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DEPOIS

DO ESCÂNDALO
Um conto do livro
“Escândalo em Safford”

Ariela Pereira

Copyright© 2019 Ariela Pereira


Todos os direitos reservados de propriedade desta edição e obra
são da autora. É proibida a cópia ou distribuição total ou de partes
desta obra sem o consentimento da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.




1º Edição
2019

,ÍNDICE
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII

CAPÍTULO I


Reese


— Pelo amor de Deus, faça alguma coisa antes que seja tarde!
Precisamos sair daqui. — esbravejo, alterada, meu sistema nervoso abalado
pelos últimos acontecimentos.
Willian não se move do sofá onde está sentado, sua atenção concentrada
na televisão ligada, na qual são exibidas, em todos os canais, abertos e fechados,
o escândalo que a vadiazinha da filha dele armou na tarde de ontem, quando
revelou para toda a cidade, e para o mundo, o que vem acontecendo há anos
entre as paredes da Faculdade Comunitária de Safford, como se fôssemos os
primeiros a entregar as garotas para a máfia russa, como se fôssemos os
precursores dessa maldita ideia. Não fomos nós que começamos com isso, enviar
jovens integrantes de comunidades economicamente e culturalmente carentes,
jovens sem qualquer perspectiva de futuro, para, quem sabe, arriscar um futuro
melhor longe desse fim de mundo, é algo antigo por aqui, Willian e eu apenas
demos continuidade ao que já vem sendo feito há décadas, desde antes de existir
um campus universitário nessa região.
Fizemos isso exclusivamente pela grana que essa atividade garante, um
dinheiro do qual aquela sonsa também se beneficiou durante toda a vida e agora
cospe no prato em que comeu, revelando tudo a todos, como se jamais tivesse
precisado de nós. Tudo bem que, como não podia saber de onde vinha tanto
dinheiro, ela nunca usufruiu das viagens internacionais que seu pai e eu
fazíamos, ou dos jantares em lugares requintados e compras fora do país, porém,
como ela acha que Willian lhe garantiu uma casa luxuosa para viver? De onde
acha que ele tirou dinheiro para comprar todas as roupas caras que ela sempre
usou? Do seu salário de diretor de uma faculdadezinha comunitária perdida no
fim do mundo?
A meu ver, Melissa não passa de uma ingrata, que agora se acha no
direito e no dever de nos denunciar, só porque está amasiada com Solomon e tem
a proteção dele, um homem rico e poderoso de quem ninguém se atreverá a
chegar perto. Tanto a polícia quanto os mafiosos o temem e jamais o
confrontarão.
Até hoje não consigo entender porque um homem como ele, intenso
demais em todos os sentidos, inclusive no amor, foi se apaixonar logo por uma
sonsa, epilética e com olhos de duas cores, como ela. Me lembro que quando
éramos jovens ele gostava de garotas aventureiras e sensuais, como eu era
quando vivemos a nossa história, a história mais linda e verdadeira da minha
vida.
Pensar em nós dois traz lágrimas aos meus olhos e, como venho fazendo
durante todos esses anos, forço-me a suplantá-las.
— Relaxa um pouco. Não precisa ficar assim. Aqueles mafiosos são
poderosos demais para o sistema. Eles têm a polícia nas mãos. Ninguém tentará
nos prender. — Willian diz, tentando me acalmar e só consigo ficar ainda mais
nervosa, o bolo em meu estômago se intensificando, fazendo-o revirar, enquanto
caminho de um lado para o outro da sala, aflita, sobressaltada.
Não compreendo como meu marido — um homem que um dia acreditei
que fosse grande e poderoso, mas que os anos se encarregaram de provar o
contrário —, consegue se manter tão calmo nessa situação. A maldita filha dele
simplesmente nos desmascarou perante toda a cidade, reuniu, no campus
universitário, as famílias dos jovens que nós enviamos para serem prostituídos
em outros países, a maioria garotas, mas também alguns rapazes. Quem garante
que esses pais não vão atentar contra nossa vida agora? Meu medo não é da
polícia, esses sabem o que fazemos aqui e jamais interferiram, meu pavor é da
fúria da população. Em uma terra sem lei como esta, eles podem fazer o que
quiserem conosco e me tremo toda só em pensar nisso.
— Acontece que eu não estou assim por causa da polícia, eles nunca
fizeram nada, não é agora que vão interferir. Tenho medo é das famílias desses
jovens que foram levados embora.
— Esses caipiras malditos não vão fazer nada. São uns ignorantes que
não sabem de nada.
— Acho que você está subestimando essa gente. Eles pareciam fora de si
quando aquela vadiazinha da sua filha contou o que fazemos aqui.
— Não precisa falar assim de Melissa. Ela só fez o que seu caráter
mandou. Porque, ao contrário de mim, é uma boa pessoa.
Nesse momento, o âncora do telejornal que é exibido na TV começa a
falar sobre Solomon e logo ele aprece na tela dando uma entrevista. Está lindo
como sempre, embora um tanto quanto abatido, com a barba crescida. Como
sempre acontece quando olho para ele, meu coração acelera no peito, e mais uma
vez as lágrimas ameaçam encher os meus olhos, pela certeza de que esse homem
jamais será meu de novo, de que o perdi definitivamente, apesar de ter passado
anos da minha vida confinada nesse fim de mundo, casada com um cara que
nunca amei, me agarrando à esperança de que um dia ele voltaria e eu o
reconquistaria. Ele voltou, porém não por mim.
Na entrevista, Solomon afirma que participou do tráfico de pessoas
durante sua juventude. Não coloca a culpa desse evento em sua ingenuidade,
nem na esperteza que Willian usou para convencê-lo, ou na pobreza em que
vivia naquela época, como qualquer outro faria, simplesmente assume sua culpa,
confessa que está profundamente arrependido e se coloca à disposição das
autoridades para fornecer informações que os leve a prender os mafiosos. Com
um homem poderoso como ele envolvido, essa história ainda vai render muito
pano para a manga e não vou ficar aqui parada esperando que a casa caia, até
porque ela já caiu, quando Melissa levou essa história à público.
— Se você quiser, pode ficar aí parado. Eu vou embora daqui. —
Tomada pela mais absoluta aflição, rumo para o quarto e Willian vem atrás de
mim.
— Pra onde você vai? Ficou maluca? — diz ele.
— Maluquice seria ficar aqui esperando pelo pior. Vou para onde
ninguém possa me encontrar.
Antes que eu tenha tempo de alcançar o aposento, meu marido me segura
pelos ombros e me força a virar para encará-lo.
— Não precisa de nada disso. Nós sempre estivemos e estaremos juntos.
Quantas vezes já fomos denunciados e nunca aconteceu nada? Confia em mim,
não vai dar em nada dessa vez também.
Ele tem razão, já fomos denunciados incontáveis vezes e em nenhuma
delas nada aconteceu, nenhuma investigação foi aberta e o denunciante ainda
perdeu a vida, como aconteceu com a ex-esposa dele, no entanto, desta vez o
nome do milionário Solomon Graham está envolvido e isso atraia a tenção do
país. Meus instintos estão me alertando de que estamos em perigo real e o medo
está sendo mais forte do que que eu possa controlar.
— Eu não vou longe. Talvez passar um tempo na casa de parentes em
Phoenix, até a poeira baixar. Quando tudo se acalmar, eu volto. — Tento retornar
ao meu percurso, mas ele não me solta — Não tente me impedir, Willian.
Acredite, você não ia querer dormir ao meu lado agora. — ameaço, com tom
firme e, derrotado, ele tira suas mãos de mim.
No quarto, enfio algumas mudas de roupas em uma mochila,
apressadamente, troco o vestido leve de algodão por jeans, blusa de malha e uma
jaqueta de couro preta, prendo os cabelos em um rabo de cavalo, a fim de evitar
atrair muito a atenção e saio, com Willian sempre ao meu lado, tentando me
convencer a desistir, sem que eu preste muita atenção no que está dizendo. Após
uma despedida rápida, rumo para a porta e ao abri-la fico paralisada no lugar, o
horror tomando conta de cada célula do meu organismo. Bem ali diante de mim,
como se prestes a tocar a campainha, estão alguns homens integrantes das
comunidades Mórmons, cerca de mais dúzia deles, entre os quais reconheço os
rostos do pai da menina de olhos puxadinhos que enviamos para a prostituição
há cerca de cinco anos; o irmão de um garoto homossexual que teve o mesmo
destino e o tio de uma garota ruivinha que foi levada pelos mafiosos há pouco
mais de um ano. Os demais certamente tiveram parentes levados também,
apenas não os reconheço. Todos eles estão armados, alguns com rifles, outros
com ferramentas de lida na lavoura, como enxadas e foices. A fúria que se reflete
nos olhos deles é apavorante.
— Pensa que vai a algum lugar, moça? — o sujeito que encabeça a fila
pergunta e antes que eu tenha tempo de responder, vejo o cabo de um rifle vindo
de encontro ao meu rosto, para que em seguida o impacto violento me faça ver
estrelinhas e depois o mundo gira à minha volta.
A última coisa que vejo antes de perder os sentidos é os homens
invadindo a casa.


CAPÍTULO II


Quando recobro os sentidos sinto o meu corpo inteiro queimando, como
se estivesse em chamas, mas é apenas o sol tórrido me banhando; o gosto de
ferrugem se faz forte em minha boca, indicando a presença de sangue; pelo
balançar que me envolve e o som do ronco de um motor, constato que estou em
um carro em movimento. Necessito de um esforço absurdo para conseguir abrir
os olhos, o sol escaldante ofuscando minhas vistas tão o logo o faço. Ao me
mover minimante, a dor lancinante se faz em minha cabeça, concomitante a um
zinido que me obriga a fechar os olhos novamente.
Continuo balançando incessantemente, como se estivesse em um desses
brinquedos mal projetados de parques de diversão. O sol que me queima é
tórrido e insuportável. Preciso descobrir onde estou, ou melhor, para onde estou
sendo levada. Então, com muito esforço, abro os olhos novamente, desta vez
ignorando a dor absurda que parece entranhada em meus miolos, como se
alguém os trucidasse. A primeira coisa que vejo é o céu azul, desprovido de
nuvens, se movendo sobre mim, então olho para os lados e descubro que estou
deitada na carroceria de uma picape em movimento. De um lado, amarrado e
amordaçado, está Willian, do outro, nas mesmas condições, está Dylan. Para que
nossa quadrilha esteja completa, só está faltando o xerife e sua ausência me
causa um calafrio na espinha, como o anúncio de um mau presságio. À nossa
volta, sentados na proteção da carroceria, estão os Mórmons armados.
Tento levar as mãos à dor intensa em minha cabeça e só então descubro
que meus pulsos estão amarrados com uma corda à frete do meu corpo, pelo
menos não estou amordaçada como os outros e uma secura insuportável na
garganta me faz murmurar:
— Água... por favor, me deem um pouco de água.
— Sem água pra você vagabunda! — vocifera um dos homens,
rispidamente e em seguida vem o golpe de um chute violento bem no meio das
minhas costas, direto na coluna dorsal, sem que eu tenha forças para gritar, a dor
imensa quase me impedindo de respirar.
Apavorada, machucada e humilhada, volto a fechar os olhos e tento
permanecer o mais quieta e silenciosa possível, o sol tórrido me fazendo
cozinhar dentro da jaqueta de couro, queimando a pele do meu rosto, me
causando calor e sede insuportáveis.
Depois de algumas horas, finalmente a caminhonete para e quando abro
os olhos reconheço uma das aldeias dos Mórmons, formada basicamente por
várias famílias que construíram suas casas em uma rocha sólida de arenito, em
uma terra isolada e seca, onde eles podem viver seus costumes poligâmicos
livres das críticas da sociedade e das leis que os contestam.
Tão logo o motor do veículo é desligado, mãos bruscas me agarram e me
levantam, como se eu e os outros fôssemos sacas de arroz sendo descarregadas.
Quando meus pés encontram o chão, tenho dificuldade em me equilibrar sobre
minhas pernas trêmulas e extremamente cansadas, de modo que apenas ao ser
sacudida com brutalidade, pelo sujeito que me segura, me forço a fica de pé.
Assim como Dylan e Willian, sou conduzida por dois homens, cada um me
segurando de um lado, em direção a uma das casas, enquanto a multidão de
pessoas furiosas, entre elas mulheres, adolescentes e crianças, se reúne à nossa
volta, proferindo xingamentos, desferindo-nos hostilidades, cuspidas e ameaças,
sem que tenhamos qualquer condição de nos defendermos.
A casa para a qual somos conduzidos é uma das maiores da aldeia e fica
situada praticamente dentro de uma rocha. Em seu interior, somos levados para
um porão sujo, fétido e mal iluminado, onde somos forçados a nos sentarmos no
chão, ao lado um do outro, com uma das paredes às nossas costas.
— Espero que estejam se sentindo à vontade aqui, pois esse será o lar de
vocês até que nossos filhos e irmãos sejam devolvidos.
Apesar de mais jovem que todos os outros, o sujeito que fala parece ser o
líder do bando e embora já tenham se passado vários anos, consigo reconhecer
sua face por trás do ódio que a anuvia. É irmão de um garoto homossexual que
Solomon e eu escolhemos para ser levado pelos mafiosos, há muito anos, quando
ainda éramos apenas adolescentes e começávamos nesse negócio. O sujeito, que
sempre teve o físico grande e intimidador de um atleta, algo que o tempo não lhe
tirou, estava sempre ao lado do irmão, mais novo e franzino, protegendo-o de
ataques homofóbicos dos quais muitos jovens são alvo nas escolas e faculdades.
Me lembro que, para que os mafiosos conseguissem levar o garoto, precisei
afastá-lo por algumas horas e para isto fingi que estava interessada nele, o que
quase me rendeu uma transa forçada, já que ele era impetuoso e fogoso demais.
Na certa deve ter suas três esposas, hoje em dia, exatamente como manda seus
costumes.
— Eu entendo a revolta de vocês, mas... — Willian tenta falar, porém é
bruscamente interrompido por um dos sequestradores.
— Você entende?! Nem passa perto de compreender a dor de um pai que
perde sua filha, pois a sua está segura em Seattle, vivendo ao lado de um
milionário, tendo todas as regalias que vocês negaram aos nossos filhos a chance
de um dia conquistar.
— Eu sinto muito por tudo isto. — Willian mente, pois sei que não sente
remorso algum pelo que fez. Nenhum de nós sente. — O que estou tentando
dizer é que não temos como resgatar os jovens que foram levados pela máfia,
primeiro porque não temos ideia de para onde foram, segundo porque essa gente
é poderosa demais, nos matariam antes que chegássemos perto o suficiente para
tentar trazê-los de volta.
O comentário rende a ele uma coronhada do cabo da espingarda no rosto
já inchado e ensanguentado, o que o faz cuspir sangue e quase o leva a
desfalecer.
— Não repita isso, queremos nossos filhos de volta. Vocês os levaram,
vocês o trazem de volta. — Há um misto de dor e ódio na fisionomia do homem
que fala, o mais velho entre eles, pai da garota de olhos puxadinhos.
— Por que não nos entregam logo à polícia? O que pretendem com isso?
— é Dylan quem indaga, a voz carregada de aflição.
Como Willian, ele também tem o rosto machucado, com sague seco
grudado na testa, abaixo da boca e do nariz.
— Como vocês mesmo disseram, a polícia não se envolve nesse caso
porque está comprada pela máfia, então vamos resolver do nosso jeito. Temos
telefones celulares, quando decidirem reparar o mal que nos causaram, entrem
em contato com as pessoas para quem trabalham, resgatem nossas crianças, ou
serão mortos aqui nesse porão, sem que ninguém venha procurar por vocês. Só
não tentem nenhuma besteira. Todos os celulares estão grampeados, se ligarem
para a pessoa errada estaremos ouvindo.
As palavras me fazem estremecer. É impossível resgatar qualquer um
desses jovens, ou mesmo entrar em contato com os mafiosos, pois a essa altura
eles já estão sabendo que fomos desmascarados e certamente trocaram os
números de telefone através dos quais os contatávamos, portanto, não temos
chance alguma de sobrevivermos, seremos mortos aqui, sem que ninguém fora
da aldeia jamais saiba o que foi feito de nós. Não era esse o destino que eu
esperava ter quando me envolvi com essa história, meus sonhos mais secretos
sempre envolveram uma mansão na praia, muito dinheiro para gastar e Solomon
ao meu lado.
— E onde está o xerife? Vocês sabem que ele também está envolvido
nisso, não é? — indago, empurrando as palavras através da minha garganta seca
e dolorida pela poeira consumida durante o trajeto de Safford até aqui.
Acho injusto que nós estejamos aqui e o xerife não.
— Ele não teve a mesma sorte que vocês. — Quem responde é o
grandalhão de olhos cor de mel que seduzi quando era adolescente, acho que seu
nome é Kevin — Reagiu quando fomos apanhá-lo e sem que tivesse o apoio dos
demais policiais e da população, o matamos bem facilmente. Está enterrado não
muito longe daqui.
— Por Deus! Vocês mataram o xerife? — Dylan está atônito.
— Pra vocês verem que a vida de vocês está valendo menos que um
centavo agora. Se não colaborarem para trazer nossos filhos e volta, terão
mesmo destino, ou pior. — Outro dos homens fala.
— Avisem quando quiseram ligar para os mafiosos, para que
entreguemos um celular. Só não tentem nenhuma gracinha. Não vai adiantar
avisar à polícia que estão aqui, pois como sabem, eles não vão fazer nada e se
vierem até aqui vai ser para dar fim em vocês para proteger a identidade dos
poderosos para quem trabalham. Pensem nisso. — O líder do bando diz —
Haverá sempre um de nós aqui, de olho em vocês, quando quiserem ligar é só
dizer.
Com isto, cinco dos homens deixam o porão, ficando apenas um, sentado
em uma cadeira perto da porta, segurando um rifle.
Penso no que o líder deles disse, sobre chamarmos a polícia, e chego à
conclusão de que está certo. Se a polícia viesse, seria para nos silenciar, a mando
dos poderosos que comandam o tráfico de pessoas. Estamos definitivamente
ferrados, sem qualquer perspectiva de escapar da morte.
— O que vamos fazer agora? — Obrigo as palavras a saírem, dirigindo-
me a Willian, que parece muito mal, sentado ao meu lado.
— Não há nada que possamos fazer. — Ele tosse ao falar, indicando que
os ferimentos em seu rosto podem ser também internos — Os moradores de
Safford devem estar de acordo com o que eles estão fazendo conosco, jamais
avisarão à polícia, e mesmo que avisassem, se viesse alguém seria para nos
silenciar, como o homem disse. — Ele tosse novamente e se cala.
— E quanto a Melissa. Ligue para ela. Talvez possa nos tirar daqui. — É
Dylan quem diz.
— Essa vagabunda jamais nos ajudaria. Foi ela quem começou tudo isso
quando nos denunciou publicamente à população e aos pais dos garotos. Nem
por um momento pensou no pai dela, no que fariam a ele.
Um ódio cego pipoca dentro de mim ao pensar em Melissa. Como se não
bastasse ela ter ficado com Solomon, o amor da minha vida, ainda tirou tudo de
nós, quando pegou aquele microfone e nos denunciou.
— Acho que ela não ajudaria. — A voz de Willian sai muito fraca — E
mesmo que estivesse disposta a ajudar, eles não me deixariam ligar para ela,
como disseram, os telefones estão grampeados.
— Meu Deus... Vamos morrer aqui. — constato, aterrorizada.
— Calem a boca, seus miseráveis! — O sujeito perto da porta vocifera,
alterado.
Olho para Willian, ainda com os pulsos amarrados, o rosto inchado e
ensanguentado, certamente por ter levado uma surra enquanto eu estava
desacordada e o ódio descomedido se expande dentro de mim. Tudo o que está
acontecendo comigo é culpa dele. Eu tinha apenas dezesseis anos quando me
recrutou para atuar junto com Solomon na escolha dos alunos mais suscetíveis a
serem levados, era só uma adolescente idiota, sem juízo, deslumbrada pela
beleza selvagem e incomum de Solomon, capaz de fazer qualquer coisa para
estar perto dele. Teria aceitado qualquer proposta. Depois que Solomon se foi,
fiquei perdida, sem rumo, devastada, então Willian se aproveitou de mim mais
uma vez, usando sua autoridade de professor para me seduzir, me conquistar, de
modo que logo depois que a esposa dele despareceu tomei o lugar dela em sua
casa. Não nego que tomei todas as decisões erradas possíveis em minha vida e
que agora estou colhendo o que plantei, entretanto, eu era apenas a filha
desmiolada e cheia de sonhos, de uma costureira e um pedreiro com cinco filhos
para sustentar. Errei feio em nome de uma paixão descabida e da ambição e
apenas agora, que tudo está terminando, percebo isso. Só que é tarde demais para
voltar atrás, ou mesmo tentar fazer diferente.
Invadida por um desespero agonizante, deito-me de lado no chão duro,
frio e sujo e choro compulsivamente, um soluço me escapando alto, seguido de
uma enxurrada de lágrimas. Um pranto em meio ao qual ouço Willian
pronunciando algumas palavras, na certa tentando me acalmar, sem que eu me
interesse em ouvi-lo, afinal nada do que disser pode tirar essa angústia do meu
peito, ou mudar nosso destino.


CAPÍTULO III


Através das estreitas frestas na porta do porão, é possível perceber que já
escureceu faz algum tempo. Não tenho noção de que horas sejam, desconfio
apenas que é madrugada e ainda estou deitada no chão, na mesma posição, o
rosto inchado pelas lágrimas que parecem ter secado. Sinto o corpo dolorido,
fraco pela ausência de alimento, a garganta ardendo de tanta sede. Por fim há
alguma movimentação entre nossos raptores, aquele que está nos vigiando
durante todas essas horas se vai e outro aparece, aparentemente para substituí-lo.
Traz um balde grande na mão, além da sua espingarda. Ao entrar, aproxima-se
de nós e despeja a água fria do balde sobre nossos corpos estendidos no assoalho
gelado, o que me causa um choque violento e me faz me sentar alarmada, um
grito agudo escapando da minha garganta, meu corpo lutando contra a água que
tenta entrar nos ouvidos e no nariz.
Willian e Dylan também se sentam.
— Acordem, seus desgraçados! Estão pensando que isso aqui é hotel
para descanso? — diz ele, a fúria clara em seu semblante e no tom de sua voz —
Estou com um celular aqui, qual dos três vai ligar primeiro para as pessoas que
estão com nossos filhos?
— Quantas vezes vou ter que repetir que não sabemos onde os filhos de
vocês estão? — Willian fala e em resposta recebe um chute no rosto.
— Resposta errada, cretino! — O sujeito berra — Vocês não estão nem
tentando!
— Se tivesse como resgatá-los, você não acha que já o teríamos feito,
para salvar nossas vidas? — É Dylan quem diz.
— Talvez ainda não tiveram incentivo suficiente, mas podemos dar um
jeito nisso.
Os três continuam com essa discussão por mais algum tempo, até que o
homem parece desistir e se coloca sentado na cadeira perto da porta, onde o
outro esteve até agora há pouco.
Assim, as horas se arrastam com uma lentidão inacreditável. Sem
comermos, nem bebermos nada, continuamos ali deitados, apenas vivos, com o
corpo fraco demais até para nos sentarmos. Quando o dia amanhece finalmente
nos trazem um pedaço de pão mofado e um pouco de água. Apenas o suficiente
para nos manter com vida. Nesse ritmo, o dia inteiro se passa e a noite cai
novamente, as horas se arrastando vagarosamente, tortuosamente, até que é
novamente dia. Com apenas um pedaço de pão velho e um copo de água pela
manhã, sem tomarmos banho, vamos sobrevivendo como fantasmas com um fio
de vida, sendo que aos poucos vamos perdendo a noção de há quanto tempo
estamos aqui. Dois dias, talvez três. Durante esses dias, sempre que tentamos
dormir, pelo menos para fugir da realidade, somos acordados por um balde de
água fria, seguido de chutes e ameaças e sempre há um dos homens nos
vigiando, apenas o líder, o tal de Kevin, não se incube dessa função, sequer
apareceu mais aqui. Deve estar ocupado com as três esposas, já que é o único do
bando que possui atributos físicos suficientes para agradar minimente uma
mulher.
Dylan é o primeiro a perder o controle. Mesmo ciente de que é
impossível contatar os mafiosos e mais impossível ainda localizar as pessoas que
foram enviadas, ele pede o celular a um dos homens e no instante em que o leva
ao ouvido, o sequestrador saca outro aparelho do bolso e faz o mesmo,
certamente tentando ouvir a ligação.
Puta merda! É agora que ele ferra a todos nós.
Em desespero, Dylan tenta fazer várias ligações, certamente para os
números dos mafiosos, sem obter resposta em nenhuma delas. Como era se
esperar, os chips com os números que tínhamos obviamente foram destruídos.
Sem opção, ele acaba ligando para seu pai e no instante em que é atendido, de
alguma forma o sequestrador sabe quem é e arranca o celular de suas mãos,
bruscamente, para em seguida desferir uma violenta coronhada do cabo da
espingarda em sua cabeça, deixando-o lânguido, quase desacordado.
— Filho de uma puta! Achou mesmo que podia me enganar? — dispara
o homem.
Em seguida, ele deixa o porão e pouco depois retorna acompanhado de
outros dois, quando então Dylan é levado. Depois disso podemos ouvir os gritos
dele partindo do andar de cima, gritos terríveis, como se ele estivesse sendo
violentamente torturado, o que perdura por horas. Quando o trazem, pouco
depois do anoitecer, está todo machucado, desmaiado.
— Agora é a sua vez, loirinha. — anuncia um dos raptores, olhando para
mim e o pânico toma conta das minhas entranhas.
— Mas eu não fiz nada. — murmuro, a voz fraca.
— Esse bastardo tentou me enganar. Vocês todos vão pagar.
Penso em argumentar, falar em minha defesa, no entanto, antes que tenha
tempo de abrir a boca, sou bruscamente arrancada do chão e levada escada
acima, pelas mãos deles, enquanto Willian grita às nossas costas. Mas gritar é
tudo o que ele pode fazer.
— Com você vai ser diferente, piranha, vamos nos divertir juntos. — Um
dos sujeitos diz e o outro sorri.
— Se dermos um banho nela, dá até pra comer. — solta o terceiro.
O terror que me toma é tão devastador que me flagro implorando:
— Por favor, me matem. Eu imploro.
— Matar você? Mas ainda nem nos divertimos juntos. — É a resposta às
minhas súplicas.
Apesar de completamente mobiliada, como se morasse uma família aqui,
a casa está silenciosa como sempre. Acho que os moradores foram levados
embora, pois desde que fomos trazidos não ouvi qualquer movimentação de
outras pessoas aqui em cima que não dos raptores. Na sala grande, estão os
demais sequestradores, inclusive o líder, que acredito se chamar Kevin. Apenas
um deles ficou no porão, fazendo a guarda. Encontram-se acomodados em
estofados, bebendo cerveja e papeando.
— Olha isso galera, ela me pediu que a matasse. — O sujeito anuncia,
com deboche e todos sorriem em uníssono.
— Está com medo do que faremos a você, piranha? Mas não pensou no
que fazem todos os dias com nossos filhos, não é? — Outro deles diz, o ódio
indisfarçável na voz e no olhar.
— Não acha que é justo que você passe pelo que eles têm passado
durante todos esses anos? Sendo violentados por desconhecidos, talvez
torturados, ou quem sabe já tenham sido mortos? — O sujeito que diz isso, um
homem com cerca de quarenta anos, externa sua fúria amassando a latinha de
cerveja em sua mão.
— E o pior nessa história, é que ela nem sente remorso. Não liga para o
que foi feito deles. — É o líder quem diz e os outros concordam com ele.
— Acho que se dermos um banho nela, podemos mesmo nos divertimos.
Ela é bonita, mas assim fedendo não tem como chegar perto. — fala um dos
sujeitos que me trouxe do porão.
— É isso aí. Vamos lá pra cima dar um banho nela. — Outro concorda.
— Por favor, não façam isso comigo. — imploro, a voz em um fio quase
inaudível — Me matem, mas não isso.
— E por que não? Você se importou quando fizeram com a nossa gente?
Acha que é melhor que eles?
— A morte é pouco para você, moça. Vai ter que passar pelo mesmo que
nossos filhos estão passando.
— Nada mais justo que isso.
Percebo que minha súplica só serviu para atiçar ainda mais o ódio deles,
então calo-me enquanto sou levada para o segundo piso da casa. Entramos em
um quarto amplo, de onde dois dos raptores me empurra até um banheiro. Luto
com todas as minhas forças na tentativa de impedi-los quando tiram as minhas
roupas, porém, é uma luta em vão, ambos são muito mais fortes que eu. Mesmo
que não estivesse fraca, sem comer e sem dormir há dias, não conseguiria vencê-
los em uma batalha física. Então, completamente nua, sob os olhares cobiçosos e
maldosos deles, sou colocada debaixo dos jatos de água fria do chuveiro,
ensaboada e esfregada como um animal. Depois, eles desamarram as minhas
mãos, me deixam me enrolar em uma toalha e me levam de volta para o
aposento, onde os outros esperam.
— Aí está ela, limpinha e cheirosa pra quem quiser comer. Eu vou querer
e muito. Essa loira pode ser a encarnação do mal, mas é bonita pra cacete. Já
estou até de pau duro.
— Mas, como sou o mais velho, tenho o direito de ser o primeiro. — Um
deles se levanta e vem até mim.
Com brutalidade, arranca a toalha do meu corpo, deixando-me
completamente nua no centro do cômodo, meus olhos buscando
desesperadamente a janela, minha mente elaborando uma forma de passar por
eles e alcançá-la. Se conseguir alcançá-la e pular para o lado de fora, certamente
estarei morta por causa da altura, porém estarei segura. No entanto, eles parecem
perceber minhas intenções e se colocam todas à minha volta, fechando-me em
um cerco, acuando-me como a um animal. Apenas o líder não se aproxima,
permanece sentado a um canto, observando.
Entre risadas e piadinhas, começam a me tocar, como se eu fosse um
brinquedinho, um objeto inanimado, sem qualquer valor, do qual se declaram
proprietários. Um deles belisca meu seio, o outro me dá um tapa na bunda, um
terceiro tenta toca minha boceta, enquanto luto valentemente na tentativa de
alcançá-los com dentes e unhas afiadas, de quando em quando conseguindo
atingi-los, embora saiba que nada do que eu fizer os impedirá de me estuprar.
— Eu quero comer esse cuzinho. — rosna um dos animais— Olha pra
essa bunda cara. Nenhuma das minhas esposas é bonita assim.
Um outro gargalha.
— Eu fico com a boceta. Meto meu pau todinho nela, só tenho receio
porque não trouxe camisinha.
— Eu te empresto uma, cara. Eu trouxe. Nem morto meto numa puta
dessas sem preservativos.
— Essa aí deve ter até lepra.
Por fim, vem o golpe fatal. Um deles, o mais corpulento, agarra-me pelo
pescoço e me empurra até a cama, atirando-me brutalmente sobre o colchão,
estendendo seu corpo nojento sobre o meu. Tento continuar lutando, porém aos
poucos minhas forças vão me abandonando e, derrotada, entrego-me a um pranto
irrefreável.
— Já chega! — A voz, firme e alterada, parte do líder, que deixa seu
lugar ao canto para se aproximar de nós, sua fisionomia fechada em uma
carranca — Por mais que ela mereça isso, vocês são casados senhores, não
tentem fazer justiça cometendo o pecado do adultério!
No mesmo instante, o sujeito sai de cima de mim, apressadamente,
enquanto os demais se afastam. Eu havia me esquecido o quanto os Mórmons
são religiosos, seguidores da palavra encontrada na bíblia.
— Não será adultério se não houver sentimentos. O que faremos com ela
é punição. — diz o pai da garota de olhos puxadinhos.
— É verdade. Não estamos fazendo pelo prazer da carne, portanto, não é
pecado. — Outro deles diz e todos recomeçam a falar sem parar, concordando.
— Como seu pastor, eu ordeno que todos saiam daqui, agora! — A voz
firme e autoritária do líder ressoa novamente alterada e é suficiente para que
todos se silenciem.
— Eu acho que você está querendo ficar com ela só para você. — Solta
um dos raptores.
— E daí? Ao contrário de vocês, não sou casado. Não tenho obrigações
com ninguém.
Os Mórmons se entreolham, decepcionados e solto o ar que estava preso
em meus pulmões quando o primeiro concorda.
— Nesse caso, manda ver pastor. Faz essa puta pagar pelo destino que
deu aos nossos filhos. — O sujeito diz e antes de se afastar, lança um olhar de
desprezo para o meu corpo nu, entendido na cama, cuspindo em cima de mim.
Embora relutantes, os outros também concordam em deixar o aposento,
delegando ao pastor a incumbência de me violentar. Quando se afastam em
direção à porta, o pastor os seguindo para fechá-la, encontro a chance que vinha
esperando, de chegar à janela e pular. Então, com meu corpo todo trêmulo de
pavor, humilhação e dor, sentindo-me desesperada, lanço-me naquela direção, o
mais agilmente possível, conseguindo alcança-la antes que o pastor tenha tempo
de se voltar para mim novamente, no entanto, meu desapontamento é colossal
quando descubro que foi fechada com pregos, de modo que não pode ser aberta.
Durante breves segundos, observo o lado de fora através do vidro
transparente, quando posso ver a aldeia toda quieta, silenciosa e deserta, e a
angústia dentro de mim se expande, por estar tão perto da liberdade e mesmo
assim não poder alcançá-la.
— Achou mesmo que deixaríamos a janela destrancada com você aqui?
— O pastor pergunta, após trancar a porta por dentro.
Em desespero, começo a bater no vidro da janela com as palmas das
mãos, ao mesmo tempo em que grito alto. Não que eu acredite que algum
morador me ajudará, sei que estão todos com ódio profundo de nós, porém não
custa tentar.
— Saia de perto janela agora! — grita o líder religioso, com o mesmo
tom autoritário com que falou com seus seguidores.
Como não obedeço, ele vem até mim, segura firmemente em meus
cabelos e me atira sobre a cama, com brutalidade, me fazendo cair sentada, com
as pernas abertas sobre o colchão. Da uma boa olhada na minha vagina, depois
em meus seios e em resposta escancaro os dentes para que saiba que lutarei
enquanto estiver me estuprando, mesmo que não consiga impedi-lo.
— Tem roupas no armário, vista alguma coisa. — ordena, com
autoridade e se vira para fechar as cortinas da janela.
Surpresa, não espero que ele mude de ideia, levanto-me e corro até o
armário. Ao abri-lo descubro que todas as roupas são masculinas e enormes. Na
certa essa casa é dele, ainda assim, pego uma cueca boxer, uma camiseta de
malha, tão grande que serve como um vestido e visto-me. Apenas ao me virar
descubro que ele está sentado em uma poltrona próxima a mim, observando-me
muito sério e cruzo os braços na frente do peito, a fim de conter os tremores
causados pelo horror.


CAPÍTULO IV



— Pode parar de se tremer, não vou fazer nada com você. — Sua voz é
grossa, ríspida e autoritária.
— O-obrigada.
— Não agradeça. Não faço por você, mas por mim. Não sou esse tipo de
homem.
— Que bom.
— Temos que ficar aqui trancados por um tempo, para que eles acreditem
que estou violentando você. Tente não deixar que eles descubram a verdade, pelo
seu próprio bem. — Faz uma pausa, então acrescenta — Se quiser, pode se deitar
um pouco na cama.
Com as pernas bambas, vou até a cama e sento-me na beirada do
colchão. Não tenho coragem de me deitar, pois temo que ele mude de ideia e
faça comigo o que prometeu aos amigos. Não sou ingênua a ponto de acreditar
no altruísmo das pessoas.
Após me observar, quase sem piscar, por um longo momento de silêncio,
ele se levanta, tira uma barra de cereal do bolso do seu jeans e se aproxima,
estendendo-a para mim.
— Pode comer isso, mas se contar para os outros que te dei comida, eu
arranco sua língua.
Recebo a barra de cereal de sua mão e a devoro quase sem mastigar,
tamanha é minha fome. Quando volto a encará-lo, ele está sentado na mesma
poltrona de antes, fitando-me fixamente.
— O que você é para essa gente, um líder? — pergunto.
— Não um líder como há entre seu povo, aqui não temos prefeito, nem
governador. Sou apenas um pastor, um líder religioso que eles seguem por
opção.
— Essa casa é sua?
— Sim.
— E onde estão suas duzentas esposas?
A fisionomia dele fica ainda mais dura e me arrependo por ter sido
sarcástica.
— Não são duzentas, são três. Tive uma, mas a perdi para o câncer.
Cogito dizer que sinto muito, mas eu estaria mentindo, pois não sinto
nada.
— Você não se lembra de mim, não é? — indaga ele.
— Lembro sim. Você é o Kevin, o cara que enfiou a língua na minha
garganta quando estávamos na faculdade.
Vejo a surpresa se refletindo na expressão do seu olhar.
— O cara que você seduziu com o intuito de afastar do irmão enquanto
os mafiosos o levavam. — Uma veia pulsa em sua têmpora e me encolho
apavorada, um pavor que aumenta quando ele deixa o seu lugar e senta-se ao
meu lado no colchão, a poucos centímetros de distância — Vocês realmente não
sabem para onde ele foi levado?
Precavida, levanto-me e me coloco em pé do outro lado do quarto, o mais
longe possível dele.
— Você acha que se soubéssemos, já não teríamos falado, só para sair
desse inferno?
— Mas vocês não têm nenhum palpite? Qualquer coisa? — A angústia se
torna visível na expressão do seu olhar, o que me faz decidir ser sincera com ele.
— Quantos anos fazem que seu irmão foi levado?
— Muitos. Você sabe disso.
— Na minha opinião, ele não está mais sob o poder dos mafiosos, porque
já não é tão jovem e atraente. Sabe o que essas pessoas fazem para manter esses
jovens como reféns? Eles ameaçam dar fim à família, principalmente aos pais.
Sabe o que eu faria em uma situação dessas? Deixava que matassem a todos e
fugiria na minha primeira oportunidade.
— Por que está me dizendo isso?
— Para que você perceba que se o seu irmão realmente quisesse estar
aqui, ele estaria. Mas não está. Obviamente ele juntou um dinheirinho, enquanto
se prostituía e vive bem em algum lugar.
Nesse momento, ele se levanta, os olhos cor de mel brilhando da mais
assustadora fúria, cravados em meu rosto.
Puta merda! Por que não mantive minha boca fechada?
— Ou talvez ele esteja morto! Talvez tenha se recusado a transar com
algum daqueles pervertidos e o assassinaram! Mas você não liga, não é? — Sua
voz está alterada e me encolho no lugar, apavorada, a parede às minhas costas
me impedindo de recuar. Ele chega tão perto de mim que posso sentir o calor do
seu hálito batendo em meu rosto, quando fala — Como você consegue dormir à
noite, sabendo que pode ter sido responsável pela morte de tantas pessoas
inocentes?
Meu instinto de sobrevivência articula as palavras em minha mente.
— Não acho que tenham sido mortas. Prefiro acreditar que ficaram nessa
vida por algum tempo e depois reconstruíram uma realidade diferente, melhor do
que a que viviam aqui, ou nos ranchos perdidos no meio do nada.
— E acredita também que se prostituir, contra a própria vontade, não é
nada, não é? Porque para uma vadia nata como você é muito fácil.
Ele espalma suas mãos enormes no concreto, dos dois lados da minha
face e todo o meu corpo estremece de pavor.
— N-não... — Tento falar, mas sou bruscamente interrompida.
— Não o caralho! Foi muito fácil para você me seduzir, dar uma de
vadia, fingir que estava interessada em mim, quando era apenas uma pirralha de
dezesseis anos. Fez direitinho o seu trabalho, vagabunda! Eu demorei muito
tempo para esquecer o jeito safado como me beijou e se esfregou toda em mim,
naquele dia.
Ele fica em silêncio, os olhos faiscantes presos aos meus, fitando-me de
muito perto. Quando suas narinas se expandem para puxar o ar, percebo que está
excitado, relembrando o que fizemos há anos, quando quase transamos. Percebo
também que ainda me deseja, e deseja muito. Talvez eu possa tirar proveito disso
para fugir. Ainda não sei como, mas posso pensar em alguma coisa.
Então, respiro fundo, a fim de aplacar o medo, e espalmo minha mão em
seu peito.
— Nem tudo o que fiz naquele dia foi fingimento. Eu até gostei. Só não
fui até o fim com você porque era namorada de Solomon. — Espero pela reação
dele, que diga alguma coisa, que me faça entender se está acreditando em mim
ou se percebeu a armadilha, porém, ele não esboça nada, apenas continua
imóvel, me encarando de perto. Então, umedeço os lábios, tentando parecer
sensual mesmo estando abatida e com um ferimento na testa — Eu gosto de
homens como você, que têm uma pegada forte, que sabem o que fazer quando
está com uma mulher fogosa como eu.
— Uma pegada forte como, assim?
Ele leva sua mão para as minhas costas e a enrola em meus cabelos
molhados, puxando forte, me fazendo erguer o rosto. Em seguida, cola seu corpo
forte ao meu, imprensando-me de encontro à parede, com força, quando posso
sentir a ereção firme me empurrando e sou tomada de surpresa ao me flagrar
apreciando a sensação.
— Exatamente assim, pastor. Do jeito que eu gosto.
Seguindo meu plano, enfio as mãos sob a camiseta dele e fico espantada
ao constatar o quanto os músculos do seu abdômen são firmes e bem definidos.
— Se gostou, me beija de novo daquele jeito.
— Então peça, pastor. Me peça e eu te beijo.
— Me beija, vagabunda.
Umedeço os lábios com a língua e em resposta ele inclina a cabeça e se
apossa da minha boca com a sua. Primeiro percorre o contorno dos meus lábios
com a ponta da sua língua quente e úmida, em seguida cola seus lábios aos meus
e faz pressão, ao mesmo tempo em que os move devagar, então, por fim insere a
língua entre eles, acometendo-me, esfregando-a na minha, com lascívia, com
urgência. Sem que nada me preparasse para isto, sinto-me inesperadamente
excitada, invadida por um desejo insano, descomedido, o calor se alastrando
pelas minhas veias, o meio das minhas pernas latejando e pingando.
Depois de tantos anos nos braços de Willian, um homem muito mais
velho que eu, ser beijada e tocada por um homem como esse, todo gostoso,
musculoso e viril, é como um bálsamo inesperado.
Sem aviso prévio, ele interrompe o beijo e afasta seu rosto alguns
centímetros, observando atentamente o meu. Está analisando minhas reações,
tentando descobrir se o quero realmente, ou se estou fingindo querer. Tento
esconder minha emoções, me recusando a dar o braço a torcer e deixar que ele
saiba o quanto está me afetando, o quanto estou me derretendo de tesão nos
braços do homem que vem me torturando há dias, no entanto, meu corpo é
traidor e sem que eu consiga evitar, um arquejo me escapa, denunciando minha
excitação.
Como se tivesse acabado de receber minha permissão, o pastor volta a
me beijar, com ainda mais volúpia, mais fogo, a língua se movendo lascivamente
de encontro à minha, me comendo, me devorado, me deixando toda quente,
fervendo de tesão. Com a mão livre, apalpa meu corpo todo, massageias meus
seios, minha bunda, então a enfia entre minhas pernas, dentro da sua cueca e
enterra os dedos entre meus lábios vaginais, um gemido abafado lhe escapando.
Com uma brutalidade que parece inerente a ele, arranca a cueca do meu
corpo, usando as duas mãos para descê-la pelos pés, depois abre o zíper da sua
calça e tira o pau de dentro da cueca. É grande, grosso, cheio de veias
protuberantes e está completamente duro, com a ponta melada. Sou tomada pelo
impulso de segurá-lo entre os dedos, ajoelhar-me e colocá-lo na boca, porém,
antes que eu tenha tempo de articular qualquer movimento, o pastor me segura
firme pelos quadris e me levanta do chão, nivelando nossos sexos. Entregue às
sensações libidinosas que me tiram o juízo, abraço sua cintura com minhas
pernas e no instante seguinte ele entra mim, duro, grosso, delicioso, sua solidez
esticando as paredes meladas do meu canal, deslizando gostoso para dentro de
mim.
Depois de anos sendo possuída pelo meu marido, pequeno e já não tão
viril devido à idade, ter um pau tão robusto dentro de mim me leva à perdição e
rebolo nele enlouquecida, girando os quadris, me acabando de tanto prazer.
Kevin volta a agarrar meus cabelos atrás da cabeça, o outro braço me
segurando junto ao seu corpo, crava seus olhos nos meus ao mesmo tempo em
que começa a estocar forte dentro de mim, me alcançado fundo, me fodendo tão
gostoso que preciso morder o lábios com força para evitar que meus gemidos
saiam altos e sejam ouvidos pelos outros homens, o que os levaria à
desconfiança.
Apesar da sua fisionomia sempre dura, olhando-o assim de perto,
enquanto sou invadia pelas sensações luxuriosas, ele parece tão bonito, com as
sobrancelhas grossas sombreando os olhos cuja cor está mais escura, a boca
contraída, os traços contorcidos pelo prazer que o arrebata. Só não posso me
esquecer de que ele não passa de um desconhecido, pior que isso: um
desconhecido que me odeia com todas as suas forças.
— A sua religião não permite usar preservativos durante o sexo, pastor?
— pergunto, sem desviar meu olhar do seu rosto, minha voz entrecortada pela
respiração pesada.
— Não vou gozar dentro de você. Só quero te sentir assim um pouco. —
Sua voz me lembra o grunhido de um animal — É tão bom... você é tão apertada
e está tão molhadinha...
Ele estoca mais forte, mais bruto, tão gostoso que quero levar a cabeça
para trás e gemer, mas sua mão em meus cabelos não me permite me mover,
como se ele se recusasse a abrir mão do meu olhar, de capturar cada uma das
minhas emoções enquanto me come.
— Gosta disso, não é sua puta?
— Sim, pastor, você é muito gostoso.
— Não me chama de pastor enquanto está trepando comigo, isso é
indecente.
— Como quer eu te chame?
— De Kevin.
— Você tem um pau muito gostoso, Kevin...
— Me pede pra te comer.
— Me come, Kevin, enfia esse pau grande todo em mim...
Então, ele se move ainda mais depressa, arremetendo-se forte contra
mim, meu corpo imprensado entre ele e a parede, cada uma de minhas células
incendiando de tanto tesão, um tesão insano, descontrolado, que há muito eu não
sentia. Logo meu corpo se enrijece todo, anunciando a chegada do clímax. Mais
uma vez tento lançar a cabeça para trás, arrebatada e mais uma vez ele me
impede, mantendo meu rosto rente ao seu.
— Porra... vou gozar... — choramingo, incapaz de conter o meu corpo.
— Eu sei.
Assim, mergulho no meia profundo êxtase, sem mais conseguir conter os
gemidos que saem altos, meus olhos fixos nos dele, as paredes do meu canal
latejando em volta da sua virilidade, minhas pernas o apetando ainda mais forte,
até que vou me aquietando aos poucos e então ele sai de mim e me devolve ao
chão, minhas pernas trêmulas encontrando dificuldade em me equilibrar.
— Você fica linda gozando, ainda mais do que imaginei.
Percebo o esforço dele para conter seu próprio gozo, segurando o pau
pelo meio a fim de controlar os espasmos. Embora eu devesse, não consigo
resistir, o desejo dentro de mim é forte demais, então, deixando-me guiar por
esse desejo, ajoelho-me aos pés dele, seguro seu pau pelo meio e o coloco na
boca. Ergo o olhar para observar o seu rosto e começo a chupar, levando a
cabeça para frente e para trás, fazendo com que entre e saia da minha boca, bem
melado, quente e gostoso. A expressão de prazer em seu rosto é impagável
quando o levo até a garganta e o trago de volta. Sem pressa alguma, passo a
língua em torno da glande e depois por toda a sua extensão, enfiando-o
novamente na boca.
— Engole tudo... vou gozar... — Sua voz grunhida me faz latejar entre as
pernas, querendo senti-lo novamente dentro de mim, só que agora não há tempo.
Assim, seguro-o pela base e movo-me ainda mais depressa, até que ele
esporra na minha boca, enchendo-a, segurando minha cabeça firme no lugar para
garantir que engolirei tudo e o faço, deliciada com o seu gosto.
— Porra... isso foi muito bom, menina.
Ele me surpreende mais uma vez ao se ajoelhar diante de mim, seu rosto
lindamente relaxado nivelando com o meu e me estreita em seus braços, de um
jeito carinhoso e protetor que parece não combinar com ele, mas também não
parece fingido.
— Quer dormir um pouco? — indaga ele, ao mesmo tempo em que
acaricia meus cabelos com a ponta dos dedos, a voz gentil e calma como eu
ainda não tinha ouvido.
— Sim. Estou exausta. — E é verdade.
— Vem comigo.
Com isto, ele passa os braços sob minhas costas e levanta-se do chão
comigo no colo. Carrega-me até a cama, deita-me e me cobre com um lençol.
Fico esperando que se deite ao meu lado, mas ele não o faz, em vez disso, senta-
se em uma poltrona longe da cama e o amaldiçoo por isto, pois meu plano mal
arquitetado era esperar que ele dormisse, roubar a chave da porta do bolso da sua
calça, encontrar uma arma e sair daqui, no entanto, quem está morrendo de sono
sou eu. Depois de três dias deitada no chão frio do porão, com os baldes de água
me impedindo de dormir, a cama simples me parece mais confortável que as
king size em que dormi nas suítes luxuosas dos hotéis, de modo que mando tudo
ir se foder e entrego-me ao sono profundo e tranquilo.

CAPÍTULO V


— Reese, Reese, Reese...
Parece que eu acabei de adormecer, quando ouço a voz do pastor me
chamando e demoro a abrir os olhos, relutando em voltar para a maldita
realidade na qual me encontro. O sono foi tão rápido que sequer tive tempo de
sonhar em estar em um lugar diferente.
— Me deixa dormir. — resmungo, preguiçosamente.
— Já vai amanhecer. Está na hora de você voltar pro porão.
— Não quero ir pra lá.
— Não quer, mas vai. Agora se levanta, porra! — Seu tom de voz
abrupto me desperta completamente e sento-me depressa na cama, temendo que
se torne violento. — Vista isso, vai evitar que pegue uma infecção.
Ele joga uma cueca limpa e uma bermuda de moletom masculina que me
servirá como uma calça. Temerosa, levanto-me e começo a me vestir, enquanto
ele me observa atentamente.
— Por favor, me deixa ficar aqui. O porão é sujo, fedorento e tem ratos.
— Você não pode ficar aqui. Seu lugar é lá, junto com os outros.
Termino de me vestir e viro-me para encará-lo.
— Até quando? Até quando vocês vão nos manter aqui?
— Até quando vocês decidirem colaborar.
— Nós já dissemos que não há nada que possamos fazer para trazer os
parentes de vocês de volta. Somos inúteis aqui.
— Acontece que vocês são nossa única esperança e quanto mais depressa
essa esperança morrer, mais depressa vocês serão executados. Você consegue me
entender?
Suas palavras não são uma ameaça e sim um aviso macabro de que
devemos no mínimo fingir que os ajudaremos, para que nos mantenham vivos, o
que faz com que o sangue fuja da minha face e recuo um passo, apavorada.
— Nós nuca tivemos chance de sair daqui vivos, não é?
— Nós nuca dissemos que sairiam.
Um bolo horrível se forma em meu estômago.
— Mesmo depois do que aconteceu entre nós, você ainda pretende me
matar?
— Foi só sexo. Não muda o fato de que você acabou com a vida do meu
irmão.
Sem pensar, estendo a mão e tento dar-lhe uma bofetada no rosto, porém
ele é mais rápido e a segura no ar, impedindo-me.
— Foi o pior sexo da minha vida. Senti nojo de você o tempo todo. —
minto, com o intuito de feri-lo de volta.
— Não, não foi. Você começou com aquilo porque achou que podia me
seduzir para tentar fugir, mas depois você gostou. Não esperava sentir o prazer
que te dei. Só estou te dizendo isso para que saiba que não sou mais o
adolescente idiota que você enganou no passado.
Mesmo que eu encontrasse palavras para rebater a isso, não teria energia
para pronunciá-las, a perspectiva da morte tão próxima aniquilando todas as
minhas forças, o desânimo me abatendo.
— Temos que ir. Por favor finja que está arrasada, tem alguns homens na
sala e eles precisam acreditar que violentei você.
— Eu não preciso fingir que estou arrasada.
Ele amarra meus pulsos com o mesmo pedaço de corda antigo, segura-
me pelo braço e me conduz escada abaixo. Na sala, dois dos raptores estão
concentrados em um jogo de xadrez e param para nos observar, claramente
desconfiados.
— Eita que a coisa foi boa, não pastor? Quase não sai de cima dela. —
dispara um deles e ambos gargalham euforicamente.
— Não é descente falarmos sobre isso, senhores. Apenas a levam de
volta para o porão. — diz o pastor.
Um dos homens se levanta e se aproxima de mim, os olhos raivosos
cravados em meu rosto.
— Ainda é cedo par levá-la. E como ela está com carinha de quem
gostou do que aconteceu lá em cima, acho que posso dar um pouco mais disso a
ela. Minha mulher não precisa saber.
O sujeito horrível avança para cima de mim, atacando-me, uma mão
entre minhas pernas, a outra segurando minha nuca, me puxando, tentando me
beijar. É então que o pastor corre em minha defesa, afastando-o com mãos
brutas, quase o atirando no chão.
— Eu já disse que não é para tocar nela, porra! — vocifera ele,
colocando-se diante do homem, desafiadoramente, com os punhos cerrados, a
face contorcida de fúria, o peito subindo e descendo com a respiração pesada.
— Calma pastor, eu só estava brincando. — O home diz — Prece até que
está com ciúme dessa puta.
— Caramba pastor, será que ela seduziu você de novo? — O outro
acrescenta e ambos voltam a gargalhar em uníssono.
— Vão pro inferno vocês dois. — esbraveja o pastor.
Ele mesmo me conduz de volta até o porão. É a primeira vez que o vejo
descendo aqui depois do dia em que fomos trazidos. Por mais que eu implore
para que não o faça, me deixa jogada no chão, no meio do mofo e da sujeira,
com um dos homens vigiando a porta.
— O que fizeram com você, Reese? — Willian indaga, depois que o líder
religioso se retira. Como não respondo, continua: — Pelo amor de Deus, me
responde. Eles a machucaram? Violentaram você?
Não quero falar, mas se não o fizer ele não se calará.
— Não me machucaram, mas disseram que vão nos executar caso
percebam que não somos úteis para eles, portanto, pense em alguma coisa que
possa impedi-los e pense rápido. Agora me deixe em paz, quero ficar quieta.
Dylan diz alguma coisa, mas me recuso a escutar. Desalentada, quase
deprimida, deito-me em posição fetal e relembro o que o pastor disse sobre nos
executar. Eles nos condenam pelo que fizemos, mas são piores que nós, não
passam de assassinos. Pelo menos eu nunca matei ninguém. Porém, chegar a
essa conclusão não salvará minha vida, dizer isso a eles não fará com mudem de
ideia, pelo contrário, só os incentivará a nos eliminar mais depressa e eu ainda
não estou pronta para morrer, sequer me despedi da minha família, aliás, há
semanas que não os vejo. Estava tão atolada na minha dor, na dor de perceber
que Solomon preferiu ficar com aquela sonsa, por meio de um contrato, a ter
qualquer coisa comigo, que acabei deixando tudo de lado, inclusive meus pais e
meus irmãos. Eu nunca havia ficado tanto tempo sem vê-los e agora serei morta
sem ter tido a chance de me despedir.
Os pensamentos se atropelam em minha mente, fazendo minha cabeça
girar, o porão se transformando em uma imagem borrada, desconexa, tudo
parece se mover à minha volta. Lembro-me de que há pouco estava nos braços
do meu algoz, do homem que pretende tirar minha vida, e que gostei de estar
com ele. Que tipo de pessoa sente prazer nos braços do seu próprio assassino?
Talvez o tipo que nunca foi amada de verdade por um homem, como eu.
Permaneço imóvel, na mesma posição, por tanto tempo que acredito que
os homens estão convencidos de que adormeci, pois logo me jogam um balde de
água gelada e cospem os palavrões de sempre, sem que desta vez eu tenha forças
sequer para me mover, apenas os vejo diante de mim, em um amontoado de
imagens borradas.
Sinto-me tão cansada que opto por continuar quieta, imóvel, uma paz
carregada de languidez me envolvendo aos poucos, me consumindo. Em meio a
essa nostalgia vejo quando o pastor se aproxima. Seus traços físicos e sua voz
são inconfundíveis. Ele toca minha testa com o torso da mão e grita com os
demais.
— Ela está queimando de febre, porra! O que vocês estavam fazendo que
não viram isso?
Seus braços fortes passam por sob o meu corpo e ele me suspense do
chão, carregando-me rumo à saída. Está tão quentinho e cheiroso que deixo
minha cabeça descansar em seu peito, uma sensação boa de aconchego me
tomando. Eu podia morrer agora, nos braços dele, pelo menos morreria
confortável, nos braços do meu assassino.
Em meio à tontura que me engolfa, vejo quando sou carregada por ele até
o andar superior e deitada na cama. O colchão é tão macio e confortável que
opto por parar de lutar contra a escuridão e entrego-me a ela, permitindo que me
engula por completo.

Quando recobro a consciência, sinto-me tão exausta que a simples tarefa
de abrir os olhos parece cansativa. Estou deitada na cama do pastor, com um
soro ligado à veia do meu braço, enquanto ele se encontra sentado em uma
poltrona aos pés da cama. Imediatamente recordo-me de tudo: da febre, das
divagações, do balde água gelada jogado em cima de mim.
— Como está se sentindo? — pergunta o meu raptor, a voz gentil.
Limpo a garganta com um pigarreio antes de falar.
— Melhor. O que aconteceu? Por acaso você me transmitiu uma doença
venérea mortífera?
Ele sorri, exibindo dentes brancos e perfeitos. É a primeira vez que o
vejo sorrindo.
Faço um esforço para tentar me sentar, porém a visão do quarto girando à
minha volta me incentiva a ficar quieta no lugar.
— Não tente se levantar, ainda está muito fraca.
— O que aconteceu comigo?
— O médico da comunidade veio examiná-la. Disse que você teve um
choque traumático, mas vai ficar bem. Fiz uma sopa de legumes para você.
Consegue comer?
— Por que está sendo gentil comigo? Não seria mais fácil me deixar
morrer de uma vez para poupar o seu trabalho?
Ele respira fundo e esfrega os olhos com as mãos, parecendo-me
fatigado.
— Eu não devia ter te falado aquelas coisas. Acho que estamos todos
meio desesperados aqui, com tudo o que nos foi revelado. Apesar disso, não
somos assassinos.
— Não são, mas mataram o xerife.
— Aquilo foi legítima defesa. Ele atirou primeiro.
— Tente explicar isso à polícia quando vierem atrás de vocês, porque um
dia eles vêm. E então terão que responder também pelo nosso sequestro.
— Não diga tolices! — vocifera ele, bruscamente, revelando sua
verdadeira face — Temos toda a cidade como testemunha de que atiramos em
legítima defesa. E você está sendo muito otimista em acreditar que os mafiosos
para quem trabalham vão deixar vocês vivos para falar com a polícia. — Suas
palavras me fazem estremecer. As ameaças partem de todos os lados — E então,
vai querer a sopa ou não?
Eu queria poder recusar, mas estou morrendo de fome.
— Sim, por favor.
Ele sai do quarto muito seguro de que não vou fugir, e sequer tento, pois
sei que não é tolo o bastante para deixar a janela aberta, ou alguma arma por
aqui. Em poucos minutos retorna, trazendo uma bandeja contendo água e um
prato de sopa cujo aroma me dá água na boca. Com gentileza, me ajuda a sentar-
me na cama, com as costas apoiadas no espaldar, coloca um travesseiro sobre
minhas pernas e deposita a bandeja sobre ele. Tento comer com a mão esquerda,
já que a direta está com o soro, porém não tenho nenhuma coordenação motora
com essa mão e acabo derramando sopa para todos os lados enquanto levo a
colher à boca.
— Não tenho uma esposa para lavar esses lençóis, então me deixa te
ajudar.
Não protesto quando ele se senta a meu lado, perto demais, apossa-se da
colher e passar e me dar o alimento na boca. Era para isto estar sendo
humilhante, afinal estou sendo tratada como uma inválida, mas não me sinto
humilhada, pelo contrário, a proximidade dele me agrada, sua gentileza e seu
cuidado me seduzem, me encantam. Olho em seu rosto de perto e o acho tão
bonito, tão charmoso. Por mais que em meu íntimo eu relute em admitir, estou
irremediavelmente atraída por esse homem, o mesmo homem que pretende
acabar com a minha vida. Queria ter me sentido assim por ele na época da
faculdade, mas estava ocupada demais tendo olhos apenas para Solomon.
Terminada a sopa, ele me da um copo d’água e quando volto a me deitar,
se inclina sobre mim para ajeitar o travesseiro debaixo da minha cabeça, quando
posso sentir o cheiro do seu perfume misturado com suor limpo e fico
completamente sem fôlego, excitada.
— Precisa de mais alguma coisa? — indaga ele, a voz arrastada
denunciando que está tão afetado por mim quanto eu por ele.
— Não. Só quero dormir. — murmuro e recosto a cabeça no travesseiro,
sentindo-me confortável.
Na verdade, quero ir ao banheiro aliviar a bexiga, porém o cansaço em
meu corpo é muito maior que qualquer outra coisa, então apenas fecho os olhos
e entrego-me ao sono.


CAPÍTULO VI


Quando acordo, estou fervendo de calor. O ar condiciona do quarto está
desligado e a janela como sempre fechada. Sentindo-me mais revigora, mais
forte e descansada, percebo, através do vidro da janela, que já é noite. O soro já
não está em meu braço e o pastor está deitado na cama ao meu lado, adormecido,
quase caindo na extremidade oposta do colchão, o mais longe possível de mim.
Devia estar muito cansado quando se deitou, pois sequer tirou os sapatos. Com
os olhos fechados, o rosto completamente relaxado, ele fica ainda mais bonito.
Possui uma masculinidade crua, viril, que me atrai como um ímã, algo que não
consigo compreender, afinal, por mais que ele esteja se mostrando gentil, ainda é
meu sequestrador e ainda pretende me fazer mal.
Pensando nisso, levanto-me apressadamente e vasculho todo o quarto à
procura de algo que me ajude a fugir enquanto ele dorme, uma arma, talvez uma
chave, mas não há nada. A janela ainda está tranca com pregos, não há nenhuma
arma aqui e a porta está trancada. Mesmo que estivesse aberta, eu não me
atreveria a sair por ela, pois sei que seria violenta pelos outros homens. Então,
derrotada, entro no banheiro. Após aliviar minha bexiga, coloco-me diante do
espelho sobre a pia e quase não me reconheço ao observar meu reflexo. Meu
rosto está abatido, com grandes olheiras escuras; meus cabelos estão ressecados,
emaranhados; o ferimento na testa, agora com um curativo, ajuda a acentuar o
aspecto doentio da minha aparência.
A afim de refrescar o calor insuportável, tiro a camiseta masculina e a
cueca que cobrem meu corpo e entro embaixo do chuveiro, a água fresca
parecendo um bálsamo às minha dores externas, embora nada possa fazer para
amenizar as feridas internas, acarretadas pelo medo e pela angústia que têm me
assolado nesses últimos dias.
Encontro um sabonete líquido de marca barata na pequena prateleira na
parede e o espalho sobre a minha pele, fazendo espuma. Estou passando um
pouco mais dele, quando de repente a porta do banheiro se abre com um baque e
o pastor entra, deixando-me sobressaltada com a intromissão repentina.
— O que diabos você está fazendo? — indaga ele, alterado, a fisionomia
naturalmente dura ainda mais carregada, aflita, na certa por deduzir que eu
tramava algo contra ele enquanto dormia.
— Estou tomando banho, não está vendo? — Encaro-o enquanto
respondo e volto a espalhar o sabonete cremoso sobre minha pele,
tranquilamente.
Ao perceber que eu não tramava nada, aos poucos ele vai se calmando, a
respiração desacelerando, o semblante descontraindo. Então, como se de súbito
se desse conta da minha nudez, desce o olhar pelo meu corpo, pousando-o
demoradamente sobre meus seios, depois sobre o meu sexo, me devorando, me
comendo com os olhos, enquanto permanece ali imóvel.
Excitada com o jeito esfomeado como ele me olha, não consigo resistir
em provocá-lo, e passo os dedos ensaboados no vão entre minhas pernas, ciente
de que seu olhar registra atentamente o movimento, para em seguida buscar o
meu rosto, analisando minhas intenções. Quando me vê umedecendo os lábios
com a língua, de um jeito provocante, ele se despe de todo o seu pudor e avança
para cima de mim como uma fera faminta, unindo-se a mim debaixo do
chuveiro, completamente vestido, deixando que suas roupas sejam molhadas.
Com sua pegada bruta, passa um braço em volta da minha cintura, puxando-me
para junto do seu corpo grande e sólido e com a outra mão agarra maus cabelos
na altura da nunca, puxando firme, me fazendo erguer o rosto para ter acesso
livre á minha boca. Então me beija, com sede, com ganância, sua boca
devorando a minha, a língua me invadindo sem permissão, suscitando o mais
ardente desejo em minhas entranhas, até que nada mais me importe nesse mundo
que não o ter dentro de mim.
Com uma urgência absoluta, levo as mãos á barra da sua camiseta e o
ajudo a atirá-la pela cabeça, em seguida, abro o zíper da calça e suas mãos me
ajudam a tirá-la, junto com a cueca, os sapatos e as meias. Afasto-me alguns
centímetros para vê-lo completamente nu e fico ainda mais excitada,
maravilhada, ao contemplar seu físico másculo, as coxas grossas e peludas, o
abdômen achatado, o peitoral musculoso, coberto por uma camada rala de pelos,
os ombros largos e os bíceps pronunciados. É a criatura mais magnífica sobre a
qual já coloquei os meus olhos e o conjunto me deixa ainda mais doida quando
detenho o meu olhar sobre o pau grosso, todo rodeado por veiais, deliciosamente
duro.
— Porra, pastor... — As palavras me escapam, roucas e sussurradas.
Perdida de tesão, seguro seu membro entre meus dedos e ele volta a me
puxar para si, acomodando meu corpo frágil ao seu, minha delicadeza de
encontro á sua rudeza, pele com pele, meus mamilos doloridos contra a solidez
do seu tórax, o que me faz pulsar e pingar entre as pernas.
Com movimentos bruscos, ele me encurrala de encontro à parede e me
beija como se meus lábios fossem o último alimento restante na terra, seu corpo
grande me pressionando, me enlouquecendo. Abandona meus lábios e desce sua
boca pelo meu corpo, deixando uma trilha de beijos por onde passa. Ao nivelar
seu rosto com os meus seios, segura ambos com as duas mãos, unindo-os, sibila
ao observá-los por um instante e então os cobre sua boca, mordendo, mamando,
lambendo, alternando entre um mamilo e outro, enquanto tudo o que consigo é
gemer e me acabar de tanto tesão. Continua explorando minha nudez com sua
boca esfomeada. Ao alcançar o meu sexo, ajoelha-se diante de mim, usa os dois
polegares para afastar meus lábios vaginais, da uma boa olhada na minha fenda
aberta e a ataca com sua boca. Um grito me escapa quando ele fecha seus lábios
sobre meu clitóris inchado e chupa devagar, macio e delicioso, para em seguida
percorrer a ponta da sua língua até minha entrada, penetrá-la e refazer o
percurso, concentrando as lambidas frenéticas bem em cima do meu ponto
sensível.
Ensandecida, penduro uma perna sobre seu ombro, enrolo meus dedos
em seus cabelos curtos e os puxo, ao mesmo tempo em que movo meus quadris,
esfregando minha boceta na sua boca, desavergonhadamente, gemidos e palavras
desconexas fugindo da minha garganta, se misturando ao som da água do
chuveiro, se perdendo entre as paredes do banheiro, até que o orgasmo vem,
forte e arrebatador, me fazendo vibrar e me contorcer inteira, morrendo de tanto
prazer, meus líquidos se derramando na sua boca, enquanto ele se alimenta de
mim.
Quando a tempestade se acalma, estou tão exausta que minhas pernas
falham e só não caio no chão porque Kevin se levanta a tempo e me segura entre
seus braços.
— Nem se atreva a passar mal agora, loira, porque ainda nem comecei a
te foder.
Sua voz rouca, pronunciada quase com um sussurro, é o estopim para que
eu esteja acesa de novo, excitada, pronta para ser sua.
— Eu estou bem. — garanto-lhe, incentivando-o a continuar.
Então, ele volta a me beijar, devorando minha boca, movendo sua língua
se encontro à minha. Aninha novamente meu corpo molhado ao seu, agraciando-
me com seu calor gostoso, com o contato da sua pele nua e me gira pelo
banheiro, nos locomovendo. Com um gesto brusco e rápido, vira-me de frente
para a parede, pendura um dos meus pés sobre o vaso sanitário, me faz abrir
mais as pernas e solta um gemido rouco ao passar os dedos na minha fenda
melada. Segura meus quadris com uma mão e com a outra segura seu pau pelo
meio e o esfrega em mim, na minha entrada, no meu clitóris, me lambuzando,
me incendiando, até que por fim me penetra, com um golpe duro e firme,
esticando minhas paredes com seu tamanho, me alcançado tão fundo.
Ele segura meus quadris dos dois lados e arremete-se contra mim
incessantemente, entrando e saindo, me fodendo tão forte, tão gotoso que preciso
apoiar as duas mãos na parede para me equilibrar antes de empinar mais a
bunda, abrindo-me mais para ele, sentindo-o ainda mais fundo, mais meu,
deliciosamente meu.
— Gosto do jeito como sua bunda balança quando meto em você, loira.
— grunhe ele, atrás de mim, a voz arrastada por causa da respiração pesada.
— E eu gosto do jeito como você me fode, pastor.
— Então pede mais, me pede para te comer e não me chama de pastor.
— Me come, me fode, faz tudo o que quiser comigo... ahhh...
— Gostosa.
Ele acelera ainda mais os movimentos, o som da sua pélvis se chocando
contra a minha bunda ecoando pelo banheiro, meus gemidos se transformando
em gritos, palavras desconexas saltando da minha garganta, incontrolavelmente.
Quando suas mãos soltam os meus quadris e passeiam pelo meu corpo,
massageando meus seios, meu abdômen, meu clitóris, o orgasmo se forma em
meu ventre, meu corpo inteiro se enrijecendo, porém antes que eu exploda, ele
sai de mim, senta-se rapidamente sobre o tampo do vaso, as costas apoiadas na
parede e me puxa, me fazendo montar em seu colo, de frente para ele, uma perna
de cada lado e volta a me penetrar, duro e delicioso, as paredes do meu canal
latejando em torno da sua virilidade, um gemido escapando da boca dele.
— Quero ver seu rosto enquanto você goza. — confessa ele, a face a
centímetros da minha.
— Para ter certeza de que não estou fingindo?
— Não. Porque gosto de contemplar o seu prazer.
Sem desviar seu olhar do meu rosto, ele segura dos dois lados dos meus
quadris e me move sobre ele, bruscamente, me suspendendo e puxando de volta
para baixo, entrando e saindo de mim com força, com rapidez, até que o orgasmo
vem, me rasgando de dentro para fora, me fazendo gritar e convulsionar em cima
dele, sem que seu olhar deixe de registar cada detalhe.
— Porra... que delícia... — Ele rosna e sibila, entregue, semblante
tomado de prazer — Quero encher essa bocetinha de leite... Posso gozar dentro
de você? Toma anticoncepcional?
— Sim... eu tomo... — Minha voz é um sussurro lânguido.
Então, ele da mais algumas estocadas firmes e bruscas, e fica imóvel,
com o seu pau enterrado em mim até o talo. Um único gemido lhe escapa
enquanto sinto os espasmos se fazerem em meu interior, espasmos longos e
incessantes, à medida que seu esperma me enche.
Exaustos, ambos permanecemos imóveis por um longo momento durante
o qual o silencio é quebrado apenas pelo som da água chuveiro. Com ele ainda
dentro de mim, recosto a cabeça em seu peito e sinto as batidas aceleradas do seu
coração de encontro ao meu rosto. Queria que esse momento durasse para
sempre, que jamais acabasse, no entanto, a realidade ainda está lá fora esperando
por nós e não há nada que possamos fazer para mudá-la.
O toque do celular partindo do quarto parece um alerta para esta
realidade. Por um longo momento, o pastor o ignora, permanecendo imóvel,
comigo em seu colo, porém o toque é insistente e por fim ele se move. Com um
suspiro longo e profundo, segura em minha nuca para erguer o meu rosto,
observa-me por um instante, os olhos cor e mel repletos de desejo e então me
beija, demorada e lentamente, como se fosse a última vez e quisesse levar o meu
gosto consigo.
— Tenho que atender o telefone. — diz.
Então, me tira do seu colo e, sem mais palavras, deixa o banheiro.

CAPÍTULO VII


Quando deixo o banheiro, enrolada em uma toalha, o quarto está
completamente deserto. É a primeira vez que fico sozinha aqui e como sei que é
muito mais perigoso lá fora, à mercê dos outros homens, nem passa pela minha
cabeça tentar fugir. Vou até o armário, escolho uma das camisetas de malha, uma
bermuda de moletom e me visto. Em seguida, vou até a janela e espio o lado de
fora através do vidro. A aldeia está quieta e silenciosa como parece sempre ficar
à noite. Aparentemente os Mórmons dormem muito cedo e não apreciam sair
para as noitadas. Deve ser um estilo de vida muito entediante, como se não
bastasse ter que dividir o marido com outras duas mulheres.
Cansada, deito-me na cama e penso no pastor, em tudo o que fizemos, no
turbilhão de emoções que experimentei em seus braços. Se eu tivesse o poder de
voltar no tempo, voltaria para a época da faculdade, para exatamente o momento
em que o conheci e ficaria com ele, esqueceria Solomon e o teria como único
homem da minha vida. Talvez assim eu tivesse sido feliz. Só que agora é tarde,
nada pode desfazer o que fiz ao irmão dele e a tantas outras pessoas. Pela
primeira vez desde que ingressei nessa história de tráfico humano, sinto o
mínimo remorso, não pelos jovens que ajudei a enviar para a prostituição, mas
por mim mesma, pela vida feliz que perdi em troca da ilusão de que dinheiro traz
felicidade.
Demora-se muito tempo até que a porta do quarto volte a se abrir e o
pastor entre, pisando firme. Ao ver seu semblante carregado de aflição, sei que
algo está errado e levanto-me da cama sobressaltada.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, alarmada.
— Sim. — Hesitantemente, ele se senta na beirada do colchão, os olhos
aflitos fixos nos meus — Recebi o telefonema de uma pessoa de confiança que
mora em Safford, disse que a polícia está vindo para cá.
Processo a informação e não sei se comemoro ou fico triste.
— O que isso significa?
— Vamos ter que tirar vocês daqui, para que não sejamos flagrados com
reféns e presos por sequestro.
— Pra onde vão nos levar?
— Para um rancho abandonado. O filho do proprietário também foi
levado. Há muitos anos. — Ele hesita antes de continuar — Quero que você
fique aqui... comigo.
— O que?
Ele se aproxima um pouco mais de mim, os olhos cravados nos meus.
— Presta bastante atenção no que vou dizer, Reese. Sei que parece
loucura, mas eu não quero te perder. Sinto essa atração genuína por você e a
quero do meu lado, não como minha esposa, mas como minha amante. Quero te
propor que fique aqui, escondida nessa casa, sem que absolutamente ninguém
saiba que você está aqui, mas quero que fique por livre e espontânea vontade. —
Ele fala depressa, sem me dar tempo de processar — Você precisa decidir isso
agora, porque a polícia já vai chegar. De um lado, você pode ser presa por tráfico
humano, ou ser morta por esses policias, caso eles tenham vindo a mando dos
mafiosos para quem vocês trabalhavam — Suas palavras me fazem estremecer
— Do outro lado, você tem a mim. Te dou minha proteção, não deixo que te
levem, mas você precisa ter em mente que se tentar fugir, que se alguém da
nossa comunidade souber que você está aqui, eles vão te matar. E então, o que
você me diz?
Confusa com tantas informações novas, levanto-me e começo a caminhar
de um lado para o outro do quarto.
— O que exatamente você está me propondo? Que eu passe o resto da
vida tranca nessa casa, sem ver a luz do sol? Sem ver mais ninguém além de
você?
— E não é só isso. Você vai precisar ficar escondida no porão depois que
eu me casar. Eu tenho uma noiva que em breve será minha esposa. Você pode
ficar aqui, mas não pode interferir entre mim e ela, nem entre as outras esposas
que virão depois.
A raiva se alastra pelo me sangue. Quem ele pensa que sou?
— Você só pode star brincando! Quer que eu seja tipo uma escrava
sexual que ficará sempre à sua disposição?
— Você prefere a cadeia?
Pondero minhas opções. Além da cadeia, posso facilmente receber um
tiro na testa desses policiais, que certamente estão comprados pela máfia.
— Ou um tiro na testa. — penso em voz alta.
— Essas são suas opções, Reese. Pense no que vai ser, só pense depressa.
Estamos sem tempo.
Assim, afasto todas as emoções que envolvem toda essa história e tento
analisar os fatos o mais racionalmente possível. Se eu for com a polícia a morte
ou a prisão perpétua serão certas, todavia, se eu ficar aqui, posso esperar até que
Kevin aprenda a confiar em mim e tentar fugir, ou talvez, ele se apaixone por
mim e me dê minha liberdade de presente. É lógico que é muito melhor ficar
aqui.
— Tudo bem, eu fico. — anuncio.
Ele se aproxima de mim, me segura pelos ombros e me faz encará-lo.
— Tenha em mente que você não deve se apaixonar por mim, e que eu
não vou me apaixonar por você. Nossa relação será meramente um acordo. Vou
te manter segura, vou remobiliar e limpar aquele porão para que fique o mais
confortável possível para você, mas é só isso. Vou continuar seguindo as regras
da minha cultura, me casando com mulheres virgens, que sigam a minha
religião. Elas podem até ter conhecimento da sua permanência aqui, só que você
nunca será uma delas.
Isso me parece muito humilhante, mas ainda é melhor que ser morta ou
enjaulada em uma cadeia.
— Certo, estou de acordo.
— Agora você precisa se esconder, certamente a polícia vai revistar a
casa.
Ele percorre os olhos em volta, a procura de um esconderijo onde eu
possa ficar.
— Só mais uma coisa, Kevin. — falo.
— O que?
— Por que você me quer aqui? Você sabe que não sou flor que se cheire
e você é um líder religioso.
— Eu acredito que você pode mudar.
— Então vai tentar me converter, pastor?
— Não é hora para brincadeiras. A polícia vai chegar a qualquer
momento.
Dito isto, ele abre seu armário de roupas, de onde tira uma mala preta,
que apesar de enorme para uma mala ainda é pequena demais para comportar
uma pessoa.
— Mas você não quer que eu entre aí não, né?
— É o único jeito. Assim que tudo acabar volto para te tirar daqui.
— E o que você vai dizer para os outros homens da sua comunidade?
— Que você fugiu. Agora entre na mala.
Merda!
Me encolhendo toda, faço o que ele disse e depois de muita luta consegue
fechar o zíper da mala comigo lá dentro, imprensada como uma sardinha na lata.
Faz um furo para que possa respirar e me arrasta de volta para o armário,
escondendo-me atrás das roupas.
— Daqui a pouco volto para te soltar.
Ouço seus passos se afastando, a porta do armário sendo fechada e
depois disso o silêncio é absoluto. Passa-se muito tempo até que ouço sirenes de
viaturas policiais se aproximando, depois há discussões com vozes alteradas,
sem que eu entenda uma só palavra o que é dito, há mais discussões, gritaria e
por fim o silêncio. O pânico é crescente dentro de mim quando ouço a porta do
quarto sendo aberta, passos pesados de mais de uma pessoa passeiam pelo
aposento, vagarosamente, perigosamente. Meu coração quase para de bater
quando a porta do armário é aberta, roupas são reviradas e por fim os passos se
afastam. Palavras são trocadas entre vozes masculinas ríspida e finalmente o
silêncio.
As horas que se seguem são tortuosas e intermináveis. O calor dentro da
mala é insuportável. Muito tempo depois, finalmente a porta do quarto é aberta
de novo e desta vez sou arrastada para fora do armário, com brusquidão. Prendo
a respiração até que a mala seja aberta e o rosto de Kevin se revela diante de
mim.
— Acabou — diz ele, sério demais.
Quase em agonia, pulo para fora da mala e caminho pelo quarto,
recuperando a respiração parcialmente privada, esticando as pernas quase
entrevadas por tanto tempo encolhidas.
— O que aconteceu? — pergunto, colocando-me finalmente diante dele.
Ele hesita antes de falar.
— A polícia levou seu marido, Willian, mas Dylan foi morto com um
tiro. Disseram que ele reagiu.

— Como assim disseram, vocês não viram?
— Não. Tudo aconteceu no rancho abandonado para onde os levamos.
— E o que acontece agora, Willian vai ficar preso?
— Acredito que sim. Se não o mataram ainda, é porque não pretendem
fazer isso.
— Eles não matariam o pai da amante de um dos homens mais poderosos
do país.
— Também acho que esse foi o motivo pelo qual o levaram vivo.
— E vocês não foram acusados de nos sequestrar?
— Ainda não. Acredito que seu marido vai abrir a boca, mas até ele
provar muita água já terá rolado sob a ponte.
Com a mente fervilhando com todas as informações, sento-me na beirada
da cama. Penso em Dylan, sendo morto tão jovem, sem ter vivido quase nada e
penso em Willian, no quanto ele vai sofrer passando o resto da vida na cadeia.
Sei que é um destino merecido, mas não deixa de ser triste.
Nunca fui uma mulher que chora fácil, sempre me forcei a ser forte, no
entanto, nesse momento as lágrimas insistem em marejar os meus olhos,
enquanto me obrigo a reprimi-las.
— Você está bem? — indaga Kevin, gentilmente, sentando-se ao meu
lado.
— Sim. Só pensando no quanto tudo isso é triste.
— Pode chorar. Ninguém consegue ser forte o tempo todo.
Com relutância, recosto a cabeça em seu peito e deixo as lágrimas
rolarem, sentindo-me ao mesmo tempo nostálgica, por tudo o que aconteceu e
imensamente segura junto a ele, como se tivesse encontrado o meu lar.
— Acredite, isso não é por Willian, é por tudo. — murmuro, tentando
conter os soluços.
— Eu sei que não. Você nunca o amou.
Ergo rosto pra fitá-lo nos olhos.
— Como você pode saber tanto sobre mim?
Ele passa os dedos em minha face, afastando as lágrimas.
— Eu passei muito tempo com você na minha cabeça depois que nos
encontramos na faculdade. — Faz uma pequena pausa, afastando outra lágrima,
os olhos intensos presos aos meus — Demorei a te esquecer.
— E agora eu sou sua.
— Sim... toda minha.
Com isto, inclina sua cabeça e sela nosso acordo com um beijo
demorado, carregado de paixão e de intimidade.


FIM


Fonte de pesquisa: “Três esposas, um marido”, documentário Netflix.
Table of Contents
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII

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