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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2024.0000444604

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1059937-51.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes JOSÉ
ALVES SILVA OLIVEIRA (JUSTIÇA GRATUITA) e IRMA RUGGERI
OLIVEIRA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados NEIDE RUGGERI MUNIZ
(JUSTIÇA GRATUITA), SUELI RUGGERI COSTA (JUSTIÇA GRATUITA),
CLEIDE RUGGERI MUNIZ (JUSTIÇA GRATUITA), DERCIO RUGGERI
(INTERDITO(A)), MARIA GUEDES PENTEADO DE CAMARGO (POR SEUS
HERDEIROS) (POR CURADOR), OLIVIA CAMARGO DA SILVA PRADO
(POR CURADOR), WALDIR DA SILVA PRADO (POR CURADOR), ZITTA
PENTEADO DE CAMARGO (POR CURADOR), PLÍNIO PENTEADO DE
CAMARGO (POR CURADOR), MARGARIDA PAULA LEITE PENTEADO DE
CAMARGO (POR CURADOR), CAROLINA CAMARGO TICOULAT (POR
CURADOR), RENATO TICOULAT FILHO (POR CURADOR), MARIA
CAROLINA NOGUEIRA DE ROURA (POR CURADOR), ARMANDO ROURA
JÚNIOR (POR CURADOR), FERNANDO AUGUSTO NOGUEIRA (POR
CURADOR), EDUARDO CAMARGO NOGUEIRA (ESPÓLIO) (POR
CURADOR), FERNANDO AUGUSTO NOGUEIRA NETO (INVENTARIANTE)
(POR CURADOR), DJALMA DE PAIVA LOUREIRO (ESPÓLIO) (POR
CURADOR), YOLANDA CAMARGO DE PAIVA LOUREIRO
(INVENTARIANTE) (POR CURADOR), CLÓVIS MARTINS DE CAMARGO
FILHO (ESPÓLIO) (POR CURADOR), MARIA SALETE PEREIRA BARRETO
(INVENTARIANTE) (POR CURADOR) e RÉUS AUSENTES, INCERTOS,
DESCONHECIDOS, EVENTUAIS INTERESSADOS (POR CURADOR).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALCIDES


LEOPOLDO (Presidente) E VITOR FREDERICO KÜMPEL.

São Paulo, 22 de maio de 2024.

CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANÇA


Relator(a)
Assinatura Eletrônica

4ª Câmara de Direito Privado


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1059937-51.2019.8.26.0100


Apelantes: José Alves Silva Oliveira e Irma Ruggeri Oliveira
Apelados: Neide Ruggeri Muniz, Sueli Ruggeri Costa, Cleide Ruggeri Muniz, Dercio
Ruggeri, Maria Guedes Penteado de Camargo (Por Seus Herdeiros), Olivia Camargo
da Silva Prado, Waldir da Silva Prado, Zitta Penteado de Camargo, Plínio Penteado de
Camargo, Margarida Paula Leite Penteado de Camargo, Carolina Camargo Ticoulat,
Renato Ticoulat Filho, Maria Carolina Nogueira de Roura, Armando Roura Júnior,
Fernando Augusto Nogueira, Eduardo Camargo Nogueira (espólio), Fernando
Augusto Nogueira Neto (inventariante), Djalma de Paiva Loureiro (espólio), Yolanda
Camargo de Paiva Loureiro (inventariante), Clóvis Martins de Camargo Filho (espólio),
Maria Salete Pereira Barreto (inventariante) e Réus Ausentes, Incertos,
Desconhecidos, Eventuais Interessados
Comarca: São Paulo
Juiz prolator: Rodrigo Jae Hwa An
Natureza da Ação: Usucapião Extraordinária

Voto nº 3151

Recurso de Apelação - Usucapião Extraordinária Sentença


que rejeitou o pedido Irresignação dos autores, que
alegam atendimento dos requisitos para a declaração da
prescrição aquisitiva Descabimento - Ausência de
“Animus Domini”, porque a posse exercida decorre de mera
tolerância/permissão dos demais herdeiros, condôminos que
são, um deles incapaz, contra o qual não corre a prescrição
Ausência de comprovação de benfeitorias Sentença
mantida Apelo desprovido Artigo 252 do Regimento
Interno.

Trata-se de recurso de apelação apresentado contra r.


sentença prolatada em págs. 426/430, cujo relatório adota-se, que rejeitou
pedido declaratório de domínio sobre imóvel, a pretexto de usucapião,
condenando os autores ao pagamento de custas processuais e honorários
sucumbenciais, os últimos no importe de 10% sobre o valor da causa.

Pretendem os recorrentes a reforma de tal decisão, afirmando,


preliminarmente, ilegitimidade passiva dos réus. No mérito, aduzem
ocupação do imóvel de forma e pacífica há mais de 26 anos, fazendo jus à
declaração da usucapião (págs. 147/155).

Foram apresentadas contrarrazões (págs. 454/457).

Apelação Cível nº 1059937-51.2019.8.26.0100 – Voto nº 3151 – Pág. 2


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Em seu parecer, a r. Procuradoria de Justiça opinou pelo


desprovimento do recurso (págs. 466/469).

Tempestivamente apresentado e presentes os demais


requisitos de admissibilidade, fica o apelo recebido em seus regulares
efeitos.

É a síntese do necessário.

Antes de se analisar o mérito da questão propriamente dito,


necessário deliberar sobre a preliminar arguida pelos recorrentes,
ilegitimidade passiva dos réus, que deve ser afastada de plano.

Conforme preleciona o princípio da saisine, no exato momento


do passamento do de cujus transfere-se a herança aos respectivos
sucessores.

Como é incontroverso que o imóvel em questão era de


propriedade dos genitores dos réus, natural a legitimidade e interesse
jurídicos desdês, de defesa da posse.

Ademais, já é pacificado no STJ o entendimento de que os


herdeiros, ou apenas um deles, é parte legítima para defender os interesses
do espólio em juízo, pois se trata de universalidade de bens e direitos,
indivisível1.

No mérito, apesar da argumentação expendida pelos


apelantes, tem-se que a sentença deve ser mantida por seus próprios e bem
lançados fundamentos, os quais são ora adotados como razão de decidir.

1
REsp 1.117.078-GO, AREsp 1.819.474-RJ.

Apelação Cível nº 1059937-51.2019.8.26.0100 – Voto nº 3151 – Pág. 3


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Conforme o disposto no art. 252 do Regimento Interno desta


Egrégia Corte:

“Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os


fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente
motivada, houver de mantê-la”.

Aliás, esta Seção de Direito Privado tem aplicado,


reiteradamente, tal dispositivo regimental, até e com vistas a dar concretude
à garantia constitucional da tutela jurisdicional célere, conforme dispõe o art.
5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido, podem ser citados os seguintes precedentes:


Apel. 994.02.069946-8, Rel. Des. Paulo Razuk, j. 08.06.2010; Apel.
994.05.0097355-6, Rel. Des. James Siano, j. 19.05.2010; Apel.
994.04.069012-1, Rel. Des. José Roberto Bedran.

Vale referir que o C. Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado


tal posicionamento, conforme se verifica do julgado a seguir transcrito:

“Processual civil - acórdão proferido em embargos declaratórios -


ratificação da sentença viabilidade - omissão inexistente - art. 535,
II, do CPC - ausência de violação. 1. Revela-se improcedente
suposta ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem,
ainda que não aprecie todos os argumentos expendidos pela parte
recorrente, atém-se aos contornos da lide e fundamenta sua decisão
em base jurídica adequada e suficiente ao desate da questão
controvertida. 2. É predominante a jurisprudência do Superior

Apelação Cível nº 1059937-51.2019.8.26.0100 – Voto nº 3151 – Pág. 4


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Tribunal de Justiça em reconhecer a viabilidade de o órgão


julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença,
inclusive transcrevendo-o no acórdão, sem que tal medida
encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum. 3.
Recurso especial não-provido (REsp 662272/RS Rel. Min. João
Otávio de Noronha 2ª Turma j. 04.09.2007 - DJ 27/09/2007 p.
248) (Grifo próprio).

Segundo consta da sentença ora impugnada:

“(...) Com relação ao elemento posse, exige-se a posse qualificada


“ad usucapionem,” ou seja, a posse potencializada pela convicção de
domínio, de ter a coisa para si com “animus domini”. Assim, a
configuração da prescrição aquisitiva não se contenta com a posse
normal “ad interdicta”, exigindo-se a posse “ad usucapionem”, em
que, além da exteriorização da aparência de domínio, o usucapiente
deve demonstrar o exercício da posse com ânimo de dono pelo
prazo, sem interrupção e sem oposição.

O “animus domini”, segundo doutrina preponderante, atrela-se


necessariamente à causa da posse ou “causa possessionis”. Assim,
a posse precária não pode ser utilizada para a usucapião, não por
ser injusta, mas sim pelo reconhecimento da supremacia do direito
de terceiro sobre a coisa (...)

Embora tenha restado configurada a posse da parte autora, denota-


se claramente, pelos elementos probatórios contidos nos autos, que
ela não se deu com o “animus domini” capaz de configurar a
prescrição aquisitiva, conforme sustentado pelo contestante.

Os documentos apresentados, com destaque para as contas de


consumo/tributos de fls. 41/49 e 163/178 demonstram que os
autores realizavam o pagamento das contas. No entanto, os

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cadastros de IPTU de fls. 27/39, demonstram que o imóvel está


cadastrado em nome da autora, bem como dos espólios dos
genitores. Ainda, os demais herdeiros do espólio vieram aos autos
informando o comodato realizado entre as partes.

Em outras palavras, ainda que o autor tenha exercido posse sobre o


bem, não o fez como dono, tendo havido, por parte dos
contestantes, mera tolerância, inexistindo prova de que houve a
inversão do caráter precário da posse, a implicar a rejeição do
pleito(...)”

Como bem decidido na sentença atacada, no caso dos autos,


não restou demonstrada a posse qualificada dos autores sobre o referido
imóvel, apta a ensejar o reconhecimento da usucapião.

De início, na peça vestibular os autores omitem a origem da


referida posse, limitando-se a alegar que a exercem de maneira pacífica, por
determinado período de tempo.

Tal omissão, por si só, já é estranhável pois de acordo com a


declaração do Oficial Registrador, em págs. 23/24, no ano de 1961 foi
registrada a implantação de loteamento na referida área, com a origem do
imóvel que se pretende usucapir, sem nenhuma outra averbação relevante.

Pois bem! Se tal imóvel, em 1961 era de domínio de Maria


Guedes Penteado de Camargo, como, desde o ano de 1993 estava sob
posse dos autores?

Na contestação, em págs. 112/124, os réus esclareceram a


origem da posse, sendo que o referido bem foi adquirido por Letterio
Ruggeri e Maria de Lourdes Ruggeri, que são seus pais e da autora Irma
Ruggeri de Oliveira, em meados dos anos 70, conforme comprova

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documento em pág. 143, datado de 24/04/1972, que indica o referido


endereço como residência do casal e o próprio instrumento particular de
compra e venda, lavrado no ano de 1975, após a morte de Letterio, apenas
em nome da proprietária Maria de Lourdes, em págs. 244/246.

Enquanto a proprietária Maria de Lourdes ainda estava viva, ela


permitiu o estabelecimento de alguns dos seus filhos no referido imóvel,
que, até os dias de hoje, dispõe de mais de uma construção independente e
comporta a coabitação de diversas pessoas, como demonstrado no laudo
em págs. 65.

Além dos autores, também residiram no referido imóvel a


proprietária Maria de Lourdes, até seu falecimento (pág. 144); o réu Dércio
Ruggeri (pág. 142); e o já falecido irmão José Ruggeri (págs. 142 e
145/147).

Indubitável a ocupação do referido bem pelos autores durante


longo período de tempo, da mesma forma que também é indubitável que a
posse nunca teve caráter ad usucapionem, sendo sempre exercida como
mera permissão/tolerância dos reais proprietários e, após o falecimento
destes, dos demais herdeiros.

Os autores não comprovaram o erguimento de construções,


realização de benfeitorias, ou qualquer outro ato que caracterize a posse
como se dono fossem.

De outro lado, lograram êxito em comprovar que o referido bem


é imóvel familiar, adquirido originalmente pelos pais da autora, onde já
residiram diversos membros do grupo familiar, com anuência dos demais,
inclusive a este os autores ocupam-no há anos.

O pagamento de IPTU e contas de energia elétrica relativas ao


imóvel não é suficiente para conferir ao possuidor o animus domini, para o

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reconhecimento de prescrição aquisitiva, pois decorre da própria posse e


utilização, longe de significar exclusão da posse indireta dos demais
coproprietários herdeiros.

Assim sendo, a mera permissão para ocupação não configura,


de forma alguma, a posse com animus domini, condição para declaração da
prescrição aquisitiva da propriedade, oriunda da usucapião.

Assim vem decidindo este E. TJSP:

Apelação Cível Usucapião Ação ajuizada por herdeira


condômina Impossibilidade Posse exercida pela apelante sobre o
imóvel que não se apresenta revestida de "animus domini"
Ausência de comprovação de que os demais condôminos tiveram
ciência inequívoca da pretensão da apelante em adquirir a
propriedade da totalidade do imóvel pela via da usucapião Posse
que deve ser tida como fruto de mera tolerância dos demais
condôminos Elemento anímico da posse não demonstrado
Ocupação do bem pela apelante que deve ser tida como ato de mera
permissão ou tolerância (art. 1.208, do CC) Permissão que não
induz a posse para fins de usucapião Apelante que, mesmo após o
falecimento de sua genitora, não exercia a posse "ad usucapionem"
sobre a coisa, não se vislumbrando soberania e ausência de
subordinação a direito de terceiros Exercício da posse que se deu
apenas de forma direta ou "ad interdicta" Impossibilidade de
transmudação da causa da posse Apelante que não se
desincumbiu do ônus probatório imposto pelo art. 373, I, do CPC
Sentença mantida Recurso improvido. Sucumbência Recursal
Honorários advocatícios Majoração do percentual arbitrado
Observância do artigo 85, §§ 2º e 11, do CPC Execução dos
valores sujeita ao disposto no art. 98, §3º, do CPC. (TJSP; Apelação
Cível 1002715-90.2019.8.26.0047; Relator (a): José Joaquim dos
Santos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Assis

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- 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/08/2023; Data de Registro:


28/08/2023)

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA Improcedência - Mera


permissão de posse sobre a totalidade do imóvel - Inexistência de
animus domini Ausentes os requisitos ensejadores da usucapião -
Ocupação da área a título precário reconhecida anteriormente na
ação reivindicatória Sentença mantida Recurso
desprovido.(TJSP; Apelação Cível 1007222-32.2019.8.26.0100;
Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito
Privado; Foro Central Cível - 2ª Vara de Registros Públicos; Data do
Julgamento: 23/08/2023; Data de Registro: 23/08/2023).

Acresce notar que o contestante DERCIO RUGGERI, filho de


Letterio Ruggeri e de Maria de Lourdes Ruggeri, portanto irmã da autora
Irmã Ruggeri de Oliveira (pág. 8), é incapaz (pág. 397). Contra ele não corre
a prescrição, conforme estabelece o artigo 198, inciso I, do Código Civil.

Destarte, nada justifica alteração do veredito.

Voto pelo não provimento do recurso e majoro a verba


honorária devida pelos autores para 12%, preservada a base de cálculo, nos
termos estabelecidos no artigo 85, § 11 º, do Código de Processo Civil, e
observada a gratuidade processual.

CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANÇA


Relator

Apelação Cível nº 1059937-51.2019.8.26.0100 – Voto nº 3151 – Pág. 9

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