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Quais são os parâmetros

mais importantes a
serem avaliados no
hemograma?

1.1 INTRODUÇÃO
O hemograma é um dos testes mais solicitados na prática médica.
Permite de forma rápida a medida e características dos
componentes celulares sanguíneos — hemácias, leucócitos e
plaquetas. Habitualmente, as amostras são coletadas em tubos
contendo o anticoagulante EDTA, e para melhor precisão, devem
ser avaliadas em até 8 horas.
A análise ocorre a partir de analisadores automatizados, que na
grande maioria das vezes já garantem uma boa acurácia ao
exame. Entretanto, por vezes, é necessária a realização de
esfregaços sanguíneos (distensão do sangue em uma lâmina)
para avaliação no microscópio. Esta ação permite que se confirme
os valores de leucócitos e plaquetas do analisador, bem como a
presença de formas imaturas (blastos), que podem denotar
doenças agressivas. Também permite a visualização da
morfologia — tamanho, coloração e forma — das hemácias, além
de sua aparência. São processos necessários para um exame de
qualidade e a busca do diagnóstico preciso.
1.2 INTERPRETAÇÃO DA SÉRIE VERMELHA
DO HEMOGRAMA
1.2.1 Análise do eritrograma
1.2.1.1 Contagem de eritrócitos

Determinação do número de eritrócitos por mm3 de sangue. Os


valores normais são:
▶ Homens: 4.400.000 a 6.000.000/mm3;

▶ Mulheres: 3.900.000 a 5.400.000/mm3.


Pode-se ter anemia com contagem normal ou aumentada de
eritrócitos. Esta última situação ocorre, especialmente, nas
talassemias. Por esse motivo, a dosagem da hemoglobina é o
principal marcador de anemia no hemograma.
1.2.1.2 Dosagem de hemoglobina

É a determinação da quantidade total de hemoglobina (Hb) por


meio da lise das hemácias e da verificação do valor por
espectrofotometria. Os valores normais são:
▶ Homens: 13 a 17 g/dL;
▶ Mulheres: 12 a 15 g/dL.
Em crianças com idade entre 6 e 14 anos, têm-se, em média, 12
g/dL e, em gestantes e crianças entre 6 meses e 6 anos, média de
11 g/dL.

É
É importante destacar que esses valores são uma média mundial,
podendo haver variações geográficas e populacionais.
Quando a Hb está abaixo do valor normal para idade, sexo e
altitude geográfica, estamos diante de quadro de anemia; quando
acima, trata-se de poliglobulia, que pode ser primária, no caso das
doenças mieloproliferativas crônicas, em especial a policitemia
vera, ou secundária, com aumento da eritropoetina em situações
de hipoxemia crônica ou tumores produtores de eritropoetina.
1.2.1.3 Hematócrito

É a proporção que o volume da massa eritrocitária ocupa na


amostra de sangue, estabelecida pela relação percentual entre a
massa eritrocitária e o plasma (Figura 1.1). Pode ser determinado
diretamente, por centrifugação, ou indiretamente, pelo cálculo:
Ht = E × VCM / 10

Legenda: número de eritrócitos, x 106/μL (E); Volume Corpuscular Médio (VCM) —


ft.

Figura 1.1 - Hematócrito


Fonte: adaptado de Soleil Nordic.

Os valores normais de hematócrito (Ht) são:


▶ Homens: 40 a 50%;
▶ Mulheres: 36 a 46%.
Valores abaixo do normal podem significar anemia ou
hemodiluição, enquanto aqueles acima do normal podem
corresponder a poliglobulia ou desidratação. Indivíduos
desidratados com Ht normal podem estar anêmicos.
1.2.1.4 Volume corpuscular médio

Refere-se à média do volume de uma população de eritrócitos.


Pode ser obtido diretamente, por impedância elétrica ou
dispersão óptica, ou indiretamente, pelo cálculo:
Quadro 1.1 - Volume corpuscular médio
O Volume Corpuscular Médio (VCM) pode estar falsamente
aumentado — sem macrocitose — pela presença de
paraproteínas ou crioglobulinas, que provocam aglutinação de
hemácias — hemácias “em rouleaux” ou hemácias empilhadas.
1.2.1.5 Hemoglobina corpuscular média

A Hemoglobina Corpuscular Média (HCM) é a média do conteúdo


(em peso — de Hb em uma população de eritrócitos. Pode ser
obtida por método automático, por meio da derivação do VCM e
da Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM)
pelo laser ou pelo cálculo:
HCM = Hb × 10 / E

1.2.1.6 Concentração de hemoglobina corpuscular média

A CHCM corresponde à média das concentrações internas de Hb


de uma população de eritrócitos, responsável pela cor deles.
Atualmente, é um índice menos utilizado do que o HCM, obtido de
forma direta, a laser, e de forma indireta, pelo cálculo:
CHCM = Hb × 100 / Ht

O conteúdo de Hb em um eritrócito depende do seu volume e da


concentração de Hb dentro dele; portanto, pode haver aumento
de HCM com CHCM normal — na macrocitose —, sem caracterizar
hipercromia, ou diminuição de HCM com CHCM normal — na
microcitose —, sem caracterizar hipocromia.
Quadro 1.2 - Concentração de hemoglobina corpuscular média
1.2.1.7 Red cell distribution width

O red cell distribution width (RDW) é um coeficiente que revela


numericamente a variação de volume dos eritrócitos — grau de
anisocitose. Logo, quanto maior a variação das células entre si,
maior o RDW. É bastante importante na classificação e no
diagnóstico das anemias, pois é o primeiro índice a ser alterado
nas anemias carenciais, auxiliando na suspeita da presença de
fragmentos celulares e de aglutinação.

#importante
Valores de RDW abaixo do normal não
têm significado clínico. Valores acima do
normal indicam alteração na maturação
ou fragmentação eritrocitária. Anemias
carenciais por ferro, folato e B12 estão
associadas a RDW elevado.
Além dos valores hematimétricos mencionados, alguns
contadores automáticos fornecem histogramas ou citogramas
que possibilitam a avaliação do VCM e da CHCM de forma gráfica,
possibilitando a identificação de pequenas subpopulações, ou
seja, populações eritroides com tamanhos e cores diferentes.
Figura 1.2 - Histograma de volume eritrocitário

Nota: dupla população eritroide durante tratamento de anemia ferropriva, uma


microcítica (deficiência de ferro), outra normocítica (população normal).
Fonte: acervo Medcel.

VCM e CHCM são medidas que representam uma população de


glóbulos e não fornecem ideia de divergência de cor ou de
tamanho dos eritrócitos, portanto, é necessária a
complementação com a análise do sangue periférico.
Os índices hematimétricos mencionados, associados à contagem
de reticulócitos e à análise do sangue periférico, concluem o
raciocínio clínico para o diagnóstico etiológico das anemias.
Quadro 1.3 - Classificação morfológica das anemias, considerando volume
corpuscular médio e red cell distribution width
Idealmente, as principais alterações morfológicas da série
eritrocítica devem estar descritas no hemograma após a análise
do sangue periférico.
Quadro 1.4 - Valores normais do hemograma por sexo
Por fim, quando se analisa um quadro de anemia, deve-se ainda
prestar atenção nas alterações morfológicas das hemácias.
Geralmente, elas vêm descritas no hemograma ao final da série
eritroide e são indicativas de determinadas patologias:
▶ Poiquilocitose: variação das formas das hemácias; associada à
anemia ferropriva;
Figura 1.3 - Poiquilocitose

Fonte: Chalie Chulapornsiri.

▶ Eliptócitos/ovalócitos: hemácias elípticas e ovaladas;


associados a eliptocitose, talassemia, deficiência de ferro e
anemia megaloblástica;
Figura 1.4 - Eliptócitos/ovalócitos
Fonte: Schira.

▶ Esferócitos: hemácias pequenas de forma esférica e


hipercorada; associados a anemia hemolítica autoimune e
esferocitose hereditária;
Figura 1.5 - Esferócitos
Fonte: Paulo Henrique Orlandi Mourão, 2010.

▶ Dacriócitos: hemácias “em lágrima”; associados a mielofibrose e


mieloftise;
Figura 1.6 - Dacriócitos
Fonte: Paulo Henrique Orlandi Mourão, 2009.

▶ Leptócitos/hemácias “em alvo”: células “em alvo”; associados a


talassemia, doença hepática, hemoglobinopatias S e C, pós-
esplenectomia e deficiência de ferro;
Figura 1.7 - Leptócitos/hemácias “em alvo”
Fonte: adaptado de Osaro Erhabor, 2014.

▶ Drepanócitos: hemácias “em foice”; associados a doença


falciforme;
Figura 1.8 - Drepanócitos

Fonte: Interpretación clínica del hemograma, 2015.


▶ Acantócitos — spur cells: hemácias pequenas com projeções
irregulares; associados a abetalipoproteinemia, hepatopatia
alcoólica, pós-esplenectomia e má absorção;
Figura 1.9 - Acantócitos

Fonte: LindseyRN.

▶ Esquizócitos: fragmentos de hemácias de tamanhos diferentes


e com formas bizarras; associados a microangiopatia (púrpura
trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica,
coagulação intravascular disseminada, vasculite, hipertensão
maligna), queimadura severa, doença valvar;
Figura 1.10 - Esquizócitos
Fonte: Paulo Henrique Orlandi Mourão, 2009.

▶ Anel de Cabot: figura em forma de anel, observada nas anemias


megaloblásticas, e filamento fino, de cor vermelho-violeta,
concêntrico em relação à membrana celular, que resulta de
mitoses anômalas; associado a estado hemolítico e anemias
megaloblásticas;
Figura 1.11 - Anel de Cabot
Fonte: J3D3, 2017.

▶ Corpúsculos de Howell-Jolly: restos de cromatina nuclear;


associados a situações pós-esplenectomia, anemia hemolítica,
anemia megaloblástica;
Figura 1.12 - Corpúsculos de Howell-Jolly
Fonte: Paulo Henrique Orlandi Mourão e Mikael Häggström, 2012.

▶ Pontilhado basófilo: granulações variáveis em número e


tamanho, de cor azulada, agregados de ribossomos
remanescentes; associado a talassemias e intoxicação por
chumbo;
Figura 1.13 - Pontilhado basófilo
Fonte: Atlas de Hematologia, 2014.

▶ Corpúsculos de Heinz: precipitados de Hb desnaturada que


podem ser encontrados aderidos à membrana das hemácias; são
indicação de lesão oxidativa, como deficiência de glicose-6-
fosfato desidrogenase (G6PD) e hemoglobinopatias instáveis;
Figura 1.14 - Corpúsculos de Heinz
Fonte: LindseyRN.

▶ Corpúsculo de Pappenheimer — típico da anemia sideroblástica:


depósito de ferro no eritrócito apresentando-se como pontos
enegrecidos, agrupados ou localizados; associados a talassemias,
anemia megaloblástica e hipoesplenismo;
Figura 1.15 - Corpúsculo de Pappenheimer
Fonte: Paulo Henrique Orlandi Mourão, 2015.

▶ Hemácias “em rouleaux”: aglutinação das hemácias que formam


verdadeiras pilhas; associadas à hipergamaglobulinemia —
mieloma múltiplo;
Figura 1.16 - Hemácias “em rouleaux”
Fonte: Chadsikan Tawanthaisong.

▶ Eritroblastos: precursores de hemácias, com presença de


núcleo, que podem aparecer no sangue periférico; associados a
anemia aguda e hemólise.
Figura 1.17 - Eritroblastos
Fonte: Recomendações do ICSH para a padronização da nomenclatura e da
graduação das alterações morfológicas no sangue periférico, 2015.

1.3 AVALIAÇÃO DOS LEUCÓCITOS NO


HEMOGRAMA
O sistema imune é um complexo e dinâmico sistema que promove
a defesa contra infecções por bactérias, vírus, fungos,
protozoários e outros parasitas, além de células neoplásicas,
rejeição de células, órgãos e tecidos. Os leucócitos são as
principais células do sistema imune e atuam tanto de forma direta
— neutrófilos, linfócito T citotóxico, células NK — quanto de forma
indireta, pela produção de anticorpos — linfócitos B.
A contagem global dos leucócitos pode ser feita de forma manual
ou automatizada. A contagem diferencial pode ser feita pela
análise microscópica do sangue periférico ou, também, de forma
automatizada. Para amostras normais, o método automático é
mais preciso, porém, para amostras alteradas, apenas a
microscopia pode identificar células imaturas e sinais de displasia,
bem como avaliar atipias linfocitárias e outras alterações
morfológicas. Os valores de referência para o leucograma variam
de acordo com a idade do paciente.
Para fins práticos, os leucócitos são classificados em dois
grandes grupos:
▶ Polimorfonucleares (granulócitos): neutrófilos, eosinófilos e
basófilos;
▶ Mononucleares: monócitos e linfócitos.
O aumento ou a diminuição de leucócitos deve levar em conta:
▶ A capacidade de produção medular e/ou linfonodal;
▶ Se há causa evidente para tal resposta (patógeno, trauma,
neoplasia ou inflamação crônica) ou se o aumento é primário
(neoplasias hematológicas, por exemplo).
1.3.1 Contagem diferencial

#importante
Os valores relativos de leucócitos nunca
devem ser observados sozinhos; é
preciso analisar, também, os absolutos,
pois, os valores relativos podem levar a
erros de interpretação.

Valores relativos (%) podem levar a erros de interpretação. Por


exemplo, em um paciente com leucócitos totais = 2.000/mm3,
linfócitos = 60% e neutrófilos = 40%, há linfocitose; porém,
analisando-se os valores absolutos — linfócitos = 1.200 e
neutrófilos = 800 —, observa-se neutropenia. Muitas vezes, a
contagem global de leucócitos está normal, mas o diferencial está
alterado. Por exemplo, em um indivíduo com leucócitos =
8.700/mm3 e eosinófilos = 1.400/mm3, a contagem global está
normal, porém existe eosinofilia.
Da mesma forma que os eritrócitos, os leucócitos podem ser
representados por citogramas, relacionando volume (tamanho) e
complexidade (granulação).
Quadro 1.5 - Valores normais para o adulto

1.3.2 Leucocitose
É o aumento na contagem de leucócitos, usualmente maior do
que 11.000/mm3, geralmente à custa do aumento isolado de
linhagem única: neutrófilo, eosinófilo, basófilo, linfócito ou
monócito.
Figura 1.18 - Granulocitopoese

Fonte: adaptado de Sakurra.

1.3.2.1 Neutrofilia

O pool de neutrófilos total é dividido em pool marginal, que fica


aderido ao endotélio, e pool circulante. A contagem de neutrófilos
obtida no hemograma reflete apenas o pool circulante.
A neutrofilia é o aumento acima de 7.000/mm3 da contagem de
neutrófilos — somatório de segmentados + bastonetes. Pode ser
primária, nas doenças mieloproliferativas crônicas, ou secundária.
Entre as causas secundárias, têm-se o tabagismo (pode cursar
com neutrofilia discreta), quadros infecciosos agudos
(principalmente bacterianos), inflamação crônica (artrite,
vasculite, doença inflamatória intestinal), liberação de citocinas
(grande queimado, trauma), estresse (exercício, estresse
psíquico), medicamentos (adrenalina, corticoide), asplenia,
reacional a neoplasias não hematológicas e infarto agudo do
miocárdio.
São definições importantes:
▶ Desvio à esquerda: aumento da quantidade de bastonetes
acima de 700/µL (ou 10% do total de neutrófilos). Quanto mais
intenso o desvio, maior o aumento das formas imaturas, que
aparecem de forma escalonada — bastão; metamielócito;
mielócito; promielócito. Nos desvios à esquerda, há aumento das
formas imaturas celulares, como bastonetes, ocorrendo
principalmente em resposta a um processo infeccioso bacteriano
agudo. Sua avaliação é importante na suspeita de infecção;
Figura 1.19 - Aparecimento de formas imaturas – desvio à esquerda
Fonte: adaptado de Sakurra.

▶ Reação leucemoide: ocorre quando há leucocitose intensa —


acima de 50.000/mm3 —, com desvio à esquerda escalonado. É
um processo benigno, reacional. Os aspectos úteis para fazer a
distinção entre leucemia e reação leucemoide incluem a presença
de granulações tóxicas e vacuolização citoplasmática e a
preponderância de células mais maduras; entretanto, neutrófilos
hipogranulares e número desproporcional de mieloblastos podem
ocorrer em alguns casos. Nas leucemias, há predomínio de células
imaturas, como promielócitos e mieloblastos;
▶ Desvio à direita: também conhecido como neutrófilo
hipersegmentado (Figura 1.20), caracterizado pela presença de
mais de 3% de neutrófilos com 5 ou mais lóbulos, ou mais de 1%
com seis ou mais lóbulos. Principais causas: anemia
megaloblástica, infecções crônicas, insuficiência renal crônica,
uso de altas doses de corticoide, mielodisplasia e medicamentos
(hidroxiureia);
Figura 1.20 - Neutrófilo hipersegmentado: cinco segmentos

Fonte: Tullatorn Kosallawat.

▶ Reação leucoeritroblástica: trata-se da leucocitose com desvio


à esquerda e eritrócitos imaturos no sangue periférico
(eritroblastos). Ocorre nas situações em que há infiltração
medular por outro tecido (fibrose, mielofibrose), câncer
metastático ou solicitação extrema da medula — sangramento
agudo grave ou hemólise intensa;
▶ Granulações tóxicas: correspondem a grânulos grosseiros
presentes nos neutrófilos em processos infecciosos agudos ou
estados inflamatórios graves.
1.3.2.2 Linfocitose

Trata-se do aumento da contagem de linfócitos acima dos valores


de referência para a idade — 4.000/mm3 em indivíduos com mais
de 12 anos.
A primeira causa a ser investigada é a infecção viral. Se houver
atipia evidente, devem-se investigar mononucleose,
citomegalovirose, caxumba, adenovírus e herpes-vírus humano
tipo 6. Se a atipia for menos pronunciada, pensar em rubéola,
hepatites, dengue, HIV (durante o período de soroconversão),
sarampo, catapora ou hantavírus. As linfocitoses reacionais a
vírus podem chegar a 100.000 linfócitos/mm3, principalmente
em crianças, e são transitórias, com duração de,
aproximadamente, três semanas. Algumas infecções bacterianas
(pertussis, sífilis, tuberculose) e por protozoários (toxoplasmose)
também podem apresentar linfocitose.
Outras causas de linfocitoses reacionais são medicamentos
(reação de hipersensibilidade), situações de estresse (infarto do
miocárdio, traumatismos, epilepsia), tabagismo e pós-
esplenectomia.
Na linfocitose, em caso de morfologia alterada, deve-se suspeitar
de leucemia linfoide aguda ou outra linfoproliferação neoplásica.
Nesses casos, deve-se utilizar a imunofenotipagem para excluir
linfoproliferação crônica clonal.
Em casos persistentes, sem etiologia definida, principalmente em
idosos, deve ser avaliada a morfologia dos linfócitos.
Muitas vezes, é difícil distinguir uma população linfoide policlonal
e benigna de elementos monoclonais malignos, como nas
leucemias e linfomas, devendo-se utilizar a imunofenotipagem
para excluir linfoproliferação crônica clonal.
Uma linfocitose persistente, mas policlonal, de caráter benigno,
tem sido descrita em mulheres jovens e fumantes e pode ser
acompanhada de esplenomegalia leve. Na morfologia,
encontram-se linfócitos binucleados. Na falsa linfocitose, os
eritroblastos são contados como linfócitos em muitos aparelhos,
em razão do tamanho, do núcleo e da ausência de grânulos. Em
anemias hemolíticas severas ou situações de estresse medular,
em que há eritroblastos circulantes em grande quantidade, pode-
se encontrar “linfocitose”.
A recomendação é que o termo “linfócito reativo” seja usado para
descrever linfócitos de etiologia benigna e o termo “linfócito
anormal” quando houver suspeita de malignidade ou etiologia
clonal.
1.3.2.3 Plasmocitose

A presença de plasmócitos no sangue periférico é patológica e


pode ser reacional, por infecção, medicamento, imunização ou
doenças imunes, ou neoplásica, por mieloma múltiplo,
macroglobulinemia de Waldenström ou leucemia de células
plasmocitárias.
1.3.2.4 Monocitose

O monócito é uma célula também fagocitária, mais eficaz na


destruição de fungos, vírus e parasitas. Crianças de até 2 anos
respondem às doenças infecciosas com monocitose precoce,
além de neutrofilia.
A monocitose é definida como contagem acima de 800/µL e tem,
como principais causas:
▶ Reacional: gestantes, recém-nascidos, asplenia, doenças
granulomatosas (tuberculose, sarcoidose), doenças infecciosas
(sífilis, brucelose, malária, febre tifoide, infecções fúngicas),
doenças inflamatórias crônicas (artrite reumatoide, lúpus
eritematoso sistêmico, colite ulcerativa, Crohn), raros carcinomas;
▶ Clonal: mieloproliferação crônica, leucemia mieloide aguda
mielomonocítica (M4) ou M5 monocítica (M5), histiocitose
maligna.
1.3.2.5 Eosinofilia

É definida pela contagem acima de 500/mm3,


independentemente da contagem global de leucócitos. Pode ser
primária (doenças hematológicas; mieloproliferação crônica,
síndrome hipereosinofílica) ou secundária, a mais comum.
A eosinofilia secundária é encontrada em quadros alérgicos
(rinite, asma, urticária), reação a drogas, infecção parasitária
(escabiose e parasitas intestinais), doenças cutâneas (pênfigo),
infecção fúngica (coccidioidomicose), deficiência de corticoide
(Addison) e associada a alguns casos de linfomas (15% em
Hodgkin e 5% em não Hodgkin).
A eosinofilia secundária a parasitas deve-se à estimulação da
resposta linfocitária Th2, que libera interleucina 4 (IL-4) e
interleucina 5 (IL-5) e é diretamente proporcional ao grau de
invasão tecidual.
Quadro 1.6 - Parasitas responsáveis por eosinofilia
Os helmintos, como Taenia e Ascaris, que estão em contato
apenas com o lúmen intestinal, não cursam com eosinofilia. Isso
também se dá com parasitas unicelulares, como Giardia e
Entamoeba (ameba).

#memorize
Existe um mnemônico para memorizar as
principais causas de eosinofilia, o CHINA:
Colagenoses; Helmintos; Idiopática —
formas primárias; Neoplasias;
Alergias/Adrenal — insuficiência.

1.3.2.6 Basofilia

É definida pela contagem com mais de 200/mm3, comumente


encontrada em neoplasias mieloproliferativas e outras doenças
hematológicas malignas, mas também pode ser detectada em
reações inflamatórias ou alérgicas (inclusive colite e artrite
reumatoide), endocrinopatias (mixedema, administração de
estrogênio) e alguns quadros infecciosos (virose, tuberculose,
helmintíase).
1.3.3 Leucopenia
Consiste na diminuição da contagem de leucócitos a valores
abaixo da referência para idade e raça. Indivíduos da raça negra
podem apresentar variação étnica da contagem de leucócitos,
revelando leucopenia à custa de neutropenia, que não possui
significado clínico.
A leucopenia pode ser resultado de baixa produção medular (de
causa primária ou secundária), elevada utilização (consumo),
marginalização excessiva do pool circulante ou hiperesplenismo.
Da mesma forma que a leucocitose, geralmente ocorre por
diminuição em uma única linhagem.
1.3.3.1 Neutropenia

É definida por valores abaixo de 1.500 neutrófilos/mm3 de


sangue. São também conhecidos os termos “neutropenia benigna
familiar” ou “leucopenia benigna familiar”. A prevalência de
neutropenia é maior em indivíduos da raça negra (4,5%) do que da
branca (0,39%), sem significado patológico. Há maior prevalência
em sul-africanos, judeus iemenitas, indianos ou árabes
jordanianos e reflete situação de neutropenia/leucopenia sem
maior incidência de quadros infecciosos.
O risco de infecção é inversamente proporcional à contagem de
neutrófilos, sendo maior se os valores estão abaixo de 500
neutrófilos/mm3. Pode ser classificada, quanto à gravidade, em:
▶ Leve: 1.000 a 1.500 neutrófilos/mm3;
▶ Moderada: 500 a 1.000 neutrófilos/mm3;

▶ Grave: abaixo de 500 neutrófilos/mm3.


Quanto à causa, classifica-se em adquirida e hereditária. Entre as
adquiridas, a neutropenia pode ocorrer por:
▶ Diminuição da síntese:
▷▷ Doenças medulares: aplasia, leucemias, infiltração por
linfomas ou outras neoplasias;
▷▷ Supressão das células precursoras de granulócitos:
quimioterápicos; agranulocitose por medicamentos (dipirona,
cloranfenicol, sulfonamidas, clorpromazina, tionamidas e
fenilbutazona); agentes tóxicos ambientais (benzeno);
▷▷ Deficiências nutricionais: cobre, B12 e folato.
▶ Aumento da utilização ou da destruição:
▷▷ Quadros infecciosos por certos agentes bacterianos: febre
tifoide e paratifoide, Mycobacterium tuberculosis, por rickéttsia,
vírus (hepatite A, mononucleose, rubéola, caxumba, sarampo,
dengue, hepatite C, HIV), protozoários (malária, calazar) e fungos
(histoplasmose) podem cursar, em algum momento da infecção,
com neutropenia, por aumento da utilização de neutrófilos.
Indivíduos com baixa reserva medular ou desnutridos também
podem apresentar neutropenia diante de quadros bacterianos
agudos, que tipicamente cursariam com neutrofilia;
▷▷ Doenças imunes: neutropenia autoimune isolada ou associada
a outros quadros sistêmicos, como lúpus eritematoso sistêmico,
artrite reumatoide, síndrome de Felty, neutropenia aloimune
neonatal;
▷▷ Sequestro esplênico: hiperesplenismo.
Existem muitas causas para a neutropenia. Por isso, o raciocínio
deve basear-se na história clínica, no exame físico e em outros
achados do hemograma. Na suspeita de doença medular, devem-
se avaliar também o mielograma e/ou a biópsia de medula óssea.
As neutropenias hereditárias são raras, destacando-se as
síndromes de Kostmann, Chédiak-Higashi e Shwachman-
Diamond.
A toxicidade medicamentosa pode ser dose-dependente
(quimioterápicos) ou não (sulfonamidas, antitireoidianos,
anticonvulsivantes, anti-histamínicos e alguns antimicrobianos).
Por sua vez, a agranulocitose é definida por ausência virtual de
granulócitos (abaixo de 200/mm3) e contagem normal de
eritrócitos e plaquetas. Em 70% dos casos, está relacionada ao
uso de medicamentos (excluídos os mielossupressores) os mais
importantes são os antitireoidianos e a clozapina.

#importante
Outros medicamentos relacionados à
agranulocitose são sulfas, dipirona,
inibidores da enzima conversora de
angiotensina, dapsona, anti-
inflamatórios não hormonais, bloqueador
H2 e clomipramina.

Os indivíduos mais suscetíveis a essa patologia são mulheres,


aqueles com mais de 50 anos e pacientes com doença
autoimune. O tratamento é a suspensão da droga responsável
pelo quadro, e, após essa medida, a neutropenia resolve-se em
uma a três semanas — em média, 12 dias. Nos pacientes com
infecção secundária à neutropenia, além da antibioticoterapia de
amplo espectro, pode ser associado fator de crescimento de
granulócito (G-CSF), o qual acelera a recuperação.
1.3.3.2 Linfopenia

É definida por contagem linfocitária abaixo de 1.000/mm3 de


sangue em adultos; em crianças, varia de acordo com a idade e o
sexo.
As causas de linfopenia incluem:
▶ Baixa produção linfocitária: desnutrição energético-proteica
(principal causa de linfopenia), imunodeficiência, deficiência de
zinco. As imunodeficiências linfopênicas congênitas podem ser
seletivas (apenas B ou T) ou combinadas (B e T);
▶ Aumento na destruição linfocitária: quimioterapia e radioterapia,
alteração de vasos linfáticos, síndrome de Wiskott-Aldrich,
quadro inflamatório crônico (doenças autoimunes,
particularmente no lúpus), infecções virais (HIV, sarampo,
poliomielite, influenza, varicela-zóster. O HIV causa linfocitopenia
seletiva do subtipo T CD4;
▶ Redistribuição linfocitária: diante de eventos estressantes,
como infecções, queimados e trauma, em resposta à elevação de
corticoide, ocorre desvio do linfócito do sangue periférico para os
tecidos — a mesma situação acontece diante dos quadros de
doença granulomatosa disseminada; tuberculose, sarcoidose;
▶ Mecanismo incerto: compreende doença de Hodgkin,
insuficiência renal, câncer, síndrome de Felty, infecção bacteriana
aguda no idoso.
Também pode decorrer de situações perdedoras de linfócitos,
como nas enteropatias perdedoras de proteínas e na insuficiência
cardíaca congestiva grave.
1.3.3.3 Monocitopenia

Contagem de monócitos abaixo de 100/mm3 de sangue. De


escasso valor clínico, exceto na leucemia de células cabeludas —
neoplasia de células B.
1.3.3.4 Eosinopenia

Contagem abaixo de 20/mm3, ocorre em quadros de infecções


agudas com neutrofilias acentuadas. É bastante útil para o
diagnóstico de casos de abdome agudo e ocorre também quando
em uso de corticoide e epinefrina.
1.3.3.5 Basopenia

De pouca aplicabilidade clínica.

Quais são os parâmetros


mais importantes a
serem avaliados no
hemograma?
Os níveis de hemoglobina e parâmetros relacionados
com anemia (VCM, HCM, CHCM, RDW), leucócitos e
alterações (leucocitose ou leucopenia e de qual
linhagem) e plaquetas.
Associação Médica do Paraná
O processo seletivo da AMP tem duas fases: a primeira é um
exame de múltipla escolha e a segunda é a defesa do currículo ou
uma prova prática. Para a primeira fase você terá que responder
100 questões, com cinco alternativas cada, nas áreas de Clínica
Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e
Medicina Preventiva e Social.
Para a prova da primeira fase, espere encontrar questões mistas.
Para Cirurgia, por exemplo, as perguntas costumam ser mais
diretas e conceituais, enquanto para Clínica Médica são mais
comuns casos clínicos. Estude com mais atenção os temas:
atendimento inicial ao politraumatizado, Cirurgia Vascular,
queimaduras, Ortopedia, hemorragia digestiva, abdome agudo,
Oncologia Gastrintestinal, insuficiência cardíaca, meningite,
endocardite, cefaleia, dislipidemia e pneumonia.
Também não se esqueça de estudar sangramento na gravidez,
ciclo ovariano, alterações da gravidez, pré-natal, parto, doenças
malignas da mama, vulvovaginites e cervicites, síndromes
respiratórias na infância, meningites, traumas na infância e
adolescência, aleitamento e reanimação neonatal. Sistema Único
Saúde (SUS), atestado de óbito, saúde do trabalhador e
Epidemiologia são temas importantes para as questões de
Medicina Preventiva e Social, mas de todas as cinco áreas essa é
a que ganha menor destaque na prova.
AMP | 2020
Paciente de 62 anos de idade, do sexo feminino procura seu
atendimento por alteração do hemograma. Apresenta
hemograma de quatro meses antes e atual com leucocitose às
custas de linfócitos (9.000/mm³). Nega perda ponderal, nega
febre, nega outros sintomas associados. Você solicitou TC de
tórax, abdome e pelve que não demonstrou linfadenopatia ou
hepatoesplenomegalia.
Considerando o diagnóstico mais provável, analise as assertivas.
I - O paciente tem indicação de tratamento com rituximabe,
fludarabina ciclofosfamida.
II - O acometimento da medula óssea ocorre apenas na menor
parte dos casos.
III - O quadro pode estar associado a trombocitopenia autoimune.
IV - A doença é rara em crianças.
Estão corretas somente as assertivas:
a) I e II
b) I e III
c) II e III
d) II e IV
e) III e IV
Gabarito: e
Comentários:
a) Veja o comentário geral na alternativa correta.
b) Veja o comentário geral na alternativa correta.
c) Veja o comentário geral na alternativa correta.
d) Veja o comentário geral na alternativa correta.
e)
I - Incorreta. Trata-se provavelmente de uma leucemia linfocítica
crônica. O tratamento pode ser feito com essas três drogas,
porém não obrigatoriamente as três como fica subentendido na
afirmativa.
II - Incorreta. Na leucemia linfocítica crônica o acometimento da
medula óssea ocorre em 100% dos casos.
III - Correta. Na leucemia linfocítica crônica podem ocorrer
fenômenos autoimunes, como anemia hemolítica autoimune, ou
trombocitopenia autoimune, como aparentemente este caso
apresenta.
IV - Correta. Podemos afirmar que a leucemia linfocítica crônica
praticamente não acomete crianças.

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