Escola de Educação e Humanidades Filosofia da Natureza Prof.º Pedro Efken Estudantes: Lidyane Carla Luz dos Santos; José de Sá Araújo Neto. • Data Dramática da composição: 430 ~ 425 a.C., uma vez que o encontro em cujo enredo o diálogo se realiza ocorre, conforme uma alusão indireta de Sócrates, durante as Panateneias, festividade em honra à Atena, deusa Patrona de Atenas (21 a); • Data Real: a hipótese mais antiga e que até hoje encontra respaldo entre diversos helenistas defende que o diálogo teria sido escrito na Terceira fase de produção platônica, onde também estão o Sofista, o Político, Filebo e As Leis; PERSONAGENS DO DIÁLOGO Sócrates: demonstra interesse pelas ciências, tais como a astronomia, a biologia, a química e a física. Em fases anteriores, ele só demonstrava interesse pelas ciências matemáticas. Durante grande parte desse diálogo, Sócrates se mantém em silêncio, intervindo apenas para motivar ou louvar os discursos de Crítias e Timeu. Diz Sócrates a Crítias: “Quanto a mim, a título de uma retribuição por meu discurso de ontem (referência a República), ficarei, de minha parte, em silêncio, limitando-me a ouvir” (27 a). Timeu: não há evidências plausíveis da existência desse filósofo pitagórico e rico cidadão de Lócride, na Itália. Alguns helenistas se questionam: não seria Timeu uma representação do matemático Arquitas de Tarento, com quem Platão teria se encontrado em sua primeira viagem à Sicília? Ou ainda, não seria ele um pseudônimo do próprio Platão? Crítias e Hermócrates: O primeiro é a personagem que narra a guerra entre Atenas, em seus primórdios, e Atlântida. Contudo, é a que suscita mais obstáculos de ordem histórica. Segundo alguns estudiosos, dentre eles Burnet (1914 apud LOPES, 2012, p. 22), o Crítias que participa do diálogo corresponde ao Crítias III, tio-avô de Platão. O segundo tem a sua existência histórica atestada em Tucídides e em Proclo. Ele participa intervindo uma vez no Timeu (20 d) e uma vez no Crítias (108 c), este tido como uma continuação daquele. O Timeu trata da constituição do mundo sensível e, posteriormente, dos seres que o habitam, especialmente dos homens;
Temática Esse diálogo é posicionado como uma proposta de
substituição das abordagens dos naturalistas. Platão, em seus diálogos, ora critica os filósofos que se dedicavam a explicar
central o todo através dos elementos sensíveis, ora adapta as
descobertas daqueles, porém, geralmente, sem a eles se referir. No caso do Timeu, Platão faz adaptações a algumas doutrinas de Empédocles e Pitágoras. Tais adaptações estão inseridas em um projeto bem maior, qual seja, distinguir a dimensão eterna, imutável e pré-cósmica das Ideias da dimensão do sensível e mundano. • O ambiente e o modo como se dá a narrativa lembram o costume pitagórico e a sua atmosfera científico-religiosa. Para estes, a constituição do Cosmos tinha um conteúdo e uma orientação teológicos. No Timeu, Platão não só adapta esse caráter suprafísico da explicação cosmológica, como também o inclui como parte integrante do seu diálogo. Destarte, a filosofia natural apresentada nesse diálogo é marcadamente teológica, o que permitiu ao Divo Platão realizar o seu objetivo: dar a conhecer aos homens como o Universo foi constituído, o que se deu na esfera do divino. • Como já sabemos, Pitágoras, além de um exímio investigador das ciências matemáticas, era também um espírito voltado aos mistérios, em especial, aos órficos. Platão, mediante os conhecimentos pitagóricos, teve acesso a esses mistérios. Assim, partindo do que é sensível, ele buscou sondar a verdade que torna possível a harmonia de toda a realidade. Essa verdade só pode ser da ordem do inteligível, ou melhor, encontra-se em uma matemática teológica; • A aritmética, a geometria, a astronomia, a música e a estereometria formam a óptica pela qual Platão observará os fenômenos e dará a eles um elevado valor filosófico. “A doutrina pitagórica nada tem a ver com a ciência matemática natural, no sentido atual. Os números têm nela um significado muito mais vasto. Não significam a redução dos fenômenos naturais a relações quantitativas e calculáveis. A diversidade dos números representa a essência qualitativa de coisas completamente heterogêneas (...) a explicação mais importante da intuição dos pitagóricos encontra-se num estágio posterior da evolução filosófica: na tentativa tão estranha para nós, do Platão da última fase, de reduzir as ideias a números (...) o conceito de número dos gregos continha originariamente aquele elemento qualitativo e só gradualmente se atingiu a abstração do puramente quantitativo” (JAEGER, 2013, p. 205, destaque nosso). Timeu como uma continuação da República e uma narrativa em louvor a Atena • Recapitulação do que se tratou “no dia anterior”, correspondendo a uma rápida retomada dos livros II – V da República (17 c – 19 b); • Narrativa da proeza envolvendo Atenas primeva e Atlântida. Solon transmitiu a Drópides II, o qual contou a Crítias II, que, por sua vez, repassou a Crítias III (neto de Crítias II e bisneto de Drópides II), que é um dos partícipes do diálogo. Das proezas desse tempo imemorial, a mais célebre será em louvor a Atenas, graças ao dia de sua celebração: “Solon era (...) um parente e amigo muito chegado de nosso bisavô Drópides. Ora, Drópides contou ao nosso avô Crítias, o que o velho, por seu turno, contou a nós, que as proezas desta cidade na antiguidade (...) foram grandiosas e extraordinárias” (20 e). • Solon, um dos sete sábios gregos, teria ido a uma cidade do Egito fundada por uma deusa (Neith em egípcio; Atena em grego), e cujos habitantes afirmam ter certo parentesco com os atenienses; • Nessa cidade, por meio de um sacerdote sábio e ancião, Solon teve acesso às proezas de Atenas primeva, onde teria nascido a raça dos homens mais nobres, da qual se originaram, depois de destrutivos terremotos e tendo restado modestas sementes, a Atenas e os homens contemporâneos; • O relato, conforme o sacerdote egípcio, remonta a nove mil anos atrás, quando a deusa Atena acabara de criar a cidade homônima. Uma extensa ilha, para além das Colunas de Héracles, dominada por uma confederação de reis muito poderosos, chamada Atlântida tentou dominar tudo o que estava no interior daqueles limites. • As pretensões de Atlântida foram frustradas, pois o seu poder bélico foi reprimido pelo virtuoso exército ateniense, que venceu o conflito e salvou todas as civilizações circunscritas dentro das Colunas de Héracles; • Posteriormente ocorreram dilúvios e terremotos destrutivos, como é costume que ocorram de tempos em tempos, o que causou a destruição da Atenas primeva, engolida pela terra, e de Atlântida, afundada no mar (21 a – 25 d). • Após a narrativa, Crítias pretende transpor o tipo de Estado e os cidadãos, apresentado em fábula por Sócrates no dia anterior (referência a República), para a “concretude” da primeva Atenas e de seus antigos habitantes (26 d). Ou seja, o que Sócrates narrou em figuras corresponde, em concretude, ao que Crítias acabara de discursar e defender como história inteiramente verdadeira; • Como sabemos, mediante diversos estudos, o conteúdo trazido por Crítias é uma ficção forjada por Platão pleiteando, possivelmente, construir uma dramatização prática do que, na República (414 b), ele chama de “nobre mentira”, isto é, um conto fictício que visa a aumentar o afeto dos cidadãos por seu Estado; • As grandiosas virtudes atribuídas a uma Atenas imemorial, tragada por um terremoto, não desapareceu totalmente, pois, todos os atenienses contemporâneos descendem daquela virtuosa raça de homens, basta que se exercitem no bem e na justiça, voltando-se para as coisas divinas. • Em seguida, em 27 a-b, temos o roteiro dos discursos. Por ser Timeu, dentre os dialogantes, o melhor astrônomo, buscando sempre mais conhecer a natureza de todas as coisas, é tido como o mais apto a ser o primeiro a discursar; • Timeu partirá da natureza ou essência do Cosmos e findará na essência do ser humano. Chegando a termo, discursará Crítias, contudo, isso já é temática do diálogo que a este dá sequência. O prelúdio de Timeu
• Timeu, no prelúdio de sua intervenção, explicita qual a
pretensão dos que participam desse diálogo, constituído, na verdade, de “discursos a título de retribuição” (27 b) a Sócrates pelos discursos que este, no dia anterior, havia proferido: discursar acerca do Cosmos – sua origem, se é que houve –, bem como sobre a natureza humana. Pressupostos para uma cosmologia no Timeu • Primeiro pressuposto: uma distinção fundamental (Το ον / γενεσιν) A distinção entre o que sempre é e não tem vir a ser (Το ον), e o que vem a ser e jamais é (γενεσιν). Em outras palavras, um primeiro pressuposto da cosmologia de Timeu consiste na diferenciação em nível ontológico: o inteligível é imutável, eterno e suprassensível, enquanto o sensível é mutável, temporal e material. Uma outra distinção fundamental, mas em nível epistemológico: o inteligível é apreensível pelo pensamento por meio do discurso racional, enquanto o sensível é objeto da opinião por meio das sensações irracionais, pois jamais realmente é, estando em um inexorável devir – deixar de ser o que era para tornar-se o que ainda não é; • Segundo pressuposto: tudo o que vem a ser, necessariamente, possui uma causa, ou seja, o devir é causado. Isso, porque aquilo que está em contínuo movimento e mudança não pode a si mesmo pôr em transformação, mas faz-se necessário que uma causa predecessora desperte o processo. • Questão premente: o Cosmos sempre existiu ou passou a existir a partir de um princípio? • O Universo é visível, tangível e possui um corpo. Como esses atributos estão intrinsecamente ligados ao sensível, ao que devém, então, o Universo passou a existir (veio a ser) a partir de um princípio. Desse modo, é tarefa dificílima descobrir “o criador e pai” do universo. Contudo, mesmo que fosse possível descobri-lo, seria impossível enunciá-lo tal qual ele é, pois o discurso humano (representacional) não é do mesmo gênero desse tão grandioso assunto (o divino, o eterno, o bom, o belo, o perfeito). • Outra questão premente: como construir um conhecimento verdadeiro partindo do devir, o reino do vir a ser? Platão encontra uma saída: guiar o discurso pela verossimilhança, isto é, fazendo uso de figuras míticas, mas movidas por um princípio racional. Assim, temos uma narrativa mítica, mas um conteúdo racional-especulativo. • O discurso deve ser congênere ao assunto de que trata. Desse modo, quando tratamos sobre o que é estável e imutável, o discurso deve configurar-se, o quanto humanamente possível, como estável e imutável. Por outro lado, um discurso que trate do que é imagem do modelo, ou seja, que versa sobre o deveniente, deve configurar-se como verossimilhante; • Como somos seres humanos, argumenta Timeu, não somos capazes de pôr no discurso, de elaborar na linguagem, aquilo que é eterno e perfeito, mas podemos fornecer um discurso maximamente verossimilhante. Portanto, ao tratarmos discursivamente dos “deuses e (d)o vir a ser do universo” (29 c), devemos nos satisfazer com uma narrativa verossímil (εικοτα μυθον). Δημιουργος – o Divino Artífice ou Magistrado Qual modelo “o pai e criador” usou para fabricar o Universo? O Cosmos é um todo ordenado e belo, e o δημιουργος é bom, logo, é indubitável que não foi no perecível que ele fixou o seu olhar, mas no eterno e sempre idêntico a si mesmo. Para Platão, toda arte é mimética, pois o artista parte de um modelo mental para a consecução de sua obra. No caso do Cosmos, esse modelo contemplado pelo δημιουργος é eterno e imutável. Por isso, “o universo ordenado é, de tudo o que veio a ser, o mais belo, e ele (o divino artífice) a melhor entre todas as causas” (29 a).
A função do δημιουργος é, por meio da geometria, impor
ordem, medida e proporção ao que antes não tinha! • O que decorre disso é que o Cosmos, que passou a existir, foi fabricado de acordo com o que é inteligível, logo, conforme ao que é apreensível pelo pensamento graças à razão. Podemos afirmar, assim, que o Universo é uma cópia ou imagem de modelos eternos; • O δημιουργος é bom e desprovido de malevolência, desejando que tudo o que foi fabricado se assemelhasse maximamente a ele, ou seja, fosse bom. Segundo a narrativa verossímil de Timeu, vendo que tudo o que era visível estava em movimento caótico, chamou-o à ordem, pois este é mais perfeito do que aquele. • O artífice divino percebeu que tudo o que era dotado de inteligência é mais excelente do que o desprovido de inteligência. Partindo disso, concluiu que a coisa inteligente tem de possuir uma alma e, assim, na medida em que construía o Universo, pôs o intelecto na alma, e a alma no corpo. Portanto, é inegável que, por providência divina, o Cosmos veio a ser como um ser vivo dotado de corpo, alma e intelecto (30 c). • A narrativa da produção do Universo ordenado, desde a contemplação dos modelos eternos, passando pela fabricação de imagens por semelhança com aqueles modelos, até a passagem do estado caótico ao ordenado, tudo isso realizado por um deus sumamente bom e objetivando uma bela obra, constitui o que Timeu denomina narrativa verossímil; • Posteriormente, as deduções que, partindo dessa narrativa, podem feitas, tais como o Universo vir a ser como um ser vivo dotado de corpo, alma e intelecto, sendo também uno, assim como o seu modelo inteligível é uno, configuram aquilo que o astrônomo discursante chama de discurso verossímil (εικοτα λογον). • Em todo diálogo, podemos perceber a presença das doutrinas de Empédocles e dos pitagóricos, só para citar um exemplo, em 31 b – 23 d. Como tudo o que veio a ser deve possuir corpo, visibilidade e tangibilidade, o deus, ao construir o Universo, aplicou toda água e ar entre todo o fogo e terra de modo tão proporcional que o corpo do Universo ordenado recebeu harmonia, ou seja, amizade, o que possibilitou a unidade, a identidade consigo mesmo e a indissolubilidade, exceto diante do agente que o uniu. Ademais, deu-lhe uma forma esférica, cujo princípio pitagórico requer que todos os pontos de sua superfície sejam equidistantes de seu centro, pois essa é das formas a mais perfeita, reunindo em si todas as que existem e sendo a mais autossemelhante. • Fora do Cosmos, nada há de visível, audível ou qualquer outro dos atributos que em seu interior são encontrados, ou seja, nada de fora nele entra ou dele sai, haja vista, exteriormente a ele, nada existir. Quanto ao seu movimento, é aquele correspondente ao entendimento e à inteligência, isto é, o rotativo uniforme, afastando dele todos os outros seis movimentos. O Universo ordenado é um ser vivo animado e autossuficiente, um deus bem-aventurado. • No que diz respeito à alma do Universo, o artífice divino a criou primeiro e, depois dela, criou o corpo. Pôs aquela no centro deste, espalhando-a por todo ele. O deus a constituiu de três elementos fortemente ligados entre si: o idêntico, o diferente e o ser. Também a alma, a partir do centro, espalhando-se por todo o corpo, reveste o exterior deste. Ela se move girando no interior dela mesma e, com isso, desde os primórdios, desencadeou um começo de vida inteligente e incessante que dura por todo o tempo; • A alma é invisível e participa com perfeição do raciocínio e da harmonia, governando o Universo com maestria e excelência (é a mais excelente das coisas geradas). O tempo como imagem móvel do eterno imóvel • Já se alegrando pela beleza de sua criação e desejando torna-la ainda mais semelhante ao modo eterno, o deus produziu uma imagem móvel do eterno à medida que ordenava o Universo. Ou seja, o tempo e o Cosmos foram produzidos simultaneamente; • “É” somente é apropriado para o eterno, enquanto o “era” e o “será”, por indicarem movimento, são próprios do que devém; • Visando a conservação e a diferenciação dos números de acordo com os quais o tempo se move, o deus criou os astros: sol, lua e cinco errantes (planetas). Distinção entre Intelecto e Necessidade • O Intelecto é o princípio racional e teleológico que visa orientar todas as coisas para o melhor. É a vertente inteligente que permeia a constituição do mundo. No mundo, pode corresponder à alma, que está no centro daquele e governa-o; no homem, corresponde à faculdade intelectiva de sua alma, isto é, ao princípio imortal e racional da alma; • A Necessidade é um algo irracional e desprovido de finalidade, que também permeia a constituição do mundo. Pode ser entendida como a parte mecânica e corpórea do mundo e de tudo o que nele habita: no homem, corresponde às faculdades irracionais e mortais da alma (irascível e apetitiva); e, no mundo, ao que é material e corporal, bem como ao próprio homem (mortal). • A Necessidade cede à ação do λόγος, isto é, da persuasão racional do Intelecto. Ao ceder a esse movimento, a Necessidade leva algumas coisas ao melhor, ou seja, não por ela mesma, mas pela ação de um princípio racional sobre as partes que ela compõe. “Este universo ordenado nasceu como um composto produzido pela combinação de Necessidade e Razão. Na medida em que a Razão exercia um controle sobre a Necessidade, persuadindo-a a conduzir a maioria das coisas que vêm a ser rumo ao que é o melhor, o efeito desse controle da Necessidade que cedeu à inteligente persuasão foi este nosso Universo ser construído dessa maneira no início” (48 a). Ser – Vir a ser - Χωρα • Depois de tratar sobre as obras do Intelecto e da Necessidade, Timeu se refere a um terceiro nível ontológico: “Um tipo é a Forma idêntica a si mesma, que não vem a ser e é indestrutível, que não recebe em si qualquer outra procedente de lugar algum, nem ela mesma ingressando numa outra, que é invisível e inteiramente inacessível à percepção sensorial, cabendo ao entendimento a função de estudá-la. O segundo tipo tem em comum com o primeiro o nome, a ele é semelhante e é percebido pelos sentidos; está no âmbito do vir a ser, é objeto de transporte, sendo gerado num lugar e perecendo, por outro lado, fora desse lugar, e é apreensível pela opinião respaldada pela sensação. O terceiro tipo é o espaço limitado, o qual existe sempre e é indestrutível; provê espaço a todas as coisas que vêm a ser e ele mesmo pode ser apreensível por uma espécie de raciocínio bastardo que não é acompanhado pela percepção sensorial e que mal é sequer objeto de crença” (52 a-b). • A referência de Timeu a um terceiro tipo de natureza é confusa e obscura, sendo no diálogo denominada de diversos modos, mas a tradição consagrou o termo Χωρα (chora). Este “lugar” é concebido como “um terceiro de outra espécie”, porque agrupa atributos tanto do inteligível (invisível e amorfo) quanto do sensível (tangibilidade), mas apenas podendo ser pensado por um “raciocínio bastardo”; • Podemos conceber a Χωρα como um ponto intermediário entre o arquétipo e os particulares, isto é, o “lugar” em que a participação (μεθεσις) do inteligível no sensível, de alguma maneira misteriosa, se consuma; • Os particulares, que estão no devir, e a própria particularização decorrem do processo de imitação perpetrado pelo δημιουργος, o qual plasma na Χωρα os particulares conforme a visão que tem dos arquétipos. Logo, esse lugar limitado ou receptáculo é o “onde indefinível” mediador e possibilitador da participação das coisas sensíveis nas Ideias de cuja imitação são fabricadas. As Quatro Espécies de Seres • O deus, contemplando as Ideias, as quais em eternidade estão, o Ser Vivo Real, moldou todos os seres sensíveis que estão no Universo, o Ser Vivo Verossímil. Quatro são as espécies de seres que o deus moldou: os astros (divindades visíveis), a raça dos que, alados, atravessam o ar, a que vive sob as águas e a que, possuindo pés, caminha sobre a terra. • No que diz respeito ao homem, a sua alma o artífice divino a produziu com um grau secundário e terciário de pureza. Postas nos corpos e, nestes sendo possível a entrada e a saída de coisas, as almas sofrem os efeitos correspondentes. A percepção dos sentidos, o desejo sensual misturado à dor e ao prazer, o medo e todas as outras emoções atingem a alma pelo contato desta com o corpo. Se a alma dominar as paixões, viverá com justiça, mas, caso seja o contrário, sua vida será de injustiça; • Caso uma pessoa viva justamente, voltará ao astro onde sua natureza (humana) foi desenvolvida e lá poderá viver venturosamente, conforme o bem que fez na terra. Contudo, se ela viveu com injustiça, nascerá uma segunda vez, mas no sexo feminino. Se, mesmo assim, não se libertar da maldade, retornará uma terceira vez como o animal selvagem que se assemelha à perversidade adquirida. • Essas transformações não cessarão de lhe impor castigos até que subjugue pelo “império da razão” (a alma imortal) a massa tumultuosa, densa e irracional de “fogo e água, ar e terra que a ele posteriormente aderiu” (42 d), que constituem o corpo, voltando ao seu estado inicial de excelência; • O δημιουργος entregou aos deuses por ele gerados tanto a construção do corpo humano quanto o acréscimo na alma daquelas partes irracionais e mortais próprias do ser humano, de acordo com o modelo que ele havia revelado quando da geração daqueles. Isso para que os seres humanos fossem mortais e o Cosmos, um todo; • Imitando, então, a Forma do Universo, os deuses produziram um corpo esférico, que hoje chamamos de cabeça, onde puseram os movimentos da alma imortal. Essa parte do corpo é a mais divina e deve governar todos os outros membros; • O fogo, o ar, a água e a terra foram os elementos usados para constituir o corpo humano. • Todo aquele que ama o conhecimento, deve buscar as causas primárias, ou seja, as que dizem respeito à natureza inteligente. Essas causas, mediante a razão, produzem coisas boas e belas. As causas secundárias, relacionadas aos constituintes da massa irracional do corpo, são destituídas de inteligência, produzindo sempre efeitos desordenados; • Por fim, Timeu dar por termo o seu discurso, recapitulando o que outrora já acentuara: o Cosmos é um ser vivo perceptível que abarca seres vivos também sensíveis; é um deus perceptível produzido de acordo com o inteligível invisível. Outrossim, é um único Universo no qual não há vazio, sendo o quanto possível, sob o prisma do seu vir a ser, bom e belo. Referência Bibliográfica JAEGER, Werner. PAIDEIA: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. PLATÃO. Diálogos: O Banquete, Mênon, Timeu e Crítias (Vol. V). Trad. e notas de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2010. _________. Timeu-Crítias. Trad. Introd. e notas de Rodolfo Lopes. São Paulo: Annablume Clássica; Coimbra: IUC, CECH, 2012. _________. A República. Trad. e notas de Edson Bini. 2ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-Socráticos: primeiros mestres da filosofia e da ciência grega. 3 ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.