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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO

Direito Agrário
PARECER JURÍDICO
Turma: 402017

Beatriz dos Santos Pastana - 201706140167


Dayanni Michely Batista de Lima - 201706140135

Belém-PA
Junho 2021
PARECER JURÍDICO

Processo nº: 02.081108.2021


Requerentes:
Consultoras: Beatriz dos Santos Pastana
Dayanni Michely Batista de Lima

DOS FATOS:

O certame trata da situação da Companhia Paraense de Compensados


que ajuizou no dia 05 de novembro de 2020 uma ação de Reintegração de Posse
contra José Salvador da Rosa e sua mulher, sob a argumentação de que é
proprietária do imóvel esbulhado.
Conforme documentação juntada aos autos, a parte autora comprovou o
domínio da área e não produziu provas testemunhais, e apresentou cópia
autenticada da carteira de trabalho do Sr. José Salvador, com o intuito de comprovar
que o mesmo trabalha como guarda noturno em uma loja no centro comercial da
cidade, e por esta razão, não pode ser caracterizado como posseiro (fls 16-22).
Os requeridos, José Salvador da Rosa e sua mulher, contestaram as
informações apresentadas pela parte autora, e arguiram a prescrição aquisitiva
(usucapião especial rural, art. 191, CF) juntando o documento de fls. 14.
Os réus comprovaram que se trata de imóvel rural, com área de 50 hectares,
e produziram provas testemunhais, arrolando Ângelo Batista Filho e Luiz Antônio de
Luca, escrito no INCRA sob o n.º 809.099.001.899, os quais o imóvel possui limites
ao norte e ao sul, respectivamente.
Alegam os réus ainda, que o referido imóvel está em sua posse desde o dia
03 de janeiro de 2015, tendo supostamente em defesa a caracterização do
usucapião constitucional previsto no art. 191, da Constituição Federal, possuindo 50
hectares e estando residindo com a mulher e os quatro filhos desde 1995 no imóvel
rural, onde produzem para sua subsistência, e utiliza-o como pastagem de gado com
cerca de 20 cabeças, não têm outra propriedade urbana ou rural e anualmente
pagavam ITR.

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Não obstante ter trabalhado com vínculo empregatício têm como moradia
onde reside. A perícia comprovou que o imóvel rural cumpre sua função social.
Estes são os fatos, por isso passamos ao parecer.

DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL:

Os fatos apresentados referem-se a modalidade de usucapião rural especial,


que tem sua consolidação fundamentada pela existência da propriedade de um
determinado bem durante um período decorrido de tempo definido por lei, somado
aos requisitos que devem ser atendidos, podendo estes serem pessoais, reais e
formais, conforme o que versa no artigo 191 da Constituição Federal de 1988.
Vejamos:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,


possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra,
em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.

A usucapião especial rural, também conhecida por “usucapião pro labore” ou


“usucapião constitucional” não exige justo título ou mesmo boa-fé do possuidor,
constituindo como única exigência que o mesmo exerça a posse como se fosse sua
- o que pode ser demonstrado pelo uso da área para moradia e trabalho - pelo prazo
ininterrupto de 5 (cinco) anos, de forma pacífica e sem oposição de quem poderia
ser o legítimo proprietário.

Na situação vigente, verificou-se que o Sr. José Salvador e sua mulher tem a
posse da terra desde 03 de janeiro de 2015. Nos autos consta, ainda, que a parte
autora ajuizou a ação de reintegração de posse somente no dia 03 de novembro de
2020. Portanto, o lapso temporal extrapola em mais de cinco anos o tempo de
reivindicação legal da propriedade previsto no dispositivo constitucional.

É válido frisar que o usucapião é de suma importância para a manutenção


do princípio da função social da propriedade previsto na Constituição Federal,
regularizando o bem de modo a ser imprescindível a moradia, subsistência ou
atividade econômica de quem o possua. A função social dá-se por:

2
“todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade,
de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e
intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira”
(FIGUEIREDO, 2008, p. 83).

Desta forma, o proprietário tem dever em usar a propriedade de forma que


contribua para o bem-estar social da coletividade. Entende-se como coletividade a
exploração que favoreça o bem estar que favoreça o proprietário e os trabalhadores
da terra, bem como o zelo pelo meio ambiente e o aproveitamento racional. No caso
em questão, o Sr. José Salvador utiliza os 50 hectares de terra produtiva como
pastagem de gado, cerca de 20 cabeças, juntamente com a sua mulher e seus
quatro filhos, o que ilustra o cumprimento da função social da propriedade, de
acordo com o que versa o artigo 186 da Constituição Federal de 1988. Vejamos:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
        I -  aproveitamento racional e adequado;
        II -  utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente;
        III -  observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
        IV -  exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

Outra característica importante presente no caso em questão, é a existência


de animus domini, em caráter de posse própria, não em decorrência de contratos ou
de outro vínculo, como o empregatício, o que se faz claro na situação em questão,
visto que o Sr. José Salvador Rosa mora e cuida da terra desde 1995. Ressalta-se
que a usucapião rural tenta estimular a agricultura familiar, evitando-se o êxodo
rural. Segundo entendimento de Washington de Barros Monteiro e Carlos Alberto
Dabus Maluf:

A usucapião especial rural não se contenta com a simples posse. O seu


objetivo é a fixação do homem no campo, exigindo ocupação produtiva do
imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente. Constitui a
consagração do princípio ruralista de que deve ser dono da terra rural quem
a tiver frutificado com o seu suor, tendo nela a sua morada e a de sua
família. (MONTEIRO, MALUF, 2015, p. 128).

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A jurisprudência em vigor também admite como possibilidade alguém
usucapiar um imóvel se for evidenciada uma relação com a existência de Direitos
fundamentais em questão, que no caso concreto apresentado, seria a necessidade
de moradia do Sr. José Salvador em usucapiar um imóvel que anteriormente não
cumpria sua função social. A partir da posse do Sr. José Salvador e sua família, o
imóvel passou a cumprir a sua função social, conforme ratificado pela perícia.

EMENTA: Ação de reintegração de posse – função social da


posse. Presença dos requisitos. “1. (...) Por sua vez, considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum
dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196 do Código Civil).(...).
Estabelecida tal premissa, pode-se afirmar que a função social da
propriedade tem previsão expressa na Constituição Federal (art. 5º, XXII) e
no CC (§1º do art. 1.228) e pode-se falar, também, em função social da
posse. Com efeito, a função social integra o conteúdo da posse, que
desloca seu fundamento do direito de propriedade para a concretização de
direitos fundamentais, tais como a moradia, o trabalho, a proteção à família,
a utilização racional e adequada do solo, dentre outros, (...)3. In casu, à
míngua de comprovação dos pressupostos legalmente exigidos, restando,
por outro lado, demonstrada a efetiva posse do réu, ora apelado, ante a
relação fática estabelecida com o bem em disputa, ao dar-lhe finalidade,
preservação e erigir construção que há pelo menos 8 (oito) anos serve
como moradia para ele e sua família, revela-se descabida a reintegração de
posse.” Acórdão 1247646, 07106288120188070009, Relatora: SANDRA
REVES, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 6/5/2020, publicado no DJE:
20/5/2020.

EMENTA: USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL. Presença dos requisitos.


Procedência do pedido. Prova dos autos. Exame do contexto probatório.
Posse mansa, contínua e pacífica por mais de 5 anos. Imóvel com
superfície inferior a 50 Ha. Imóvel tornado produtivo por quem não dispunha
de outro imóvel. Parecer do custos legis. Apelo IMPROVIDO.” (Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/
Apelação Cível Nº 70030041297/ Rel. Desembargador José Francisco
Pellegrini/ Julgado em 29.09.2009)

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APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO RURAL - EXERCÍCIO DE
POSSE CONJUNTA PELO AUTOR E SUA AVÓ - REQUISITOS
PRESENTES - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Nos termos do art. 1.239 do
CC/2002, "aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra
em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade". Tendo sido uníssona a prova oral no sentido de que foi
demonstrada a posse exclusiva, mansa, pacífica e com ânimo de dono pelo
lapso temporal legal, deve o pedido de usucapião ser julgado procedente.
Recurso provido. (TJ-MG - AC: 10686130080597001 MG, Relator: Manoel
dos Reis Morais, Data de Julgamento: 18/12/2018, Data de Publicação:
25/01/2019)

Outro ponto a ser destacado é que o autor não pode afirmar que José
Salvador não detém a posse apenas por apresentar sua carteira de trabalho, uma
vez que consta no próprio documento anexado aos autos - prova produzida pelos
requerentes - que a atividade exercida por José é de caráter noturno, ou seja, esta
circunstância, em si, não poderia comprovar que compromete a função social da
propriedade nas atividades exercidas por ele e por quem também reside no imóvel –
sua esposa e seus 4 filhos.

CONCLUSÃO:

Em face de todo o exposto, concluímos o presente parecer no sentido de que


a devolução do imóvel não deverá ser realizada ao requerente, visto que é possível
identificar todos os requisitos necessários para a caracterização do usucapião
especial rural, quais sejam:

1) Animus domini presente em área exclusivamente rural;


2) Lapso temporal de acordo com o que é previsto para usucapir imóvel especial
rural - 5 anos ininterruptos;
3) área não superior a 50 hectares;
4) posse passiva ininterrupta, visto que somente agora a parte autora se
manifestou à respeito da propriedade;

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5) o imóvel é produtivo por trabalho exercido pelo Sr. José e sua família;
6) o requisitado reside no imóvel e faz dela sua moradia, e;
7) Não há comprovação da existência de propriedade do senhor José em
relação a outro imóvel urbano ou rural.

Assim, submetemos nosso parecer à Vossa Excelência.


Belém, 10 de junho de 2021.

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Beatriz dos Santos Pastana
Consultora jurídica
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Dayanni Michely Batista de Lima
Consultora jurídica

DOCUMENTOS EM ANEXO

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