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Quirino Soares

Juiz conselheiro jubilado

O JULGAMENTO

Como já foi dito no local próprio (o do estudo dos sujeitos processuais), o


julgamento das causas penais, em 1ª instância, distribui-se, segundo um critério funcional,
pelo tribunal do júri (art.13º), o tribunal colectivo (art.14º) e o tribunal singular (art.16º).

É por isso que, na terminologia do CPP, a figura do juiz que tem a seu cargo a
preparação da audiência e a direcção dos trabalhos desta, leva o nome de juiz presidente,
ou só presidente.

Dada a acusação, ou proferida decisão instrutória com pronúncia do arguido, se


houve instrução, o processo é remetido ao tribunal competente1 para o julgamento.

Entra-se na fase crucial e decisiva do processo, que se divide em actos preliminares


(art.311º a 320º), audiência (art.321º a 364º) e sentença (art.365º a 380º).

Actos preliminares – art.311º - 320º

A importância do julgamento justifica a especial atenção do legislador com os


preparativos da audiência.

Despacho saneador – art.311º

Recebidos os autos, o juiz presidente saneia o processo, pronunciando-se sobre as


nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que lhe cumpra conhecer e que
possam obstar ao julgamento, isto é, possam obstar à decisão sobre o mérito da acusação
ou da pronúncia.

As nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que o juiz se deve ocupar


são, por um lado, aquelas que ele pode conhecer ex oficio (p. ex., uma nulidade insanável),
e, por outro, as que tenham sido arguidas ou colocadas pelos restantes sujeitos processuais.

As questões prévias tanto podem ser de índole processual como substantiva.

De natureza processual são, p. ex., a legitimidade dos sujeitos processuais, a


competência do tribunal2, e todos os demais pressupostos daquela natureza relativos aos
sujeitos e ao objecto do processo3.
1
Sobre a competência, regem as regras dos artº10º a 31º
2
A violação das regras de competência do tribunal constitui uma nulidade insanável, nos termos do art.119º
e.
3
Acerca dos pressupostos processuais se falou com desenvolvimento no capítulo dedicado às Excepções

1
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De natureza substantiva, são, p. ex., a amnistia, a prescrição do procedimento


criminal, a morte do arguido, a desistência de queixa.

A declaração genérica sobre inexistência de nulidades ou questões prévias não tem


força de caso julgado formal4.

Só o poderá ter a que incidir sobre concretas questões suscitadas oficiosamente ou a


requerimento.

Se verificar que nada obsta ao julgamento 5, o presidente, caso tenha havido


instrução, limita-se, em seguida, a designar a data da audiência.

E compreende-se que assim seja, visto que o fundamento da acusação já foi


apreciado favoravelmente na decisão instrutória.

Se não houve instrução, o juiz, antes de passar à agenda para marcar o dia da
audiência, deverá, então, apreciar os fundamentos da acusação, e deverá rejeitá-la se ela for
manifestamente infundada, assim como deverá rejeitar a acusação subordinada do
assistente ou a do MºPº, na parte em que constituam uma alteração substancial dos factos
da acusação principal6.

A lei, porém, não confiou ao prudente critério do juiz a avaliação da manifesta falta
de fundamento da acusação.

Esta terá de derivar de circunstâncias taxativas, que, a verificarem-se,


descaracterizam por completo uma peça processual de tamanha importância.

São elas:

- falta de identificação do arguido;

- falta de narração dos factos;

- falta de indicação das disposições legais aplicáveis ou das provas;

- não constituírem os factos narrados qualquer tipo de crime.

Se nenhuma destas circunstâncias se verificar, o juiz designa data para a audiência,


mesmo que se lhe afigure não haver indícios suficientes.
4
Cf. AUJ de 16.05.95, DR 1-A, de 12.06.95
5
Quer por não ter descortinado nulidades, questões prévias ou incidentais que o obstaculizem, quer porque
indeferiu as que lhe foram suscitadas.
6
Acusação principal que é a do MºPº, se o crime é público ou semi-público, e que é a do assistente, se o
crime de que se trata é particular.
Cfr., a este respeito, os art.284º,1, e 285º - 4

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Se alguma delas se verificar, rejeita, in limine, a acusação, sem dar oportunidade ao


seu autor de a reformular, corrigir ou completar.

Marcação da audiência – art.312º a 314º

A audiência é marcada para a data mais próximo possível, dentro dos dois meses
que se seguem ao recebimento do processo7, mas de modo a que os diversos sujeitos
processuais possam ser notificados com uma antecedência mínima de 30 dias (art.312º - 2,
e 313º - 2).

No mesmo despacho, deve ser marcada segunda data para a hipótese de adiamento
(art.333º - 1) ou de audição do arguido cuja falta não provoque o adiamento (art.333º - 3).

Sempre que, no processo, haja arguidos em prisão preventiva ou com obrigação de


permanência na habitação, a audiência tem precedência sobre as demais, em que não haja
arguidos nessas mesmas circunstâncias (art.312º - 3).

O juiz presidente deve concertar a data com o defensor e os advogados constituídos,


a fim de evitar sobreposição com outros actos judiciais já marcados a que eles devam
comparecer, observando, para esse fim, o disposto no art.155º CPC (art.312º, 4)8.

O despacho que designa a data da audiência deve conter, sob pena de nulidade
(sanável), o seguinte (art.313º, 1):

- indicação dos factos e disposições legais aplicáveis, o que, todavia,


pode ser feito pela simples remissão para os termos correspondentes da acusação ou
da pronúncia;

- a indicação do dia, da hora e do local da audiência;

- a nomeação do defensor, no caso de ainda não o haver;

- a data e a assinatura do juiz.

7
Esta é uma norma que, como é fácil de perceber, tem um conteúdo meramente indicativo e programático.
Ela esbarra com as realidades práticas da vida corrente de muitos dos tribunais.
8
O Tribunal Constitucional, no acórdão602/04, de 12.10.04, no DR 2ª série, nº277, de 25.11.04, considerou
inconstitucional a citada disposição se interpretada no sentido de excluir da sua previsão o defensor nomeado
pelo tribunal

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Tendo, inquestionavelmente, que aceitar os factos narrados na acusação ou na


pronúncia, poderá, porém, o juiz do julgamento, ao marcar a data da audiência, efectuar
uma diferente qualificação jurídica, no acto de indicar as disposições aplicáveis?

A este respeito, tanto é inaceitável uma solução que confira ao juiz o poder de
obrigar o MºPº a corrigir a qualificação jurídica da acusação, pois isso seria contrário aos
princípios do acusatório e da autonomia do MºPº, como a de vincular o juiz que vai
efectuar o julgamento a um enquadramento jurídico de que antecipadamente discorda;
aqui, ficaria em crise a liberdade de definição do direito, que é uma das marcas indeléveis
do poder jurisdicional.

A liberdade de qualificação do juiz, nesta fase, é a solução que melhor serve os


princípios da economia processual9 e do leal contraditório10, e não se descortinam razões
fortes em contrário, nomeadamente, a que se pode tirar do nº3, do artº358º, visto que, com
o atempado anúncio de uma diferente qualificação, está o juiz a dar a oportunidade de
defesa que o incidente previsto naquela disposição legal visa, precisamente, conceder11.

E a questão deve ser posta em idênticos termos e em idênticos termos solucionada,


quer a divergência seja relativamente à acusação (por não ter sido requerida instrução),
quer o seja com referência à pronúncia.

O despacho que designa data para a audiência, deve ser notificado ao MºPº, ao
arguido, ao defensor, ao assistente e às partes civis, e, ainda, naturalmente, aos advogados
do assistente e das partes civis (art.313º - 2 e 4).

Como se sabe (já foi dito no estudo dos actos processuais), a notificação é a forma
mais solene e segura de comunicação do tribunal com os diversos intervenientes
processuais.

Pode ser feita por contacto pessoal, que o funcionário atesta, ou por correio
registado, e, ainda, nos casos expressamente previstos na lei, por meio de correio simples e
por editais (art.113º - 1).

9
Porque evita o incidente previsto no artº358º, 1 e 3 e, também, questões tardias de incompetência material e
funcional
10
Possibilita, desde logo, ao arguido organizar a defesa em conformidade
11
Cfr., a este respeito, e entre os que sustentam que o juiz que designa julgamento pode divergir da
qualificação jurídica feita na acusação ou na pronúncia: ac. Rel. LXª, de 22.04.98, na CJ, T3, p.138 e ss; ac.
Rel. LXª de 14.10.99, na CJ, T4, pag.150; ac. Rel. Porto, de 16.05.01, na CJ, T3, pag.236;
entre os que não lhe reconhecem tal poder: ac. Rel. Coimbra, de 05.01.00, na CJ, T1, pag.42; o ac. Rel. LXª,
de 28.09.00, na CJ, T4, pag.140,

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O nº3, do art.313º, principia por prescrever, para a notificação do arguido e do


assistente (mas não para o defensor do arguido e o advogado do assistente), as duas formas
mais solenes e seguras: contacto pessoal e via postal registada (prevenção aparentemente
desnecessária, dada a excepcionalidade do recurso à via postal simples e à via edital)

Mas logo exceptua os casos em que aqueles sujeitos processuais tenham indicado a
respectiva residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que
elaborou o auto de notícia, ou que os ouviu no inquérito ou na instrução, e nunca tenham
comunicado a alteração daquela morada ou domicílio por carta registada, prescrevendo,
nessa hipótese, a via postal simples.

Vem a propósito lembrar que o nº1, do art.272º, obriga a ouvir como arguido todo
aquele contra quem estejam a ser dirigidas as investigações do inquérito. E que o artº196º
(que regula a prestação do termo de identidade e residência) determina que, “para o efeito
de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c, do nº1, do art.113º,
o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha”.

É de concluir, por isso, que, na prática, o legislador converte, afinal, em regra


aquilo que rotula de excepção.

O mesmo sucederá, também, com o assistente, já que, na normalidade dos casos, a


sua morada ou domicílio profissional será adquirida para o processo através de algum dos
actos referidos (cf. art.145º - 5 e 6).

Assim, também, deve ser entendido (emprego da via postal simples), quanto às
partes civis, não obstante a omissão do referido nº3 do art.313º, dado o paralelismo de
soluções processuais com o assistente e o arguido (cf. citado art.145º - 5 e 6, e 74º - 2 e 3).

A notificação do defensor do arguido e dos advogados constituídos pode ser feita


de qualquer um das formas previstas nas três primeiras alíneas do citado artº113º (contacto
pessoal, via postal registada e via postal simples), e por telecópia, conforme genericamente
previsto no nº10, do artº113º.

O MºPº é notificado por termo, nos autos.

Tratando-se de julgamento da competência funcional do tribunal colectivo, os


demais juizes são avisados nos termos do art.314º.

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E se for o caso de intervenção do tribunal do júri, a notificação dos jurados é


pessoalmente feita na audiência de apuramento, a que se reporta o art.12º, DL 387-A/87,
de 29/12, conforme determina o nº1, do art.13º, do mesmo diploma.

O despacho que designa data para a audiência é irrecorrível (artº313º - 4).

Mas, irrecorrível, no pressuposto de que o juiz se conformou inteiramente com a


parte factual da acusação ou da pronúncia, tal como sucede com a decisão instrutória
(art.310º - 1); se lhe introduziu alterações, o despacho é recorrível, nos mesmos termos em
que o é o despacho de pronúncia que altere os factos constantes da acusação.

A simples alteração da qualificação jurídica é irrecorrível12.

Não deve confundir-se, para efeitos de recurso, entre o despacho que designa data
da audiência, a que se reporta o art.312º, e o despacho saneador, previsto no artº311º. Este
último é recorrível, designadamente, quando se pronuncia sobre concretas nulidades,
questões prévias ou incidentais.

Contestação e rol de testemunhas – art.315º e 316º

O arguido tem 20 dias para contestar e apresentar o rol de testemunhas, acrescido


da indicação dos peritos e consultores tecnicos que entenda deverem ser ouvidos em
audiência (art.315º - 1 e 3).

Há que jogar, aqui, com o disposto nos nº9 (parte final) e 12, do art.113º, e assim o
prazo para contestar conta-se a partir da notificação efectuada em último lugar, de entre a
notificação do arguido e do respectivo defensor; havendo mais que um arguido, o prazo,
para todos e cada um, termina no termo do prazo que, entre todos, arguidos e defensores,
começou a correr em último lugar.

Há que ter presente, ainda, o disposto no art.107º - 6, que possibilita, a


requerimento, a prorrogação do prazo até mais 30 dias (casos de excepcional complexidade
do processo, nos termos do art.215º - 3, parte final). Trata-se, em termos de igualdade de
armas, de benefício idêntico ao atribuído ao demandado cível e ao requerente da instrução.

O rol de testemunhas não pode ultrapassar em regra vinte pessoas, limite que pode
ser excedido desde que se mostre necessário à descoberta da verdade, designadamente nos
12
Cfr., neste sentido, os ac. Rel. Porto, de 08.04.92, na CJ, T2, pag.253, da Rel. Évora, de 17.10.95, na CJ,
T4, pag.289, e da Rel. Lxª, de 16.12.98, na CJ, T5, pag.152.

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julgamentos pelos crimes graves referidos no artº215º - 2, e nos julgamentos em processos


de especial complexidade, a mesma gravidade e complexidade que justificam o
alargamento dos prazos de prisão preventiva e do inquérito13.

O rol de testemunhas apresentado por qualquer dos sujeitos processuais (MºPº,


assistente, arguido e partes civis), assim como a indicação dos peritos e consultores
tecnicos, podem ser adicionados ou alterados desde que o adicionamento ou a alteração
possam ser notificados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência
(art.316º - 1 e 3).

Para este efeito, esta data (data fixada para a audiência) deve ser entendida como
aquela em que a audiência efectivamente se realizou e não a data da primeira marcação14.

As razões daquela antecedência mínima, que são as de reprimir surpresas de última


hora, ficam satisfeitas tanto no caso de a audiência se realizar em primeira marcação como
no caso de adiamento.

Em todo o caso, o adicionamento de testemunhas, peritos e consultores tecnicos de


fora da comarca implica, para quem os oferece, o ónus de os apresentar em audiência
(art.316º - 2).

As testemunhas, os peritos e os consultores tecnicos são convocados por meio de


notificação, a qual deve assumir, salvo caso de urgência 15, uma das formas previstas nas
alíneas a) e b), do nº1, do art.113º (art.317º - 1).

Não são notificados para comparência aqueles que forem arrolados sob
compromisso de apresentação.

Os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais apropriados, serão


ouvidos por teleconferência a partir do seu local de trabalho, desde que haja os
indispensáveis meios tecnicos, e, nessas circunstâncias, serão apenas notificados do dia e
hora da audição (mesmo art.317º - 1).

Produção de prova preliminar

13
Cf. artº215º - 2 e 3 e 276º - 2
14
Assim o entendeu, e com boas razões, o ac. Rel. Lxª, de 04.05.94, na CJ, T3, pag.243
15
Em que pode ser utilizada a via telefónica (cfr. artº113º, 7)

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Fora das convocações para a audiência ficam as pessoas indicadas nos art.318º,
319º e 320º, englobados no âmbito dos actos preliminares.

É claro que se as situações previstas nas referidas disposições ocorrerem em plena


audiência, não será por isso que as regras nelas estabelecidas deixarão de ser aplicadas.

Residentes fora da comarca – art.318º

Se a pessoa (assistente, parte civil, testemunha, perito ou consultor tecnico) a ouvir


em audiência residir fora da comarca, o juiz pode solicitar, oficiosamente ou a
requerimento, a tomada de declarações ao juiz da comarca de residência, desde que se
verifiquem, cumulativamente, os seguintes pressupostos (artº318º - 1):

- a pessoa residir fora do círculo judicial16;

- não houver razões para crer que a sua presença na audiência é


essencial para o esclarecimento da verdade;

- forem de prever graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais


ou pessoais, na sua deslocação.

Trata-se de um expediente excepcional, no dizer da própria lei 17, dadas as inegáveis


vantagens do princípio da imediação.

O acto em que um juiz solicita ao outro a tomada das declarações assume a forma
prevista no artº111º - 3, b, isto é, a forma de carta precatória, e deve ser notificado, como
não poderia deixar de ser num processo dominado pelo princípio do contraditório, ao
MºPº, defensor do arguido e advogados do assistente e das partes civis (art.318º - 1 e 2).

Quem requer a tomada das declarações, deve indicar os factos sobre que as mesmas
devem versar (art.318º - 3).

A tomada de declarações deve ser feita por meios de telecomunicação em tempo


real (videoconferência), em simultâneo com a audiência de julgamento, ou, na falta dos
recursos tecnicos indispensáveis, em acto próprio de tomada de declarações 18, que é

16
O círculo judicial é um agrupamento de comarcas (art.66º, LOFTJ)
17
Cfr., neste mesmo sentido, o ac. STJ, de 14.10.92, BMJ 420º/379)
18
Declarações, em sentido amplo, que engloba declarações propriamente ditas, depoimentos, esclarecimentos
dos peritos e consultores tecnicos

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reduzido a auto, no qual as declarações são reproduzidas integralmente, se, para tanto,
houver meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do art.101º, ou por súmula.

Embora a letra da lei não deixe transparecer qualquer preferência, é óbvio que a
reprodução integral satisfaz mais o objectivo de procura da verdade material.

Em qualquer dos casos, a tomada das declarações processa-se com observância das
formalidades estabelecidas para a sua produção em audiência.

De qualquer modo, embora o juiz deprecado tenha alguma margem de manobra,


como se vê, para determinar como deve ser cumprida a carta precatória, ele tem de dar, na
medida do que lhe for possível, do que couber no âmbito da sua competência e não seja
proibido, integral cumprimento ao solicitado19.

No caso de videoconferência, competem ao juiz deprecado os poderes conferidos


ao juiz presidente pelo art.323º, na primeira parte da alínea b, (ordenar, pelos meios
adequados, a comparência de quaisquer pessoas), na alínea d (receber juramentos e
compromissos) e e (tomada de medidas de disciplina do acto), e pelo art.348º - 3
(identificação da testemunha e perguntas sobre as relações pessoais, familiares e
profissionais com os participantes e sobre o seu interesse na causa).

Tomada de declarações no domicílio – art.319º

Se, por fundadas razões, o assistente, uma parte civil, uma testemunha, um perito
ou um consultor tecnico se encontrarem impossibilitados de comparecer em audiência,
pode o juiz ordenar, oficiosamente ou a requerimento, que sejam ouvidos no lugar em que
se encontrarem.

A decisão do juiz é notificada ao MºPº e aos representantes dos outros sujeitos


processuais.

Tal como nas declarações por deprecada, quem requer a tomada de declarações no
domicílio deve indicar os factos sobre que aquelas devem versar.

As declarações são reduzidas a auto, com reprodução integral ou por súmula, nos
mesmos termos em que o poderão ser as prestadas por deprecada.

19
O ac. STJ de 03.10.01, na CJSTJ, T3, pag.176, considera que “compete ao juiz deprecado a transcrição de
depoimento com gravação magnetofónica que lhe foi deprecado, não lhe sendo lícita a recusa”

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São aplicáveis as formalidades estabelecidas para a prestação das mesmas


declarações em audiência, ressalvando, como é óbvio, a publicidade (art.319º - 3).

Actos urgentes – art.320º

Entre a marcação e o início da audiência, poderão ocorrer circunstâncias que façam


perigar a aquisição ou conservação das provas, ou a descoberta da verdade, e tornem, por
isso, necessária a intervenção antecipada do tribunal do julgamento, nomeadamente,
através de declarações para memória futura, nos termos e condições definidas nos art.271º
e 294º.

É uma intervenção que, tal como as previstas nos art.318º e 319º, pode ser decidida
ex oficio ou a requerimento e deve ser notificada ao MºPº e aos representantes dos demais
sujeitos processuais.

Quem requerer tais diligências urgentes deverá indicar os factos sobre que a prova
antecipada deve incidir.

As declarações, se de tomada de declarações se tratar20, processam-se segundo o


formalismo da audiência e devem ser reduzidas a auto, nos mesmos termos em que o
devem ser as prestadas em deprecada, segundo o modelo prescrito no nº7, do art.318º.

A audiência – art.321º a 364º

A audiência é o momento e o local apropriado à discussão da causa.

Sem prejuízo do regime relativo à alteração de factos, e independentemente da


qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, a discussão da
causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e partes civis, e,
também, os que resultarem da prova produzida em audiência, assim como todas as
questões de direito pertinentes, tudo em ordem às finalidades do processo, que são a
averiguação da culpabilidade do arguido e da responsabilidade civil dos demandados cíveis
e a determinação das sanções aplicáveis e da quantia indemnizatória (cf. art.339º - 4).

A publicidade, o contraditório, a continuidade

20
No sentido amplo, já referido

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A audiência de julgamento rege-se pelos princípios da publicidade (art.321º), do


contraditório (art.327º) e da continuidade (art.328º).

Como já foi dito no lugar próprio, aos actos processuais declarados públicos por lei,
nomeadamente às audiências, pode assistir qualquer pessoa (art.87º - 1).

A audiência é, pois, um acto público (o acto processual público, por excelência),


sob pena de nulidade insanável.

Exceptuam-se os casos em que o juiz, em despacho fundamentado, tanto quanto


possível precedido de contraditório, e baseado em factos ou circunstâncias concretas,
excluir ou restringir a publicidade, tendo em conta graves razões de ordem ou segurança,
de preservação da dignidade das pessoas ou da moral pública. Terminadas essas razões,
deve ser, de imediato, levantado o segredo.

Toda a audiência, desde as questões incidentais nelas suscitadas até aos debates
introdutórios e finais, passando pela produção da prova, mesmo a produzida oficiosamente
pelo tribunal21, e pela produzida noutras fases, mas ali examinada, decorre sob o império
do contraditório, isto é, do direito da acusação e da defesa se pronunciarem sobre as
iniciativas processuais da outra parte e sobre as iniciativas oficiosas do tribunal.

A audiência deve ser, por outro lado, contínua, decorrer sem interrupção ou
adiamento até o seu final e, em princípio, sempre no mesmo local.

A concentração, que assim se consegue, dos trabalhos de discussão e de produção


de prova, beneficia, naturalmente, o julgamento da causa.

A continuidade é compatível com interrupções para alimentação e descanso dos


intervenientes e com a interrupção para continuar a audiência no dia útil imediatamente
posterior, quando não seja possível concluir os trabalhos no mesmo dia. É, de igual modo,
compatível com as deslocações que o tribunal entenda dever fazer em matéria de produção
de prova, tais como tomada de declarações no domicílio (art.319º), exame ao local
(art.354º), reconstituição do facto (art.150º).

O legislador deu ao adiamento da audiência um caracter de ultima ratio,


reservando-o para os casos em que os obstáculos que surjam ao início ou ao desenrolar dos
trabalhos não possam ser resolvidos com uma simples interrupção22.
21
Ao abrigo dos seus poderes oficiosos de investigação
22
Será interrupção a suspensão dos trabalhos da audiência para continuarem no mesmo dia ou no dia útil
seguinte; será adiamento a suspensão dos trabalhos para continuarem dois dias ou mais depois.

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São os seguintes, e taxativos, os casos de adiamento (art.328º - 3):

- falta ou superveniente impossibilidade de participação de pessoa que


não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por força
da lei ou de despacho do tribunal, se não estiverem presentes mais pessoas para
serem ouvidas;

- necessidade absoluta de produção de qualquer meio de prova


superveniente e que não esteja à disposição do tribunal no momento;

- questão prejudicial que seja suscitada em audiência e cuja resolução


seja essencial para a decisão da causa e que torne altamente inconveniente a
continuação da audiência sem a sua prévia resolução;

- necessidade de proceder à elaboração de relatório social, para efeitos


de determinação da sanção que venha a ser aplicada ao arguido.

Os motivos de adiamento prendem-se, pois, com (1) falta ou superveniente


impossibilidade de pessoa convocada e considerada indispensável (desde que não haja
mais ninguém para ser ouvido), (2) meio de prova superveniente absolutamente necessário
e não disponível, (3) questão prejudicial essencial para a decisão da causa que seja
altamente conveniente decidir antes da continuação dos trabalhos e (4) necessidade de
elaboração de relatório social.

No primeiro caso (de falta de pessoa indispensável), serão ouvidas as pessoas


presentes, mesmo que com prejuízo da ordem legal de produção de prova (artº341º)23.

A interrupção e o adiamento equivalem-se no que toca aos efeitos sobre os actos já


realizados: a audiência continua, após a interrupção ou o adiamento, retomando-se a partir
do último acto praticado; não se inutiliza, portanto, nada do já realizado (art.328º - 4)24.

Mas, o adiamento não pode exceder 30 dias. Se isso suceder, perdem eficácia todas
as provas oralmente produzidas na audiência (art.328º - 6)25.
23
No texto da anterior versão do Código, acrescentava-se que as declarações deviam ficar documentadas;
essa referência foi suprimida porque, no regime vigente, todas as declarações prestadas em audiência devem
ser documentadas, sob pena de nulidade (cf. nova redacção do art.363º)
24
Na anterior versão do Código, o adiamento por tempo superior a oito dias implicava algumas
consequências em matéria de prova, que eu explicava assim: “o adiamento por período superior a 8 dias
implica, da parte do tribunal, uma avaliação sobre a necessidade de repetir todos ou alguns dos actos de prova
já realizados (art.328º - 5). Não será assim se, nos termos da alínea a), do nº3, houve audição ou inquirição
dos presentes, com gravação das respectivas declarações”.
25
A este respeito, da perda de eficácia das provas por efeito do decurso do prazo de 30 dias, existe
jurisprudência que interessa consultar.

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Não é uma questão de nulidade ou irregularidade; é, antes, uma consequência de


ineficácia das provas orais produzidas; a omissão da sua repetição é que poderá constituir
nulidade, nos termos do art.120º, 2, d), por omissão de diligências essenciais para a
descoberta da verdade26.

Na anterior versão do Código, punha-se o problema de saber se esta radical


consequência (de perda de eficácia da prova) ainda se verificava se houvesse
documentação das declarações orais prestadas em audiência, nos termos da então vigente
redacção dos art.328º, nº3, a, 363º e 364º27.

A tal respeito, depois de colocar os argumentos pró e contra e de citar a


jurisprudência então conhecida, concluía dizendo que era de ponderar que o registo,
sobretudo se for apenas magnetofónico, estenográfico ou estenotípico não substitui
cabalmente a imediação e que, talvez por isso mesmo, o legislador se não tenha
preocupado em distinguir, para os efeitos referidos, entre prova documentada e não
documentada.

Ora, apesar da importante e definitiva generalização da documentação das


declarações orais prestadas em audiência e da implantação do registo magnetofónico ou
audio-visual (cf. nova redacção do art.364º) como forma preferencial de o fazer, o
legislador da reforma de 2007 não retirou nenhuma palavra ao nº6, do art.328º.

Quer isto dizer, sem margem para dúvidas, que a aplicação da norma citada nada
tem a ver com a documentação das declarações orais.

O ac. Rel. Porto de 07/07.93, no BMJ nº429º/882, diz que a “produção de prova não perde eficácia se a
audiência se desenrolar ao longo de várias sessões, separadas entre si por períodos não superiores a 30
dias, ainda que entre a primeira e a última dessas sessões tenha decorrido um período superior”.
O ac. STJ de 14/03/01, na CJSTJ, T1, pag.245, diz que “tendo a audiência de julgamento sido realizada ao
longo de várias sessões, sem que entre cada uma delas tenham decorrido mais de 30 dias, não há lugar à
perda de eficácia da prova aí produzida”.
26
Cf., a este respeito, o ac. Rel. Lxª, de 2.12.97, CJ XXII, t 5, p.149: “O adiamento da audiência por mais de
30 dias, embora determine a perda da eficácia da prova testemunhal anteriormente produzida, não invalida os
efeitos da audiência anteriormente efectuada, designadamente, no que respeita ao exercício de direitos”; e,
ainda, o ac. STJ de 15.10.97, CJSTJ V, t 3 p 197: “ O nº6, do artº328º CPP não comina directamente de nulo
nem o despacho que faz retomar a audiência que permaneceu adiada ou interrompida por período superior a
30 dias, nem a audiência de julgamento realizada à sombra de tal despacho, nem a decisão proferida em
resultado daquela audiência de julgamento; apenas a prova feita oralmente em anteriores sessões da audiência
perde eficácia”
27
Todos alterados pela Lei 48/2007. Na edição anterior desta obra, dizia o seguinte: “Por uma resposta
positiva, pode argumentar-se com o basilar princípio da imediação e com a consideração de que a lei não
distingue, e já não distinguia no tempo anterior à reforma de 1998, em que a documentação prevista no
art.363º servia, tão só, como instrumento auxiliar da memória dos juízes. Contra, dir-se-á que, estando a
prova documentada, a memória dos juízes pode ser avivada em qualquer altura. A jurisprudência que
conheço acerca da matéria inclina-se para esta última orientação” (e citava os ac. Rel. Lxª: em ITIJ 62/2004-
9; 00118493; 0003563 e 0035983.)

13
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

(?) E será adiamento, sujeito às consequências destruidoras do citado art.328º, 6, a


marcação da leitura da sentença para data posterior ao período de trinta dias subsequente
ao encerramento da audiência?

A este respeito, a jurisprudência tem-se dividido28.

Em casos de especial complexidade, a leitura da sentença pode ser marcada para


um dos dez dias seguintes à deliberação final (art.373º - 1).

A sentença constitui uma individualidade aparte da audiência, no conjunto


designado por julgamento29.

O art.328º regula a continuidade da audiência, não a continuidade desta com a


sentença.

Para este último caso, regem os art.365º - 1, e 373º - 1, este já citado.

Por isso, tal como diz o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15.10.97,
citado em nota, a inobservância do art.373º - 1 (e, acrescento eu, do artº365º - 1), por
excessiva que seja, constitui mera irregularidade (artº118º - 2).

Caso a caso se terá de ver se a irregularidade, desde que arguida (art.123º - 1),
afecta o julgamento da matéria de facto.

Disciplina da audiência e direcção dos trabalhos

A disciplina da audiência e a direcção dos trabalhos competem ao juiz presidente,


que exerce esses poderes informalmente; as decisões podem ser ditadas para a acta após
audição contraditória dos sujeitos processuais, sempre que isso seja compatível com a
tempestividade e a eficácia das medidas (art.322º - 2).

A disciplina da audiência interessa à ordem e regularidade dos trabalhos, à


segurança de todos, público e intervenientes, à independência de critério e liberdade de
acção dos participantes e ao respeito devido ao acto e ao lugar em que é praticado.

28
Pelo sim, v. os seguintes acórdãos: Rel. Porto, de 02.12.93, na CJ, T5, pag.262; da Rel. Porto, de 07.07.93,
na CJ, T4, pag.248; da Rel. Évora, de 11.10.94, na CJ, T4, pag.285.
Pelo não, os seguintes acórdãos: STJ, de 15.10.97, no BMJ nº470º/404; Rel. Coimbra, de 29.05.02, na CJ,
T3, pag.47
29
A audiência faz o título II e a sentença faz o título III, ambos do Livro VII, CPP, que tem por epígrafe “Do
julgamento”

14
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Nesse sentido, o legislador assinalou, nos art.324º, 325º e 326º, específicos deveres
de conduta, respectivamente, às pessoas que assistem à audiência30, ao arguido, e aos
advogados e defensores.

Compete, em especial, às pessoas que assistam à audiência o dever de acatar as


determinações das autoridades judiciária e dos funcionários de justiça, relativas à disciplina
dos trabalhos, de se comportar com compostura, de não transportar objectos perturbadores
ou perigosos, de não manifestar sentimentos ou opiniões (art.324º - 2)

O mesmo se aplica ao arguido (art.325º - 3).

Os advogados e defensores devem guardar respeito ao tribunal, absterem-se de


procedimentos impertinentes e dilatórios e de usar expressões injuriosas, difamatórias ou
desnecessariamente violentas ou agressivas (art.326º).

Devem, no fundo, orientar-se pelos seus deveres deontológicos.

O juiz presidente pode e deve reagir contra a violação dos referidos deveres de
conduta.

E assim:

quanto às pessoas que assistem à audiência, tem ao dispor os instrumentos do


art.85º, 2, 3 e 4, e 87º, nº6, isto é, a instauração de processo criminal ou disciplinar, com
detenção, se for caso disso, a simples expulsão do infractor do local, se a violação do dever
de conduta não constituir crime ou infracção disciplinar, e, ainda, o uso da força pública,
para manter a ordem;

quanto ao arguido, deve adverti-lo, e, se ele persistir, deve mandá-lo recolher a


qualquer dependência do tribunal, onde ele poderá ficar durante toda a sessão 31 , sendo,
para todos os efeitos, representado pelo defensor (art.325º - 4, 5 e 6) 32, tudo sem prejuízo
da instauração de novo processo criminal ou disciplinar, com detenção, se for caso disso;

quanto aos advogados e defensores, deve o juiz presidente adverti-los, e, se


continuarem, pode retirar-lhes a palavra.

Até aqui, falei dos poderes de disciplina.

30
Incluem-se, nesta expressão, os intervenientes processuais relativamente a que não existe norma de conduta
específica (assistente, partes civis, testemunhas, peritos e consultores tecnicos)
31
E só durante essa sessão, mas sujeito a ser chamado sempre que o tribunal entenda necessário
32
Esta sanção não prejudica a faculdade de assistência em pessoa ao último interrogatório e à leitura da
sentença (art.325º, 4)

15
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Tinha dito, porém, que, além destes, também cabiam ao juiz – presidente os de
direcção da audiência.

E é nessa perspectiva que lhe compete a prática da generalidade dos actos


introdutórios, que, a seguir, serão estudados, a produção 33, mesmo oficiosa, ou a leitura de
quaisquer provas legalmente admissíveis, receber juramentos e compromissos, e, em
especial, garantir o exercício de um contraditório leal e repelir os expedientes
impertinentes ou dilatórios (art.323º).

Ressaltam, neste conjunto de poderes-deveres de direcção da audiência, os


princípios do contraditório e da livre investigação, como fundamentais referências para o
juiz presidente.

Os actos introdutórios – art.329º a 339º

Antes de o tribunal entrar na sala, há que fazer a chamada dos convocados, nos
termos constantes dos nº1 e 2, do art.329º e fazer a verificação dos faltosos.

Depois de o funcionário de justiça ter comunicado ao juiz presidente os resultados


da chamada, o tribunal entra na sala e o juiz presidente declara solenemente aberta a
audiência (art.329º - 3)34.

A falta do MºPº e do defensor deve ser suprida, sob pena de nulidade insanável.

O MºPº é substituído pelo substituto legal 35 e o defensor por outro advogado ou


advogado estagiário, aos quais o juiz presidente deverá conceder, a pedido, algum tempo
para se inteirar do processo e preparar a intervenção (art.330º, 1).

No que respeita à falta do defensor, importa reter, ainda, o disposto no artº67º - 2 e


3, e conciliá-lo com o prescrito no citado nº1, do artº330º.

E assim, uma simples concessão de algum tempo pode não se mostrar adequada à
necessidade de conferenciar com o arguido e de examinar os autos, razão por que, num tal
caso em que a audiência ainda não começou, pode o juiz presidente, oficiosamente ou a

33
Ainda que com prejuízo da ordem legalmente fixada
34
O ac. STJ, de 11.112.97, na CJSTJ, T3, pag.254, diz que “uma vez declarada aberta a audiência de
julgamento, não pode mais o juiz deduzir a incompetência territorial do tribunal.
Importa relacionar esta afirmação com o disposto no artº32º, 2, b
35
Cfr., a este respeito, o artº65 e 66º, do Estatuto do MºPº, aprovado pela Lei 47/86, de 15/10, e suas
sucessivas alterações

16
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

pedido, interrompê-la (para reiniciar no dia seguinte, p. ex.) ou, mesmo, adiá-la, nos termos
do nº3, do artº67, por tempo não superior a 5 dias.

A falta do representante do assistente ou das partes civis não tem quaisquer


consequências, salvo se se tratar de acusação por crime particular, mas o faltoso pode
intervir logo que chegue.

Tratando-se de procedimento por crime particular, a falta do representante do


assistente implica o adiamento.

Se a falta do representante do assistente não for justificada, ou se houver segunda


falta (justificada ou injustificada, não importa), isso vale, na falta de oposição do arguido,
como desistência da acusação (art.330º - 2).

O regime das faltas dos demais participantes (arguido, assistente, testemunhas,


peritos, consultores técnicos, partes civis) foi objecto de profunda modificação, feita
através da reforma processual introduzida pelo DL 320-C/2000, de 15/12, em cuja epígrafe
constam, precisamente, as intenções de simplificação e combate à morosidade processual.

A falta do assistente, das partes civis, de testemunhas, de peritos e de consultores


tecnicos não é causa de adiamento (art.331º - 1)36.

Se o juiz presidente considerar indispensável a audição de algum ou alguns desses


faltosos e não se lhe afigurar possível o comparecimento, ainda que com uma interrupção
dos trabalhos, adiará simplesmente a audição do ou dos faltosos e tomará, aos presentes, as
declarações ou esclarecimentos, mesmo que isso implique alteração da ordem de produção
da prova, tal como ela está estabelecida no art.341º.

Esta é solução que importa compaginar com a do artº328º, nº3, a, atrás referida.

Porém, não pode haver mais que um adiamento por falta de algum dos
intervenientes indicados.

A falta do arguido, como disse, não ficou de fora das medidas de simplificação e
combate à morosidade processual introduzidas pelo DL 320-C/2000, de 15/12

Apesar de continuar a proclamar, com ênfase, a regra da obrigatoriedade da


presença do arguido em audiência, que constitui uma natural consequência, desde logo, da
garantia fundamental de todos os meios de defesa e do direito a um processo equitativo, o
36
O assistente e a parte civil são, neste caso, representados, para todos os efeitos, pelos respectivos
advogados constituídos.

17
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

art.332º - 1, na sua articulação com os 333º - 1 e 2, e 334º - 1 e 2, que são fruto da veia
simplificadora e anti - morosidade do citado DL, converteu à normalidade aquilo que,
antes da reforma introduzida pelo citado DL, era, seguramente, uma hipótese excepcional:
a possibilidade de início e até de fecho de uma audiência de julgamento sem a presença do
arguido.

Com efeito, diz o nº1, do art.332º, a presença do arguido em audiência é


obrigatória, sem prejuízo do disposto nos art.333º - 1 e 2 e no art.334º - 1 e 2.

A presença do arguido continua a ser considerada importante, tanto assim que o


nº3, do art.332º, impõe ao tribunal o encargo de proporcionar ao arguido que o requeira
fundadamente, as condições necessárias à sua deslocação, e, por outro lado, o nº4, do
mesmo artigo, impõe ao arguido que tenha comparecido à audiência o dever de se não
afastar enquanto ela decorrer, cumprindo ao juiz presidente tomar as providências para
garantir essa presença, que podem ir, em caso de necessidade, até à detenção durante os
períodos de interrupção.

Julgamento na ausência do arguido

Apesar de tudo o que fica dito, a falta do arguido só é causa ou motivo de


adiamento se o tribunal considerar absolutamente indispensável para a descoberta da
verdade a presença do faltoso desde o início (art.333º - 1)37.

Em qualquer caso, quer de adiamento, quer de continuação da audiência sem a


presença do arguido, deve o juiz presidente esgotar as diligências possíveis e admissíveis
para garantir a comparência do arguido.

Se a presença do arguido, desde o início, não for tida pelo tribunal como
absolutamente indispensável, ou se a razão da falta for alguma causa circunstancial que o
arguido tenha atempadamente comunicado, nos termos do artº117º, 2 a 4 (para
justificação), então a audiência poderá ser aberta e realizada, com a audição dos presentes
segundo a ordem indicada no art.341º38 e a documentação das respectivas declarações39.

37

38
Primeiro as provas indicadas pelo MºPº, pelo assistente e pelo lesado, e, depois, as indicadas pelo arguido e
pelo demandado civil, mas sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado
39
Em termos substancialmente idênticos, afinal, aos estabelecidos, na alínea a, do nº3, do artº328º, para a
falta de qualquer outra pessoa.

18
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Poderá o arguido, em todo o caso, comparecer para prestar pessoalmente


declarações até ao encerramento da audiência, o que, inclusive, poderá suceder na segunda
data marcada, nos termos que constam do nº3, do art.333º, a requerimento do defensor.

De qualquer modo, nas hipóteses antes indicadas, se o arguido não comparece até
ao encerramento da audiência, nem requer, por si ou pelo defensor, para ser ouvido na
segunda data marcada, acontece que o julgamento será feito na sua ausência (legalmente na
sua ausência, embora não representado, para todos os efeitos, pelo defensor)40, visto que a
lei não dispensa, nestes casos, a notificação pessoal da sentença.

O que também sucederá (julgamento na ausência do arguido), nos dois seguintes


casos (art.334º - 1 e 2):

- se o processo começou na forma sumaríssima41 e foi reenviado para a


forma comum e não foi possível a notificação do arguido para a audiência, ou o
arguido tiver faltado injustificadamente;

- se o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de


comparecer, nomeadamente, por causa de idade, doença grave ou residência no
estrangeiro, e requerer ou consentir que a audiência se realize na sua ausência.

Nestas hipóteses, ao contrário da anterior, o arguido é representado em audiência,


para todos os efeitos, pelo defensor (art.334º - 4)42.

O tribunal, apesar de tudo, mantém o poder de convocar o arguido, caso considere a


presença dele absolutamente indispensável (art.334º - 3).

Dois outros casos existem, ainda, de audiência na ausência do arguido, que são os
previstos nos nº5 e 6, do art.332º, quando o arguido se afasta da sala de audiências num
momento em que já foi interrogado e não volta, ou se coloca dolosa ou negligentemente
em situação de incapacidade para continuar presente.

40
Havendo, nestas circunstâncias, julgamento na ausência do arguido, a notificação da sentença será feita
logo que aquele seja detido ou se apresente voluntariamente, e o prazo para recorrer conta-se a partir dessa
notificação (nº5, do art.333º)
41
Que, como veremos mais adiante, se aplica aos casos de crime punível com pena de prisão não superior a
cinco anos ou só com pena de multa, quando o MºPº entenda que deve ser em concreto aplicada pena ou
medida de segurança não privativas da liberdade (art.392º)
42
O que quer dizer que o prazo do recurso da sentença começa a correr a partir da notificação do próprio
defensor

19
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Nestes casos, a audiência pode prosseguir até final sem a presença do arguido, se
esta não for considerada indispensável, sendo o arguido representado, para todos os efeitos,
pelo respectivo defensor, mas não para o efeito de ser notificado da sentença.

Mas, se o arguido volta à sala, antes de terminada a audiência, deverá ser


informado, resumidamente, do que se passou na sua ausência, sob pena de nulidade
(sanável).

Contumácia

Fora do caso especial previsto no nº1, do art.334º, o arguido que, (i) na sequência
do despacho que designa dia para julgamento, e depois de esgotadas, sem êxito, as
diligências para o notificar pessoalmente ou por via postal registada 43 desse despacho, ou
para ser detido ou preso preventivamente, (ii) ou que, em qualquer fase do processo, se
tenha evadido e não seja encontrado para ser detido na sequência da evasão, é declarado
contumaz se, após ter sido notificado por éditos, para o efeito, se não apresentar em juízo,
num prazo de 30 dias.

Se o arguido tiver prestado termo de identidade e residência, bastará, nos termos da


alínea c), do nº3, do art.196º, a notificação por via postal simples, para a morada indicada,
evitando-se, desse modo, as situações de contumácia.

Nos termos do nº5 e 6, do art.337º, a declaração de contumácia é anunciada por


éditos, nos termos do nº11, do art.113º, e publicada, sempre que conveniente, em dois
números seguidos de um dos jornais mais lidos na localidade de última residência
conhecida do arguido, ou de maior circulação nacional, e é sempre registada, bem como a
declaração da sua cessação, no registo público de contumácia44.
43
Será assim se ainda não constar do processo a residência, o local de trabalho ou um domicílio à escolha,
para efeitos de ser notificado via postal simples (cf., p. ex., o art.196º, 2)
44
Legislação que interessa: Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto - Estabelece os princípios gerais que regem a
organização e o funcionamento da identificação criminal.; Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro -
Regulamenta e desenvolve o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes; Decreto-Lei n.º
62/99, de 2 de Março - Estabelece o regime jurídico dos ficheiros informáticos em matéria de identificação
criminal e de contumazes da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários; Portaria n.º 219/99, de 29 de Março  -
Fixa as taxas a cobrar pelos serviços de identificação criminal pela prática de actos próprios das suas
competências. Revoga a Portaria n.º 243/90, de 5 de Abril, na parte relativa à emissão de certificado do
registo criminal; Portaria n.º 170/2007, de 6 de Fevereiro - Estabelece os requisitos da apresentação de
requerimentos de certificados do registo criminal e da respectiva transmissão, por via electrónica, aos
serviços de identificação criminal da Direcção-Geral da Administração da Justiça.
 

20
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Além disso, é notificada, com indicação dos seus efeitos pessoais e patrimoniais, ao
defensor e a parente ou a pessoa da confiança do arguido.

De notar, quanto ao nº5, que não houve o cuidado de o adequar à nova redacção do
artº113º, introduzida pelo DL 320-C/00. É que a referência ao nº9, daquele artigo, deve,
agora, ser entendida como referência ao nº11.

A declaração de contumácia implica, quanto ao processo, a suspensão dos termos


ulteriores até à apresentação ou detenção do arguido45, e, quanto à pessoa, a imediata
passagem de mandados de detenção e a anulabilidade46 dos negócios jurídicos de natureza
patrimonial que celebre após a declaração de contumácia, e, ainda, quando isso se mostre
necessário, o decretamento da proibição de obter os documentos que o juiz presidente 47
determinar, junto das autoridades públicas, bem como o arresto preventivo dos bens.

A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresente ou seja


detido48. Nessa ocasião, serão realizados os procedimentos de constituição de arguido,
aplicadas as medidas de coacção pertinentes, a começar pelo obrigatório termo de
identidade e residência e, se o arguido ainda não tiver sido notificado da acusação 49, esta
ser-lhe-á notificada, podendo ele requerer a abertura de instrução (art.336º - 2 e 3).

Questões prévias ou incidentais – art.338º

Dentro dos actos introdutórios e antes do início da fase de produção da prova, tem o
tribunal uma das derradeiras oportunidades de, em acto com essa finalidade, conhecer e
resolver as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que possam obstar ao
julgamento e que não tenham sido, ainda, objecto de uma pronúncia em concreto50.

45
Havendo conexão de processos, a declaração de contumácia implica a separação daquele em que tiver sido
proferida (artº335º - 4)
46
A deduzir pelo MºPº
47
A declaração de contumácia é da competência do juiz presidente (artº335º - 3)
48
Mas, conserva-se a separação de processos que tenha sido ordenada, por efeito da declaração de
contumácia (artº336º, - 1, parte final)
49
Pois, como se disse na altura própria, o inêxito das diligências para aquela notificação não prejudicam o
prosseguimento do processo (artº283º - 5)
50
O que não quer dizer que fique prejudicado o conhecimento posterior das nulidades e outras questões
prévias ou incidentais de que possa conhecer a todo o tempo; cf. o ac. Rel. Évora, de 01.02.94, na CJ, T1,
p..294, onde se diz: “O conhecimento de nulidades ou outras questões prévias, e, designadamente, da
extemporaneidade de uma acusação particular, pode ser feito no início da audiência de julgamento, ou até
mais tarde, se não tiver havido anteriormente pronúncia expressa sobre a matéria. Em processo penal, a
declaração tabelar de inexistência de questões prévias impeditivas do conhecimento do fundo não
corresponde a pronúncia expressa sobre essa matéria, pelo que a mesma não faz caso julgado”

21
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Fá-lo num acto breve51.

Exposições introdutórias – art.339º

Nada obstando ao julgamento, o juiz presidente faz, então, uma exposição sucinta
sobre o objecto do processo e concede, em seguida, a palavra aos sujeitos processuais,
começando pelo MºPº, e continuando pelos advogados do assistente, do lesado e do
demandado civil, e, finalmente, ao defensor do arguido, para, querendo, de forma sumária
e no breve prazo de 10 minutos, para cada um, indicarem os factos que pretendem provar52.

Produção da prova art.340º a 361º

A produção de prova em audiência de julgamento obedece aos requisitos, limites e


trâmites já referidos e estudados a propósito, precisamente, do tema da prova.

Neste lugar, referirei, tão só, as especialidades e condicionantes próprias da


produção de prova no acto da audiência.

A produção da prova é dirigida pelo juiz presidente.

O tribunal53 tem amplos poderes investigatórios, como já tinha sido dito a propósito
do estudo dos princípios fundamentais do processo.

Pode limitar-se a seguir os requerimentos de prova dos diversos sujeitos


processuais, mas, também, pode e deve investigar oficiosamente, mandando que se
produzam meios de prova não constantes daqueles requerimentos 54, sempre que o
considere necessário, dando, porém, prévio conhecimento e possibilidade de contradição 55
aos sujeitos processuais.

Este juízo de necessidade é, obviamente, um típico juízo de facto, não


juridicamente sindicável, a não ser quanto aos pressupostos do seu uso.

51
Que, por regra, não deverá exceder uma hora
52
Antes, o juiz presidente deve mandar retirar as testemunhas, podendo fazer o mesmo relativamente a outras
pessoas que devam ser ouvidas
53
Aqui, como noutras situações, trata-se do tribunal (do júri, colectivo ou singular), e não, já, apenas do juiz
presidente
54
O nº2, do art.340º, fala, apenas, dos meios de prova arrolados na acusação, na pronúncia e na contestação,
mas nada impede que o tribunal proceda oficiosamente quanto à questão cível conexa, visto que, para além
do mais, o princípio da investigação também é apanágio do processo civil, que é, como se sabe, direito
subsidiário. Isto, porém, nada tem a ver com o princípio do ónus da prova, que, não existindo, em processo
penal, continua válido, no que respeita ao pedido cível conexo
55
Com a antecedência possível

22
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

As provas oferecidas podem ser rejeitadas se forem legalmente inadmissíveis.

Está, aqui, em jogo o princípio da legalidade das provas, consignado no art.125º.

Além disso, haverá lugar a rejeição se notoriamente, isto é, manifestamente,


evidentemente, transparentemente, insofismavelmente, o requerimento tiver finalidade
meramente dilatória, as provas forem irrelevantes ou supérfluas, ou os respectivos meios
forem inadequados, de obtenção impossível ou muito duvidosa (art.340º).

A prova ou o respectivo meio só podem ser rejeitados, pois, com base nas causas
assinaladas nos nº3 e 4, do art.340º56.

A ordem de produção da prova, embora, como já tive ocasião de dizer, possa,


pontualmente, ser alterada, obedece a um critério de justa composição entre os princípios
da averiguação da verdade material e do contraditório.

A sua inversão ou alteração tem de ser justificada pela descoberta da verdade 57, e
não pode prejudicar o exercício do contraditório no que respeita à produção e confronto
das provas.

A ordem legal estabelecida é a seguinte (art.341º):

- declarações do arguido;

- meios de prova indicados pelo MºPº

- meios de prova indicados pelo assistente

- meios de prova indicados pelo autor do pedido cível

- meios de prova indicados pelo arguido

- meios de prova indicados pelo demandado civil.

Declarações do arguido

O arguido, ainda que se encontre detido ou preso, assiste à audiência livre na sua
pessoa, a não ser que razões de segurança exijam o contrário (art.325º - 1)58.

56
Assim, a rejeição, com fundamentos diferentes dos indicados naqueles nº3 e 4, do pedido do assistente,
feito em audiência, para ser ouvido em declarações (prova legal), pode ser causa de nulidade do julgamento
(Cf. ac. STJ de 4.12.96, BMJ 462º/286)
57
Cfr., a este respeito, a parte final da alínea a, do artº323º, e os artº331º - 2 e 333º - 2, já citados
58
Algemas ou habitáculos fechados devem, portanto, constituir excepção

23
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O arguido, como já disse, tem direito ao silêncio (art.61º, 1, c), direito cujo
exercício não o pode em caso algum prejudicar aos olhos do tribunal 59, e que pode exercer-
se sob a forma de uma total recusa a prestar declarações ou em recusar a resposta a
determinada pergunta. Disso, deve ser expressamente informado pelo juiz – presidente.

A garantia prescrita no art.32º, nº1, CRP implica esse direito a não colaborar
activamente com o tribunal e a ser informado integralmente a tal respeito.

O arguido tem o direito, porém, de fazer terminar o silêncio, disponibilizando-se


para prestar declarações em qualquer momento da audiência, do que deve, igualmente, ser
expressamente informado pelo juiz - presidente.

Apenas deve responder, e com verdade60, sobre os elementos respeitantes à sua


identificação pessoal61 e sobre processos pendentes, sob pena de responsabilidade criminal
(art.342º - 1 e 2).

Como se vê, em audiência, deve o tribunal omitir perguntas sobre os antecedentes


criminais do arguido, ao contrário do que sucede na fase do inquérito/instrução.

Referências aos antecedentes criminais, só na fase de determinação da sanção,


após o encerramento da audiência, incluídas nas leituras a que se reporta o art.369º.

Isto é assim em discutível homenagem à dignidade e às garantias constitucionais do


arguido, mas, em todo o caso, seria, as mais das vezes, uma diligência inútil, porque,
naquela altura do processo, já houve mais que tempo e oportunidade de fazer juntar os
certificados respectivos.

Dispondo-se a prestar declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos


imputados.

Se declarar que pretende confessar, o juiz presidente deve perguntar-lhe, sob pena
de nulidade (sanável), se o vai fazer de livre vontade e sem coacção, e se se propõe fazer
uma confissão integral e sem reservas (art.344º).

59
É, pois, duvidosa a doutrina do ac. STJ, de 05.02.98, na CJSTJ, T1, pag.190: “O arguido não tem o dever
de colaborar com a justiça. Mas, se ele guardar silêncio, é legítimo que o tribunal conclua que não houve
arrependimento” .
É claro que se o silêncio do arguido foi a causa do desconhecimento, por parte do tribunal, de circunstâncias
atenuantes, isso nada tem que ver com o “desfavorecer”, de que fala a parte final do nº1, do art.343
60
E, disso, deve ser expressamente advertido pelo juiz presidente
61
Podendo exigir exibição de documento oficial de identificação

24
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Integral é a confissão sobre todos os factos imputados; sem reservas é a confissão


que não acrescenta novos factos com influência na ilicitude ou na culpa (que as excluam
ou as diminuam).

Uma tal confissão, desde que se não verifique qualquer uma das excepções
indicadas no nº3, do mesmo artº344º, faz prova plena, e, por isso, tem importantes e
aceleradoras implicações processuais (art.344º - 2):

- renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados, que se


consideram provados;

- passagem imediata à fase das alegações orais, e, se o arguido não


dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da pena aplicável;

- redução em metade da taxa de justiça62.

As excepções acima referidas são as seguintes:

- haver co-arguidos que não tenham confessado nos mesmos termos;

- haver suspeita convicta do tribunal sobre a liberdade da confissão,


nomeadamente por dúvidas sobre a plena imputabilidade do arguido, ou sobre a
veracidade dos factos confessados;

- ser o crime punível com pena de prisão superior a 5 anos.

Uma confissão integral e sem reservas, nestas circunstâncias, isto é, verificada


alguma das precedentes excepções, ou uma confissão parcial ou com reservas, implicam,
para o tribunal, o encargo de avaliar e decidir, em sua livre convicção, se e em que medida
deve ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados (art.344º - 4).

Será, em todo o caso, uma decisão de grande melindre, sobretudo no caso de haver
co-arguidos que não tenham confessado.

Claro que a confissão do co-arguido nunca poderia ter efeitos, como tal, quanto ao
outro ou outros, pois isso seria uma violação intolerável do contraditório.

A valoração da confissão, em termos de dispensar, quanto ao confitente, a prova


dos factos confessados, poderá entrar em via de colisão com a posição negatória assumida
pelo ou pelos co-arguidos.

62
Cfr., a este respeito, o artº513º, 1

25
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Mas, a confissão do arguido, nessas circunstâncias, constitui, em todo o caso, meio


de prova legal relativamente aos seus co-arguidos, como simples declarações, a apreciar
livremente pelo tribunal, e desde que aos outros seja proporcionado o exercício do
contraditório (art.345º - 2)63. Se, prestadas declarações por um arguido, em prejuízo de
outro ou outros, essa declarações só poderão valer como prova se o arguido-declarante se
prontificar a responder às perguntas e pedidos de esclarecimentos que aquelas declarações
suscitarem.

Dispondo-se a falar, sem confessar, o arguido será directamente interrogado pelos


juizes e pelos jurados sobre os factos, sem interferência dos restantes sujeitos processuais,
a não ser a do defensor para recomendar a recusa a responder a determinada pergunta
(art.345º - 1 e 343º - 5).

Durante o interrogatório, podem-lhe ser mostrados quaisquer pessoas, documentos


ou objectos atinentes à prova, bem como outras peças do processo, cuja leitura não seja
proibida, no que constitui, afinal, uma óbvia decorrência do princípio da investigação.

O MºPº, o advogado do assistente e o defensor não podem interrogar directamente


o arguido, nem interferir nas suas declarações, mas podem solicitar ao juiz presidente que
lhe faça determinadas perguntas sobre os factos imputados64.

Quando houver mais que um arguido, pode o juiz presidente determinar que as
declarações de cada um deles se façam sem a presença dos demais, mas, findo o
interrogatório e regressados todos à sala de audiências, o juiz presidente deve dar-lhes
conhecimento, resumidamente, do que se passou na sua ausência, isto sob pena de nulidade
(sanável) – art.343º - 4. Trata-se, mais uma vez, de um efeito lógico da regra do leal
contraditório, que o juiz, mesmo sem norma expressa, deveria garantir, na circunstância.

O afastamento do arguido pode ser, ainda, decretado pelo tribunal, durante a


prestação de declarações65 de outros intervenientes, nos seguintes casos (artº352º - 1):

63
Como já se disse no estudo das Provas
64
Não se vê razão para que os advogados das partes civis não possam, também, sugerir perguntas ao arguido,
através do juiz presidente. Afinal de contas, os factos da acusação também interessem à parte civil, como um
dos pressupostos da obrigação de indemnizar. Terá, porventura, havido lapso, e, portanto, uma lacuna de lei,
a preencher por analogia com as disposições dos art.346º -1, 347º - 1, 350º - 1. tanto mais quanto é certo que,
no que respeita à proibição de interferir no modo das declarações, as partes civis foram colocadas ao lado dos
restantes sujeitos processuais (art.343º - 5).
65
A palavra está, aqui, aplicada em sentido amplo, abrangendo declarações, depoimentos e esclarecimentos

26
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- houver razões para crer que a presença do arguido inibiria o


declarante de dizer a verdade;

- o declarante for menor de 16 anos e houver razões para crer que a


sua audição na presença do arguido poderia prejudicá-lo gravemente;

- dever ser ouvido um perito e houver razão para crer que a sua
audição na presença do arguido poderia prejudicar gravemente a integridade física
ou psíquica deste.

Findas as declarações, e regressado o arguido à sala, o juiz presidente, tal como em


todos os outros casos de não presença do arguido, deve dar-lhe conhecimento,
resumidamente, do que se passou na ausência dele, isto sob pena de nulidade (sanável). De
fora de tal dever está, por óbvias razões, o caso das declarações do perito sobre factos cuja
audição pelo arguido poderia prejudicar-lhe gravemente a integridade física ou psíquica
(art.352º - 2).

Declarações do assistente – artº346º

As perguntas são feitas pelo tribunal (juizes e jurados).

Em seguida, o MºPº, o defensor, os advogados das partes civis e o advogado do


próprio assistente, por esta ordem, podem solicitar ao juiz presidente a formulação de
perguntas66.

Tal como no interrogatório do arguido, também podem ser mostrados ao assistente


quaisquer pessoas, documentos ou objectos atinentes à prova, bem como outra peças do
processo cuja leitura não seja proibida.

Declarações das partes civis – art.347º

As perguntas são feitas pelo tribunal (juizes e jurados).

Em seguida, o MºPº, o defensor, o advogado do assistente, e, por fim, os advogados


das próprias partes civis67, e por esta ordem, podem solicitar ao juiz presidente a
formulação de perguntas.
66
Aqui, já não há obstáculos à intervenção da parte civil
67
Entre os advogados das partes civis, o último lugar é, naturalmente, daquele que representa o próprio
declarante

27
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Tal como no interrogatório do arguido e do assistente, também podem ser


mostrados à parte civil quaisquer pessoas, documentos ou objectos atinentes à prova, bem
como outra peças do processo cuja leitura não seja proibida.

Inquirição de testemunhas – art348º e 349º

A ordem de inquirição é a que consta do rol, podendo o juiz presidente, por motivo
fundamentado, alterá-la.

A inquirição deve, naturalmente, começar pelas testemunhas de acusação, para que


o contraditório seja respeitado na sua integralidade.

A testemunha é inquirida pelo representante de quem a indicou e, depois, contra -


interrogada68.

Se, no contra – interrogatório forem suscitadas questões não tratadas no


interrogatório inicial, poderá haver reinquirição sobre essas questões e novo contra -
interrogatório com o mesmo âmbito.

Com autorização do juiz presidente, as testemunhas de um arguido podem ser


inquiridas pelo defensor de um co – arguido (art.348º - 6).

Esta é uma faculdade que nada tem a ver com o direito ao contra-interrogatório.
Este último está consagrado no nº4, do art.348º, e dele beneficia qualquer sujeito
processual, seja qual for a posição que tenha no processo.

A faculdade prevista no nº6 prende-se com o interesse do co-arguido em


aproveitar, para si, o depoimento da testemunha arrolada por outro.

Os juízes e jurados podem, em qualquer altura do interrogatório, formular


perguntas e pedir esclarecimentos.

Se a testemunha tiver menos de 16 anos, o interrogatório é feito exclusivamente


pelo juiz presidente, podendo os demais juizes, os jurados, o MºPº, o defensor e os
advogados do assistente e das partes civis sugerir esclarecimentos ou perguntas.

Tal como no interrogatório do arguido, do assistente e das partes civis, também


podem ser mostrados à testemunha quaisquer pessoas, documentos ou objectos atinentes à
prova, bem como outras peças do processo cuja leitura não seja proibida.
Para o interrogatório das testemunhas, já não é exigida a mediação do juiz presidente
68

28
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Discute-se se a contradita, prevista no Código de Processo Civil (art.640º) é


aplicável em processo penal, apesar de não expressamente prevista no CPP.

Não vejo qualquer razão para que o não seja, face, por um lado, ao disposto no
artº125º (são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei), e, por outro lado, à
função subsidiária do processo civil (art.4º) 69.

Declarações de peritos e de consultores tecnicos – art.350º

São tomadas pelo juiz presidente, podendo os demais juizes, os jurados, o MºPº, o
defensor e os advogados do assistente e das partes civis sugerir esclarecimentos ou
perguntas.

Tal como no interrogatório do arguido, do assistente, das partes civis e das


testemunhas, também podem ser mostrados aos peritos e consultores tecnicos quaisquer
pessoas, documentos ou objectos atinentes à prova, bem como outras peças do processo
cuja leitura não seja proibida, sendo-lhes, ainda, permitido, mediante autorização do juiz
presidente, a consulta de notas, documentos ou elementos bibliográficos e servir-se dos
instrumentos tecnicos de que careçam para demonstrar as suas afirmações.

É, digamos assim, a perícia adaptada às necessidades específicas da audiência.

O nº3, do art.350º70 repete o que diz o art.317º - 1, na parte que respeita aos peritos
dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais apropriados71.

Perícia sobre o estado psíquico do arguido – art.351º

Se, durante a audiência, for fundadamente suscitada a questão da inimputabilidade


do arguido ou da sua imputabilidade diminuída do arguido, deverá ser feita (no primeiro
caso), poderá ser feita72 (no segundo caso), perícia sobre o estado psíquico daquele.

69
Concluíram que não os ac. Rel Lxª, de 18.10.94, na CJ, T4, pag.153, e STJ, de 28.02.96, na CJSTJ, T1,
pag.213.
Em sentido contrário, admitindo, portanto, a contradita em processo penal, o ac. STJ de 01.07.93, no BMJ
429º/627
70
Introduzido pelo DL 320-C/2000, de 15/12
71
Assunto já abordado atrás, a propósito da convocação para a audiência
72
A decisão sobre ordenar a perícia dependerá, neste caso, da natureza e grau da possível imputabilidade
diminuída

29
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Interessa, a este respeito, reter que a inimputabilidade em razão de anomalia


psíquica (art.20º CP), afastando o agente, em princípio, da censura penal, pode sujeitá-lo,
em todo o caso, a medidas de segurança (art.91º CP).

Como é de calcular, a opção pela realização ou não realização da perícia implica


especial melindre, porque, para além do mais, a fronteira da inimputabilidade é coisa que o
tribunal não tem habilitações para estabelecer, de antemão.

Se, p. ex., o tribunal conclui que “o arguido caminha a passos largos para a
loucura” e o diz na sentença, boas razões há para concluir que, nessas circunstâncias, se
impunha a realização da perícia, tendo em conta o nº1, do artº351º.

A realização da diligência, a cargo de um perito, ou, em casos justificados, de um


estabelecimento especializado, pode implicar a interrupção, ou mesmo, o adiamento da
audiência (art.351º - 3 e 4).

Exame ao local – art.354º

Pode o tribunal, sempre que o julgue necessário, deslocar-se ao local onde tenha
ocorrido qualquer facto relevante, fazendo-se acompanhar dos intervenientes cuja presença
julgue conveniente.

Leituras permitidas – art.355º a 357º

A livre convicção do tribunal forma-se sobre as provas produzidas ou examinadas


em audiência e só sobre elas.

O que está escrito no processo, por si, sem mais, nada pode valer para a formação
da convicção do tribunal.

Trata-se de uma exigência dos princípios do contraditório e da imediação e,


também, em certa medida dos princípios da oralidade e publicidade.

Decorre, com efeito, destes basilares princípios que só as provas apresentadas,


produzidas e discutidas em julgamento é que podem servir de fundamento à decisão final
do juiz.

Assim o exprime, de forma emblemática, o art.355º - 1.

30
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Mas, estes princípios não implicam a proibição absoluta de leitura, em audiência,


dos autos, de declarações e outros meios de prova, realizados previamente 73, nem, tão
pouco, a obrigatoriedade de leitura, ali, de todos os elementos de prova que, não obstante
produzidos ou juntos antes, a lei permite valorar.

O termo leitura, obviamente correcto e actual, não exprime, já, a nova realidade
processual derivada do avanço tecnológico dos tribunais em matéria de captação e registo
de prova, e, por isso, quando se fala de leitura deve, também, pensar-se em visualização
e/ou audição (cf. nº8, do art.356º).

A regra imperativa do art.355º - 1, tem como missão específica impedir o


aproveitamento, pelo tribunal, de elementos de prova sobre os quais não seja possível
estabelecer uma imediação e um contraditório amplo e eficaz, em audiência,
designadamente, através da leitura, visualização ou audição de autos que contenham
declarações de pessoas não presentes.

E assim, em harmonia com o sentido e as intenções da competente lei de


autorização legislativa74, o sistema de leituras permitidas instituído pelos art.356º e 357º,
pretende ser, não um pressuposto ou requisito de valoração de provas, mas, sim, uma
enumeração das provas que, não tendo sido produzidas ou examinadas em audiência,
podem, apesar disso, ser valoradas se ali lidas, visualizadas ou ouvidas.

Dele (de tal sistema de leituras permitidas) não se pode tirar a ideia contrária,
alimentada por alguns, de que só o que é lido, visualizado ou ouvido em audiência pode ser
valorado como prova a ter em conta na decisão final. O que deve ser lido, visualizado ou
ouvido, sob pena de não valoração, é todo o auto que contenha declarações de leitura
permitida, pois só esta leitura pode substituir minimamente a oralidade e satisfazer,
minimamente, os princípios da imediação, do contraditório e da publicidade.

Ora, falando, em primeiro lugar, de permissões de leitura, visualização ou audição


importa, para o efeito, distinguir entre:

- actos praticados na instrução e no inquérito, por um lado, e actos


praticados na fase de julgamento, por outro;

- autos que contêm declarações (do arguido, do assistente, das partes


civis ou das testemunhas) e actos que contêm outro tipo de provas;
73
Em inquérito, em instrução ou na fase preliminar do julgamento
74
Lei 43/86, de 26/09 (art.2º, nº2, al.63)

31
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- autos que contêm declarações do arguido e autos que contêm


declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas.

A permissão depende, portanto, da fase do processo e do tipo de prova em causa.

Assim (art.355º - 2, 356º e 357º):

para as provas realizadas antecipadamente, mas já na fase de julgamento, é


permitida a leitura em audiência de:

- declarações prestadas em carta – precatória, nos termos do art.318º;

- declarações prestadas no domicílio, nos termos do art.319º;

- actos urgentes realizados, nos termos do art.320º;

para as provas realizadas no inquérito ou na instrução:

- autos que não contenham declarações do arguido, do assistente, das


partes civis ou de testemunhas75;

- autos que contenham declarações do assistente, das partes civis e das


testemunhas, prestadas perante o juiz, nos seguintes casos:

 declarações tomadas nos termos dos art.271º e 294º, isto é,


em produção antecipada de prova, para memória futura;

 acordo entre o MºPº, o arguido e o assistente sobre a leitura


(neste caso, também são abrangidas pela possibilidade de leitura as
declarações prestadas perante o MºPº e os órgãos de polícia criminal);

 declarações prestadas em carta-precatória ou rogatória,


legalmente permitidas;

 para avivamento da memória daquele que afirma não se


lembrar dos factos (e só na parte necessária);

 contradições ou discrepâncias entre as declarações prestadas


antes e as feitas em audiência76;

75
As declarações prestadas em acareação não podem, pois, ser reproduzidas (cf., neste sentido, oac. STJ de
10.07.96, in BMJ nº459, p.376
76
Na anterior redacção da norma da alínea b do nº3, do art.256º, a contradição deveria ser “sensível” e
acrescentava-se, ainda, “…que não possam ser esclarecidas de outro modo”. Facilitou-se, de certo modo, a
possibilidade de “leitura”

32
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- autos que contenham declarações do assistente, das partes civis e das


testemunhas perante o juiz ou o MPº

 se o declarante (assistente, parte civil, testemunha) não tiver


podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou
impossibilidade duradoura77;

em qualquer caso, jamais poderá ser lido o depoimento de testemunha que,


em audiência, se tenha validamente recusado a depor78 (nº6, do art.356º);

- autos que contêm declarações do arguido:

 a solicitação do próprio (ou do defensor), seja qual tenha sido


a entidade que as ouviu e registou79;

 feitas perante o juiz, se houver contradições ou discrepâncias


entre elas e as feitas em audiência80.

É claro que esta norma não pode ser aproveitada para o caso em que
o arguido exerce, em audiência, o direito de não prestar declarações. 81.

É sempre proibida a leitura (visualização ou audição) do depoimento prestado em


inquérito ou em instrução de pessoa que, nos termos do art.134º, se possa recusar a depor
(art356º - 6). O facto de, ainda que informadamente, ter prestado depoimento naquelas
fases, não lhes retira o direito de, em audiência, se calarem e, calando-se, proibirem a
“leitura” do seu depoimento anteriormente prestado.

A propósito da reconstituição do facto, podem suscitar-se, e já se suscitaram,


dúvidas acerca da legalidade da reprodução da gravação do acto ou da leitura do auto em
audiência, ou, mesmo, da inquirição dos agentes policiais que tenham realizado a
reconstituição ou a ela tenham assistido, acerca do comportamento do arguido no acto,
sempre que o arguido tenha participado activamente na reconstituição, nomeadamente,
através de declarações ou informações, e se remeta ao silêncio em audiência.

77
Segundo o ac. STJ de 23.03.2000, CJSTJ, VIII, t 1, p.230, impossibilidade duradoura não se confunde,
para este efeito, com ausência em parte incerta
78
P. ex., nos casos previsto no artº134º (recusa de parentes e afins)
79
“A solicitação” significa que a leitura não pode ser feita contra a sua vontade, e não que tenha de derivar de
um acto espontâneo do arguido (cf. ac. STJ de 12.03.92, BMJ 415º/464)
80
Na anterior versão da norma, as discrepâncias teriam de ser “sensíveis” e acrescentava –se, ainda, que o
legislador: “…, e que não possam ser esclarecidas de outro modo”. Repetindo o que supra foi dito, em nota, a
nova versão do CPP veio facilitar, de certo modo, a possibilidade de “leitura”
81
Cfr. ac. STJ, de 24.02.93, na CJSTJ, T1, pag.202.

33
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Dada a substancial autonomia dos dois meios de prova (declarações de arguido e


reconstituição do facto), não são, em princípio, aceitáveis as dúvidas; nem o nº1, al. b, nem
o nº782, do art.356º ficam, só por isso, violados.

Desde que a reconstituição decorra segundo os pressupostos e condições do artigo


150º do CPP, e, no que respeita a declarações ou informações ali expressas pelo arguido, se
referidas elas aos termos da reconstituição, e apenas a eles, nada permite duvidar da
legalidade da leitura ou exibição em audiência83, ou mesmo dos depoimentos dos agentes
policiais que tenham realizado a diligência ou a ela tenham assistido.

Se, porém, o acto for aproveitado para uma verdadeira, embora desenquadrada,
tomada de declarações, não instrumentais da diligência, então o caso muda de figura, visto
que, nessas circunstâncias, fica posto em causa, desde logo, o direito fundamental do
arguido a um processo leal e equitativo.

As declarações assim tomadas não poderiam, desde logo, valer como meio de
prova contra o próprio declarante/arguido, e, por isso, nem seria de colocar a questão da
sua leitura em audiência.

Quer se trate de declarações do assistente, parte civil e testemunha, quer do arguido,


é proibido o depoimento, em audiência, dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo
das declarações que tenham recolhido e cuja leitura em audiência não for legalmente
permitida (proibição que se estende às demais pessoas que, por qualquer título, tenham
participado na recolha84 - nº7, do mesmo artigo e nº2, do art.357º).

A admissão de depoimentos deste tipo equivaleria a inutilizar praticamente as


proibições decorrentes dos art.356º e 357º.

Mas, isso não impede que os órgãos de polícia criminal sejam testemunhas, em
audiência, acerca de factos de que possuam conhecimento directo, por meio diferente das
declarações que receberam do arguido85.

É muito discutido, a este propósito, o problema das chamadas “conversas


informais” entre arguido e órgãos de polícia criminal, melhor dizendo, da legalidade do
depoimento em audiência dos agentes policiais acerca do conteúdo de tais conversas.

82
Que, adiante, será abordado
83
Sobre estes temas, cf. os ac. STJ de 05.01.2005, in ITIJ 04P3276 e de 20.04.2006, in ITIJ 06P363
84
Os funcionários que secretariaram o acto, p. ex.
85
Cf., neste sentido, e entre outros, o ac. STJ de 11.12.97, CJSTJ, V, t 3, p.255

34
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

“Conversas informais” são as mantidas entre suspeito ou arguido e órgãos de


polícia criminal à margem dos actos oficiais de recolha de declarações.

No Supremo Tribunal de Justiça predominou, até há poucos anos, a ideia de que as


conversas informais não estão abrangidas na proibição contida no nº7, do art.356º86.

Num acórdão de 29.03.9587, o Supremo afirmou: “Os órgãos de polícia criminal


não podem ser inquiridos sobre o conteúdo de declarações que tenham recebido e cuja
leitura seja proibida, mas não de o serem sobre o relato de conversas informais que
tenham tido com os arguidos, salvo se se provar que o agente investigador escolheu
deliberadamente esse meio de conversas informais para evitar a proibição da leitura das
declarações do arguido em audiência”.

Posição que reafirmou noutras vezes, embora, nos últimos anos, a polémica tenda a
confinar-se às conversas informais com o mero suspeito88, por se ter alargado o consenso
acerca da ilegalidade das “conversas informais” com o arguido.

Trata-se, porém, de uma orientação que, mesmo que confinada à fase anterior à
constituição de arguido, comporta algum perigo de fuga à proibição do nº7, do art.356º,
uma vez que, nesse entendimento, bastará ao agente policial não cumprir a obrigação de
reduzir a auto as declarações do suspeito ou de não o constituir arguido no momento certo,
para se colocar em posição de não ser atingido por aquela proibição89.

Pelo menos quando já exista um processo a correr contra quem teve com os agentes
policiais a “conversa informal”, deve entender-se que o depoimento daqueles em
audiência não pode versar sobre o conteúdo da conversa, ainda que esta tenha ocorrido
antes da constituição de arguido.

86
Cfr., no entanto, a posição contrária expressa no ac. de 29.01.92, na CJ, T1, pag.20
87
No BMJ 445º/279
88
Cfr. no sentido da validade do depoimento sobre conversas informais, os ac. de 25.11.94, in ITIJ 046393;
de 30.10.96, no BMJ 460º/425 ; de 30.09.98, no BMJ 479º/414; de 13.05.99, in ITIJ 99P201; e de 15.11.00,
na CJSTJ, T3, pag.216.
Cfr., sobre a inadmissibilidade em geral de tais depoimentos, os ac.de 10.01.01, in ITIJ 00P2539; de
11.07.01, na CJSTJ, T3, pag.166; de 03.10.02, in ITIJ 02P2804, e de 09.07.03, in ITIJ 03P615
Cfr., finalmente, sobre a admissibilidade de tais depoimentos desde que relativo a conversas informais com
simples suspeitos, os ac. de 23.10.03, in ITIJ 03P3269, e de 22.04.04, in ITIJ 04P902 (e, também, em CJSTJ
T2, pag.165).
89
O ac. Rel. Porto, de 11.10.00, na CJ, T4, pag.231, diz que “os agente da PJ que elaboraram uma
informação de serviço na qual fazem referência a declarações que o arguido lhes teria feito, mas que não
fizeram constar do auto, não podem ser inquiridos sobre essas declarações”; cfr., ainda, o ac. Rel. Évora, de
22.04.2004, na CJ, T2, pag.254

35
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

E mesmo que não haja, ainda, processo, mas haja diligências preliminares, do tipo
cautelar e de polícia, contra uma pessoa, a valoração das conversas informais, então
havidas, e o depoimento dos agentes policiais, acerca delas, não parece conciliável com os
direitos daquele que é suspeito da prática de um crime ou contra o qual foi levantado auto
de notícia que o dê como agente de um crime (cfr. art.58º - 1, c e d, 3 e 4, 59º - 2, e 61º - 1,
c).

Nestes casos, com efeito, existe a obrigatoriedade de o constituir arguido,


oficiosamente (artº58º - 1, e 59º - 1) ou a pedido (artº59º - 2) e de o ouvir formalmente,
caso ele, depois de devidamente informado, deseje prestar declarações.

Falando, agora, dos elementos de prova produzidos ou apresentados antes da


audiência e cuja leitura é permitida sem restrições (as declarações prestadas na fase
preliminar do julgamento, nos termos dos art.318º, 319º, 320º, os actos de inquérito e
instrução que não contenham declarações90 e os documentos em geral), dir-se-á que a
permissão não significa obrigatoriedade de leitura pública.

A simples presença nos autos e o exame que deles se faça em audiência basta para
que, na altura própria, o da deliberação, esses elementos possam ser considerados.

A leitura apenas se impõe se e quando a prova for discutida em audiência91.

O problema tem sido colocado, com especial ênfase, quanto à prova documental.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, cremos que com boas razões, que o
exame e valoração da prova documental92 junta antes da audiência não exige a sua pública
leitura em audiência93.

90
P. ex., exames
91
Cf., em sentido diferente, o ac. Rel. Porto de 4.07.2001, CJ XXVI, t 4, p 222: “As declarações para
memória futura têm que ser lidas em audiência, sem o que o tribunal não poderá utilizá-las para fundamentar
a sua convicção. Se o fizer, serve-se de prova proibida, o que produz nulidade insanável”
92
Trata-se, evidentemente, de outros documentos que não os autos que contêm declarações de leitura
proibida ou outros actos de instrução ou de inquérito, cuja leitura é permitida.
93
Cfr., a este respeito, os ac. de 24.02.93, na CJSTJ, T1, pag.209, e de 10.11.93, na CJSTJ, T3, pag.233.
Cfr., ainda, o ac TC nº87/99, de 10.02.99, no DR 2ª série, de 01.07.99, que declarou não inconstitucionais os
normativos do artº355º, CPP, quando interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não
são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados
desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida

36
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O mesmo foi entendido quanto à leitura das declarações solicitadas ao tribunal de


outra comarca, na fase preliminar do julgamento (artº318º) 94, quanto aos registos
magnéticos das escutas telefónicas95, e quanto à transcrição das escutas telefónicas96.

Finalmente, e ainda no que se refere às leituras permitidas, importa dizer que, na


acta de audiência, terá de ficar a constar a permissão da leitura, visualização ou audição e a
sua justificação, sob pena de nulidade (sanável) – nº9, do art.356º, e nº2, do art.357º97.

Alteração não substancial e alteração substancial de factos descritos na acusação


ou na pronúncia – art.358º e 359º

A identidade do objecto do processo

O decurso da audiência, designadamente, a produção da prova pode revelar ao


tribunal que o facto criminoso, tal como relatado na acusação ou na pronúncia, se verificou
noutras circunstâncias ou termos, que podem implicar, ou não, uma diferente incriminação.

Quando assim sucede, razões de economia processual e de paz jurídica do arguido,


as mesmas que estão na base dos princípios da unidade ou indivisibilidade do objecto do
processo e da consunção98, impõem que o tribunal, respeitando, obviamente, o direito a
uma defesa completa e eficaz, atenda aos novos factos ou circunstâncias que não foram
objecto da acusação ou pronúncia, desde que o núcleo essencial da acusação ou da
pronúncia se mantenha o mesmo.

E impõem-no de tal maneira que a omissão desse dever não pode deixar de se
reflectir na impossibilidade futura de perseguição criminal do mesmo agente pelos ditos
novos factos ou circunstâncias, em homenagem à garantia constitucional do ne bis in idem
(art.29º - 5, CRP).

É preciso que os novos factos e as novas circunstâncias não passem além dos
limites traçados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia e que o
arguido tenha oportunidade de se defender eficazmente da nova imputação.

94
Ac. STJ de 23.03.94, no recurso 46.218, da 3ª secção
95
Ac. STJ de 4.06.2003, ITIJ 03P519
96
Ac. STJ de 2.07.2003, no recurso 1802/03, da 3ª secção
97
Cfr. ac. STJ, de 27.10.94, na CJSTJ, T3, pag.219: “A falta de consignação, na acta de julgamento, da
leitura de anteriores declarações do arguido prestadas perante o juiz de instrução e que serviu para
fundamentar a decisão constitui nulidade”.
98
Cf., sobre estes princípios, o Capítulo I desta obra

37
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Também pode suceder que, sem alteração dos factos, o tribunal pretenda proceder
a uma diferente incriminação, a uma simples alteração da qualificação jurídica dos factos
descritos na acusação ou na pronúncia.

E isso pode acontecer em circunstâncias desvantajosas para o direito de defesa,


nomeadamente, mas não só, quando a alteração se der para uma incriminação mais grave.

A liberdade de qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na


pronúncia pode, deste modo, ser encarada na mesma perspectiva que a alteração de factos.

É, ao fim e ao cabo, a norma incriminadora que dá aos factos o seu sentido de


desvalor jurídico-criminal, e, deste modo, a perspectiva global que, através da acusação ou
da pronúncia, deles é dada ao arguido.

Como já se viu, o art.1º - 1, f define alteração substancial de factos como aquela


que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos
limites máximos das sanções aplicáveis.

E dessa alteração substancial de factos, assim definida, bem como da inversa


alteração não substancial retirou o CPP consequências importantes, em sede de instrução 99
e de julgamento100, numa perspectiva de respeito pelo princípio do acusatório e para
garantia da defesa e de um eficaz e leal contraditório.

Entenda-se, desde já, que por crime diverso não pretendeu o legislador significar
qualquer outro facto criminoso, ainda que a sua ligação ao da acusação ou pronúncia
resulte, apenas, de ser o mesmo o respectivo autor ou agente.

O crime diverso deve ser entendido no âmbito da teoria da identidade do objecto do


processo, identidade naturalística, ou incrimiminatória, ou de desaprovação social, ou
problemática, segundo os vários entendimentos dos autores, mas sempre uma identidade,
que há-de resultar da unidade dos factos segundo alguma perspectiva, algum elemento de
conexão101.

99
Art.303º
100
Art.358º e 359º
101
O tema do objecto do processo penal e da sua identidade não é um assunto fácil. Dedicaram-lhe estudos,
entre outros, Mário Tenreiro, em “Considerações sobre o objecto do processo penal”, na Revista da Ordem
dos Advogados, ano 47º, pag.997 e ss.; Eduardo Correia, em “Caso julgado e poderes de cognição do juiz”,
no livro A Teoria do Concurso em Direito Criminal”; Beleza dos Santos, na Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 64º, pag.17 e ss.; Castanheira Neves, em Sumários de Processo Penal, edição de 1968;
Figueiredo Dias, citado no aludido estudo de Mário Tenreiro

38
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Identidade quer dizer que o objecto do processo deve manter-se idêntico desde a
acusação ou pronúncia até à sentença final definitiva.

E ser idêntico ou o mesmo não é coincidir ponto por ponto, palavra por palavra,
facto por facto, ao longo das diversas fases do processo.

Ser idêntico ou o mesmo tem, naturalmente, um conteúdo normativo, ao serviço da


paz jurídica do cidadão perante as possíveis arremetidas fraccionadas ou parcelares do
tribunal.

Mas, quando é que se pode afirmar que os novos factos as novas circunstâncias são
simples modificação dos da acusação, não alteram a identidade do objecto do processo ou,
ao contrário, traduzem uma imputação completamente diferente? Que critério nos pode
elucidar na distinção?

Qual o critério, pois, da distinção entre alteração de factos (substancial ou não


substancial) e novos factos que formam um conjunto identitário diferente?

Aqui, entramos no cerne do problema da definição do objecto do processo, e do


critério da sua identidade, já que onde o juiz, nos factos novos a que alargou o seu
conhecimento, possa ver, ainda, a "luz" da acusação que lhe foi deduzida, poderá ele estar
certo de que se mantém no campo de conhecimento que lhe foi proposto pela mesma
acusação.

Onde, então, na cadeia ininterrupta dos acontecimentos sociais, em que se insere,


começa e acaba o caso levado ao conhecimento do juiz?

Onde acabam os factos, ainda que modificados, constantes da acusação, e começam


factos novos, a merecer uma imputação completamente distinta (ainda que, porventura, do
mesmo tipo), e, por isso, um processo diferente?

A resolução deste problema passa, por conseguinte, pelo estabelecimento das regras
que assegurem ou revelem a dita relação de identidade entre o facto ou os factos acusados
e aquele ou aqueles de que o juiz conheceu.

Identidade que, segundo Eduardo Correia, não deve ser estabelecida num plano
naturalístico, já que o facto criminoso é um acontecimento referido a valores, que aglutina
tantas vezes uma pluralidade (naturalisticamente falando) de acontecimentos.

39
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Segundo o ensino de Eduardo Correia, entram, aqui, em jogo os critérios de


distinção entre unidade e pluralidade de infracções, a que, no direito substantivo actual (CP
de 1982), se refere o art.30º, já que a unidade do objecto da acusação (que o mesmo é
dizer, do objecto do processo) não é outra coisa senão a expressão, a nível processual, da
teoria da unidade e pluralidade de infracções de direito substantivo.

Para Eduardo Correia, pois, o critério da identidade do objecto do processo é o


mesmo critério de identidade que a lei penal substantiva enuncia para a teoria do concurso
de normas incriminatórias, e expressa, a nível de direito positivo, no citado art.30° CP.

Onde, segundo o critério da unidade e pluralidade de infracções, a alteração de


factos não implicar uma nova imputação, ao lado da acusada, o objecto do processo
mantém-se idêntico.

Relevam as conhecidas definições de concurso real, concurso ideal e concurso


aparente de infracções, e, também, o conceito jurídico-criminal de crime continuado.

As relações de concurso aparente e de crime continuado unificam os diferentes


factos que as integram à volta do mesmo e único crime.

Assim, se a qualificação jurídica que a alteração dos factos implicar mantém, com a
da acusação, uma relação de concurso aparente, ou, se a nova ou as novas condutas
apuradas pelo juiz se integram numa relação de crime continuado com a ou as acusadas, o
juiz pode conhecer dos novos factos, pois não excede os limites do objecto do processo.

Mais, ainda: se a conduta naturalística não conta por si só, logo se concluirá, na
linha do mesmo pensamento, que, havendo unidade de resolução, as diversas vezes que a
conduta do agente tenha preenchido a previsão legal são unificáveis num só crime, numa
só censura jurídico-penal, todas elas fazendo, portanto, parte do objecto do processo, ainda
que não concretamente descritas na acusação.

A doutrina de Eduardo Correia acerca do critério da identidade do objecto do


processo não é, porém, incontestável, nem incontestada.

Recorrendo aos critérios substantivos da definição de unidade e pluralidade de


infracções para delimitar o objecto do processo, dá, deste, uma visão ou perspectiva
puramente normativa, que consagra na conhecida fórmula: o objecto do processo é "a
concreta e hipotética violação jurídico-criminal acusada".

40
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

"Concreta", porque historicamente situada; "hipotética" porque o seu verdadeiro


âmbito só de determina pelo dever de cognição do tribunal.

Na lógica desta concepção, todas as alterações da base de facto que não impliquem
uma proliferação de crimes, isto é, que não desviem o juiz da unidade criminosa em que os
factos da acusação se subsumiam (não esquecendo que as mudanças de qualificação que se
operem entre normas em relação de hierarquia são operações feitas adentro da mesma
unidade criminosa) não passam de lícitos desenvolvimentos do processo.

Um exemplo impressivo do que acaba de ser dito é o de uma acusação por furto
poder vir a desencadear uma punição por ofensas corporais, na exacta medida em que,
dadas as relações de consunção entre as normas que prevêem e punem o furto e o roubo, o
juiz deverá investigar se a subtracção acusada e qualificada como furto foi cometida por
violência física ou moral, podendo condenar pelo crime de ofensas corporais se, a final, se
não prova a subtracção, mas se apuram os actos de violência física que a acusação omitira.
Ponto é que a alteração, assim produzida, se situe historicamente dentro das coordenadas
espaço-temporais que lhe são assinaladas na acusação.

Por outro lado, a coerência com os referidos princípios obrigaria a que a mera
alteração da qualificação jurídica ficasse confinada à convolação entre normas
incriminatórias legalmente relacionadas umas com as outras (especialidade ou consunção).

Convolar para além dessa relação legal, ainda que sem qualquer alteração dos
factos, significaria sair do objecto do processo, em desrespeito do princípio do acusatório.

Razões importantes de economia processual justificariam, porém, segundo


E.Correia, que se aceitasse uma quebra dos princípios, e se reconhecesse toda a amplitude
convolatória, sempre que se tratasse de mera divergência de qualificação.

Mas, dizia atrás, a doutrina de Eduardo Correia não é a única que, na dogmática
portuguesa, versa o tema.

Para a doutrina naturalística, por exemplo, o objecto do processo é o acontecimento


histórico concreto, um conjunto de factos em que se insere a conduta do agente, cujo
elemento polarizador (a que os demais se ligam por uma relação de causalidade própria das
ciências da natureza), seria, também, um elemento naturalístico, como, por exemplo a
identidade da conduta do agente, o objecto ou direcção dela, o resultado, a intenção do
agente, ou outros;

41
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

todos os actos que o juiz possa causalmente aglutinar à volta daquele elemento
polarizador devem vir ao processo, e, deles, o juiz conhecer, mesmo que não acusados, e,
deles, o juiz extrair todas as ilações jurídicas.

Decorrente desta natureza puramente naturalística do objecto do processo emerge a


liberdade do julgador para lhe atribuir as qualificações jurídicas que a lei substantiva
possibilite, sem quaisquer limitações.

Figueiredo Dias102, por seu lado, dá, do objecto do processo e do critério da sua
identidade, uma outra noção, qual seja a de que o que importa averiguar no decurso do
processo é um recorte, um pedaço de vida, um conjunto de factos em conexão natural (mas
não naturalística), conjunto esse cujo polo de atracção (o tal elemento de conexão natural)
seria dado pelo mesmo juízo de desaprovação social.

Diferentemente da concepção naturalística, em Figueiredo Dias, o polarizador da


base de facto é, já, um elemento normativo: o tal e mesmo juízo de valoração social
subjacente à base de facto, juízo aquele que engloba, portanto, elementos normativos não
exclusivamente de matriz jurídica, mas também, moral, religiosa, ou outra.

Emergem desta unidade, assim entendida, todas as perspectivas jurídicas todas as


qualificações jurídico-criminais que a base factual do objecto do processo desencadeie.

Em Figueiredo Dias, a multiplicação ou alteração dos juízos de censura jurídico-


penais não extravasa dos limites do objecto do processo, desde que o alargamento ou
alteração da base factual que a proporcionou integre o mesmo juízo de desvalor social que
já reprovava os factos acusados.

Diferente é a doutrina de Castanheira Neves, o qual, partindo, embora, de uma base


de facto historicamente situada e não admitindo desligar-se dela (ao contrário do que,
como vimos, pode suceder na tese de Eduardo Correia), fixa os limites do objecto do
processo pela identidade que possa ser estabelecida entre um problema (o caso jurídico
concreto trazido ao processo pela acusação), com todas as soluções jurídicas que comporta
segundo os dados fornecidos pela mesma acusação, e a sua solução (no caso, a sentença
final).

102
Segundo a notícia que, do seu pensamento, nos dá Mário Tenreiro, em Considerações sobre o
Objecto do Processo Penal, na Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa (Dez.1987), p.997-1044

42
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Sempre que a solução do problema (a dita sentença) decorra do esclarecimento do


facto histórico relatado na acusação, à luz das normas incriminatórias de direito penal que
pertencem ao mesmo círculo de valores em que se enquadra aquela que problematicamente
foi indicada na acusação (círculos de valores aqueles que o autor, a título exemplificativo,
enumera como os pessoais, os patrimoniais, e os ético-sociais, e que parecem, pois,
corresponder à galeria dos cinco grandes títulos que compõem a parte especial do nosso
Código Penal), sempre que isso suceda, estará, ainda, o juiz no mesmo objecto do
processo.

Ao contrário da tese naturalística, o objecto do processo, para a doutrina defendida


por Castanheira Neves, não é constituído somente por uma questão de facto, mas integra,
também, e indissociavelmente com aquela, uma questão de direito, um elemento jurídico-
normativo.

O objecto do processo, para Castanheira Neves, será um problema posto ao juiz,


mais ou menos assim: que ressonância tem, na galeria de valores jurídico-criminais a que
pertence a norma jurídica que me parece ter sido violada, o acontecimento histórico X,
polarizado pela conduta da pessoa A?

Para a solução deste problema, de que a acusação constitui uma resposta provisória,
o juiz deverá investigar, para conhecer, todos os factos relacionados com a conduta
concreta do agente, ainda que não acusados, que permitam o esclarecimento do relevo
jurídico-criminal daquela conduta sob a perspectiva do círculo de valores em que se insere
a norma apontada na acusação como infringida.

Como em Eduardo Correia, e ao contrário da tese naturalística e da de Figueiredo


Dias, existe, aqui, um elemento jurídico - normativo específico.

Só que, em Eduardo Correia, o critério da identidade prescinde, até certo ponto,


como se viu, da realidade histórica acusada, já que o que interessa, para saber se o juiz, ao
convolar, se mantém nos limites da acusação, é saber se as alterações que introduziu na
base de facto suportam uma qualificação jurídica que esteja em relação de concurso
aparente (no dúplice aspecto, acima referido, da especialidade e da consunção) ou de
continuação criminosa com a acusada.

Numa análise crítica, ainda que breve, das teorias expostas, caberá dizer o seguinte:

43
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

à doutrina naturalística calhará mal, por exemplo, a integração no mesmo objecto


processual dos casos de continuação criminosa, ou, mesmo, alguns casos de simples
alterações nas circunstâncias de espaço, de tempo ou de modo em que o acusado crime
ocorreu;

à doutrina de Eduardo Correia não respondem bem as hipóteses de concurso ideal


(que este Mestre equipara, para efeitos substantivos, ao concurso real, e que, por isso,
extravasam dos limites do objecto do processo), e, também, aquelas em que as relações
entre as normas incriminatórias são de alternatividade (como, por exemplo, é o caso da
relação entre o furto e a receptação; furto e abuso de confiança, ou violação e estupro); à
tese de Eduardo Correia são, por último, completamente espúrias as hipóteses de concurso
real;

reconhecendo a falha do seu pensamento no que toca às hipótese de concurso ideal


e de alternatividade, Eduardo Correia, embora em quebra de unidade doutrinária, admite a
pertinência de tais relações entre normas ao objecto do processo, fazendo apelo a
princípios de economia processual;

seria mais uma concessão a tais princípios, a acrescentar à, já referida, liberdade de


alteração da qualificação jurídica dos factos acusados;

na tese de Figueiredo Dias, certos casos de alteração nas circunstâncias espaço-


temporais, ou na identidade do objecto do crime, poderão não ser indiferentes à
conservação da identidade do objecto do processo, desde que o juízo de avaliação social
que lhes subjaz se não mantenha;

nas hipóteses de relações de alternatividade entre normas, como seja entre furto e
abuso de confiança, a tese de Figueiredo Dias será, normalmente, favorável à possibilidade
de convolação, uma vez que o juiz não extravasa da mesma valoração social do facto, o
que, como vimos, não sucede na doutrina de Eduardo Correia, que, aí, tem de fazer apelo a
princípios (os de economia processual) totalmente estranhos aos por ele definidos como
critério para estabelecimento da identidade do objecto do processo;

já nos casos de concurso aparente, como seja, por exemplo, o que existe entre o
crime de dano e o de furto (e concurso aparente porque o dano pode ter consistido no
chamado "crime de aproveitamento", configurando-se como um "facto posterior não
punível" em relação ao furto) a situação será, normalmente, a inversa:

44
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

para a tese de Eduardo Correia, exclusivamente normativista, a convolação será


possível, devendo, pois, o juiz investigar se o dano acusado vem na sequência de um furto
efectuado pelo arguido, ou vice-versa;

para a doutrina de Figueiredo Dias, entre a realidade de facto subjacente às duas


incriminações não haverá, normalmente, uma identidade polarizada à volta do mesmo
juízo de valoração social; tratar-se-á, normalmente, de dois "recortes de realidade"
perfeitamente autónomos, sob o ponto de vista de desvalor social, e, portanto, sob a
perspectiva jurídico-processual;

finalmente, embora partindo de uma relação concreta da vida, como base da


delimitação do objecto do processo (o caso jurídico que, no dizer de Castanheira Neves,
constitui objecto do processo, parte, tal como em Figueiredo Dias, de uma conduta humana
histórico-concreta), partindo, embora, daquela base insubstituível, Castanheira Neves faz
apelo, como se viu, a critérios de juridicidade, a princípios normativos, embora mais
elásticos que os propugnados por Eduardo Correia, o que, a meu ver, redundará, em
concreto, num estreitamento do âmbito do objecto do processo, quando posto em confronto
com o critério de Figueiredo Dias, que exclui da sua definição qualquer referência
autónoma a princípios jurídicos de natureza substantiva;

e isto, fundamentalmente, porque a integração do elemento jurídico substantivo no


conceito de objecto de processo situa este no interior de limites (os tais círculos de valores
pessoais, patrimoniais, ético-pessoais, e outros) que se não ultrapassam ou rompem sem
natural quebra da identidade do problema acusatório.

Mas este é o pensamento dos autores.

A lei, por seu lado, não dá o critério da identidade, pelos menos não o dá de uma
forma tão precisa e clara quanto seria necessário para que o intérprete pudesse acabar a sua
tarefa com a convicção de ter descoberto a mens legislatoris, o pensamento do legislador.

Terá o legislador feito de propósito, entregando esse labor à doutrina e à


jurisprudência, tendo em conta a diversidade de teorias a tal respeito sem que haja alguma
que se tenha, até agora, afirmado como predominante ou suficientemente consensual.

Em todo o caso, é possível retirar do conjunto dos art.1º, al. f, 303º, 339º, nº4, 358º
e 359º algumas conclusões sobre o pensamento do legislativo a tal respeito.

45
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

A primeira já foi adiantada e será a de que alteração de factos, substancial ou não


substancial, é operação que se faz no interior do mesmo objecto do processo.

A segunda será a de que, não resolvendo a inevitável dúvida sobre o que distingue
mera alteração de factos de factos novos, merecedores de autónoma acção penal103, foi o
legislador suficientemente claro na opção por um conceito de objecto de processo enquanto
mera questão de facto.

O CPP demitiu-se de fornecer o critério da identidade do objecto do processo, mas


não de excluir do seu núcleo a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na
pronúncia.

A mera alteração da qualificação jurídica é, pois, compatível com a conservação da


identidade do objecto do processo.

Mas, como se compreenderá, a liberdade de qualificação jurídica, consequência de


esta não pertencer ao objecto do processo, torna mais premente e mais necessária a
adopção de um critério de identidade dos factos, pois a vinculação do tribunal à
qualificação jurídica da acusação ou da pronúncia, ou, ao menos, ao critério de valoração
dos factos que aquela qualificação indica, permitiria definir, desde logo, as fronteiras da
identidade.

A terceira conclusão será a de que, ao falar de alteração de factos e não de factos


novos, suporte de novos crimes, quaisquer que eles sejam, o legislador pretendeu limitar o
poder cognitivo do tribunal aos elementos de facto que, numa perspectiva substantiva, isto
é, de qualificação jurídica, constituem, com os da acusação ou pronúncia, o mesmo crime
ou crime diferente, mas não um crime para cuja verificação os factos primitivos não têm
qualquer relevo, qualquer interesse.

A quarta conclusão é a de que o suporte da alteração de factos é o evento


naturalístico, a conduta historicamente situada que foi descrita na acusação ou na
pronúncia; a substituição (e não a simples alteração) deste evento implica sair fora do
objecto do processo.

Como facilmente se verá, fica sem solução, porque o legislador não dá, como disse,
qualquer indicação ou sugestão nesse sentido, a questão porventura mais importante: a de
saber que nexo, que relação, que afinidade deve existir entre os novos elementos de facto

103
O CPP de 1929 dedicava a estes factos novos uma disposição própria – art.444º

46
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

conhecidos pelo tribunal e os constantes da acusação ou pronúncia para que, dentro da


fronteira referida, se possa concluir que aqueles implicam uma mera alteração dos
primeiros e não uma inovação da matéria de facto, em termos de suportar uma
incriminação totalmente inesperada.

Aqui, sobre a rigidez teórica das doutrinas, deverá pairar o prudente critério do juiz,
cujo bom senso lhe dirá onde acaba a simples "alteração dos factos", a considerar à luz dos
art.358º e 359º, e principiam os "factos novos", merecedores, sempre, de processo aparte.

Em todo o caso, ter a ajuda de um elemento polarizador não deixa de ser um


valioso teste para avaliar o acerto do critério meramente prudencial.

Será, então, caso de, com as doutrinas naturalísticas, deitar mão de elementos como
o da identidade, ou da conduta do agente, ou do objecto ou direcção dela, ou do resultado,
ou da intenção do agente; todos os actos que o juiz possa causalmente aglutinar à volta de
algum daqueles elementos polarizadores devem vir ao processo, e, deles, o juiz conhecer,
mesmo que não acusados (princípio da indivisibilidade), e, deles, o juiz extrair todas as
ilações jurídicas.

Será, também, o caso de, com as doutrinas que encaram o objecto do processo
como “questão de facto”, procurar o elemento de conexão na identidade do juízo de
reprovação social (não simplesmente jurídica) que incide sobre os factos da acusação ou
pronúncia e aqueles que foram conhecidos de novo pelo tribunal.

Todos os factos conhecidos supervenientemente à acusação ou à pronúncia que,


com os daquelas peças, sejam reportáveis ao mesmo elemento polarizador, ao mesmo juízo
de reprovação social, serão factos a que o tribunal pode e deve (princípio da
indivisibilidade) estender o seu poder de cognição e, deles, em conjunto, extrair todas as
consequências ou soluções jurídicas pertinentes.

Todos os factos conhecidos ou não conhecidos supervenientemente à acusação ou à


pronúncia que, com os daquelas peças, formem uma identidade no sentido referido, e de
que o tribunal, por qualquer razão, não conheça, ficam abrangidos pela proibição do ne bis
in idem, pela garantia prescrita no art.29º, nº5, CRP.

De todos esses factos, não só os que foram objecto de julgamento como, também,
os que o não foram, fica o respectivo agente quite com a sociedade e o Estado, em

47
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

homenagem aos aludidos princípios da indivisibilidade do objecto do processo e da


consunção.

A distinção entre alteração substancial e alteração não substancial de factos

Mas, a lei, como já foi dito, distingue, ainda, entre alteração substancial e
alteração não substancial de factos.

Qualquer delas, no entanto, sem quebra da identidade do objecto do processo.

Alteração substancial de factos é, nos termos da lei, a alteração de factos que tenha
“por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites
máximos da sanções aplicáveis”.

Crime diverso, dada a noção de crime que consta do art.1º, al. a, não é o mesmo que
tipo legal diverso.

Há necessidade de entrar em linha de conta com os critérios substantivos sobre a


unidade e pluralidade de infracções, designadamente, as noções legais que constam do
art.30º, CP, e toda a doutrina jurídica que lhes subjaz, tendo em atenção, nomeadamente,
que o nº1, daquele normativo, prescreve que à pluralidade de violação de tipos legais só
corresponde igual pluralidade criminosa se aquela violação tiver sido efectiva.

Relevam as conhecidas definições de concurso real, concurso ideal e concurso


aparente de infracções, e, também, o conceito jurídico-criminal de crime continuado.

As relações de concurso aparente e de crime continuado unificam os diferentes


factos que as integram à volta do mesmo e único crime.

Além disso, havendo unidade de resolução, as diversas vezes que a conduta do


agente tenha preenchido a previsão legal são unificáveis num só crime, numa só censura
jurídico-penal.

Dentro do concurso aparente, é possível destacar os seguintes tipos fundamentais


de relações entre normas incriminatórias, relações que são de hierarquia, pois onde a de
grau superior se verifica desaparecerá a de grau inferior:

a) Especialidade

48
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

É, dentro do Código Penal, o caso dos art.132º e 133º relativamente ao art.131º;


dos art.144° a 147°, relativamente ao art.143°; do artigo 155°, em relação ao 154°; do
nº3, do art.190º relativamente ao nº1; do art.204º relativamente ao art.203º.

Trata-se de tipos legais de crimes que contêm os mesmos elementos de facto ou


normativos, e que se diferenciam entre si pela presença, num deles, de algum ou alguns
elementos especializadores, que qualificam ou privilegiam o tipo.

b) Consunção

Dá-se quando entre dois tipos legais de crime se estabelece uma relação de mais e
menos; os bens jurídicos protegidos por ambos os tipos sobrepõem-se, formando como que
dois círculos concêntricos, de áreas diferentes.

É o caso da relação entre crimes de perigo e crimes de dano; entre o crime de


homicídio e o de ofensas corporais; entre o crime de fogo posto e o crime de dano; entre o
crime formal e o tipo legal que prevê e pune a actividade que materializa o resultado
formalmente havido como consumado no primeiro crime (o formal).

Por outro lado, a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis
compreende todas as circunstâncias que agravem o limite máximo da pena aplicável ao
crime, como sejam os casos da tendência criminosa, do alcoolismo ou situações
equiparadas (art.83º e ss., CP) e, também, o elemento que distingue e agrava os tipos
dentro das relações de especialidade, as chamadas circunstâncias qualificativas, ou, no
âmbito do crime continuado ou da pluralidade de acções unificadas pela mesma resolução,
o elemento que agrava o limite máximo da moldura penal, qualificando o tipo.

Por contraposição, alteração não substancial de factos será aquela que, sem fugir
do objecto do processo, sem quebra da identidade do facto constante da acusação ou da
pronúncia, não tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a
agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Não haverá, porém, nem alteração de factos nem alteração da qualificação


jurídica se se provarem menos factos (mas, em todo o caso, só factos constantes da
acusação), e tal conjunto factual menor constituir, ainda, crime, embora menos grave104.
104
P. ex., não prova dos factos que distinguem a previsão mais grave nas relações de concurso aparente -
especialidade e consunção - como, por exemplo, a da intenção de matar, no crime de homicídio, ou a da
premeditação, no crime de homicídio qualificado, casos em que ficam "de pé" as imputações por ofensas

49
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O regime dos art.358º e 359º

Os art.358º e 359º respeitam aos casos de alteração de factos, dentro do mesmo


objecto do processo.

Os factos novos, constituintes de uma nova identidade jurídico-criminal, de um


novo crime, não interferem com o processo, devendo ser objecto de simples denúncia ou
participação, nos termos gerais (art.242º).

Não basta, porém, qualquer alteração não substancial de factos para desencadear o
procedimento previsto no artº358º, 1 e 2. É necessário que ela tenha relevo para a decisão
da causa, relevo esse que, no entanto, poderá derivar, tão só, do prejuízo para o exercício
do contraditório que a alteração possa implicar.

Para a alteração não substancial de factos são menores, como é natural, as


exigências do legislador em relação ao exercício do contraditório.

Se a alteração não derivar dos factos alegados em contestação 105, o juiz presidente
comunica oficiosamente ou a requerimento a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o
requerer, o tempo estritamente necessário para preparar a defesa (art.358º, 1 e 2).

O mesmo regime se aplica à mera alteração de qualificação jurídica, quer para


crime mais grave, quer para crime menos grave.

Tratando-se de alteração substancial de factos (art.359º), ela pode ser tomada em


conta no processo se o MºPº, o arguido e o assistente 106 estiverem de acordo com a
continuação do julgamento pelos novos factos107.

Dando-se este acordo, o juiz presidente concede ao arguido, a seu pedido, prazo não
superior a 10 dias para preparar nova defesa, com adiamento da audiência, se necessário.

Não havendo acordo, a alteração não pode ser tomada em conta para efeitos de
condenação, no processo. Nem implica a extinção da instância (acrescentou a nova
redacção do nº1, do art.359º.108

corporais voluntárias e por homicídio simples, respectivamente


105
Pois, neste caso, não há razões para o desencadear do incidente
106
A lei deixa de fora as partes civis
107
Salvo se estes determinarem a incompetência do tribunal (p. ex., se o julgamento for perante o juiz
singular e a alteração respeitar a crime para cujo julgamento é competente o tribunal colectivo)
108
Na reforma da lei 48/2007

50
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O juiz presidente limita-se a comunicá-la ao MºPº, e isso vale como denúncia, para
efeitos de procedimento criminal pelos novos factos (nº2).

E, entretanto, o que fazer do processo em curso?

Já se entendeu, no domínio da vigência da anterior versão do Código, que, em tal


caso, se deveria extrair certidão do processado pertinente, para ser entregue ao MºPº, com
o consequente arquivamento da instância inicial109.

Essa solução foi definitivamente afastada pela nova redacção do preceito: a


alteração substancial de factos não “implica a extinção da instância”

Restam duas soluções possíveis, também já ensaiadas pelo Supremo. 28.01.93, e


outra de, o Supremo Tribunal de Justiça deu três diferentes soluções ao problema.

Uma, que foi a primeira 110, segundo a qual o julgamento pelos factos da acusação
ou pronúncia deve ir até final, sem prejuízo da denúncia ao MºPº pelos novos factos
conhecidos em audiência111.

Outra, mais recente112, nos termos da qual se justificava a suspensão da instância,


enquanto o processo regressava à fase do inquérito, sem extinção da instância inicial,
portanto.

Já defendi que, das três soluções, a mais segura e mais consentânea com o sistema
acusatório seria a primeira113

Repensando o problema, sou levado a reformular o meu anterior juízo.

Com efeito, a alteração substancial de factos não é nada de estranho ao inicial


objecto do processo; os especiais cuidados com a sua introdução na lide relevam, apenas,
de uma preocupação com a plenitude do exercício do direito de defesa e com o eficaz
contraditório.

Por outro lado, há que ter em conta as razões de economia processual,


aconselhando o aproveitamento, tanto quanto possível, do processado. Nestes termos,
tendo, hoje, a considerar que a boa solução, aquela que quer do ponto de vista teórico, quer

109
Ac. STJ de 17.12.97, em CJSTJ, T3, pag.257
110
Na CJSTJ, T1, pag.178, acórdão de 28.11.90
111
Assim o entendi, também, no meu estudo Convolações, publicado na CJSTJ, Ano II, T3, pag.14 e ss,; cfr.,
especificamente, fls.26
112
Ac. de 28.01.93, na CJ, T5, pag.12
113
No meu estudo Convolações (CJSTJ, Ano II, T3, pag.14 e ss.).

51
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

numa perspectiva prática, se me afigura como a mais apropriada, está na do acórdão de


28.01.93 (a segunda).

A fundamentação do acórdão é que me parece ser algo imprecisa, valendo mais, a


meu ver, a que, para o mesmo efeito prático, propõe o Prof. Germano Marques da Silva 114:
a impossibilidade de prosseguir, por efeito da alteração substancial de factos constitui uma
excepção inominada que determina que o processo seja reenviado para a fase de inquérito,
para que, mais bem investigado, a acusação venha a ser modificada em conformidade, se
for o caso.

A preocupação do legislador da reforma de 2007 em precaver a circunstância de os


factos novos serem “autonomizáveis em relação ao objecto do processo”, para, só nesta
circunstância, a comunicação ao MºPº valer como denúncia para efeitos de procedimento
criminal (no caso de não haver acordo sobre o prosseguimento do processo pelos novos
factos), é pouco clara, pois que, na verdade, se, com autonomizáveis, se pretende exprimir
a ideia de estranhos, eles, por definição, só em outro processo podem ser tidos em conta,
porque nada têm a ver com a alteração de factos, substancial ou não substancial, que está
na base da disciplina dos art.358º e 359º

Exemplos vários de alteração substancial e não substancial de factos

Interessa, agora, estremar os campos das duas espécies de alteração de factos, à luz
de toda a teoria do concurso de crimes e da unidade ou pluralidade de infracções.

Antes de o fazer, interessa relembrar três coisas:

a) alteração de factos só é atendível desde que não altere a identidade


do objecto do processo;

b) alteração de factos é coisa diferente de alteração da qualificação


jurídica; esta, todavia, tem o mesmo tratamento legal que o da alteração não
substancial de factos;

c) alteração de factos não é o mesmo que prova de menos factos do


que os constantes da acusação e pronúncia; se esta factualidade menor ainda
constituir crime, isso não implica, por outro lado, alteração de qualificação
jurídica, visto que se trata de tipo legal hierarquicamente inferior ao da acusação ou
114
Curso de Processo Penal, vol III, p.281

52
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

da pronúncia, cuja indicação estava, apenas, encoberta pela do tipo


hierarquicamente superior. Relembro, a propósito, que o artº1º, 1, f), fala de crime
diverso e não de diverso tipo de ilícito.

Feitas estas precisões, importa, então, distinguir, através de exemplos vários, os


campos dos dois tipos de alteração de factos.

O artigo 358º aplica-se aos casos de alteração simples, alteração não substancial,
que é aquela que não implica imputação de um crime diverso, nem agravação dos limites
máximos das sanções aplicáveis.

Exemplos:

- alteração nos elementos espaço-temporais (dia, hora, local), no modo


de execução, no instrumento ou no objecto do crime (desde que, neste último caso,
a mudança de valor não implique a passagem de crime simples para o qualificado,
caso em que se tratará de alteração substancial); nos referidos casos, a aplicação do
art.358º depende, ainda, de a alteração interferir com o leal contraditório115;

- conhecimento, em audiência, de novas condutas integradas, com as


acusadas, na mesma unidade de resolução, e, portanto, no mesmo crime (desde que
a "nova" conduta não qualifique o crime, alterando-lhe o limite máximo da sanção);

- conhecimento, em audiência, de novas condutas criminosas


integradas num crime continuado com as da acusação (desde que a moldura penal
que lhes cabe, como condutas isoladas, não seja mais grave, no sentido da alínea f),
do art.1º, do que a que caberia à mais grave das já constantes da acusação);

- conhecimento, em audiência, de factos diferentes dos acusados e que


integrem crime consumido (em concurso aparente) pelo da acusação (a que
corresponde pena de mais alto limite máximo)116;

- subida de grau no elemento ético-psicológico doloso ou negligente


do crime (dolo eventual para o necessário, ou deste para o directo; negligência
inconsciente para a consciente)117;

115
Sobre uma alteração do modus operandi e a sua influência no leal contraditório, cf. o ac. TC nº647/99, de
15.12.99, DR 2ª série, de 25.02.2000
116
Cfr. o exemplo dado por Eduardo Correia, na monumental obra “A Teoria do Concurso em Direito
Criminal”, ed. de 1963, pag.137-138 (relação entre crime formal e crime material)
117
Esta subida de grau não implica, em todo o caso, agravação do limite máximo da sanção aplicável

53
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- alteração na forma de participação do agente (art.26º ss.) que não


implique modificação do limite máximo da pena ou penas aplicáveis (modificação
da forma de autoria, ou desta para a cumplicidade).

O art.359º aplica-se aos casos de alteração substancial:

- conhecimento, em audiência, de novos factos que impliquem


incriminação diversa da indicada na acusação, quer de maior, quer de menor
gravidade;

exemplo: convolação do crime de furto para o de receptação;

- conhecimento, em audiência, de elementos que constituem


circunstâncias qualificativas do crime e lhe agravam o limite máximo da sanção;

exemplo: convolação de homicídio simples para o qualificado, por se


ter averiguado, v.g., a premeditação, não descrita na acusação;

- conhecimento, em audiência, de factos novos que, juntos aos da


acusação, integrem o tipo legal mais abrangente (e, portanto, crime diferente),
dentro das relações de consunção;

exemplo: convolação de furto para roubo, ou das ofensas corporais


para o homicídio;

- conhecimento, em audiência, de novas condutas criminosas


integradas, com as da acusação, num crime continuado, e a que, isoladamente
consideradas, corresponda pena de limite máximo maior que a que corresponderia
às da acusação;

- conhecimento, em audiência, de novas condutas unificáveis


criminalmente às relatadas na acusação pela mesma resolução criminosa, mas que
contribuam para elevar o limite máximo das sanções aplicáveis;

exemplo: objecto não indicado na acusação, também furtado no


mesmo local, dia e hora, e que, ao contrário dos demais, tem valor
consideravelmente elevado obrigando a convolar do furto simples para o
furto qualificado;

- subida de grau no elemento ético-psicológico do crime (negligência


para dolo) em que a moldura penal se agrave nos seus limites máximos;

54
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- alteração na forma de participação do agente (art.26º ss.) que


implique modificação do limite máximo da pena ou penas aplicáveis;

exemplo: da cumplicidade para qualquer das formas de autoria.

Alegações orais – art.360º

Finda a produção da prova, o presidente dá a palavra sucessivamente, ao MºPº, ao


advogado do assistente, ao advogado das partes civis e, finalmente, ao defensor, para
alegações orais sobre as conclusões de facto e de direito, com direito a réplica.

Excepcionalmente, se, durante as alegações se suscitar o interesse na produção de


algum meio de prova até aí não considerado, o tribunal pode suspender o acto e mandar
proceder em conformidade.

Últimas declarações do arguido – art.361º

Antes de declarar encerrada a audiência, para deliberar, o juiz presidente dá, pela
última vez, a palavra ao arguido. É a garantia do direito de audiência levada até ao limite
(art.61º, nº1, al. b).

Documentação da audiência – art.362º a 364º

A audiência fica documentada em acta (cf. art.362º e 99º, 2).

A acta deve conter os elementos referidos naquele art.362º e, também, no artº99º, 3,


e obedece, no mais, aos requisitos previstos para os actos escritos118.

Em matéria de documentação das declarações orais prestadas em audiência, a


reforma de 2007 culminou um evolutivo, timidamente ensaiado na primitiva versão do

118
Cfr. art.94º e 95º

55
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Código e que, entretanto, sofrera um forte avanço com a reforma processual de 1998 (Lei
59/98, de 25/08)119.

Na verdade, face á actual redacção dos art.363º e 364º, as declarações orais


prestadas em audiência, seja qual for a forma de processo e seja qual for a estrutura do
tribunal, são sempre documentadas, preferencialmente através de meios magnetofónicos ou
audiovisuais.

A evolução da lei, neste campo, foi paralela da progressiva dotação dos tribunais
com os meios que a tecnologia põe, nos dias de hoje, ao dispor do homem, e esse era um
programa que já estava projectado na primitiva versão do art.363º, onde expressamente se

119
Escrevia assim, no domínio de vigência da anterior versão do CPP:
“O princípio geral em matéria de documentação das declarações orais prestadas em audiência é o de que tais
declarações “são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou
estenográficos, ou de outros meios tecnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como
nos casos em que a lei expressamente o impuser” (art.363º).
Já o artº364º, cuja epígrafe é audiência perante tribunal singular ou na ausência do arguido, dispõe que “as
declarações prestadas oralmente em audiência que decorrer perante tribunal singular são documentadas na
acta, salvo se, até ao início das declarações do arguido previstas no art.343º, o MºPº, o defensor ou o
advogado do assistente declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação.”.
Esta é uma disposição que também se aplica, na parte que interessa, às partes civis, no tocante ao pedido
cível (nº2, do citado art.364).
O nº3, do mesmo artigo impõe a documentação na acta das declarações prestadas oralmente, na audiência
realizada na ausência do arguido, nos casos, já vistos atrás, em que ela é admissível ?.
Esta imposição significa que, nestes casos, não vale o acordo unânime a que se refere o nº1.
O nº4 determina que, se não estiverem à disposição do tribunal meios tecnicos idóneos à reprodução integral
das declarações, o juiz dita para a acta
o que resultar das declarações prestadas, por meio de súmula, nos termos do art.100º, 2 e 3.
Da conjugação das normas dos art.363º e 364º resulta que a falta dos mencionados meios tecnicos, não
implica, regra geral, que as declarações fiquem documentadas em acta, mediante o que for ditado pelo juiz.
Essa falta implica aquele tipo de documentação apenas quando a audiência decorre perante o tribunal
singular e não houve dispensa de documentação ou quando a audiência se realiza na ausência do arguido.
Acontece que, face às alterações que a Lei 59/98, de 25/08, introduziu no regime dos recursos, com a
introdução, em pleno de uma segunda instância em matéria de facto (os tribunais da relação) ?, põe-se a
questão de saber o que acontece se, na circunstância, faltam os ditos meios tecnicos e não se trata de
nenhuma das situações previstas no art.364º: julgamento perante juiz singular, ou julgamento na ausência do
arguido.
Ficarão os sujeitos processuais inibidos de recorrer em matéria de facto?
É óbvio que não.
O tribunal tem de garantir o direito ao recurso, dotando-se dos meios necessários e adequados ao registo
integral da prova?.
E só em casos de absoluta impossibilidade de recurso a outro meio é que será admissível o expediente de
ditar para a acta as declarações oralmente prestadas, a exemplo do que prescreve o nº4, do artº364º?.
As declarações podem estar registadas, p. ex., em fita magnetofónica ou audiovisual, apensa aos autos, com a
simples menção, na acta, da abertura e fecho dos registos (art.101º, 3).
O AUJ nº2/03, publicado no DR 1-A, de 30/01/03, que versa, precisamente, sobre a transcrição das
declarações, para efeitos de recurso, diz: “Sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre a
matéria de facto, em conformidade com o disposto nos nº3 e 4, do art.412º, CPP, a transcrição ali referida
incumbe ao tribunal”.
Trata-se de uma transcrição para efeitos de recurso, como se vê, e não uma documentação na acta de
audiência, acta que, nessa altura, já tem que estar feita.”

56
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

prescrevia que as “declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na


acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de
outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas…”.

Sentença – art.365º

A deliberação sobre o mérito da acusação será dada em acto seguido ao fecho da


audiência, salvo caso de absoluta impossibilidade (art.365º).

A elaboração da sentença é antecedida de duas fases de deliberação.

A primeira, destinada à questão da culpabilidade (art.368º).

A segunda, à qual só se passa no caso de o tribunal concluir pela culpabilidade,


destinada à determinação da sanção (art.371º).

O juiz presidente dirige a discussão e a votação.

Na deliberação, participam todos os juízes e jurados120 que constituem o tribunal.

A votação é discriminada por questão, e as deliberações são tomadas por maioria


simples.

Cada juiz e jurado (tratando-se do tribunal do júri) dá as razões do seu voto e,


tratando-se de deliberação sobre a matéria de facto, indica, sempre que possível, os meios
de prova que serviram para a formação da sua convicção.

Não é admissível abstenção, ainda que o sentido do voto individual sobre


determinada questão prejudique, na optica do juiz ou jurado que o exprimiu, a pronúncia
sobre a questão subsequente.

A ordem da votação é a seguinte: no tribunal colectivo, os juízes votam por ordem


crescente de antiguidade121, e o presidente em último lugar, mesmo que não seja o mais
antigo; no tribunal do júri, a votação começa pelos jurados, e por ordem crescente de idade,
continuando-se pelos juízes, segundo a ordem antes indicada.

Os participantes na deliberação e votação estão vinculados pelo segredo, sob pena


de responsabilidade criminal (art.367º - 1).
120
Jurados apenas se tiver sido requerida a intervenção do júri, nos casos em que esta intervenção é
admissível
121
O conceito de antiguidade corresponde, grosso modo, ao tempo de serviço na profissão (cf. art.72º e ss.,
EMJ)

57
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Como disse, a deliberação tem dois momentos ou fases, por esta ordem: a
determinação da culpabilidade e a determinação da sanção.

Mas, antes de tudo, o tribunal deve debruçar-se sobre as questões prévias ou


incidentais sobre que não tenha havido, ainda, decisão em concreto nas fases anteriores do
processo.

Como se viu, são vários os momentos do processo em que o tribunal é convocado a


reflectir sobre a existência de obstáculos, de direito substantivo ou de direito processual, ao
conhecimento do mérito, do fundo da questão colocada pela acusação ou pelo despacho de
pronúncia.

Esta é a derradeira oportunidade de o fazer.

Em seguida, então, entra na questão da culpabilidade (primeira fase da


deliberação), deliberando e votando sobre os factos, discriminada e especificadamente
indicados pelo presidente, primeiro os alegados pela acusação, em seguida os alegados pela
defesa, e, por último, os resultantes da discussão da causa.

A indicação dos factos resultantes da discussão da causa deve conciliar-se com o


regime de alteração de factos a que se reportam os art.358º e 359º.

Os factos, assim enunciados e apresentados pelo presidente, são os relevantes para


as questões de saber:

- se se verificaram os elementos constitutivos do crime;

- se o arguido o praticou ou nele participou;

- se o arguido actuou com culpa;

- se se verificou alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa;

- se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender


a punibilidade do arguido ou a aplicação a este de uma medida de segurança;

- se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da


indemnização civil.

A indicação dos factos a submeter à deliberação do colectivo ou do júri é feita nesta


fase e não em audiência.

58
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Feita a votação sobre os factos, o juiz presidente enumera, então, as questões de


direito que eles suscitam, na perspectiva da acusação e da defesa, submetendo-as a
deliberação e votação segundo uma ordem lógico-jurídica.

Se houver que ser aplicada pena ou medida de segurança, passa-se, então, à


segunda fase da deliberação.

O juiz presidente lê ou manda ler toda a documentação dos autos relativa aos
antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade, se a houver, e ao
relatório social (art.369º - 1).

O relatório social não constitui uma peça obrigatória do processo, mas pode ser
oportunamente requisitado pelo tribunal122, na fase do julgamento, ou ser oficiosamente
remetido pelos serviços de reinserção social, quando o acompanhamento do arguido o
aconselhar.

A sua falta pode, porém, produzir nulidade de sentença, nos termos dos art.374º - 2
e 379º - 1, a), se houver insuficiência de factos para a decisão e se essa insuficiência
respeitar a matéria de relatório social, de acordo com o disposto no artº1º - 1, g).

Em seguida, o juiz presidente pergunta (ao colectivo de juízes ou de juízes e


jurados) se há necessidade de produção de prova suplementar para determinação da espécie
e medida da sanção a aplicar (artº369º - 1).

Se a resposta for positiva (isto é, se a maioria votar pela necessidade de prova


suplementar), a audiência deverá ser reaberta, com aquela finalidade, mas, em princípio,
com exclusão da publicidade.

Trata-se de uma averiguação e discussão sobre a personalidade e as condições de


vida de uma pessoa (o arguido) e isso implica com o seu direito à reserva sobre tais
aspectos. Por isso, a exclusão da publicidade, que o juiz poderá, no entanto, dispensar se
concluir que ela (publicidade) não prejudica a dignidade do arguido.

São ouvidos, sempre que necessário e possível, o perito criminológico e o técnico


de reinserção social e são inquiridas as pessoas arroladas para depor sobre a personalidade
e as condições de vida do arguido.

O relatório social e a informação, que haja, dos serviços de reinserção social só


serão lidos em audiência, e só nesta fase da audiência, a requerimento.
122
Um primeiro relatório ou uma actualização

59
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O relatório social e a informação, referidos, não constituem prova pericial, com o


valor probatório proclamado no art.163º. Eles estão, como a generalidade dos demais
elementos de prova, sujeitos á livre apreciação do juiz123.

Finda a produção da prova, segue-se mais uma sessão de debates, em que o MºPº, o
advogado do assistente e o defensor podem alegar, por uma só vez, durante vinte minutos
cada um.

Encerrada definitivamente a audiência, ou, se a deliberação a respeito da


necessidade de reabertura tiver sido negativa (por ser suficientemente elucidativa a
documentação existente no processo acerca da personalidade e condições de vida do
arguido), o tribunal delibera e vota sobre a sanção concreta a aplicar, começando,
naturalmente, pelos factos que, nessa perspectiva, o presidente submeta a deliberação e
votação.

Se se manifestarem mais de duas opiniões acerca da medida da sanção, os votos


favoráveis à sanção de maior gravidade somam-se aos favoráveis à sanção de gravidade
imediatamente inferior, até se obter a maioria simples indispensável.

A regra para obtenção da maioria, em tais casos, é, pois, a de eliminar,


sucessivamente, as penas de maior gravidade e adicionar os respectivos votos à pena
imediatamente inferior, até se obter uma maioria simples.

É o juiz presidente que elabora a sentença, ele ou o juiz mais antigo dos que
fizerem vencimento, caso o presidente fique vencido.

Na verdade, ao contrário do que sucede quanto aos jurados, os juízes que fiquem
vencidos podem expressar o seu voto e devem fazê-lo com indicação precisa das razões da
sua discordância.

Isto é, nos termos do art.367º, os participantes na deliberação e votação, ressalvada


a hipótese atrás referida, não podem revelar nada do que se passou durante ela, nem
exprimir, oralmente ou por escrito, no acto ou fora dele, a sua opinião sobre a deliberação
tomada.

Os requisitos da sentença constam do art.374º.

Estruturalmente, divide-se em três partes: relatório, fundamentação e dispositivo.

123
Cf., neste sentido, o ac. STJ de 14.04.99, CJSTJ VII, t 2, p.174

60
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

O relatório descreve o essencial do processo a partir da acusação e contém:

- as indicações tendentes à identificação do arguido, do assistente e


das partes civis;

- a indicação do crime ou dos crimes imputados;

- a indicação sumária das conclusões da contestação (o que não pode


ser feito pela simples remissão para os termos do documento);

o emprego da fórmula tendencial no que respeita à identificação de arguido,


assistente e parte civil (“as indicações tendentes à identificação do arguido….”) pretende
abranger situações em que a identificação pela maneira clássica e formal não é possível.

A fundamentação deve conter:

- enumeração dos factos provados124;

- enumeração dos factos não provados;

- exposição completa mas concisa dos motivos, de facto e de direito,


que fundamentam a decisão, reforçada pela indicação e exame crítico das provas
que serviram a formar a convicção do tribunal.

A enumeração dos factos provados e não provados deve ser de tal modo que não
deixe dúvidas a ninguém de que o tribunal se debruçou sobre todos e cada um deles125.

A motivação de facto e de direito é constituída pelo trabalho de harmonização


lógica e cronológica dos factos, de formulação de juízos de valor sobre eles (os juízos de
valor que fazem parte da previsão da norma incriminatória 126), e, finalmente, pelo trabalho
de enquadramento jurídico de todo esse material.

A indicação e exame crítico das provas não se basta, por outro lado, com a
indicação dos meios de prova considerados relevantes para o convencimento, sendo

124
Cfr. ac. STJ de 26.09.90, no BMJ 399º/432. “O artº374º, 2,CPP impõe que na sentença se enumerem
pormenorizadamente os factos provados, sendo incorrecto proceder a remissões”.
No ac. Rel. Coimbra, de 16.10.97, na CJ,T5, pag.45, diz-se que: “A imposição constante do artº374º, 2, de
enumeração dos factos provados e não provados só se satisfaz com a relacionação ou narração minuciosa,
isto é, um a um, dos factos provados e não provados”
125
Cf., neste sentido, o ac. STJ de 31.01.96, CJSTJ IV, t 1, p.195; será inócua, porém, a falta de pronúncia
sobre um facto que se venha a revelar juridicamente indiferente
126
Considere-se, a título de exemplo, a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o nº1, do
art.132º, CP

61
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

necessário dar a conhecer, embora sucintamente, o processo de formação da convicção dos


juízes e jurados, a partir dos meios de prova tidos por relevantes127.

O exame crítico das provas deve dar a conhecer o processo racional que levou os
juízes ao convencimento, o que terá de ser feito, no que toca à prova testemunhal ou por
declarações, a partir da razão de ciência da testemunha ou declarante 128, com o acrescento
das circunstâncias que reforcem a credibilidade das declarações.

“O exame crítico da prova exige a indicação dos meios de prova que serviram para
formar a convicção e dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios
lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se
formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de
prova apresentados em audiência”129.

Nada obsta, por outro lado, a que essa tarefa seja realizada por referência a
conjuntos factuais homogéneos, sem necessidade, pois, de uma artificial divisão, facto por
facto.

Finalmente, o dispositivo contém (art.374º - 3 e 4):

- as disposições legais aplicáveis;

- a decisão condenatória ou absolutória;

- o destino a dar às coisas ou objectos relacionados com o crime;

- a ordem de remessa de boletins ao registo criminal;

127
O ac. TC nº680/98, de 02.12.98, no DR 2ª série, de 05.03.99, julgou inconstitucional a norma do nº2, do
artº.374, CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta
com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do
processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos
tribunais, previsto no nº1, do artº205º, da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das
alíneas b e c, do nº2, do artº410º,do mesmo Código, por violação do direito ao recurso, consagrado no nº1, do
artº32º, também da Constituição.
O ac. STJ, de 07.07.99, na CJSTJ, T2, pag.246, diz, no mesmo sentido que: “Actualmente, face à nova
redacção do nº2, do artº374º, CPP, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas” e que,
“por isso, é insuficiente e nula a sentença que refere que a convicção se baseou na confissão parcial do
arguido, mas não explica quais os factos constantes da acusação que o arguido confessou ter cometido e que
não indica em que se fundamentou a matéria de facto que foi dada como provada para além daquela que foi
confessada”.
Ainda um outro ac. STJ, este de 15.03.00, na CJSTJ, T2, pag.226, diz: “A exigência legal de fundamentação
das decisões judiciais não se satisfaz com a indicação, pura e simples, do tipo de prova produzida. A
exigência legal visa permitir o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção do
juiz e permitir, bem assim, averiguar se foi ou não violada norma sobre a proibição de prova”
128
Neste sentido, os ac. STJ de 12.02.98, BMJ 474º/233 e de 7.10.98, CJSTJ VI, t3, p.183
129
Ac. STJ de 12.07.2005, ITIJ 05P2315

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Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- as pertinentes disposições em matéria de custas130;

- a data e as assinaturas dos membros do tribunal.

Nos termos e pelas razões já referidos no estudo das medidas de coação e de


garantia patrimonial, a sentença absolutória declara a extinção de qualquer medida de
coacção, sem que tenha de esperar pelo trânsito em julgado (art.376º - 1)131.

A sentença absolutória pode ser publicada, a requerimento do arguido, por inteiro


ou por extracto, em jornal indicado por ele, se se verificarem cumulativamente os seguintes
pressupostos (art.378º):

- requerimento feito até ao encerramento da audiência;

- haja assistente constituído no processo;

- o tribunal o considere justificado132.

A sentença condenatória obedece, ainda, aos seguintes requisitos específicos


(art.375º):

- indicação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da


sanção;

- a indicação, se for caso disso133, do início e do regime de


cumprimento da sanção, de outros deveres que ao condenado sejam impostos e a
sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.

Mesmo que absolutória, a sentença deve condenar o arguido e demandado cível em


indemnização, se tiver havido pedido cível e este se revelar fundado à luz dos critérios da
responsabilidade civil aquiliana, mas sem prejuízo do disposto no art.82.º, n.º 3
(possibilidade de remessa das partes para os tribunais civis) – cf. art.º377º - 1 e 2134.

130
Cfr., a respeito, os artº513º e ss.
131
Implica, pois, a imediata libertação do arguido em prisão preventiva, a não ser que deva continuar preso
por outros motivos ou que lhe tenha sido aplicada medida de segurança de internamento
132
Uma hipótese de não justificação será, p. ex., a de a absolvição resultar de um simples non liquet em
matéria de prova
133
Não é o caso, p. ex., da condenação em pena de prisão, visto que, neste caso, existem regras legais sobre a
matéria (artº467º, 477º e 478º), que dispensam o juiz de uma referência específica
134
Cfr. a este respeito, o AUJ 7/99, de 17.06.99, no DR 1-A, nº179, de 03.08.99, segundo o qual “se, em
processo penal, for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal,
verificando-se o caso previsto no artº377º, 1, CPP, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser
condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana,
com exclusão da responsabilidade civil contratual

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Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Mesmo não havendo pedido cível, pode o tribunal, em caso de condenação do


arguido, condená-lo, ainda, em indemnização a favor do lesado, sempre que o imponham
particulares exigências de protecção daquele.

Sobre este tema da decisão do pedido de indemnização cível, remeto para as


considerações mais alargadas que fiz no estudo dos Sujeitos Processuais.

Leitura e notificação da sentença – art.373º

A sentença é lida em seguida à deliberação, mas, não sendo possível, por virtude da
especial complexidade da causa, o juiz presidente designa publicamente, para tal, um dos
10 dias seguintes.

Já falei, atrás, das consequências da violação deste prazo, a propósito da regra da


continuidade da audiência.

A leitura da sentença é, sempre, um acto público135, no qual o juiz presidente pode


omitir o relatório, e pode, mesmo, resumir a fundamentação a uma súmula, mas não pode
dispensar a leitura integral do dispositivo (art.372º - 3).

A falta de leitura da fundamentação, ainda que por súmula, ou do dispositivo


implica nulidade (sanável)136.

Sendo a sentença condenatória (ou, o que, para o efeito, vem a dar no mesmo, tendo
decretado dispensa de pena), o juiz presidente, depois da leitura, dirige ao arguido, sempre
que o julgue conveniente, uma alocução breve (art.375º - 2 e 3).

A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que


estejam ou devam considerar-se presentes no acto (art.372º - 4).
135
Ainda que a audiência tenha decorrido com a exclusão da publicidade, como já se disse; mas não terá que
ser lida a sentença que procedeu à reformulação de sentença condenatória declarada nula por insuficiência de
fundamentação, e que não alterou a matéria de facto antes dada como provada, não sendo inconstitucional a
norma extraída da conjugação dos artigos 321º, 2, e 87º, 5, interpretada no sentido de que, em tal caso, é
dispensada a leitura pública da decisão reformulada (ac. TC de 15.12.2004, no DR 2ª série, nº40, de
25.02.2005)
136
O ac. Rel. Évora de 19.11.96, na CJ, T5, pag.287, reportando-se a uma leitura de sentença “por
apontamento”, diz que apesar de constar de acta do julgamento que, realizada a audiência, foi pelo juiz lida
a sentença e notificado o arguido, verificar-se-á a inexistência daquela peça processual se, tratando-se de
processo comum, não tiver sido apresentada na secretaria.
O ac. Rel. Porto de 27.06.01, na CJ, T3, pag.246, por outro lado, diz, a propósito do mesmo tema: A sentença
proferida verbalmente e lida por apontamento é inexistente. Essa inexistência, desde que ainda seja possível
proferir a sentença, tem como consequência determinar-se a sua elaboração e proferimento.

64
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Mas, a sentença inclui-se entre os actos que devem ser pessoalmente notificados
(artº113º - 9), e, por isso, a ausência do arguido, fora dos casos em que ela é legalmente
suprida pela presença do defensor137, não dispensa as diligências para a sua notificação
(art.334º - 6); só a partir dessa notificação pessoal posterior é que pode começar a correr o
prazo para o recurso, nos termos da parte final daquele nº9, do artº113º138.

Diferente é o caso previsto no nº3, do art.373º, que se reporta às situações em que o


arguido assistiu à audiência mas faltou ao acto, posterior, de leitura da sentença.

Neste caso, a falta é legalmente suprida pela presença do defensor nomeado ou


constituído, devendo correr, a partir de então, isto é, da leitura da sentença perante o
defensor, o prazo para o recurso139.

Depois de lida, a sentença é depositada na secretaria, após o que são passadas


cópias, de imediato, aos sujeitos processuais que o solicitem (art.372º - 5).

Nulidades da sentença – art.379º

O regime de nulidades da sentença é especial relativamente ao constante dos


artº118º e ss.

São causas de nulidade da sentença penal as seguintes e apenas as seguintes:

- falta das menções referidas no artº374º - 2 e 3, b (falta, portanto, de


fundamentação e de decisão condenatória ou absolutória)140;

- condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na


pronúncia, fora dos casos previstos nos art.358º e 359º (alteração não substancial e
alteração substancial de factos);

- omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse


apreciar;

137
São os casos seguintes, acima já referidos (artº334º, 1 e 2): a) se o processo começou na forma
sumaríssima e foi reenviado para a forma comum e não for possível a notificação do arguido para a
audiência, ou o arguido faltar injustificadamente; b) se o arguido se encontra praticamente impossibilitado de
comparecer, nomeadamente, por causa de idade, doença grave ou residência no estrangeiro, e requer ou
consente que a audiência se realize na sua ausência.
138
Cfr., neste sentido, os ac TC nº274/2003, de 20.05.2003, DR 2ª série, de 5.07.2003, e nº446/2003, de
23.10.2003, DR 2ª série, de 5.01.2004
139
Cfr., a este respeito, e sobre a constitucionalidade material da disposição, o ac. TC nº429/2003, de
24.09.2003, DR 2ª série, de 21.11.2003
140
Cf. o AUJ de 06.05.92, in DR 1-A, de 6.08.92, onde se julga que “não é insanável a nulidade da alínea a,
do nº1, do art.379º, CPP, consistente na falta de indicação das provas que serviram para formar a convicção
do tribunal, ordenada pelo artº374º, nº2”

65
Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

- excesso de pronúncia (conhecimento de questões de que o tribunal


não podia tomar conhecimento).

Deve entender-se que as nulidades por omissão só ocorrem quando se trate de


verdadeira omissão, e não quando exista mera insuficiência; isto, naturalmente, com
referência, a cada uma das menções a que se reporta a al. a, do nº1, do art.379º ou a cada
uma das questões visadas na primeira parte da alínea c.

Por outro lado, “na apreciação da nulidade por omissão de pronúncia há que
distinguir duas realidades diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia
conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão
reproduzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão,
socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto
de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar
todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”141.

Para além das questões suscitadas pelo recorrente e pelo opositor, há as de


conhecimento oficioso, cuja omissão implica a mesma consequência de nulidade.

Considere-se, p. ex., a norma do art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, cujo cumprimento


implica que, perante um arguido com idade inferior a 21 anos que tenha praticado factos
susceptíveis de serem sancionados com pena de prisão, o tribunal tem o dever de ponderar
oficiosamente se a atenuação especial da pena traz vantagens para a reinserção social do
arguido.

Caso omita a pronúncia sobre a aplicabilidade do referido regime o tribunal comete


uma nulidade que afecta a decisão, conforme estabelece o disposto no art. 379.º, n.º 1, al.
c).

As nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso pelo tribunal que as


praticou, devendo ser arguidas pelo interessado.

A arguição deve ser feita em recurso, tal como no correspondente regime


processual civil, sendo, neste caso, lícito ao tribunal recorrido supri-las, reparando, em
conformidade, a sentença, nos termos aplicáveis do art.414º, nº4.

O tribunal de recurso pode conhecer oficiosamente das referidas nulidades.

141
In ac. STJ nº1409/2006, de 05.07.2006, sumariado no site do STJ (boletim interno)

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Quirino Soares
Juiz conselheiro jubilado

Nada obsta, por outro lado, a que o interessado argua a nulidade, nos termos
estabelecidos no artº120º - 3, a) 142.

Mas, esta faculdade apenas interessa aos casos em que não há possibilidade de
recurso da decisão143.

Correcção da sentença – art.380º

A sentença pode sofrer de outros vícios de inobservância do artº374º (requisitos da


sentença), vícios que constituem, pois, mera irregularidade, ou pode conter erros, lapsos,
obscuridades ou ambiguidades cuja eliminação não importe modificação do essencial da
decisão.

Nesse caso, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, pode corrigi-la.

O essencial da decisão, que não pode ser modificado, deve ser aferido pelo que
ficou escrito, e não pelo que ficou por dizer144.

De outro modo, estaria criado um sistema de alteração das decisões não querido
pelo legislador145.

A correcção, oficiosa ou a pedido, não pode constituir um expediente enviesado de


alteração do decidido, num momento em que está esgotado o poder jurisdicional acerca do
caso.

Proferida a sentença, não pode o tribunal, salvo erro ou lapso manifesto, alterar o
decidido, nem, tão pouco, debruçar-se de novo sobre a fundamentação em ordem a
modificar o dispositivo da sentença.

142
Cfr., a este respeito, o AUJ de 2.12.93, in DR 1-A, de 11.02.94, tirado anteriormente à introdução do nº2,
do artº379º, pela Lei 59/98, de 25/08, e que é do seguinte teor: “As nulidades de sentença enumeradas de
forma taxativa nas alíneas a e b, do artº379º não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos
estabelecidos na alínea a, do nº3, do artº120º, podendo sê-lo, ainda, em motivação de recurso para o tribunal
superior”. Como se vê, este AUJ caducou, em virtude da alteração legislativa posterior (Lei 59/98, de 25/08),
mas conserva alguma actualidade, na medida em que remete para a possibilidade de arguição perante o
tribunal que praticou a nulidade e até ao momento referido na alínea a, do nº3, do artº120º.
143
P. ex. o acórdão da Relação, em recurso, nos termos da alínea d), do nº1, do artº400º, sendo certo que à
audiência em recurso é subsidiariamente aplicável o regime da audiência em 1ª instância (artº423º, 5) e que
ao acórdão em recurso é correspondentemente aplicável a teoria das nulidades e irregularidades da sentença
(artº425º, 4)
144
É o caso, tratado no ac. STJ de 27.02.92, CJ XVII, t 1, p.49, em que, por lapso que resultava do
documento, o tribunal escreveu pena diferente da que queria aplicar
145
Cfr., a propósito, o ac. Rel. Porto, de 09.06.04, na CJ, T3, pag.212

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Juiz conselheiro jubilado

O sistema de correcção da sentença é correspondentemente aplicável aos demais


actos decisórios, judiciais ou do MºPº.

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