Você está na página 1de 3

CASCATA DE COAGULAÇÃO

A cascata de coagulação constitui o terceiro braço do sistema hemostático. As vias são esquematicamente
apresentadas na Figura 3-8; são discutidos aqui somente os princípios gerais.
A cascata de coagulação é uma série sucessiva de reações enzimáticas amplificadoras. A cada etapa do
processo, uma proenzima sofre proteólise para se tornar uma enzima ativa, a qual por sua vez faz a
proteólise da proenzima seguinte na série, levando eventualmente à ativação da trombina e à formação de
fibrina.
A trombina tem um papel chave, visto que age em numerosos pontos da cascata (delineada na Fig. 3-8).
A trombina proteolisa fibrinogênio em monômeros de fibrina que se polimeriza em gel insolúvel; esse gel
envolve plaquetas e outras células circulantes no tampão hemostático secundário definitivo. Os polímeros
de fibrina são estabilizados pela atividade de ligação cruzada do fator XIIIa, que também é ativado pela
trombina.
Cada reação na via depende da montagem de um complexo composto por uma enzima (um fator de
coagulação ativado), um substrato (uma proenzima forma o fator de coagulação seguinte na série) e um
cofator (um acelerador de reação). Esses componentes são tipicamente montados em uma superfície
fosfolipídica (fornecida por células endoteliais ou plaquetas) e mantidas juntas pelas interações que
dependem dos íons cálcio (explicando por que a coagulação sanguínea é impedida por quelantes de
cálcio).
Como é mostrado na Figura 3-9, a cascata sequencial de ativação pode ser semelhante a uma “dança” de
complexos, sendo os fatores de coagulação passados sucessivamente de um parceiro para o seguinte.
Entre parênteses, a capacidade dos fatores de coagulação II, VII, IX e X de se ligarem ao cálcio requer
que grupos γ- carboxílicos adicionais sejam um complemento enzimático de certos resíduos do ácido
glutâmico nessas proteínas. Essa reação requer vitamina K como cofator e é antagonizada por drogas
como o coumadin, que tem uso amplo como anticoagulante.
Tradicionalmente, a coagulação sanguínea divide-se em vias extrínseca e intrínseca, convergindo na
ativação do fator X (Fig. 3-8). A via extrínseca foi designada dessa maneira por exigir a adição de um
deflagrador exógeno (fornecido originalmente por extratos teciduais); a via intrínseca só exige o fator XII
(fator de Hageman) para uma superfície com carga negativa (até o vidro é suficiente).
Entretanto, essa divisão é principalmente um artefato dos testes in vitro; há de fato várias interconexões
entre as duas vias. A via extrínseca é a mais relevante em termos físicos para ocorrer a coagulação após
dano vascular; ela é ativada pelo fator tecidual, uma glicoproteína ligada à membrana expressa nos
locais de lesão.

Conversão sequencial de fator X em fator


Xa por via extrínseca, seguida pela
conversão do fator II (protrombina) em fator
IIa (trombina). O complexo de reação inicial
consiste em uma protease (fator VIIa), um
substrato (fator X) e um acelerador de
reação (fator tecidual) montado em uma
superfície fosfolipídica plaquetária. Íons
cálcio mantêm juntos os componentes e
são essenciais para a reação. O fator
ativado Xa torna-se então o componente
protease do complexo seguinte na cascata,
convertendo protrombina em trombina
(fator IIa) na presença de um diferente
acelerador de reação, o fator Va.

A protrombina é produzida no fígado


OS LABORATÓRIOS CLÍNICOS AVALIAM A FUNÇÃO DOS DOIS BRAÇOS DA VIA USANDO DOIS
TESTES-PADRÃO.
•O tempo de protrombina (TP) faz a triagem da atividade das proteínas na via extrínseca (fatores VII, X, II,
V e fibrinogênio). O TP é realizado por adição de fosfolipídeos e fator tecidual ao plasma citrado do
paciente (o citrato de sódio quela o cálcio e impede a coagulação espontânea), seguido pelo cálcio, e o
tempo para a formação de coágulo de fibrina (geralmente 11-13 segundos) é registrado. Como o fator VII é
um fator de coagulação dependente de vitamina K com meia-vida menor (aproximadamente sete horas), o
TP é usado para guiar o tratamento dos pacientes com antagonistas de vitamina K (p. ex., coumadin).
•O tempo de tromboplastina parcial (TTP) faz a triagem da atividade das proteínas na via intrínseca
(fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, II e fibrinogênio). O TTP é realizado com a adição de um ativador com carga
negativa do fator XII (p. ex., vidro moído) e fosfolipídeos ao plasma citrado do paciente, seguido por cálcio,
registrando-se o tempo necessário para a formação do coágulo (normalmente, 28-35 segundos). O TTP é
sensível aos efeitos anticoagulantes e, portanto, é usado para monitorar sua eficácia.
Depois de formada, a trombina não só catalisa as etapas finais na cascata de coagulação, mas também
exerce ampla variedade de efeitos sobre a vasculatura local e meio inflamatório; ela até participa
ativamente da limitação da extensão do processo hemostático (Fig. 3-10).
A maior parte dos efeitos mediados por trombina ocorre por meio de receptores ativados por protease
(PARs ), que pertencem a uma família de sete proteínas internas transmembrana. Os PARs estão
presentes em vários tipos celulares, incluindo plaquetas, endotélio, monócitos e linfócitos T.
A trombina ativa PARs cortando seus domínios extracelulares, provocando uma alteração de
conformação que ativa a proteína G associada. Assim, a ativação de PAR é um processo catalítico,
explicando a potência impressionante da trombina em desencadear efeitos dependentes de PAR, como
aumentar as propriedades adesivas dos leucócitos.
Depois de ativada, a cascata de coagulação deve ser fortemente restrita ao local da lesão para prevenir a
coagulação inadequada e, em outra parte da árvore vascular, a coagulação potencialmente perigosa. Além
da ativação do fator de restrição em locais de fosfolipídeos expostos, a coagulação também é controlada
por três categorias gerais de anticoagulantes:
 Antitrombina (p. ex., antitrombina III) inibe a atividade da trombina e outras serinas proteases, ou
seja, fatores IXa, Xa, XIa e XIIa.
 A antitrombina III é ativada pela ligação a moléculas do tipo heparina nas células endoteliais — daí
a utilidade clínica da administração de heparina para limitar a trombose (Fig. 3-6).
 Proteína C e proteína S são duas proteínas dependentes da vitamina K que agem em um
complexo para a inativação proteolítica dos fatores Va e VIIIa. A ativação de proteína C pela
trombomodulina foi descrita anteriormente; a proteína S é um cofator para a atividade da proteína
C (Fig. 3-6).
 Inibidor da via do fator tecidual (IVFT) é uma proteína secretada pelo endotélio (e outros tipos
celulares) que inativa o fator Xa e os complexos fator tecidual-fator VIIa (Fig. 3-8).
A coagulação também põe em movimento uma cascata fibrinolítica que modera o tamanho final do
coágulo. A fibrinólise é realizada principalmente pela plasmina, que quebra a fibrina e interfere em sua
polimerização (Fig. 3-11). Os resultantes produtos da divisão da fibrina (FSPs ou produtos de degradação
da fibrina) também podem agir como fracos anticoagulantes. Níveis elevados de FSPs (mais notavelmente
os dímeros D derivados de fibrina) podem ser usados para diagnosticar estados trombóticos anormais,
incluindo coagulação vascular disseminada (CID) (Capítulo 11), trombose venosa profunda ou
tromboembolismo pulmonar (descrito em detalhes adiante).
A plasmina é gerada por proteólise de plasminogênio, um precursor plasmático inativo, pelo fator XII ou
pelos ativadores de plasminogênio (Fig. 3-11). O mais importante dos fatores do plasminogênio é o
ativador de plasminogênio tipo tecidual (t-PA); o t-PA é sintetizado principalmente por células endoteliais,
sendo mais ativo quando fixado à fibrina.
A afinidade por fibrina confina, em grande parte, a atividade fibrinolítica do t-PA aos locais de trombose
recente. O ativador de plasminogênio tipo uroquinase (u-PA) é outro ativador do plasminogênio presente
no plasma e em vários tecidos; ele pode ativar a plasmina na fase de fluido.
Além disso, o plasminogênio pode ser clivado para a sua forma ativa pelo produto bacteriano
estreptoquinase, o qual é usado clinicamente para lisar coágulos em algumas formas de doença
trombótica. Como ocorre com qualquer componente regulatório potente, a atividade da plasmina é
fortemente restrita. Para prevenir o excesso de plasmina decorrente da lise de trombos
indiscriminadamente pelo corpo, a plasmina livre forma rapidamente complexos com a a2-antiplasmina e é
inativada (Fig. 3-11).
As células endoteliais modulam mais o equilíbrio coagulação-anticoagulação, liberando inibidores do
ativador de plasminogênio (PAIs); estes bloqueiam a fibrinólise e conferem um efeito pró-coagulante geral
(Fig. 3-11).
A produção de PAI é aumentada pelas citocinas inflamatórias (em especial por INF-γ ) e provavelmente
contribui para a trombose intravascular que acompanha a inflamação grave.
Resumo - Fatores de Coagulação
• A coagulação ocorre via conversão enzimática sequencial de uma cascata de proteínas circulantes e
localmente sintetizadas.
• O fator tecidual elaborado em locais de lesão é o iniciador mais importante da cascata de coagulação in
vivo.
• No estágio final de coagulação, a trombina converte fibrinogênio em fibrina insolúvel que contribui para a
formação do tampão hemostático definitivo.
• A coagulação normalmente é restrita aos locais de lesão vascular por:
 Limitar a ativação enzimática às superfícies fosfolipídicas por meio de plaquetas ativadas ou
endotélio.
 Anticoagulantes naturais elaborados em locais de lesão endotelial ou durante a ativação da
cascata de coagulação.
 Expressão de trombomodulina em células endoteliais normais, que ligam trombina e a convertem
em anticoagulante
 Ativação das vias fibrinolíticas (p. ex., pela associação de ativador de plasminogênio tecidual com
fibrina.

Você também pode gostar