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ÍNDICE
não têm sido capazes de operar repercussões positivas na saúde e na qualidade de vida
de amplos contingentes populacionais. Num contexto de políticas sociais restritivas em
razão do projeto neoliberal que assola o mundo, desvanece-se o ideal “Saúde para todos
no ano 2000” proclamado pela Organização Mundial de Saúde no final da década de
setenta e emerge uma consciência acerca da crise atual da Saúde Pública entendida
como a “incapacidade da maioria das sociedades para promover e proteger sua saúde à
medida que as circunstâncias históricas requerem” (OPS, 1992).
No Brasil a Saúde Pública sempre esteve em crise. Não é por acaso que,
somente no final da penúltima década do século passado, no movimento pela
democratização do país e pela Reforma Sanitária, a saúde foi reconhecida como direito
social firmado na Constituição. O estudo da questão saúde no país e das políticas de
saúde formuladas nos diversos períodos do seu desenvolvimento revela a manutenção
de prioridade à assistência médica, com poucas referências ao conjunto de ações do
âmbito da proteção da saúde. Tal prioridade expressa o pensamento sanitário dominante
que se mantém apegado no atendimento à doença tendo a assistência médica como
remédio, como também revela a negação de assistência a grande parte da população que
ainda enfrenta luta para conquistar esse direito. A ausência da temática da vigilância
sanitária também revela o modo de pensar e agir em saúde, que não incorpora os fatores
de risco e os determinantes dos modos de adoecer e morrer, tendo-se uma percepção
quase sempre positiva das tecnologias e intervenções médicas. Desses entrelaçamentos,
emana uma descaracterização da importância da vigilância sanitária, cujas ações fazem
parte do processo civilizatório e adquirem significância cada vez maior com a
complexidade da ordem econômica e social contemporânea (COSTA, 1999).
O modelo institucional de Vigilância Sanitária desenvolvido no país
manteve-se isolado das demais ações de saúde e de ações de outros âmbitos setoriais
com os quais tem interface, além de ser pouco permeável aos movimentos sociais. A
atuação calcada no poder de polícia, perceptível na ação fiscalizatória, mesmo
insuficientemente exercida, produziu um viés que se manifesta numa concepção de
Vigilância Sanitária ainda dominante que a reduz ao próprio poder de polícia,
expressando-se na assimilação dessas práticas sanitárias limitadas à fiscalização e à
função normatizadora. Tal redução acabou gerando certa rejeição – até mesmo no
âmbito da saúde – a esse aspecto da função pública e em simplificação do longo
processo histórico de construção do objeto da Vigilância Sanitária, como também não
utilização de outros instrumentos de ação fundamentais à efetividade das práticas e à
construção da cidadania.
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Ver DALLARI, S. G. Vigilância Sanitária, Direito e Cidadania. Conferência Nacional de Vigilância
Sanitária, Cadernos de Textos. Brasília, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2001, p. 109-127. Ver
também DURAND, C. A segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O Sistema de
Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, 2001; (1):2, p. 60-78.
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Alguns exemplos trágicos marcaram a história da Saúde Pública e da respectiva legislação sanitária no
tocante aos objetos de cuidado da Vigilância Sanitária: nos anos 30, nos Estados Unidos, um xarope
contendo como solvente uma substância chamada dietilenoglicol provocou cerca de 100 mortes. Com este
evento a legislação americana incorporou novos conceitos que significavam garantir mais segurança antes
que os produtos chegassem ao mercado (Mckrey, 1980). Nos anos 60, em várias partes do mundo (menos
nos Estados Unidos em razão do evento anterior) a tragédia da talidomida – um medicamento para enjôos
na gestação que provocou o nascimento de milhares de bebês com má-formação congênita – resultou em
reformulação da legislação e práticas de vigilância sanitária de medicamentos em todo o mundo; o
acidente radioativo de Goiânia, nos anos 80 e, mais recentemente, a epidemia de mortes em serviço de
hemodiálise, em Pernambuco, e o derrame de medicamentos falsificados no mercado brasileiro foram
eventos fundamentais para a reformulação de normas, práticas e organização institucional no Brasil.
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A importância da farmacovigilância decorre de certas limitações relativas a questões técnicas inerentes
ao processo desenvolvido até a aprovação da comercialização de determinado fármaco, o qual, mesmo
que seja conduzido sob rigorosos cuidados, dificilmente fornece o conhecimento do perfil de reações
adversas pouco freqüentes; só é possível identificá-las após comercialização do produto, tais como
aquelas que só aparecem após tratamento prolongado ou após muito tempo de suspensão do uso do
fármaco ou, ainda, as que aparecem apenas em subgrupos específicos da população (CARNÉ e col., 1989;
BIRIELL e col., 1989).
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REZENDE (1979) chama a atenção de que toda forma de administração tem sempre alguma relação com
a educação dos administradores e dos administrados, havendo sempre possibilidades de pontos de contato
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DALLARI acompanha o conceito de direito à saúde expresso por FORGES (1986, apud DALLARI,
1995): “o conjunto de regras aplicáveis às atividades cujo objeto seja restaurar a saúde humana, protegê-
la e prevenir sua degradação”. Ademais, “O caráter atual do direito à saúde resulta das aspirações
individuais combinadas à convicção de que o Estado é responsável pela saúde, seja para atender àqueles
desejos, seja para cumprir sua finalidade” (DALLARI, 1995, p. 20).
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Das oito atribuições, seis são do campo de atuação da Vigilância Sanitária: ações de controle e
fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse sanitário; participação na
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos de
saúde; ações de Vigilância Sanitária e epidemiológica e de saúde do trabalhador; de ordenação da
formação de recursos humanos na área da saúde; participação na formulação da política e na
execução das ações de saneamento básico; de incremento do desenvolvimento científico e tecnológico
na área da saúde; colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
ações de fiscalização e inspeção de alimentos e de controle de seu teor nutricional, bebidas e águas
para consumo humano; de participação no controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos.
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Art. 6º (...)
§1.°. Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir
riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e
circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relaciona, com a saúde,
compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo: e
II – o controle da prestação de serviços que se relaciona, direta ou indiretamente com a saúde.
§ 2.°. Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que
proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos
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Além da especificação dos crimes contra a Saúde Publica no Código Penal outras infrações sanitárias e
as respectivas penalidades são dispostas na Lei n.º 6.437, de 20 de agosto de 1977. A recente explosão
descontrolada de medicamentos falsificados provocou alteração na Lei dos Crimes Hediondos para
enquadrar entre eles a falsificação de produtos farmacêuticos, com aumento da pena para os infratores.
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sanitário, tanto dos alimentos, quanto das bebidas, criando conflitos de competência. Na
prática, somente o Ministério da Agricultura atua na matéria.
Os procedimentos para registrar produtos de origem animal e seus
derivados são semelhantes aos descritos para os demais alimentos, havendo requisitos
fixadas pelo setor saúde no tocante a aditivos e coadjuvantes de fabricação. A inspeção
das instalações, e equipamentos é feita pelo Serviço de Inspeção Federal, que dá o
parecer sobre a capacidade tecnológica e adequação sanitária das instalações às
especificidades do produto a ser fabricado. A concessão do registro é privativa do
Ministério Agricultura.
As normas básicas do controle sanitário dos produtos de origem animal
constam do Regulamento da Inspeção Federal – Decreto n.º 30.621/52 – que
regulamenta a Lei n.º 1.283/50. Esta lei tornou obrigatória a prévia fiscalização
industrial e sanitária de todos os produtos de origem animal, comestíveis e não
comestíveis, dos animais destinados ao abate, seus produtos e subprodutos, assim como
o registro dos respectivos estabelecimentos industriais, comerciais e entrepostos. Após a
Constituição que atribuiu ao SUS o controle dos alimentos foi sancionada a Lei n.º
7.889/89, reafirmando as competências do Ministério da Agricultura e fiscalização pelos
órgãos de Saúde Pública das Unidades Federadas circunscritas às casas atacadistas e
estabelecimentos varejistas.
O Ministério da Agricultura responsabiliza-se apenas pelos produtos
destinados à exportação e os de circulação interestadual. Na realidade, a maior parte dos
municípios brasileiros não inspeciona os produtos de origem animal, nem dispõe de
condições adequadas de abate. Em muitos casos, esses locais se transformam em sérios
problemas de saúde pública. Diferentemente da atuação do setor saúde o Ministério da
Agricultura tem seus serviços instalados nos próprios estabelecimentos, desenvolvendo
uma ação de inspeção dos animais a serem abatidos, carnes, leite etc, que, a rigor,
deveria ser de responsabilidade do produtor, cabendo ao Estado a atividade de
fiscalização que incluiria inspeção.
A situação sanitária dos produtos de origem animal relaciona-se com as
políticas agrícolas e de defesa sanitária animal, que padecem de males que afetam a
saúde animal e a produtividade do rebanho, e, em decorrência, a qualidade de seus
produtos alimentícios, inferiorizando a produção nacional no mercado
internacionalizado. A produção agropecuária, cada vez mais dependente de fertilizantes
químicos, agrotóxicos e variedade de produtos farmacêuticos veterinários, muitas vezes
usados de modo inadequado e sem controle, vem congregando um conjunto de
elementos potencializadores de riscos à saúde humana, dos trabalhadores do setor, à
saúde animal e ambiental (COSTA, 1999).
Além dos riscos de veiculação de doenças infecto-parasitárias, há riscos
de outros agravos menos perceptíveis relacionados com resíduos tóxicos, fármacos
anabolizantes e hormônios, que não são detectados nas inspeções e análises comuns.
Para tanto, são necessárias análises laboratoriais específicas, existindo no país poucos
laboratórios capacitados na matéria. No geral as poucas análises realizadas restringem-
se apenas aos produtos destinados à exportação, pelas exigências do mercado.
Se o controle dos alimentos industrializados é precário, os produtos
vegetais in natura chegam à mesa da população sem nenhum controle sanitário. O
Brasil é apontado em documento da Organização das Nações Unidas para Agricultura –
FAO como um dos países que mais exageram na aplicação de agrotóxicos na lavoura,
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Súmula – RADIS, 69:8, 1998.
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país, no Canadá e na Europa, têm uso amplo nos países não desenvolvidos, entre os
quais o Brasil.
Um conceito de meio ambiente que não se reduz a ar, água, terra, mas ao
“conjunto de condições de existência humana que integra e influencia o relacionamento
entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento” reorganiza-se no conceito de
qualidade de vida, conceito que tem por base um ideal ético, assentado em valores de
dignidade e bem-estar (DERANI, 1997, p. 71).
Tentativas de incorporação do ambiente no fazer da Vigilância Sanitária
vêm sendo feitas em algumas experiências inovadoras em nível estadual ou municipal,
que esbarram, entre outras dificuldades, na indefinição institucional quanto à
abrangência das ações de vigilância, conquanto a legislação atual deixe claras, além das
áreas mais tradicionais, outras funções relativas ao ambiente, saúde do trabalhador,
ecologia humana e informação sanitária à população. A lei que criou a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária excluiu das competências da nova estrutura tanto o
ambiente quanto a saúde do trabalhador, mas há um reclamo social no sentido de que o
Poder Público da Vigilância Sanitária responsabilize-se por questões tão relevantes,
conceitual e juridicamente referidas no âmbito das competências da área.
XI – Referências bibliográficas
ALVIM, A., ALVIM, T., ALVIM, E.A. e MARINS, J. Código do Consumidor
comentado. 2.a ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995.
ANDERSON, P. Linhagens do Estado Absolutista. Porto: Afrontamento, 1984.
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