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Albano Macie, Direito Penal2
Albano Macie, Direito Penal2
ALBANO MACIE
DIREITO PENAL 2
PARTE GERAL
(II)
MAPUTO
2021
PARTE II
1
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Capítulo IV
ELEMENTOS ACIDENTAIS DO CRIME
100. Definição
Portanto, as circunstâncias são elementos que não compõem o crime e que, sendo
suprimidas, o crime continua a conservar a sua estrutura essencial. Então, as
circunstâncias influenciam na agravação ou atenuação da culpabilidade do
delinquente, isto é, alteram unicamente a sanctio júris cominada ao crime.
O artigo 46 do CP visa evitar o bis in idem, pois considerar como agravante uma
circunstância que já integra o crime como seu elemento constitutivo ou que o
qualificam seria valorar ou punir duas vezes o agente pelo mesmo facto.
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As circunstâncias judiciais de individualização da pena estão previstas no artigo 112 do Código
Penal.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Vamos neste trabalho adoptar os critérios classificativos vertidos na lei penal. Deste
modo, as circunstâncias modificativas podem ser, quanto à sua repercussão na
pena, agravantes e atenuantes (art.º 36 do CP). Por sua vez, as circunstâncias
modificativas agravantes e atenuantes podem ser ambas inerentes ao agente do
crime ou pessoais, portanto, subjectivas (art.º 37 do CP). Já as circunstâncias
agravantes podem ser inerentes ao facto incriminado, sendo, por isso, objectivas
(art.º 38 do CP). Mas nada obsta que uma circunstância agravante seja objectiva e
subjectiva ao mesmo tempo, o que faz que surjam as chamadas circunstâncias
mistas.
São ainda genéricas ou gerais, visto que se aplicam a todas as condutas criminosas,
excepto quanto aos crimes culposos, aos quais não se aplicam as circunstâncias
agravantes subjectivas por razão da sua incompatibilidade teórica e prática, pois
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Cfr PUIG, Santiago Mir, Derecho Penal, ob. cit., p. 629.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
A superação dos limites mínimos e máximos das molduras penais previstas para
cada tipo de crime só pode ocorrer nos casos de atenuação especial e agravação
extraordinária das penas, respectivamente.
Secção I
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Cfr PUIG, Santiago Mir, Derecho Penal, ob. cit., p. 645.
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Olhando para o artigo 413 do Código do Processo Penal, quanto aos requisitos da
sentença, esta deve, depois do relatório, indicar a fundamentação da decisão
tomada, enumerando os factos provados e não provados, bem como uma
exposição tanto quanto possível completa dos motivos de facto e de direito em que
assenta a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para
formar a convicção do tribunal (n.º 2).
Para dizer que uma sentença estará bem fundamentada se demonstrar que o juiz
tomou em conta todos os elementos, quer essenciais, quer acidentais do tipo de
crime cometido. Depõe ainda a favor desta posição o facto de que o artigo 116 do
CP manda o juiz agravar ou atenuar a duração da pena de prisão, antes de fixar a
sua duração máxima.
Mas se o juiz, por exemplo, ignorar as agravantes no todo ou em parte não poderão
colocar-se grandes problemas de nulidade da sentença?
A alínea c) do n.º 1 do artigo 418 do Código do Processo Penal (CPP) dispõe que a
sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que
devesse apreciar.
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Em termos concretos, estas duas circunstâncias agravarão a pena dentro dos limites
mínimo e máximo da moldura da pena aplicável, isto é, entre 16 e 20 anos.
Suponha-se que não concorre nenhuma outra agravante, nem atenuante a favor do
agente e o juiz aplicou a pena concreta de 16 anos de prisão ao mesmo.
Haverá aqui alguma nulidade da sentença pelo facto de o juiz não ter tomado em
consideração, nos termos do n.º 2 do artigo 112 do CP e da alínea c) do n.º 1 do
artigo 418 do CPP, as agravantes que, eventualmente, colocariam a pena concreta
em 17 anos?
Nesta situação é possível afirmar-se que não há problema, apesar de o juiz não ter
tomado em conta as agravantes, visto que a questão resolveu-se a favor do agente,
mas contra a sociedade e, como se sabe, a lei penal é a Constituição e garantia do
agente do crime contra os eventuais excessos do poder punitivo do Estado.
Portanto, neste caso, seria defensável um tal princípio de não coactividade de
aplicação das agravantes gerais. Mas para a sociedade parece dever-se atender as
agravantes.
Mas o mesmo não se pode dizer quanto às circunstâncias atenuantes. Estas devem
necessariamente ser tomadas em conta, sob pena de nulidade manifesta da
sentença, pois, constituem elementos preponderantes para a atenuação da
responsabilidade do agente e, consequentemente, para a fixação de pena menos
grave. São neste caso garantias do arguido que não podem ser postas em causa,
sob pena de nulidade da sentença. Aqui é defensável o princípio da
obrigatoriedade de apreciação das atenuantes.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
nosso artigo 160, alínea a). São os casos de Alemanha e, depois, recentemente,
Portugal (Ver § 212 (2) do Código Penal Alemão e art.º 132.º do Código Penal
Português, respectivamente).
O conceito de premeditação fixado no artigo 41 vale tanto para o artigo 40, alínea
a) como também para o artigo 160, alínea a). Portanto, é um conceito geral válido
para todo o Código Penal. O actual Código, ao tê-lo transferido da parte especial,
deu-lhe este carácter geral de modo expresso, a denotar da função dos
preceitos/princípios constantes da Parte Geral do Código Penal.
Ao abrigo do artigo 41 do CP, para que haja premeditação basta que, formalmente,
decorra um lapso de tempo mínimo de 24 horas de duração da decisão de cometer
o crime, sem o qual não se verificaria esta circunstância.
2.ª - O motivo fútil. – Diz-se fútil ”o motivo que, pela sua mínima importância, não
é causa eficiente para o crime”5. Motivo fútil é, de facto, uma causa insignificante,
mesquinha e manifestamente desproporcional em relação ao resultado, e que, ao
mesmo tempo, demonstra insensibilidade moral do agente. Por isso, o motivo fútil
é apreciado mediante as regras de experiência (id quod plerumque accidit.), daí
que o motivo fútil é, à luz de critérios de homem médio, irrazoável e, por isso, revela
um grau particular de perversidade do agente do crime. Normalmente, o nível
social e o estado dos agentes do crime devem ser tidos em conta na apreciação
pelo juiz do motivo fútil. Por exemplo, matar alguém por divergência inicialmente
originada por causa da posse de uma enxada e, posteriormente, em razão de
discussão acerca da bebida de aguardente no bairro matar alguém; ou matar
alguém por ciúme. Estas mortes seriam por motivo fútil. Mas o motivo fútil e a
4
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. cit., Vol. II, p. 296.
5
HUNGRIA, Nelson et al, Comentários ao Código Penal, Vol. V, 5.ª edição, GZ editora, 2018, p. 141.
8
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6
FRANCO, Alberto Silva et al, Código Penal …ob. cit., p. 992.
7
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. Cit., Vol. II, p. 377.
8
FRANCO, Alberto Silva et al, Código Penal …ob. cit., p. 997.
9
FRANCO, Alberto Silva et al, Código Penal …ob. cit., p. 999.
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Como diz MAIA GONÇALVES “Não é necessário que o crime fim tenha sido
consumado ou mesmo que se pratiquem actos de execução do mesmo. Basta que
a vontade do delinquente esteja dirigida ao crime fim, pois fica desde logo
verificado o pressuposto da agravação, ou seja a apontada particular
perversidade”10.
10
MAIA GONÇALVES, Manual Lopes, Código Penal …, ob. cit., p. 68.
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Considera-se idoso, para efeitos penais, o indivíduo que tenha atingido 60 anos, já
que esta idade atenua o facto criminoso (art.º 45, Circ. 3.ª do CP).
Enfermo é toda a pessoa que se encontra na situação de doença que lhe reduz a
capacidade física e de resistência, tornando-o presa fácil12.
11
Cfr artigos 24, 25 e 26 da Lei n.º 8/2008, de 15 de Junho, Lei da Organização Tutelar de Menores,
publicada no Boletim da República, I Série, n.º 28, Suplemento.
12
Cfr FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal, ob. cit., p. 352.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
13
Abel do Vale, Anotações, 107 apud MAIA GONÇALVES, Manual Lopes, Código Penal …, ob. cit., pp.
70-71.
14
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. cit., Vol. II, p. 361.
15
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. cit., Vol. II, p. 361.
16
Apud CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. cit., Vol. II, p. 362.
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Apud MAIA GONÇALVES, Manual Lopes, Código Penal …, ob. cit., p. 70.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
11.ª Por meio de veneno, instrumento ou arma cujo porte e uso for proibido. –
o uso de veneno, instrumento ou arma cujo porte e uso for proibido revela,
segundo Pacheco, uma grande barbaridade e feroz malvadez; provoca natural e
espontaneamente brados de indignação contra o agente de crime; revolta a
consciência pública; produz grande alarme na sociedade e pede severíssimo
castigo18. O veneno, em particular, é de difícil descoberta o que torna o seu
processo mais complexo, quando constitui um tipo legal de crime, no caso do
artigo 162 do CP, deixa de ser agravante.
A utilização de meios cuja posse e uso são proibidos por lei causa um mal para além
do próprio crime cometido pelo seu carácter insidioso do seu uso, tornando mais
eficaz a actuação do agente e reduzindo a capacidade de defesa da vítima. Os
meios, embora proibidos, podem ser utilizados por via de remoção da proibição,
através da concessão de licenças. Nestes casos não há acumulação de crimes, pois
o meio utilizado encontra-se na posse do seu legítimo titular por força da licença,
mas não havendo licença, dar-se-á a acumulação de crimes entre o cometido
através dos meios proibidos e o de uso de meios proibidos.
18
Apud MAIA GONÇALVES, Manual Lopes, Código Penal …, ob. cit., p. 71.
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17.ª Em estrada ou lugar deserto. – Esta circunstância tema a ver com o lugar de
cometimento da infracção. É uma circunstância relativa à ilicitude do facto e,
portanto, comunicável aos comparticipantes. Em relação ao facto de o crime ser
cometido na estrada, o legislador quis sancionar ainda mais o facto de o crime ter
sido cometido com publicidade (não confundir publicidade com crime público,
pois este facto tem a ver com a titularidade ou procedibilidade da acção penal),
afectando a segurança e tranquilidade públicas; em relação ao lugar deserto é o
mesmo que o crime foi cometido em lugar ermo, o que pode tornar reduzida a
19
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, ob. cit., Vol. II, pp. 365-366.
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19.ª Por qualquer meio de publicidade ou para que a sua execução possa ser
presenciada, nos casos em que a gravidade do crime aumente com o
escândalo da publicidade. – É uma circunstância relativa à ilicitude do facto, sendo
comunicável aos comparticipantes. A publicidade é uma circunstância que
aumenta a gravidade do crime e cria maior dano na esfera social.
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autoridade previstos nos artigos 415 e seguintes do Código Penal. No fundo, trata-
se de violação de deveres profissionais do cargo, ou de condição de patrão nas
relações de trabalho doméstico ou de quem acolhe outros em sua casa. É uma
circunstância que só pode ser aplicada a quem tenha autoridade ou fazendo
prevalecer a qualidade de empregador doméstico ou acolhedor.
20
FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal, ob. cit., p. 1006.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
a) Conceito da reincidência
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1.º - o delinquente sofre a agravação da pena de modo pouco justo, visto que nem
sempre o reincidente é o delinquente mais perverso, nem mais culpável, nem o
mais perigoso em confronto com o primário21, por exemplo, um autor primário de
assassinatos em série ou de várias violações pode ser mais perigoso que um autor
de ofensas corporais simples, embora reincidente nessas ofensas corporais.
2.º - o Estado, titular do poder punitivo, não deixa de ser um dos estimuladores da
reincidência na medida em que não tem estabelecimentos prisionais adequados
para a ressocialização dos condenados e, ao invés de os condenados tornarem-se
bons homens, tornam-se nas prisões verdadeiros homens de crimes. Assistimos
hoje crimes cometidos a partir das cadeias nacionais.
3.º - olhando para o princípio da legalidade, que proíbe a dupla punição do agente
pelo mesmo facto, o tal ne bis in idem, a reincidência ao exigir a condenação em
crime anterior e da mesma natureza, embora antes de passados oito anos, está a
punir duas vezes a mesma pessoa pelo mesmo facto, o que põe em causa a
constitucionalidade desta circunstância agravante. A dupla valoração dos factos
atenta, por isso, ao princípio da reserva da lei prescrito pelo artigo 60 da
Constituição e o nosso direito penal é ainda direito penal do facto e não do autor
do crime. Um mesmo facto não pode ser tomado em consideração com plurais
efeitos fundamentadores ou agravatórios da responsabilidade mesmo porque a
sanção repetida de uma mesma conduta possibilita uma inadmissível reiteração no
exercício do ius puniendi do Estado (DIAS PABLO). O princípio da legalidade não
admite, em caso algum, a imposição de pena superior ou distinta da prevista e
assinalada para o crime e que a agravação da punição, pela reincidência, faz no
21
Cfr JESCHEK, Hans Heinrich, Tratado de Derecho Penal, ob. cit., Vol. I, p. 812.
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fundo com que o delito anterior surta efeitos jurídicos duas vezes22 (QUINTERO
OLIVARES).
b) Requisitos da reincidência
Em relação aos requisitos, a reincidência, conforme o artigo 42 do CP, pode ter três
elementos, um passado, um presente e outro relacional23.
3.º - elemento relacional. Para que haja reincidência, é preciso que haja uma
relação entre os crimes anteriormente condenados com trânsito e julgado e os
22
Cfr FRANCO, Alberto Silva et al, Código Penal …ob. cit., p. 1019.
23
Cfr PUIG, Mir, Derecho Penal, ob. cit., pp. 654-656.
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cometidos no momento presente: (i) devem ser da mesma natureza; (ii) e entre eles
não terem decorridos oito anos (n.º 1 do art.º 42 do CP).
Esta polémica doutrinal sobre a interpretação do que seja crime da mesma natureza
está longe de acabar. Podemos concluirmos que para nós são crimes da mesma
natureza os que têm essencialmente os mesmos elementos constitutivos.
Não se pode confundir crimes da mesma natureza com crimes da mesma espécie.
Por exemplo, o crime de roubo e de furto são da mesma natureza, mas não são
crimes da mesma espécie, tendo cada uma definição legal autónoma e estrutura
jurídica diversa.
São ainda da mesma natureza ainda que não tenham sido consumados ambos ou
alguns deles (n.º 5) e o facto de ter sido o agente autor de um dos crimes e cúmplice
do outro não exclui a reincidência (n.º 4)
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
uma delas, não se somam as penalidades derivadas de cada uma delas, mas sim
agrava-se o crime em função da circunstância qualificativa mais grave, no caso a
reincidência, e apreciam-se as restantes agravantes como circunstâncias de
carácter geral (art.ºs 120 e 121 do CP);
1.º - Se ao crime cometido for aplicável a pena de prisão superior a 2 anos. Neste
caso, o limite mínimo é de dois anos e o máximo de 30 anos, que, em nenhum caso,
pode ser ultrapassado este último limite (n.º 2 do art.º 61 do CP). A agravação por
reincidência nestes casos será igual a metade da diferença entre os limite máximo
e mínimo.
Por exemplo, A cometeu, em 2021, o crime de rapto, previsto e punido nos termos
do art.º 197, n.º 1 do CP, com a pena abstracta de 16 a 20 anos de prisão. Imagine-
se que A, em 2105, tinha sido condenado por sentença com trânsito em julgado a
uma pena de 2 anos de prisão pelo cometimento do crime de sequestro. Como é
de notar, de 2015 a 2021, não passam oito anos e o crime, olhando ao capítulo de
enquadramento e alguns dos seus elementos constitutivos, podemos concluir que
são da mesma natureza, o que é dizer que estamos em sede de reincidência.
- Então, passamos a ter uma nova moldura já agravada. Deste modo pelo crime de
rapto cometido por A, de 16 a 20 anos, agravado com o valor da reincidência passa
a ser abstractamente de 18 a 20 anos.
Em relação à segunda parte do n.º 1 do art.º 130 do CP, que diz que “A medida da
agravação pode, no entanto, ser reduzida, se as circunstâncias relativas à
personalidade do agente o aconselharem, a um aumento de pena igual à duração
da pena aplicada na condenação anterior”. Aqui trata-se de uma faculdade que a
lei atribui ao juiz, tendo em conta o caso concreto e nele a personalidade do agente
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
2.º - Se a pena aplicável ao crime cometido for de prisão até 2 anos. Isto é, a pena
for entre 3 dias e 2 anos, a agravação consiste em aumentar o máximo e o mínimo
da pena de metade da máxima da pena aplicável (n.º 2 do art.º 130 do CP). O que
isto quer dizer?
Isto quer dizer que:
- primeiro divide-se o limite máximo da moldura penal por dois. Por exemplo, se
alguém comete o crime de sonegação ou ocultação de cadáver, previsto e punido
pelo art.º 186 do CP, a pena abstracta será de 3 meses a 2 anos. Assim, o limite
máximo será dividido por dois e teremos que a agravação é de 2:2= 1 anos.
Mas qual seria a razão de desvio do critério anterior? a interpretação que tem sido
seguida é a de que o n.º 2 deve interpretar-se no sentido de que mesmo nos casos
de reincidência, a pena de prisão até dois aos não pode exceder o limite de dois
anos24. Neste sentido, a agravação por reincidência, quando a pena não ultrapassa
dois anos seria sempre aumentado o limite mínimo, depois de calculada a metade
do limite máximo da moldura. No caso do nosso exemplo, teríamos 3 meses + 1
ano de agravação e passaríamos a ter nova moldura de 1 ano e três meses a 2 anos.
Ma não nos parece que se deva manter esta interpretação, apesar de fazer carreira,
desde há muito, por dois argumentos de fundo:
- o actual Código Penal eliminou a distinção anterior entre penas correcionais, que
iam até ao máximo de 2 anos e penas maiores que partiam de 2 anos em diante,
em molduras abstractas diversas até 24 anos (art.ºs 61 e 62 do CP de 2014 e art.º
57.º do CP de 1886). Portanto, a compartimentação de penas, em maiores e
menores ou correccionais deixou de fazer sentido, o que retira qualquer pretensão
de evitar que o limite máximo da pena correcional seja ultrapassado.
24
MAIA GONÇALVES, Manual Lopes, Código Penal …, ob. cit., p. 201. No mesmo sentido anui esta
interpretação o Professor Eduardo Correia, Direito Criminal, ob. cit., p. 193.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
- o Legislador ao utilizar critérios diversos entre o n.º 1 e o n.º 2 do mesmo art.º 130,
quis ele que de facto na reincidência fosse observada a regra de adição nos dois
limites.
Portanto, em nossa opinião, a medida de agravação por reincidência será
aumentada, quer no limite mínimo, quer no limite máximo, respeitando o
textualismo legal que diz expressamente que “consiste em aumentar o máximo e o
mínimo da pena”. No nosso caso, como a medida de agravação por reincidência é
de 1 ano, então teremos que a moldura de 3 meses a 2 anos passa para 1 ano e
três meses a 3 anos (3 meses + 1 ano a 2 anos + 1 ano).
Sendo a pena por contravenção uma multa, que é a lógica que decorre do artigo
39, segundo o qual «a responsabilidade penal por contravenção é agravada ou
atenuada em função (…) da situação económica do agente …», a sua agravação faz-
se aumentando para o dobro os limites da pena, na primeira reincidência. Por
exemplo, a pena de multa vai de 3 dias a 2 anos a uma taxa de diária de 1 a 5 salários
mínimos (art.º 87, n.º 1 do CP). Então a agravação será 3 dias x 2 a 2 anos x 2= 6
dias a 4 anos de multa, mantendo-se a taxa diária de 1 a 5 salários mínimos por dia.
Este regime do artigo 43 estudámo-lo no Vol I, parte geral 1 destas lições, ver n.º
98.2, por ser uma forma de aparecimento do crime quanto ao número de infracções
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Nos termos do n.º 1 do artigo 124 do CP, se o agente cometeu mais de um crime
antes de ser julgado ou antes de a sentença transitar em julgado, é aquele
condenado numa única pena, sendo a pena determinada de acordo com os factos
e a sua personalidade.
Para a aplicação de única pena, o n.º 1 do art.º 124 do CP exige dois requisitos:
25
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, Parte Geral II, As consequências jurídicas do
crime, 4.ª reimpressão, Coimbra editora, Coimbra, 2013, p. 291.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
dias para o processo especial (art.º 466, n.º 1 do Código do Processo Penal). Neste
caso, a decisão judicial transitou em julgado exactamente porque esgotou-se o
prazo dentro do qual devia ter interposto o recurso;
- é ainda definitiva a decisão judicial que tenha sido tomada pelo tribunal de última
hierarquia na ordem jurisdicional ordinária, desde que tenha sido objecto de
recursos sucessivos;
Ao abrigo do n.º 2 do art.º 124 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a
soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, no caso
de prisão, ultrapassar 30 anos; e como limite mínimo a mais elevada das penas
concretamente aplicadas aos vários crimes.
Segundo a primeira parte do n.º 2 do art.º 124, o limite máximo da moldura penal
pelo concurso de crimes é o somatório das penas concretas dos crimes cometidos.
Assim, será pena do crime 1+pena de crime 2 + pena do crime 3 = 15 + 12 + 5 =
32 anos, como limite máximo.
Contudo, diz esta primeira parte do n.º 2 do art.º 124 que o somatório das penas
não pode ultrapassar 30 anos. Como no nosso exemplo ultrapassou-se 30 anos,
deve ser reduzida para o limite absoluto de 30 anos porque de acordo com o n.º 2
do art.º 61 do CP, na República de Moçambique, em caso algum, a pena de prisão
pode ser superior a 30 anos. Deste modo será 32-2= 30 anos como limite máximo
da pena abstracto do concurso de crimes.
26
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Com esta solução legal, de escolher a pena mais grave, evita-se desde logo a
atenuação da responsabilidade do agente em relação ao crime singular
gravemente punido.
Mas para se chegar ao sistema de cúmulo jurídico previsto no n.º 1 do artigo 124,
parece o legislador ter optado no n.º 2, primeira parte, deste artigo 124, por uma
viagem preparatória através do sistema de cúmulo material para o cálculo do limite
máximo da moldura penal abstracta do concurso, ao mandar somar as penas
concretas de cada crime, só que este sistema de cúmulo material é limitado aos
trinta anos, como produto absoluto intransponível. Em relação ao cálculo do limite
mínimo da moldura penal abstracta do concurso, o legislador parece ter optado
por um sistema agregado entre o de absorção e o de exasperação, visto que o limite
mínimo é a pena mais grave entre os crimes em concurso concretamente
determinada.
26
Cfr nestes termos, no caso português, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de
2011, Processo n.º 2/03.5GBSJM.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf. Consultado em Agosto
de 2021.
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ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Reza o n.º 3 do art.º 124 do CP que “Se as penas concretamente aplicadas aos
crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única
pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, e
uma única de multa considerando-se a regra do acúmulo material”. Deste modo, se
concorrerem para os factos cometidos em concurso, penas de prisão e de multa,
há que fazer duas operações de fundo:
Outra situação é a prevista no artigo 123 do CP, quando o mesmo facto constitui
simultaneamente crime e contravenção. Nesta situação, há acumulação de crime e
uma contravenção, sendo o agente punido a pena correspondente ao crime
praticado e relativamente à contravenção, sendo lhe aplicado as sanções acessórias
correspondentes à contravenção, por exemplo, a multa, a suspensão de um certo
direito subjectivo público.
27
Nestes termos, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2011, Processo n.º
2/03.5GBSJM.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf. Consultado em Agosto de 2021
28
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
O n.º 4 do art.º 124 do CP dispõe a propósito que “As penas acessórias e as medidas
de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das
leis aplicáveis”.
Sobre este ponto há que referir que as penas acessórias, desde que não sejam
incompatíveis entre si podem ser acumuladas. Por exemplo, pode ser acumulada a
regra de conduta relativa a não frequência a certos lugares e de suspensão de
exercício de certas funções (art.ºs 80 e 81 do CP).
Diz o n.º 1 que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar
que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes,
são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida
descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”
28
Ver MOUTINHO, Lobo, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da
Faculdade de Direito da Universidade Católica, 2005, p. 1324.
29
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
transitada em julgada foi ou não por concurso de crimes, basta somente haver
condenação anterior, seja por simples crime ou por vários crimes.
O segundo requisito é de natureza temporal, pois deve “se mostrar que o agente
praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes” . isto é, o crime
que dá lugar ao concurso superveniente deve ter sido cometido antes da
condenação transitada em julgado, o que quer dizer que este crime escapou, no
tempo do julgamento dos restantes, à Administração da Justiça.
Embora não conste do n.º 1 do artigo 125 do CP, como requisito de conhecimento
superveniente do concurso, para que o regime seja viabilizado é preciso que o
tribunal anule ou desconheça a condenação anterior, o que permitirá a formação
de uma nova pena conjunta, através da aplicação do regime definido no artigo 124,
corrigindo, deste modo, a condenação anterior. Coisa diversa é o agente cometer
novo crime depois de condenação transitada em julgado, pois aqui a situação já
não é a de concurso de crimes, mas a de reincidência, desde que observado o
limite temporal exigido.
30
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
conjunta ou global, pois são figuras claramente distintas e com regime diverso, no
caso o concurso de crimes e a reincidência29.
Se o agente estiver a cumprir a pena anterior, nos termos da parte final do n.º 1 do
art.º 125 do CP, o tempo cumprido será descontado na nova pena conjunta. O
conhecimento superveniente do concurso sempre implicará o aumento da pena
anterior.
Quando, nos termos do artigo 74 do CP, a pena de multa não paga tenha sido
convertida em prisão subsidiária, não é base para se afirmar o concurso
superveniente dada a sua natureza diferenciada e pelo facto de esta prisão não ser
equivalente à pena de prisão, atento ao facto de que esta prisão pode cessar a
qualquer momento com o pagamento da respectiva multa ou por outro motivo
relevante para não imputar a culpa ao agente.
Ao abrigo do n.º 1 do art.º 126, o crime continuado é punível com a pena aplicável
à conduta mais grave que integra a continuação criminosa. Trata-se de acolhimento
29
Cfr DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, Parte Geral II, As consequências jurídicas do
crime, ob. cit., p. 293; ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica,
2015, p. 247.
31
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Secção II
Circunstâncias atenuantes
Quanto à sua natureza, pode dizer-se, repetimos, que são estas enumeradas no
artigo 45 do CP de forma exemplificativa. Isto é, o tribunal pode, para além das
circunstâncias previstas na lei penal, estabelecer outras atenuantes, desde que
relevantes para a diminuição da responsabilidade do agente, sejam anteriores ou
posteriores ao crime.
32
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
seu meio. O bom comportamento deve ser anterior à prática do crime para que
esta circunstância seja relevante.
3.ª - Ser menor de dezoito ou maior de sessenta anos. Em regra, nos termos do
n.º 2 do art.º 131 do CP, aos menores de 18 anos ao tempo de perpetração do
crime, nuca lhes será aplicada pena mais grave do que a de 8 anos de prisão. Em
relação aos idosos superiores a 60 anos, a pena será atenuada de modo geral, o
que quer dizer que lhe pode ser aplicada qualquer pena, dependendo do crime
cometido, sem embargo de atenuação especial conforme as circunstâncias do caso
concreto.
33
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
4.ª - Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte
tentação ou solicitação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa
imerecida.
34
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
30
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, II, ob. cit., p. 383.
31
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, II, ob. cit., p. 383.
32
Cfr. DURA; Carlos Clement, La Prueba penal, Tomo I, 2.ª ed., p. 377.
33
No período do Império Romano, a confissão era geralmente considerada prova bastante,
admitindo-se o recurso ao tormento para a conseguir. Posteriormente, na Idade Média, com as leis
canónicas, onde passou a ser encarada como manifestação de arrependimento, exigia-se que
fosse obtida a todo o custo. Generalizou-se o recurso ao tormento físico e psicológico,
ganhando a doutrina da confissão uma enorme
Autoridade (MITTERMAIER).
35
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
O arrependimento deve ser livre e sincero, mostrando-se útil, não apenas do ponto
de vista da administração da justiça, dos ofendidos e das vítimas, mas como
também do ponto de vista da reintegração social do agente. Não vale um
arrependimento sem que seja acompanhado pelos reais factos dos quais se
arrepende, pois só um sério arrependimento pode comover o tribunal,
independentemente de lamentações, choros ou lamúrias em tribunal.
O arrependimento, desde que sincero, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 118
do CP, é causa de atenuação especial das penas.
34
Cfr. DEVESSA, José Maria, Derecho Penal Español. Parte General, Madrid, 1977, p. 683.
35
PUIG, Mir, Leciones de Derecho Penal, 1983, p. 352.
36
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
13.ª - Ter o agente cometido o crime para se desafrontar a si, ao seu cônjuge,
ascendente, descendente, irmãos, tios, sobrinhos ou afins nos mesmos graus,
adoptante ou adoptado de alguma injúria, desonra ou ofensa, imediatamente
36
CUNHA, José António Rodrigues da, “A colaboração do arguido com a justiça – a confissão e o
arrependimento no sistema penal português”, in Julgar, n.º 32, Almedina, 2017, p. 66-68.
37
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
14.ª - Súbito arrebatamento despertado por alguma causa que excite a justa
indignação pública. Esta circunstância supõe que o agente foi arrastado ao
cometimento de crime por uma causa externa que acirrou a repulsa do público.
Sem tal acontecimento, o crime não teria sido cometido. É uma circunstância
subjectiva e, portanto, de natureza pessoal.
17.ª - O excesso da legítima defesa. A legítima é, nos termos do artigo 51, n.º 1,
alínea b), causa de exclusão da ilicitude, desde que verificados os respectivos
requisitos previstos no artigo 53 do CP. Quando o defendente ultrapassa
conscientemente os limites de uma defesa permitida por lei pelo uso de meios de
defesa desproporcionais, sendo, portanto, a legítima defesa ilícita e dolosa. Assim,
a acção de excesso de legítima defesa é punível, funcionando, agora, o excesso
como atenuadora da culpa do agente no excesso.
37
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, II, ob. cit., p. 385.
38
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
21.ª - Ter o agente agido sob temor reverencial. É uma circunstância relativa à
culpa do agente, pois este agiu com impulso de sentimento ou consciência. O
temor reverencial é o receio de desgostar o pai, a mãe, os superiores, sejam
hierárquicos, sejam de ordem religiosa, a quem se deve respeito. Portanto, o temor
reverencial afecta a vontade do agente na sua capacidade de determinação na
prática do facto.
PARTE III
Capítulo I
38
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Vol. II, ob. cit., p. 388.
39
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Questões gerais
40
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
1.º - O direito à vida é, desde logo, inviolável e indisponível. A sua primeira garantia,
através da Constituição penal, é a proibição da pena de morte, por ser incompatível
com a dignidade da pessoa humana. Eis o enunciado do n.º 2 do artigo 40 da
Constituição, retomado pelo n.º 1 do art.º 60 do CP. Em Moçambique, pois
independência, tendo em conta o regime prevalecente, há indícios de ter havido
legislação que admitisse a pena de morte contra os crimes de sabotagem
económica e banditismo, em particular, desde 1979 até 1990, ano de transição
constitucional39. Desde a Constituição de 1990, ficou definitivamente clara a
negação da pena de morte, pois esta traduz-se na negação do direito humano à
vida, independentemente da natureza mais grave do delito cometido pelo agente.
O grande problema que tem sido arrolado que milita contra a pena de morte é o
facto de que esta, quando executada, tem natureza irrevogável e definitivo,
sabendo-se, de antemão que haverá sempre um risco de se condenar à pena de
morte inocentes ou que sobre eles ainda pairam certas dúvidas de terem
cometidos os crimes pelos quais serão executados; a pena de morte não constitui
também motivo impeditivo de cometimento de crimes mais graves, quando
comparada com a pena de prisão. Portanto, como tem sido proclamado, a pena de
morte não é solução para a violência, mas sintoma de uma cultura de violência. A
pena de morte é proibida internacionalmente pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas de 1948.
2.º - A integridade física e moral das pessoas é também inviolável, do que resulta
que nenhum indivíduo, no ordenamento jurídico nacional, pode ser submetido à
tortura, tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos40. Moçambique, através da
Resolução n.º 8/91, de 20 de Dezembro41, da Assembleia da República, ratificou a
Convenção da Organização das Nações Unidas, de 1984, contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A Convenção contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes não só
39
A Lei n.º 5/83, de 31 de Março, sob nome de “pena de chicotada como medida punitiva e educativa
aos autores, cúmplices e encobridores de vários crimes, consumados, frustrados ou tentados”,
estabelecia nos artigos 1, 3 e 4 o seguinte em relação à pena de morte: “A pena de chicotada será
aplicada aos autores, cúmplices e encobridores dos seguintes crimes …: a) crime contra a segurança
do Povo e do Estado; b) Candonga em todas as suas formas, nomeadamente, especulação e
açambarcamento…; c) Assalto a mão armada…; d) Roubo;…”; “Não se aplicará a pena de chicotada
quando o criminoso tiver sido condenado a pena de morte” e “A pena de chicotada será de três a trinta
chicotadas por série, podendo aplicar-se até ao limite de três séries espaçadas por períodos não
inferiores a oito dias”, respectivamente. Esta lei foi revogada em 1989 através da Lei n.º 4/89, de 18 de
Setembro.
40
Sobre a tortura, ver nosso estudo apresentado no Curso de Doutoramento em Direito e Segurança,
na disciplina de Direito Penal, regida pela Professora Teresa Pizarro Beleza, na Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2016.
41
A Resolução foi publicada no BR n.º 51, I Série, Suplemento, de 20 de Dezembro de 1991.
41
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
obriga os Estados Partes a proibirem a prática da tortura nos termos da sua lei
interna, mas consagra explicitamente que nenhuma ordem de um superior ou
circunstância excepcional poderá ser invocada para justificar a sua prática.
42
Cfr n.º 1 do art.º 59 da Constituição, que dispõe sobre o direito geral de liberdade.
42
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Sendo a pena perpétua uma pena de natureza fixa, que não pode variar de acordo
com a medida da culpa do agente perante o agir criminal, será ela sempre
imperfeitamente retributiva, pelo que haveria que demonstrar a necessidade dessa
limitação do princípio da culpa. É tida como constitucionalmente desnecessária de
ponto de vista de prevenção geral. Finalmente, a pena perpétua tira todo o sentido
racional que a execução de qualquer pena deve ter. A recuperação do delinquente
é uma obrigação do Estado na medida do possível e a Constituição,
independentemente da questão filosófica do livre arbítrio e do determinismo,
obriga as entidades públicas e privadas a tratarem as pessoas como livres e,
portanto, susceptíveis de escolherem o bem e de se recuperarem para a
sociedade43.
Por fim, dispõe o número 3 do art.º 60 do Código Penal, que «As penas não são
transmissíveis», para reafirmar o carácter pessoal da responsabilidade penal, no
sentido de que as penas e medidas de segurança devem recair sobre a pessoa do
agente que cometeu a infracção penal. Toda a reprovação penal tem como base
axiológico-normativo referencial a culpa do agente, reportando-se à pessoa
singular, à pessoa física, o homem, enquanto ser dotado de razão e liberdade de
determinação, sem prejuízo das excepções quanto à responsabilidade das pessoas
colectivas privadas.
111. Fins das penas e das medidas de segurança (Ver n.ºs 40-44 do Vol. I)
Embora estudados no Volume 1 deste Manual os fins das penas, nada pode nos
coibir de deixar alguns pontos essenciais sobre a temática. Com a aplicação das
penas e medidas de segurança assegura-se a protecção de bens jurídicos
43
Cfr Acórdão n.º 1/2001, Processo n.º 742/99, do Tribunal Constitucional Português.
44
Cfr Acórdão n.º 04/CC/2013, de 17 de Setembro.
43
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
- a pena tem como função reestabelecer a paz jurídica perturbada pelo crime
cometido, fortalecendo a confiança da comunidade na capacidade de execução e
vigência da ordem jurídica e, portanto, a fé da colectividade no Direito (prevenção
geral positiva); visa a pena também dissuadir os potenciais delinquentes que
integram a comunidade de cometer novos ilícitos penais, intimidando-os
(prevenção geral negativa);
- a pena, actuando sobre próprio delinquente, visa evitar que o agente cometa
novos crimes, ressocializando-o em termos tais que permitam demovê-lo de
reincidir.
45
Cfr n.º 1 do art.º 59 do CP.
46
Cfr n.º 2 do art.º 59 do CP.
47
Cfr n.º 3 do art.º 59 do CP.
48
MACIE, Albano, Manual de Direito Penal, Parte Geral 1, Maputo, 2021, pp. 120-129.
49
Ver nosso Manual Vol. I, pp. 41-52.
44
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
50
Cfr Acórdãos n.ºs 574/95, 958/96, 329/97 e 108/99 do Tribunal Constitucional Português.
45
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
Segundo este princípio, nenhuma pena determinada por lei para certo tipo de
crime pode ser substituída por outra ou deixar de ser aplicada por vontade do
tribunal ou de outras autoridades competentes, senão por indicação expressa da
própria lei (art.º 66 da CP). Mas este princípio não prejudica os casos legalmente
previstos de perdão judicial ou prescrição.
Nos termos do artigo 59, n.º 3 da Constituição, nenhum cidadão pode “… ser
punido com pena não prevista na lei ou com pena mais grave do que a estabelecida
na lei no momento da prática da infracção criminal”. Este princípio tem duas
nuances:
1.ª – o juiz deve aplicar ao arguido a pena mais branda, quando tenha havido
sucessão de leis antes de ocorrer ou durante o julgamento, o que quer dizer que (i)
se a pena mais branda estiver na lei nova, independentemente de o crime ter sido
cometido na vigência da lei anterior, a pena aplicável será a prevista na lei nova por
ser mais benéfica (princípio da retroactividade da lei penal mais benéfica); (ii) se a
pena mais benéfica for a prevista na lei da prática do crime, independentemente
de estar em vigor uma nova legislação no momento do julgamento, a pena
aplicável é a da lei anterior;
2.ª – se a lei nova for mais benéfica, quanto às reacções criminais, ao regime do seu
cumprimento, esta deve ser aplicada, destruindo-se o caso julgado, em benefícios
dos agentes já condenados em penas mais graves previstas em lei anterior. Mais
ainda, se a nova lei eliminar das incriminações certos factos, então todos os
condenado anteriormente devem ser restituídos a sua liberdade (art.º 7 da Lei n.º
24/2019, que aprova o Código Penal).
Segundo este princípio, o agente não pode ser julgado mais do que uma vez pela
prática do mesmo crime (n.º 1 do art.º 60 da Constituição). Este princípio evita
desde logo a aplicação de mais de uma pena pelo mesmo facto.
46
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
De acordo com este princípio, “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a
perda de direitos civis, profissionais ou políticos, nem priva o condenado dos seus
direitos fundamentais, salvo as limitações impostas por lei inerentes ao sentido da
condenação e as exigências específicas da respectiva execução” (art.º 79 do CP, no
mesmo sentido n.º 3 do art.º 61 da Constituição). Portanto, os efeitos da
condenação em certa pena não são automáticos, devendo ser determinados pelo
julgador na sentença, embora se admita que este operem também ope legis (art.º
134 do CP).
Capítulo II
Secção I
47
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
No passado Código Penal de 2014, o limite máximo absoluto era de 40 anos, fruto
de agravação extraordinária da pena para certos casos expressamente previstas
naquela lei, como nos casos de agravação extraordinário quanto aos delinquentes
habituais e por tendência, bem como aqueles que cometiam os chamados crimes
hediondos (art.º 118).
Da leitura da parte geral e especial do Código Penal, resulta que as penas de prisão
podem ser fixadas em dias, meses e anos. Deste modo, com recurso ao artigo 279.º
do Código Civil e à doutrina51, podemos fixar as seguintes regras de contagem do
prazo da pena de prisão:
A prisão pode ser fixada, ao mesmo tempo, em dias, meses e anos, devendo
observar-se as regras acima expostas.
Nada obsta que o prazo seja contado com interrupções, sendo que estas serão
sempre compensadas e, tais casos ocorrem nas situações em que a prisão não é
cumprida de forma contínua.
51
Cfr SANTOS, M. Simas e HENRIQUES, M. Leal, Noções …, ob. cit., p. 172.
48
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
- dignidade da pessoa humana, segundo o qual o agente deve ser tratado como
ser humano que goza, naturalmente, de direitos consagrados na Constituição, nas
leis e no Direito Internacional; não pode ser submetido a uma execução desumana,
cruel, nem ser submetido a maus tratos. O agente já não é sujeito processual, é sim,
na fase de execução, um sujeito de direitos e deveres de natureza substantiva (art.º
5);
52
Publicada pelo Boletim da República, n.º 250, I Série, de 26 de Dezembro de 2019.
49
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
- Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade
do ser humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou
a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais
atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância;
- Não deve haver nenhuma discriminação em razão da raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, património,
nascimento ou outra condição. É necessário respeitar as crenças religiosas e os
preceitos morais do grupo a que pertença o recluso. Para que o princípio da não
discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem ter em
conta as necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em
situação de maior vulnerabilidade. As medidas tomadas para proteger e promover
os direitos dos reclusos portadores de necessidades especiais não serão
consideradas discriminatórias;
- A detenção e quaisquer outras medidas que excluam uma pessoa do contacto com
o mundo exterior são penosas pelo facto de, ao ser privada da sua liberdade, lhe ser
retirado o direito à autodeterminação. Assim, o sistema prisional não deve agravar
o sofrimento inerente a esta situação, excepto em casos pontuais em que a
separação seja justificável ou nos casos em que seja necessário manter a disciplina;
50
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
pessoas na sociedade após a sua libertação, para que possam levar uma vida auto-
suficiente e de respeito para com as leis;
- Nenhuma pessoa deve ser admitida num estabelecimento prisional sem uma
ordem de detenção válida. As seguintes informações devem ser adicionadas ao
sistema de registo do recluso, logo após a sua admissão: (a) informações precisas
que permitam determinar a sua identidade, respeitando a autoatribuição de género;
(b) os motivos da detenção e a autoridade competente que a ordenou, além da data,
horário e local de prisão; (c) a data e o horário da sua entrada e saída, bem como de
qualquer transferência; (d) quaisquer ferimentos visíveis e reclamações acerca de
maus tratos sofridos; Um inventário dos seus bens pessoais; (f) os nomes dos seus
familiares e, quando aplicável, dos seus filhos, incluindo a idade, o local de
residência e sua custódia ou tutela; (g) contato de emergência e informações acerca
do parente mais próximo;
53
N.º 2 do art.º 67 do Código Penal.
51
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
- homicídio doloso;
- violação de menor;
- violência física grave cometida contra cônjuge, pessoa com quem viva como tal,
ex-cônjuge, parceiro ou ex-parceiro, namorado ou ex-namorado e familiar;
52
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
A pena de prisão pode ser substituída, em certos casos, pela pena não privativa de
liberdade. É uma medida que coloca em prevalência a dignidade da pessoa
humana, quando cumulativamente (art.º 68 do CP):
1.º - o réu seja primário. Um réu primário é todo aquele que comete o facto
criminoso pela primeira vez, ou melhor, aquele que nunca tenha sido condenado
judicialmente por sentença transitada em julgado. Todo aquele que tenha sido
mencionado na instrução preparatória, sem indicação de qualquer resultado de
condenação judicial transitada em julgado não deixa de ser réu primário. Vale dizer
que é também réu primário todo o acusado que pela primeira vez responde a um
processo penal, ou mesmo respondendo ao segundo ou terceiro processo, mas
que nunca foi anteriormente condenado com transito em julgado.
2.º - proceder à restituição dos bens de que se tenha apropriado, se for o caso;
ou tiver reparado totalmente os danos e prejuízos causados à vítima ou à
comunidade com a prática do crime ou; no caso de reparação parcial, assumir
a continuação da reparação ainda em falta no prazo e condições judicialmente
fixados. Este pressuposto inclui três hipóteses de aplicação alternativa:
53
ALBANO MACIE, DIREITO PENAL 2, PARTE GERAL (II)
54