Você está na página 1de 4

Aluno: Helena Amaral Schettino

Matrícula: 222002802

País escolhido para pesquisa: Índia

O fenômeno do controle de constitucionalidade nos países Árabes que passaram


pela Primavera Árabe é relativamente recente. A maioria desses países tinha como
origem um regime ditatorial ou um sistema político com o poder muito concentrado nas
mãos do executivo (herança histórico-política de tais países).
Esse contexto permaneceu de alguma forma a presente mesmo após a
instauração da corte constitucional nesses países. Assim, os limites de atuação da corte
permaneceram estreitos, sendo, muitas vezes, limitados e duramente regulados pelo
executivo, como explicitado pelo caso da Tunísia.
Aqui notamos como a situação que se sucedeu nos países Árabes na realidade
segue padrões atestados pelo estudo das transições constitucionais e a fundação das
cortes constitucionais. Primeiramente se deve ao fato de que novas constituições quase
sempre surgem após crises políticas ou situações excepcionais1 (como foi o caso da
Primavera Árabe). Além disso, sabe-se que, no geral, as Cortes Políticas têm também
um caráter preservacionista, ou seja, procura garantir a preservação de grupos políticos
no poder afim de manter a estabilidade política (deixar os grandes detentores do
monopólio do poder que são movidos pela racionalidade do medo satisfeitos).
No entanto, após 2011, por pressão popular e também procurando manter uma
“faixada constitucional” perante o meio internacional, os países árabes tentaram de
alguma forma tornar os órgãos de controle constitucional mais “democráticos”. Com
esse fito, passaram a adotar novas medidas, como o processo de judicialização de tais
instituições. Uma das consequências desse processo é que o monopólio de escolha dos
membros da corte constitucional não fica mais concentrada nas mãos do chefe do
executivo.
Ainda assim, apesar desses pequenos avanços, a legitimidade dessas instituições
ainda é frequentemente questionada. Isso porque, na maioria desses países, o chefe de
estado continua a dominar o sistema de nomeação dos membros dos órgãos de revisão
constitucional, na maioria das vezes fazendo isso de acordo com interesses próprios.
Além disso, o acesso à essas instituições nem sempre é fácil. Essas são apenas algumas
das dificuldades para o processo de ampliação do controle de constitucionalidade.
Podemos notar algumas semelhanças e diferenças dessa configuração
sociopolítica com o Brasil em seu processo constituinte. Uma semelhança clara e
comum entre tais países durante o processo constituinte é a tentativa de grupos
majoritários em permanecer no poder durante e depois da transição constitucional. A
formação de uma constitucional diz a respeito de uma manutenção de interesses e no
Brasil isso não foi diferente. Grupos como a bancada agrícola e militar fizeram o
possível para assegurar seu poder mesmo com a forte participação popular.

1
J Elster, ‘Forces and Mechanisms in the Constitution-Making Process’ (1995) 45 Duke Law Journal 370).
Quanto ao acesso aos órgãos de revisão constitucional, podemos dizer que o
Brasil se encontra em uma posição diferente e mais acessível do que grande parte desses
países: aqui, adota-se o sistema difuso de controle de constitucionalidade das leis. Isso
significa que qualquer órgão jurisdicional pode declarar a inconstitucionalidade de uma
lei e se recusar a aplicar a lei inconstitucional2. Já em muitos desses países Árabes,
poucas autoridades políticas têm condição de acessar o Conselho Constitucional.

Agora comparando meu país de escolha (Índia) com o Brasil, é possível notar
muitas semelhanças sociais e constitucionais. Creio que a semelhança primordial diz a
respeito da construção social desses países. A Índia, tal qual o Brasil, é profundamente
marcada pela desigualdade social, em grande parte por conta de sua herança histórica.
Enquanto o Brasil enfrenta seu passado escravocrata, a Índia até hoje tem que lidar com
a questão das castas – sistema religioso e social moldado rígidas estruturas hierarquias e
hereditárias. Embora tenham sido abolidas pela constituição de 1950, art.15 (constituição
até hoje em vigor), as castas ainda estão incrustados na sociedade indiana sendo um
grande problema estrutural de desigualdade.

Além disso, assim como a promulgação da atual Constituição Brasileira em 1988


que marcou um claro afastamento da experiência anterior, o Regime militar, a constituição
indiana também representou um momento de ruptura com o domínio inglês. Havia a
necessidade de se fazer uma separação do domínio colonial e criar instituições públicas
que garantissem um Governo transparente e satisfizessem as necessidades e as aspirações
do povo. Deste modo, o texto da Constituição facilitou a transição da Índia de colônia
Britânica para uma república democrática independente.

Lançando um olhar para a constituição, percebe-se que, assim como a


constituição brasileira, a constituição indiana se apresenta como uma forte protetora dos
direitos humanos-fundamentais, sendo, no caso indiano, a Suprema Corte o principal
expoente dessa missão.

Nesse viés, considerando que a Índia é um país marcado por desigualdades


sociais, percebe-se que o controle de constitucionalidade manifesta-se como um
legitimador dos direitos fundamentais. Desta forma, o controle de constitucionalidade que
não apenas garante um sistema confiável de freios e contrapesos entre os diferentes
poderes, mas também funciona como instrumento de mudança e desenvolvimento social.
Desde a criação da república indiana independente, a Corte Suprema da nação tem
realizado controles abrangentes nos poderes legislativo e executivo de forma aplicada.
Assim fica claro como os direitos fundamentais listados na Constituição fornecem, por
conseguinte, aos tribunais constitucionais critérios tangíveis para que possam realizar o
controle de constitucionalidade da ação do governo e manter a ‘separação de poderes’.

Nesse contexto, pode-se dizer que a Constituição da Índia estabeleceu, ao menos


no plano da positivação jurídica, as condições de possibilidade para uma experiência
constitucional de promoção dos direitos fundamentais. Questão que passa
necessariamente pela discussão quanto ao papel da Suprema Corte do país. Ela é o árbitro

2
Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/288
final em todas as controvérsias constitucionais. Sua competência mandamental advém do
Artigo 32 da constituição que lhe concede o status que lhe permite fazer cumprir os
direitos fundamentais. A nomeação dos integrantes da Corte Constitucional e dos
tribunais superiores, diferentemente do sistema utilizado pelos países Árabes, é feita com
base nas recomendações de um colegiado – composto pelo presidente da Corte Suprema
da Índia e pelos quatro juízes Seguintes em ordem de antiguidade na Corte Suprema.
Pode parecer estranho que o próprio alto judiciário estabeleça sua
composição, no entanto, isso foi considerado necessário por conta de
interferências indevidas feitas por parte do executivo em nomeações de juízes no
passado, situação conhecida em muitos casos das cortes Árabes de controle de
constitucionalidade.

Não surpreendentemente, como já atestado pelos estudos de direito constitucional


comparado, os processos constituintes normalmente surgem após momentos de rupturas
políticas. No caso dos países Árabes isso se manifestou a partir da reformulação dos
controles de constitucionalidade. Na Índia, como já explicado acima, a proclamação de
uma nova constituinte representou uma ruptura com o domínio inglês que vigorava a mais
de 150 anos. Uma parte significativa do projeto de criação de um governo democrático
na Índia independente foi a tomada de posição contra os padrões existentes de
desigualdade e exploração social, como a discriminação com base em casta e em gênero.3
Assim, apesar de a constituinte ser dominada majoritariamente por homens e Hindus, a
Assembleia tentou estabelecer certa diversidade trazendo membros de outras religiões,
etnias e incluindo mulheres. De acordo com o discurso do que viria a ser um dos principais
líderes da Índia moderna, Jawaharlal Nehru, o principal objetivo da Assembleia era
“proclamar a Índia como uma República Soberana Independente e elaborar uma
Constituição para sua governança futura.”4

Trabalhando o conceito de racionalidade do medo e coordenação de interesses


difusos para a proteção do sistema Constitucional pela perspectiva de Barry Weingast,
percebemos como o papel da corte constitucional durante a formulação da constituição é
principalmente o de conciliação de interesses. Isso deve ser feito através da limitação da
ação governamental e da coordenação dos cidadãos5. Deve ser observado que, durante
esse processo, as elites políticas e econômicas vão querer manter seus privilégios e poder,
como já atestado anteriormente no caso dos países Árabes. Esse jogo de poderes é o que
gera a estabilidade política e garante uma maior longevidade a constituição. Na Índia,
isso não foi diferente. A Constituição foi escrita dois anos após a independência indiana
e é produto do interesse de diferentes setores: industriais, proprietários de terras,
comerciantes e trabalhadores. Aqui aproveito para trazer o nome de um dos maiores
protagonistas na história mundial e indiana: Mahatma Gandhi. Pacifista e advogado,
Gandhi também foi líder nos movimentos de independência. Muitos o criticam por não
ter assumido uma postura mais radical durante esse processo, adotando no entanto uma
postura intermediária quanto a abolição do sistema de castas. Isso pode ser explicado

3
Disponível em:
https://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/portalStfSobreCorte_pt_br/anexo/A_prati
ca_do_Controle_de_Constitucionalidade_nos_dias_de_hoje.pdf
4
Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/constituicao-indiana-entra-em-vigor/
5
Barry Weingast, ’Designing Constitutional Stability’ in Roger Congleton and
Birgitta Swedenborg (ed.), Democratic Constitutional Design and Public Policy Analysis and
Evidence (MIT Press 2006) 345
justamente porque ele e o Partido do Congresso sabiam que isso significaria que a maioria
dos hindus deixaria de apoiar o movimento de libertação da Índia.6

Para finalizar, quero ressaltar que, atualmente, a Índia é reconhecida como a maior
democracia do mundo, justamente por vigorar no país com a maior população mundial.
Ademais, desde sua promulgação, ocorrem eleições periódicas seguidas de transições
pacíficas. Podemos valer a durabilidade e resiliência dessa constituição (que já tem mais
de 72 anos) ao seu design, em especial ao seu alto grau de detalhamento: ela possui 395
artigos, 8 cronogramas e cerca de 145.000 palavras! Podemos assim conceder-lhe o título
de maior constituição do mundo.

6
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/01/26/constituicao-da-india-completa-70-anos-
sem-erradicar-a-violencia-do-sistema-de-
castas#:~:text=L%C3%ADder%20dos%20movimentos%20de%20independ%C3%AAncia,intermedi%C3%A
1ria%2C%20que%20prevaleceu%20na%20Constitui%C3%A7%C3%A3o

Você também pode gostar