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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO I IBIltl lllll lllll l l l l l lllll lllli l


AV-uxcLiAU *02739000*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de


Apelação n° 992.08.063992-4, da Comarca de Itapeva,
em que são apelantes ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES e
ROSELI DOS SANTOS sendo apelados BRADESCO SEGUROS
S/A, JOSÉ CHAGAS, TRANSPORTADORA TRANS SANTA LTDA,
TRANSPORTADORA SANTA ROSA PALMITAL LTDA e LIBERTY
PAULISTA SEGUROS S/A.

ACORDAM, em 31" Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores FRANCISCO CASCONI (Presidente) e LUÍS
FERNANDO NISHI.

São Paulo,15 de dezembro de 2009

ADJHLTSON DE^ARAÚJO
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Seção de Direito Privado
Trigésima Primeira Câmara

A p e l a ç ã o s e m Revisão n° 992.08.063992-4 (antigo n° 1.228.840-0/3)


C o m a r c a : Itapeva — 2 a V a r a Cível
Apelantes: ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES e ROSELI DOS
S A N T O S (autores)
Apelados : JOSÉ CHAGAS, TRANSPORTADORA SANTA ROSA
P L A M I T A L LTDA. E P P e T R A N S P O R T A D O R A T R A N S
S A N T A L T D A (réus) e B R A D E S C O S E G U R O S S.A. e
L I B E R T Y P A U L I S T A S E G U R O S S.A. ( d e n u n c i a d a s d a
lide).

V o t o n° 7.176

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRÂNSITO.


ATROPELAMENTO DE CRIANÇA COM 2 ANOS DE
IDADE. CONVERSÃO ANTERIOR DE INGRESSO NA
VIA NÃO PERMITIDA. CIRCUNSTÂNCIA NÃO
DETERMINANTE DO ATROPELAMENTO.
CIRCUNSTÂNCIAS DENOTATIVAS DA FALTA DE
PREVISIBILIDADE DO EVENTO. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INDENIZATÓRIO.
AVALIAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA
CULPA IN CONCRETO. NECESSIDADE. RECURSO
IMPROVIDO. Embora o motorista tenha realizado
momentos antes manobra de conversão para ingresso na
rua em que se deu o atropelamento, não constituiu causa
determinante de sua ocorrência Por essa razão, à falta
de outros elementos indicativos da previsibilidade do
evento, não se cogita de responsabilização civil do
motorista atropelante e seus empregadores, sobretudo
por não militar, no caso, presunção de culpa Necessária
a avaliação da conduta sob a ótica aceita na doutrina
pela 'culpa in concreto'

Apelação sem Revisão ifj


Voto n" X176
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Seção de Direito Privado
Trigésima Primeira Câmara

ANTÔNIO CARLOS RODRIGUES e


ROSELI DOS SANTOS ajuizaram ação de indenização pro danos
materiais e morais em face de JOSÉ CHAGAS, TRANSPORTADORA
SANTA ROSA PLAMITAL LTDA. EPP e TRANSPORTADORA TRANS
SANTA LTDA, os quais, por sua vez, denunciaram da lide as
seguradoras BRADESCO SEGUROS S.A. e LIBERTY PAULISTA
SEGUROS S.A., em razão de atropelamento e morte do filho dos
autores, Danilo Giovane dos Santos Rodrigues, com dois anos de
idade, no dia 25/3/03, pelo caminhão conduzido pelo primeiro réu,
preposto das corres, após manobra de conversão proibida
(imprudência).

Pela r.sentença de fls. 368/373, cujo


relatório fica adotado, a pretensão dos autores foi julgada
improcedente, condenados, ainda, ao pagamento das custas
processuais e dos honorários advocatícios, observada a isenção
inserida no art. 12 da Lei n° 1.060/50, e prejudicadas as lides
secundárias.

Inconformados, os autores
interpuseram recurso de apelação. Sustentam, em resumo, que as
provas produzidas indicam, claramente, que o motorista-réu agiu com
imprudência pela conversão à esquerda proibida, determinante do

l Apelação sem Revisào,nl>992 08 063992^4


Voto n° 7 1 7 6 - — ^ ^ ^ ^^"
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atropelamento da criança, especialmente em razão da prova oral (fls.


376/381).

Processado o recurso (fls. 382), a


denunciada Bradesco sustentou o acerto da r.sentença, à falta de
comprovação, pelos autores, do fato constitutivo de seu direito (fls.
385/388). E os demais réus, por sua vez, alegaram ausência de culpa
do motorista e imprevisibilidade do evento pela negligência da mãe que
não exerceu a vigilância necessária sobre a criança, a qual,
inesperadamente, projetou-se sobre o caminhão (fls. 389/392).

É o relatório.

Imputa-se aos apelados


responsabilidade civil decorrente de atropelamento da criança então
com 2 anos de idade na Rua Votorantim, defronte à casa em que
morava (n° 167), bem como da área de estacionamento de
caminhões. Para acesso a esse estacionamento, os caminhões que se
aproximavam pela Rua José Prado Melo, no sentido bairro-centro, não
poderiam realizar conversão à esquerda para ingresso na Rua
Votorantim. Essa conversão foi realizada pelo motorista-réu,
empregado as corres, sendo a vítima atropelada depois de sair do
interior de sua casa.

Apelação sem Revisão n° 992j)8 063992-4


Voto n° 7 17<K^ ^ /
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Discute-se, neste recurso, se a


conversão proibida configurou imprudência do motorista e determinou
o atropelamento.

O laudo elaborado pelo Instituto de


Criminalística da Polícia Técnica de São Paulo contém descrição e
croquis do local (fls. 22/24), anexadas, também, fotografias que dão a
exata dimensão territorial e sinalização de trânsito (fls. 27/31).

O apelado José Chagas, desde o


primeiro momento, admitiu ter realizado a conversão proibida para
acesso à Rua Votorantim, mas parou por alguns momentos o veículo a
fim de tomar uma informação com uma criança, tendo retomado
marcha e, em momento seguinte, alertado sobre o atropelamento (fls.
25v°).

Nesse sentido o firme depoimento da


testemunha Antenor Coradin, vizinho da vítima e declarou
expressamente o seguinte:

"Que estava na frente de sua casa, nada data dos fatos,


e é vizinho dos pais da criança. Que viu que a criança
saiu de sua casa no momento em que ela 'entrou' no
pneu do caminhão. Que o motorista do caminhão não viu
a criança ser atropelada" ( ) "Que o caminhão estava

Apelação sbm Revisãoy992 08.Õõ3992=4—-


Voto n° 7 1 T 6 - — ^
J&JFÇA^
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parado e quando ele passou a entrar a criança 'entroul


no caminhão da carreta" ( ) "Que o motorista do
caminhão parou para pedir informações e após isso
moveu o caminhão, quando ocorreu o acidente Que no
local é costumeiro a saída e entrada de caminhão ." (fls
336 e verso)

Em aval a ele, na fase policial, o irmão


da vítima, Rodrigo dos Santos, declarou à digna autoridade policial que
o motorista do caminhão parou depois da conversão proibida e
perguntou-lhe sobre o estacionamento da empresa "Cal Itaú" e, em
seguida, movimentou novamente o caminhão, ocasião em que a vítima
foi atropelada (fls. 85).

Esse mesmo relato foi apresentado por


Maria Cleusa Costa Neves também na Delegacia de Polícia, porque viu
o fato da porta de seu bar: parado o caminhão por alguns momentos, a
vítima foi em direção a ele e acabou atropelada pelos pneus do terceiro
eixo quando novamente movimentado o caminhão (fls. 87).

O inquérito policial instaurado foi


arquivado (fls. 110). O Ministério Público, por seu membro, após relato
das provas coligidas, requereu o arquivamento nos seguintes termos:

"Como se vê, a conduta do averiguado não se amolda


em qualquer das modalidades de culpa, haja vista a
imprevisibilidade objetiva do evento. Com efeito,
conforme se depreende da prova colhida, ao iniciar o

Apelação sem Revisa


Voto h° 7 176
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movimento do veículo, a vítima correu na direção do


automóvel, chocando-se nas rodas traseiras" (fls
107/1099)

Verificou-se que, apesar da existência


de estacionamento de caminhões na frente das casas, no momento do
evento não havia grande fluxo de veículos movimentando-se naquela
rua. É certo que o motorista atropelante realizou conversão proibida,
mas parou por alguns instantes e retomou o movimento lentamente.
Há evidências claras de que a criança de 2 anos de idade,
inadvertidamente, projetou-se sobre os pneus do terceiro eixo traseiro.

Lamentável o acidente ocorrido sob


qualquer aspecto. É forçoso o reconhecimento que, pelas
circunstâncias do evento, faltou previsibilidade ao motorista: ao realizar
a conversão, a criança não estava em sua trajetória; ainda realizou
breve parada e a criança foi atropelada pelas rodas do terceiro eixo,
fato indicativo de ter ela se projetado após a parada e não pelo
movimento de conversão a esquerda feita, pois a casa dela situa-se à
direita, considerado o trajeto do caminhão e a curva a esquerda
realizada antes da frente da mesma.

Aliás, ensina Sílvio de Salvo Venosa,


ao discorrer sobre a culpa na responsabilidade civil:

i Apelação sem Revisão n° 992.08 063992-4


VoVàlJ.1-76'^
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"Nos acidentes de trânsito, por exemplo, as regras do


ordenamento se baseiam no que normalmente ocorre
Assim, se o motorista se envolve em acidente porque
nâo respeitava regra, tão-só por isso deveria ser
responsabilizado. A regra não tem seduzido nossos
tribunais, que continuam a preferir examinar a culpa e
concreto No caso do trânsito, pode ter sido irrelevante
para a apuração da culpa do outro motorista, por
exemplo, estar o agente trafegando com as luzes
apagadas. Essas situações permitem concluir que na
chamada culpa contra a legalidade existe presunção de
culpa que, como tal, pode ser elidida Inobstante, em
sede de delitos de trânsito, algumas situações têm sido
admitidas corriqueiramente como sendo de culpa
presumida, como, por exemplo, daquele que abalroa pela
traseira, do que transita na contramão, do que não
atende à placa de 'pare' etc. Todavia, como se trata de
presunção, sempre há que se admitir prova em contrário
Não há que se concluir, ademais, que somente porque o
motorista seguiu as regras de trânsito não é o culpado
por um acidente" ("Direito Civil", vol. IV, Editora Atlas, 6a
ed., 2006, pág 28)

Afasta-se a idéia de que infração


administrativa gera de modo definitivo juízo de culpa civil (culpa in
abstrato), porque necessária a aferição rigorosa da conduta, segundo
as provas, para juízo da responsabilidade do agente (culpa in
concreto). Não se presume que a conversão proibida seja
determinante de responsabilidade civil se, na aferição do caso, existiu
causa superveniente determinante sem previsibilidade por parte do
motorista.

Rompida, com isso, a previsibilidade


que deve estar presente para a tipificação da culpa atribuída ao
agente. E esta se caracteriza pela possibilidade de antevisão de um

Apelação sem Rev^ào n° 992.08.063992-4-


Vot^nüJZ 176'
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resultado, ou seja, quando um sujeito, em dada situação fática, poderia


ter previsto como possível o resultado produzido em decorrência de
sua ação ou omissão.

Posto isso, por meu voto, nego


provimento ao recurso.

ADILSON DEWRAUJO
Relator

Apelação sem Revisão n° 992 08 063992-4


Voto n° 7 176

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