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Na avaliação inicial do paciente intoxicado, devem ser sempre consi deradas as

informações em relação à espécie, raça, sexo, idade, peso, uti lização de


medicamentos prévios, tratamentos atuais, animais contactantes (sintomáticos e
assintomáticos), animais expostos ao risco de intoxicação, definição de sinais
clínicos, como também tempo de manifestação e gravidade do quadro clínico,
tempo de exposição ao agen te tóxico, possível dose de exposição ao agente tóxico,
formulação do agente tóxico, via de exposição, mudanças dietéticas recentes,
acesso à rua (pode ser a origem do contato com o agente tóxico), mudanças de
comportamento, ambiente peridomiciliar (possíveis riscos de intoxicação planejada
por terceiros), relacionamento do animal com outros morado res e trabalhadores da
casa etc.

No exame físico, deve-se sempre atentar para odores e hálitos, presen a de úlceras
na cavidade oral, algum material fixado ao pelame, mensura ção do débito urinário,
cor e aspecto das fezes, além dos parâmetros vitais.

Uma vez observada a estabilização clínica do paciente, é importante que se


estabeleça a definição do diagnóstico de intoxicação, procurando se determinar
quais seriam as amostras biológicas a serem encaminhadas.

Convulsões

As convulsões freqüentes podem ocasionar apnéia, hipoventilação, hipóxia, acidose


metabólica e aspiração pulmonar. O tratamento de pri meira escolha para o controle
do ictus é o uso dos benzodiazepínicos, como diazepam, na dose de 0,5 a 1,0
mg/kg, por via intravenosa, ou de 1 a 4 mg/kg, por via retal. Sugere-se avaliar
também os valores séricos de glicose, cálcio total e cálcio ionizado para verificar a
existência de altera ções importantes relacionadas à convulsões.

Rabdomiolise

A lesão muscular geralmente ocorre após episódios prolongados de con vulsões,


nos casos de hiperatividade muscular e hipertermia. A mioglobina circulante,
liberada das células musculares lesadas, quando filtrada pelos rins, pode causar
necrose tubular renal aguda e, conseqüentemente, insuficiência renal aguda,
podendo ainda estar associada à hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia.
Também podem ser observados o aumento da atividade sérica da creatina
fosfocinase (CK) e a coloração âmbar da urina.

O tratamento recomendado é administrar fluidos (soluções cristalóides),


assegurando a produção de volume urinário adequado, e sedar com benzodia
zepínicos e alcalinizar a urina com bicarbonato de sódio para evitar a precipi tação
de mioglobina nos túbulos renais, o que ocasionaria maior dano renal.

Lavagem gástrica

Quando não há contra-indicação à êmese, dá-se preferência ao uso de eméticos em


vez da lavagem gástrica. Isso ocorre porque os eméticos geralmente são mais
efetivos para a remoção do conteúdo estomacal, ou seja, de quantidades razoáveis
de material particulado ou de muco visco so: mais fáceis de serem administrados e
estão disponíveis para o uso, inclusive pelo leigo.

Da mesma forma que ocorre com a indução do vômito, há também controvérsia


sobre a eficácia da lavagem gástrica. Caso seja indicada a descontaminação
gástrica e contra-indicada a indução de vômito, pode se recorrer à lavagem gástrica.
Esse procedimento é recomendado tam bém quando a indução da êmese não
apresentou sucesso ou nos casos em que, mesmo após a indução do vômito, não
houver a eliminação adequa da do agente tóxico. A lavagem gástrica deve ser
realizada até, no máxi mo. 1 a 2 horas após a ingestão do agente tóxico.

São apontadas como as principais vantagens da lavagem gástrica a diluição das


substancias causticas ingeridas e a remoção de contenido.

Exposição Cutânea

O banho é a melhor forma de retirar ou diminuir a concentração do agente tóxico na


pele. Contudo, deve-se ressaltar que o banho só é reco mendado quando o quadro
clínico do paciente está estabilizado, uma vez que tal procedimento pode exacerbar
colapsos cardiovasculares e convul sões. É inquestionável que cabe ao médico
veterinário fazer uma avaliação quanto aos riscos e benefícios de remover ou não o
agente tóxico nesse momento. As pessoas que irão realizar esse procedimento
devem ser orien tadas a utilizar vestimentas adequadas (luvas, avental, botas), com
o intui to de evitar possível contaminação ou contato com o agente tóxico. Também
devem ser protegidos olhos, focinho e cavidade bucal do pacien te, para evitar
inalação ou ingestão do toxicante durante o banho.

Recomenda-se banho com água morna corrente por, pelo menos, 15 minutos. As
substâncias oleosas podem ser mais bem retiradas com o uso de sabão neutro
(sabão de glicerina, detergente doméstico para lavar lou cas, xampu neutro,
sabonete de uso infantil etc.). O paciente deve ser muito bem enxaguado e seco,
evitando-se o uso de secadores com tempe ratura alta, pois a vasodilatação da pele
favorece a absorção. Deve-se res saltar que não é recomendada a tentativa de
neutralizar substâncias ácidas ou alcalinas, por causa do risco de aumentar a
gravidade da lesão reações. de neutralização podem produzir calor suficiente para
danificar o tecido subjacente). Caso o agente tóxico apresente-se sob a forma de
materiais colantes fixados no pelame, recomenda-se a retirada da área do pelame
comprometida ou mesmo a realização de tosa.

Exposição ocular

O contato ocular com agentes tóxicos pode provocar lesões nos olhos. As estruturas
mais vulneráveis são a conjuntiva e a córnea. Sol ventes como álcoois, detergentes
e hidrocarbonetos causam lesões super ficiais nos olhos, e as substâncias
corrosivas geralmente causam um dano maior, podendo levar à cegueira.

Logo após a confirmação da exposição, deve-se iniciar a lavagem do olho


acometido, por, pelo menos, 20 a 30 minutos. A lavagem sempre deve ser feita no
sentido mediolateral, com a cabeça lateralizada para evi tar o comprometimento do
outro olho. Esse procedimento pode ser ini ciado pelo proprietário do animal ainda
no domicílio, utilizando-se água limpa ou soro fisiológico.

Como mencionado anteriormente, não é recomendada a tentativa de neutralizar


substâncias ácidas ou alcalinas, por causa do risco de aumen tar a gravidade da
lesão.

A avaliação oftalmológica posterior é sempre necessária e deve ser feita o mais


rápido possível, mas não antes da lavagem exaustiva dos olhos. A indicação de
colírios anestésicos pode trazer maior conforto ao paciente.

Exposição inalatória

O animal deve ser mantido longe da fonte que levou à intoxicação, removendo-o
para um ambiente arejado e com temperatura agradável. Deve-se oferecer oxigênio
e suporte ventilatório adequado, além de tra tar o broncoespasmo e o edema
pulmonar, se necessário.

Exposição gastrintestinal

A ingestão acidental ou proposital de agentes potencialmente tóxicos é responsável


pela maioria das intoxicações graves. As medidas para reduzir ou impedir a
absorção do agente tóxico ingerido devem conside rar alguns aspectos relevantes.
Dessa forma, se a ingestão ocorreu recen temente, uma parte do agente tóxico
pode estar ainda presente no estômago: contudo, se transcorreram uma ou mais
horas após a intoxi cação, provavelmente parte do agente toxico atingiu também o
intestino.

No entanto, há alguns agentes tóxicos (por exemplo, o álcool) que podem ser
rapidamente absorvidos no estômago. Em alguns casos, há ocorrência de vômito
por causa do efeito nocivo do agente tóxico, porém ocorre ape nas o esvaziamento
parcial do estômago. Deve ser salientado também que o vômito pode não
representar uma opção de esvaziamento gástrico, como, por exemplo, em eqüinos e
ruminantes.

Os métodos geralmente utilizados para impedir a absorção do agen te toxico


presente no trato digestivo são: indução da êmese, lavagem gás trica,
transformação do agente tóxico em uma forma não absorvível, uso de catárticos e
eliminação direta do agente tóxico..

MEDIDAS PARA INATIVAR O AGENTE TÓXICO ABSORVIDO OU SEUS


EFEITOS

O procedimento ideal para inativar o agente tóxico absorvido seria a utilização de


antídotos, substâncias químicas capazes de ligar-se ao agente tóxico dentro do
organismo do animal, impedindo o seu efeito tóxico nos tecidos. Infelizmente, o
número de antídotos é muito peque no frente à grande quantidade de substâncias
passíveis de causar efeitos nocivos no organismo animal.

Um exemplo característico de antídoto utilizado em quadros de into xicação são os


quelantes de metais. Contudo, deve-se ter cuidado com alguns antídotos mais
específicos, uma vez que alguns por si só causam toxicidade. Por exemplo, em
algumas intoxicações crônicas por chumbo, o uso de quelantes pode precipitar o
quadro de intoxicação aguda decor rente da mobilização rápida do metal de seus
depósitos no organismo. para a circulação sangüínea (para mais detalhes, veja o
Capítulo 23).

Na grande maioria das vezes, quando o agente tóxico é absorvido, procura-se


utilizar meios para controlar os efeitos nocivos causados por esse agente tóxico no
organismo. Por exemplo, na intoxicação por pragui cidas anticolinesterásicos
(organofosforados e carbamatos), uma das medi das é o uso da atropina, um
bloqueador (antagonista) de receptores colinérgicos muscarínicos, impedindo,
assim, que o excesso de acetilcolina estimule o receptor muscarínico (para mais
detalhes, veja o Capítulo 11).

Pode-se também fazer uso de medicamentos que interferem na via metabólica


utilizada pelo agente tóxico. Por exemplo, o 4-metilpirazole é um inibidor enzimático
(da álcool-desidrogenase), que bloqueia a via metabólica que ativa o agente tóxico,
no caso o etilenoglicol (para mais detalhes, veja o Capítulo 7). Pode-se oferecer
também um substrato alter nativo que bloqueia a via metabólica, como por exemplo
o etanol na intoxicação por etilenoglicol (veja o Capítulo 7) ou o acetato na intoxica
ção por fluoracetato (veja o Capítulo 13).

MEDIDAS DE SUPORTE

As medidas de suporte são necessárias para dar continuidade à con duta de


urgência nas intoxicações. A seguir serão apresentadas as medi das aplicadas
particularmente em cães e gatos.

Hipertermia

O aumento da temperatura corpórea geralmente é resultante de ati vidade muscular


contínua (como, por exemplo, com a ocorrência das convulsões), hipertermia
maligna, diminuição da capacidade de dissipar calor (decorrente da rigidez ou
fraqueza dos músculos respiratórios), alte rações no hipotálamo e aumento da taxa
metabólica. Como complicações, pode ocasionar o aparecimento de disfunções
cerebrais permanentes, desidratação, rabdomiólise. intermação (heatstroke),
choque, vasculite, coagulação intravascular disseminada e morte.
O tratamento imediato é indicado quando a temperatura corporal atinge valores
superiores à 41°C. Preconiza-se a administração de oxigê nio, soluções cristalóides
(solução de Ringer ou NaCl 0,9%), por via intra venosa, controle das convulsões,
banhos com água morna ou corrente e uso de álcool isopropílico embebido em
algodão colocado nos coxins e abdômen. É contra-indicada a realização de imersão
ou banho em água fria ou gelada, pois pode causar vasoconstrição periférica e,
dessa forma, diminuir a habilidade do organismo de dissipar o calor. Todos os
procedi mentos deverão ser suspensos quando a temperatura corpórea atingir
valores de 35,5°C a 36°C, evitando-se, assim, a hipotermia.

Nos casos em que forem constatadas temperaturas maiores que 37,5°C,


recomenda-se adotar medidas de resfriamento externo, associa das às técnicas
internas de resfriamento, tais como a lavagem gástrica ou irrigação do colon
(procedimento semelhante ao enema), com água fria ou morna. Se necessário,
fazer uso dos antiinflamatórios esteroidais ou não esteroidais, evitando-se os
antipiréticos.

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