Você está na página 1de 10

TEORIA GERAL DOS RECURSOS

1. TEORIA GERAL DOS RECURSOS

1.1. CONCEITO

Recurso é o instrumento processual (ou remédio processual) por meio do qual a parte, o
Ministério Público ou o terceiro prejudicado se vale para impugnar, no mesmo processo,
determinados pronunciamentos judiciais, objetivando a sua reforma, invalidação,
esclarecimento ou integração.

O Prof. Daniel Assumpção, no seu Manual de DPC, explica que o conceito de recurso
deve ser construído partindo-se de cinco características essenciais a esse meio de impugnação:

A– Voluntariedade (princípio dispositivo);


B – Expressa previsão em lei federal (princípio da taxatividade);
C – Desenvolvimento no próprio processo no qual a decisão impugnada foi proferida;
D – Manejável pelas partes, terceiros prejudicados e Ministério Público (legitimidade
recursal) + Defensoria Pública como custus vulnerabilis;
E – Com o objetivo de reformar, anular (cassar), integrar ou esclarecer a decisão judicial.

Como o recurso é um remédio voluntário, idôneo, apto a ensejar, dentro do mesmo


processo, a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração de uma decisão que se
impugna, isto signi ca dizer que mandado de segurança, habeas corpus, mandado de
injunção, habeas data, não são recursos, pois não são apresentados dentro de um processo em
trâmite.

1.2. RECURSOS X SUCEDÂNEOS RECURSAIS X AÇÕES IMPUGNATIVAS

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 1 de 11
fi
Sucedâneo recursal é o mecanismo processual que não é recurso, mas que poderá gerar
reforma ou invalidação de uma decisão.

São exemplos de sucedâneos recursais:

a) reexame necessário;
b) pedido de suspensão de segurança; (MS)
c) correição parcial.

Imagine o seguinte exemplo: o juiz defere a antecipação dos efeitos da tutela (tutela
provisória). A outra parte, inconformada, peticiona nos autos, requerendo ao magistrado que
revogue a tutela. Esse pedido não tem o condão de suspender a marcha processual, mas pode
ser que o juiz reconsidere a sua decisão. Nesse caso, haverá a reforma da decisão por meio
de um sucedâneo recursal.

Remessa necessária (Art. 496 CPC) não é recurso, pois não há voluntariedade, apesar
de ser possível a reforma de uma decisão ou mesmo a invalidação da decisão. A remessa
necessária se faz necessária, nos casos expressamente estabelecidos no CPC, como uma
CONDIÇÃO DE EFICÁCIA da sentença.

A súmula 423 do STF diz que não transita em julgado a sentença por haver omitido o
recurso "ex-of cio", que se considera interposto "ex-lege".

A Súmula 325 do STJ diz ainda que a remessa o cial devolve ao Tribunal o reexame
de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos
honorários de advogado.

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 2 de 11
fi
fi
Existem pronunciamentos judiciais não sujeitos a recurso, tais como os despachos, mas
tratando-se de pronunciamento com carga decisória (decisão interlocutória, sentença e
acórdão), será sempre cabível o recurso de embargos de declaração.

Dentre as hipóteses que não se admite recurso estão:


(i) acórdão do Pleno do STF que nega reconhecimento de repercussão geral ao recurso
extraordinário interposto;
(ii) decisões interlocutórias em sede de Juizado Especial Cível Estadual.

É comum, para tais hipóteses, a impetração de mandado de segurança, diante da


impossibilidade de se recorrer de decisão interlocutória em sede de Juizado Especial, o qual
será julgado pela Turma Recursal.

Esse entendimento não é pací co, os tribunais exigem que a decisão impugnada por MS
seja teratológica ou de agrante ilegalidade, além de ser uma decisão irrecorrível ou de
recurso inútil.

A correição parcial é cabível quando há a inversão na prática dos atos procedimentais,


gerando como consequência uma confusão procedimental. O objetivo da correição parcial é
restabelecer a ordem normal do procedimento. Logo, não possui natureza recursal.

O STJ entende que a correição parcial é admitida no caso de omissão e de despacho,


con rmando sua natureza residual.

O pedido de reconsideração, apesar de amplamente utilizado na prática forense, não


possui previsão legal. Trata-se de um pedido de reforma ou anulação dirigido ao próprio juízo
prolator da decisão.

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 3 de 11
fi
fl
fi
Conforme entende o STJ, o pedido de reconsideração não interrompe e nem suspende o
prazo recursal.

1.3. FUNDAMENTOS DO RECURSO

Quando o recurso tem por objetivo a reforma da decisão, fala-se que a sua causa de
pedir é um error in iudicando, ou seja, erro na decisão quanto ao exame do caso concreto. O
objeto da impugnação é o conteúdo da decisão judicial.

Por outro lado, quando se pretende a invalidação da decisão, a causa de pedir do


recurso é um error in procedendo, ou seja, um defeito formal ocorrido no processo e que
macula, por via consequencial, a própria decisão.

1.4. CLASSIFICAÇÃO

1.4.1. QUANTO À FINALIDADE

Quanto à nalidade, o recurso pode ter por objetivo:

(i) a reforma da decisão;


(ii) a invalidação da decisão;
(iii) o esclarecimento da decisão.

1.4.2. QUANTO À EXTENSÃO DA IMPUGNAÇÃO

Quanto à extensão da impugnação, o recurso pode ser:

(i) Total: impugnação de toda a decisão (art. 1002, CPC);

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 4 de 11
fi
(ii) Parcial: impugnação de parte do conteúdo da decisão (art. 1002, CPC).

1.4.3. QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO

Quanto à fundamentação, o recurso pode ser:

(i) de fundamentação livre (não há na lei);


(ii) de fundamentação vinculada.

No recurso de fundamentação livre o recorrente pode impugnar a decisão por qualquer


motivo. Para a admissibilidade do recurso, não se exige a veiculação de matérias
impugnativas especí cas.

É o que ocorre, por exemplo, no recurso de apelação, no qual o apelante tem liberdade
para aduzir, nas razões recursais, todos os fundamentos possíveis para buscar a reforma ou
invalidação da sentença.

Já no recurso de fundamentação vinculada o recorrente somente poderá alegar uma


das causas de pedir recursais tipi cadas na lei. A admissibilidade do recurso, portanto, está
condicionada à observância das questões prede nidas na lei.

É o que ocorre, por exemplo, no recurso extraordinário, no recurso especial e nos


embargos de declaração:

▪ Recurso extraordinário: o recurso se limita a discutir questões constitucionais,


conforme as causas de pedir de nidas no art. 102, III, da CF;
▪ Recurso especial: o recurso se limita a discutir a violação à lei federal, conforme as
causas de pedir de nidas no art. 105, III, da CF;

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 5 de 11
fi
fi
fi
fi
fi
▪ Embargos de declaração: o recurso se limita a discutir eventual omissão,
contradição, obscuridade ou erro material contido na decisão.

1.5. PRINCÍPIOS RECURSAIS

1.5.1. PRINCÍPIO DAS DECISÕES JURIDICAMENTE RELEVANTES

O princípio das decisões juridicamente relevantes se refere ao fato de que o legislador


só irá prever recurso para as decisões efetivamente relevantes.

1.5.2. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE

O rol dos recursos é taxativo. Isso é, a parte só poderá se valer de recurso que tenha
previsão legal. O negócio jurídico processual não pode criar um recurso novo.

Um dos requisitos de admissibilidade do recurso é justamente o seu cabimento. O


recurso será cabível quando houver previsão legal.

Obs.: Nem todo recurso precisa ter um nome, a exemplo do recurso inominado - art. 41
da lei nº 9.099/95.

1.5.3. PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE (UNIRRECORRIBILIDADE OU


UNICIDADE)

Somente será cabível um único recurso de cada vez para impugnação da decisão
judicial. É importante notar que pode haver mais de um recurso cabível contra uma mesma
decisão. Contudo, devem ser interpostos um de cada vez.

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 6 de 11
Não obstante, a lei pode prever exceções. É o que ocorre, por exemplo, com os recursos
extraordinário e especial, os quais serão interpostos, ao mesmo tempo, contra o mesmo
acórdão, nos termos do art. 1.029, caput, do CPC.

1.5.4. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

É possível que um determinado recurso, interposto de forma equivocada, seja recebido


como outro tipo de recurso, como o recurso correto.

Tal princípio se relaciona intimamente com os princípios da boa-fé processual, primazia


do julgamento do mérito e instrumentalidade das formas. Entretanto, para que seja admitida a
aplicação do aludido princípio, doutrina e jurisprudência vêm exigindo a observância de dois
requisitos:

a) Existência de dúvida objetiva quanto ao cabimento do recurso

O equívoco não pode con gurar erro grosseiro.

É o que ocorre, por exemplo, com os embargos de declaração e o agravo interno. Prevê
o § 3º do art. 1.024 do CPC que:

o órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo


interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine
previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias,
complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art.
1.021, § 1º.

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 7 de 11
fi
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça admite a conversão de embargos de
declaração em agravo interno quando a pretensão declaratória denota nítido pleito de reforma
por meio do reexame de questão já decidida1.

Por outro lado, não será possível a aplicação do princípio da fungibilidade quando a
parte, ao invés de interpor o recurso de agravo de instrumento, interpõe recurso de apelação.

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a exclusão de um dos


litisconsortes do polo passivo, por ilegitimidade, prosseguindo-se o feito perante os demais,
não con gura extinção da totalidade do feito, caracterizando decisão interlocutória, pelo que é
recorrível mediante recurso de agravo de instrumento e não de apelação, cuja interposição,
nesse caso, é considerada erro grosseiro2.

A ocorrência ou não de dúvida objetiva somente pode ser aferida casuisticamente.

É possível que o equívoco na interpretação do recurso tenha como fonte um erro


judiciário quanto ao tratamento dado ao pronunciamento judicial objeto do recurso.

Nesse sentido, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “o


conceito de "dúvida objetiva", para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pode
ser relativizado, excepcionalmente, quando o equívoco na interposição do recurso cabível
decorrer da prática de ato do próprio órgão julgador”3.

1EDcl no RE no AgInt no AREsp 1416356/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
CORTE ESPECIAL, julgado em 07/04/2020, DJe 16/04/2020.
2AgInt no AREsp 1555814/PA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado
em 30/03/2020, DJe 02/04/2020.
3EAREsp 230.380-RN, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 13/09/2017,
DJe 11/10/2017.
________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 8 de 11
fi
b) Observância do prazo previsto na lei para o recurso correto

Esse requisito perdeu um pouco da sua razão de ser, já que, no novo CPC, os recursos,
com exceção dos embargos de declaração, terão o prazo de 15 (quinze) dias.

1.5.5. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE “REFORMATIO IN PEJUS”

O julgamento do recurso interposto pela parte, em regra, não gera uma situação jurídica
pior à já suportada por ela. Se o recurso tem por objetivo uma melhora na posição jurídica, o
órgão ad quem não pode, no julgamento, criar um resultado ainda mais desfavorável.

O princípio da proibição de reformatio in pejus tem íntima ligação com o princípio


dispositivo, pois a provocação da parte se dá no seu exclusivo interesse à obtenção de um
resultado favorável.

Não obstante, é possível que o próprio sistema recursal preveja exceções a esse
princípio. No caso do sistema brasileiro, são muitas as exceções. Vejamos algumas:

▪ Possibilidade de o órgão ad quem reconhecer questões de ofício (ex.: coisa julgada,


prescrição, decadência etc.) e, com isso, prejudicar ainda mais o recorrente;
▪ Possibilidade de o órgão ad quem, após dar provimento ao recurso do réu que pedia
a cassação da sentença, julgar o mérito em seu desfavor (art. 1.013, § 3º, do CPC).

Para a mitigação do princípio da proibição de reformatio in pejus, é preciso que haja


previsão legal.

1.5.6. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 9 de 11
O princípio da dialeticidade que se refere ao fato de que a parte, ao interpor o recurso,
deve realizar a impugnação especí ca da decisão. Tem relação com o princípio do
contraditório.

Ótimos estudos!

________________________________________________________________________________
DIREITO PROCESSUAL CIVIL III: RECURSOS
7º Período Diurno - UNIPAM
Prof. Ma. Lorrane Queiroz
lorranequeiroz@unipam.edu.br 10 de 11
fi

Você também pode gostar