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Bioquímica Estrutural

e Metabólica Aplicada
à Biomedicina
Material Teórico
Energética e Metabolismo: Lipídeos

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Esp. Flávia Bonfim Lima

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Energética e Metabolismo: Lipídeos

• Lipídeos;
• Digestão, Absorção e Transporte de Lipídeos.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Apresentar a estrutura, a classificação e a função dos lipídeos;
• Compreender de forma geral de todo funcionamento (síntese, degradação e excreção) e a
regulação hormonal do metabolismo dos lipídeos, e como se relacionam a doenças como,
por exemplo, o Diabetes.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
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organizados.
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contato com seus de Material
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para estudar.

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Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Lipídeos
Os lipídeos são moléculas abundantemente encontradas na Natureza. Estão
presentes tanto no reino animal quanto no vegetal, desempenhando as mais va-
riadas funções.

Nos vegetais, podem aparecer desempenhando funções como reserva energé-


tica, pigmentos, impermeabilizantes de folhas, síntese de precursores e confere
textura e aroma aos frutos, entre outras.

Já nos animais, os lipídeos aparecem como participantes de várias reações e


processos importantes.

Vejamos algumas delas:

Reserva
energética

Estrutura de Isolamento
membranas térmico/físico

Lipídeos
Precursores Precursores
de vitaminas de hormônios
lipossolúveis

Absorção Digestão
de cálcio (sais biliares)

Figura 1

Quimicamente, os lipídeos são moléculas constituídas de carbono, hidrogênio e


oxigênio. Algumas vezes, podem aparecer ligados a átomos de enxofre e nitrogê-
nio. São insolúveis em água, mas solúveis em solventes orgânicos. Essa caracterís-
tica físico-química reflete a natureza química dessas moléculas.

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Podemos agrupar os lipídeos em dois grupos, de acordo com as suas caracterís-
ticas químicas:

Cadeia aberta e cabeça Cadeia cíclica


polar e caudas apolares

Ácidos graxos Esteróides

Triacilgliceróis

Fosfolipídeos

Glicolipídeos

Figura 2

Vamos explorar um pouco de cada um destes compostos, a seguir.

Ácidos graxos
Os ácidos graxos são moléculas hidrocarbonadas ligadas ao grupo carboxíli-
co. Essas cadeias podem variar no número de carbonos, de 4 até 36. E podem
ser de dois tipos: cadeia saturada, quando apresentar apenas ligações simples
entre os carbonos, e insaturada, quando apresentar duplas ligações entre os car-
bonos na cadeia.

Se houver apenas uma ligação na cadeia, é chamado de monoinsaturado


(Monounsaturated Fatty Acid – MUFA); se houver várias duplas ligações ao longo
da cadeia, ele é chamado de poliinsaturado (Polyunsatureted Fatty Acid – PUFA).

Os ácidos graxos insaturados ainda apresentam estereoisomeria, podendo ser


do tipo cis ou trans.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Figura 3
Fonte: Adaptado de Khan Academy

Os ácidos graxos trans não são sintetizados pelo nosso organismo. São produ-
zidos industrialmente, a partir de uma reação de hidrogenação, com finalidade de
aumentar a estabilidade de produtos alimentícios, melhorar texturas e sabores, e
estão fortemente ligados a doenças cardiovasculares.

Os ácidos graxos também apresentam como característica sua natureza anfifíli-


ca, isto é, a sua estrutura química apresenta uma região polar e outra apolar.

Essa característica é fundamental para o papel que os ácidos graxos desempe-


nham em estruturas, como na membrana biológica.

Tabela 1 – Alguns ácidos graxos de ocorrência natural


Esqueleto de carbono Estrutura* Nome sistemático** Nome comum (derivação)
Ácido láurico (do latim, laurus,
12:0 CH3(CH2)10COOH Ácido n-dodecanoico
“árvore de louro”)
Ácido mirístico (do latim, Myristica,
14:0 CH3(CH2)12COOH Ácido n-tetradecanoico
gênero da noz-moscada

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Esqueleto de carbono Estrutura* Nome sistemático** Nome comum (derivação)
Ácido palmítico (do latim,
16:0 CH3(CH2)14COOH Ácido n-hexadecanoico
palma, “palmeira”)
Ácido esteárico (do grego, stear,
18:0 CH3(CH2)16COOH Ácido n-octadecanoico
“gordura dura”)
Ácido araquídico (do latim,
20:0 CH3(CH2)18COOH Ácido n-eicosanoico
Arachis, gênero de leguminosa)
Ácido lignocérico (do latim,
24:0 CH3(CH2)22COOH Ácido n-tetracosanoico
lignum, “madeira” + cera)
CH3(CH2)5CH=
16:1(∆9) Ácido cis-9-hexadecenoico Ácido palmitoleico
CH (CH2)7COOH
CH3(CH2)7CH=
18:1(∆9) Ácido cis-9-octadecenoico Ácido oleico (do latim, oleum, “óleo”)
CH (CH2)7COOH
CH3(CH2)4CH=
Ácido cis-, cis-9,
18:2(∆9,12) CHCH2 CH= Ácido linoleico (do grego, linon, “linho”)
12-octadecadienoico
CH(CH2)7COOH
CH3CH2CH=
CHCH2CH= Ácido cis-, cis-, cis-9, 12,
18:3(∆9,12,15) Ácido α-linolênico
CHCH2CH= 15-octadecatrienoico
CH(CH2)7COOH
CH3(CH2)4CH=
CHCH2 CH=
Ácido cis-, cis, cis-, cis-5, 8, 11,
20:4(∆5,8,11,14) CHCH2CH= Ácido araquidônico
14-eicosatetraenoico
CHCH2 CH=
CH(CH2)3COOH
Fonte: Nelson, 2014, p. 358

Ainda sobre os ácidos graxos, você já deve ter ouvido falar muitas vezes sobre
“ômega 3 e ômega 6,” certo?

Mas o que são essas substâncias? Quais as diferenças entre eles e os demais
ácidos graxos? Qual a sua função?

Bem, o ômega-3 e o ômega-6 são grupos de ácidos graxos denominados es-


senciais. Isso porque não podem ser sintetizados “do zero” pelo nosso organismo.

Sendo assim, a única fonte de obtenção desses ácidos graxos é via alimentação.
Eles podem ser encontrados em alimentos como peixes de água fria salmão, sardi-
nha, atum, bacalhau, e também em óleos vegetais.

Os ácidos graxos do grupo ômega 3 apresentam a primeira dupla ligação lo-


calizada no carbono 3 da molécula. A partir da extremidade oposta, a carboxila
os ácidos graxos do grupo ômega seis apresentam essa primeira dupla ligação no
carbono 6.

Os ácidos graxos ômega 3 são essenciais para a o desenvolvimento cerebral


dos recém-nascidos, pois correspondem a um terço da estrutura de lipídeos
no cérebro.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Além disso, estão envolvidos com os principais ácidos graxos do grupo ômega 3,
que são:

Alfa-linolênico (ALA):
O
9 6 3 1
ω
α
HO 1 9 12 15 18

Eicosapentanoico (EPA):

Docasahexanoico (DHA):

Figura 4
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

De forma geral, os ácidos graxos da família ômega 3 estão envolvidos em pro-


cessos fisiológicos importantes no organismo, como controle da pressão arterial e
prevenção de doenças cardiovasculares, e reduzem formação de coágulos (inibem a
agregação plaquetária), desenvolvimento cerebral, prevenção de inflamações (anti-
-inflamatório), transmissão de impulsos nervosos, membranas celulares, redução do
colesterol, síntese da hemoglobina e divisão celular.

Do grupo ômega 6, podem ser obtidos de alimentos de origem vegetal como


óleos vegetais de soja, milho e girassol.

Os mais relevantes são:

Figura 5
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

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Os ácidos graxos da família ômega 6 são pró-inflamatórios. Eles aumentam a
produção de citocinas com ação vasoconstritora e promovem agregação plaquetária.
Estão relacionados à ocorrência de doenças cardiovasculares, autoimunes e inflama-
tórias, como artrite, asma, psoríase, lúpus e colite ulcerativa (MARTIN, 2006).

β-Oxidação
Os ácidos graxos, assim como a glicose, são fonte de energia. Vejamos, a seguir,
como ocorre o catabolismo dos ácidos graxos por meio do processo chamado
de β-oxidação.

A β-oxidação é um processo que consiste em uma série de reações de oxidação


com a finalidade de reduzir uma cadeia carbônica longa de ácido graxo a uma mo-
lécula de acetil CoA.

Esse acetil CoA formado será oxidado no Ciclo de Krebs para a geração de
energia. O processo de β-oxidação tem início com a ativação do ácido graxo por
meio de uma reação de esterificação com a CoASH, gerando o Acil CoA (ácido
graxo ligado a CoA).

Essa reação ocorre no citoplasma:

Ácido graxo + Coa + ATP acil coA + AMP + PPi


PPi + H2O 2Pi + H2O

Figura 6

O acil CoA formado pode ter dois destinos: citoplasma, onde poderá ser utiliza-
do na síntese de lipídeos de membrana, ou mitocôndria, onde será utilizado para
geração de energia. O destino final depende da necessidade do organismo.

O ácido graxo de cadeia longa (mais de 14 carbonos) é transportado pela carni-


tina para a matriz mitocondrial, onde ocorrerá a degradação dessa molécula.

Os de cadeia curta (até 12 carbonos) podem atravessar a membra mitocondrial:

Figura 7
Fonte: Nelson, 2014

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Podemos resumir esse processo em 4 reações importantes:

Figura 8
Fonte: Adaptado de Nelson, 2014

1. Acil-CoA é oxidado a enoil-CoA, com redução de FAD a FADH2;


2. Formação de 3-hidroxiacil-CoA, a partir de uma reação de hidratação;
3. Formação de beta-cetoacil-CoA e NADH, a partir da oxidação do gru-
po carbonila;
4. Quebra, do o β-cetoacil-CoA, que reage com uma molécula de CoA, for-
mando um acetil-CoA e um acil-CoA, que continua no ciclo até ser conver-
tido a acetil-CoA. A cada ciclo, dois carbonos são removidos via oxidação,
até restar a estrutura final de acetil CoA, conhecido como ciclo de Lynes:

Figura 9
Fonte: Nelson, 2014

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O número de voltas, nesse ciclo, dependerá do número de carbonos do ácido graxo.

O ác. Palmítico, por exemplo, possui 16 carbonos. Serão necessárias 7 voltas


nesse ciclo para chegar à estrutura final, e serão geradas 8 moléculas de acetil CoA,
que continuarão a serem oxidadas no Ciclo de Krebs.

No caso de ac. Graxos de cadeia com número ímpar de carbono, o produto final
gerado é um acetil CoA e um propionil CoA, ao invés de dois Acetil CoA.

O propionil CoA será convertido a succinil CoA, que é um dos intermediários


do Ciclo de Krebs.

Balanço energético
Cada molécula de ácido palmítico produz, por meio da β- oxidação, 8 Acetil
CoA, 7 NADH, 7 FADH2.

Triacilgliceróis
De forma geral, são compostos resultante da reação de esterificação de ácidos
graxos, com três grupos hidroxilas do glicerol:

Figura 10
Fonte: Adaptado de Bruice, p. 490

São lipídeos que, diferente dos ácidos graxos, não aparecem com função estrutu-
ral, participando da composição de membranas biológicas, são lipídeos de reserva,
sendo armazenados nos adipócitos, células do tecido adiposo responsáveis pelo
armazenamento de gordura.

Assim, o triacilglicirol é uma fonte de reserva energética mais eficiente que os


carboidratos, por serem menos oxidados e, por conta da sua natureza apolar, ne-
cessita de menos água de solvatação para ser armazenado, diferente dos carboidra-
tos, que são moléculas polares e, por isso, interagem muito mais com a água.

Quando há necessidade de consumo energético do organismo, a enzima lipase


catalisa uma reação de hidrólise nas ligações ésteres do triacilglicerol, liberando os
ácidos graxos para serem oxidados e, assim, produzirem energia.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Figura 11
Fonte: Adaptado de LASOŃ; OGONOWSKI, 2010

Fosfolipídeos
É uma classe de lipídeos que apresentam a seguinte estrutura:

Figura 12
Fonte: Khan Academy/OpenStax Biology

Como vemos na Figura acima, o fosfolipídeo é formado por uma “cabeça” hi-
drofílica e caudas hidrofóbicas. A porção da cabeça hidrofílica é formada por glice-
rol ligado ao grupo fosfato (que é carregado negativamente, o que aumenta a sua
interação com a água), já a cauda é formada por ácidos graxos de cadeia longa,
podendo ser do tipo saturadas ou insaturadas, ou ambas.

Por conta dessa estrutura, recebem o nome de anfifílicos, que significa que esta
estrutura possui regiões hidrofóbicas e hidrofílicas na mesma estrutura, o que per-
mite que ela faça interação entre dois ambientes diferentes.

A principal função dos fosfolipídeos é compor a estrutura das membranas bioló-


gicas. Juntos, formam o que chamamos de bicamada lipídica.

Você já parou para pensar como as células mantém sua organização intacta
fisicamente, sendo que o nosso organismo tem uma grande proporção de água?

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Pois bem! Os fosfolipídeos exercem uma função muito importante nas membra-
nas celulares. Para que as células mantenham sua estrutura física em nível organi-
zacional, é necessário que haja uma barreira que separe o meio celular de todo o
resto do entorno.

Mas, além disso, é necessário eu essa barreira permita a passagem de nutrientes


importantes para a sobrevivência da célula.

Essas são as principais características de uma membrana celular. Vejamos, na


Figura a seguir, como os fosfolipídeos executam essas funções:

Figura 13
Fonte: Khan Academy/OpenStax Biology

Glicolipídeos
São lipídeos ligados a moléculas de carboidratos. Essa união se dá pela ligação
de um carboidrato ligado a um grupo álcool de um lipídeo, por meio de uma li-
gação glicosídica.

Os glicolipídeos apresentam uma porção de sua estrutura polar e uma cadeia


apolar. A região polar da estrutura é correspondente ao carboidrato, e pode ser
muito complexa.

Os esfingolipídeos, por exemplo, formam um grupo de glicolipídeos, que apre-


sentam, na sua estrutura, esfingosina, um amino álcool orgânico alifático ou uma
substância estruturalmente semelhante.

Dentro desse grupo, temos, por exemplo, ceramidas, gangliosídeos, cerebrosíde-


os, sulfatídeos e esfingomielina.

Os esfingolipídeos aparecem como componentes de membrana celular e algu-


mas vezes participando de sinalização celular. São os principais constituintes das
células nervosas (bainha de mielina).

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Esteroides
Os lipídeos classificados como esteroides apresentam as mais variadas funções
no organismo, mas quimicamente todos eles apresentam a mesma estrutura básica:
três anéis (A, B e C) de seis átomos e um com cinco (D) fundidos entre si:

C D

A B

Figura 14

O esteroide mais importante de grupo é o colesterol. Ele aparece como compo-


nente fundamental de membranas celulares, fornecimento de energia.

Por ser precursor de várias moléculas importantes para o funcionamento do


organismo, ele ganha espaço dentro desta categoria. Ácidos biliares, hormônios
sexuais femininos e masculinos, vitamina D3, A, E e K (vitaminas lipossolúveis) são
alguns exemplos da participação do colesterol como precursor:

Estradiol Testosterona Progesterona


Figura 15
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Digestão, Absorção e Transporte de Lipídeos


Podemos dividir o processo de digestão dos lipídeos em 3 etapas, de acordo com
o local em que acontece.

Boca
A maior parte dos lipídeos ingeridos na dieta são do tipo triacilgliceróis e, embo-
ra não ocorra a digestão propriamente dita na boca, pois não acontece nenhuma
reação de hidrólise dessas moléculas, a etapa da boca é mencionada, pois aqui a
presença dos lipídeos estimula a secreção da lipase lingual.

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Sua atuação é quase irrelevante, principalmente, pela sua localização na base da
língua. Sendo assim, não permanece na língua.

Estômago
Quando o alimento chega no estômago, a lipase gástrica digere uma pe-
quena parte dos lipídeos. O pH, demasiadamente ácido, reduz a velocidade da
atividade da lipase gástrica. Com isso, apenas poucas cadeias de ácido graxos
são quebradas.

A participação mais relevante do estômago na digestão dos lipídeos está rela-


cionada aos movimentos peristálticos, que promovem a mistura ou a dispersão dos
lipídios de forma a preparar o bolo alimentar para a etapa seguinte.

Duodeno
Nessa porção do intestino, ocorre a digestão propriamente dita. Aqui, a presen-
ça do bolo alimentar acidificado estimula a liberação do hormônio colicistocinina
que, por sua vez, estimula a liberação da bile e a secreção de enzimas pancreáticas.

Os sais biliares atuam como tensoativos, emulsificando os lipídeos do bolo ali-


mentar e, assim, facilitam a atividade das lipases pancreáticas que reduzirão os
triglicerídeos a diglicerídeos, monoglicerídeos, até chegar à forma de ácidos graxos
livres e glicerol.

Absorção
Ainda no duodeno, após a ação das lipases, os ácidos graxos e os diglicerídeos
podem ser absorvidos. A absorção desses lipídeos pela mucosa duodenal envolve a
formação de uma estrutura importante chamada de micela.

Os lipídeos são organizados nessa estrutura e, assim, podem ser deslocadas do


lúmen intestinal para a superfície dos enterócitos e apropriadamente absorvidos.

A micela é uma estrutura que reúne e mantém unidas entre si por meio de inte-
rações fracas (força de Van der Walls) moléculas anfifílicas.

Essa formação é importante, pois os lipídeos se encontram em meio aquoso, a


porção polar dos ácidos graxos tende a interagir com a água do meio, ocasionando
a dispersão desses lipídeos.

As porções apolares interagem internamente de forma a posicionar as regiões


polares para o exterior.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Vejamos a Figura a seguir para ilustrar esse conceito:

Figura 16
Fonte: Nelson, 2014

Transporte
Após serem absorvidos pelas células intestinais, os ácidos graxos são direciona-
dos ao retículo endoplasmático liso, onde serão convertidos novamente em triacil-
gliceróis e incorporados em uma outra estrutura chamada quilomícron.

O quilomícron é uma lipoproteína, formada por triacilglicerol da dieta (de 85 a


95%), fosfolipídios, colesterol livre e proteínas (de 1 a 2%).

Em função da proporção de lipídeos ser maior em sua composição, uma carac-


terística do quilomícron é que ele apresenta uma densidade menor que a da água e,
por isso, ele é capaz de flutuar em meio aquoso, dando ao plasma um aspecto leitoso.

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Explor
Estrutura molecular de um quilomícron: http://bit.ly/30JL6Tu

O quilomícron possui apoproteínas chamadas de B-45, Citocromo II e III, que


são responsáveis por sinalizar a absorção e o metabolismo dos componentes
do quilomícron.

Outras lipoproteínas importantes no transporte de lipídeos são as apresentadas


a seguir.

HDL
Lipoproteína de alta densidade ou Hight Density Lipoprotein é caracterizada
por possuir o menor tamanho de partícula, mas a maior densidade dentre as três
formas do quilomícron.

Sua estrutura é formada, basicamente, por um núcleo hidrofóbico, composto,


principalmente, por ésteres de colesterol, uma fração menor de triacilgliceróis e
colesterol não-esterificado.

Mais externamente, apresenta uma camada de fosfolipídeos, colesterol não-es-


terificado e apolipoproteínas. Além disso, também transporta algumas proteínas
importantes para o metabolismo dos lipídeos.

O HDL transporta o excesso de colesterol dos tecidos para o fígado, para que
possa ser eliminada pelo organismo, por isso é conhecido como “bom colesterol”.

LDL
Lipoproteína de alta densidade ou Low Density Lipoprotein, responsável por
transportar o colesterol do fígado e do intestino proveniente da dieta para os
locais onde serão produzidos esteroides, além de serem distribuídos às membra-
nas celulares.

É conhecido como o “mau colesterol”, justamente por sua função estar associa-
da a doenças cardíacas.

VLDL
As lipoproteínas de densidade muito baixa (Very-Low Density Lipoproteins)
são responsáveis por transportar triacilgliceróis do fígado para o músculo e o
tecido adiposo.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

O excesso de carboidratos da dieta é convertido em triacilgliceróis no fígado e


transportado na forma de VLDL:

Figura 17
Fonte: Nelson, 2014

Vejamos o resumo do processo de digestão, transporte e armazenamento de


lipídeos demonstrados na Figura a seguir:

Figura 18
Fonte: Adaptado de UFPE

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Lipogênese
Triacilgliceróis
A biossíntese dos triacilgliceróis envolve algumas etapas importes. Ela ocorre
no tecido adipose e no fígado, mais especificamente, no retículo endoplasmático
liso das células, embora algumas enzimas envolvidas encontram-se no citosol e
na mitocôndria.

Inicialmente, o glicerol, utilizado como precursor nessa reação, é um glicerol


fosfatado, isto é, no lugar de uma hidroxila ele apresenta um grupo fosfato:

Figura 19
Fonte: Wikimedia Commons

Esse glicerol-3-fosfato é proveniente da via da glicólise e pode ter como fonte,


também, a degradação de ácidos graxos:

Fígado Fígado
Tecido Adiposo
Glocerol
(metabolismo das quilomícons no adipócito) Glicose
ATP
Glicólise
Glicerol quinase ADP
Dihidroxicetina-P
NADH
O glicerol-3-P pode Glicerol-3-P
ser produzido, NAD desidrogenase
diretamente, a Glicerol-3-P
partir do glicerol
no fígado, devido à
presença da enzima
glicerol quinase,
nesse orgão Triacilglicerol
Figura 20

Na próxima etapa dessa síntese, duas moléculas de acilcoenzima A, que são


coenzimas com cadeia carbônica extensa de ácidos graxos, ligam-se ao glicerol-3-
-fosfato originando o ácido fosfatídico.

Na sequência, o grupo fosfato é removido em uma reação catalisada pela enzima


ácido fosfatídico fosfatase, originando o diacilglicerol. Na sequência, outra molécula
de acilcoenzima A se une ao diacilglicerol, originando o triacilglicerol:

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Glicerol 3 - Fosfato

Acil-CoA
aciltransderase
CoA-SH

ácido lisofosfofatídico

Acil-CoA
aciltransderase CoA-SH

ácido fosfatídico

H2O
Fosfatase Pi

Diacilglicerol

Acil-CoA
aciltransderase
CoA-SH

Triacilglicerol
Figura 21 – Biossíntese de Trianilglicerol

Biossíntese do colesterol
A síntese de colesterol ocorre em duas áreas das células (em mamíferos, na maior
parte em células hepáticas e intestinais), no citosol e no retículo endoplasmático.

Podemos dividir essa via em 4 etapas principais:


• Etapa 1: conversão do Acetil CoA em mevalonato que ocorre por meio de
três reações. Duas moléculas de acetil-coA condensam. Essa reação é catali-
sada pela enzima tiolase, formando acetoacetil-coA que, em seguida, une-se a
uma terceira molécula de acetil-CoA, formando o β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA
(HMG-CoA), reação catalisada pela HMG-CoA sintetase. O HMG-CoA é re-
duzido a mevalonato pela HMG-CoA redutase;
• Etapa 2: mevalonato é convertido em unidades isoprenoides ativadas. Isso se dá
pela fosforilação do mevalonato (são adicionados 3 grupos fosfato à molécula);
• Etapa 3: seis unidade de isoprenoides se unem por meio de uma reação de
condensação formando o esqualeno, uma estrutura com 30 átomos de carbono;
• Etapa 4: na etapa final, ocorre no retículo endoplasmático e corresponde à
ciclização do esqualeno, originando os quatro anéis do núcleo esteroide.

Essa reação origina um precursor que após 20 reações sucessivas dará origem
à molécula de colesterol:

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Figura 22
Fonte: Wikimedia Commons

Como vimos anteriormente, o colesterol é um precursor de diversas moléculas


no nosso organismo. Uma delas é a bile, e o seu principal meio de excreção é nas
fezes, por meio dos sais biliares.

Biosíntese de ácido graxo


Quando o organismo apresenta excesso de carboidratos, gorduras ou proteínas
provenientes da dieta, então, o organismo será direcionado para o armazenamento
desse excesso na forma de gordura.

Na síntese dos ácidos graxos, teros como doadores de carbono (ponto de parti-
da), o acetil CoA e malonil CoA, eE como fonte redutora, teremos o NADPH.

Ocorre no citoplasma das células, em especial das células hepáticas, mas tam-
bém ocorre nas adiposas e glândulas mamárias.

O acetil CoA proveniente da glicose (piruvato), oxidação de ácidos graxos e de


alguns aminoácidos está localizado nas mitocôndrias, e para que a síntese de ácido
graxo ocorra no citoplasma, esse acetil CoA precisa ser transportado.

Então, o acetil CoA é transportado na forma de citrato. As enzimas envolvidas


nesse transporte são a tricarboxilato translocase e o piruvato translocase.

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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Um aspecto importante da biossíntese dos ácidos graxos é que as enzimas que


catalisam essa síntese estão organizadas na forma de um complexo enzimático
chamado de acil-sintase. É composto por seis enzimas, com a participação da ACP
(proteína carregadora de acila) e utiliza a coenzima NADPH.

É o término do alongamento da cadeia de ácido graxo pela adição de dois áto-


mos de carbono por meio de uma sequência de repetições de quatro etapas que
resulta na formação do ácido palmítico.

Podemos resumir a síntese da cadeia de ácidos graxos em 4 etapas:


• Primeira etapa: condensação de grupos acetila e malonilas ativados, forman-
do o acetoacetil-ACP, e a liberação de um CO2. Com isso, temos a adição de
dois átomos de carbono à cadeia de ácido graxo. O produto b-cetônico dessa
condensação é, então, reduzido em três etapas seguintes, praticamente idênti-
cas às reações de b-oxidação, mas na sequência inversa;
• Segunda etapa: o grupo b-cetônico é reduzido a um álcool;
• Terceira etapa: eliminação de uma molécula de água e consequente formação
de uma dupla ligação;
• Quarta etapa: a dupla ligação é reduzida, formando um grupo acil graxo saturado:

Figura 23
Fonte: Nelson, 2014

26
Na Figura a seguir, temos a visão global do processo:

Figura 24
Fonte: Nelson, 2014

Agora, vamos comparar a biossíntese e a degradação dos ácidos graxos no


Quadro a seguir:

Quadro 1
Degradação Biossíntese
1 Acetil-CoA é o produto Acetil-CoA é o precursor
2 Molonil-CoA não está envolvido Molonil CoA é a fonte das unidades de dois carbonos
3 É um processo oxidativo, requer NAD+ e FAD e produz ATP É um processo redutor, requer NADPH e ATP
Ácidos graxos formam tioésteres com as proteínas
4 Ácidos graxos formam tioésteres com CoA-SH
transportadores de acila (ACP-SH)
5 Início na extremidade carboxila (CH3COO –) Início na extremidade metila (CH3CH2–)
6 Ocorre na matriz mitocondrial Ocorre no citosol
7 Os intermediários β-hidroxiacil apresentam a configuração L Os intermediários B-hidroxiacil apresentam a configuração D
Fonte: http://bit.ly/2sXH2CM

Dessa forma, podemos observar que o processo de biossíntese não é simples-


mente o caminho inverso da degradação.

Eles acontecem em locais diferentes da célula. Na oxidação, temos uma remoção


sucessiva de dois carbonos, até que se chega na forma do acetil CoA.

Na biossíntese, temos um complexo enzimático específico catalizando a síntese


dos ácidos graxos.

27
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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Cetogênese e Cetólise
O termo cetogênese refere-se à formação de corpos cetônicos. Esses compostos
apresentam um grupo cetona em sua estrutura, e são conhecidos como acetoace-
tato, acetona e β-hidroxibutirato.

O O O
C C C
H3C CH2 O– H3C CH3
Acetoacetato Acetona

OH O
C C
H3C O–
CH2
H
D-beta-hidroxibutirato
Figura 25

Sintetizados nas mitocôndrias dos hepatócitos, são resultado do excesso de acetil


CoA produzido na conversão de utilização do ácido graxo em glicose para gerar
energia (lipólise).

Esse quadro é típico quando o organismo se encontra em estado de jejum pro-


longado, no qual há baixo nível de glicemia. Nesse estado, existe falta do interme-
diário oxalacetado do Ciclo de Krebs e outros intermediários em decorrência da
sua utilização na gliconeogênese, fazendo com que o Acetil-CoA proveniente da
lipólise se acumule na via. Posteriormente, são convertidos em Acetoacetil CoA e,
finalmente, serão convertidos em corpos cetônicos.

Os corpos cetônicos são transportados para os músculos e o cérebro e, na au-


sência de glicose (em caso de privação), o β-hidroxibutirato (corpo cetônico) é con-
vertido em acetoacetato e poderá ser usado pelo cérebro como fonte de energia.

Devemos nos lembrar de que esse processo é fisiológico, mas quando o orga-
nismo passa a ter acúmulo de corpos cetônicos, passa para um estado patológico
chamado de cetose.

Como falamos anteriormente, os corpos cetônicos apresentam uma função ce-


tona, de caráter ácido. O acúmulo desses compostos leva à alteração do pH sanguí-
neo, deixando mais ácido (cetoacidose).

A cetoacidose, em casos extremos, pode levar ao coma e, em alguns casos, à


morte. Esse quadro é muito comum em pacientes portadores do diabetes mellitus,
isso porque, no diabetes, a ação da insulina é insuficiente ou inexistente. Assim,
tem alta circulação de glicose no sangue e baixa entrada da glicose nas células.

Dessa forma, não é possível usar a glicose como fonte de energia, e o organismo
recorre a vias alternativas para sobrevivência.

28
Figura 26
Fonte: Wikimedia Commons

O processo inverso, a cetogênese, também é possível e é chamado de cetólise.

Nesse processo, o acetoacetato é convertido em a acetil CoA:

b-hidroxibutirato
NAD+
1.1.1.30 NAD, H+
Acetoacetato
Succinil-CoA
2.8.3.5
Succinato
Acetoacetil-CoA
2.3.1.9 CoA

2 Acetil-CoA
Figura 27

29
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UNIDADE Energética e Metabolismo: Lipídeos

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Leitura
Ácidos graxos trans: doenças cardiovasculares e saúde materno-infantil
http://bit.ly/2RM5EGP
Importância dos ácidos graxos essenciais e os efeitos dos ácidos graxos trans do leite materno para o
desenvolvimento fetal e neonatal
http://bit.ly/3aFD0Qi
Ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 e ômega-6: importância e ocorrência em alimentos
http://bit.ly/2tNzWBc
Estrutura, metabolismo e funções fisiológicas da lipoproteína de alta densidade
http://bit.ly/2TW7UOy

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Referências
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BARTKE, N.; HANNUN, Y. Bioactive sphingolipids: metabolism and function.


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CHIARA, V. L. et al. Ácidos graxos trans: doenças cardiovasculares e saúde


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________. Ácidos graxos trans: doenças cardiovasculares e saúde materno-infantil.


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scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732002000300010&lng=en
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LASO , E., OGONOWSKI, J. Lipase – characterization, applications and methods
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e ocorrência em alimentos. Rev. Nutr., Campinas, v. 19, n. 6, p. 761-770, dez. 2006.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
-52732006000600011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 2 set. 2019.

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Guanabara Koogan, 2007.

MURRAY R. K. H. Bioquímica Ilustrada. 27.ed. Rio de Janeiro: McgrawHill, 2007.

NELSON, D. L.; COX, M. M.  Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto


Alegre: Artmed, 2011. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Cap.10, 17 e 21.

Sites visitados
<http://www.lbqp.unb.br/bioq/htm/textos_explic/moleculas-intro/jan_micelas.
htm>. Acesso em: 05/09/2019.

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