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Como é o mecanismo do medo


Diante de uma situação arriscada, nosso cérebro percebe a ameaça e instantaneamente
envia estímulos que preparam o organismo para lidar com a adversidade, deixando o corpo
pronto para "fugir ou lutar".
O medo é derivado da ansiedade, mas há diferenças entre esses sentimentos:

● Medo É "palpável", baseia-se em algo identificável. Você tem medo de

alguma coisa (uma barata, pular de paraquedas), uma situação real;

● Ansiedade Não é tão bem definida e possui característica antecipatória.

Você tem o sentimento por causa do que pode acontecer, de algo não

concreto.

“O medo é fruto de um objeto ameaçador específico e que está presente no momento.


Há algo identificável. Já a ansiedade é uma reação mais vaga, sem objeto
claro.”Carlos Filinto, psiquiatra e doutor em ciências médicas pela Unicamp

Ambos também têm consequências diferentes: o medo é mais visceral, suscita uma
resposta rápida, sobretudo em situações de ameaça à integridade física. Sob
ansiedade, a reação demora mais e é voltada para planejar o que pode ser feito —até
porque nem sempre o estímulo é real.

O medo é considerado uma das sete sensações universais —as outras são a alegria, a
tristeza, o nojo, a surpresa, a raiva e o desprezo.
Ele exerce, principalmente, um estímulo de proteção. Sentimos medo para nos
preservarmos de situações que colocam nossa vida, saúde e integridade física em perigo.
Portanto, pode-se dizer que ele tem um papel importante na sobrevivência das espécies e,
assim, é essencial para a evolução humana.

“Sentir medo é um comportamento natural. Ele é importante para preservar a


vida"Tatiana Lima Ferreira, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC)

Há, no entanto, quem não consiga lidar com a sensação de maneira saudável. Nesses
casos, surgem as fobias, o mecanismo deixa de ser protetivo, prejudicando outras áreas da
vida.

O que acontece no seu corpo quando você sente medo

Quem conduz tudo é nossa mente. Mais especificamente as amígdalas cerebrais,


estruturas em formato de amêndoas —daí o nome— que regulam as emoções.
"A amígdala é o que dá o colorido emocional à vida, em reações positivas ou
negativas", diz Tatiana Lima Ferreira, da UFABC.
Localizadas nos dois lados do cérebro, quando sentimos medo, as amígdalas ativam
regiões para estimular a liberação de hormônios e neurotransmissores.
Há destaque para a noradrenalina, que promove reações fisiológicas para que a
pessoa tome uma atitude rápida de enfrentamento ou fuga:

● Os batimentos cardíacos são acelerados

● Há ondas de frio ou calor

● Os pelos ficam eriçados

"Toda vez que há ativação da amígdala, uma descarga de noradrenalina extra tende a
ser disparada, o que aumenta as percepções. A interpretação das multissensações
concomitantes vai variar de pessoa para pessoa. Para algumas, pode ser bem
amedrontador, achar que está infartando", afirma o psiquiatra Pedro Beria, mestre pela
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Resposta ao medo: lutar ou fugir?


A reação ao medo ativa o mecanismo de luta ou fuga. Ele é conservado evolutivamente,
mas o surgimento de outras regiões cerebrais tornou o processo mais rebuscado. Por isso,
a escolha de como agir é pessoal, levando em conta o repertório daquela pessoa.
Geralmente, as respostas têm a ver com a intensidade da emoção, frequência do
sentimento, contextos externos e internos, além de disposições genéticas.
"Biologicamente, a reação de luta ou fuga é muito parecida para grande parte das
pessoas. O desfecho, se vai ser um comportamento mais impulsivo, agressivo ou
evitativo, vai do aspecto psicodinâmico da aprendizagem social e como a pessoa
encara eventos adversos", explica Pedro Beria, também professor da Feevale
(Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo), no Rio
Grande do Sul.
Na dinâmica cerebral, entre as regiões mais recentes, o desenvolvimento do córtex
pré-frontal influenciou no planejamento das ações, considerando as necessidades de cada
pessoa, seus pensamentos e emoções. Ele funciona ainda como um "freio cognitivo",
atuando na regulação das emoções.

Fobia, a filha do medo


Quando o medo vira disfuncional, ele é considerado uma fobia. Nesse caso, há
aversão intensa a um estímulo —como andar de avião, ficar em lugares fechados ou a
algum animal. O temor vem acompanhado de reação emocional desproporcional à situação.
"Toda vez que o medo causar prejuízo afetivo, laboral, de socialização, de diminuição
de contato social positivo, ele vai configurar provavelmente sintoma de alguma
condição de ansiedade ou de alguma fobia específica", pontua Beria.
A reação rápida de lutar ou fugir dá lugar a um sentimento paralisante e, muito
comumente, a pessoa entende que possui uma repulsa irracional ao estímulo.
No campo neurológico, em resumo, há hiperfuncionamento do sistema límbico, que conduz
essas respostas. É como se o "freio" para as reações de medo falhasse, enquanto o
"acelerador", representado pelas amígdalas, continua pressionado.
"O alarme passa a disparar com estímulos pouco relevantes e aí, quando a pessoa
está diante de um estímulo fóbico, há disparo de mecanismo de luta ou fuga sem
passar por aspectos racionais que podem inibi-lo", explica o psiquiatra Amaury
Cantilino, doutor pela UFPE (Universidade Federal do Pernambuco).

Boa parte das fobias é específica, quando há aversão a algo definido. E não
necessariamente a pessoa teme aquilo que já viu ou viveu: ela pode ter aversão a animais
que nunca encarou, experiências que não são frequentes. Além disso, não é necessário
elemento visual, ou seja, ela pode ter reações exacerbadas de medo apenas ao imaginar o
objeto de sua fobia.
E se o medo não existisse?

O medo é um tema bastante estudado ao longo das civilizações. Segundo a doutora em sociologia
Maria Claudia Coelho, é impossível traçar uma história da sensação sem considerar as
particularidades históricas de cada período. No entanto, há com certa frequência a associação dele
com a coragem.

"Existe uma espécie de dinâmica emocional entre o medo e a coragem, mas ela não é
exatamente a ausência de medo. Na verdade, a coragem supõe o medo. Quando você não tem
medo, você não precisa ter coragem", comenta Coelho, professora da UERJ (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro).
De acordo com a professora da UFABC Tatiana Lima Ferreira, em termos evolutivos, o medo foi
conservado nas espécies porque tem papel de preservação. Afinal, é importante aprender a sentir
potenciais perigos para adaptar as respostas comportamentais e se proteger.
Ou seja, uma vida sem medo com certeza seria também muito mais vulnerável, já que a
resposta adaptativa traz espectros de cuidado e alerta. "Toda vez que temos alguma ativação
do reflexo de luta ou fuga, seremos cuidadosos. Isso faz com que tenhamos um desempenho
superior em diversas situações e o medo se torna essencial", diz o psiquiatra Pedro Beria.

Publicado em 23/03/2023
Reportagem: Sarah Alves Moura | Edição: Gabriela Ingrid | Design e colagens:
Bruna Sanches
Fontes: Amaury Cantilino, presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria
e doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco); Carlos Filinto, psiquiatra e doutor em
ciências médicas pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Maria
Claudia Coelho, historiadora, doutora em sociologia pelo IUPERJ (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e professora da UERJ (Universidade
do Estado do Rio de Janeiro); Pedro Beria, psiquiatra, mestre em psiquiatria pela
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e professor da Feevale
(Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo), no Rio
Grande do Sul; Tatiana Lima Ferreira, doutora em psicobiologia pela Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo) e professora da UFABC (Universidade Federal
do ABC).

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