabrina.
— Estou indo para a mansão, vou buscar Nora. Ela ainda não sabe...
Eulália pestanejou.
— Meus Deus! — Eulália cobriu a boca com as mãos, engolindo o choro. — Eu sempre
desconfiei que era ela.
— Sim. — Confessou Bárbara, não vendo motivos para esconder a verdade.
— Você precisa contar ao Bento, não tenho coragem...
Bárbara amparou Eulália e a orientou para encontrar a senhora Isabella no hospital. Ficou
responsável de ser a portadora de duas notícias. Uma ao pai e outra a filha.
E ali estava ela.
— Vamos Nora, eu te levo. Seja forte, menina.
Nora fitou Bárbara, ainda inconsolável. Mas precisava levantar daquele chão e ir até o amor
de sua vida.
— Vamos. — Levantou-se com a ajuda de Bárbara.
— Nora, filha...
— A culpa é toda sua! — gritou a garota, fitando o pai com raiva.
Bento deixou que ela o acusasse, pois ele mesmo se sentia culpado.
— Pode levá-la — autorizou Bento. — Cuide dela, por favor.
O olhar suplicante de Bento fez o coração de Bárbara se apertar. Mesmo magoada com ele
e o tratando com indiferença, era inegável que seus sentimentos por ele eram fortes demais. Vê-lo
assim, tão frágil, acabava com ela. Principalmente depois do que lhe diria.
Nora foi trocar de roupa para ir ao hospital. Enquanto isso, Bárbara permaneceu de pé e
Bento continuou sentado no sofá. Ele estava cabisbaixo e não havia uma maneira agradável de lhe
dar a notícia.
— Tenho que falar com você, podemos ir ali fora um instante?
Bento fitou Bárbara e apesar do clima mórbido, uma esperança se ascendeu dentro dele.
Talvez ela não o odiasse totalmente. Levantou-se e acenou para que ela fosse na frente. Fechando
a porta atrás de si, observou a mulher à sua frente, de braços cruzados, evitando o contato visual.
— O carro que se chocou com o de Lucas, era do filho do prefeito. Daniel morreu.
Bento pestanejou. Conhecia o filho do prefeito, mas não eram amigos.
— Uma tragédia... — murmurou, para não ser rude com ela.
— Havia uma mulher no carro com ele, que também não sobreviveu. — Respirou fundo antes
de completar a frase. — Essa mulher, Bento, era a Adelina.
O choque ao ouvir o que Bárbara acabara de lhe dizer, deixou Bento sem chão.
Bárbara não sentiu nenhum peso saindo de suas costas ao revelar a Bento o que Eulália não
teve coragem de dizer. De início, pensou que a dona do Alcapone’s estava se referindo ao romance
de Lucas e Nora, mas ela não desconfiava do envolvimento dos dois, desconfiara que Adelina era
a mãe de Nora.
Como Bento contaria para Nora que sua mãe voltou para conhecê-la, mas morreu no mesmo
acidente que Lucas havia sofrido?
NORA
Deitada em minha cama, fecho os olhos e rezo para acordar logo desse pesadelo. Cinco dias
se passaram desde o acidente que transformou minha vida em um completo limbo de tristeza.
Lucas se encontra em estado grave, mas responde positivamente aos tratamentos. Devido a
uma insuficiência renal, já passou por duas sessões de hemodiálise, com duração de oito horas
cada, mas respondeu aos procedimentos sem complicações. A fratura no fêmur terá que ser
corrigida com processo cirúrgico, mas não é a prioridade no momento. Não teve mais parada
cardiorrespiratória, porém ainda está em coma induzido, pois o inchaço no cérebro não diminuiu.
Dois dias atrás fui ao hospital vê-lo e fui informada de sua transferência para um hospital da
capital. Todo o traslado foi cercado de cuidados para evitar complicações, a enfermeira amiga de
Bárbara nos atualizou, pois não fomos avisadas. Babi ficou tão surpresa quanto eu, pois o senhor
Alfredo lhe garantiu que a manteria informada. A senhora Isabella não falava comigo, estava
muito transtornada e passava grande parte do tempo sob efeito de calmantes. O pai de Lucas me
liberou do trabalho na oficina, não foi uma demissão, mas pediu que eu me mantivesse afastada
por um tempo, até que estivesse emocionalmente estabilizada. Eu só melhoraria quando Lucas
acordasse e eu tivesse certeza de que voltaria para mim.
A convivência com meu pai está abalada. Eu sei que ele não é culpado pelo acidente de
Lucas, mas no momento de raiva e desespero ao receber a notícia, descontei minha tristeza nele.
Papai se sente culpado, mas não consigo conversar e fazê-lo entender que foi apenas uma
circunstância da vida. Está fechado em sua própria concha, assim como eu.
Quando me contou sobre minha mãe, eu estava tão abalada com o estado crítico de Lucas
que não soube ao certo como reagir diante da notícia que ela voltou para me conhecer, mas
tragicamente foi uma das vítimas no acidente que envolvia Lucas. Pode parecer insensível de minha
parte, mas não a via como minha mãe. Não a odiava, porém tive outra figura materna em minha
vida, minha tia Laurinha. Adelina sempre foi uma desconhecida para mim, tudo o que eu sabia
sobre ela era seu nome e o fato de que me abandonou logo depois do meu nascimento, pois não
se sentia preparada para ser mãe. Jamais desejaria a morte para qualquer pessoa, por pior que
ela tenha sido com ou para alguém, mas não consigo imaginar como teria sido um encontro com
ela, em vida. Não a perdoei, seria hipócrita demais eu dizer que o fiz só porque ela morreu. Não
fui ao seu enterro, familiares de segundo grau reclamaram o corpo e ela foi sepultada na cripta
de sua família, com os pais e avós. Estou completamente adormecida de sentimentos de compaixão,
para qualquer pessoa que não seja Lucas. Pode ser egoísmo demais, mas sinceramente? Não me
importo com mais nada. Só quero o meu amor de volta.
Não consigo comer, não sinto fome. A insônia tornou-se minha companheira, tenho
praticamente jejuado e feito vigília, focando minhas energias em orações. Meu pai tem sido
atencioso comigo, tentando me fazer comer e pedindo para que eu me cuide, pois se não o fizer,
acabarei adoecendo. Mesmo que nossa relação esteja distante, eu ainda o amo e ele ainda cuida
de mim. Somos pai e filha e temos um ao outro.
Babi tem sido uma boa amiga, liga para saber como estou, me informa de qualquer
novidade, mesmo que essas sejam praticamente inexistentes. Esses cinco dias parecem cinco anos.
Sinto que estou a ponto de enlouquecer.
Alguém bate na porta do meu quarto, mas não respondo. Quero que pensem que estou
dormindo, não desejo ver ninguém. Se fosse Babi, para me dizer algo sobre Lucas, já teria entrado
no quarto tão logo desse a primeira batida. Então eu não quero ver ninguém.
Ouço a porta se abrir e alguém se aproxima, sinto quando senta ao meu lado na cama e
abro meus olhos.
É Sabrina.
— Oi querida — sussurra enquanto acaricia meu ombro. — Perdão por não ter aparecido
antes, mas só fiquei sabendo de tudo hoje. — Pude ver as lágrimas escorrendo em sua face. —
Obriguei o Caio a me trazer, depois de bater nele, por ter me escondido toda essa merda.
Sento-me na cama e a abraço forte. Deixo-me vencer novamente pelas lágrimas e choramos
juntas. Perco a noção de quanto tempo permanecemos assim, mas é reconfortante ter minha melhor
amiga comigo neste momento.
— Ele vai sair dessa, Nora. Eu sei que vai...
Sim, é tudo o que eu mais quero...
BENTO
Sabrina está no quarto com Nora e sinto-me um pouco mais tranquilo ao constatar que minha
filha aceitou conversar com alguém. A casa está silenciosa nos últimos dias e tudo o que ouço
durante a madrugada é o resmungo dela enquanto tenta reprimir o choro. Parte meu o coração
vê-la tão desolada e sinto-me impotente por não conseguir acalentá-la e reconfortá-la em seu
momento de lástima. Ela deve me odiar e isso me destrói por dentro. Tudo o que eu mais queria
era ver o sorriso novamente no seu rosto feliz. A menina cheia de sonhos e perseguidora de seus
ideais está irreconhecível desde que soubera do acidente.
Caio está sentado no sofá, aguardando a noiva. Ele parece abatido, mas tenta se manter
forte. Lucas é seu melhor amigo e o angustia não poder estar por perto. Sabrina está grávida e
ele tem se mostrado um homem responsável e zeloso pela família que se inicia. Lembro-me
perfeitamente de como ele era antes de se comprometer com a filha de Eulália.
Igual a Lucas.
Engulo em seco ao me dar conta da realidade.
Empresários de sucesso, não apenas por serem herdeiros de famílias ricas, mas por serem
bons no que fazem, Lucas e Caio são bastante conhecidos na região. Gostam de festas e vivem
cercados de mulheres. Assumidamente mulherengos, não se envolvem em relacionamentos sérios.
Lucas teve uma noiva, a quem conheço muito bem, mas após o rompimento com Bárbara, ele não se
comprometeu com mais ninguém. São dois jogadores que não parecem preocupados em mudar o
status de solteiros convictos.
Ao menos era o que eu acreditava. Mas então, ao ver o modo como Caio age ao lado de
Sabrina, percebo que estou errado em duvidar que ele poderia ter mudado tão rapidamente.
Droga! Eu mesmo mudei muito quando Adelina engravidou.
Mas nem todo homem cria juízo quando se torna pai.
A verdade é que o amor causa essa mudança.
Meu amor por Adelina fez com que eu me comprometesse em estar com ela. Meu amor por
Nora fez com que eu superasse todos os obstáculos que a vida me impôs, para proporcionar a ela
o melhor.
Caio ama Sabrina. Vejo isso em seus olhos, no modo como ele a idolatra apenas com um
sorriso. Eu já senti algo semelhante, talvez não tão intenso quanto ele, mas sei perfeitamente o que
deve estar sentindo. E sim, esse sentimento é capaz de mudar um homem completamente.
Sento-me ao lado de Caio, que continua sem dizer nada. A lembrança de minha discussão
com Lucas surge em minha mente, sua reação quando eu disse que mandaria Nora embora,
dizendo que se casaria com ela e demonstrando um desespero que jamais imaginei presenciar,
deu-me a certeza do que me recusei a enxergar.
— Lucas ama minha filha, de verdade. Não é?
Apesar de ser uma pergunta, eu sei que é a constatação de um fato.
— Ele beija o chão que ela pisa. — Respondeu Caio, após instantes de silencio sepulcral. —
Lucas a ama mais do que poderia imaginar ser possível.
Ouvimos a porta do quarto de Nora se abrir e Sabrina sai, secando os olhos com a manga
de sua blusa. Caio se levanta e vai até ela, os dois se abraçam e sinto-me um intruso dentro de
minha própria casa.
— Por favor, Bento. Não deixe de me ligar, estou preocupada com Nora. Virei sempre que
puder, mas sei que ela não vai tomar a inciativa de me ligar, conto com você.
— Obrigada por vir, Sabrina. Nora gosta muito de você, eu vou ligar, não se preocupe.
Acompanho os dois até a porta, Sabrina se despede com um aceno e sai na frente. Caio vai
logo atrás, mas para no caminho de repente.
— Não se sinta culpado pelo acidente. Foi uma fatalidade. — Diz. — Se não fosse Lucas,
poderia ser qualquer outro. Segundo a perícia, Daniel estava com níveis altíssimos de álcool no
sangue. A Hilux invadiu a pista contrária bem perto de uma curva. Lucas sempre amou alta
velocidade, mas tinha o péssimo hábito de se distrair com o celular. Não sei se foi o que aconteceu,
não há como saber. Mas ele é um ótimo motorista. Nem sempre há explicações para as surpresas
que a vida nos reserva, Bento. Cuide da Nora, sua filha precisa de você. Remoer-se de culpa não
muda nada.
Permaneci de pé na varanda, mesmo depois de Caio desaparecer de minha vista. Suas
palavras me lembraram Bárbara, ela é quem tem o costume de me falar coisas que me fazem
pensar e repensar minha linha de raciocínio.
Subitamente, vou até o quarto de Nora e entro sem bater. Ajoelho-me no chão, ao lado da cama e
acaricio seu cabelo, observando-a com os olhos marejados.
— Por favor, perdoe o seu pai...
NORA
Quero te odiar. Preciso te odiar. A partir de hoje eu vou te odiar. Te odeio por me deixar, por
dizer que me ama e não voltar para mim como prometeu...
Hoje é meu aniversário. Deveria ser um dia de festa, certo?
Mas não é.
Eu não quero bolo, nem balões, nem abraços e parabéns.
Eu só quero os “muitos anos de vida” para o homem que eu amo.
São quase dois meses de angústia, aguardando a notícia de que Lucas finalmente acordou
do coma.
Minha vida mudou muito em um curto espaço de tempo, mal posso acreditar. Mesmo com tudo
o que tem acontecido, eu não deixo de pensar nele por um segundo sequer, parece uma vida
inteira tentando me adaptar sem sua presença constante. Mas meu amor aumenta a cada dia,
contrariando a todos que acreditavam que logo eu retomaria minha vida, principalmente depois de
tudo o que tem acontecido.
Para começar, meu pai e eu finalmente nos acertamos. Ele tem sido meu porto seguro
enquanto espero a volta de Lucas. Pedi perdão por tê-lo culpado do acidente e por não ter sido
sincera desde o início, quando me envolvi com Lucas. Papai se abriu comigo, falou do passado e
como sofreu com o abandono de minha mãe. Eu conhecia parte da história, mas choramos juntos
enquanto ele compartilhou todas as mágoas e medos. O que me surpreendeu e comoveu, foi sua
confissão de que agora acreditava no amor que Lucas dizia sentir por mim e estava arrependido
de não ter lhe dado uma oportunidade, sentindo-se culpado por ter dificultado tudo. Compreendi
que meu pai era movido por excesso de zelo, devido a seus traumas do passado. Aos poucos,
retomamos nossa cumplicidade, ele tem me levado à capital sempre que possível, para que eu
visite Lucas, mas vejo em seus olhos sua angustia cada vez que me acompanha. Sei que é difícil
para ele assimilar que não é o culpado, mas papai precisa se dar conta disso sozinho.
Recentemente, confessou-me seu breve envolvimento com Babi. Eu já desconfiava, ambos se
comportavam de maneira estranha na frente um do outro. Bárbara o tratava com polidez, sempre
tão distante e fria, recusava-se a tocar no assunto comigo. Nos tornamos amigas e graças a ela
estou às vésperas de iniciar a faculdade.
As voltas que o mundo dá, é surpreendente.
Na segunda semana, depois do acidente, um advogado entrou em contato com meu pai. Ele
representava a família de minha falecida mãe. Meus avós faleceram pouco antes dela retornar à
cidade, deixando parte da herança para ela. Grande parte da fortuna de meus avós foi doada a
instituições de caridade, mas uma parte considerável foi destinada a mim, para que usufruísse dela
ao completar vinte e um anos, antes disso, meu tutor seria responsável pela administração do
dinheiro que deveria ser usado apenas para prover meus estudos. Essa foi a maneira que
encontraram de se redimir de tudo o que me privaram ao irem embora com minha mãe. Porém,
dinheiro algum restauraria a família que me foi tirada, a falta de amor por mim e a falta de
compaixão por meu pai. Não sendo o bastante para nos deixar embasbacados, o advogado
revelou que minha mãe possuía dívidas altíssimas por levar um estilo de vida luxuoso, sem
moderação alguma. Praticamente falida, usou o pouco dinheiro que lhe restava para retornar ao
Brasil. Pediu um prazo de espera para que ela pudesse me conhecer. Compadecido pela perda e
toda a situação em que Adelina se encontrava, o advogado da família permitiu que ela viesse e
nos contasse pessoalmente sobre a morte dos meus avós e a herança que me deixaram. Alguns
dias depois de chegar à cidade, minha mãe entrou em contato com o advogado, questionando se
haveria a possiblidade de se tornar minha tutora legal. Dar-me conta que mesmo depois de
dezoito anos, minha mãe sequer se importava comigo, magoou-me profundamente. Tudo o que ela
queria era o dinheiro que foi destinado a mim.
Eu não queria dinheiro algum. Mas depois de muito pensar, optei por aceitá-lo. Passei minha
vida toda dependendo de meu pai, que moveu mundo e fundos para me proporcionar o melhor.
Agora era a minha vez de retribuir. E somente por isso decidi que usaria o dinheiro da herança
para pagar minha faculdade, para que papai pudesse usar o que tinha guardado para retomar
seus estudos ou começar um negócio próprio. Foi difícil convencê-lo, ele é orgulhoso e a mágoa
sempre falava mais alto. Foram dias debatendo e argumentando, até que finalmente aceitou.
Depois de tantas dificuldades, meu pai merece uma chance de recomeço, se para isso eu tenho que
engolir meu orgulho e aceitar um dinheiro que me foi destinado por remorso, faço sem pestanejar.
Dinheiro não traz felicidade, mas proporciona benefícios. Não fiz por mim, mas por ele.
Ninguém soube informar a ligação de Daniel com minha mãe. Em um primeiro momento,
acreditaram tratar de sua namorada, mas Daniel não estava em nenhum relacionamento e os dois
nunca foram vistos juntos. Na tarde de domingo, antes do acidente, o filho do prefeito estava em
uma festa particular e foi visto com algumas garotas, mas nenhuma delas era minha mãe, deixando
um espaço em branco em toda a história.
Cada dia que passou foi um “X” no calendário. Tentei alimentar a ilusão de que Lucas estava
na Alemanha e em breve estaria de volta e finalmente tudo será resolvido. Mas meu aniversário
chegou e ele não está aqui para comemorarmos juntos. A mansão Marinho tem estado silenciosa
com a ausência dos patrões. Alfredo e Isabella mudaram-se para a capital, temporariamente, para
acompanhar o tratamento de Lucas. Conversei muito com a mãe dele, contei toda a nossa história
para ela e ganhei o seu apoio e carinho. Dona Isabella é uma mulher muito querida, mas tem se
mostrado bastante frágil desde que Lucas está internado, preocupo-me muito com ela. O senhor
Alfredo é mais fechado, apesar de sempre me tratar com educação e gentileza. Quando Lucas foi
transferido para a capital, ele não comunicou Bárbara propositalmente, estava transtornado com
tudo o que acontecera e achou melhor que eu me mantivesse longe, para esquecer. Pediu-me
desculpas ao se dar conta que eu não desistiria de Lucas, desde então, sua atitude mudou comigo.
Se pudesse, eu ficaria no hospital todos os dias ou permaneceria na capital fazendo companhia à
Isabella. Mas eles não permitem e também não quero bater de frente com meu pai. Contento-me
em receber notícias por telefone, e visitá-lo sempre que posso.
Por ter sofrido um acidente muito grave, onde as probabilidades de sobrevivência eram
quase nulas, o organismo ficou muito abalado, em estado de pré-óbito, e a insuficiência dos rins foi
um dos agravantes de seu estado. O tratamento com hemodiálise continuou por quase um mês,
filtrando as impurezas do sangue. Os batimentos cardíacos, a pressão arterial e a temperatura do
corpo são monitoradas constantemente, além de um aparelho colocado na traqueia para ventilar e
controlar a pressão do ar jogado nos pulmões. A alimentação está sendo feita pela veia e
hidratação do corpo também é feita através de soro.
Ontem estive com ele.
Vê-lo inerte em uma cama despedaçou meu emocional. Tentei ser forte e não chorei em sua
presença, mesmo que não pudesse me ver. Sussurrei palavras carinhosas e disse o quanto o amo e
espero por ele. Acariciei a cicatriz em seu rosto, que ficou após os pontos serem retirados
recentemente. Ela deve ter uns dez centímetros, ocupando seu maxilar direito. Não pude
permanecer muito tempo ao seu lado, mas antes de ir embora, depositei um beijo em cima da
cicatriz e sussurrei em seu ouvido:
— Mesmo com todos me dizendo para seguir em frente, estou aqui te esperando. Porque ao
contrário de você, eu cumpro minhas promessas. Eu disse que te esperaria, que confio em você.
Então, por favor, Lucas. Faça a sua parte, volte para mim...
Agora estou aqui, sentada no chão do banheiro, debaixo do chuveiro, acariciando minha
barriga e imaginando como poderíamos formar uma linda família.
Invejo Sabrina e Caio, a cada dia mais felizes com o desenvolvimento do bebê que
esperavam. Mesmo com a ausência de Lucas, eles continuam suas vidas e eu tento sorrir quando
estou com eles, desejando secretamente que eu dia eu possa desfrutar da mesma alegria que
estão vivendo.
Mas minha felicidade foi apenas adiada, é no que procuro acreditar. Não estava em meu
destino ser mãe tão jovem, enquanto o pai do meu bebê lutava pela vida em uma cama de
hospital. Quando minha menstruação desceu, em exatos sete dias depois de eu ter tomado a pílula,
o alívio que eu devia ter sentido ao ter certeza de que não estava grávida, foi substituído pelo
pesar de não ter dentro de mim um pedaço de Lucas para me lembrar dele pelo resto da vida.
Esperar, esperar e esperar. Era tudo o que eu podia fazer.
Por favor, Deus, chega de me castigar. Traga-o de volta para mim.
BENTO
É aniversário de Nora, mas ela não quis comemorar. Completamente compreensível. Mas a
deixei em casa, na companhia de Sabrina e Caio. Eles estavam sendo imprescindíveis nessa fase
de nossas vidas. Minha menina tornou-se uma mulher, claro que uma data específica não marcava
essa transição. Mas simbolicamente sim. Nora sempre foi madura demais para sua idade, mesmo
que para muitas coisas ainda fosse ingênua. Tenho muito orgulho de ser seu pai, mas sou covarde
por não conseguir estar com ela agora.
Por mais que todos me digam o contrário, não consigo parar de me sentir culpado pelo
estado em que Lucas se encontra. Se eu tivesse sido mais tolerável, as coisas poderiam ser
diferentes agora. É impossível controlar esse sentimento que me corrói por dentro, a sensação de
ser responsável, mesmo que indiretamente, pela tragédia na vida de minha filha e meus patrões.
— Uma dose de uísque, duplo, puro e sem gelo — peço para Eulália, sentado em uma das
banquetas em frente ao balcão do Alcapone’s.
— Vai dar uma de bebum agora, Bento? Esse não é você.
Reviro os olhos para minha amiga, e faço um gesto com a mão, apontando para a bebida na
prateleira.
— Prefere que eu gaste meu salário no seu bar, ou em um boteco qualquer, dessa cidade?
Engolindo em seco, e provavelmente querendo me socar, Eulália começa a preparar minha
bebida.
— Sabrina e Caio foram para sua casa, por que não está com sua filha, no aniversário dela?
Entrega-me a bebida e seguro o copo, olhando atentamente para o líquido como se fosse a
cura para todos os meus problemas. Infelizmente só tinha o poder de me entorpecer, mas não
apagar minhas lembranças ou desfazer da minha dor.
— Para quê? Para ela lembrar que se não fosse eu, Lucas estaria ao seu lado agora?
— Bento, você está exagerando...
— Você não tem nada a ver com isso, Eulália! — grito com ela. Para evitar mais discussão,
concentro-me em minha bebida e a ignoro completamente.
Eulália se afasta durante alguns instantes, indo para a cozinha da lanchonete. Termino de
beber minha dose e assim que ela retorna, coloco meu copo no balcão.
— Mais uma — peço.
— Bento...
Levanto-me e retiro dinheiro do meu bolso.
— Eu vou para outro lugar.
— Tudo bem, tudo bem. Se quer encher a cara, que seja debaixo dos meus olhos. Seu
cabeça dura...
E assim minha noite começa. Sento-me novamente e me concentro na bebida.
A verdade é que os dias se passaram e percebi que algo mudou dentro de mim. Adelina se
foi, mas não sofri sua perda. Descobri a farsa sobre querer conhecer a filha e apenas tive a
confirmação de que a mulher que um dia amei, não merecia que eu perdesse meu tempo sofrendo
pelo passado. Sinto-me como se estivesse cego por muito tempo, me fechado para a vida,
deixando que a mágoa corroesse meu coração e dominasse meus sentidos. Tomei decisões movido
pela raiva, não quis ouvir Lucas, fui irredutível com Nora e tratei Bárbara com aspereza e
desprezo. Eu que sempre fui tão pacato, deixei-me desestruturar emocionalmente e cometi um erro
atrás do outro. Agora o que me resta é aprender a lidar com a culpa.
Eulália coloca a garrafa de uísque à minha frente e volta para a cozinha. É segunda-feira e
não há mais ninguém além de mim aqui. Encho o copo e volto a beber. Fecho meus olhos e
concentro-me na queimação em minha garganta ao engolir a bebida quente.
— Já chega! Eu não posso ser a voz da razão sempre, entendeu?
Olho para trás e minha boca se abre ao vê-la.
Não estou bêbado ainda, então ela está mesmo aqui.
Bárbara está tão linda em uma calça jeans apertada e bota de camurça, de cano longo. A
regata preta, colada ao corpo, me excita de imediato. Ela está sem sutiã e os mamilos se destacam
embaixo do tecido fino.
Oh Deus, como eu a quero...
A saudade é minha companheira desde que cometi a burrada de afastá-la. Agora qualquer
pingo de atenção que ela direciona a mim, é como um maldito prêmio de loteria.
— Veio comemorar comigo? — pergunto, erguendo a garrafa. Sorrio para provocá-la. Não
vou ser rude com ela, não consigo mais esconder o quanto a sua indiferença tem me afetado.
Tentei me aproximar dela para pedir desculpas, mas Bárbara é tão turrona quanto eu.
— Vou te enfiar a mão na cara, Bento Sampaio, se você não criar juízo!
BÁRBARA
Estava pronta para sair de casa quando recebi a ligação de Eulália. Trocamos números de
celular desde o dia em que a encontrei no hospital, mas até o momento nunca tinha me ligado.
— Alô, Eulália? Aconteceu alguma coisa, posso ajudar?
— Desculpe te ligar assim, Bárbara. Mas Bento está aqui no Alcapone’s e não pretende ir
embora antes de acabar com pelo menos uma garrafa de uísque. Estou preocupada, nem sei
porque te liguei, na verdade. Só não queria incomodar Nora no dia do aniversário.
Droga!
— Tudo bem, Eulália. Não deixe ele sair daí. Eu chego em vinte minutos.
Bento Sampaio não sai de meus pensamentos, por mais que tente afastá-lo. Tentei esquecê-lo,
mas vê-lo frequentemente dificulta todo o processo de superação. Ainda estou magoada com a
maneira que me tratou, triste por tudo o que ocorrera desde o maldito dia em que o mundo caiu
sobre nossas cabeças. Decidi virar a página e deixá-lo em paz, mas parte de mim é masoquista e
insiste em relembrar cada um de nossos poucos momentos.
Com Lucas em coma, tenho me mantido por perto para amparar Nora. A menina está
desolada e não tem nenhuma amiga além de Sabrina, que com a gravidez tem sido
superprotegida por Caio, este se divide entre poupar a noiva de toda a confusão em volta de
Nora e Lucas e prestar apoio a família do melhor amigo. Nos tornamos muito próximas e nutro um
carinho muito especial pela garota, inclusive, consegui que ela fizesse a prova de admissão na
universidade e em breve ela iniciará o curso de secretariado executivo.
Dirijo até o município vizinho e estaciono em frente ao Alcapone’s. Não há ninguém além dele
no bar, sentado de frente para o balcão.
O Jukebox toca Let Her Go, do Passanger e algo dentro de mim desejou intensamente que
Bento estivesse tão mal quanto eu, por ter me afastado.
Olhando para o fundo do seu copo
Esperando que um dia faça um sonho durar
Mas sonhos chegam devagar e passam muito rápido
Você a vê quando fecha os olhos
Talvez um dia você entenda porquê
Tudo o que você toca certamente morre

Mas, você só precisa da luz quando está escurecendo


Só sente falta do sol, quando começa a nevar
Só sabe que a ama quando a deixar ir
Só sabe que estava bem quando está se sentindo pra baixo
Só odeia a estrada quando está com saudade de casa
Só sabe que a ama quando a deixar ir
— Já chega! Eu não posso ser a voz da razão sempre, entendeu?
Minha voz é ríspida, sinto a raiva tomar conta de mim ao vê-lo se destruir deliberadamente.
Ainda por cima, me provoca ao perguntar se vim comemorar com ele.
— Vou te enfiar a mão na cara, Bento Sampaio, se você não criar juízo! — Aproximo-me,
tentando não me deixar seduzir por seus olhos penetrantes. Droga! Por que ele tem que me olhar
desse jeito? Como se precisasse desesperadamente da minha atenção?
Sua risada me irrita, mas sei que está fazendo de propósito. A arma de defesa que Bento
usa para camuflar suas emoções já foi decifrada por mim há tempos. Mas ele usa a provocação
ao invés de ser rude, me pegando desprevenida. Saberia lidar melhor com ele tentando me tratar
mal.
— Enquanto Lucas está em uma cama de hospital, você está aqui, vivo, cheio de saúde, e faz
o quê? Desperdiça?
Sua expressão se fecha e sei que atingi um ponto fraco. Sinto-me mal, mas logo me
recomponho. É hoje que falo tudo o que tenho vontade.
— Você cometeu um erro, Bento. Agora levanta essa bunda daí e para de se fazer de
coitado, pelo amor de Deus! Sua filha está em casa, no dia do aniversário, sozinha porque o pai
decidiu que afogar as mágoas era o melhor a fazer...
— Ela não está sozinha, Caio e Sabr...
— Foda-se! Você está lá? Não está, droga!
— Babi... — murmura, os olhos fechados, a expressão de dor.
— Pensei que você era o melhor pai do mundo. Mas a cada dia me decepciono mais.
— Não diga isso, porra!
Chego mais perto e observo Eulália na porta da cozinha, testemunhando nossa discussão.
Frente a frente, consigo sentir seu hálito de uísque. Toco seu peito com o dedo indicador, forçando
para causar dor física.
— Então pare de se comportar como um babaca! Não pode voltar no tempo, mas não se
afunde ainda mais nos erros, Bento Sampaio. Você é muito melhor que isso, ao menos era no que
eu acreditava.
Seus olhos fixam nos meus e meu coração começa a bater descompassado.
Não posso sucumbir...
Dou um passo para trás. Preciso ir embora, não posso ficar aqui mais nenhum segundo.
— Cuide-se, jardineiro.
Viro-me de costas e vou em direção à saída. Sinto meus olhos marejarem e apresso o passo.
Chego ao estacionamento e destravo o alarme do meu carro, mas ao abrir a porta, meu braço é
puxado com força e meu corpo bate de frente com o de Bento.
— Não fuja de mim, patricinha...
Sua voz chorosa me surpreende e o encaro sem saber o que dizer. Meu corpo se aquece ao
tê-lo tão perto e meus sentidos se abalam ao inalar seu perfume. Esse homem me faz perder a
razão, esquecer quem sou.
— Me aceite de volta, seja minha novamente, Bárbara.
Não acredito no que estou ouvido.
— Você está bêbado, Bento...
— Não estou. Sei muito bem o que estou falando, droga!
Nossos lábios se chocam em um beijo urgente e deixo-me levar pelo momento. Como senti
falta do seu toque, seu gosto. Suas mãos passeiam pelo meu corpo, despertando-me para o desejo
de me entregar a ele mais uma vez.
Sou tão fraca...
Bento se afasta e se abaixa e arregalo os olhos.
— Você quer que eu me ajoelhe? Eu me ajoelho. Faço tudo o que você quiser, mas fica
comigo Babi.
Cubro minha boca com as mãos.
Não consigo acreditar...
— Não faça isso, Bento...
— Eu faço, porque você merece, merece um homem que beije o chão que você pisa. Deixe-
me ser esse homem, Bárbara.
Fecho meus olhos, sentindo-me derrotada. Não posso mais mentir para mim mesma.
Estou irremediavelmente apaixonada por Bento Sampaio.
Abaixo-me e fico de joelhos, seguro seu rosto entre minhas mãos e olho fixamente em seus
olhos.
— Não desperdice essa linda boquinha com o chão, jardineiro. Apenas me beije, e então, eu
fico com você. Mas não vai ser casual. É você quem tem que parar de fugir, Bento.
Ele anui em silêncio, aproxima seus lábios dos meus e sorri.
— Não preciso mais fugir, Babi. Finalmente encontrei o meu lugar...
CAPÍTULO 18
— Vocês não precisam ficar aqui, comigo. Estou bem.
Nora tentou demover Sabrina e Caio da ideia de passarem o aniversário com ela. Gostava
muito da companhia dos amigos, mas naquele momento tudo o que desejava era ficar em sua
cama, deitada, quieta, esperando.
— Trouxemos pizza e você não vai conseguir nos expulsar. Sou uma mulher grávida, vai me
negar uma mesa para jantar?
Sabrina usou do bom humor para convencer Nora a passar algum tempo com eles. Sabia que
a amiga estaria deprimida em seu aniversário, jamais a deixaria sozinha naquele momento. Caio
foi incrível ao sugerir que levassem pizza e refrigerante. O jantar ocorreu em silêncio, não houve
comemoração e ninguém teve coragem de puxar assunto. Sabrina e Nora limparam a cozinha e
Caio aguardou na sala. Ao se unirem a ele, Nora tentou não ser tão introspectiva, os amigos
estavam se esforçando para não a deixar sucumbir à tristeza, deveria se esforçar também.
— Obrigada por virem, sei que estou sendo uma chata, mas realmente aprecio a presença
de vocês.
Sabrina e Caio abraçaram Nora e a garota começou a chorar. Era a única coisa que sabia
fazer bem nos últimos tempos.
Após assistirem um filme e a garota se sentir mais animada, o casal de noivos decidiu que
aquele era o momento de conversarem sobre um assunto importante.
— Nora, querida. Eu e Caio queremos lhe fazer um convite. Na verdade, são dois convites.
— Tudo bem, pode falar! — Estava curiosa para saber do que se tratava.
— Minha barriga está começando a aparecer, você sabe como esse povo adora uma fofoca
e apesar de eu estar me lixando para o que pensam ou dizem, a mãe do Caio é meio neurótica
com essas coisas.
Nora prendeu a risada, mas divertiu-se ao ver Caio arregalando os olhos em uma expressão
de espanto ao ouvir sua noiva mencionar sua mãe. Sabrina e sua sogra não se davam muito bem.
— Sá... — começou Caio, preparando a defesa de sua mãe.
— Não venha defender ela, Caio! Ou pode ir embora. Durmo aqui com a Nora, o que você
acha?
Nora começou a rir, achando a cena engraçada. Sabrina sabia exatamente como impor suas
vontades. Caio revirou os olhos, mas beijou o rosto de sua noiva e acabou por dar de ombros,
deixando seu argumento de lado.
— Você vai contar a ela ou não, Sá? — Mudou de assunto, para não aprofundar uma
possível discussão.
— Certo! — O sorriso da garota era vitorioso. — Marcamos a data do casamento para
daqui há um mês e meio. Não será um grande evento, Caio e eu nem queríamos uma festa, você
sabe, porque Lucas está ausente. Queríamos mesmo esperar, mas estamos sendo pressionados pela
família.
— Sá, você não precisa se justificar comigo — interveio Nora. — Quem sabe Lucas acorde
até lá? Sei que o tratamento é intensivo e terá a fase de recuperação, mas quando ele acordar,
ficará muito feliz por vocês.
— Acreditamos que ele irá acordar, Nora — reforçou Caio. — É isso o que queremos dizer,
não estamos seguindo em frente, como se ele não fizesse mais parte de nossas vidas.
— Vai sim, Caio. Eu sei que vai.
— Ótimo! — disse Sabrina, transparecendo alívio. — Porque você será a minha madrinha de
casamento! E não aceito um não como resposta.
— Isso é sério? Eu?
— Quem mais poderia ser? Você é minha melhor amiga, Nora!
— Mas você tem outras amigas, terá mais madrinhas?
Sabrina acenou que não.
— Não quero mais ninguém, será uma cerimônia íntima. E não tinha amigas de verdade, você
é a única que nunca me julgou. Quero que seja você.
— Obrigada, Sá! — Nora se levantou e foi até onde a amiga estava sentada, ajoelhou-se
no chão e a abraçou. — Sinto-me honrada em ser sua madrinha.
— É bom que se sinta mesmo! — brincou Sabrina. — Quero você deslumbrante, nada dessa
carinha triste. Sei que sente falta dele, mas precisa ficar bem. Eu sei que não está comendo direito,
nem dormindo.
Nora revirou os olhos.
— Meu pai está me saindo um tremendo fofoqueiro!
— Ele está preocupado — argumentou Caio. — Escute, meu padrinho será um primo de
segundo grau. Minha mãe quem escolheu. Eu queria o Lucas, só para você saber.
— Tudo bem — anuiu a garota.
— Mas o segundo convite é para você e o Lucas — revelou Sabrina.
Nora pestanejou.
— Mais um?
— Sabrina e eu queremos que você e Lucas sejam padrinhos do nosso bebê, Nora.
Nora não esperava um convite como aquele, era uma honra ser digna do carinho e confiança
do casal, que privilegiou Lucas e ela como padrinhos do filho que esperavam. Houve mais abraços,
demonstração de gratidão e então Sabrina ajudou Nora a se levantar do chão e ambas ficaram
de pé.
— Temos que ir agora, você vai ficar bem sozinha?
A garota anuiu em silêncio. Queria dizer que só ficaria bem quando Lucas acordasse, mas
não quis se tornar repetitiva demais. O clima estava agradável e não demonstraria sua fraqueza
emocional mais uma vez, aquele era o momento de Caio e Sabrina, eles mereciam tamanha
felicidade.
— Papai não deve demorar, amanhã ele trabalha cedo.
Despediram-se com um abraço apertado e Nora os acompanhou até a porta. Após irem
embora, a garota fez sua higiene noturna e foi para o quarto. Antes de deitar, ajoelhou-se no
chão e fez sua oração.
Por incrível que pudesse parecer, naquela noite, Nora dormiu pesada e tranquilamente.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
— Ei bruxinha, está esperando alguém?
Aquela voz!
Ela pensou estar alucinando, o que seria o ápice de sua insanidade. Nos últimos meses sonhara e
pensara ouvir sua voz novamente, lhe chamando de bruxinha e dizendo que lhe amava. Mas eram
frutos de sua imaginação corroída pela saudade e a dor de não ter quem amava ao seu lado. A vida
estava descolorindo aos poucos e muito da paisagem que enxergava à sua volta havia se tornado
cinza e sem graça. Nunca mais seria a mesma coisa se ele não estivesse por perto para colorir o
cenário com seu sorriso safado.
Mordeu um pedaço da goiaba e recostou sua cabeça no tronco ao qual estava apoiada, fechou
os olhos e mastigou em silêncio, tentando sentir o sabor de sua fruta preferida, em vão. Era como
ingerir isopor. Executava um gesto mecânico, necessário, mas totalmente sem vontade.
— Vai me ignorar?
De novo!
Abriu os olhos e quase caiu ao vê-lo.
Era real. Lucas estava mesmo ali.
— Oh meu Deus!
Os olhos da garota inundaram-se de lágrimas e ela pulou da árvore, com pressa, descuidando
sua atenção. O vestido longo a fez tropeçar e cair na grama úmida, mas rapidamente e começou a
correr na direção do homem por quem havia esperado durante todos aqueles meses.
— É você!
As lágrimas rolavam livremente por sua face, mas Nora não se importava, estava radiante de
felicidade ao ver Lucas novamente de pé. A cicatriz em seu rosto ainda estava ali, menos evidente que
antes, mas bastante visível. Perdera a conta de quantas vezes acariciou a marca em sua pele, todas as
vezes que o visitara no hospital durante o período de coma.
Lucas também chorava, mas sorria para ela. Ainda precisava do apoio de uma bengala, devido
a fratura no fêmur.
Por que ninguém a avisara que ele estava de volta?
Deixou o pensamento de lado e continuou correndo.
— Nora! — Gritou Bento, fazendo a garota parar de repente. — Não faça isso, filha!
Por quê? Bento havia acreditado que Lucas a amava verdadeiramente. Por que estava lhe
dizendo para não ir?
— Eu sinto muito pai, mas a vida me deu uma segunda chance, ao lado do homem que amo.
Não irei desperdiçá-la.
A garota virou as costas para o pai e correu em direção ao homem de sua vida. Lucas lhe
esperava de braços abertos e assim que o envolveu, ela não quis mais soltá-lo.
— Ei, minha bruxinha. Senti tanto a sua falta...
— Você voltou para mim...
— E você me esperou.
Os olhares se cruzaram ao se afastarem um pouco. Lucas inclinou o rosto em sua direção e Nora
sorriu, na expectativa do tão sonhado beijo de boas-vindas. Seus lábios estavam quase se tocando,
quando a visão turva de Nora fez Lucas desaparecer de sua frente, uma vertigem a invadiu
gradativamente e tudo se tornou completa escuridão.
— Lucas! — gritou Nora, sentando-se na cama ao despertar de um sonho que parecia tão
real.
Mais uma semana se passou e os sonhos continuavam com mais frequência que antes.
Nora se levantou e foi fazer sua higiene matinal. Era sábado e ela prometera ir com Sabrina
fazer a prova do vestido de noiva e escolher o seu vestido de madrinha.
O relógio indicava dez horas e seu pai provavelmente já havia saído para trabalhar. Aos
sábados, Bento costumava fazer uma checagem de toda a propriedade. Mas havia uma nova
realidade que poderia significar uma mudança de rotina: Bárbara. Ficara muito feliz quando o pai
e a amiga assumiram publicamente que gostavam um do outro e estavam tentando um
relacionamento. Por respeito à Nora, Bento não passava a noite com Babi em sua casa, mas
chegava tarde todos os dias e entrava sorrateiramente, como se fosse um filho adolescente que
saíra escondido dos pais. Nora achava a situação engraçada, mas não comentava com o pai para
não o constranger.
Todos a sua volta a tratavam como se fosse de açúcar e estivesse muito perto de derreter, o
que lhe incomodava, pois não era errado que seus amigos e família fossem felizes enquanto ela
estava triste. Nunca pediu que compartilhassem seu período de espera, mas a sensação que tinha
quando estava diante de cada um deles, é que os sorrisos eram contidos e a espontaneidade
controlada com precisão. Por isso preferia ficar sozinha.
Mas não havia como escapar da prova de vestido, prometera à Sabrina e sua amiga era
ótima com chantagem emocional. Felizmente, Sabrina não ficaria grávida para sempre, pensou
Nora, com bom humor. Ou Caio estaria encrencado.
Vestiu uma calça jeans, regata branca e camisa de flanela xadrez. O inseparável All Star
entrou praticamente sozinho nos pés e após prender seu cabelo em um rabo de cavalo, estava
pronta para ir. Decidiu não tomar café em casa, faria um lanche enquanto esperasse Sabrina no
provador. Pegou sua bolsa e trancou a casa, seguindo a pé pela trilha que a levaria diretamente
para a entrada da mansão.
Ao passar pela área da piscina, Nora desviou o olhar da água cristalina. As lembranças da
noite em que se renderam a forte atração que sentiam um pelo outro, veio-lhe à mente. Fechou os
olhos e respirou fundo, controlando suas emoções. O barulho de um carro estacionando despertou
sua atenção. Combinara com Sabrina de encontrá-la no Alcapone’s. Mas não era Sabrina, era
Bárbara. A mulher saiu do carro às pressas, parecia nervosa. Nora caminhou na direção do carro
e assim que Babi a viu, correu de encontro a garota.
— Vamos logo! Ele acordou!
O coração de Nora parecia que ia sair pela boca.
Bárbara jamais brincaria com algo tão sério. Era mesmo verdade.
— Oh, meu Deus! — Nora abraçou Bárbara, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.
— Já avisei seu pai, ele sabe que te levarei para a capital.
Afastaram-se do abraço e Nora franziu a testa.
— Estou sendo a última a saber, não é? — perguntou, sentindo-se levemente magoada.
Babi desviou o olhar.
— Alfredo me ligou, pediu que eu te contasse.
— Já reparou que eles colocam o fardo todo, em cima de você? — Sentiu-se incomodada.
— Nora, querida...
A garota levantou as duas mãos para o alto.
— Tudo bem, me desculpe. — As lágrimas romperam. — Meus nervos estão à flor da pele.
Preciso vê-lo!
Entraram no carro e Bárbara deu a partida. Manteve-se em silêncio, sem saber o que dizer
para amenizar o clima desconfortável. Nora recostou a cabeça no vidro do carro, olhando para a
paisagem lá fora, em movimento.
— Segundo o que Alfredo me informou, Lucas apresenta melhora progressiva neurológica,
está acordado, tem movimentos voluntários e apresenta sinais de comunicação.
A garota voltou sua atenção para a namorada de seu pai. Apesar de serem amigas e de
Bárbara estar em um relacionamento recente com Bento, em situações como aquela, quando Babi
era informada de tudo e encarregada de comunicá-la, Nora não conseguia conter a mágoa por
vê-la como a ex-noiva de Lucas. Era como se os pais dele não a enxergassem como namorada, a
mulher com quem ele decidira ficar. A insegurança tomava conta e Nora tinha que aprender a
lidar com tal sentimento. Gostava de Babi, tinha imenso carinho pelos pais de Lucas, mas eles
precisavam parar de vê-la como uma garotinha frágil.
— A ressonância magnética mostrou que o inchaço diminuiu e as funções respiratórias
apresentaram uma melhora significativa. Os rins estavam fora de perigo após as sessões de
hemodiálise e os médicos reduziram os medicamentos que o mantinham sedado, tem pouco mais de
uma semana. — Bárbara explicava tudo com muita calma, enquanto seguia para a rodovia
interestadual, informando à Nora tudo o que Alfredo havia lhe informado.
— Todo esse tempo? Por que não me contaram quando eu estive no hospital? — Havia raiva
em seu tom de voz.
Como foi que esconderam tantas informações, por tanto tempo?
— Só fiquei sabendo hoje, Nora. Jamais esconderia isso de você.
Nora engoliu em seco.
— Ele não acordou hoje, foi?
Babi hesitou antes de confirmar. Não entendia porque Alfredo se mantinha tão arredio
quando se tratava de informar o estado de saúde de Lucas. Pensou que tivessem superado
situações como aquela, desde a transferência de hospital.
— Tem três dias. — Confirmou o que Nora já suspeitava. — Alfredo disse que estava
esperando ter notícias mais consistentes antes de nos informar. Como Lucas permaneceu sedado por
muito tempo, demorou para acordar. Tiveram que esperar os sedativos saírem da circulação
sanguínea para definir se haviam sequelas neurológicas. Alfredo não quis nos dar falsas
esperanças.
Nora riu, mas sentiu a mágoa pesar seu coração.
— Sempre tive esperanças, droga! Isso não está certo Babi. A partir de hoje, não saio mais
daquele hospital enquanto Lucas estiver lá.
— Não fique assim, Nora. Lucas está de volta, poderá vê-lo em breve.
— Eu não volto mais para casa, Babi. Estou falando sério. Enquanto Lucas estiver naquele
hospital, eu fico lá também.
— A recuperação será lenta, menina. Você não pode morar no hospital.
Nora cruzou os braços, fazendo beicinho. Sabia que parecia uma garotinha mimada, mas não
se importava.
— É o que veremos. Eles não podem me impedir.
Ela sabia que não deveria descontar suas frustrações em cima de Bárbara, ela era a pessoa
que mais lhe ajudava com a situação de Lucas. Tentou manter a calma.
— Eu só quero vê-lo, por favor, Babi.
— Vamos lá.
A viagem seria longa e cansativa, mas não importava. Finalmente os olhos de Lucas se
abriram. Finalmente ele voltara para ela. Nada mais importava. Se as pessoas acreditavam que
ela era uma garotinha indefesa, problema deles. Lucas estava de volta e o resto do mundo tornou-
se irrelevante. A partir daquele momento, Nora tomou sua decisão e ninguém a manteria afastada
do homem que amava e esperou por tanto tempo. Ninguém.
LUCAS
Estou vivo. Meu bom Deus, sim! Estou vivo porra!
Quando meus olhos se abriram e a confusão se instalou em minha mente, levou tempo para eu
começar a entender onde estava e porque estava ali. Meu corpo inerte, a dor na perna esquerda.
Minha cabeça enfaixada e eu com certeza respirava com a ajuda de algum aparelho.
Sim, aos poucos fui tomando consciência de que eu estava muito ferrado. Mas logo outra
constatação confortou minha agonia: Eu estava vivo, quando muito provavelmente eu não deveria
estar. Não sabia há quanto tempo estava ali, mas tinha a sensação de que não foi pouco tempo.
Cento e vinte quilômetros por hora. Fechei os olhos ao me lembrar do porquê. A luz forte que
cegou meus olhos surgiu como um dejàvu e comecei a me sentir agitado.
Porra! Um carro se enfiou na minha frente!
Era a constatação do obvio: Foi um milagre eu ter sobrevivido.
Minha memória... ela estava boa, aparentemente. Sabia que sofri um acidente e que estava
fodido em uma cama de hospital. Mas não conseguia me forçar a lembrar mais do que isso. Então,
quando minha mãe entrou no quarto e me viu acordado, foi aquela confusão. Logo a sala foi
preenchida pela equipe médica e enfermeiros, deixando-me atordoado, confuso e irritado. Minha
mãe chorava e agradecia a Deus por ter permitido que eu voltasse e tudo o que eu conseguia
pensar era que não via a hora de sair daquela merda.
Passei por uma série de avaliações e exames, conversei com o médico responsável pelo meu
caso, ou melhor, ele conversou comigo. Eu não consegui falar muita coisa, devido a traqueostomia
fechada, mas o doutor esclareceu que aos poucos tudo se normalizaria, aparentemente, minha fala,
visão e audição não haviam sofrido sequelas. Fiquei desacordado por dois meses, induzido ao
coma por meio de fortes sedativos, enquanto tratavam o edema cerebral e o mal funcionamento
dos rins. Um dos meus maiores medos era a possibilidade de não voltar a andar, mas esse medo
cessou quando respondi aos estímulos em minhas pernas e pés. A fratura no fêmur será corrigida
através de cirurgia, eu terei que usar muletas por um tempo, sessões de fisioterapia e contar com a
assistência de uma bengala até melhorar, na melhor das hipóteses em quatro ou cinco meses eu
estarei recuperado. Mas por enquanto, sei que não vou embora tão cedo desse hospital.
Praticamente renasci e agora tenho que voltar ao mundo real, devagar.
Não vi meus pais no primeiro dia, pois após todo o procedimento de rotina, senti-me exausto
e apaguei. Tive sonhos conturbados, memórias voltando, flashes de situações diversas, lembranças
de um passado distante, um não tão distante assim e alguns sonhos de como seria o meu futuro. A
vida que levei, sem preocupações financeiras, o carinho de meus pais e avô, a paixão pelos
motores e a velocidade, a época da faculdade e toda a curtição, minha formatura, meu primeiro
dia na Fast Mariner’s, a primeira vez que traí Bárbara, o dia em que a pedi em casamento, minha
última traição, a descoberta e o término do relacionamento. Meses de muita farra, sexo casual e
nenhuma preocupação além da minha carreira profissional. Eu sabia exatamente como aproveitar
a vida.
Foi então que seu rosto surgiu e algo dentro de mim resplandeceu de alegria. Parecia um anjo, um
lindo anjo de cabelo castanho e olhos de mesma cor, pele clara e tão perfeita, o sorriso tímido e
um perfume inebriante. Poderia ser um sonho, mas consegui sentir sua essência, como se fosse algo
muito familiar. E era. Sim! Eu sabia que não estava vendo um anjo do céu, mas aquela garota a
minha frente, de certa forma era um anjo, um anjo que mudou a minha vida completamente e me
fez um novo homem.
— Nora...
Não sei se falei as palavras em voz alta realmente, ou se fazia parte do sonho, mas ela
estava tão linda e seus olhos cheios de amor me fitavam com adoração. Foi então que me dei
conta, ela estava me esperando, e foi por isso que eu voltei. Voltei por e para ela. A minha
bruxinha. Abri meus olhos, despertando do sonho, uma angústia abateu-se sobre mim.
Tenho que vê-la. Preciso vê-la!
De repente, mais lembranças vieram à tona, deixando-me ainda mais atordoado. Meu
relacionamento com Nora não foi aceito pelo seu pai, nós brigamos e ele me proibiu de chegar
perto de sua filha, meu pai ficou de conversar com Bento para tentar resolver a situação, mas
Nora não desistiu de mim, nem eu dela. Ficaríamos juntos independente do que acontecesse.
E então aconteceu o acidente...
O mais irônico é que a conheci em um acidente com meu carro, pelo mesmo motivo: a porra
do celular. E um segundo acidente quase me separou dela para sempre.
Naquele mesmo dia, recebi a visita de meus pais. A emoção de vê-los novamente e perceber
em seus semblantes o quanto estavam abatidos, embora sorrissem e chorassem de felicidade,
deixou-me emocionalmente instável. Ainda com dificuldades na fala, evitei me esforçar demais.
Minha mãe me abraçou e beijou, disse o quanto sentiu minha falta e o quanto havia rezado para
que eu ficasse bem logo. Papai contou-me que haviam se mudado para um apartamento,
temporariamente, assim poderiam estar sempre por perto. Foi uma hora que passou rápido, mas
me deixou ansioso para sair logo dali. Eu não quis tocar no nome de Nora, na frente da mamãe,
mas quando meus pais se despediram, pedi que papai ficasse mais um pouco. Percebi a troca de
olhares cúmplices, mas não fiz perguntas. Tão logo mamãe beijou minha testa e saiu, papai se
aproximou e sentou-se na cadeira antes ocupada por ela.
— Como está a Nora? — perguntei, com dificuldade. — Por que ela ainda não veio me ver?
A expressão de papai tornou-se séria. Desconfiei que algo estava errado. Fiquei em alerta.
— Nora esteve aqui há pouco mais de uma semana. Desde que foi transferido para cá, ela
vem a cada quinze dias.
Pestanejei.
— Não foi o que eu perguntei.
Alfredo deu de ombros.
— Ela está bem.
— Pai, sabe como é ruim falar com essa merda na minha garganta? Quer mesmo que eu
pergunte de novo? — Minha paciência esvaia-se a cada segundo. Meu pai estava me enrolando.
— Ainda não contamos que você acordou.
— Como é? — Remexo-me na cama, agitado.
— Por favor, Lucas. Fique parado! — pediu nervosamente.
— Por que não contou a ela, ainda? — Subitamente, lembrei-me de que havia a
possibilidade de Nora estar grávida. — É por causa do bebê? Ela está grávida?
— Acalme-se, deixe-me falar! Não, a Nora não está grávida.
Saber daquilo me deixou triste. No fundo, eu queria que tivéssemos um filho.
— Então, por quê? — insisti.
Meu pai se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Um velho habito dos
homens de nossa família.
— Acho que você deveria repensar essa história toda. Viu no que deu? Você quase morreu,
filho! — Disse exasperado. — Talvez seja a vida mostrando que o melhor é cada um seguir por um
caminho diferente. Ela é jovem, está apaixonada sim, mas vai superar com o tempo. E você? Tem
que se preocupar com o processo recuperação, que será longo. Não acho que devam insistir nisso.
E esse acidente foi a gota d’água!
Quando meu pai despejou aquele negativismo todo para cima de mim, fiquei atordoado. Ele
era a única pessoa com quem eu podia contar para me apoiar. Minha mãe, por mais que eu fosse
a menina de seus olhos, — isso soou estranho, mas vocês entenderam, não é? — ela seria
influenciada pelo meu pai e tentaria me fazer mudar de ideia, exatamente com meu pai fez
naquele momento.
Foi difícil assimilar o quanto eu permiti, ao longo dos meus anos de vida, a interferência dos
meus pais em minha vida. Amá-los e respeitá-los é meu dever como filho, e também reflexo da
maneira como me criaram. Eles são meu porto seguro e eu sempre me espelhei neles para ser
quem sou — tirando o lado devasso, que é algo completamente meu, característica da minha
individualidade como um ser humano —, mas ter quase trinta anos e ainda ser o filhinho da
mamãe, talvez tenha dado a eles a impressão de que eu não estou pronto para tomar as rédeas
da minha vida. Eu posso cometer erros e, Deus sabe o quanto eu já errei nessa vida, mas preciso
fazê-lo, pois é errando que se aprende. Mas se tem algo na vida de que eu tenho certeza, é que
amar Nora foi a coisa mais correta que já fiz. Quando pedi Bárbara em casamento, deixei-me
levar pelo desejo de meus pais em me verem sossegado, constituindo uma família, e para agradá-
los, sem perceber, quase cometi o maior erro de todos.
Meu pai me fitou, preocupado, esperando minha reação. Eu queria levantar da cama,
esmurrar uma parede — não o meu pai, jamais faria algo assim — e extravasar toda a minha
irritação, indignação com o que acabara de ouvir. Mas minha situação não permitia. Droga!
Não demorou muito para eu tomar algumas decisões.
— Eu quero Nora aqui comigo, amanhã. — Disse, tentando não me esforçar demais. Droga!
Eu devia estar descansando minhas cordas vocais! — E foda-se se o pai dela não aceita ou se
você acha que eu devo esquecê-la. Foda-se toda essa merda.
— Lucas!
— Não pai. Eu te amo, te respeito, mas chega. Nora já é maior de idade, se ela quer ficar
comigo, vai ficar. Eu enfrento tudo o que for preciso, mas chega de pedir que o papai resolva as
coisas para mim. Se eu tivesse feito isso desde... — Paro para me recompor. Respiro um pouco
antes de retomar. — Desde o início, talvez tivesse evitado um monte de erros. Mas agora chega.
Ninguém mais vai se meter na minha história com a Nora.
Fechei os olhos e senti a exaustão tomar conta de mim, mas tinha falado o que queria e
esperei meu pai dizer qualquer coisa. Assim que saísse do hospital, procuraria um lugar para ficar,
uma casa só para mim. Estava mais do que na hora de voar com as próprias asas e sair da barra
da saia da mamãe.
— Só quero o melhor para você, Lucas.
— Nora é o melhor para mim.
Ele anuiu.
— Tudo bem, eu ligo para ela, amanhã. Você já falou demais, está visivelmente cansado.
Descanse e amanhã ela estará aqui com você.
Revirei os olhos. Mais uma vez o senhor Alfredo estava decidindo as coisas para mim, mas
aceitei a última intervenção, pois realmente estava me sentindo cansado e não queria que Nora me
visse daquele jeito.
— Amanhã, nem um dia a mais. Eu a quero aqui, comigo.
— Ela estará.
Assim que meu pai saiu, fechei meus olhos e me deixei levar pelo cansaço.
Contei as horas para o dia passar, estava ansioso para revê-la.
Agora estou aqui, esperando minha bruxinha entrar por aquela porta.
Sei que teremos muito o que enfrentar, mas estou mais forte do que nunca, por incrível que
pareça.
Ouço o barulho da porta se abrindo e meu coração para por alguns segundos.
É ela! Porra! Ela está usando aquela roupa! A mesma do meu aniversário. A mesma de nossa
desastrosa primeira vez.
Ela não diz nada, mas seu sorriso diz tudo e eu tento conter minhas lágrimas, mas não
consigo.
Sou um bebê chorão, confesso! Podem me zoar. Mas depois de tudo, acho que mereço expelir
algumas lágrimas, não posso? Foda-se! É claro que eu posso.
— Venha aqui, bruxinha...
Ela vem devagar, uma tortura, mas eu compreendo, é difícil assimilar que finalmente estamos
nos vendo, depois de quase termos sido separados por circunstancias da vida.
— Oi, amor... — Ela diz, me alcançando e tentando me abraçar com cuidado. — Bem-vindo
de volta.
Seus lábios tocam o meu, em um beijo calmo.
Como é bom tê-la comigo! Porra! Eu amo essa garota mais que tudo nessa vida.
— Te amo, bruxinha... — Digo, quando nos afastamos. Seus olhos estão fixos nos meus e ela
sorri.
— Pode ter certeza, eu te amo muito mais!
CAPÍTULO 19
Naquela manhã de sábado, Sabrina estava radiante eu seu vestido de noiva. A gravidez a
deixara ainda mais linda. Caio, o noivo apaixonado e orgulhoso pela família que estava iniciando
com a mulher de sua vida, era todo sorriso. A cerimônia foi pequena, mas com direito a tudo o que
a garota sonhara. Casou-se de branco na pequena igreja local, onde havia sido batizada quando
nascera e onde batizaria o seu filho quando nascesse. O menino que se chamaria Gabriel, recebeu
o nome do anjo mensageiro, pois fora ele que trouxe aos jovens pais, a mensagem de que o amor
supera tudo e que um recomeço é possível, quando as pessoas estão dispostas e de coração
aberto.
Nora e Lucas foram os padrinhos na cerimônia. O melhor amigo de Caio recebeu alta do
hospital e, mesmo recuperando-se da cirurgia na diáfise do fêmur, fez questão de entrar na igreja
e ficar ao lado do noivo, usando muletas para se apoiar. Nora entrou ao seu lado e o acompanhou
até o local reservado para os padrinhos. Estava orgulhosa de seu namorado, ele se mostrara um
verdadeiro guerreiro nas semanas que se passaram após a cirurgia de inserção da haste
intramedular.
Após a cerimônia religiosa, a recepção aos convidados aconteceu no La Lola, por insistência
dos noivos. A danceteria foi cenário de muitas idas e vindas do casal e, queriam fechar com chave
de ouro.
— Hora de a noiva jogar o buquê! — Alguém gritou.
Algumas primas de Caio e Sabrina se reuniram no centro do salão, aguardando a noiva
jogar as flores. Nora e Bárbara também foram, por insistência dos namorados. Assim que Sabrina
jogou o buquê para o alto, sem esforço algum, Babi o agarrou. Foi necessário abraçá-lo e sair do
círculo formado por mulheres histéricas — com exceção de Nora — a procura das flores que lhe
proporcionariam um casamento futuro.
— Eita! — disse Lucas, encarando Bento com um sorriso malicioso. — Vai ter que casar,
sogrão.
Bento revirou os olhos para Lucas, mas logo sorriu também.
— Antes eu, do que você — respondeu-lhe Bento. — Nora é nova demais para se casar
agora, então espero que não se importe de namorar por uns longos cinco anos, já que ela inicia a
faculdade mês que vem.
Lucas gargalhou, mas sabia que Bento estava falando sério. Observaram as mulheres de suas
vidas se aproximarem. Bárbara estava radiante, segurando o buquê de flores como quem
segurava um troféu.
— Veja só, jardineiro. Agora você não me escapa!
Bento se levantou e abraçou a namorada, beijando-a com vontade.
— Essa nunca foi minha intenção, patricinha. Você me pegou de jeito.
— Venha, vamos dançar! — Pegou-o pela mão, mas antes de ir para a pista de dança,
entregou o buquê de flores para Nora, que estava sentada na cadeira antes ocupada por Bento,
ao lado de Lucas. — Fique com ele, por um tempinho, Nora. — Piscou-lhe, com cumplicidade.
Nora segurou o buquê e acenou para o pai e a amiga. Era tão bom vê-los juntos e felizes.
Lucas tocou o braço de Nora e pediu-lhe que arrastasse a cadeira para mais perto. Ela o fez
e Lucas a puxou para um abraço.
— Você sabe que um dia será você, não sabe? — perguntou Lucas, fitando-a intensamente.
— Um dia será eu? Como assim, Lucas?
Ele sorriu e beijou-lhe a ponta do nariz.
— Vestido de noiva, jogando o buquê de flores para alguma amiga “encalhada”. Tonar-se
minha esposa. Essa coisa toda.
Os olhos da garota resplandeceram de alegria.
— Você quer fazer isso, mesmo? Sabe, a gente podia se casar apenas no civil...
— Não, não e não. Sou tradicional, quero vestir um terno caro e suar como um porco,
nervoso, achando que você irá me deixar plantado no altar ao mudar de ideia. Quero passar por
isso, adorei ver o Caio se borrando de medo, preciso experimentar a sensação.
Nora riu, beijando-lhe a face.
— Não tem nada a ver comigo, em um vestido de noiva, então?
— Ah sim, tem essa parte também. E a lua de mel, claro. — Suspirou pesadamente. — Isso
está me matando, bruxinha.
Ela queria rir, mas conseguiu se controlar.
— Não diga isso, Lucas. É temporário.
— Já posso ser um padre...
— Não exagere.
— Mas é verdade.
— Lucas, você está se recuperando de um acidente grave. Está vivo, logo tudo volta ao
normal.
— Sabe que estou anotando em um caderno, todas as vezes que tenho vontade de fazer
amor com você? Porque quando o médico me liberar, bruxinha, bruxinha, se prepare para uma
maratona.
— Você é impossível, Lucas Marinho!
— Eu sou um homem apaixonado, e completamente louco pela minha namorada. Não é como
se eu pudesse evitar, a culpa é sua. Você me enfeitiçou, Nora.
A garota beijou-lhe para calar sua boca. Adorava quando Lucas explanava seus sentimentos,
e ele sempre o fazia, desde que voltaram a ficar juntos.
Cada dia tornou-se uma nova conquista.
Nora permaneceu com Lucas todos os dias desde que esteve com ele no hospital. Bárbara se
prontificou a buscar roupas para a garota e também providenciou um quarto de hotel, a pedido
de Lucas. Não quis ficar no apartamento dos pais do namorado, após uma pequena discussão
sobre as omissões do senhor Alfredo, a respeito de Lucas. Apesar de terem superado e mantido um
relacionamento pacífico, a garota não quis dar oportunidade ao casal de tentá-la dissuadir da
ideia de ficar. Ambos decidiram que não permitiriam a interferência de mais ninguém no namoro. E
assim aconteceu.
Bento esteve no hospital, com o incentivo de Bárbara, e desculpou-se com Lucas. Foi uma
conversa reveladora entre sogro e genro, para Lucas, uma grande surpresa poder contar com o
apoio de Bento, mas uma grande vitória. Surpresa também foi saber que finalmente Bárbara e
seu jardineiro estavam seriamente envolvidos. Lucas gostava muito da ex que se tornou sua melhor
amiga, torcia muito pela felicidade de Babi e, ver que Bento estava disposto a fazê-la feliz,
deixou-lhe muito satisfeito.
Com o dinheiro que tinha guardado, Bento pediu demissão e estava montando seu próprio
negócio. Além da floricultura, também se envolveu em um projeto na universidade, em parceria com
a prefeitura, coordenado por Bárbara, para ensinar jardinagem e botânica às crianças do CRAS
(Centro de Referência de Assistência Social). Alugara uma casa pequena, mas confortável, e
estava feliz com as mudanças que a vida lhe proporcionara.
Nora morava com o pai na casa recém-alugada, mas passava boa parte de seu tempo com
Lucas, ajudando-o a se adaptar à uma nova rotina. Ele permaneceu na mansão após ter alta do
hospital, apenas por alguns dias. Revelou que pretendia se mudar, o que inicialmente chateou
Isabella, mas após uma conversa franca com o filho, a senhora Marinho entendeu as razões de
Lucas e o ajudou a encontrar uma casa que o acomodasse confortavelmente durante o período de
recuperação. A relação com os pais continuou forte, mas com alguns limites impostos. Lucas não
permitiu que eles interferissem em suas escolhas, e surpreendentemente, os pais entenderam seus
motivos e acataram seu pedido.
A vida estava encaixando cada peça em seu devido lugar, finalmente.
— Você quer, não quer? — Perguntou Lucas, ao se afastarem com relutância.
Nora sorriu maliciosamente.
— O que eu quero?
— Se tornar minha esposa, algum dia.
A insegurança na expressão de Lucas, a comoveu. Nora segurou o rosto de Lucas entre suas
mãos, acariciando a cicatriz da bochecha, com o polegar.
— É claro que eu quero, Lucas. Eu quero tudo com você, para sempre.
— Eu te amo, Nora Sampaio.
— Eu sei. Também te amo, Lucas Marinho.
EPÍLOGO
Bárbara entrou na casa e o encontrou na sala, caminhando nervosamente de um lado para o
outro. Pestanejou, ele parecia irritado. Ela havia acordado cedo e foi até a padaria fazer algumas
compras, com a intenção de surpreendê-lo no café da manhã. Raramente conseguia fazer algo,
pois Bento sempre a surpreendia antes. Desde que passaram a dormir na casa dele, Bento a
mimava com café na cama. O homem era um perfeito cavalheiro, fora do quarto. Entre quatro
paredes e uma cama, Bento Sampaio era selvagem e insaciável. Não que ela estivesse
reclamando.
— Por que você não para um segundo e respira? — perguntou ela, com a voz amena.
Ele parou e encarou a namorada, angustiado. Não queria surtar na frente dela, mas a
descoberta o deixara aflito. Precisava desabafar com alguém.
— Nora está grávida! — Soltou a notícia, sem delongas.
— O quê? C-como?
Ele soltou uma risada descarregada de qualquer traço de humor.
— Você sabe exatamente como.
Ela revirou os olhos. Sentou-se no sofá e sinalizou para que Bento fizesse o mesmo.
— Como é que você descobriu? Ela te contou?
Bento respirou pesadamente antes de responder.
— Encontrei o teste de gravidez ao retirar o lixo do banheiro, na semana passada.
— Isso é nojento — disse Bárbara, segurando o riso.
Ele estava fazendo uma confusão.
— A sacola é quase transparente, eu vi a embalagem — justificou. — Sei muito bem o que é
um teste de gravidez.
Ela deu de ombros.
— Tenho certeza que sabe, querido.
Ficaram em silencio por um tempo, Bárbara acariciou as costas de Bento tentando tranquilizá-
lo.
— Ela ainda nem terminou a faculdade! Onde eu estava com a cabeça quando permiti que
ela passasse a semana toda sozinha com ele, naquela casa? — Sentiu-se culpado.
Nora passava a semana fora de casa, pois trabalhava na oficina e a noite ia para a
faculdade. Bento permitiu que Lucas e ela compartilhassem a casa que ele mantinha na cidade
vizinha. Sabia que sua filha era adulta e que muito provavelmente tinha uma vida sexual ativa, mas
não gostava de pensar nisso. Confiava em Nora e acreditava que ela era responsável, uma
gravidez precipitada nunca lhe passou pela cabeça, afinal, sua filha almejava concluir o curso
antes de casar-se com Lucas.
— Bento, se acalme!
— Eu sou jovem demais para ser avô — lamentou-se, mas sabia que estava mentindo. A
verdade é que Bento temia por Nora, não queria que sua garotinha passasse algo semelhante ao
que ele passou com Adelina.
E se Lucas fugisse da responsabilidade?
Ele ajudaria a cuidar do neto, mas não poderia fazer muita coisa pelo coração partido da
filha, a não ser dar uma boa surra no filho da mãe que a engravidara.
— Pare com isso, você seria um avô bem gostosinho — brincou Bárbara.
Bento fitou-a, deixando claro que não estava achando nenhuma graça naquela situação.
— Droga, Babi! Não me provoque agora, eu estou irritado.
Novamente o silêncio. Bárbara finalmente tomou coragem para contar a verdade.
— E para ser pai, você acha que está jovem ou velho demais? — perguntou ela.
— Não entendi.
— Pare de pensar em como pretende castrar o Lucas — ralhou Bárbara. — A Nora não está
grávida. Sou eu.
Em segundos, a melanina esvaiu-se do rosto de Bento, deixando-o com aparência
fantasmagórica. Ele estava tão branco quanto um sabão de coco.
— Como?
— Você sabe exatamente como, jardineiro.
Bento estava perplexo, nunca pensou na possibilidade de ser pai novamente.
— Tem certeza? — Não custava nada perguntar de novo, ele pensou.
— Sim, fiz o teste de farmácia. Mas estava esperando o resultado do exame de sangue,
antes de te contar.
Ele sorriu para ela, sentindo-se emocionado. Passou a mão delicadamente pelo rosto da
mulher que esperava um filho seu.
— Como você está se sentindo? — perguntou a ela.
Bárbara sentiu-se mais tranquila, Bento se acalmou e estava aparentemente lidando bem com
a notícia de sua gravidez.
— Eu acho que bem. Quer dizer, no começo fiquei apavorada, mas depois me acalmei e
pensei melhor. Você jamais viraria as costas para um filho seu. Então acho que podemos fazer isso,
eu posso fazer isso. Desde que você esteja comigo. Bem, se não estiver comigo também, jamais
abandonaria meu filho e...
Bento segurou o rosto dela entre suas mãos e a interrompeu com um beijo estalado. Ao
descolar sua boca da dela, beijou-lhe a testa e a puxou para um abraço.
— Não fale besteira Bárbara! É claro que estarei com você. Afinal, eu não deixaria uma
patricinha mimada encher um filho meu de manias besta.
— Bento!
— Estou brincando, amor.
Bárbara riu e deu um tapinha nas costas de Bento. Desfizeram-se do abraço e fitaram-se,
ambos emocionados.
— Estou feliz — afirmou Bento. — Ser pai novamente é uma bênção.
— Você terá que me ajudar, eu serei mãe de primeira viagem.
— A gravidez te fará ainda mais linda, Babi.
Ela revirou os olhos para ele.
— Engordarei horrores! E se eu não conseguir voltar ao normal, ainda vai gostar de mim? —
resmungou, sentindo a insegurança.
Bento sorriu para ela e a puxou para seu colo.
— Estamos juntos há dois anos, Babi. Não chegaríamos até aqui se eu não gostasse de você,
e mesmo que não tenha dito antes, acho que sempre demonstrei em ações o quanto você é
especial para mim. Vai além da sua aparência física. Você está me dando um lindo presente, um
filho. Isso me faz te amar ainda mais.
Foi à vez de Bárbara empalidecer. Bento e ela nunca haviam falado sobre amor. Sempre
diziam o quanto gostavam um do outro e estavam apaixonados, mas amor? Eles ainda não haviam
pronunciado a palavra tão temida e esperada.
— Você me ama? — perguntou ela, não conseguindo agir como se aquela declaração fosse
algo comum em uma conversa entre eles.
Bento anuiu, sorrindo, e beijou-a rapidamente nos lábios.
— Eu amo você, Bárbara Lanco de Castro. Já devia ter percebido.
Ela sorriu, seu semblante resplandecendo de alegria.
— Devia ter sido mais claro, ao longo desse tempo em que estamos juntos.
— Não sou muito bom em demonstrar, eu acho.
Bárbara sorriu de um jeito travesso.
— Se tem algo que você sabe fazer muito bem, é demonstrar, querido jardineiro. Talvez eu
tenha demorado a entender, ou estava aguardando uma confirmação verbal.
Bento surpreendeu Babi ao levantar-se do sofá, segurando-a firmemente em seus braços.
— Deixe-me demonstrar, no nosso quarto. Também vou gemer no seu ouvido o quanto te amo,
enquanto estiver estrando e saindo de dentro de você.
Ele caminhou até o quarto e trancou a porta, ainda a segurando. Jogou-a na cama, como
adorava fazer, e então se juntou a ela.
— Sabe, Bento. Eu também te amo.
— Eu sei.
— Como você sabe?
— Às vezes você fala quando está dormindo.
Ela enrubesceu.
— Eu faço isso? — perguntou perplexa.
— Já faz um tempo.
— Muito tempo? — Arregalou os olhos.
— O suficiente para eu saber que é verdade.
— Oh meu Deus! — Escondeu seu rosto entre as próprias mãos.
Bento remexeu-se, ficando por cima de Bárbara. Apoiou os cotovelos na cama, para não
jogar o peso de seu corpo contra ela.
— A gente se ama, qual o problema nisso? — questionou ele.
— Eu nunca disse “eu te amo” a nenhum homem. Já pensei ter amado, porém nunca disse as
palavras.
— Porque eles não eram a pessoa certa para você, mas eu sou.
Bárbara sentiu-se imensamente grata a Deus, por Ele ter lhe proporcionado tamanha
felicidade. Tinha ao seu lado como companheiro, amante e amigo, um homem maravilhoso. Seria
mãe pela primeira vez e apreciaria cada momento desta nova etapa.
Amaram-se sem pressa, deliciando-se com cada carícia. Ela jamais se sentiu tão mulher como
se sentia naquele momento, e foi gritando o nome dele que atingiu o êxtase. Já deitados,
descansando após o ato de amor, Bento aninhou Bárbara em seus braços e beijou-lhe o topo da
cabeça. Ela acariciava seu peito e aconchegava-se cada vez mais para perto.
— Você precisa se casar comigo, Babi — murmurou Bento, com a voz sonolenta. — Eu não
posso permitir que seja mãe solteira, além disso, também não quero ser pai solteiro novamente.
Ela riu e deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Só por isso pretende se casar comigo? Nossa, Bento. Você é tão antiquado!
— Deixe de ser boba. Nós somos praticamente casados, você vive aqui comigo há meses. O
que me surpreende, minha casa é muito pequena.
— Tem tudo o que preciso. Uma cama, um banheiro e um homem delicioso que cozinha para
mim e me proporciona orgasmos incríveis.
Bento fez com que Bárbara lhe fitasse diretamente nos olhos.
— Case comigo, Babi. Eu amo você.
Não havia o que pensar, ela sabia a resposta.
— Eu caso, porque também te amo.
— Ótimo!
— Ótimo!
— Fale com os seus pais, quero pedir a sua mão o quanto antes.
— O quê? — Ela sentou-se, encarando-o estupefata.
— Comigo é assim, patricinha. Tudo nos conformes, igreja, véu e grinalda, jogar o buquê e
aquele arroz na cabeça quando saímos da igreja. Pacote completo.
Seus olhos lacrimejaram. Bárbara não sabia se era por causa dos hormônios da gravidez, ou
por Bento estar sendo tudo o que ela sempre sonhou. Abraçou o namorado com força e distribuiu
beijos por todo o seu rosto. Ele riu e começou a fazer o mesmo que ela.
— Meu pai adora você, ele é tão grato porque acha que você colocou juízo na minha
cabeça.
O sorriso de Bento tornou-se radiante.
— Então é melhor a gente casar logo, assim ele não descobre que além de juízo na sua
cabeça, eu também coloquei um bebê dentro da sua barriga.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
— Meu Deus Sá, assim você acaba comigo! — Gemeu Caio, enquanto sua esposa chupava a
glande de seu pau, com volúpia.
Adorava quando Sabrina o acordava daquela maneira. Após dois anos de casados, Caio
não poderia estar mais feliz por sua escolha. A vida ao lado da mulher que escolheu para ser sua,
era cheia de realizações.
Na cama, como sempre, a química era inegável, o sexo continuava incrível, mesmo depois do
nascimento de Gabriel. Sabrina era esposa dedicada e uma mãe exemplar. Não se parecia em
nada com a garota espevitada que ele conhecera aos dezessete anos, tornou-se uma mulher linda,
bem resolvida e confiante. Ele amou aquela menina a quem fez sofrer no passado, mas amava
ainda mais a atual Sabrina, a mulher que o fazia feliz a cada segundo de suas vidas.
— Vou gozar... — Avisou, para que ela fizesse sua escolha. Mas ele já a conhecia o bastante
para saber que Sabrina engoliria até a última gota. E assim ela fez. — Minha nossa. Isso sim é um
beijo de bom dia!
Ela surgiu por debaixo dos lençóis, passando a língua pelos lábios, lhe dando o sorriso
safado que ele tanto amava.
— Bom dia, papai.
Ele adorava quando ela o chamava assim.
— Bom dia, mamãe.
Abraçaram-se e iniciaram uma sequência de beijos e carícias. Caio escorregou sua mão para
o meio das pernas de Sabrina, que deu abertura para recebê-lo. Enterrou dois dedos em seu
núcleo, fazendo-a soltar um gemido, incitando-o a continuar com os movimentos.
— Minha vez de retribuir... — sussurrou ao pé do ouvido de sua esposa.
— Oh, sim...
Sabrina deixou-se levar pela sensação deliciosa que era ter os dedos de Caio deslizando
para dentro e para fora de sua entrada molhada.
De repente, uma batida na porta do quarto assustou o casal.
— Mama, papa?
Entreolharam-se e sorriram um para o outro.
Gabriel era um garotinho muito fofo e amável, e acordava tão cedo quanto os pais.
— Eu amo o nosso filho, com todas as minhas forças — disse Caio, ainda com os dedos
dentro de Sabrina. — Mas esse pestinha é um tremendo empata foda!
Sabrina riu e balançou a cabeça em negativa.
— Você já gozou, meu amor. Então quem saiu prejudicada, fui eu. Você fica me devendo um
orgasmo, querido.
Caio anuiu, tirando os dedos de dentro de Sabrina, trazendo-os até sua boca e chupando-os
com vontade.
— Você estava no ponto, querida.
— Mama? Tá aí?
— Sim, Biel! Mamãe já está indo. — E olhando para Caio sussurrou. — Vista uma cueca, por
favor.
— Você manda, patroa! — Levantou-se e procurou a cueca que deixara no chão.
Sabrina vestia uma camisola, mas estava sem calcinha. Ajeitou-se e foi até a porta do quarto,
abrindo-a para que Gabriel pudesse entrar. Caio deitou-se novamente na cama, esperando o filho
pular em cima dele, como era de praxe todas as manhãs.
— Bom dia, pequeno príncipe! — Sabrina pegou o filho no colo, o garotinho abraçou-lhe e
beijou seu queixo.
— Bom dia, mama.
Levando o menino para a cama, Sabrina colocou Gabriel em cima de Caio, que puxou o filho
para um abraço e beijo carinhoso. Gabriel soltava risadinhas fofas e os pais o admiravam com
adoração.
— Papa, a mama contou do meu imãozinho?
Sabrina arregalou os olhos, encarando o filho e Caio, sem saber o que dizer.
Caio a encarou com a testa franzida, mas logo entendeu o que Gabriel estava querendo
dizer.
— Que irmãozinho, Biel? Conte para o papa. — Incentivou o filho a contar, sem tirar os olhos
de Sabrina, que segurava um sorriso.
— Mama disse que tem um imãozinho na barriga dela.
O garotinho falava devagar, atropelando-se nas palavras, mas Caio entendia perfeitamente
o que o filho estava lhe dizendo.
— É verdade, mama? — perguntou Caio, imitando a voz do filho.
Sabrina aproximou-se do marido e acariciou seu rosto.
— É verdade sim, papa. Eu ia te contar hoje à noite, em um jantar especial, mas nosso bebê é
um menino fofoqueiro.
Caio sorriu e deu um beijo rápido na esposa.
— Biel não é focoqueiro, mama — resmungou o menino, com voz chorosa.
— É fofoqueiro, bebê. Não focoqueiro.
— Biel não é isso. — Defendeu Caio, beijando o filho na testa. — Ele é amigão do papa.
— É! — Comemorou Gabriel, batendo palmas freneticamente.
— Tudo bem, tudo bem! — Rendeu-se Sabrina, aconchegando-se ao lado de Caio segurando
a mãozinha de seu filho. — Biel não é fofoqueiro e terá um irmãozinho ou irmãzinha, daqui há oito
meses.
— Isso é incrível, Sá. Nossa família crescendo... — Caio não conseguiu concluir, a emoção
tomando conta. — Obrigado.
— Eu que agradeço, Caio. Te amo.
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****
Nora prendeu as pernas em torno da cintura de Lucas, a água caía sobre os corpos quentes,
o vapor tomando conta de todo o banheiro. A ideia de tomarem banho juntos e estarem prontos
mais cedo para o trabalho, não foi realmente uma boa opção. Iam se atrasar, era um fato.
— Morde o meu ombro, bruxinha — pediu ele, continuando as estocadas firmes. — Morde
com força, vai!
O sexo com Nora era sempre intenso. Com o tempo, a garota tímida foi se tornando uma
mulher fogosa.
— Estou quase... — Gemeu, sentindo o orgasmo se aproximar.
Arranhando as costas de Lucas, Nora fez o que ele pediu. Com as estocadas firmes, ela
gozaria rápido, era sempre assim quando transavam no chuveiro. Tomar banho juntos sempre
terminava daquele jeito.
— Gostosa! — Mordeu o lóbulo da orelha de Nora, sabendo exatamente o efeito que o ato
causava nela.
— Ah...
A explosão de prazer foi tão intensa que a mordida foi mais forte do que pretendia, mas
Lucas adorava. Era um de seus fetiches. Ser marcado por Nora era algo que lhe trazia imenso
prazer.
Nora sentiu as pernas fraquejarem, mas Lucas a segurou firme e estocou mais três vezes
antes de atingir o clímax. Respiraram pesadamente com as testas recostadas uma na outra,
enquanto desfrutavam a sensação deliciosa de estarem saciados um do outro, temporariamente. A
chama da atração não se apagava nunca, Lucas e Nora estavam sempre queimando de desejo um
pelo outro.
Trabalharem no mesmo ambiente era quase uma tortura, mas ambos eram profissionais e
mantinham distância durante o expediente. Lucas permanecia em seu escritório ou no pavilhão da
oficina, enquanto Nora trabalhava no andar de cima, cuidando da parte administrativa com
Alfredo e a nova assistente, Daniela. Com a aposentadoria definitiva da Vovózona, Nora ficara
responsável por grande parte do trabalho e Alfredo contratou uma estagiária para ajudá-los.
Lucas depositou Nora com cuidado, no chão, pegou o sabonete e esponja e começou a
esfregar o corpo de sua namorada, com gentileza e demasiada atenção. Adorava esses momentos
íntimos com ela, a cada dia se via mais apaixonando. Era uma sensação incrível saber que depois
de tudo, ali estavam, felizes.
Sua garota passava boa parte do tempo com ele em sua casa, pois trabalhava na oficina e
a noite fazia faculdade, indo para a casa do pai somente aos fins de semana, onde supostamente
ainda residia. A maior parte das coisas de Nora estava na casa de Lucas, que ficava à algumas
quadras da oficina. Bento permitiu que ela ficasse com ele, mas ambos sabiam que a decisão cabia
mesmo à garota, embora ela buscasse o apoio do pai.
Em dois anos e alguns meses de relacionamento, Lucas nunca se imaginou estando com alguém
por tanto tempo, até Nora. Com ela, era como se estivessem juntos a vida toda, já não se
imaginava em um mundo onde ela não existisse, o que era maravilhoso e ao mesmo tempo
apavorante. Mas apesar dos medos, Lucas aproveitava cada dia de sua vida ao lado da mulher
que amava, grato pela segunda chance. Foram meses se recuperando do acidente que quase
tirara a sua vida, mas em momento algum esteve sozinho, o apoio da família, amigos e
principalmente, sua mulher, foram imprescindíveis. A única lembrança daquela noite trágica, era
uma cicatriz no rosto, que mesmo sendo possível retirar com cirurgia plástica, ele optou por deixá-
la. Seria sua lembrança diária de que em um piscar de olhos, a vida pode mudar e te tirar tudo,
ou te dar uma nova oportunidade de fazer as coisas de um jeito certo.
— Acho que a Dani está apaixonada — comentou Nora, enquanto vestia sua roupa, no
quarto.
— Quem é Dani? — perguntou Lucas, observando a namorada se vestir, enquanto se secava
com uma toalha de banho.
— A estagiária que trabalha comigo, na oficina, Lucas.
Ele deu de ombros.
— Ah sim. Perdão. Ela está de namorico com o Ivan, eu vi os dois juntos, uma noite dessas,
quando fui te buscar na universidade.
— Sério?
— Uhum. Estavam no maior amasso, dentro do carro dele.
Nora riu.
— Eu estava desconfiada, mas ela é tão reservada.
— Só com você, porque com o Ivan, pelo jeito que se agarravam, ela não parecia nenhum
pouco reservada.
Terminando de se vestir, Nora se aproximou de Lucas e deu um beliscão em seu braço.
— Vista-se logo, Lucas! Estamos atrasados — ralhou. — E pare de ficar espiando a vida
amorosa dos outros, que coisa feia!
Ele riu.
— Está bem, bruxinha. Espere-me na sala, ou vamos para um segundo round. — Apontou
para o membro rijo. — Estou pronto para outra.
— Lucas, você é impossível!
— Mas você adora!
Ela não conseguiu conter a risada.
— Vista-se, homem!
— Vou trabalhar de pau duro, por sua culpa!
— Use o truque da velhinha, te chupando sem dentadura. — gritou ela, da sala.
— Parabéns Nora! Você acabou de me broxar.
— Vista-se! — repetiu.
— Vou aconselhar o Ivan a colocar película naquele carro...
— Não mude de assunto, Lucas Marinho. Eu estou indo para a oficina, sozinha. Todos saberão
porque chegamos atrasados, droga!
Ele sorriu e começou a se vestir.
Ótimo, é assim que eu gosto. Todos sabendo que você é minha, bruxinha... Pensou, mas não foi
maluco de dizer em voz alta.
O incidente com Ivan foi esquecido. Apesar de Lucas ser possessivo, ele não culpava Ivan de
ter se interessado por Nora, ambos eram jovens e o rapaz não sabia sobre o relacionamento dele
com Nora. Foi uma infelicidade, algo que desestruturou Lucas na época e gerou um efeito bola de
neve em sua relação com Nora. Mas serviu de lição. Assim como Nora sequer lembrava que
Bárbara um dia foi noiva de Lucas. Lucas deixou o beijo de Ivan, no passado. O rapaz era um
ótimo aprendiz, os dois se davam muito bem. Lucas estava com Nora e todos na oficina sabiam e
respeitavam a garota, tratavam-na como se ela fosse uma das donas, e morriam de medo que ele
interpretasse errado qualquer gentileza deles para com ela. Lucas achava divertido e sentia-se o
homem mais sortudo do mundo, por ela o ter escolhido.
— Está pronto? — perguntou ela, aparecendo na porta do quarto.
Lucas se aproximou e a segurou pela cintura, acariciou seu rosto e beijou-lhe a ponta do
nariz.
— Para você? Sempre, meu amor!
***** ♥ ***** ♥ ***** ♥ *****

LUCAS
2 anos depois...
Levanto-me assim que o seu nome é chamado para receber o tão sonhado diploma. Ela está
linda e o sorriso no rosto a deixa ainda mais perfeita. Sim, minha bruxinha está se formando e eu
estou aqui, na primeira fileira. Ser o melhor amigo de uma das donas da universidade, tem suas
vantagens. Todos se levantam e batem palma para prestigiar a aluna destaque, ela para e sorri
para o fotografo, ao lado de Bárbara e do Reitor. Logo ela desce e volta a sentar em seu lugar e
eu a perco de vista. Mas antes disso, nossos olhares se cruzaram e eu consegui dizer para que ela
lesse meus lábios: “eu te amo”.
Ao meu lado direito está Bento, segurando seu filho, Benício, no colo. O irmãozinho de Nora
tem os traços do pai, cabelo loiro e olhos acinzentados, mas sua carinha de sapeca é contagiante.
Impossível olhar para ele e resistir aos seus encantos. O pestinha é muito fofo.
À minha esquerda está Caio, segurando meu afilhado, Gabriel, que já está bem grandinho
para ficar no colo, mas diga isso ao meu amigo babão, parece que ele ainda não se deu conta. Ao
seu lado está Sabrina, com a linda Evelin, em seu colo, a pequenina tem a idade de Benício, ambos
tiveram a sorte de nascer no mesmo dia. Seria o destino conspirando? Eu acredito em todas as
possibilidades.
Eu admiro a linda família que Caio e Sabrina formaram, tornaram-se pais maravilhosos e
continuam se amando ao longo dos quatro anos em que estão casados. Antes deles, meus pais
eram o único casal que me fazia acreditar que o amor verdadeiro existia, mas eu imaginava não
ser possível encontrá-lo. Tudo bem, eu não tenho problema nenhum em dizer que estava errado.
Ainda bem!
O buquê de flores que Bárbara pegou no casamento de Sabrina, lhe deu sorte. Dois anos
depois, ela e Bento se casaram, e sete meses após a cerimônia, nasceu Benício. Não, eu não
acredito que tenha sido um parto prematuro. Bento e Bárbara acham que os pais dela caíram
nessa. Coitados.
E foi na festa de casamento do meu sogro e da minha melhor amiga, que Nora pegou o
buquê. Talvez eu tenha colaborado para que isso acontecesse. Custou-me algum dinheiro para
subornar todas aquelas solteironas, mas no final, valeu a pena. O sorriso de felicidade que ela deu
ao pegar as flores, era do tipo que dinheiro nenhum no mundo poderia pagar. E ele estava sendo
direcionado a mim. Quer mais sorte que essa?
Eu sou um filho da puta sortudo! — Desculpe, mãe —.
Aliás, meus pais estão aqui também, na fileira de trás. Ivan e Daniela também, juntamente com
Eulália, Vovózona e Gerônimo. Testemunhas orgulhosas do grande momento de Nora.
Após toda a chatice da colação de grau, as tradicionais fotos para o álbum de formatura e
o jantar em um restaurante, voltamos para o salão do baile e sentamos na mesa reservada para
os convidados da formada Nora Sampaio. Ela está ainda mais linda em seu vestido longo,
vermelho, bordado com pedrarias. O cabelo está preso em um penteado chique, que eu pretendo
desfazer mais tarde. Passarei bons minutos tirando a incontável quantidade de grampos que deve
estar escondido no meio de suas madeixas, mas eu sou um homem paciente e persistente — muito
mais persistente do que paciente, diga-se de passagem — então poderei puxá-los do jeito que eu
gosto, enquanto meto para dentro de sua boceta linda.
Certo, não é um bom momento para ficar de pau duro. Tem crianças e idosos aqui presentes.
Mas eu não pensarei em nenhuma velhinha chupando meu pau, sem dentaduras. Estou nervoso
demais para isso.
Hoje é o grande dia, finalmente! Depois de quatro anos, eu poderei mostrar a porra do anel
de brilhantes que comprei para ela.
Minha primeira tentativa foi no casamento de Caio e Sabrina, mas após Bento me lembrar de
que Nora ingressaria na universidade, eu pisei no freio e concluí que aquele não era o momento
certo. A segunda tentativa foi no casamento de Bento e Bárbara, mas confesso que fiquei com
medo do sogrão me dar uns cascudos por estragar seu momento, direcionando a atenção de todos
para Nora e eu. Naquela época, minha bruxinha estava na metade do seu curso de secretariado
executivo, então, segurei o anel mais uma vez. Mas como diz o ditado: “um é pouco, dois é bom,
três é demais”! Chegou o momento certo de pedi-la em casamento e ninguém me impedirá dessa
vez!
Os formados são chamados para iniciar o baile, dançando uma valsa brega com os pais.
Observo Bento dançar com Nora e a sensação que tenho é que meu coração irá sair pela boca,
eu sou o próximo. Não sou um bom dançarino, mas o que eu não faço por ela?
É a minha vez e me aproximo da minha garota. Iniciamos passos lentos e até que eu não sou
tão ruim.
— Você está tremendo, Lucas.
Dou de ombros.
— Impressão sua, querida.
— Mesmo?
— Certamente. Acho que, quem está tremendo é você.
Ela ri e meu coração acelera ainda mais.
— Boa tentativa, moço. Mas é você quem está nervoso, não eu.
— Prove — desafio-a.
Ela me beija rapidamente e tudo à minha volta desaparece.
— Você está linda e eu estou muito orgulhoso de você.
Nora enrubesce, eu adoro quando isso acontece.
— Obrigada, por tudo.
— Tudo bem, vamos parar com esse papo. Não quer borrar sua maquiagem, quer?
Ela sorri e morde os lábios.
— Não agora. Talvez mais tarde, no chuveiro.
Minha vez de sorrir. Aproximo-me e sussurro em seu ouvido:
— Com certeza, mais tarde. No carro, antes do chuveiro.
A música chata termina. Graças aos céus.
— Boa noite a todos, sejam bem-vindos ao baile de formatura da turma de Secretariado
Executivo...
Oh merda, é agora!
Sim, eu também paguei um bom dinheiro para o vocalista da banda, me fazer um favor.
— A primeira canção de hoje é muito especial! Foi escolhida por um dos convidados
presentes, para uma das formadas de hoje. Nora Sampaio, She Will Be Loved, do Maroon5,
especialmente para você.
Nora me encara surpresa e vejo que as lágrimas estão prestes a romper em seus olhos. As
pessoas batem palmas e começam a olhar para nós. Esta é a hora. A banda começa a tocar a
música que escolhi, para ser trilha sonora do momento mais especial de nossas vidas. Eu sei que
deveria ter escolhido alguma do Switchfoot, a banda preferida dela. Mas quer saber? Essa é a
minha história e não um livro do Nicholas Sparks! Porque se fosse, certamente eu teria morrido
naquele acidente, então, quem escolhe a porra da trilha sonora, sou eu!
Ajoelho-me diante dela e retiro o anel do bolso, estendendo-o em sua direção. Sorrio ao vê-
la cobrir a boca com as mãos.
— Nora Sampaio, você sempre será amada. Quer se casar comigo?
— Sim, sim e sim! — Responde, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.
Levanto-me sorrio para ela, maliciosamente.
— Eu disse que era você quem estava tremendo... — provoco, admirando o quanto o anel
fica perfeito em seu dedo.
Nora me abraça e prendo meus braços em torno dela. A banda continua seu show, os
formados e convidados continuam seu baile e nós permanecemos ali, em um momento só nosso e de
mais ninguém.
Ao nos afastarmos, beijo-a mais uma vez antes de dizer falar em seu ouvido, tentando soar
mais alto que a música.
— Esse é um bom momento para irmos embora, borrar a sua maquiagem. Concorda?
Seu sorriso me diz tudo o que eu preciso saber.
Sim, ela concorda.
— Saindo à francesa em três, dois, um...
♥ FIM ♥
A AUTORA

Tara Lynn O'Brian é uma paranaense de vinte e sete anos, apaixonada por leitura. Recentemente aventurou-se na escrita e
publicou no Wattpad seu primeiro romance, intitulado “Indecente, imoral e perigoso”, que se tornou um sucesso na plataforma.
Do signo de Libra, Tara Lynn gosta de tranquilidade e estar perto da família lhe faz muito bem. Residente na cidade de Castro-PR,
ela vive com o marido e um cachorro. Gosta de manter a vida pessoal reservada, mas dedica boa parte do seu tempo
comunicando-se com os leitores que conquistou na internet.

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Explorar seus desejos mais secretos e desinibir sua sensualidade, não estava nos planos de Samanta quando chegou a casa
de seu pai, para uma semana de férias. Paco, o vizinho de sorriso sedutor e olhos negros carregados de cobiça, lhe recepcionou de
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— O que pretende fazer agora que sabe que sou solteiro e moro sozinho, Samy?
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