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ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GABINETE DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO

Processo: 0625950-17.2023.8.06.0000 - Direta de Inconstitucionalidade


Autor: Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará. Requerido:
Procuradoria Geral do Estado do Ceará. Réu: Município de Fortaleza.
Custos Legis: Ministério Público Estadual

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0625950-17.2023.8.06.0000 e código 2C278FC.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por DURVAL AIRES FILHO, liberado nos autos em 22/05/2023 às 13:36 .
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA DE
MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
URBANOS – TMRSU. LEI Nº 11.323/22, DO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA. AUSÊNCIA DE
REFERIBILIDADE. ESPECIFICIDADE E
DIVISIBILIDADE DA TAXA NÃO
EVIDENCIADAS. FUMMUS BONI IURIS E
PERICUM IN MORA CONFIGURADOS.
PRINCÍPIO DA REFERIBILIDADE. MÁXIMA
MAIS IMPORTANTE PARA A IMPOSIÇÃO DA
TAXA. PRIMEIRO, PORQUE ESSE TRIBUTO
TEM CARÁTER CONTRAPRESTACIONAL,
PORQUANTO, AQUELE QUE O RECEBER
DEVE RETRIBUI-LO COM O SEU
PAGAMENTO DESDE QUE HAJA UMA
CORRESPECTIVIDADE NO SENTIDO DE
TROCA DE UTILIDADES ENTRE OS
INTERESSADOS: SUJEITO ATIVO E
PASSIVO, ESTE COMPLETAMENTE
IDENTIFICADO E INDIVIDUALIZADO, PARA
QUE NÃO SEJA CONFUNDIDO COM A
MULTIDÃO INDETERMINADA DE
CONTRIBUINTES PORQUE, AÍ, CONFORME
O DESTINATÁRIO, NÃO SERIA CASO DE
TAXA, MAS DE IMPOSTO. MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA, AD REFERENDUM
DO ÓRGÃO ESPECIAL.
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Versam os autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade com


pedido liminar movida pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará
em face da Lei nº 11.323, de 21 de Dezembro de 2022, do Município de
Fortaleza, que institui taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço
público de manejo de resíduos sólidos urbanos no Município de Fortaleza e dá
outras providências.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0625950-17.2023.8.06.0000 e código 2C278FC.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por DURVAL AIRES FILHO, liberado nos autos em 22/05/2023 às 13:36 .
Em suas razões de fls. 01/15, aponta que a lei impugnada, que
versa sobre a taxa de serviço público de manejo de resíduos sólidos,
conhecida genericamente como Taxa do Lixo, padece de inconstitucionalidade
material, por afrontar o disposto no art. 191, inc. II, §1º, da Constituição do
Estado do Ceará.

Afirma que, embora possível a instituição de taxas pelo Poder


Público, inclusive com edição das súmulas vinculantes nº n.º 19 e n.º 29, é
necessária caracterizar a referibilidade da taxa, o que não ocorreu na norma
impugnada.

Alega que “a Lei Municipal 11.323/2022 rejeita a referibilidade


necessária para a criação dessa específica forma de tributação, bastando
verificar que a única menção quanto ao serviço divisível e específico a ser
prestado cuida da ‘disposição do contribuinte a coleta dos resíduos sólidos
urbanos gerados, na frequência estabelecida pelo Poder Público, desde que
dispostos em local adequado, preferivelmente na calçada em frente ao imóvel,
no dia e na hora indicados’, o que se vê no artigo 6.º, §1.º.” (fls. 07)

Assevera que a norma impugnada deixou de referir a situação


dos contribuintes e o específico serviço prestado, “consistindo em verdadeira
taxa por serviço indivisível e geral.” (fls. 08)

Pontua que “a criação de taxas são exigentes de serviços


públicos específicos e divisíveis, o que não se vê nessas situações,
comprometendo toda a sistematicidade jurídica elaborada para a taxa do lixo.”
(fls. 09)

Defende que, inobstante o rótulo de Taxa do Serviço Público


de Manejo de Resíduos Sólidos, a lei municipal impugnada passou ao largo de
apontar a referibilidade do contribuinte, deixando de considerar em sua base
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de cálculo situações específicas do contribuinte, como periodicidade da coleta,
distância do imóvel, utilidade do imóvel e geração de resíduos, caracterizando-
se verdadeira taxa de limpeza pública.

Advoga que “a taxa não pode ser exigida em função de fato


que não espelha corretamente a prestação do serviço ou potencialidade de
sua utilização e nem mesmo efetiva qualquer referibilidade ao contribuinte,

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comprometendo também a isonomia, é certa a inconstitucionalidade do inteiro
teor da Lei nº 11.323/2022, por violação aos art. 20, art. 154 e art. 191, II e § 1º
da Constituição do Estado do Ceará.” (fls. 13)

Refere a necessidade de concessão de tutela cautelar, uma


vez que a cobrança da referida taxa aponta como prazo de vencimento da
primeira parcela ou do pagamento único, o dia 28 de abril de 2023, a partir de
quando os efeitos jurídicos das dívidas tributárias podem repercutir sobre o
contribuinte.
Requer, ao final, a concessão de medida cautelar para que
seja suspensa a eficácia da Lei Municipal nº 11.323/2022 de Fortaleza e, no
mérito, a procedência do pedido, com a declaração de inconstitucionalidade do
inteiro teor da Lei Municipal nº 11.323/2022 de Fortaleza, por violar o art. 20,
art. 154 e art. 191, II e § 1º da Constituição do Estado do Ceará.

Juntou documentos de fls. 16/22.

Despacho de fls. 25/26, determinando a intimação das


autoridades prolatoras do ato impugnado para manifestação sobre o pedido
cautelar.
Manifestação do Município de Fortaleza, às fls. 39/61, na qual
inicia discorrendo sobre a Lei nº 14.026/2020, que trata do Novo Marco do
Saneamento Básico, para o qual foram definidas novas regras para a
universalização dos serviços de água, esgotamento sanitário, drenagem
urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos, havendo previsão legal de
cobrança de taxa para o serviço de manejo de RSU.

Indica que a instituição de taxa para o serviço público de


coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos sólidos não
viola o art. 145, inc. II, da Constituição Federal, havendo inclusive Súmula
Vinculante nº 19 e Tema de Repercussão Geral nº 146 nesse sentido.
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Argui que “é legitima a cobrança da TMRSU, tendo em vista
que o serviço em questão é específico e divisível. Primeiro, porque é possível
verificar o benefício adquirido pelo contribuinte, havendo, assim,
especificidade. Segundo, por ser possível individualizar o beneficiário, ou seja,
há divisibilidade, tratando-se de um serviço uti singuli.” (fls. 43)

Em relação a base de cálculo, esclarece que é possível adotar

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um critério proporcional ao custo do serviço, havendo pacífico entendimento do
STF quanto a constitucionalidade do uso da área do imóvel para tal fim,
afirmando que a Lei Municipal nº 11.323/2022, nos seus arts. 9º e 10, que
estipulou a área edificada do imóvel como critério para aferição do valor devido
pelo contribuinte.

Sustenta que “a apuração do montante individual da referida


taxa com base na área do imóvel se revela critério lógico e objetivo de
correspondência razoável entre a quantia tributária exigida e o custo da
atividade estatal que a justifica, não estando em dissonância com a
referibilidade mencionada no bojo da petição inicial em apreço.” (fls. 49)

Acerca da cobrança da TMRSU em relação aos terrenos,


assevera que acaso seja reconhecida a sua inconstitucionalidade, não se
poderá atingir a integralidade da Lei Municipal nº 11.323/2022, mas apenas os
arts. 6º, § § 2º e 4º, e 10, § § 4º e 5º, pois estes tratam de situações
específicas.

Argumenta que as taxas podem ser cobradas pela utilização


compulsória, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
sendo que os terrenos vazios também estão passíveis de produzir lixo tanto
orgânico como pela ação do homem.

Firma que “a Lei Municipal nº 11.323/2022 não ofende os arts.


20, 154 e 191, II e § 1º, da Constituição do Estado do Ceará, motivo pelo qual
a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade deve ter o seu pedido julgado
totalmente improcedente.” (fls. 60)

Pugna, finalmente, pelo indeferimento da medida cautelar e,


no mérito, pela improcedência do pedido autoral.
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A Câmara Municipal de Fortaleza, igualmente manifestou-se
nos autos, às fls. 74/86, nas quais afirma que o Novo Marco Legal do
Saneamento Básico “previu a cobrança pela prestação do serviço público de
manejo de resíduos sólidos urbanos, mediante taxa ou tarifa, sob pena de
sanções administrativas ao Chefe do Poder Executivo Municipal.” (fl. 75)

Destaca que a lei impugnada não ofende ao princípio da

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referibilidade, havendo a edição de Súmulas Vinculantes nº 19 e 29, que
reconhece a constitucionalidade da taxa cobrada por serviços deste jaez, bem
como a base de cálculo composto de outra própria de imposto.

Discorre longamente acerca da constitucionalidade da norma,


que atendeu a todos os critérios, máxime a especificidade e divisibilidade da
taxa em comento, rogando, ao final, pelo indeferimento da medida cautelar
requestada.

A Procuradoria Geral do Estado, instada a se manifestar nos


autos, apresentou peça às fls. 95/131, na qual entende pela
inconstitucionalidade da Lei 11.323/2022, ante a descaracterização do
conceito de taxa, pela ausência de referibilidade.

Argui que é inconteste a possibilidade de criação de taxa para


os fins de serviço público de manejo de resíduos sólidos, todavia, a lei
municipal combatida não foi regularmente instituída para o fim vinculado a que
se propõe.

Suscita que a “taxa-base” referida no Anexo Único da lei


menciona um custo para a execução do serviço de R$ 350.134.471,69,
contudo, pela informação disponibilizada pela Prefeitura de Fortaleza, o
contrato firmado com o Consórcio de empresas para este fim, com vigência até
o final de 2023 é no valor de R$ 173.617.190,40, o que desvincula a base de
cálculo com o custo do serviço.

Afirma, ainda, “que o objeto do referido contrato administrativo,


além do serviço de manejo de resíduos sólidos urbanos, contempla outros
serviços públicos prestados a título universal à população, quais sejam
‘capinação e raspagem com pintura de meio fio, varrição e limpeza de canais,
riachos, bocas de lobo e terrenos baldios’, os quais não podem ser custeados
por taxa” (fls. 109).
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Advoga no sentido que a norma não guarda nenhuma relação


entre o serviço prestado de maneira individual e específica ao contribuinte e o
serviço prestado, ofendendo a referibilidade, máxime quando promoveu
isenções sem critério objetivo, isentando os imóveis do Poder Legislativo
municipal e as igrejas, mas determinou a cobrança dos equipamentos públicos
do Estado.

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Indica que não restou atendida a anterioridade nonagesimal,
eis que o fato gerador se deu em 1º de janeiro de 2023 e a eficácia da norma
se deu em 21/03/2023, portanto somente podendo ser exigível a partir de
2024, mormente quando “não resta claro que a cobrança será de forma
proporcional, muito menos que a Lei esclarece sobre como seria feito o cálculo
desse custo a partir de abril.” (fls. 129)

Em conclusão, requer o deferimento da medida liminar e, no


mérito, pela procedência do pedido, declarando a inconstitucionalidade da Lei
nº 11.323/2022, do Município de Fortaleza.

Vieram-me conclusos os autos hoje.

É o que importa a relatar.

Decido sobre o pedido liminar.

Inicialmente, é importante destacar que a presente Ação Direta


de Inconstitucionalidade, foi impetrado perante este Tribunal de Justiça
Cearense, pelo m.d. Procurador-Geral de Justiça, visando a declaração de
inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição do Estado do
Ceará.

Nesses termos, o art. 127, inc. III, da Constituição do Estado


do Ceará e o art. 127, inc. III, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Ceará, elenca o Procurador-Geral de Justiça como um dos legitimados para a
propositura do controle abstrato de constitucionalidade de lei ou de ato
normativo municipal ou estadual, estando, portanto, evidenciada a legitimidade
ativa.
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Acerca da medida cautelar em Ação Direta de
Inconstitucionalidade, é cediço que se trata de provimento jurídico de natureza
excepcional, podendo ser concedida apenas quando comprovada a
plausibilidade da tese jurídica defendida e a urgência da medida, devendo, nos
termos do art. 133 do RITJCE, ser precedida de pronunciamento das
autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato impugnado,
submetendo a matéria ao competente Órgão Especial.

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Ainda sobre o cabimento da medida cautelar, dispõe o
Regimento Interno deste Sodalício:

Art. 133. (omissis)


§ 2º. Havendo risco de perecimento de direito ou de
grave dano, bem como no caso de recesso forense,
poder-se-á suspender liminarmente o ato
impugnado mediante decisão unipessoal do
relator, ad referendum do Órgão Especial na primeira
sessão seguinte ao deferimento do pedido.

Desse modo, restou assentado regimentalmente a


possibilidade de concessão unipessoal de liminar, quando estiver configurado
nos autos situação de excepcional urgência, ou seja, quando houver risco para
a ordem econômica, social ou outros valores igualmente sensíveis, para
posterior apreciação pelo órgão colegiado, a quem competirá, a posteriori,
referendar a decisão.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal já vem adotando tal


possibilidade consoante se vê na tramitação da ADI nº 5.184, rel. Min. Luiz
Fux, decisão em 04/12/2014; da ADI nº 4917, rel. Min. Cármen Lúcia, decisão
em 18/03/2013 e da ADI nº 5653, rel. Min. Dias Toffoli, decisão em 23/03/2017,
dentre outros.

A meu sentir, antes de qualquer iniciativa, adianto, restam


presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a
concessão da medida cautelar.

Com efeito, a Lei Municipal nº 11.323/2022, encontra-se


encartada às fls. 16/22, por meio da qual fica instituída a taxa pela utilização
efetiva ou potencial do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos
no Município de Fortaleza, representando a sigla TMRSU.
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Nesse vértice, a ação foi ajuizada visando a


inconstitucionalidade do ato normativo mencionado, por afronta ao disposto no
art. 191, inc. II, §1º, da Constituição do Estado do Ceará, apontando o
requerente que a lei padece de inconstitucionalidade material, ante a ausência
de referibilidade quanto a criação do tributo.

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Parece fora de avaliação, nessa primeira abordagem em
nível de provimento liminar, o controle da constitucionalidade da nova taxa
do lixo (resíduos sólidos e orgânicos) tendo como base de cálculo outro
imposto, no caso o IPTU, posto que as Súmulas adotadas pelo Supremo
Tribunal Federal – Súmulas n°s 19 e 29 – cristalizaram o entendimento sobre
essa possibilidade de se repetir na base cálculo da taxa elementos de outros
impostos -- e malgrado será qualquer compreensão em sentido contrário até
porque esses dois instrumentos sumulados tiveram repercussão geral, não
fosse ainda a sua força vinculante aos outros tribunais do país, inclusive, à
nossa justiça de 1º e 2º graus de jurisdição.

Todavia, tenho o dever em analisar o novo diploma


questionado, a Lei n° 11.323/2022, que instituiu a TMRSU, sobre outros
parâmetros também importantes. Vale dizer: a nossa Suprema Corte abriu o
sinal verde para esta imposição tributária, como, aliás, trafegam normalmente
vários municípios brasileiros, mas isso não quer dizer que não existam limites
para a imposição da novidade tributária, prováveis equívocos, então votada e
transformada em lei, publicada no dia 21 de dezembro de 2022, quando,
certamente, os munícipes cearenses estavam preocupados com os festejos
natalinos.

Ora, pelo fato da sinalização favoravelmente orientada pelo


STF, isso não implica, e nem implicou, para o Município brasileiro a liberdade
completa, guiada pela falta de parâmetros, omissões a detalhes mais sérios,
inexistência de cuidados e cautelas essenciais, porque, de forma genérica,
mas de forte repercussão social, está em jogo a tributação da riqueza
individual do cidadão, “uma espécie de invasão de privacidade legal”,
autorizando retiradas de parcelas em dinheiro de cada contribuinte, incluindo
margem para as organizações produtivas, ou não, entes privados, públicos e
até religiosos, desde que tenham sedes construídas, ou não, e áreas de
domínios a que título for, para fazer jus a cobrança e pagamento da nova
exação.
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Por sua vez, essa universalidade constitui tema substancial,


tendo em vista aspectos que ultrapassam a mera questão tributária, como o
arbítrio, a democracia e o Estado de Direito, no sentido de que as
obediências aos princípios constitucionais obrigam não somente os
governados (sujeitos passivos), mas também, e principalmente, os
governantes que galgados a um status quo diferenciados pela representação

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política, inspirado no mestre Paulo Bonavides, refletem “confiança como
fiadores e executores das garantias” protetivas “da sociedade e do homem
nos seus direitos e liberdades fundamentais”.

Quanto a liminar pretendida, uma entrega provisória e


antecipada do pedido que é a suspensão da lei, em meu livro As 10 faces do
mandado de segurança, editora Brasília Jurídica, 2ª edição, aviso que a
verificação desse pleito se direciona em saber se existentes o fumus boni
iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora),
dentro de uma perspectiva que para o deferimento (o “xis” da equação
jurídica em 2º grau de jurisdição) lancei três quesitos. “Ei-los: É razoável
essa pretensão, ou seja, o magistrado é sensível ao aroma da fumaça do
bom direito? Há a possibilidade de alguém sofrer grave e irreversível dano,
caso não se dê amparo a proteção jurisdicional que se pede? Restaria a
função de dizer o direito profundamente inoperante se não for dado a cautela
requerida?”

As repostas para esse caso hipotético voltado para a situação


concreta são afirmativas: existe o bom direito em desenho ou em fumaça e o
perigo da demora, o prejuízo na entrega jurisdicional, está também presente.
Muitos contribuintes não pagaram ainda a exação, outros pagaram, ou estão
na iminência de fazê-lo, o que nos autoriza a dizer que estão esperando um
pronunciamento judicial que, por várias razões de cidadania, não pode e nem
deve ser negligenciada. Portanto, há uma expectativa, provável dano caso a
Justiça não se pronuncie nos prazos convencionados pelo regimento.

Diretamente ao mérito da liminar excerto do pedido de


reconhecimento de inconstitucionalidade, em nível de avaliação inicial, penso
que seria, nesse âmbito, impactante com as Constituições (Estadual e
Federal) a própria norma que se examina em seu aspecto formal e também
concreto de operacionalização, porque, segundo os entes interessados e
citados para se manifestarem, essa nova imposição de um tributo vinculado
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violaria o seu conceito preconizado pelo Sistema Tributário Nacional e
desenvolvido por sua lei complementar (Código Tributário Nacional).

Os conceitos legais sobre taxa devem não somente inspirar


sua criação como igualmente balizar a sua normatização, de modo que a
quebra de sua definição, ofende o Texto Maior, define sua
inconstitucionalidade, porque, no final de tudo, pode pisotear o art. 145, II, da

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Carta Magna, como igualmente o art. 191, II, da Constituição Estadual.

Nessa linha de reclamado ataque, a acusação de violentar o


conceito sobre taxa parece consistente porque estaria ausente a questão
essencial da “referibilidade” exigida pela espécie, quando não existe, com a
nova lei municipal, correlação com o contribuinte, nem dimensionamento do
serviço público prestado e divisível a cada cidadão, porquanto,
descaracteriza o conceito de taxa na altura em que não vincula o
contribuinte, nem aos serviços, diante de uma omissão em que a
Procuradoria Geral de Justiça, autora da ação, e a Procuradoria Geral do
Estado são uníssonas nessa inconstitucionalidade baseada na referência.

Acusa o primeiro a ingressar no Judiciário, a Procuradoria de


Justiça, que a Lei Municipal “rejeita a referibilidade necessária para a criação
desta específica forma de tributação, bastando verificar que a única menção
quanto ao serviço divisível e específico a ser prestado cuida da disposição
do contribuinte a coleta do resíduos” baseado “na frequência estabelecida
pelo Poder público, desde que dispostos em local adequado, preferivelmente
na calçada em, frente ao imóvel, no dia e local indicados”.

Noutras palavras, segundo a nova lei, o contribuinte referido


teria apenas que adotar o seu costumeiro expediente de acondicionar o lixo,
longe do alcance de vândalos e cachorros, para que os caminhões e os garis
procedam seu reconhecimento. Nada mais!

Pela mesma razão, a Procuradoria do Estado defende a


inconstitucionalidade porque o Município de Fortaleza teria criado – pela
indeterminação dos contribuintes e do serviço – uma nova taxa, mas com
uma roupagem da antiga taxa da limpeza pública (TLP), já que está
tributando sem estabelecer qualquer relação com as situações dos
contribuintes e mesmo em detrimento daqueles que sequer geraram lixo ou
resíduo. Mais ainda: avaliando a linha adotada pela PGE, semelhante a
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adotada pela PGJ, a taxa cobrada não guarda nenhuma correspondência
desses serviços com os contribuintes, em particular, dentro de sua
individualização.

Ainda que a lei não exigisse a exata correspondência entre o


custo do serviço e o valor da taxa cobrada, evidente que a norma atual
deveria indicar um referencial concreto para que o sujeito passivo da taxa

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possa mensurar o valor do tributo, quando não se sabe com exatidão a base
de cálculo, nem o contribuinte individualizado. É possível saber de antemão
o resultado final de toda a arrecadação, cifra fechada em R$ 350.134.471,69
(Trezentos e cinquenta milhões, cento e trinta e quatro mil, quatrocentos e
setenta e um reais e sessenta e nove centavos), conforme relatado,
auferidos pelo pagamento dos contribuintes, deduzidos as isenções e
aqueles que pagam efetivamente o tributo, multiplicando o valor do metro
quadrado e a atualização monetária. Assim, o cálculo da taxa seguiu a
narrativa numérica segunda a qual foi dado o valor do custo anual dividido
pela metragem edificada, lançando-se também os valores mínimos (R$
258,00) e máximos (R$ 1.600,00).

É só isso mesmo a base de cálculo?

Essa é sem dúvida uma questão importante quando se fala


em transparência tributária. Lembro que as taxas se caracterizam por
apresentar a descrição completa e detalhada de um fato revelador de uma
atividade municipal, direta e especificamente dirigida a um contribuinte. Isso
por que é contraprestação que o contribuinte paga ao ente tributante em
razão – e por causa de – sua atuação em função daquele.

Curiosamente outros serviços públicos, a ilharga da nova lei,


são executados a título universal, pois ao comparar alguns documentos
contratuais apresentados se vê com ligeira facilidade que além daqueles
serviços de coleta e de transbordo figuram também a manutenção e
conservação das vias públicas, assim como capinação, raspagem de pintura
e pintura de meio fio, limpeza de canais, riachos, boca de lobo e a limpeza
de terrenos baldios.

Vislumbro, mais uma vez, a mesma extrapolação que se fez


no conceito da regra sobre taxa, fazendo-o na oportunidade da contratação
de serviços outros, isto é, não previstos na lei, se observando agora a título
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de “retorno á população”, quando, em face da taxa, a Prefeitura de Fortaleza
implantaria o novo programa de gestão que, entre outros benefícios, estão
ilhas ecológicas, centros de recondicionamentos, tratamentos subterrâneos,
triciclos elétricos para catadores e biodigestores.

É evidente que os serviços não previstos na lei que instituiu a


TMRSU não pode ser cobrado junto aos contribuintes pela municipalidade,

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0625950-17.2023.8.06.0000 e código 2C278FC.
Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por DURVAL AIRES FILHO, liberado nos autos em 22/05/2023 às 13:36 .
tendo em vista que o fato desencadeante dessa modalidade de tributo é o
exercício completo da produção legislativa setorizada, como setorizados são
também os próprios contribuintes, seguindo de forma escorreita a norma,
sendo inconstitucional seu desvio ou ampliação não autorizada.

Nesse passo, a propósito, observo que o Supremo Tribunal


Federal, ao baixar a Súmula vinculante n° 19, diferenciou a taxa de
conservação e limpeza da taxa cobrada exclusivamente em razão do serviço
publico de coleta, remoção e tratamento, declarando, incisivamente, que a
primeira – a antiga TLP -- é inconstitucional, porque teria cunho universal,
enquanto a segunda taxa não teria essa mácula devido à possibilidade de
ser serviço divisível e especifico.

Quanto a promessa de outros serviços públicos abrangido


pela novel legislação pertinente ao novo programa de gestão, que, com
imposição da TMRSU, entre outros benefícios, implantaria ilhas ecológicas,
centros de recondicionamentos, triciclos elétricos para catadores e
biodigestores, com já avisado, parece-me inconstitucional porque
desconsidera a noção e o conceito sobre taxa em sua prática operacional de
serviço divisível.

A explicação é simples, começando por uma indagação


genérica: quem se beneficiaria de todas as vantagens de ilhas ecológicas,
centro de recondicionamentos, tratamento subterrâneos e biodigestores, o
contribuinte enquanto cidadão individual ou toda a sociedade?

Há que se observar, nesse caso, mesmo fosse serviço


divisível e não é, que “para a instituição de taxa, exige-se que o serviço
esteja em funcionamento”. Destacando-se que “não pode ser instituída taxa
para custear serviço cuja infraestrutura ainda será montada” (PAULSEN,
Leandro, Direito Tributário, Livraria do Advogado, volume II, p.824). Aliás, “o
essencial é justamente que a atividade”, como ensina Bernardo Ribeiro de
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Moraes, “exista, que seja mesmo eficiente” (apud SILVA, Edgar Neves da,
Taxas, in Curso de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra da Silva
Martins, Cejup Vol. II, p. 353).

Esse critério, consoante clássica lição de Rubens Gomes de


Sousa, “permite ainda evitar qualquer excesso na subordinação do conceito
de taxa ao custeio do serviço estatal”, o que seria, com certeza,

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“tecnicamente imperfeito dado a impossibilidade de analisar os serviços
públicos por unidades de custos em cada caso especifico”. Ou seja,
retomando o dito anterior: “o caráter específico da cobrança é dirigida
unicamente ao contribuinte que se utilizem ou se beneficiem do serviço,
efetiva ou potencialmente, do serviço estatal cuja instituição é a
fundamentação do tributo” (apud. TAVARES, Paes P.R., Comentários ao
Código Tributário Nacional, RT, p.161).

Isolando a questão de que na taxa é permitido utilizar um ou


mais dos elementos que compõe a base de calculo do IPTU, existem razões
outras para questionar, com relativo sucesso, que a Lei n° 11.323/2022,
apresenta inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual no seu art.
191, II, § 1°, e também diversas incongruências com o Texto Maior.
Clarificando: o Estado e os municípios cearenses podem instituir taxas,
desde que “sejam graduadas segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade e esses objetivos”.

Ao responder quais são esses objetivos, esclareço que são


justamente a identificação completa do contribuinte com todos os seus
contornos e característicos, além desses comandos, porém, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, “o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas”.

É nesse “respeito ao patrimônio”, observando igualmente os


princípios da isonomia e uniformidade, é que se vê algumas incongruências
constitucionais, como taxar escolas da rede pública e isentar, por exemplo, a
Câmara Municipal, discriminação que precisa ser aprofundada em nível de
completa cognição.

Penso que o princípio da referibilidade então enaltecido pelos


Procuradores, talvez seja a máxima mais importante para a imposição dessa
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taxa. Primeiro, porque esse tributo tem caráter contraprestacional, porquanto,
aquele que o receber deve retribui-lo com o seu pagamento. Pouco importa se
houve um plus, desde que haja uma correspectividade, tomada no sentido de
troca de utilidades entre os dois interessados: sujeito ativo e passivo, este
completamente identificado e individualizado, para que não seja confundido
com a multidão indeterminada de contribuintes porque, aí, conforme o
destinatário, não seria caso de taxa, mas de imposto.

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Reforço: tem que ter contribuintes determinados. Não poderá
haver taxa de serviço sem usuários certos, sobre quem se possa considerar
serviços divisíveis. É uma questão de aritmética: serviços individualizados para
ser contados, somados, contabilizados, permitindo que se identifique e que se
avalie de forma isolada, afastado do complexo da atividade municipal, à
parcela utilizada pessoalmente, assim, separados os custos da prestação para
ser divididos com os contribuintes.

Segundo, é necessário que o município disponibilize o serviço


em prol dos contribuintes, para que seja cobrado, sendo essa referência da
atividade em relação ao sujeito passivo operacionalizado, não sendo
necessário que seja vantajosa a prestação oferecida, como já se disse, ou
resulte em bom proveito do obrigado, mas seja em qualquer caso
indispensável a atividade municipal, e que o serviço público, especifico e
divisível, esteja em pleno funcionamento.

Nesse espaço, dormita exatamente nesse ponto a questão da


referibilidade tributária, a qual determina que o tributo de natureza vinculada,
como a taxa, necessita da contraprestação estatal, ainda que potencial, do
serviço público específico e divisível.

Veja-se as lições de Ricardo Alexandre:

“Para classificar um tributo qualquer quanto ao


fato gerador, deve-se perguntar se o Estado tem
de realizar, para validar a cobrança, alguma
atividade específica relativa ao sujeito passivo
(devedor). Se a resposta for negativa, trata-se de
um ·tributo não vinculado; se for positiva, o
tributo é vinculado (pois sua cobrança se vincula
a uma atividade estatal especificamente voltada
ao contribuinte).
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Assim, todos os impostos são não vinculados. Se
alguém obtém rendimentos, passa a dever imposto
de renda; se presta serviços, deve ISS; se é
proprietário de veículo automotor, deve IPVA. Repare-
se que, em nenhum desses casos, o Estado tem de
realizar qualquer atividade referida ao contribuinte.
Daí a assertiva, correta e muito comum em doutrina,

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de que o imposto é um tributo que não goza de

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referibilidade. Aliás, justamente pelo fato de ser um
tributo não vinculado a qualquer atividade, deixa de
ser argumento juridicamente relevante (apesar de
politicamente sê-lo) afirmar que "não se deve pagar
IPVA, caso as rodovias estejam esburacadas".
Note-se que o CTN, em seu art 16, define imposto
como sendo o tributo cuja obrigação tem por fato
gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Ora, pelo exposto, essa seria uma definição precisa
de tributo não vinculado. Portanto, o imposto é, por
excelência o tributo não vinculado.
Já as taxas e contribuições de melhoria são,
claramente, tributos vinculados, como se passa a
demonstrar.
O art. 145, II, da CF deixa claro que, para a cobrança
de uma taxa, o Estado precisa exercer o poder de
polícia ou disponibilizar ao corttribuinte um serviço
público específico e divisível.” (ALEXANDRE,
Ricardo. Direito tributário. - 11. ed. rev. atual. e ampl. -
Salvador – Ed. JusPodivm, 2017. pág. 54/55)

Nesses termos, ao incluir no rol de contribuintes o proprietário,


o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer título de unidade ou
subunidade imobiliária autônoma, edificada ou não, passou o legislador
municipal a instituir uma taxa genérica e indistinta, sem atentar a referibilidade
necessária que enseja o próprio fato gerador da taxa que é a utilização, ainda
que potencial, do serviço de coleta dos resíduos sólidos.

Sobre o tema, solto o seguinte entendimento jurisprudencial:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO.


APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.
AÇÃO DECLARATÓTIA DE RELAÇÃO JURÍDICA.
TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. COLETA DE LIXO E
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RESÍDUOS DOMICILIARES. INEXISTÊNCIA
DIVISIBILIDADE E ESPECIFICIDADE.
INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA.
JURISPRUDÊNCIA DO STF. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Para a instituição
de taxas para os serviços públicos prestados ao
contribuinte, o Ente tributante deve atender aos

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critérios da especificidade e divisibilidade; 2. Em que

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pese a cobrança da taxa inclua os serviços contidos
na Súmula Vinculante Nº. 19 do STF, a qual dispõe:
“a taxa cobrada exclusivamente em razão dos
serviços público de coleta, remoção e tratamento ou
destinação de lixo ou resíduos provenientes de
imóveis, não viola o art. 145, II, da Constituição
Federal”, esta também inclui a varrição, lavagem e
capinação de vias e logradouro, a limpeza de
córregos, galerias pluviais, bocas de lobo, bueiros e
irrigação; 3. A cobrança da referida taxa não exclui
a natureza universal e generalizada dos serviços
públicos prestados, de modo que não há como
configurar a divisibilidade e especificidade desta,
eis que são prestados à coletividade como um
todo, contrariando assim a Carta Magna. (TJ-AL -
APL: 00081814420098020001 AL
0008181-44.2009.8.02.0001, Relator: Juiz Conv.
Henrique Gomes de Barros Teixeira, Data de
Julgamento: 01/11/2018, 2ª Câmara Cível, Data de
Publicação: 05/11/2018)

Finalmente, a minha linha de compreensão sobre esse tributo


acompanha a orientação interativa do STF que entendeu ser constitucional a
taxa de lixo, composto de resíduos sólidos e orgânicos, desde que seja em
função de um serviço uti singuli (divisível). Ao passo que é inconstitucional a
cobrança de taxas em razão de serviços de conservação e limpeza de
logradouros públicos, pois aqui se trata de serviço uti universi, prestado de
forma genérica aos usuários, sem a alternativa de misturá-los a fim de iludir os
contribuintes englobando o que é uti singuli com o uti universi, como parece o
caso em nossa primeira análise.

Nesse sentido, colho à título exemplificativo:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO
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TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. LEI
DISTRITAL 6.945/1981. REDAÇÃO ANTERIOR A
LEI DISTRITAL 2.853/2001.
INCONSTITUCIONALIDADE. SÚMULA
VINCULANTE 19. 1. Esta Corte consolidou
entendimento pela constitucionalidade das taxas de
limpeza pública quando cobradas exclusivamente em

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razão dos serviços públicos de coleta, remoção e

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tratamento ou destinação de lixo ou resíduos
provenientes de imóveis. Súmula vinculante 19. 2.
Inconstitucionalidade de lei que prevê taxa de
limpeza pública vinculada tanto a serviços
divisíveis e específicos (coleta e destinação de
lixo), quanto a serviços indivisíveis e prestados
de forma universal (limpeza e conservação de vias
e logradouros públicos). 3. Agravo regimental a que
se nega provimento. (ARE 1347804 AgR, Relator(a):
EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em
07/02/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n
DIVULG 10-02-2023 PUBLIC 13-02-2023)

Além disso, conforme anunciado pela imprensa, ainda no


tocante a referibilidade, os cidadãos que participarem dos diversos programas
de coleta seletiva quanto aos resíduos sujeitos à reciclagem podem ter
abatimento ou deduções na referida taxa, o que pode alterar o lançamento por
ofício. Esse procedimento também é incompatível com o conceito de taxa,
porque é impraticável essa modulação, quando estamos referindo a taxas e
não a impostos.

É mais ou menos a hipótese de um viajante que teria um


desconto, ou acréscimo, na taxa de expedição de passaporte em decorrência
de seu peso. Ora, normalmente, a taxa não comporta escalonamento. Ela
remunera um serviço que tem preço definido como tributos vinculados e
ressarcitivos. Porquanto, não está sujeita a modulação, como estão, por
exemplo, alguns tributos, entre eles, o imposto de renda.

Outro ponto que parece inusitado é que o tributo lançado


antecipadamente tem um caráter de investimento. Ainda que seja uma
imposição eminentemente fiscal, a referência é de que a taxa retorna à
população em forma de grandes benefícios, assim, comemorados pelos
órgãos políticos.
fls. 167

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Nesse rol, quando se referem à implantação de novos


programas para a gestão de resíduos na cidade - com ilhas ecológicas,
lixeiras subterrâneas, uso de triciclos elétricos por catadores (Re-ciclo), novos
ecopontos, centros de recondicionamento de resíduos eletrônicos e
biodigestores para reciclagem de materiais orgânicos – são investimentos
próprios da tributação municipal baseada nos impostos.

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O que causa dúvida nesta avaliação judicial, neste caso
concreto, é que os administradores municipais apresentam a imposição da
taxa como um imposto, ou equipado a ele, tal fosse um empréstimo
compulsório. Assim, a minha impressão é que, ao invés de captar os recursos
financeiros junto à agências de desenvolvimento, a Município de Fortaleza, de
forma conveniente, transfere esse ônus aos cidadãos-contribuintes.

É, com essas e outras dificuldades iniciais sobre essa Lei n°


11.323/2022 que vislumbro o meu controle sobre a sua legitimidade e, aqui,
resta-me a buscar uma solução única para o caso concreto, pelo menos nesse
momento, certamente aquela que melhor contempla os cidadãos
fortalezenses, os contribuintes tributários que padecem da incerteza diante de
um quadro fiscal de intensa e copiosa tributação.

Justamente considerando o vencimento da cobrança da taxa,


e a repercussão gerada por seu impacto, é que entendo justificada a
concessão unipessoal da liminar requestada, ad referendum, pelo Órgão
Especial.

Anoto, por fim, que ante a matéria de incontestável relevo para


a ordem social e a segurança jurídica, adoto o rito abreviado disposto no art.
133, §6º, do RITJCE c/c art. 12 da Lei nº 9.868/99, reduzindo os prazos legais,
para posterior submissão definitiva do processo pelo órgão colegiado
competente.

ISSO POSTO, considerando a iminência dos efeitos da norma


impugnada, diante da impossibilidade de apreciação imediata do feito pelo
colegiado, e com fulcro no artigo 133, §2º, do RITJCE, CONCEDO A MEDIDA
CAUTELAR pleiteada, ad referendum do Órgão Especial, para suspender a
eficácia da Lei nº 11.323, de 21 de dezembro de 2022, do Município de
Fortaleza, até ulterior julgamento de mérito.
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Intime-se o Município de Fortaleza e a Câmara Municipal de


Fortaleza para ciência e cumprimento desta decisão, bem como para fornecer
informações pertinentes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

Após este prazo, abra-se vistas sucessivas ao Procurador-


Geral do Estado e ao Procurador-Geral de Justiça, para manifestação no prazo

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de 05 (cinco) dias, conforme preceitua o §6º, do art. 133, do RITJCE.

Comunique-se com urgência.

Expedientes necessários.

Fortaleza, 22 de maio de 2023

DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO


Relator

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