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DESEQUILÍBRIOS NA IDADE ADULTA 8 PEDRO LAPORTE

Caso 01

Anemias hemolíticas
Objetivos de aprendizagem
1. Relembrar a fisiologia da hematopoiese, enfatizando a eritropoiese
2. Conhecer as anemias hemolíticas, relacionando com a epidemiologia e fisiopatologia
3. Entender o quadro clínico das anemias hemolíticas, relacionando com as alterações dos exames complementares
4. Conhecer o diagnóstico diferencial, associando aos exames realizados
5. Entender o manejo terapêutico de cada tipo de anemia hemolítica, relacionando com o prognóstico

Introdução e Aspectos fisiológicos Os exemplos são a eritropoetina, que é produzida no parênquima


renal em resposta à hipóxia tecidual, funcionando como hormônio
regulador da eritropoiese; e o GM-CSF, que estimula a formação de
Hematopoiese mieloblastos e monoblastos, sendo produzido por macrófagos,
fibroblastos e células endoteliais, na inflamação.
Medula óssea
Com o tempo, há substituição gordurosa na medula óssea. Em
adultos, somente ossos da pelve, esterno, ossos do crânio, arcos Eritropoiese
costais, vértebras e epífises femorais e umerais são capazes de
gerar células sanguíneas. A medula amarela tem potencial de Medula óssea
voltar a produzir células sanguíneas sob determinados estímulos.
Nos estágios finais de vida fetal a medula óssea passa a ser o
principal terreno da hematopoiese e, após o nascimento, as células
Linhagens linfoide e mieloide hematológicas são produzidas exclusivamente pela medula óssea.
Em algumas patologias, a hematopoiese volta a ocorrer em locais
Inicialmente, a célula totipotente se diferencia em células extramedulares, que só tinham esta função na vida embrionária.
multipotentes linfoides, que darão origem aos linfócitos, e em
células multipotentes mieloides, que darão origem às hemácias e
plaquetas (linha eritroide-megacariocítica) e aos monócitos e Maturação do eritroblasto
granulócitos (linha granulocítica-monocítica).
A primeira célula da série eritroide na medula óssea é o pró-
eritroblasto, ou pró-normoblasto. Ela se divide várias vezes e,
durante sua maturação, ocorrem dois eventos: a condensação da
cromatina nuclear e a hemoglobinização do citoplasma.

 Obs.: O citoplasma do pró-eritroblasto é basofílico (azulado). À


medida que aumenta a hemoglobina, ele vai se tornando
eosinofílico (avermelhado).

Ordem de maturação do eritroblasto


Hematopoiese a partir das células multipotentes mieloide e linfoide

Até o estágio de eritroblasto ortocromático a célula tem núcleo.


À medida que os precursores vão se diferenciando, dão origem a Para que se forme um reticulócito, o conteúdo nuclear deve ser
células comprometidas com a formação de uma determinada expulso. Os ribossomos ficam no citoplasma do reticulócito,
linhagem hematológica. Essas células recebem o nome de unidades desaparecendo 1 dia após deixar a medula: eles criam uma rede
formadoras de colônia (CFU). basofílica que, quando expulsa, transforma a célula em eritrócito.
Diariamente, cerca de meio trilhão de células do sangue, incluindo
200 bilhões de hemácias, participam do turnover: a vida média da
hemácia é 120 dias, já a das plaquetas é de 7-10 dias, a dos Formação da hemoglobina
granulócitos de 6-8 horas, e a dos linfócitos de muitos anos.
Estrutura da hemoglobina
A hemoglobina é uma macromolécula de 4 cadeias polipeptídicas
Mediadores da hematopoiese (globinas), cada uma combinada a uma porção heme, que é uma
molécula com 4 anéis aromáticos (protoporfirinas) e um íon
A produção das linhagens é regulada de forma independente, de ferroso (Fe++) no centro de cada uma, capaz de se ligar ao O2:
acordo com a necessidade do organismo. As interleucinas e os assim, cada molécula de Hb carrega 4 moléculas de O2.
fatores estimuladores de colônia (CSF) são os principais
mediadores da hematopoiese.
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No adulto, 97% da Hb circulante tem 2 cadeias α e 2 β Há dois mecanismos fisiológicos que amenizam a hipóxia tecidual:
(hemoglobina A1). Cerca de 2% possui 2 cadeias α e duas δ, aumento do DC, pois o maior fluxo orgânico mantém a oxigenação,
(hemoglobina A2); e o 1% restante tem 2 cadeias α e duas γ e o aumento do 2,3 DPG (glicose difosfato) na hemácia, que reduz
(hemoglobina F, ou Hb fetal). a afinidade da Hb pelo O2, facilitando a extração tecidual do O2.

Síntese da hemoglobina Investigação etiológica inicial


A síntese da hemoglobina ocorre precocemente na mitocôndria das Anamnese e exame físico
células da linhagem vermelha, iniciando-se na fase de pró-
eritroblasto e perpetuando-se até a formação do reticulócito. A anamnese deve pesquisar o tempo de instalação dos sintomas,
já que as anemias carenciais, aplásica, as mielodisplasias, a
A primeira etapa na síntese do heme consiste na combinação de 2 anemia de doença crônica e o mieloma múltiplo são insidiosos,
moléculas de succinilcolina (vinda do ciclo de Krebs) com 2 enquanto a anemia hemorrágica aguda e a hemolítica autoimune
moléculas de glicina, formando um composto pirrólico, ácido são abruptas. A anemia falciforme, as talassemias e a esferocitose
aminolevulínico (ALA). Através de reações enzimáticas, 4 hereditária, por sua vez, são familiares, com início na infância.
compostos pirrólicos dão origem à protoporfirina IX, que se
combina com o Fe++ para formar o heme. A investigação dos sintomas associados podem denunciar a
existência de uma doença de base, como as crises álgicas na
anemia falciforme, dor óssea no mieloma múltiplo, febre
prolongada nas infecções crônicas, etc.
Aspectos das anemias
O exame físico pode evidenciar achados importantes. A glossite e
queilite angular aponta para anemias carenciais, icterícia aponta
Panorama geral das anemias para anemias megaloblásticas e hemolíticas, a esplenomegalia
significativa sugere hemólise, hiperesplenismo ou neoplasias.
Definição e classificação
Anemia hemolítica representa 5% de todos os tipos de anemia,
sendo a queda dos níveis séricos de hemoglobina devido à Avaliação laboratorial
hemólise precoce, ou seja, lise das hemácias antes do seu
A anemia pode resultar da produção inadequada de eritrócitos,
completo tempo de vida médio.
perdas de sangue, aumento da destruição de eritrócitos ou da
combinação dos fatores. A primeira bateria de análise deverá
incluir, para além do hemograma:

 Contagem de plaquetas
 Contagem de reticulócitos
 Bilirrubina total e frações
 Ferro sérico
 CTFF (capacidade total de fixação de ferro)

Hematimetria 4-6 milhões


12-15 g/dL (mulheres) e 13,5-
Hb
17 g/dL (homens)
36-44% (mulheres) e 39-50%
Ht (homens) [em geral, é 3x maior
que a Hb]
VCM (volume corpuscular médio) 80-100 fL

Classificação etiológica das anemias HCM (Hb corpuscular média) 28-32 pg


CHCM (concentração de Hb
32-35 g/dL
corpuscular média)
RDW (índice de anisocitose) 10-14%
Síndrome anêmica Leucometria 5.000-11.000/mm³
Plaquetometria 150.000-400.000/mm³
Mais comumente, o paciente anêmico é oligossintomático ou
assintomático, sendo o diagnóstico, na maioria das vezes, feito ao
Componentes do hemograma completo
acaso. No geral, os sintomas vêm do prejuízo na capacidade
carreadora de O2, predispondo à hipóxia tecidual e estimulando o
aumento do débito cardíaco de forma compensatória.

Os principais sinais e sintomas da síndrome anêmica são:


Anemias hemolíticas
Hemólise extra e intravascular
 Dispneia e/ou intolerância aos esforços
 Palpitações, taquicardia Na hemólise extravascular (tipo mais comum), as hemácias são
 Astenia destruídas no tecido reticuloendotelial, especialmente no baço,
 Tontura postural pelos macrófagos dos cordões esplênicos de Bilroth. Alterações que
 Cefaleia afetam o citoesqueleto, a membrana ou a forma dos eritrócitos
 Descompensação de DCV, cerebrovasculares e respiratórias dificultam sua passagem pelas fendas sinusoidais e, portanto,
aumentam o contato das hemácias com os macrófagos.
 Obs.: Dificilmente um Ht < 24% ou uma Hb < 8 g/dl cursam Na hemólise intravascular, as hemácias são destruídas na
assintomáticos. A capacidade física está quase sempre prejudicada circulação e seu conteúdo é liberado no plasma. Na maioria das
em nesses pacientes. vezes, resulta de anormalidades adquiridas, podendo ser induzida
por trauma mecânico, destruição imunológica pelo sistema
complemento ou exposição a fatores tóxicos.
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É importante frisar que uma resposta reticulocitária só ocorre de  Obs.: Há reticulocitose quando o IPR é > 2,0-2,5, significando
5 a 7 dias após a hemorragia aguda ou hemólise. Além disso, se a que a produção medular reticulocitária está mais do que duas
medula estiver normal, com estoques de Fe, B9 e B12 preservados, vezes aumentada.
a meia-vida das hemácias pode se reduzir para 20-25 dias sem que
haja anemia: isso é explicado pelo aumento da eritropoiese, em
até 8x. Quando a meia-vida é < 20 dias, há anemia.
Investigação etiológica

Consequências da hemólise

Resposta medular

A hemólise estimula a produção de eritropoetina. As anemias com


maior produção reticulocitária são hiperproliferativas. Em geral,
os reticulócitos são maiores que as hemácias maduras e tornam-se
eritrócitos em 1 dia.

Contudo, sob estímulo eritropoiético, são lançados “shift cells”,


reticulócitos mais imaturos, e ainda maiores e mais azulados, com
tempo de maturação de até 2 dias. A presença dessas células
configura policromatofilia ou policromasia.

Produção de bilirrubina indireta

Após a hemólise, os macrófagos reticuloendoteliais metabolizam a


hemoglobina. Pela hemeoxigenase, o ferro e protoporfirina são
separados. A protoporfirina é transformada em biliverdina, sendo
convertida em BI, lançada no plasma e transportada ao fígado pela
albumina. O ferro é transportado pela transferrina de volta à
medula óssea para ser incorporado a um novo eritroblasto.

Formação de cálculos biliares

Toda hemólise crônica, como as anemias hemolíticas hereditárias


(esferocitose hereditária, anemia falciforme, talassemias),
Classificação das anemias hemolíticas
predispõe cálculos biliares. Com maior concentração de bilirrubina
na bile, podem se formar cálculos de bilirrubinato de cálcio,
radiopacos à radiografia, diferentemente dos de colesterol.
Os sinais e sintomas da síndrome anêmica na anemia hemolítica
são os mesmos de qualquer anemia, mas na hemólise é comum
 Obs.: Diante de uma criança com episódio de crise biliar,
encontrarmos:
principalmente na presença de cálculos radiopacos, até prova em
contrário, o diagnóstico é de anemia hemolítica hereditária.
 Leve icterícia
 Palidez cutânea
 Esplenomegalia (rara na anemia ferropriva)
Contagem de reticulócitos  História familiar positiva
 Uso de medicamentos
Normalmente, os reticulócitos são < 2,5% do total de eritrócitos (<  Hemoglobinúria
100.000 células/mm³). A reticulocitose se refere ao aumento na
produção medular de reticulócitos, e não simplesmente ao
aumento no percentual de reticulócitos na periferia.  Obs.: Anemia e esplenomegalia indicam neoplasia
hematológica ou anemia hemolítica crônica. As talassemias são
Para a interpretação fidedigna da reticulocitose, ou seja, para o as anemias hemolíticas que mais aumentam o baço.
estudo da produção medular, duas correções são necessárias: para
o grau de anemia e para o tempo de maturação reticulocitária.
Independente se a hemólise é intra ou extravascular, alguns
parâmetros laboratoriais encontram-se alterados, além da
Índice reticulocitário corrigido reticulocitose e hiperbilirrubinemia indireta, que são comuns.

O IRC é a primeira correção, espelhando o número absoluto  Desidrogenase lática A LDH está quase sempre elevada na
reticulocitário. A correção pode ser feita quanto ao Ht ou à Hb: hemólise, devido a sua liberação do interior da hemácia. Os níveis
de LDH não ficam tão elevados como na anemia megaloblástica,
ficando em torno de 580 U/ml
IRC = % reticulócitos x Ht / 40
IRC = % reticulócitos x Hb / 15  Haptoglobina A haptoglobina, uma alfaglobulina sintetizada
pelo fígado, é capaz de se ligar à fração globina da Hb. Na
hemólise, as cadeias de globina liberadas unem-se à haptoglobina,
diminuindo seus níveis
Índice de produção reticulocitária
 Indicadores de hemólise intravascular Hemoglobinemia
A segunda correção é necessária pela estimulação da produção de (por lesão traumática e artefatual das hemácias),
shift cells na anemia. Para estimar a produção medular, divide-se hemossiderinúria e hemoglobinúria são indicadores de hemólise
o IRC por 2: o tempo de maturação dessas células é o dobro do intravascular
normal, sendo, consequentemente, o número de reticulócitos
produzidos em 1 dia a metade do número absoluto de reticulócitos.  Indicadores hematimétricos Na hemólise, geralmente a
anemia é normocítica e normocrômica, mas nos casos graves e
agudos, os índices podem revelar um VCM aumentado
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 Hematoscopia As hemólises agudas graves frequentemente


cursam com intensa policromatofilia no sangue periférico
(presença das shift cells). Anisocitose é um achado comum

Anemias falciformes
Definição
As síndromes falciformes constituem anemias hereditárias que
cursam com anemia hemolítica crônica, vasculopatia, fenômenos
vaso-oclusivos e lesão orgânica aguda e crônica generalizada.

Caracterizam-se pela hemoglobina S (HbS) em homozigose ou


dupla heterozigose. Resulta da mutação no 6º códon do gene da
betaglobina com substituição da adenina pela timina, codificando
valina em vez de ácido glutâmico na 6ª posição da cadeia β da Hb.
Papel da hemólise intravascular na fisiopatologia das doenças falciformes

Entre as síndromes falciformes, destacam-se:



Anemia falciforme
Doença falciforme
Homozigose HbSS
Heterozigose complexa
Quadro clínico e diagnóstico
 Traço falciforme Heterozigose HbS + HbA
Sinais, sintomas e complicações
O quadro clínico das doenças falciformes é dominado por anemia
O gene para HbS pode ser herdado com genes para outras hemolítica crônica variada e por fenômenos vaso-oclusivos e suas
hemoglobinas anormais ou para talassemia. As combinações mais consequências. Embora as formas de doença falciforme possam
frequentes em nosso meio são com a hemoglobina C, constituindo apresentar comemorativos, o quadro varia com os genótipos,
a hemoglobinopatia SC e com a betatalassemia. sendo o mais grave a homozigose HbS (anemia falciforme).

Os eventos agudos que requerem tratamento de urgência são:


Epidemiologia  Crises dolorosas
As síndromes falciformes são as alterações hematológicas  Síndrome torácica aguda
hereditárias mais comuns e mais bem conhecidas no homem. No  Acidente vascular cerebral
Brasil, as síndromes falciformes são mais prevalentes nas regiões  Episódios de anemia aguda
onde predomina a ascendência negra, como Sudeste e Nordeste,  Priapismo
onde o gene da HbS está em 3% da população.

Em 2000, estimava-se que haveria > 2 milhões de portadores do As principais complicações crônicas são:
gene da HbS no Brasil, em que > 8.000 seriam afetados com a
forma homozigótica (HbSS), a forma da anemia falciforme. Há 20  Úlceras de perna
milhões de pessoas com doenças falciformes no mundo.  Colecistopatia crônica calculosa

 Acometimento renal Insuficiência renal dialítica


Hipertensão pulmonar
Fisiopatologia Cor pulmonale

Falcização  Necrose isquêmica de cabeça de fêmur


 Retinopatia proliferativa
A mutação ocorrida na posição 6 da globina β produz alteração  Sobrecarga de ferro em politransfundidos
estrutural na molécula da Hb, que passa a ter seu ponto  Insuficiência cardíaca congestiva
isoelétrico alterado, ficando carregada menos negativamente.  Osteomielite
Como consequência, existe uma tendência à aproximação de suas
moléculas em condições de baixo teor de oxigênio.
 Obs.: Na anemia falciforme, as crises dolorosas surgem
A célula eritroide contendo HbS passa a sofrer alteração do seu inicialmente como dactilite. Infecções são comuns nos primeiros 5
estado solúvel para o insolúvel, com formação de cristais anos de idade, juntamente com as crises de sequestro esplênico.
tactoides, aumento da viscosidade sanguínea e posterior
polimerização, ocorrendo também mudanças na membrana, como
rearranjo proteico, radicais oxidantes e diminuição de lipídios.
Análise laboratorial
A maioria dos pacientes tem anemia moderada, normocítica ou
Consequências microcítica, dependendo do genótipo, com Hb entre 7 e 9 g/dL. A
leucocitose é frequente, sendo mais comum entre os pacientes
Tudo isso leva a uma alteração do fluxo sanguíneo normal, com com HbSS. As plaquetas estão em número normal ou elevado, e os
adesão endotelial da célula mutada. Assim, há hipóxia tecidual, reticulócitos estão aumentados em número relativo e absoluto.
podendo haver infartos e posterior fibrose. Essas lesões teciduais
podem ser agudas, traduzidas pelas crises dolorosas, ou crônicas, Alguns pacientes apresentam hemólise mais pronunciada, com Hb
representadas pelas lesões de órgãos e sistemas. < 6 g/dL, intensa reticulocitose e níveis muito elevados de DHL.
Muitos pacientes com doença SC têm níveis normais de Hb.

No esfregaço de sangue periférico, estão presentes eritrócitos


falcizados sugerindo o diagnóstico de doença falciforme. Nos casos
de hemoglobinopatia SC, existem numerosas hemácias em alvo. A
hemólise pode ser evidenciada pelo aumento de bilirrubina
indireta, redução da haptoglobina sérica e aumento de DHL.
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 Obs.: O diagnóstico diferencial das doenças falciformes é feito Primária


pela identificação e quantificação das hemoglobinas, geralmente
por eletroforese de hemoglobina. AHAI por anticorpos quentes
Secundária (a doença de base ou
ao uso de medicamentos)
Primária
AHAI por anticorpos frios e
quentes (mista)
Secundária

Doença das crioaglutininas


(primária ou secundária)

Hemoglobinúria paroxística ao
AHAI por anticorpos frios
frio (primária ou secundária por
sífilis terciária)

Infecções virais

Classificação das anemias hemolíticas autoimunes

Valores hematimétricos e eletroforese de Hb nas doenças falciformes

Apresentação clínica e diagnóstico


Tratamento AHAI por anticorpos quentes
É o tipo mais frequente de AHAI, sendo responsável por > 70% dos
Transplante de medula e cuidados gerais casos, sendo necessária investigação clínica para excluir
condições de base, presentes em até 55% dos casos. Tais
O único tratamento curativo para essas doenças é o transplante de
condições incluem doenças autoimunes, linfoproliferativas ou
medula óssea. O tratamento geral é baseado em suporte clínico e
inflamatórias crônicas, imunodeficiências, hepatite C e neoplasias.
cuidados específicos. Todos os pacientes com sorologia negativa
para hepatite B devem ser vacinados contra a doença. Em razão da
hemólise, existe necessidade aumentada de folatos, sendo O quadro clínico é variável, podendo a apresentação ser insidiosa
recomendada a reposição com 1mg/dia de ácido fólico. (maioria) ou súbita. Em metade dos casos existe esplenomegalia
e, em 1/3, hepatomegalia. Nos casos secundários, os sintomas da
doença de base podem estar presentes, embora por vezes sejam
obscurecidos ou confundidos pelos sintomas da anemia.
Hidroxiureia
O quadro laboratorial inclui anemia, macrocitose decorrente da
A hidroxiureia vem sendo utilizada na prevenção de crises grande reticulocitose, aumento de DHL e da BI e redução de
dolorosas. O seu efeito benéfico deve-se à interferência em haptoglobina. Eventualmente existe associação com
múltiplos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da doença, plaquetopenia autoimune (síndrome de Evans). Ao sangue
que incluem aumento da HbF, modificação das interações entre os periférico, há esferócitos e policromasia. O TAD positivo confirma
eritrócitos e o endotélio vascular, com alterações da expressão de o diagnóstico, em geral, com anticorpos da classe IgG.
moléculas de adesão e do metabolismo do NO, e mielossupressão,
com diminuição principalmente do número de neutrófilos.
AHAI por anticorpos frios
Transfusão sanguínea A doença primária das crioaglutininas (mais comum,
representando 15-30% das AHAI) e a hemoglobinúria paroxística
As indicações de transfusão de concentrado de hemácias têm dois ao frio são as duas formas de AHAI por anticorpos frios.
propósitos principais: melhorar a anemia sintomática e reduzir ou
prevenir complicações por meio da redução da proporção da HbS.
Doença das crioaglutininas
A anemia por si não é indicação de transfusão, mas, à medida que
os pacientes envelhecem, podem surgir complicações que agravam O quadro da doença das crioaglutininas depende do título e da
a anemia, como a insuficiência renal. Nesses casos, o tratamento amplitude térmica do anticorpo. As aglutininas frias são, com
com eritropoetina pode ser benéfico, desde que os níveis de Hb raras exceções, IgM com especificidade contra antígenos de
não excedam os níveis prévios à insuficiência renal. membrana de alta frequência, por exemplo, anti-I e anti-i.

Pacientes com anticorpos com grande amplitude térmica podem


ter hemólise independentemente da exposição ao frio. As formas
Anemias hemolíticas autoimunes agudas, comumente associadas à infecção por Mycoplasma
pneumoniae ou à mononucleose infecciosa, são caracterizadas
por inicio abrupto, às vezes fulminante, com anemia rapidamente
Definição e classificação progressiva, icterícia e esplenomegalia, com curso autolimitado.
É incomum, com incidência de 1 a 3 casos por 100.000 habitantes,
A doença crônica, por sua vez, pode ser primária ou secundária,
caracterizada por evidências de hemólise, causada por anticorpos
sendo geralmente associada às linfoproliferações malignas.
autorreativos dirigidos contra antígenos eritrocitários. A maior
Acomete ambos os sexos, predominando em idosos. A Hb
parte destes anticorpos é lgG ou lgM, com minoria lgA.
raramente está < 7 g/dL. O esfregaço mostra grande aglutinação
de hemácias, causando elevações do VCM.
As AHAI podem ser classificadas de acordo com a sensibilidade
térmica do anticorpo: as por anticorpos quentes são as que se
ligam mais avidamente aos eritrócitos a 37ºC; as por anticorpos
frios são as que se ligam a 4ºC. Há ainda as AHAI do tipo misto.
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Hemoglobinúria paroxística ao frio


Crises anêmicas
É classicamente descrita em pacientes com sífilis, mas atualmente As crises anêmicas são as exacerbações agudas de uma anemia
é mais associada a infecções virais na infância. Os sintomas são hemolítica crônica. As anemias hemolíticas hereditárias, tais como
decorrentes de hemólise aguda após exposição ao frio, com a esferocitose hereditária e a anemia falciforme, são as
hemoglobinúria. A doença é causada por uma hemolisina bifásica principais condições associadas às crises anêmicas.
(anticorpo de Donath-Landsteiner): é uma IgG que se liga às
hemácias a 4ºC e torna-se hemolítica após ligação com o
complemento a 37ºC.
Crise aplásica
Teste de Coombs É a mais comum das crises anêmicas. Qualquer fator que iniba
diretamente a eritropoiese pode causar anemia grave e
É necessário encontrar evidências clinico-laboratoriais de sintomática, uma vez que o mecanismo compensatório passa a ser
hemólise e demonstrar, por métodos imuno-hematológicos, a prejudicado: dizemos então que ocorreu uma crise aplásica.
presença de anticorpos contra as hemácias do próprio individuo: o
principal teste é o da antiglobulina humana direto (TAD) ou teste A principal etiologia é a infecção pelo parvovírus B19, o vírus do
de Coombs direto. O TAO detecta as imunoglobulinas presas à eritema infeccioso, podendo ocorrer sem febre ou rash cutâneo. O
membrana eritrocitária, provocando hemaglutinação. vírus tem tropismo pelo pró-eritroblasto, que ao ser infectado
perde a capacidade de se tornar reticulócito. A consequência
A pesquisa de anticorpos irregulares no soro (PAI), ou teste de imediata é uma anemia com reticulocitopenia, fazendo
Coombs indireto, detecta os anticorpos no soro tanto de diagnóstico diferencial com anemia hipoproliferativa.
autoanticorpos como de aloimunização secundária a transfusões
ou a gestações múltiplas. Nas AHAI, o teste de Coombs direto é O tratamento consiste em hemotransfusão. Nos indivíduos
positivo, e o indireto pode ser positivo ou negativo. imunocompetentes, a infecção pelo parvovírus B19 é autolimitada,
com duração de 3-7 dias.
O TAD positivo não é patognomônico de AHAI, podendo estar
presente em diversas condições. Os mecanismos que levam à
autoagressão são desconhecidos, bem como a heterogeneidade
clínica. O grau de hemólise depende das características do Crise megaloblástica
anticorpo. No sangue periférico, há numerosos esferócitos pela
retirada de porções da membrana eritrocitária pelos macrófagos. O turnover aumentado de hemácias exige sua produção
aumentada e, portanto, maior utilização de ferro e vitaminas B9
(tende a se esgotar mais rápido) e B12. Na ausência de reposição
rotineira, é possível que indivíduos com hemólise crônica evoluam
progressivamente com anemia megaloblástica por carência de
Tratamento folato, sendo mais comum nas gestantes, nos etilistas e nos
indivíduos que apresentam dietas deficientes desta vitamina.
AHAI por anticorpos quentes
Os fármacos de escolha são os corticoesteroides. A prednisona é
administrada por VO, ou prednisolona IV, seguida de prednisona
VO. Esplenectomia e drogas imunossupressoras (azatioprina ou
ciclofosfamida) são os tratamentos de segunda linha.

Para aqueles que não respondem a nenhum dos tratamentos, há a


opção de imunoglobulinas em altas doses, ciclofosfamida
endovenosa, micofenolatomofetil (MMF) e rituximabe (anticorpo
monoclonal anti-CD20).

 Obs.: Transfusões são evitadas tanto quanto possível, e a


decisão de transfundir deve ser baseada mais em critérios clínicos
do que laboratoriais.

AHAI por anticorpos frios

Doença das crioaglutininas

Pacientes com pouca hemólise não requerem tratamento,


bastando evitar a exposição ao frio. Em pacientes sintomáticos,
corticoides geralmente não são eficazes, nem a esplenectomia,
pois as hemácias são destruídas preferencialmente no fígado. Entre
os citotóxicos, o clorambucil pode ser eficaz, assim como a
ciclofosfamida. As indicações de transfusões de sangue seguem os
mesmos princípios da AHAI por anticorpos quentes.

Hemoglobinúria paroxística ao frio

O tratamento da sífilis geralmente melhora do quadro. Nos casos


agudos pós-infecciosos, a recuperação é espontânea. Nos casos
idiopáticos crônicos, a única medida eficaz é evitar o frio.
Transfusões de sangue são ocasionalmente necessárias.

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