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Bromatologia

Daniela Hartmann Jornada

Aula 02
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Diretora Editorial
ANDRÉA CÉSAR PEDROSA
Projeto Gráfico
MANUELA CÉSAR ARRUDA
Autor
EDUARDO NASCIMENTO DE ARRUDA
Desenvolvedor
CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS
Autora
Daniela Hartmann Jornada

Olá. Meu nome é Daniela Hartmann Jornada. Sou farmacêutica


desde 2012, conclui o mestrado e o doutorado em Ciências Farmacêuticas
na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP,
onde trabalhei com pesquisa e avaliação farmacológica de nutrientes.
Trabalhei em indústria de suplementos alimentares como responsável
técnica, principalmente nos assuntos regulatórios e de padronização de
procedimentos. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir meus
conhecimentos àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso
fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores
independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de
muito estudo e trabalho. Conte comigo!
Iconográficos
Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo pro-
jeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de
aprendizagem toda vez que:

INTRODUÇÃO: para DEFINIÇÃO: houver


o início do desen- necessidade de
volvimento de uma se apresentar um
nova competência; novo conceito;

NOTA: quando forem IMPORTANTE: as


necessários obser- observações escritas
vações ou comple- tiveram que ser prio-
mentações para o rizadas para você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO ME- VOCÊ SABIA? curio-
LHOR: algo precisa sidades e indaga-
ser melhor explica- ções lúdicas sobre o
do ou detalhado; tema em estudo, se
forem necessárias;
SAIBA MAIS: textos, REFLITA: se houver a
referências biblio- necessidade de cha-
gráficas e links para mar a atenção sobre
aprofundamento do algo a ser refletido
seu conhecimento; ou discutido sobre;
ACESSE: se for RESUMINDO:
preciso acessar um quando for preciso
ou mais sites para se fazer um resumo
fazer download, acumulativo das
assistir vídeos, ler últimas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: quando TESTANDO: quando
alguma atividade o desenvolvimento
de autoaprendiza- de uma compe-
gem for aplicada; tência for conclu-
ído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Composição de alimentos: água minerais e vitaminas 10
A água 10
Minerais e vitaminas 14
Carboidratos e fibras 19
Análises de carboidratos e fibras 22
Lipídios 25
Adulterações em óleos e gorduras 31
Rancificação dos lipídios 31
Análises de lipídios 32
Características da qualidade dos lipídios 35
Proteínas 37
Análise de proteínas 40
Bromatologia 7

02
UNIDADE
8 Bromatologia

INTRODUÇÃO
Agora que você aprendeu sobre a importância da análise de
alimentos, a utilização do laboratório de bromatologia e garantia
da qualidade, vamos aprender sobre quais são os constituintes dos
alimentos. Agora que a amostra chegou ao seu laboratório...quais são
os principais constituintes da amostra??? Você aprenderá sobre a
composição centesimal dos alimentos, os nutrientes que devem ser
encontrados e a importância da água na conservação e palatabilidade
dos alimentos. Falaremos sobre os carboidratos e as fibras, o papel
deles nos alimentos, em nosso organismo e as formas de análise
laboratorial; os lipídios e seus constituintes, as principais adulterações e
sobre o processo de rancificação. Você aprenderá sobre as proteínas, as
principais proteínas que compõem os alimentos e as principais formas
de quantificação delas, bem como sua importância na indústria de
alimentos. E aí? Animado (a)?
Bromatologia 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até
o término desta etapa de estudos:
1. Compreender o conceito de composição centesimal e a
importância da água e dos minerais nos alimentos.
2. Conhecer sobre os carboidratos e as fibras, sua importância
na área de alimentos e sua forma de quantificação no laboratório de
bromatologia.
3. Conhecer sobre os lipídios e os grupos que os compõem, as
principais adulterações, processo de rancificação e métodos laboratoriais
de quantificação e detecção.
4. Conhecer sobre as proteínas, a importância desses nutrientes
na indústria de alimentos e sua forma de quantificação no laboratório de
bromatologia.
Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?
Ao trabalho!
10 Bromatologia

Composição de alimentos: água minerais


e vitaminas
INTRODUÇÃO:
Nessa unidade você saberá qual é a composição dos
alimentos e como realizar as principais análises desses
nutrientes. Além disso, aprenderá sobre o preparo de
soluções e as principais metodologias de análise físico-
química. E então, vamos lá?

A composição centesimal é a descrição dos nutrientes presentes


nos alimentos na proporção de 100 g ou 100 de alimento (Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Alimentação, 2011). Os principais constituintes
encontrados nos alimentos são: água, carboidratos, proteínas, lipídios,
vitaminas e minerais. Sua determinação quantitativa é feita através de
métodos analíticos que discutiremos nesta unidade.
Além do consumidor e da indústria de alimentos, a composição
centesimal é importante pois permite a análise de nutrientes ingeridos
pela população, estudos nutricionais com pacientes, avaliação do estado
nutricional, planejamento agropecuário, estudos epidemiológicos, entre
outras.

SAIBA MAIS:
O projeto TACO, realizado como uma parceria entre a
Unicamp e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação
(NEPA), levou a criação de uma tabela de composição dos
alimentos no Brasil, através de métodos analíticos confiáveis.
Para saber mais, acesse: https://bit.ly/2rhonR8

A água
Apesar de não ser considerada um nutriente, a água exerce papel
importante nos alimentos e na análise dos alimentos. Sabe-se que o maior
constituinte dos seres vivos é a água e, por isso, ela é encontrada em
grande quantidade nos alimentos, tanto de origem vegetal quanto animal. O
conteúdo de água nos vegetais pode chegar a 95%, enquanto na carne 70%.
Bromatologia 11

VOCÊ SABIA?
Produtos lácteos fluidos apresentam cerca de 87-91% de
água em sua composição; queijos de 40-75%; sorvetes 65%;
frutas 65-95%; carnes e peixes 50-70%; ovos 74%.

A molécula de água é formada por dois átomos de hidrogênio


e um de oxigênio. A alta eletronegatividade do átomo de oxigênio cria
uma diferença de carga entre oxigênio e hidrogênio, fazendo com que
se forme um dipolo, positivo no hidrogênio e negativo no oxigênio.
Esse dipolo permite que a água tenha interações de hidrogênio
(interações intermoleculares) com outras moléculas de água, de forma
que os oxigênios possam interagir com hidrogênios e vice-versa. Além
disso, essa molécula é capaz de interagir com as diversas classes de
nutrientes que compõem os alimentos, como proteínas, carboidratos,
lipídios, vitaminas e minerais.
O que ocorre é que a molécula de água apresentará mais interações
com grupos polares, como álcoois, aldeídos, grupos amino. Isso faz com
que parte da água esteja em sua forma “ligada” aos alimentos e parte
esteja na forma livre.
A água ligada é a forma de água responsável pela formação
da camada de hidratação, pois está interagindo fortemente com os
nutrientes. Essa água não representa fonte de meio de cultura para
microrganismos (Bolzan, 2013). Por outro lado, a água livre, que faz
menos interações com os nutrientes, representa foco de proliferação
desses microrganismos e contribui para degradação do alimento.
Água livre: faz poucas interações químicas com os outros nutrientes,
serve como meio de cultura. Água ligada: serve como hidratação para o
alimento, está interagindo com nutrientes que o compõem.
Assim, a determinação da água livre é de extrema significância
na análise de alimentos. Segundo o manual de análises bromatológicas
do Instituto Adolfo Lutz, a análise de água é uma das primeiras a serem
realizadas no alimento, é a partir dela serão feitas as outras determinações.
A forma clássica de determinação da quantidade de água livre é
através da determinação da porcentagem de umidade. Compreende na
pesagem de um cadinho, da amostra (2 a 10 g em sua forma pulverizada)
12 Bromatologia

e inserção da ambos em estufa a 105°C para dessecação. Após 3 horas,


retira-se a amostra e coloca-se em dessecador, para resfriar sem adquirir
umidade e depois faz-se a pesagem da amostra. Esse procedimento
é repetido até que o valor pesado na balança analítica se apresente
constante. Então utiliza-se o cálculo da porcentagem de umidade, que
será descrito no exemplo a seguir.
Esse ensaio exige poucos equipamentos e é de fácil execução.
M. A. técnica de um laboratório de bromatologia, recebe uma
amostra de cereais para determinação da porcentagem de umidade
total. A funcionária tritura os cereais com auxílio de graal e pistilo, em
seguida pesa três cadinhos e registra seus pesos em uma planilha. Ela
então, adiciona cerca de 3 gramas da amostra em cada um dos cadinhos
e pesa novamente, registrando em sua planilha. Os materiais são
colocados em estufa à 105°C para evaporação e após 3 horas são feitas
verificações de peso até a constância dos valores. A tabela 1 apresenta
os resultados das análises realizadas por ela.
Tabela 1: Resultados das pesagens da análise de umidade de 3g da amostra de cereais.

Peso C* Peso C+A* Peso C+A* Peso C+A*


(vazio) (antes da dessecação) (1° medida) (Peso constante)
Análise 1 56,34 59,34 56,78 53,59
Análise 2 57,65 60,65 57,20 54,60
Análise 3 55,97 58,97 55,01 52,84
* C= cápsula, A= amostra; C+A= cápsula + amostra.

Fonte: a autora.

A fórmula para o cálculo de umidade utiliza o peso inicial, que


corresponde ao peso antes da dessecação, e o peso final, que é o peso
após a constância de valores nas pesagens. Assim temos que:

Onde peso inicial é antes da dessecação e peso final é após a


constância nas pesagens.
Bromatologia 13

Média aritmética ± desvio padrão = 10,01±0,18% (m/m), que será


descrito no laudo técnico.
A determinação da quantidade de água em estufa apresenta
algumas limitações, como por exemplo, a variação na temperatura
interna do equipamento em diversos pontos. Além disso, substâncias
voláteis também são inclusas nessa medida, mesmo não se tratando de
água realmente.
O aquecimento à 105°C pode gerar a decomposição de alguns
nutrientes do alimento, levando à formação de água adicional.
Além da avaliação da quantidade de água em estufa convencional,
existem outros métodos de realizar-se essa determinação, como estufa à
vácuo. Essa determinação evita que ocorra a decomposição dos nutrientes.
Na estufa a vácuo, a temperatura necessária para evaporação da
umidade é reduzida, cerca de 70°C devido ao vácuo. Isso faz com que não
haja aquecimento elevado da amostra e evita degradação de nutrientes.
A determinação a partir de radiação de infravermelho também
é uma alternativa, assim como uso de micro-ondas, métodos de
destilação, métodos químicos, físicos (cromatografia gasosa, ressonância
magnética nuclear) e uso de equipamentos que fazem mensuração da
umidade e outros nutrientes simultaneamente (equipamentos de análise
de multicomponentes).
Existem diversos equipamentos multicomponentes, alguns capa-
zes de mensurar umidade e gordura. Esses, apresentam baixo desvio
padrão, sendo 0,4 % para gordura e 0,3% para umidade.
Apesar da ampla utilização, a determinação de umidade não é a
melhor forma de determinar a vida de prateleira dos alimentos. Para isso
utiliza-se a determinação da atividade de água (aW).
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A determinação da atividade de água avalia a quantidade de água


livre no alimento, ou seja, a água que pode servir de meio de cultura.
Por isso essa determinação é importante para determinação da vida de
prateleira do alimento.

Minerais e vitaminas
Os minerais são encontrados em baixas concentrações nos
alimentos. Apesar disso, são importantes no funcionamento de diversos
mecanismos reguladores do organismo. Na área de alimentos, os
minerais representam todos os componentes diferentes de hidrogênio,
carbono, oxigênio, nitrogênio (que representam cerca de 99% do total dos
alimentos). Eles são obtidos através da queima de todo o material orgânico,
restando somente os minerais, que constituem a matéria inorgânica.

VOCÊ SABIA?
Existem cerca de 90 elementos químicos de ocorrência
natural no planeta, 25 deles são considerados elementos
essenciais para o nosso organismo. Isso quer dizer que esses
nutrientes não podem ser sintetizados pelo nosso organismo
e por isso, precisam ser adquiridos através dos alimentos.

Os minerais são divididos entre macro e microelementos, os


primeiros possuem ingesta diária entre 0,1-1,0 grama por dia, sendo
fósforo, sódio, potássio, cálcio e magnésio os mais importantes. Já os
microelementos, são aqueles que devem ser consumidos em quantidades
reduzidas, menos de 0,1 grama por dia, como iodo, alumínio, ferro,
manganês, cobre e selênio. A incorporação dos nutrientes no alimento
pode ser de origem natural, quando obtidos através do próprio alimento e
de ocorrência intencional, quando adicionados no processo de produção
do alimento (suplementação).
O método mais comum para detecção e quantificação de minerais é o
chamado método de cinzas (cinzas secas ou resíduo mineral fixo). Este método
baseia-se na incineração da amostra de alimento seco a uma temperatura mais
baixa e em seguida à 550-600°C. À essa temperatura o material orgânico se
decompõe, restando somente os resíduos minerais. Além disso, a incineração
pode ser feita com auxílio do bico de Bunsen ou da mufla.
Bromatologia 15

A mesma técnica do laboratório de bromatologia, M. A deve


analisar uma amostra de cereal e fazer a quantificação dos minerais
totais presentes no alimento. Para isso, ela coloca luvas e então, pega
3 cadinhos (triplicata) e coloca na mufla a 550ºC, por meia hora. Deixa
esfriar em dessecador e pesa em balança analítica até 0,1 mg. A técnica
registra o peso do cadinho vazio e pesa 2 a 3 g de amostra seca em cada
cadinho, depois coloca-os na mufla preaquecida a 550ºC, esperando
até que o material se torne branco ou cinza-claro. Essa é uma indicação
de que a cinza está pronta, então ela esfria o material no dessecador
por cerca de 20 a 30 minutos e depois pesa o material frio na balança
analítica até 0,1 mg, obtendo os valores apresentados na tabela abaixo.
Tabela 2: Resultados das pesagens da análise de cinzas de 2g da amostra de cereais.

Peso C+A* Peso C+A*


Peso C* (vazio)
(Antes da incineração) (Peso após incineração)
Análise 1 39,54 41,54 41,59
Análise 2 37,89 39,89 39,87
Análise 3 40,95 42,97 42,94
* C= cadinho, A= amostra; C+A= cadinho + amostra.

Fonte: a autora.

A fórmula para o cálculo de cinzas utiliza o peso antes e depois da


incineração e o peso da amostra utilizada no ensaio. Assim temos que:

Assim, M. A. calculou a porcentagem de cinzas de cada análise:


16 Bromatologia

Assim, o teor de cinzas da amostra será a média aritmética ±


desvio padrão = 1,67±0,75% (m/m), que será descrito no laudo técnico.
Neste caso, considerando uma amostra de cereais os principais minerais
encontrados seriam cálcio, ferro, sódio, manganês, magnésio e cobre.
Dependendo do tipo de amostra, pode ser necessário um preparo
prévio, como por exemplo, amostras líquidas e úmidas que devem ser
secas em estufa. Além disso, condimentos, que possuem muitos conteúdos
voláteis, devem ser aquecidos aos poucos, a fim de gerar a fumegação.

VOCÊ SABIA?
Alimentos como cereais apresentam cerca de 0,3-3,3% de
conteúdo de cinzas totais; produtos lácteos de 0,7-6,0%;
carnes e produtos cárneos 0,5-6,7%; aves 1,0-1,2%; frutas
frescas 0,3-2,1%; vegetais frescos 0,4-2,1%; óleos e gorduras de
0,0% (óleos e gorduras vegetais) a 2,5% (manteiga e margarina).

Além do método de cinzas secas existem diversos outros métodos


que podem ser empregados na quantificação dos minerais. Entre eles
a determinação de cinzas úmidas, que serve para quantificação de
elementos que se encontram em muito baixa quantidade, como o iodo
por exemplo. Neste método emprega-se substâncias químicas como
ácido nítrico ou sulfúrico, ou mesmo a mistura de ambos. As quantidades
variam de acordo com cada alimento, e a utilização dos ácidos tem
como objetivo oxidar os constituintes da amostra.
Após a análise de cinzas úmidas é possível fazer a determinação do
teor de cada mineral especificamente. Para isso, utilizam-se equipamentos
e técnicas experimentais de maior precisão, como absorção atômica,
emissão de chama, colorimetria, turbidimetria e titulometria.
De todos os métodos descritos, a titulometria é o mais barato e
fácil de ser utilizado no laboratório. Mesmo assim, o método de cinzas
secas é mais econômico e viável na implantação de rotina do laboratório
de análises bromatológicas.
A escolha do material dos cadinhos utilizados também é
importante. Dependendo do tipo de material que os compõem, ele são
mais ou menos resistentes à temperatura e dependendo do tipo de
alimento, haja algum mais apropriado.
Bromatologia 17

Cadinhos de ouro-platina (liga 90:10) resistem até 1100°C e à


substâncias básicas, já cadinhos de porcelana resistem até 1500°C, mas
podem rachar pois são sensíveis à bases.
Assim como os minerais, as vitaminas são substâncias orgânicas,
indispensáveis ao funcionamento do organismo e que devem ser
adquiridas de fontes alimentares, pois também não podem ser sintetizadas.
Esses nutrientes, não possuem padrão estrutural e são divididas de
acordo com a solubilidade em lipossolúveis e hidrossolúveis. As primeiras,
possuem capacidade de solubilização em solventes apolares, por isso
chamadas lipossolúveis e fazem parte delas as vitaminas: A (retinol), D
(ergocalciferol), E (tocoferol) e K (filoquinona). Já as vitaminas hidrossolúveis,
são capazes de solubilizar em solventes polares, entre elas encontramos
a vitamina B1 (tiamina), B2 (riboflavina), B3 (niacina), nicotinamida, B5
(ácido pantotênico), C (ácido ascórbico), H (biotina), PABA (ácido para-
aminobenzóico), B6 (piridoxina), B12 (cianocobalamina), inositol, colina.
A determinação das vitaminas lipossolúveis será discutida no
item de lipídios, por isso neste tópico falaremos das formas de análise
das principais vitaminas hidrossolúveis: B1, B2 e C.
A vitamina B1 (tiamina) é encontrada em alimentos como germe
de cereais, nozes e leveduras. Segundo os métodos físico-químicos do
Instituto Adolfo Lutz (2008), a determinação da vitamina B1 em alimentos
é baseada em quantificação de fluorescência no espectrofotômetro de
fluorescência. A tiamina reage com o solução alcalina de ferricianeto de
potássio formando o composto tiocromo, que é detectado no equipamento.

VOCÊ SABIA?
A vitamina B1 também é encontrada em alimentos como
carne de porco, fígado, gema de ovo, amendoim, peixes,
leguminosas, legumes, grãos integrais, frutos do mar,
levedo de cerveja e cevada. Sua deficiência causa o beribéri
(paralisia dos membros inferiores e problemas circulatórios).

Alimentos que possuem tiamina de forma natural, em que não


houve adição como suplementação, necessitam de tratamento da
amostra. Isso ocorre porque a vitamina B1 não está em sua forma livre,
impossibilitando sua detecção. Assim, deve-se fazer a hidrólise ácida e
enzimática do alimento, a fim de obter a tiamina livre.
18 Bromatologia

A vitamina fotossensível, deve-se tomar cuidado com a exposição


à luz durante a análise.
De forma semelhante à vitamina B1, a vitamina B2 (riboflavina)
apresenta coloração amarelo-esverdeada na fluorescência e é sensível
à luz. Seu doseamento é feito através de espectrofotômetro de
fluorescência, mas devido à fotossensibilidade utiliza-se como solução
padrão a fluoresceína. Essa substância é capaz de emitir fluorescência
semelhante à vitamina B2 sem degradação.
A riboflavina é indispensável no metabolismo de proteínas,
carboidratos e lipídios. Sua carência pode causar lesões ocular, queilose,
estomatite, glossite e dermatite seborreica. É encontrada em alimentos
como leite de vaca e derivados, vísceras, soja assada, carnes magras,
ovos e vegetais folhosos.
A vitamina C (ácido ascórbico) tem alta atividade antioxidante, além
de atuar na produção de neurotransmissores. Sua quantificação pode
ser feita através de dois métodos: quantificação com iodato de potássio
(teores de vitamina > 5 mg), através da oxidação do ácido ascórbico pelo
reagente; e método de Tillmans (teores de <5 mg de vitamina C) que
utiliza a redução do sal sódico de 2,6-diclorofenol indofenol. A vitamina C
é encontrada em frutas cítricas, kiwi, acerola, abacaxi, abóbora, batata-
doce, pimentão verde, milho, couve-flor, espinafre, repolho, tomate,
mamão papaia, manga e melão cantaloupe.

RESUMINDO:
Nesta seção você aprendeu sobre a composição dos
alimentos, quais são os nutrientes encontrados e a
importância da água nos alimentos. Falamos sobre os
métodos de quantificação de água, principalmente o
método de cinzas, a importância da atividade de água nos
alimentos. Você também conheceu mais sobre os minerais
que compõem os alimentos, como fazer a dosagem de
cinzas totais, a escolha do material para secagem da
amostra e outros métodos disponíveis. Sobre as vitaminas,
falamos sobre vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis,
e sobre a quantificação e importância das algumas das
vitaminas hidrossolúveis: B1, B2 e vitamina C.
Bromatologia 19

Carboidratos e fibras
INTRODUÇÃO:
Nesse tópico você conhecerá mais sobre os carboidratos,
os monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos;
além das fibras. Aprenderá sobre a principal forma de
quantificação desses nutrientes, noções práticas de preparo
de soluções e titulação das análises. E então, preparado (a)?

Os carboidratos são compostos basicamente por carbono e


hidrogênio e apresentam duas funções orgânicas: aldeído e álcool ou
cetona e álcool, alguns deles possuem em sua estrutura átomos de
nitrogênio, enxofre e fósforo. São compostos amplamente distribuídos
entre os alimentos e possuem diversas funções na área de alimentos,
como adoçantes naturais, matéria-prima para produtos fermentados,
escurecimento de alguns alimentos e propriedades reológicas de
alimentos de origem vegetal.
No organismo, a função desses nutrientes está ligada ao
fornecimento de energia, cerca de 4 kcal por grama de carboidrato. Além
disso, parte dos carboidratos é composta por fibras dietéticas (serão
discutidas a seguir), substâncias que não solubilizam por hidrólise ácida
ou básica e são incapazes de serem digeridas em nosso organismo.
As fibras dietéticas são importantes no processo de digestão,
aumentando o peristaltismo do sistema gastrointestinal.
Esses nutrientes são divididos de acordo com o tamanho das
cadeias carbônicas que os compõem:
„ Monossacarídeo: formados por uma unidade de poli-
hidroxicetona ou poli-hidroxialdeído, sendo a glicose o monossacarídeo
mais abundante. Sua fórmula molecular é C6H12O6, sendo também
chamada de dextrose. Na área de alimentos essas substâncias apresentam
algumas propriedades importantes: como a higroscopicidade,
capacidade de adsorver umidade devido às interações polares que
realizam com a molécula de água; poder edulcorante, relacionado à
capacidade de adoçar dos carboidratos, em especial da frutose.
20 Bromatologia

No caso da higroscopicidade, para alimentos como produtos de


confeitaria e panificação é uma propriedade desejável. Porém, no caso
de produtos granulados torna-se indesejável.
„ Dissacarídeos: são formados de duas unidades de monossa-
carídeos, unidos por ligações glicosídicas. Recebem no nome o sufixo
- oses e no organismo estão frequentemente acoplados à outras
moléculas, como lipídios e proteínas (glicoconjugados);
Os monossacarídeos e dissacarídeos formam os oligossacarídeos.
Essas substâncias também apresentam higroscopicidade e poder
edulcorante, principalmente a sacarose. Além disso, esse açúcar sofre
o processo de “inversão do açúcar”, ou seja, em presença de meio
ácido, básico ou elevação de temperatura é capaz de clivar sua ligação
glicosídica, liberando seus monossacarídeos (glicose e frutose).
A sacarose, açúcar de cozinha, é formada por uma unidade de
glicose e outra de frutose. O açúcar do leite, lactose, é formado por uma
glicose e uma galactose.
„ Polissacarídeos: compostos de mais de 20 unidades de
monossacarídeos, fazem parte desse grupo o amido, glicogênio, pectina e
a celulose. São nutrientes de alto peso molecular e baixa solubilidade em
água. O amido, um dos principais polissacarídeos, é formado por amilose
e amilopectina. Ambas são formadas por cadeias de glicose, no entanto, a
amilose possui cadeia linear, enquanto a amilopectina, ramificada.
Apesar da baixa solubilidade em água, citada anteriormente para
polissacarídeos, o amido é capaz de gelatinizar na presença de água e
aquecimento. Essa propriedade se justifica porque ocorre rompimento
parcial das ligações glicosídicas, que ficam expostas e disponíveis para
interações com as moléculas de água. Isso provoca aumento do volume
e da viscosidade, dando o aspecto cremoso característico do processo
de gelatinização.
A gelatinização é um processo importante na fabricação de
produtos de panificação, produtos à base de milho, arroz e feijão cozidos.
Embora a propriedade seja de aparente utilidade na indústria de
alimentos, a gelatinização natural não é estável. Após certo tempo, ocorrem
os fenômenos de retrogradação, retorno do amido ao estado de sólido
cristalino, e sinérese, expulsão das moléculas de água que participavam das
Bromatologia 21

interações. Em adição, a gelatinização natural só ocorre em temperaturas


elevadas, sofre alterações dependentes dos outros nutrientes dos
alimentos e é instável à processos que fazem parte da produção industrial,
como congelamento, transporte, agitação e aquecimento.
„ Retrogradação: retorno do amido ao estado sólido; Sinérese:
expulsão das moléculas de água.
Assim, surgiram os amidos modificados, como as dextrinas e
amidos reticulados (pré-gelatinizados). Esses nutrientes são capazes
de gelatinizar à temperaturas mais baixas, formam géis na presença de
outros solutos e são mais estáveis às condições industriais.
A celulose é um polissacarídeo composto por glicoses, mas sua
estrutura é linear e as ligações glicosídicas são diferenciadas. Isso faz
com que esse nutriente seja insolúvel e não possa ser digerido no sistema
gastrointestinal humano. Seu derivado modificado, a carboximetilcelulose,
possui alto poder de aumento de viscosidade, sendo muito utilizada na
produção industrial de doces (pudins, flans, sorvetes). Já as hemiceluloses
são formadas por oligossacarídeos diferentes, como glicose, galactose
e xilose. São amplamente utilizadas na indústria de panificação, pois
reduzem a força necessária para o amassamento das massas e são
solúveis em água. Porém, são polissacarídeos de difícil digestão.
Existem ainda, as pectinas e as gomas. As pectinas, são encontradas
em alimentos de origem vegetal, como frutas cítricas e maçãs. São
utilizadas na indústria de alimentos na produção de géis, principalmente
na fabricação de pepino em conserva e sorvetes. As gomas também
possuem a capacidade de geleificação e são formadas por diversos
monossacarídeos, como manose, galactose, fucose, entre outros.
As principais gomas da indústria de alimentos são a goma guar,
goma arábica, goma xantana, ágar e goma dextrana. Sendo os principais
alimentos a salsicha, bebidas, molhos, sobremesas entre outros.
Durante o processo de hidrólise dos alimentos, os constituintes
incapazes de sofrer esse processo são as fibras dietéticas. Esses
nutrientes, conforme comentado anteriormente, embora não possam
ser digeridos, apresentam inúmeros benefícios ao sistema digestório.
Entre eles a redução do colesterol do sangue, da glicemia e aumento
do trânsito intestinal.
22 Bromatologia

Análises de carboidratos e fibras


A principal análise dos carboidratos é a reação de Fehling, ou
detecção de açúcares redutores. De modo geral, com exceção da
sacarose, todos os açúcares são redutores. Nesse experimento eles
reduzem o cobre do seu estado cobre II (cúprico), de coloração azul,
para cobre I (cuproso), de coloração vermelha.
Antes da análise deve ser feita a retirada de interferentes (outras
substâncias redutoras) da amostra de alimento. Isso pode ser feito
através da utilização de “clarificadores”, como creme alumina, solução
neutra ou básica de acetato de chumbo e ácido fosfotúnsgstico, que
fazem a precipitação desses interferentes.
M.A, ainda em análise dos cereais, inicia a análise de açúcares
redutores através dos reagentes de Fehling. Para isso, ela pesa entre
2 a 5 g da amostra em um béquer de 250 mL, adiciona 50 mL de água
destilada morna (aproximadamente 37ºC) e homogeneiza com bastão
de vidro. Em seguida, ela transfere para um balão volumétrico de 100
mL e adicionar 2 mL de ferrocianeto de potássio a 6%(m/v) e 2 mL de
acetato de zinco a 12%(m/v). Agita bem e completa o volume. Depois faz a
filtração e insere o filtrado na bureta. Então ela pipeta (volumetricamente)
5 mL de Fehling A (solução de CuSO4) e 5 mL de Fehling B (solução
de tartarato de sódio e potássio e NaOH) para um balão de titulação e
algumas pérolas de ebulição. Depois ela adiciona mais 40 mL de água
destilada, aquece até ebulição e goteja a solução da amostra até que
o líquido sobrenadante fique levemente azulado. Mantendo a ebulição,
adiciona uma gota de azul de metileno a 1% e continua a titulação até
a descoloração do indicador, quando ela anota o volume utilizado. A
análise foi feita em triplicata e a tabela 3 apresenta os resultados obtidos.
Tabela 3: Resultados das pesagens da análise de açúcares redutores da amostra de cereais.

Volume gasto % Açúcares


Peso amostra
titulação (mL) redutores
Análise 1 4,40 19,65 5,31
Análise 2 4,65 19,50 5,18
Análise 3 4,45 19,70 5,36

Fonte: a autora.
Bromatologia 23

Assim, M. A calcula a porcentagem dos açúcares redutores


através da seguinte fórmula:

Onde Va é o volume de solução da amostra (neste caso 250 mL);


a é a massa de glicose que reage com 10 mL de solução de Fehling
(padronizada em laboratório será considerada 0,047); Pa é o peso da
amostra e Vg é o volume gasto da solução amostra.
Assim, M. A descreveu no laudo a presença da média e desvio
padrão dos açúcares redutores como 5,28±0,07%.
No exemplo acima, utiliza-se o método de titulação de ácidos
fortes com bases fortes. A titulação é um método analítico que utiliza a
bureta e o Erlenmeyer. Na bureta insere-se a solução de concentração
conhecida, e no Erlenmeyer a amostra a ser titulada. O conceito básico
é a titulação ácido-base, em que se utiliza um indicador de pH, que nos
permite saber o ponto de mudança do pH básico para ácido e vice-
versa. É importante lembrar que no ponto em que ocorre a viragem do
pH, o número de mols do ácido é equivalente ao número de mols da
base. Isso é importante pois nos permite obter o valor de concentração
de um a partir da titulação do outro.
Na análise de fibras, segundo o Instituto Adolfo Lutz, pode-se
mensurar as fibras de um alimento através da técnica de detecção de
fibra bruta. Para isso, utiliza-se o alimento após a análise de umidade e
cinzas. Na realidade, as fibras constituem uma mistura de polissacarídeos
e lignina, com exceção do amido, que são incapazes de serem digeridas
no intestino delgado humano. Elas são divididas de acordo com a
solubilidade em fibras solúveis, que aumentam a viscosidade do material
gastrointestinal, retardando o esvaziamento gástrico e aumentando o
tempo de absorção dos nutrientes; e insolúveis, que diminuem o tempo
do transito gastrointestinal, aumentam o bolo fecal.
As principais fibras solúveis são gomas, mucilagens, pectinas e
algumas hemiceluloses; e as principais fibras insolúveis são a celulose,
lignina, hemicelulose e algumas pectinas.
24 Bromatologia

O método convencional de quantificação de fibras é o método


de análise de fibra bruta, que utiliza algum tratamento químico da fibra
(solução ácida, básica, entre outros).
Continuando a análise dos cereais, a técnica M. A, pesa 2 g da
amostra, envolve em papel de filtro e amarra com lã. Faz uma extração
contínua em aparelho de Soxhlet (tópico 3.0 – Lipídios), usando éter
como solvente. Adiciona 100 mL de solução ácida (ácido acético glacial
(500 ml) + água (450 ml) + ácido nítrico (50 ml) + ácido tricloroacético (20
g)). Adapta o frasco Erlenmeyer a um sistema de refluxo por 40 minutos
depois filtra em sistema a vácuo e lava com água fervente até que a água
de lavagem não tenha reação ácida. Lave com 20 mL de álcool e 20 mL
de éter. Aquece em estufa a 105°C, por 2 horas. Resfria em dessecador até
a temperatura ambiente. Pesa e repete as operações de aquecimento e
resfriamento até peso constante. Depois ela incinera em mufla a 550°C,
resfria em dessecador até a temperatura ambiente, repetindo até obter o
peso constante. A tabela 4 apresenta os dados da análise.
Observação: O termo “Peso constante” significa que os valores
obtidos em duas pesagens sucessivas diferem, no máximo, em 0,0005
g por grama de substância.
Tabela 4: Resultados das pesagens da análise de fibra bruta da amostra de cereais.

Resíduo Resíduo após Fibra total (g)


% Fibra bruta
seco (g) incinerar (g) (Fb)
Análise 1 0,30 0,29 0,01 0,50
Análise 2 0,33 0,31 0,02 1,00
Análise 3 0,37 0,35 0,02 1,00

Fonte: a autora.

O cálculo da fibra bruta foi feito a partir da equação:

Onde Fb é fibra bruta pesada (diferença entre o resíduo seco e o


resíduo pós incineração e constância do peso) e P é o peso da amostra.
Dessa forma, no laudo da amostra a técnica descreveu a presença
de 0,83±0,25% (m/m) de fibras brutas (média ± desvio padrão).
Bromatologia 25

Atualmente utiliza-se o método de fibras alimentares (método de


fibra alimentar total). É um método enzimático gravimétrico, que utiliza
enzimas que mimetizam as enzimas do sistema gastrointestinal e depois
é feita a pesagem das fibras.

RESUMINDO:
Nesta seção você aprendeu mais sobre os carboidratos,
que podem ser monossacarídeos, dissacarídeos ou
polissacarídeos. Você descobriu que o açúcar de cozinha,
o amido, e uma série de outros carboidratos possuem
capacidade de gelatinização e que isso tem muito valor
na indústria de alimentos. Além disso, vimos sobre os
principais métodos de análise de carboidratos, como a
quantificação de açúcares redutores utilizando reagentes
de Fehling. Vimos algumas noções de preparo de soluções
e titulação aplicados à análise de carboidratos e falamos
também sobre as fibras brutas e fibras alimentares, sobre
a forma de quantificação delas e os conceitos envolvidos.

Lipídios

INTRODUÇÃO:
A unidade número 3 trata dos lipídios, quais grupos
compõem esse nutriente, qual a importância neles na
área de alimentos. Falaremos também sobre vitaminas
lipossolúveis, métodos de detecção de adulterações nos
lipídios e muito mais. E então, vamos lá?

Os lipídios representam um grupo muito variável em relação à


estrutura química e grupos funcionais. Sua característica comum deve-
se ao seu comportamento físico, ou seja, são imiscíveis (devido à baixa
solubilidade) com a água e solúveis em solventes orgânicos.
Lipídios são altamente solúveis em éter, éter de petróleo,
clorofórmio, benzeno, e hexano, por exemplo.
Esses nutrientes representam fonte de energia nos alimentos. Além
disso, atuam no transporte de vitaminas lipossolúveis e desempenham
26 Bromatologia

funções tecnológicas, como formação de emulsões e contribuição


com a viscosidade de determinados alimentos. Os principais lipídios
encontrados nos alimentos são os ácidos graxos, de triacilgliceróis,
glicerofosfolipídios e lipídios não saponificáveis.
Os ácidos graxos (AG) são ácidos carboxílicos que contêm de
4 a 34 átomos de carbono em sua estrutura, e podem ser saturados
ou insaturados. Os insaturados apresentam uma ligação dupla em sua
estrutura química.
Figura 1: Estrutura do Ácido alfa linolênico

As propriedades físicas dos ácidos graxos estão relacionadas ao


grau de saturação da cadeia carbônica e do comprimento dela. Quanto
maior for a cadeia, maior a chance de o AG estar em sua forma sólida à
temperatura ambiente, e o inverso é verdadeiro, quanto menor a cadeia
carbônica, maior a chance do AG estar no estado líquido à temperatura
ambiente. Com relação à saturação, à temperatura ambiente (25°C),
AG com cadeias carbônicas de 12 a 24 átomos de carbono estão na
forma de cera, ao contrário, os mesmos AG acrescidos de insaturações
encontram-se na forma líquida. Isso se deve ao arranjo das moléculas,
estruturas insaturadas possuem restrição conformacional, que dificulta
o empacotamento das moléculas e a solidificação do AG.
Ácidos graxos saturados são mais encontrados em lipídios de
origem animal, as chamadas “gorduras”, como a banha, por exemplo.
Esses lipídios apresentam ponto de fusão elevado e por isso, encontram-
se em estado sólido à temperatura ambiente. Por outro lado, os ácidos
graxos insaturados, são encontrados mais facilmente em alimentos
de origem vegetal, como no óleo de soja, por exemplo. À temperatura
Bromatologia 27

ambiente esses lipídios encontram-se na forma líquida, pois seu ponto


de fusão é menor do que o dos ácidos graxos saturados.
A isomeria espacial cis-trans é outra particularidade dos ácidos
graxos. Quando os grupos carbônicos estão para o mesmo lado, a
isomeria do ácido graxo é cis, quanto estão em lados opostos é trans.
Na verdade, de forma geral os ácidos graxos encontram-se na forma cis,
apenas isomerizam para forma trans em caso de processo tecnológico,
como aquecimento, por exemplo. No caso de alimentos como o leite e a
carne, encontram-se ácidos graxos na forma trans, devido à fermentação
no rúmen dos animais.
Isômeros geométricos cis-trans ocorrem em compostos químicos
que apresentam insaturações e pelo menos dois grupos químicos
diferentes. Na verdade, a fórmula molecular das substâncias é a mesma,
mas o arranjo espacial é diferente.
Os triacilgliceróis (TGC) são ésteres de ácidos graxos derivados
do glicerol, também chamados de triglicerídeos ou gorduras neutras e
representam cerca de 95 a 98 % do total dos óleos e gorduras. A estrutura
básica dessas substâncias é composta por três ácidos graxos unidos por
uma ligação éster à uma molécula de glicerol. Essas três posições são
substituídas por mais ácidos graxos, que podem ser três AG iguais ou
diferentes. Como as moléculas de álcool estão em ligação éster, os TGC
são apolares e insolúveis em água.
Figura 2: Estrutura química dos triglicerídeos

No organismo são responsáveis pelo armazenamento de energia


e isolamento térmico. Em caso de necessidade os TGC são mobilizados
dos adipócitos, através da hidrólise promovida por lipases, para o tecido
ou órgão que apresenta carência energética.
28 Bromatologia

Os TGC compõe a maioria das gorduras naturais (óleos vegetais,


leite e carne) e estão sob a forma de misturas de TGC.
Já os glicerofosfolipídios (GFL), são lipídios de membrana,
formados por ácidos graxos, ésteres de glicerol e unidades de fosfato e
um composto nitrogenado. Em virtude desses dois últimos constituintes,
os GFL são moléculas chamadas de “anfipáticas”, ou seja, são apolares
e polares ao mesmo tempo. A fração apolar é composta pelos ácidos
graxos e representa um sítio de interação com substâncias apolares.
Já a porção polar é composta pelos grupos nitrogenados e representa
pontos de interação com a água. Os principais GFLs são a lecitina, a
cefalina e a cardiolipina.
A lecitina de soja é o componente responsável pela solubilidade
dos achocolatados, sua adição reduz a tensão superficial entre a fase
sólida e a fase líquida. Essa habilidade da lecitina está ligada ao seu
caráter anfipático, capaz de promover interações hidrofílicas (radical
fosfato-colina) e hidrofóbicas (cadeia de ácido graxo).
Figura 3: Estrutura química dos glicerofosfolipídios lecitina

Fonte: wikimedia commons

Figura 4: Estrutura química da cefalina

Fonte: wikimedia commons


Bromatologia 29

Figura 5: Estrutura química da cardiolipina

Fonte: wikimedia commons

O terceiro grupo lipídios são os não saponificáveis, que também


são insolúveis em água, apresentam elevados pontos de fusão, mas
não possuem ácidos graxos nem glicerol em sua estrutura química. Os
esteróis são formados por 4 anéis fusionados (núcleo esteroide), sendo
3 de 6 carbonos e um de 4 carbonos. Esses lipídios são precursores
para a produção de diversas substâncias no organismo, como os ácidos
biliares, que atuam na digestão, e os hormônios sexuais, ou hormônios
esteroides, que atuam nas características sexuais e funções reprodutivas
do ser humano.
A vitamina A é encontrada nos animais sob a forma de provitamina
A, um carotenoide que confere cor aos alimentos, que vão de amarelo
até o vermelho.
Os carotenoides são constituídos de unidades de isopreno (C5H8),
geralmente oito unidades que formam tetraterpenos. Os principais são
o α e o β-caroteno.
A detecção e quantificação desses carotenoides pode ser feita
através de extração em solventes orgânicos (ex: acetona), saponificação
dessas frações, e, posterior isolamento em cromatografia em coluna e
espectrometria de UV/VIS.

SAIBA MAIS:
Para saber os detalhes do procedimento experimental
acesse: https://bit.ly/33kTM2g

De modo geral, a técnica de cromatografia em coluna pode ser


realizada de quatro formas, divididas de acordo com a natureza da fase
estacionária: cromatografia de adsorção, partição, exclusão molecular
(filtração e permeação em gel) e troca iônica.
30 Bromatologia

No caso do isolamento dos carotenoides, a separação ocorre


com fase estacionária composta por óxido de magnésio e celite
(cromatografia de adsorção). Assim, os carotenoides que possuem maior
interação com a fase estacionária ficam mais retidos na coluna, enquanto
as substâncias que interagem mais com o solvente (fase móvel)
saem mais rapidamente da coluna. O primeiro carotenoide a sair é o
α-caroteno (interage mais com o solvente – éter de petróleo), que possui
coloração amarelada; e a segunda fração é o β-caroteno (alaranjado).
Depois de recolher as frações, é feita a evaporação do solvente e elas
são analisadas no espectrofotômetro UV/VIS.

ACESSE:
Acesse o site para observar as frações de cor formadas
pelo alfa e betacaroteno da cenoura: https://bit.ly/2OMeOll

Conforme comentamos na Unidade 1, o espectrofotômetro


é um equipamento que detecta absorção de luz ultravioleta por
parte das substâncias químicas. Com base em sua estrutura química,
o equipamento incide luz (energia) na substância, que através da
absorção dessa energia emite fótons capazes de serem detectados em
comprimentos de onda específicos. A parte das estruturas que faz essa
absorção de energia são os elétrons pi (ϖ), que fazem parte das ligações
duplas (insaturações).
Figura 6: Espectrofotômetro

Fonte: wikimedia commons


Bromatologia 31

No caso da vitamina observamos que a estrutura química


apresenta muitas ligações duplas, são esses os elétrons que absorvem
energia e acabam emitindo luz. Com relação ao comprimento de onda,
o equipamento trabalha entre o UV (200-400 nm) e o VIS, que significa
visível e fica na faixa de 400-700 nm. A vitamina A absorve em três
comprimentos de onda: 425, 448 e 475 nm, todos na faixa do UV/VIS.
Figura 7: Estrutura química da vitamina A

Fonte: wikimedia commons

Adulterações em óleos e gorduras


As principais alterações em óleos e gorduras estão relacionadas
a adição de análogos de qualidade inferior, como adição de óleos
vegetais de menor valor comercial. Além disso, informações referentes à
rotulagem dos alimentos, como informações incorretas sobre colesterol
e ácidos graxos.
A detecção dessas irregularidades geralmente é feita por
equipamentos de alta precisão como a cromatografia gasosa (CG) e a
cromatografia em coluna de alta resolução (CLAE) (Almeida-Muradian &
Penteado, 2015). Atualmente pesquisas tem indicado a aplicabilidade de
técnicas de biologia molecular na detecção dessas fraudes.

Rancificação dos lipídios


A rancificação dos lipídios pode ocorrer através de hidrólise ou
de oxidação, a reação ocorre no local onde há insaturações, pois são
os locais susceptíveis às reações químicas. No primeiro caso, a reação
ocorre nas ligações éster do TGC, formando glicerol e ácidos graxos
livres. Estes conferem o odor característico no alimento “ranço” e são
grupos químicos mais vulneráveis às reações de oxidação.
32 Bromatologia

A exposição ao oxigênio presente no ar leva à oxidação dos


lipídios presentes no alimento. Neste caso, a reação química ocorre nas
insaturações presentes na cadeia carbônica dos ácidos graxos e necessita
do oxigênio molecular e um catalisador, como metais de transição (Fe2+,
Cu2+). Essa reação química também é responsável pela formação do odor
desagradável, resultante da oxidação dos ácidos graxos insaturados,
formando compostos de cadeia curta, como aldeídos e ácidos carboxílicos.
Ambos voláteis e que são rapidamente detectados pelo olfato.
Uma técnica para incrementar o prazo de validade desses produtos
é a hidrogenação parcial dos lipídios, em que se faz a hidrogenação
de insaturações presentes na estrutura química, tornando o lipídio
parcialmente saturado. Porém, algumas gorduras tornam-se isômeros
trans nesse processo, o que representa uma desvantagem já que o
consumo de gorduras trans aumenta o risco de eventos cardiovasculares.
A produção de margarina é feita através da hidrogenação de óleo
vegetal e por isso recebe o nome de “gordura vegetal hidrogenada”.

Análises de lipídios
O principal método de análise de lipídios consiste na extração
desses nutrientes com solventes à quente. Esse processo é realizado em
três etapas: extração com o solvente orgânico, evaporação do solvente
e quantificação (pesagem) da gordura extraída.
Esse processo é dependente do tamanho da partícula e do
volume do solvente, quanto mais particulado for, maior a penetração do
solvente no alimento. O mesmo ocorre com a quantidade de solvente,
quanto mais solvente se utiliza, maior a penetração do solvente, porém,
deve-se avaliar a questão do alto custo dos solventes.
Os principais solventes utilizados são éter etílico e éter de
petróleo, por isso diz-se que a gordura obtida é o extrato etéreo, ou seja,
extraído com éter.
O éter de petróleo é o solvente mais utilizado, principalmente na
quantificação de triglicerídeos, pois o éter etílico tem custo superior e
extrai também outros constituintes lipossolúveis (vitaminas, pigmentos
clorofilados, esteroides e resinas). Pode-se utilizar a mistura de solventes,
além disso, a escolha é dependente do tipo de alimento a ser analisado.
Bromatologia 33

A extração do teor de lipídios pode ser obtida através de três


maneiras diferentes, conforme descrito a seguir:
„ Extração com equipamento de Soxhlet: é a forma mais
utilizada, utiliza um equipamento de refluxo e faz extração de forma
intermitente. A temperatura de refluxo não é tão elevada, pois não
pode ocorrer evaporação do solvente, o benefício é que não degrada
os lipídios presentes no alimento. Suas desvantagens incluem o uso
de maior volume de solvente, pois este pode saturar-se em contato
contínuo com a amostra;
Um técnico de laboratório de análise e alimentos necessita
determinar o teor de gordura total de uma amostra de biscoito. Para isso
pesou 4 g da amostra diretamente em papel de filtro desengordurado,
amarrou com fio de lã também desengordurado e colocou no extrator
tipo Soxhlet. Conectou o balão de fundo previamente tarado a 105°C
e adicionou éter etílico (volume suficiente para um Soxhlet e meio).
Acoplou um condensador de bolas e manteve sob aquecimento
em chapa elétrica, por 8 horas (4-5 gotas por segundo). Então retirou
o cartucho amarrado e destilou o éter. O resíduo obtido foi colocado
em estufa (105°C) por uma hora, então resfriou em dessecador até a
temperatura ambiente. O procedimento foi realizado em triplicata e a
tabela 5 apresenta os valores de massa obtidos nos procedimentos.
Tabela 5: Massa obtida do extrato etéreo de biscoito (4 g)
para quantificação de lipídios totais

Procedimento Massa do resíduo (g) Massa do extrato (%)


Análise 1 0,221 5,5
Análise 2 0,225 5,6
Análise 3 0198 5,0
Média 0,215 5,4
Desvio padrão 0,015 0,3

Fonte: a autora.

Após a obtenção dos valores de massa o analista utilizou a fórmula


do cálculo do extrato etéreo (descrita abaixo) para obter os respectivos
valores de porcentagem, conforme observamos na terceira coluna da
tabela 5.
34 Bromatologia

Dessa forma, o técnico descreveu no laudo que o teor médio de


lipídios na amostra foi de 5,4±0,3 % (m/m).
Observação: No caso de amostras líquidas deve-se pipetar o
volume desejado, esgotando o restante em papel de filtro, que deve ser
seco (estufa – 105°C por 1 hora).
„ Extração pelo método de Goldfish: é uma forma mais rápida, a
extração é feita em temperaturas mais elevadas e o processo é contínuo,
por isso utiliza menos solvente. A desvantagem do método está
relacionada ao aquecimento exacerbado do solvente e possibilidade de
degradação dos lipídios. Além disso, só pode ser utilizado em amostras
no estado sólido;
„ Extração pelo método de Bligh-Dyer: utiliza a combinação
de solventes no processo de extração: clorofórmio e metanol, que são
adicionados à amostra na primeira fase, seguido da adição de água e
mais clorofórmio. O que ocorre é a separação de fases, então é feita
a retirada delas através de um funil de separação, evaporação do
solvente e quantificação dos lipídios. A maior vantagem desse processo
é a extração de lipídios com caráter mais polar, muito presentes em
alimentos como a soja e o trigo. Além disso, como é feita à frio, não gera
degradação de gorduras do alimento e a fração obtida pode ser utilizada
para quantificação de vitaminas lipossolúveis e teste de detecção
de peróxidos (discutida mais adiante). Além disso, não necessita de
equipamentos especiais, a análise.
Alguns de alimentos contém seus lipídios agregados com outros
nutrientes, como as proteínas e os carboidratos. Neste caso é necessário
realizar hidrólise ácida ou alcalina. Isso ocorre em alimentos como o leite
(gordura em emulsão com a água) e o pão.
Outras análises dos lipídios que determinam características de
identidade incluem:
„ Índice de refração: específico para cada óleo, esse parâmetro
está relacionado ao grau de saturação. Utiliza-se o refratômetro de Abbé,
que possui circulação de água à 40°C. A amostra deve ser gotejada no
equipamento, caso esteja sólida, deve ser fundida. Independentemente,
Bromatologia 35

deve ser filtrada para remover as impurezas e os traços de umidade.


Após a adição no equipamento, aguardar entre 1-2 minutos, que o
aparelho marca o índice de refração à 40°C com quatro casas decimais;
„ Índice de iodo (método Wijs): fornece a medida de insaturação
dos ácidos graxos. Essa medida é feita através da adição de iodo (ICl)
à amostra solúvel. O halogenado que acompanha o iodo, por ser mais
reativo, reage com a insaturação do ácido graxo e é feita uma titulação
do halogenado remanescente;
O reagente de Wijs é o cloreto de iodo, neste método é feita a
adição de tiossulfato de sódio (Na2S2O3) e de amido, que atua como
indicador. Utiliza-se a quantidade de 1 grama de amostra e o resultado é
expresso em unidades de iodo.
„ Índice de saponificação: a adição de base aos ácidos graxos
produz álcool e sais. O índice de saponificação é, na verdade, a
quantidade de base necessária para gerar a saponificação dos ácidos
graxos de alto e baixo peso molecular.
O procedimento de saponificação consiste em aquecer a
amostra em banho-maria com NaOH ou KOH em refluxo, com adição
de fenoftaleína. A titulação do excesso de hidróxido é feita com solução
padrão de ácido clorídrico. O resultado é expresso em número de
miligramas de NaOH ou KOH necessários para saponificar 1 grama da
amostra.

Características da qualidade dos lipídios


Existem alguns ensaios que são utilizados como critério de
qualidade dos lipídios, pois são capazes de detectar a presença de
impurezas. Alguns deles, serão descritos a seguir:
„ Matéria insaponificável: esse teste detecta substâncias
lipossolúveis incapazes de sofrer saponificação. Esses compostos
são substâncias de alto peso molecular, esteróis, pigmentos e
hidrocarbonetos. O teste é feito através da adição de KOH em refluxo, o
resíduo que não sofre saponificação é isolado e extraído com éter etílico.
O extrato etéreo composto é lavado com água duas vezes, seco e sua
massa é quantificada em balança analítica);
36 Bromatologia

„ Acidez: a avaliação da acidez é muito importante como


parâmetro de qualidade dos lipídios, pois está diretamente relacionada à
conservação. Processos de decomposição através de oxidação, hidrólise
ou fermentação, acompanham a liberação de ácidos graxos (a partir da
quebra dos TGCs) e redução do pH;
A detecção do valor de acidez é feita através de titulação e os
resultados são expressos em mL de solução normal por cento ou em
gramas do componente ácido principal.
„ Rancidez: a detecção da rancidez pode ser feita a partir das
seguintes análises:
„ Reação de Kreiss: determina oxidação lipídica em fases
iniciais. É feita a partir do reagente floroglucina, que reage com aldeídos
formados pela oxidação dos ácidos graxos e produz coloração rósea ou
vermelha;
„ Índices de peróxidos: baseia-se na oxidação dos ácidos graxos
insaturados que formam hidroperóxidos, as primeiras espécies reativas
decorrentes da oxidação, e por isso essa análise determina a oxidação
lipídica em fase inicial;
A determinação do índice de peróxidos é feita a partir dos
resultados da titulação com iodeto de potássio e tiossulfato de sódio.
„ Valor de TBA (ácido 2-tio-barbitúrico): a reação é feita
entre os lipídios, mais precisamente dos produtos da oxidação dos
hidroperóxidos, e o ácido tiobarbitúrico. Este teste pode ser feito com
qualquer substância lipídica, como óleos, gorduras, ácidos graxos e
materiais similares;
„ Índice de p-anisidina (IpA): associado ao índice de peróxidos
chama-se de valor totox (total de oxidação) e serve para avaliação da
formação de produtos secundários da oxidação dos lipídios.
A reação da p-anisidina é feita em meio acético e forma um
complexo de cor amarela com aldeídos que tem ligações conjugadas
(assim como os subprodutos da oxidação dos ácidos graxos).
Bromatologia 37

RESUMINDO:
Nesta seção vimos o que são os lipídios, a importância
deles na análise de alimentos e os grupos que compõem
essa classe de nutrientes (ácidos graxos, triglicerídeos,
glicerofosfolipídios e lipídios não saponificáveis). Você
aprendeu que eles são muito solúveis em solventes
orgânicos, como éter e por isso uma das formas de
isolamento desses nutrientes é a obtenção do extrato etéreo
através da extração com éter. Aprendeu também sobre os
principais métodos de detecção de adulteração de óleos
e gorduras, rancificação dos lipídios e alguns aspectos da
prática laboratorial. Além disso, falamos sobre a quantificação
de vitaminas lipossolúveis, em especial a vitamina A.

Proteínas
INTRODUÇÃO:
Nesta seção você aprenderá sobre as proteínas, sua
importância para o organismo e na indústria de alimentos.
Falaremos sobre as principais propriedades das proteínas,
sua estrutura primária, secundária, terciária e quaternária e
as principais análises de proteínas. E então, preparado (a)?

As proteínas são nutrientes formados por aminoácidos, estruturas


químicas com terminação de grupo amino (-NH) e ácido carboxílico
(-COOH) no mesmo carbono. Existem, no total, 20 aminoácidos, que
apresentam a estrutura base e variam apenas nos substituintes da porção
R. De acordo com cada substituinte, temos um aminoácido diferente e
a ligação entre eles é chamada de ligação peptídica, e ocorre entre o
grupo carbonila de um aminoácido com o grupo amino de outro.
38 Bromatologia

Figura 8: Estrutura geral dos aminoácidos,


com a porção amino e carboxila e a porção R (variável)

Fonte: wikimedia commons

Na estrutura dos aminoácidos é possível encontrar outros grupos


químicos, como o grupo heme e minerais, como ferro, cobre e fósforo.
Conforme discutimos na unidade 1, os aminoácidos são divididos
entre essenciais, indispensáveis para diversas funções do organismo
e que necessitam ser adquiridos da dieta, e não-essenciais, não
necessários na dieta. O sequenciamento desses aminoácidos determina
a formação de diversas substâncias, como proteínas, enzimas, anticorpos
e a diversidade de suas atividades biológicas.
O aminoácido mais simples é a glicina, que possui um átomo de
hidrogênio no grupo R. Os aminoácidos podem ser formados por cadeias
alquílicas simples até grupos com estruturas cíclicas e anéis aromáticos.
Assim como os lipídios, as proteínas também fornecem energia
ao nosso organismo, cerca de 4 Kcal por grama de proteínas. Mas nos
alimentos, esses nutrientes possuem atividades relacionadas ao sabor e
a à textura dos alimentos.
Diferentemente de outros nutrientes, as proteínas apresentam
elevada complexidade estrutural. Inicialmente, são compostas por sua
estrutura primária, ou seja, a composição e ordem dos aminoácidos
unidos por ligações peptídicas. A estrutura secundária é formada pelo
arranjo geral dos aminoácidos, e a conformação da proteína em relação
ao próprio eixo, formando as alfa-hélices e as folhas beta- pregueadas.
O colágeno é uma proteína que apresenta estrutura secundária
em forma de uma folha β-pregueada.
Bromatologia 39

Já a estrutura terciária é determinada pelas interações entre


as cadeias laterais de aminoácidos, incluindo o meio em que estão
dispersas. A estrutura quaternária trata-se da conformação final de toda
a estrutura, considerando as outras proteínas, as moléculas próximas e
suas interações.
Diante de alguns fatores, as proteínas podem sofrer a quebra
de uma ou mais estruturas responsáveis pela sua conformação.
Temperatura elevada, ácidos, bases, radiação são agentes capazes de
promover a desnaturação das proteínas e rompimento de parte ou toda
estrutura conformacional.
A desnaturação de proteínas leva à precipitação delas em
meio aquoso. A desnaturação leva à perda da atividade biológica das
proteínas. Nos alimentos isso pode ser desejável, como no caso do
glúten, em que melhora o amassamento dos produtos de panificação ou
indesejável, quando a proteína perde a capacidade emulsificante. Com
relação às propriedades funcionais, essas dependem do meio em que
as proteínas se encontram, como pH, a temperatura e a presença de
outros nutrientes que permitam interação entre as moléculas.
Proteínas são moléculas capazes de interagir com a água,
por isso mantêm a condição de hidratação do alimento. Além disso,
algumas possuem maior capacidade de solvatação em meio aquoso,
dispersando-se rapidamente e de forma homogênea (sem precipitação).
A viscosidade é outra propriedade desses nutrientes, e está relacionada
com a resistência em fluidificar-se, ou seja, através da cremosidade
conferida pelas proteínas nos alimentos.
A solubilidade das proteínas é um parâmetro importante na
fabricação de molhos, sopas e bebidas, por exemplo. De forma
semelhante, a viscosidade é outro fator importante em alimentos como
cremes, sopas e molhos. A capacidade de geleificação (formação de géis)
é verificada em alimentos como queijos, embutidos cárneos, salsichas
e gelatinas. Neste caso, as proteínas foram previamente desnaturadas.
Outras propriedades incluem a formação de massa, emulsificação e
capacidade espumante. A primeira delas é mais nítida no caso do glúten,
a proteína derivada do trigo e da cevada, que é capaz de conferir a textura
visco-elástica dos produtos de panificação quando adicionada água.
40 Bromatologia

SAIBA MAIS:
Para saber mais sobre o glúten e sua importância no setor
de panificação acesse: https://bit.ly/2pPOo9T

Com relação à emulsificação, considerando a diversidade das


estruturas dos aminoácidos, as proteínas possuem habilidade de formar
emulsões, ou seja, estabilizam misturas não homogêneas entre o soluto
e o solvente. Isso ocorre porque a diversidade estrutural também reflete
diversidade de propriedades físico-químicas. Já em relação ao poder
espumante, esse efeito está ligado a habilidade de estabilizarem as
dispersões de gás em meio líquido ou semissólido.

Análise de proteínas
A forma de detecção e quantificação de proteínas é feita através
da análise de átomos que fazem parte dos aminoácidos, como carbono
e nitrogênio ou através de grupos como detecção de aminoácidos e
ligações peptídicas. A partir dos valores obtidos, utiliza-se um fator para
conversão em valores estimados de proteínas.
O método mais utilizado é o método de detecção de nitrogênio,
chamado de método Kjeldahl. Esse ensaio foi criado em 1883, e desde
então vem sendo modificado, mas utiliza basicamente 3 etapas: digestão,
em que a amostra é digerida, liberando o conteúdo de nitrogênio na
forma de sal amoniacal; a destilação, que serve para liberar o nitrogênio
do sal amoniacal, transferindo-o para uma solução ácida de concentração
conhecida e titulação, em que é feita a determinação do nitrogênio pela
titulação do excesso de ácido.
Considera-se que o conteúdo de nitrogênio dos alimentos é
cerca de 12%, por isso o fator de conversão do nitrogênio para gramas de
proteínas é 6,25%. No entanto, alguns autores preferem utilizar as tabelas
específicas de cada categoria de alimento, com valores calculados para
cada um deles.
O laboratório de bromatologia recebe uma amostra de aveia e o
técnico T. O. é responsável por sua análise. Foi solicitada a determinação
Bromatologia 41

de proteínas totais, e para isso, o técnico decide utilizar o método clássico


de Kjeldahl. Assim, ele pesa 1 g da amostra em papel de seda e transfere
para o balão de Kjeldahl (papel+amostra). Em seguida ele adiciona 25
mL de ácido sulfúrico e cerca de 6 g da mistura catalítica. Leva ao
aquecimento em chapa elétrica, na capela, até a solução se tornar azul-
esverdeada e livre de material não digerido (pontos pretos). Ele deixa
aquecer por mais uma hora, depois deixa esfriar e faz a destilação do
material por arraste. O destilado é recolhido em 25 mL de solução de
ácido sulfúrico 0,05M (com indicador vermelho de metila). Ele destila o
conteúdo até a solução passar do vermelho para o amarelo. Então ele
titula o excesso de ácido sulfúrico 0,05 M com solução de hidróxido de
sódio 0,1 M, usando vermelho de metila até que a solução volte para
vermelho. A tabela 6 apresenta os dados dos ensaios (triplicata) e os
volumes de NaOH utilizados nas titulações.
Tabela 6: Resultados da análise de proteínas totais
pelo método de Kjeldahl para 1 grama de aveia.

Volume de NaOH gasto na titulação (mL) Teor de proteínas (%)

Análise 1 33,40 27,26


Análise 2 32,89 26,84
Análise 3 33,30 27,26

Fonte: a autora.

O cálculo da porcentagem de proteínas totais é feito a partir da


equação:

Onde f é o fator de conversão de nitrogênio em proteínas, que


o técnico utilizou o de aveia (tabela do Instituto Adolfo Lutz na página
anterior) 5,83. P é o peso da amostra e V é o volume de NaOH utilizado
na titulação. Assim, ele calculou os valores de porcentagem, incluiu na
terceira coluna da tabela acima e descreveu no laudo a presença de
27,12±0,21% (m/m) de proteínas totais na amostra (média ± desvio padrão).
Algumas modificações do método de Kjeldahl incluem a adição
de catalisadores, como óxidos de mercúrio, cobre ou selênio. A utilização
42 Bromatologia

do mercúrio é a preferida, pois apresenta efeito catalisador superior ao


cobre, porém necessita de uma etapa adicional para precipitação do
mercúrio com tiossulfato de sódio.
A adição de sulfato de potássio é utilizada para aumentar a
temperatura de ebulição do ácido e aumentar o efeito digestivo da primeira
etapa. Mas o excesso desse reagente pode gerar perda de nitrogênio se a
temperatura for muito elevada, devendo-se manter entre 370-410°C.
O ácido bórico é utilizado no lugar da solução ácida de recolhi-
mento do destilado. Isso facilita o procedimento, pois somente uma
solução deverá ser padronizada, pois a quantidade e concentração do
ácido bórico não necessitam ser precisas.
Outro método disponível é o de Dumas que utiliza a detecção de
gás nitrogênio. Essa análise é sujeita a erros, uma vez que a quantidade de
amostra analisada é muito pequena. Nas análises por grupos, o principal
ensaio utilizado é o de biureto, que se baseia no fato de que as ligações
peptídicas formam complexos com cobre em meio alcalino. Esses complexos
formam cor azulada, sendo facilmente analisados em colorímetro.
As vantagens do método de biureto incluem a especificidade,
simplicidade e custo. Como desvantagens necessita de curva de
calibração com padrão de proteína conhecida (realizado pelo método
de Kjeldahl) e a cor do complexo formado não é sempre igual.
Existe ainda o método de Follin-Ciocalteau-Lowry, ou método por
fenol, que utiliza fenol e cobre. O princípio é a reação colorimétrica de
oxidação entre os aminoácidos aromáticos e o cobre, fazendo formar
coloração azulada. A vantagem do método é a sensibilidade (cerca de
100 vezes mais sensível que o método de biureto), baixa quantidade de
interferentes (somente a sacarose interfere).
As desvantagens do método do fenol incluem a utilização de
padrão conhecido de proteína para construção de curva padrão, excesso
de manipulação da amostra, lentidão e destruição da amostra.
A espectrofotometria de ultravioleta também é utilizada, já que
a maioria das proteínas possui aminoácidos com ligações pi, como
triptofano, tirosina e fenilalanina. Essa análise é rápida, simples e não
destrutiva, porém, os resultados não são muito precisos, ácidos nucleicos
podem ser interferentes e o preparo da amostra exige muitas etapas.
Bromatologia 43

Os métodos turbidimétricos também representam uma alternativa


na detecção das proteínas. Eles se baseiam na precipitação das proteínas
com um agente precipitante, como ácido tricloroacético, ferricianeto de
potássio e ácido sulfossalicílico.
A vantagem dos métodos turbidimétricos é a simplicidade e
facilidade de execução, principalmente para amostras líquidas, como
o leite, por exemplo. No entanto, podem sofrer com interferentes que
precipitam simultaneamente, ainda precisa da curva padrão com proteína
conhecida, os resultados variam de acordo com cada proteína. Além
disso, não há justificativa de execução em caso de amostras sólidas.
O método de Bye-binding envolve a precipitação das proteínas
com um corante. Neste caso, quanto mais precipitado colorido, maior é
o teor de proteínas. Esse sólido é separado (centrifugação ou filtração)
e quantificado.
Bye-binding é utilizado em alimentos como cereais, sementes
oleaginosas, produtos vegetais e animais, e laticínios.

RESUMINDO:
E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo
tudinho? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido
sobre as proteínas, sua importância para o organismo e na
indústria de alimentos. A estrutura das proteínas, que elas
são compostas por aminoácidos, e que o sequenciamento
dessas moléculas determina uma série de atividades e
propriedades físico-químicas das proteínas. Falamos sobre
as principais análises de proteínas e o método mais utilizado,
o método de Kjeldahl. Esse método é baseado nas etapas
de digestão, destilação e titulação. Você aprendeu que
existem variações desse método e que se utiliza o fator de
correção para converter o valor de nitrogênio em gramas
de proteínas. Além disso, vimos sobre outros métodos
disponíveis, como ensaio de biureto, fenol, entre outros.
44 Bromatologia

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