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Fibrose cística

Fisiopatologia:

Doença multissistêmica monogênica autossômica recessiva - braço longo do


cromossomo 7.

Mutação no gene que codifica um canal de cloro (CFTR) presente nas células
epiteliais. Mais comum: F508del. Mutação em trans.

CFTR: secreção de cloro → menor reabsorção de sódio → fluidificação das


secreções por osmose.

Defeito: maior reabsorção de sódio e água → secreções mais espessas.

ATENÇÃO: nas glândulas sudoríparas, a função do CFTR é diferente - reabsorve o


cloro para dentro da célula, causando maior reabsorção de sódio e água. Portanto, no
paciente com FC ocorre secreção excessiva de cloro e sódio no suor.

Tríade clínica: baixo ganho pondero estatural + esteatorreia + infecções pulmonares


de repetição.

Respiratório: secreção mais espessa dificulta o clareamento mucociliar e facilita o


acúmulo e contaminação de secreções.

Tosse crônica, pneumonias recorrentes, asma não responsiva ao tratamento,


agente atípicos em escarro (S. aureus, Pseudomonas), baqueteamento digital.

Sinusite crônica, polipose nasal.

Pâncreas: obstrução do ducto pancreático intralobular, levando à destruição do


pâncreas exócrino pela ativação das enzimas pancreáticas → síndrome de má
absorção intestinal. Baixo ganho pondero estatural. Fezes mal cheirosas,
volumosas e esteatorreicas. Deficiência de vitaminas lipossolúveis (ADEK) e
proteínas. Hipotrofia muscular e de subcutâneo. Prolapso retal.

Intestino: desidratação do bolo fecal → obstrução e íleo meconial.

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Sistema hepatobiliar: obstrução dos ductos biliares → doença hepatobiliar
canalicular = aumento discreto de enzimas hepáticas até cirrose multilobular com
hipertensão portal e hiperesplenismo. Pode ocorrer icterícia neonatal
colestática.

Sistema reprodutor masculino: ausência, atrofia ou obstrução das vias deferentes e


da cauda e corpo do epidídimo → infertilidade por azoospermia obstrutiva.

Glândulas sudoríparas: secreção excessiva de sódio e cloro, facilitando a


ocorrência de desidratação, hiponatremia e alcalose metabólica
hipoclorêmica.

Acometimento respiratório:
Colonização do trato respiratório: > 50% das culturas de secreção (+) no último ano.

Lactentes: S. aureus e H. influenzae.

Crianças: Pseudomonas aeruginosa não mucóide - responsiva a maior parte dos


ATB. Janela de oportunidade de eliminação.

Pseudomonas aeruginosa mucóide - forma biofilme. Maior resistência aos ATB +


menor virulência = não é passível de erradicação e contribui para aumentar a
resposta inflamatória → lesão progressiva.

Complexo Burkholderia cepacia: declínio da função pulmonar e mau prognóstico


mesmo após Tx.

Infecção e inflamação crônicas das VA:

Plugs de secreção purulenta nos bronquíolos.

Dilatação irreversível das VA → bronquiectasias.

Parênquima pulmonar: atelectasia, infecção.

Dano funcional: DPOC, com queda precoce e pronunciada dos fluxos terminais (FEF
25 - 75%), indicando comprometimento de pequenas vias aéreas, e depois
comprometimento do VEF1 e até da CVF.

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Complicações pulmonares: hipertensão pulmonar (hipóxia crônica), hemoptise
recorrente, pneumotórax.

Diagnóstico:

Padrão ouro: teste do suor > 60 mmol/L em 2 amostras.

Pesquisa de mutação do gene CFTR (2 mutações patogênicas fazem o


diagnóstico).

Testes função CFTR. Indicada se suspeita clínica + resultados inconclusivos de


teste do suor e teste genético.

Teste do pezinho (TRIAGEM): quantificação do tripsinogênio sérico (IRT) - marcador


indireto de dano pancreático. Não fecha nem exclui diagnóstico.

IRT alterado → colher novo IRT em 4 semanas → teste do cloro no suor.

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OBS.: o teste de condutividade é uma triagem. Se alterado, deve ser feita análise
quantitativa do cloro no suor.

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Seguimento e tratamento:
Doença respiratória:

Atividade física: auxulia desfechos funcionais e posturais.

Espirometria: toda visita ou pelo menos 2x/ano.

Rx tórax: anual. Realizar TC tórax se deterioração clínica, funcional ou radiológica.

Dornase alfa 2,5 mg 1x/dia 30 min antes da fisioterapia respiratória: a partir de 6 anos
desde estágios iniciais.

Substâncias mucocinéticas (hidratam secreção):

NaCl 7% 2x ao dia.

Manitol 400 mg 2x ao dia. Deve ser precedida de inalação por broncodilatadores.

Colonização:

Não expectorantes: swab secreção faríngea, aspirado nasofaríngea, lavado


broncoalveolar.

Colher a cada 3 meses (mínimo), nas exacerbações e após tratamento para


erradicação de infecção.

+ triagem anual para micobactérias e fungos.

Erradicação da P. aeruginosa:

Infecção inicial:

Inalatório: pode ser entendido até 2 - 3 meses.

Tobramicina inalatória 300 mg 2x ao dia por 28 dias.

Colestimetato de sódio (1.000.000 a 2.000.000 UI 2x/dia) + ciprofloxacina


oral por 2 a 3 semanas.

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ATB EV 2 semanas → TTO inalatório.

Infecção crônica: Tobramicina ciclos inalatórios 28 dias meses alternados.

OBS.: risco de broncoconstrição → atenção + fazer após broncodilatador.

Erradicação B. cepacia: resistência intrínseca. Recomenda-se TTO com duas drogas


guiado por antibiograma. Baixo nível de evidência.

Erradicação S.aureus resistente a meticilina: baixo nível de evidência.


Podem ser feitos protocolos mais curtos (< 3 semanas). Combinação de drogas
tópicas, orais, inalatórias - sulfametoxazol/trimetoprim, rifampicina, ácido fusídico,
clorexidina.

Dispositivos inalatórios:

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Salina hipertônica: ultrassônicos.

Tobramicina, colistimetato, dornase alfa: a jato de ar ou membrana vibratória ativa.

Aztreonam: membrana vibratória ativa.

Sucesso: ausência da bactéria por 1 ano nas culturas subsequentes.

Azitromicina VO 3x/sem: > 5 anos + cronicamente colonizado por P. aeruginosa OU


não colonizados com exacerbações frequentes. Melhora função pulmonar e reduz
exacerbações. Dose: 250 mg paranpeso < 40 kg e 500 mg para peso > 40 kg.
Devido à possibilidade de interação medicamentosa entre azitromicina e
aminoglicosídeos, o uso combinado com tobramicina inalatória deve ser reavaliado
principalmente nos pacientes com exacerbações frequentes a despeito do tratamento
otimizado.

Oxigenioterapia: deve ser avaliada individualmente quando a SpO2 estiver abaixo de


90% para aliviar a dispneia, retardar o cor pulmonal e melhorar tolerância ao exercício.
Sem aumento da sobrevida.

PaO2 < 55 mmHg ou SpO2 < 88%, independentemente da


sintomatologia.

A via preferencial é a cânula nasal com o menor fluxo possível para manter a SpO2
acima de 90%.

Qual é a indicação do uso de broncodilatadores na fibrose cística?


Os broncodilatadores demonstraram benefícios apenas em pacientes com hiper-
responsividade brônquica comprovada ou evidência de asma; nesse último caso,
devem ser utilizados em associação com um corticosteroide inalatório.

Doença gastrointestinal e nutricional:


Distúrbios hidroeletrolíticos: desidratação, hiponatremia, hipocalemia, hipocloremia,
alcalose hipoclorêmica. vida. Neonatos e lactentes em uso de leite materno ou de

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fórmulas infantis devem receber suplementação de cloreto de sódio, na dose de 2,5-3,0
mEq/kg/dia.

Insuficiência pancreática exócrina:

QC: esteatorreia, diarreia crônica, baixo ganho de peso, hipovitaminose (ADEK),


anemia, edema, hipoalbuminemia.

Triagem: avaliação qualitativa de gordura nas fezes (Sudam III).

Diagnóstico: dosagem de elastase fecal < 200 ug/g de fezes a partir de 2 sem de
idade. Padrão ouro: determinação quantitativa de gordura fecal pelo método de Van
de Kamer.

Seguimento: elastase fecal anual.

TTO: reposição enzimática - conforme clínica e dieta. Tomar no ínicio ou durante


refeições.

Manifestações hepáticas e de vias biliares:

A cirrose multilobar com insuficiência hepática é rara, mas “barro biliar” e litíase nas
vias biliares são frequentes e geralmente assintomáticos.

Seguimento: avaliação clínica em todas as consultas, enzimas hepáticas + TP,


USG abdominal anual. EDA se HDA.

TTO - melhorar fluxo biliar: ácido ursodesoxicólico na dose de 15-20 mg/ kg/dia (2-
3 tomadas) é recomendado, mas seu uso é controverso na literatura médica.

Estado nutricional:

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A prevenção dos distúrbios nutricionais pressupõe a ingestão de uma dieta
hipercalórica e hiperproteica, suplementação vitamínica, terapia de reposição
enzimática e controle das infecções/exacerbações/ outras comorbidades da fibrose
cística. O tratamento envolve terapia comportamental, uso de suplementos nutricionais,
uso de dieta enteral via sonda nasoenteral numa fase aguda e via gastrostomia para
uso prolongado.

Ingestão energética de 110 - 200% do recomendado para idade e sexo.

35 - 40% da energia fornecida por lipídios.

Diabetes mellitus:

Rastreamento a partir dos 10 anos - TTOG anual.

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Outras indicações: piora clínica inexplicável, antes de Tx, pacientes em uso de
corticóide, gestação, uso de suporte enteral.

TTO: insulina. Calorias e carboidratos não devem ser restringidos, mas deve-se
optar por carboidratos complexos e de baixo índice glicêmico e distribuí-los em
porções e intervalos menores (2-3 h).

Doença pulmonar TGI 1

- Cultura e escarro ou orofaringe - Esteatócrito ou elastase fecal -


periódica - Espirometria a cada consulta Avaliação do aspecto das fezes -
Seguimento ou, no mínimo, 2x/ ano - Rx tórax anual USG abdômen anual - Dosagem
- TC tórax quando deterioração clínica, anual de TGO, TGP GGT, FA, BTF,
funcional ou radiológica coagulograma e PTF
Melhorar o clareamento mucociliar-
Atividade física regular- Fisioterapia
Dieta hipercalórica, hipergordurosa
Tratamento respiratória- Dornase-alfa inalatória (a
e hiperproteica
partir dos 6 anos)- Inalação NaCl 7% +
broncodilatador

Azitromicina - imunomodulador indicado


Reposição de enzimas
para pacientes cronicamente infectados
pancreáticas (lipase, amilase,
por P. aeruginosa ou com
protease - Creon)
bronquiectasias
ATB inalatório para erradicação ou Reposição de vitaminas
supressão de P. aeruginosa lipossolúveis ADEK
O2 domiciliar (hipoxemia ou hipertensão Ursacol para tratamento de doença
pulmonar hepática colestática
TX pulmonar quando VEF1 < 30% ou Gastrostomia para alimentação
em declínio franco. noturna em desnutridos.

Tratamento moduladores da CFTR:

Potencializadores (aumentam a função da proteína que é expressa na membrana


plasmática - classes III, IV e V): ivacaftor - mutações classe III e R117H.

Corretores (corrigem defeitos na proteína que não é expressa na membrana da


célula - classes I e II): ataluren - classe I paciente sem uso de tobramicina.

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Classe II F508del (mais prevalente): associação ivacaftor/lumacaftor
(potencializador + corretor).

Exacerbações respiratórias: aumento da tosse, alteração do aspecto das secreções,


febre, alterações na ausculta pulmonar, queda do VEF, queda da saturação, alterações
radiológicas, perda ponderal.

Colher HMG, HMC, cultura de escarro + Rx tórax.

Para exacerbações leves (sem hipoxemia ou desconforto respiratório significativo),


utilizar antimicrobianos por via oral.

Para exacerbações graves ou com intolerância por medicamentos por via oral, o
tratamento intravenoso é recomendado
(habitualmente intra-hospitalar).

Escolha ATB = de acordo com o resultado da última cultura de secreção


respiratória. Duração conforme resposta clínica - 8 a 14 dias.

OBS.: A farmacocinética dos antibióticos é alterada nos indivíduos com fibrose cística e
as dosagens devem ser ajustadas.
Para P. aeruginosa, recomenda-se a combinação de dois ou mais antibióticos.

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Apesar do tratamento intensivo, aproximadamente 25% dos pacientes que apresentam
uma exacerbação pulmonar aguda com necessidade de tratamento intravenoso não
recuperam totalmente os valores de função pulmonar.

Ventilação:

Invasiva: baixa sobrevida, principalmente quando indicada por infecção respiratória.


Está indicada se insuficiência respiratória por fator precipitante agudo e corrível
(hemoptise maciça, pneumotórax, pós-OP).

Ventilação não invasiva: adjuvante no TTO de exacerbações, hipercapnia diurna,


distúrbios do sono.

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Complicações respiratórias:

Pneumotórax: dispneia + dor torácica de inicio súbito. Drenagem indicada apenas se


pneumotórax grande ou com instabilidade clínica. Nesses casos associar VNI e
fisioterapia respiratória. Pleurodese se pneumotórax recorrente.

Hemoptise:

Sangramentos ≥ 5 ml ⇒ ATB para exacerbação pulmonar.


Sangramentos ≥ 240 ml/dia ou > 100 ml/dia por vários dias ⇒ considerar
broncoscopia ou embolização de artérias brônquicas se repercussão. Cirurgia
apenas casos refratários.

Aspergilose broncopulmonar alérgica:

Rastreamento: IgE total.

TTO: prednisona oral com ou sem antifúngico.

OBS.: A presença de Aspergillus spp. no escarro geralmente


não significa doença (correlacionar com clínica).

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Infecções por micobactérias não tuberculosas: M. avium-intracellulare, M. chelonae e
M. abscessus. TTO com pelo menos 3 ATB, incluindo um macrolídeo.

Complicações gastrointestinais:
Íleo meconial:

IU: polidrâmnio, peritonite meconial, distensão ileal.

Ausência da eliminação de fezes nas primeiras 48h HV + distensão abdominal e


vômitos (AAO).

Enemas hiperosmolares, SNG aberta, hidratação e controle eletrolíticos.

OBS.: possível causa de falso negativo no teste do pezinho = sempre investigar FC.

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Síndrome da obstrução intestina distal: dor abdominal intermitente, náuseas/ vômitos,
massa palpável no QID, distensão abdominal.

Incompleta: hidratação oral + laxativos (PEG).

Completa: hidratação EV, sondas e enemas com PEG ou solução de diatrizoato de


meglumina + diatrizoato de sódio.

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