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ARTIGO ORIGINAL 23

Cláudia Braga Monteiro


Abadesso Cardoso1
Maria Alice Neves
Distúrbios menstruais na adolescência
Bordallo2

INTRODUÇÃO • Metrorragia – Sangramento uterino geralmente


não-excessivo ocorrendo em intervalos irregulares.
A presença de irregularidade menstrual é co- • Menometrorragia – Sangramento uterino geral-
mum na adolescência. Cerca de 50% dos ciclos mente excessivo e prolongado ocorrendo a inter-
menstruais são anovulatórios nos primeiros dois valos irregulares.
anos após a menarca. Uma das explicações para isso • Hipomenorréia – Sangramento uterino regular
seria uma imaturidade fisiológica do eixo hipotála- mas reduzido em quantidade.
mo-hipófise-ovariano, representada pela ausência • Sangramento intermenstrual – Sangramento
de feedback positivo do estradiol sobre a secreção que ocorre entre ciclos menstruais regulares.
de hormônio luteinizante (LH), impedindo assim a Deve-se, ainda, distinguir o sangramento ute-
formação do pico do LH necessário à ovulação. rino anormal do disfuncional, que é definido como
A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a sangramento anormal no qual não se identificam
causa mais comum de anovulação persistente na causas orgânicas através de história clínica ou exa-
adolescência. Como essa síndrome geralmente ini- mes físico e ginecológico. Resulta, geralmente, de
cia-se no período perimenarca, é fundamental que anovulação em uma mulher com bons níveis de
as adolescentes com irregularidade menstrual, prin- estrogênio. Deve-se descartar a possibilidade de
cipalmente oligomenorréia ou amenorréia secundá- lesões do trato reprodutor, doenças crônicas e dis-
ria, sejam investigadas, sobretudo aquelas com irre- túrbios da coagulação.
gularidade persistente após os primeiros dois anos.
Merecem avaliação as pacientes que apresen-
tam sangramento vaginal anormal em duração, fre- TRATAMENTO DA IRREGULARIDADE
qüência ou quantidade. Padrões de sangramento: MENSTRUAL
• Menstruação normal – fluxo menstrual com du-
ração de três a oito dias com perda sangüínea de • Adolescentes com irregularidade menstrual sem
30 a 80ml; ciclo com duração de 30 ± 4 dias. manifestações clínicas de hiperandrogenismo
• Menstruação anormal – sangramento que ocor- (acne e hirsutismo):
re a intervalos de 21 dias ou menos, com mais de – acetato de medroxiprogesterona: 10mg/dia nos
sete dias de fluxo e/ou volume total > 80ml. últimos dez a 14 dias do ciclo ou anticoncepcio-
• Amenorréia – ausência completa de menstrua- nal hormonal de baixa dose. Esses medicamentos
ção em uma mulher na fase reprodutiva da vida. fazem com que os ciclos se normalizem e evitam
Pode ser amenorréia primária (ausência de menar- a hiperplasia de endométrio decorrente dos ciclos
ca aos 16 anos de idade) ou secundária (ausência anovulatórios. Devem ser mantidos por seis meses
de menstruação por mais de seis meses ou pelo a um ano. Se os ciclos voltarem a ficar irregulares a
menos três dos intervalos de ciclos menstruais pre- paciente deve ser reavaliada;
cedentes em uma mulher que tenha ciclos mens- – perda de peso com dietas restritivas e exercício: o
truais normais previamente). ganho ponderal por si só poderá levar à regulariza-
• Oligomenorréia – ciclos menstruais com interva- ção dos ciclos menstruais.
los maiores maiores que 40 dias.
• Polimenorréia – ciclos regulares com intervalos
de 21 dias ou menos. 1
Endocrinologista do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do
• Hipermenorréia (menorragia) – sangramento Estado do Rio de Janeiro (UERJ); doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ).
uterino excessivo em quantidade e duração, ocor- 2
Professora-adjunta do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Pedro
rendo a intervalos regulares. Ernesto, da UERJ; doutora em Endocrinologia pela UFRJ.

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• Adolescentes com irregularidade menstrual asso-


ciada a manifestações cutâneas de hiperandroge- a) útero: defeitos congênitos (agenesia, malfor-
nismo: mações), doenças infecciosas (esclerose endo-
– investigação da fonte de andrógenos; metrial por tuberculose);
– acetato de medroxiprogesterona associado ao an- b) vagina: defeitos congênitos (hímen im-
tiandrógeno acetato de ciproterona; perfurado, septo vaginal transverso, estenose
– contraceptivo hormonal oral de baixa dose cuja traumática ou infecciosa).
progesterona apresenta atividade antiandrogênica;
etinilestradiol + acetato de ciproterona. Avaliação
a) Anamnese: caracterizar o sangramento com re-
lação a quantidade, duração e freqüência; definir
AMENORRÉIA se se trata de amenorréia primária ou secundária;
avaliar se existem disfunções psicológicas eviden-
Indicação de avaliação tes; uma história nutricional pode identificar o iní-
a) Ausência de menarca aos 16 anos; cio de um quadro de anorexia nervosa ou bulimia.
b) ausência de caracteres sexuais secundários aos b) Exame físico:
14 anos; • avaliar sinais de doenças crônicas ou debilitantes,
c) atraso significativo do ganho de peso e estatura galactorréia e evidências de outras endocrinopatias;
durante a puberdade; • exame neurológico: pode detectar anormalida-
d) ausência de menarca três anos após telarca; des que sugiram lesões intracranianas;
e) ausência de menstruação por mais de seis meses • avaliar o estadiamento puberal. Quando não há
ou pelo menos três dos intervalos dos ciclos pre- desenvolvimento puberal, o diagnóstico diferen-
cedentes. cial inclui o atraso constitucional de crescimento
e desenvolvimento e o hipogonadismo (primário,
Classificação etiológica da amenorréia secundário ou terciário). Se o desenvolvimento
1. Lesões de origem central puberal é normal, o diagnóstico diferencial inclui
a) Disfunções hipotalâmicas desordens associadas a aplasias do trato genital,
• lesões destrutivas, tumores; assim como as diversas causas de anovulação que
• relacionadas ao peso: anorexia nervosa, per- serão discutidas posteriormente;
da rápida de peso; • exame ginecológico: deve excluir causas orgâni-
• excesso de exercício; cas de amenorréia, como sinéquias uterinas, infec-
• induzida por estresse; ções, aumento ovariano, etc. Também pode revelar
• psicogênicas: anorexia nervosa, distúrbios ambigüidade da genitália externa e anormalidades
emocionais; da vagina e do útero.
• SOP; c) Avaliação laboratorial:
• deficiência do hormônio de liberação da go- • testes para gravidez;
nadotrofina (GnRH); • hormônio folículo-estimulante (FSH) e LH eleva-
• doenças crônicas: insuficiências renal e he- dos indicam hipogonadismo primário ou hipergo-
pática, desnutrição. nadotrófico;
b) Distúrbios hipofisários • prolactina elevada (acima de 200ng/ml) sugere
• lesões destrutivas, tumores; tumor hipofisário;
• defeitos congênitos: sela vazia, deficiência • hormônio tireoestimulante (TSH) elevado indica
isolada parcial de gonadotrofinas. hipotireoidismo primário;
2. Distúrbios gonadais • cariótipo se existirem estigmas sindrômicos;
a) defeitos congênitos: intersexualidade, sín- • ultra-sonografia pélvica;
drome de Turner; • radiografia de crânio e sela túrcica: calcificações
b) tumores; supra-selares sugerem craniofaringioma; aumento/
c) lesões destrutivas: radioterapia, quimioterapia. erosão da sela túrcica sugere tumor hipofisário;
3. Anormalidades do útero e do trato genital • androgênios: testosterona total e livre, andros-
tenediona, sulfato de deidroepiandrosterona (S-

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DHEA), 17-hidroxiprogesterona, se houver indícios de hirsutismo logo após a menarca; irregularidade


de virilização; menstrual logo após a menarca; ovários aumenta-
• avaliação da função hipofisária: FSH/LH após esti- dos e com microcistos não estão necessariamente
mulação com GnRH; presentes.
• tomografia computadorizada ou ressonância nu- Achados laboratoriais: relação LH/FSH aumentada
clear magnética da sela túrcica; (> 3:1); androgênios (testosterona e androstene-
• prova progestacional: administração de 10mg/dia diona) levemente elevados; S-DHEA e prolactina
de acetato de medroxiprogesterona por cinco dias. normais ou levemente elevados.
A finalidade do teste é estimar o nível de estrogê- – Tumores ovarianos produtores de androgênio.
nio endógeno e a competência do trato genital. Se • Origem adrenal:
a paciente apresentar sangramento menstrual dois – síndrome de Cushing;
a sete dias após a retirada da medicação, estabele- – tumores da supra-renal;
ce-se o diagnóstico de anovulação. Confirma-se a – hiperplasia adrenal congênita.
presença de trato genital funcionante e de útero • Origem hipotalâmica:
revestido por endométrio reativo e preparado por – anorexia nervosa;
estrogênio endógeno. A ausência de sangramento – amenorréia associada ao exercício;
de supressão sugere problema no trato genital ou – amenorréia associada ao estresse.
ausência de estímulo estrogênico prévio por insu- • Origem hipofisária: tumores produtores de pro-
ficiência ovariana ou anormalidades no eixo hipo- lactina.
tálamo-hipófise-gônada. • Outras causas:
– obesidade;
– hiper ou hipotireoidismo.
ANOVULAÇÃO CRÔNICA

• Origem ovariana: TRATAMENTO


– SOP: caracteriza-se por uma desordem hetero-
gênea que consiste em anovulação, infertilidade, Depende do diagnóstico etiológico.
hirsutismo, obesidade e microcistos ovarianos (2 • Em pacientes com ausência de caracteres sexuais
a 6mm). Ocorre mais freqüentemente em certas secundários, etinilestradiol (5 a 10µ/dia) ou estró-
famílias, sendo descrita por alguns investigadores genos conjugados (0,3mg/dia) continuamente por
como de origem genética, porém pode estar asso- três meses para indução da puberdade; dobrar a
ciada a várias desordens hormonais, como tumores dose após três meses; após seis meses iniciar esque-
produtores de androgênio, síndrome de Cushing, ma cíclico: estrogênio nos dias 1 a 25 e progeste-
hipotireoidismo, hiperprolactinemia, hiperplasia rona nos dias 16 a 25 do ciclo menstrual, primaria-
adrenal congênita, etc. mente para induzir menstruação mas também para
Características clínicas: infertilidade (74%); viriliza- proteger o endométrio da estimulação estrogênica
ção (21%); hirsutismo (69%); ciclos menstruais nor- contínua.
mais (12%); amenorréia (51%); obesidade (41%); a • Anovulação crônica: tratamento como descrito
menarca ocorre em idade normal; desenvolvimento na irregularidade menstrual.

REFERÊNCIAS
1. Speroff L, Glass RH, Kase NG. Clinical gynecologic endocrinology and infertility. 5th ed. Baltimore: Williams &
Wilkins. 1994.
2. Muram D, Sanfilippo JS, Hertweek SP. Sangramento vaginal na infância e distúrbios menstruais na adolescência.
Ginecologia pediátrica e do adolescente. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1996.

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