No ano de 1984, A Lei de Execução Penal foi promulgada determinando que
diversos profissionais, incluindo psicólogos, fariam parte de uma Comissão Técnica de Classificação, responsável por classificar a população carcerária com relação aos seus traços de personalidade e antecedentes criminais, a fim de auxiliar na elaboração do plano de execução da pena. Estes profissionais selecionados deveriam propor às autoridades responsáveis sugestões a respeito de progressões e regressões de penas, bem como de concessão de possíveis benefícios, pautadas na realização de um exame criminológico. A atuação do psicólogo neste contexto trouxe grande ambivalência, no sentido de que uma parte dos profissionais questionava tal modelo de avaliação pois este trazia consigo certa repressão da população avaliada, como também uma “servidão” da área da psicologia às ciências criminais. Por outro lado, os demais profissionais julgavam importante a participação dos psicólogos no contexto jurídico, mesmo que da forma como era realizado. Em 1990, no Brasil, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária edita uma resolução em que constam as Regras Mínimas para Tratamento dos Presos, com base nas “Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos” da ONU, de 1955. Em 2003, há então a alteração de artigos da LEP, onde fica determinado que o exame criminológico seria realizado apenas no momento do ingresso do detento com o objetivo de orientar o plano da pena. Desta forma, o papel do psicólogo neste contexto se modifica, pois é extinguida a função do exame criminológico a respeito de progressão ou redução de pena, estes ficando a critério de comprovação de bom comportamento dentro do cárcere, realizado apenas pelo diretor do local. A partir desta decisão, uma parte dos psicólogos ficou insatisfeita pela mudança geradas dos procedimentos, o que também traria mudanças de rotina, e a outra parte desses profissionais acataram a ideia de forma positiva, visto que poderiam focar na promoção de saúde mental nos ambientes penitenciários, bem como de sociabilidade e fortalecimento de laços sociais. A prática do psicólogo nas prisões
No que diz respeito à prática do psicólogo no sistema penitenciário, mesmo
que calcada em códigos e normas legais, muitas vezes se limita às demandas fornecidas por juízes e promotores, podendo ir contra à ética da profissão, que visa acima de tudo respeitar e garantir os direitos humanos, inclusão e reinserção social, resultando no reforço de segregações sociais. Desta forma, essa questão acaba por causar contradições, o que dificulta o trabalho desses profissionais na área descrita, que pode ser considerada na maioria das vezes punitiva, violenta e desumana. Assim, cabe ressaltar que o que é previsto para a prática do psicólogo nesse contexto é a realização de avaliações, relatórios, laudos e pareceres psicológicos, bem como o próprio atendimento, atenção psicológica e pronto-atendimento, se necessário realização de encaminhamentos e reuniões de equipe, sendo ela interna no próprio serviço ou no viés de articulação de rede, como também na elaboração de projetos e pesquisas de cunho acadêmico, recrutamento e seleção e cuidados com a biblioteca. Também está prevista a realização de atendimento em grupo, tanto para presos, quanto para familiares, egressos e agentes penitenciários. As atividades podem envolver temas como preparação para a liberdade, promoção de saúde, prevenção ao uso de SPAs, oficinas voltadas para à arte, como música e teatro, entre outros. Como dificuldades encontradas com relação à prática do psicólogo no contexto penal, podemos citar a necessidade de maior qualificação dos profissionais, a fim de principalmente extinguir a visão de estigmatização para com esse público, muitas vezes internalizada desde cedo pelos preceitos da sociedade, visando principalmente a perspectiva da reinserção social e à liberdade para além da institucionalização. Outra dificuldade encontrada no contexto penal são as normas de segurança dos locais, entendidas como necessárias, porém que atrapalham na execução das ações dos profissionais, bem como a falta de materiais, de espaço e a ausência de políticas públicas que deem assistência aos presos. Conclusão
Como preceito central do Estado, temos a lógica de que se deve priorizar os
direitos humanos em geral e assegurar esses direitos à todos os cidadãos, incluindo a população do sistema prisional. Desta forma, o profissional de psicologia que trabalha neste contexto, assim como todos os profissionais envolvidos nele, devem buscar atender estas necessidades. O psicólogo, em especial, tem como uma de suas funções assegurar que a população carcerária tenha acesso a esses direitos, não só dentro da instituição mas também fora dela, pensando na liberdade do sujeito, elaborando assim um projeto de vida e fortalecendo o laço social. Através dessa conduta, é possível superar gradativamente os preceitos antigos em que o indivíduo em reclusão tinha seus direitos negados e era marginalizado e excluído, bem como o sentido das instituições era provocar sofrimento e reforçar a lógica manicomial. Com essas ações, o psicólogo atualmente trabalha para além da elaboração de exame criminológico ou avaliação de periculosidade, como era antigamente, fazendo com que se realize uma prática livre de julgamentos e punições, respeitando a conduta profissional e o código de ética da Psicologia. O profissional de psicologia busca também focar na ressocialização dos indivíduos e de sua reinserção dentro da sociedade, realizando as articulações de rede necessárias para que isso se dê por completo, seja acionando os profissionais do serviço social, juízes, médicos, promotores, advogados, educadores, programas sociais, os familiares, bem como outras instituições, sejam elas governamentais ou não. Também se faz necessário realizar o trabalho com o dor e traumas atuais da pessoa que se encontra reclusa, a respeito do sofrimento mental causado pelo sistema carcerário.