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Manifestações

Culturais e Esportivas:
Esportes Individuais
Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Igor Roberto Dias

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Esportes Individuais:
Temas Interdisciplinares

• Introdução;
• Talento Esportivo;
• Tecnologia em Esportes Individuais.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conhecer os conceitos que envolvem os esportes individuais, como talento esportivo, tecnologia,
doping e ética.
UNIDADE Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

Introdução
Há um elevado número de fatores que contribuem para a performance atlética em
determinados esportes, e muitos desses fatores estão relacionados às estruturas (antro-
pometria) e à capacidade funcional dos músculos. Identificar de forma correta crianças e
adolescentes com características potenciais para determinado esporte é uma tarefa que
exige conhecimento sobre os fatores que afetam a performance nesses grupos.

Não podemos esquecer que a capacidade de habilidade motora é fundamental para o


esporte. A formação de atletas geralmente começa na infância (pois é o momento mais
propício para ganho de habilidades motoras), atravessa a adolescência e atinge a vida
adulta. Em alguns esportes, os atletas podem até ter a habilidade necessária para o es-
porte, mas a sua capacidade funcional e antropométrica não ajuda. No entanto, em mui-
tos casos, as aparências enganam, por exemplo, na sua equipe de atletismo, você tem
um atleta de 11 anos com 1,75m e corre muito mais que os outros. No senso comum,
logo o taxariam de um talento (“próximo a Usain Bolt”), mas provavelmente esse jovem
atleta tem um desenvolvimento precoce, ou seja, já atingiu o seu pico genético em esta-
tura e está momentaneamente mais forte e mais rápido que os seus colegas de mesma
idade que possuem um desenvolvimento um pouco mais lento que ele. A literatura tem
mostrado que atletas que têm um desenvolvimento tardio, na verdade, têm um maior
potencial de atingir maiores estaturas. Portanto, na formação de atletas, é importante
saber detectar, saber selecionar para, assim, promover um atleta promissor.

Em esporte de elite, qualquer melhoria na performance (mesmo que seja de 1%) já


dá uma enorme vantagem em relação aos demais atletas. Por exemplo, as recentes
inovações tecnológicas produziram pistas de corrida mais rápidas, bicicletas, patins de
velocidade, maiôs e piscinas que expandiram os limites do desempenho humano em
muito mais que 100%. Esses novos equipamentos aproveitam as propriedades muscu-
lares intrínsecas ou melhoram a transmissão de força para o ambiente. Também há a
otimização de equipamentos para prevenção de lesões.

Tanto a tecnologia quanto o uso de recursos ergogênicos (sendo alguns dopings) são
baseados em achados da fisiologia e biomecânica para o exercício, assim como para sele-
ção de talentos esportivos. Esses avanços, baseados em evidência científica, são pensados
em como o atleta pode se destacar em determinados esportes. Um atleta de sucesso tem
que ter talento, além de ter um bom técnico/treinador, deve ser assistido pela tecnologia.

Recursos ergogênicos: o termo ergogênico tem origem grega, onde ergon refere-se a tra-
balho e gennan significa gerar ou produzir. Nesse sentido, no esporte, recurso ergogênico
é qualquer coisa que lancemos mão para que o nosso atleta aumente a sua capacidade de
trabalho (no caso, melhorar a performance). No esporte, podemos melhorar a performance
por cinco vias diferentes (fisiológica, psicológica, biomecânica, nutricional e farmacológica).
O exercício físico (ou seja, o treinamento físico), sem dúvidas, é o principal recurso ergogê-
nico que podemos utilizar para aumento da performance atlética (promove profundas alte-
rações fisiológicas em todo o organismo preparando-o para produzir mais trabalho); o trei-
namento mental também tem se mostrado um recurso bastante utilizado por psicólogos

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do esporte (melhora aspectos emocionais, de autoconfiança e de foco direcionado à prática
esportiva); o desenvolvimento tecnológico de equipamentos e de análise de movimento
podem melhorar a performance atlética por meio da otimização da biomecânica dos mo-
vimentos; a estratégia da nutrição (suplementação, dietas especiais, e práticas dietética)
também é um método que pode otimizar a performance; fármacos e drogas são substân-
cias químicas que foram desenvolvidas para outros objetivos (por exemplo, tratamento de
doenças), mas muitos fármacos (como testosterona sintética, EPO e efedrinas) têm sido uti-
lizados na prática esportiva e se mostrado como um potente e perigoso recurso ergogênico.

Nesta unidade, iremos discutir o que é ter talento esportivo (como detectar, selecionar
e promover esses atletas), o que é tecnologia no esporte e inevitavelmente iremos falar
de doping e as implicações éticas nesse processo (pois tecnologia para melhora da per-
formance, em muitos casos, resulta em doping).

Talento Esportivo
O termo talento se refere a uma moeda da antiguidade greco-latina, refere-se também
a algo que tem um valor inato. Esse valor é um potencial (no caso da moeda, para adqui-
rir bens). Além disso, o termo talento é usado para descrever um valor inato de pessoas.
No senso comum, refere-se a uma capacidade/aptidão inata para desempenhar uma ativi-
dade. Por exemplo, um jovem que gosta muito de estudar matemática e é bom em resolver
problemas nessa área, geralmente, é rotulado como um talento da matemática. Um jovem
que gosta de jogar futebol e se mostra habilidoso também é chamado de talento. Um jo-
vem alto, geralmente, é rotulado de talento para o basquete ou voleibol. No entanto, para
se manter como um talento (ou seja, sair da infância como um talento e se manter na idade
adulta como um talento), é necessária a convergência de diversos fatores, ou seja, para
que um(a) garoto(a) que é rotulado(a) pelo senso comum como talento venha a se manter
como talento no esporte até o nível profissional, é caminho difícil (é possível ouvir colegas
de profissão dizerem: “já fui considerado um talento do futebol, sabia?”, ou seja, ele quis
dizer: “não consegui permanecer ou progredir no futebol profissional”). De fato, vários
garotos que foram rotulados de talentos tiveram o seu valor (talento) “perdido” ao longo
da carreira esportiva. Não que isso tenha ocorrido por má intenção de alguém, mas, em
muitos casos, por incompetência dos profissionais que detectam, selecionam e promovem
os talentos. Em resumo, ser talento esportivo na infância é o jovem que apresenta alguma
vantagem (que lhe confere um valor), esse valor é uma característica que tem o potencial
de permitir que ele desempenhe uma performance melhor que o resto da população. Mas
como manter um talento da infância até a vida adulta (como fazer uma criança ser um pro-
fissional do esporte quando adulto)? Não existe uma fórmula exata, mas a literatura cien-
tífica (que pesquisou o percurso de vida de diversos de sucesso, ou seja, de vários talentos
esportivos consolidados) nos dá um norte para minimizarmos os erros e aumentarmos as
chances de detectar, selecionar e promover o talento esportivo.

Para que uma criança que é considerada um talento possa se desenvolver no esporte, é
preciso convergência de diversos fatores para que, assim, ele se consolide como um talento.

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Do ponto de vista da literatura científica, diferentemente do senso comum, quando


nos referimos a um talento esportivo, estamos nos referindo à formação do atleta desde
a infância até a sua entrada no esporte profissional. Essa é uma longa jornada e depende
de uma miríade de fatores, não somente um fator (como ser alto na adolescência, ou so-
mente gostar da atividade ou ter a capacidade de aprender rápido). Portanto, no esporte,
talento esportivo se refere ao atleta que apresenta um perfil acima do normal. Vamos ao
perfil para identificar um talento esportivo.

Identificar o Nível da Competição que


o atleta em potencial está participando
Na detecção de talentos esportivos, é importante identificar o nível de competição
em que o atleta que está sendo observado está submetido (por exemplo, o nível escolar
é bem mais baixo do que o nível federado). Destacar-se no ambiente escolar (onde a in-
clusão de competidores é democrática) não é o mesmo que se destacar em um ambiente
de nível federado (onde a inclusão é por nível técnico/tático dos competidores).

Identificar se o atleta é biologicamente mais velho ou muito


novo em relação aos outros colegas – Isso envolve o Efeito da
Idade Relativa e também da Maturação Precoce ou Tardia
Nem sempre a idade cronológica (aquela que está na sua certidão de nascimento) é
a mesma que a sua idade biológica (estágio biológico do seu corpo). Enquanto a idade
relativa afeta atletas quando são crianças e adolescentes, já o desenvolvimento biológico
precoce ou tardio envolve a fase de transição de criança para adolescente, ou seja, os
períodos de maturação (pré-pubertário, pubertário, ou pós-pubertário). A idade relativa
e a velocidade de desenvolvimento biológico afetam a performance do atleta e isso in-
fluencia na seleção, detecção e promoção do talento esportivo. Vamos discutir esses dois
casos que são os que mais afetam a detecção, seleção e promoção de talentos.

O Fenômeno da Idade Relativa


Tradicionalmente, as turmas esportivas são criadas a partir de faixas etárias. Crianças
de 7 anos competem com as de 7 anos; as de 10 anos competem com as de 10 anos,
também. Isso não quer dizer que dentro dessa divisão não haja vantagem de algumas
crianças em relação à outra, pois há vantagem sim (das crianças que nasceram no início
do ano em relação às crianças que nasceram no meio e fim do ano). Isso é chamado efeito
da idade relativa: crianças que nasceram no início do ano (meses de janeira a março) são
biologicamente mais velhas que os colegas que nasceram mesmo ano, ou seja, são mais
altos, mais fortes, mais rápidos e cognitivamente mais desenvolvidos quando comparados
com aqueles que nasceram três ou mais meses depois do seu nascimento. Esses atletas
que nascem no começo do ano têm uma maior tendência de serem selecionados pelos
treinadores. Crianças que nasceram no início do ano (de janeiro a março) se destacam na
infância e na adolescência, mas na idade adulta perdem essa vantagem. No esporte de
elite, existem muito mais atletas que nasceram no início do ano. Isso se dá por causa da
seleção por parte dos treinadores (que desconhecem o fenômeno da idade relativa). Isso

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não quer dizer que quem nasce no início do ano será um melhor atleta na idade adulta,
quer dizer que os treinadores dispensam uma enorme quantidade de potenciais talentos
(os atletas nascidos de abril a dezembro). Veja um exemplo na Figura 1A.

Figura 1
Fonte Adaptado de MARQUES, 2019 | BÖHME, 1995

Na Figura 1A, a proporção de atletas selecionados para a categoria de base


de um time federado de futebol. Figura 1B, podemos identificar diferenças
de força (teste realizada no momento A) em crianças da mesma idade cro-
nológica, mas com diferentes desenvolvimentos biológico. Isso também foi
encontrado em diversos esportes individuais.

Nascer no início do ano, além de trazer benefícios físicos em relação aos colegas da
mesma idade com nascimento próximo ao fim do ano, traz benefícios psicológicos (senti-
mento de autoeficácia/competência). Isso leva à manutenção de atletas que nasceram no
início do ano no esporte: pois o sentimento de competência é extremamente importante
para o atleta se manter engajado no esporte. Mas existem inúmeros jogadores extraordi-
nários, como Pelé (nascimento em outubro), Messi (nascimento em junho), que superaram
o efeito da idade relativa, provavelmente devido às suas incomparáveis qualidades técnica/
tática (que lhes conferem também os benefícios do sentimento de autoeficácia/competên-
cia). No entanto, potenciais ótimos atletas, em muitos casos, podem ter suas capacidades
técnico/tática superados pelo efeito da idade relativa (ou seja, isso irá induzi-los a ter baixos
resultados de performance, quando comparados aos colegas de equipe meses mais velhos,
mas nascidos no mesmo ano) e, assim, o sentimento de autoeficácia é invertido (sentimen-
to de incompetência), e isso leva um potencial talento esportivo a abandonar o esporte,
pois uma lei universal do comportamento humano é: “nós fugimos de atividades ou aban-
donamos as atividades as quais sentimos que somos ruins, ou seja, incompetentes”. Você
lembra que discutimos anteriormente como aumentar o sentimento de autoeficácia do
aluno? Lembra? (...foi durante a discussão sobre a teoria da autodeterminação).

Você deve estar se perguntando: “Professor, como posso evitar o efeito da idade relati-
va?”. Simples, seja um bom profissional (ou seja, é necessário conhecer a fundo a influên-
cia da idade relativa). Sabendo disso, no caso da idade relativa, os níveis de performance
devem ser comparados aos dos colegas nascidos em meses próximos. Por exemplo, como
sugerido na Figura 1, atletas que nasceram em janeiro devem ser comparados no máximo
com atletas mais novos que nasceram em março; atletas que nasceram em junho devem
ser comparados com atletas que nasceram em abril ou agosto; atletas que nasceram em
dezembro devem ser comparados, no máximo, com atletas que nasceram em outubro

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do mesmo ano ou com atletas que nasceram em fevereiro do ano seguinte, ou seja, dois
meses mais velhos ou dois meses mais novos. Assim você minimizará o efeito da idade
relativa, não selecionando atletas que se sobressaem pelo efeito da idade no momento da
seleção, mas sim os jogadores mais promissores em longo prazo. Veja a reflexão de um
caso relacionado à idade relativa e detecção, seleção e promoção de talentos esportivos.

Qual é o seu objetivo? Ganhar jogos com um time de crianças e adolescentes


ou promover talentos?
Um colega foi responsável pela preparação física da categoria de base de um dos prin-
cipais clubes de futebol do Brasil (que “abriu os olhos” do clube para o efeito da idade
relativa). Ele contou que recebia vários convites dos técnicos que passavam pelo seu
time para ser preparador físico do time principal (para receber um salário dez vezes
maior do que ele recebia na categoria de base), mas sempre recusava. Ele disse que
recusava por medo de ser mandado embora junto com a comissão técnica quando o
time tivesse em crises de vitórias e títulos (você, como brasileiro(a), sabe que a comis-
são técnica geralmente sai junto com o técnico no futebol; e que técnicos dificilmente
ficam mais de um ano em um time de futebol, no Brasil). Ele recusou porque sabe
que no time principal a cobrança é por resultado (vitórias e títulos). Quando isso não
vem, o clube troca o técnico e, geralmente, os profissionais que assessoram o técnico
vão embora juntos do técnico (como preparador físico, massagista, médico etc.). Já na
categoria de base do clube, cobra-se por revelação de talentos (e não se o time infantil
ou juvenil ganha jogos). Revelar talento é tornar uma criança num jogador profissional
de destaque (isso leva anos). Como ele está no clube que mais revela e vende jogadores
ainda na base para o mundo, ele tem um emprego aparentemente vitalício no clube.
Recentemente, ele aceitou a proposta para ser analista de desempenho de toda a cate-
goria de base do clube (ou seja, é um dos principais responsáveis pela detecção, seleção
e promoção de talentos esportivos do clube). Então, você tem que ter em mente que,
na formação de atletas (crianças e adolescentes), não interessa o resultado do jogo.
A vitória pode interessar para as crianças/adolescentes, para aumentar a sua autoesti-
ma, mas não para você como treinador ou para o clube. O que deve interessar para você
é a promoção do talento (se o clube e você cobrarem vitórias e títulos de crianças/ado-
lescentes, então vocês estarão fadados à mediocridade – isso é o mesmo que cobrar
vitórias em treinos ao invés de testar as possibilidades de esquemas táticos).

Saiba mais sobre diferenças de performance devido ao efeito da idade relativa e como mi-
nimizar esses efeitos. Disponível em: https://bit.ly/37057d0

Atletas com Desenvolvimento Biológico Precoce ou Tardio


Além da idade relativa, ainda tem o caso da maturação precoce, que pode prejudicar
a boa conduta da seleção, detecção e promoção de talento esportivo.

Na detecção de talento esportivo, quando você identifica que um atleta tem um porte
físico avantajado (desenvolvimento físico acima da média em comparação com os colegas
da mesma idade, ou seja, um atleta de 13 anos com corpo de uma atleta de 18 anos), é im-
portante identificar se ele não é um a adolescente com desenvolvimento precoce (ou seja o

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desenvolvimento biológico está à frente da sua idade cronológica). Ao contrário, também
é verdade, é provável que você identifique um atleta com uma habilidade acima da média,
por outro lado, ele não tem a parte física tão desenvolvida (ou seja, tem 13 anos, mas tem
um corpo de 10 anos). Nesse caso, é importante identificar se ele pode ser um atleta com
um desenvolvimento físico tardio (a sua idade biológica está atrasada em relação à sua ida-
de cronológica), veja exemplo, na Figura 1b, das diferenças de força em atletas da mesma
idade cronológica, mas com diferentes estágios do desenvolvimento biológico.

É importante saber identificar se o jovem atleta se encontra dentro do período de ma-


turação adequada (pré-pubertário, pubertário, ou pós-pubertário), pois jovens com ma-
turação precoce são mais fortes, rápidos, inteligentes e ágeis. No entanto, assim como
no caso do efeito da idade relativa, essas vantagens podem desaparecer na idade adulta
(ou seja, ele era um talento porque tinha uma maturação precoce). A literatura tem mos-
trado que, na verdade, jovens com desenvolvimento tardio atingem maiores estaturas do
que atletas precoces (consequentemente, maiores vantagens esportivas na idade adulta,
quando a estatura é uma vantagem). Caso você não saiba identificar maturação bioló-
gica (que é um conteúdo ministrado na disciplina de crescimento e desenvolvimento),
você sempre irá escolher erroneamente o atleta precoce ou que nasceu no início do ano,
saiba o porquê no vídeo do link sugerido a seguir.

Como identificar se um atleta é precoce ou tardio?


A seguir, segue uma aula do professor Marcelo Massa (da USP; um dos melhores no assunto
no Brasil que trabalha com o tema idade relativa e como identificar a idade biológica versus
a idade cronológica). Se você for trabalhar com crianças e adolescentes, então este vídeo é
obrigatório. Disponível em: https://youtu.be/9-RWcJ2kFG8

O Meio Sociopolítico e Cultural afeta a promoção do Talento Esportivo


Identificar o meio sociopolítico e cultural onde vive e o valor que a sociedade dá à
modalidade esportiva considerada é fundamental para a compreensão do contexto e
sua influência sobre o talento esportivo. Isso possibilitará ou não as condições materiais
(local, instalações, material esportivo) e humanas (profissionais de educação física prepa-
rados para trabalhar com o público de crianças e adolescentes). A seguir, no Quadro, são
citados os principais fatores para o sucesso e também os obstáculos para a promoção do
talento esportivo – perceba que existem diversos fatores relacionados aos atletas (como
apoio da família e amigos e suporte financeiro). Estes são fatores que o técnico deve
incutir e desenvolver no atleta: amor ao esporte, dedicação e persistência, competitivi-
dade, foco, trabalho ético. Esses fatores foram discutidos anteriormente. Com relação
aos obstáculos, podemos observar: obstáculos culturais, como falta de apoio social, fi-
nanceiro, conflito com a vida pessoal e assistência à saúde do atleta; obstáculos políticos,
como faltas de treinadores capacitados, falta de suporte das federações (item 4), falta de
infraestruturas e oportunidade de treinamento e competição. Também são apontados
pelo atleta os termos fracasso e obstáculos mentais, os quais estão relacionados à des-
motivação, ao baixo sentimento de autonomia e envolve aspectos ligados à competência
adquirida no processo de treino – também já discutidos anteriormente.

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Quadro 1 – Principais fatores para o sucesso e também


os obstáculos para a promoção do talento esportivo

• Dedicação e persistência;
• Apoio da família e amigos;
• Excelentes treinadores;
• Amor ao esporte;
• Excelentes programas de treinamento e facilidades;
Fatores para o sucesso • Talento natural;
• Competitividade;
• Foco;
• Trabalho ético;
• Suporte financeiro.

• Falta de apoio financeiro;


• Conflitos com a vida pessoal;
• Falta de treinadores especializados;
• Falta de suporte do Comitê Olímpico Americano;
• Obstáculos mentais;
Obstáculos • Falta de oportunidades de treinamento e competição;
• Problemas médicos;
• Falta de apoio social;
• Limitações físicas;
• Fracasso.

Fonte: Adaptado de SOARES, 2014

A Figura 2 ilustra que as condições sociopolíticas e culturais são mais importantes que
as técnicas e táticas na detecção e seleção do talento esportivo (Fase A). Lógico, o treina-
dor consegue desenvolver os aspectos técnicos e táticos dos atletas desde que, é claro, que
haja condições sociais, políticas e cultural para isso. Perceba que os três fatores (técnica,
tática e sócio-político-cultural) têm pesos iguais na Fase B (durante o processo de seleção
e promoção). Teoricamente, na Fase C, momento da consolidação do talento esportivo,
técnica e tática têm pesos importantes na manutenção do talento na carreira profissional.

Figura 2 – Grau de importância no processo de detecção, seleção e promoção do talento esportivo


Fonte: Adaptado de BÖHME, 1995

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A promoção do Talento Esportivo é dependente
de um Programa de Treinamento em Longo Prazo
O talento esportivo deve passar por um programa de treinamento em longo prazo
(TLP, discutido em unidades anteriores). O TLP deve ter uma intervenção pedagógica
sistemática e planejamento adequados da infância à adolescência (isso dura, em média,
de 6 a 10 anos (dependendo da modalidade esportiva). Como discutido anteriormente (e
ilustrado na Figura 3), o TLP deve ter três níveis: 1–formação básica geral (na primeira
infância em escolinhas de esporte), 2–treinamento específico (em escolinhas ou clubes)
e 3–treinamento de alto nível (em clubes). No entanto, na prática, ocorre a sobreposição,
onde a iniciação ocorre em idades avançadas, o que leva a deficiências técnicas na for-
mação; para mais detalhes, veja Böhme (2010). Por isso sugerimos a leitura dos artigos
abaixo para complementar as ideias expostas aqui e anterioemente.

Figura 3 – Modelo de formação esportiva em longo prazo


Fonte: Adaptado de BÖHME, 2010

Até este ponto da unidade, fizemos uma breve discussão sobre as principais variáveis a se-
rem consideras na seleção, detecção e promoção de talento esportivo. Caso você vá para a
área de treinamento com crianças e adolescentes, além da videoaula do professor Marcelo
Massa (link anterior), sugerimos fortemente a leitura dos dois artigos que tratam de:
• Determinação de talentos esportivos II: Determinação de talentos esortivos.
Disponível em: https://bit.ly/3aPDofX
• Treinamento em longo prazo para o desenvolvimento de talento esportivo.
Disponível em: https://bit.ly/3tGr2PT

Tecnologia em Esportes Individuais


É bem demonstrado pela literatura científica que os meios para melhorar a perfor-
mance atlética se dá por melhoria da abordagem com atletas (técnicas de coaching),
nutrição, identificação de talentos esportivos, equipamentos e, claro, treinamento físico.

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Podemos identificar que as tecnologias desenvolvidas para esportes individuais (e até


mesmo esportes coletivos) têm como objetivo melhorar a performance dos atletas (com
recursos ergogênicos) e também aumentar a segurança durante a prática (como preven-
ção de lesões).

O que é tecnologia?
A definição de tecnologia segundo a Infopédia é “conjunto dos instrumentos, métodos e
processos específicos de qualquer arte, ofício ou técnica”. Nesse sentido, métodos de trei-
nos, dieta (e suplementos nutricionais) e equipamentos criados especificamente para o es-
porte são tecnologia do esporte.

Professor, o que você quis dizer com técnicas de coaching?


A tradução literal de coaching é “técnico” ou “treinador” ou “instrutor”, em particular, essa
disciplina foi desenvolvida pensando em como ensinar você a ser um “técnico” capaz de
passar os conhecimentos de como fazer, por que fazer e quando fazer. O fato de você saber
ensinar o atleta a ser autônomo e ter sentimento de competência já será um diferencial
enorme daqueles técnicos ranzinzas que pouco contribuem com o crescimento do atleta e
muito contribuem com o dropout de atletas talentosos.
Mas você deve estar pesando: “Isso já foi tratado nas unidades anteriores!”. Isso mesmo!
Aliás, o curso de bacharel em educação física é pensado em como torná-lo(a) um(a) coaching
(claro que a formação é generalista), mas acima de tudo em como torná-lo(a) um coaching
autônomo que saiba, ao se formar, buscar conhecimento específico para a modalidade com
que você irá trabalhar.

A seguir, iremos abordar alguns casos de como os avanços tecnológicos relacionados


ao esporte podem trabalhar sinergicamente com o exercício físico, em que o resultado
final é o aumento da performance atlética a um nível acima quando comparado ao trei-
namento físico isolado.

Tecnologia Baseada em Conhecimento em Biomecânica


Muitos esportes individuais são dominados por forças de atrito, como aerodinâmicas
(ciclismo, automobilismo, lançamentos de dados, discos, navegação, bolas etc.), mecâ-
nica de fluido (natação, navegação). Além disso, forças biomecânicas de ação e reação,
ou seja, impacto (corrida, lutas etc.) impõem consideráveis influências na performance e
saúde do atleta. Momentos de braço de força – que é a capacidade da geração de torque:
relação entre o ângulo da articulação, a linha de força do músculo e o seu comprimento
– implicam diretamente na otimização da utilização da força muscular.

Haake (2009) identificou que a contribuição tecnológica que alterarou a performance


na corrida de 100 metros foi de 24% (quando comparado o recorde olímpico de 1900
ao de 2006). Esse pesquisador também identificou que a melhoria de 4% (desses 24%)
foi somente pelo fato de os atletas passarem a usar macacões apertados (melhoria da
aerodinâmica) para correr, já os 20% foram creditados a outros fatores, como melhoria
advinda da fisiologia, nutrição, coaching, melhores técnicas de corridas entre outros pa-
râmetros. Veja, na Figura 4, a diferença nos trajes dos sprinters atuais (figura esquerdo)
e os sprinters mais antigos (figura da direita).

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Figura 4 – Atletas de sprint de 100 m, com diferentes vestimentas
para as quais são creditadas melhoria da performance em 4%
Fonte: Adaptado de weforum.org | Wikipedia

Também, como pode ser observado na Figura 5, outros esportes que alteram a tec-
nologia para tirar proveito da aerodinâmica, como a corrida de sprint de 100m, tiveram
importantes ganhos em performance atlética. Por exemplo, alguns esportes como salto
com vara têm melhoria de 27% devido ao material usado na vara (outros 59% foram
relacionados a outros fatores), lançamentos de dardos teve melhoria de 35% depois de
alterações nas regras que melhoram a aerodinâmica de lançamento de dardos. Em cor-
ridas de bike de 1h, por exemplo, houve uma melhora total de 221% (101% devido a
alterações aerodinâmicas).

Figura 5 – Melhoria de performance relacionada a tecnologia do esporte


Fonte: Adaptado de HAAKE, 2009

Conhecimento em biomecânica não serve somente para o esporte de elite e para melhoria
em aerodinâmica. Se você for preparador físico de atleta profissional ou do “tiozinho” que foi
direcionado pelo médico para praticar atividade física supervisionada, é importante ter conhe-
cimentos biomecânicos para prescrever exercício com eficiência e segurança. Por exemplo, não
saber como funcionam os vetores de força durante um exercício de agachamento pode levar
ao desenvolvimento de problemas na articulação do joelho do seu aluno. Sugerimos o livro
da Susan Hall (HALL, S. J. Biomecânica Básica. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2005).

O caso das Piscinas e Maiôs


É bem sabido que a velocidade do nadador sofre grande influência das forças resistivas
presentes na água (atrito de pele, arrasto ativo e passivo). O arrasto passivo depende da

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forma, área projetada, velocidade e orientação do corpo em relação ao fluxo de água.


Arrasto ativo é a resistência das ondas gerada conforme o nadador desloca a água e for-
ma ondas, o que resulta em perda de energia cinética. A resistência ao atrito é produzida
quando a água passa sobre a superfície do nadador e depende da área de superfície imersa
do nadador.

Baseados nesse conhecimento da mecânica de fluido, na Olimpíada de Pequim, fo-


ram estabelecidos 25 novos recordes na natação (feito inédito até então). Isso foi possível
graças ao desenvolvimento de maiôs e novos designs de piscinas. As piscinas foram
projetadas de forma a dissipar a turbulência da água para minimizar as forças de ar-
rasto ativo. Projetos recentes incorporaram calhas laterais para reduzir a turbulência
das ondas de ricochete nas raias, divisores de pista para dissipação de ondas e maior
profundidade da piscina, todos com o objetivo de reduzir a turbulência da água para que
os nadadores possam alcançar velocidades maiores. Os maiôs (da marca Speedo, Inc.)
projetados eram ultraleves, flexíveis, prendiam o ar, repeliam a água, feito com costuras
especiais (costura ultrassônica) e com placas que faziam o corpo do atleta obter uma
postura ideal dentro da água (essas características faziam reduzir as forças de atrito da
pele do atleta e o arrasto passivo). Dos 25 novos recordes, 23 foram quebrados pelos
atletas que usaram o maiô LZR Racer (foto dos maiôs na figura 6). Os atletas com maiôs
LZR Racer também ganharam 94% das medalhas de ouro e 89% de todas as medalhas
da natação. Depois desse acontecimento, a Federação Internacional de Natação baniu
esse tipo de maiô (por se caracterizar como doping). Os novos trajes para mulheres não
devem cobrir o pescoço, não devem ultrapassar os ombros e joelhos, já para homens os
maiôs só podem cobrir, no máximo, a área da cintura ao joelho.

LZR Racer. Disponível em: https://bit.ly/3cWTC9K

Figura 6 – Maiôs de natação LZR Racer (Speedo, Inc.)


Fonte: phys.libretexts.org

Pistas de Corrida
Semelhante ao que ocorreu com a evolução da piscina, as pistas de corridas foram dese-
nhadas para maximizar a velocidade, mas diminuir as lesões dos atletas. Por exemplo, em
Havard (em 1977), foi desenvolvida uma pista de corrida chamada de tuned track ou faixa

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sintonizada, que diminui a incidência de lesão em 50% devido à diminuição do impacto arti-
cular durante a corrida. Também a pista diminuiu o tempo de contato do pé do atleta com o
solo, além disso, a pista tinha efeito mola (semelhante à mecânica de corrida), que jogava o
atleta para frente. Então essa pista causava menos lesões, diminuía o tempo de contato, que
aumenta a velocidade, pois em sprinter o tempo de contato é inversamente proporcional à
velocidade e aumentava o tamanho da passada (isso fazia a performance melhorar em 2% a
3%. Para se ter uma ideia do avanço tecnológico dessa pista, essa melhora na performance
de 2-3%, para atletas olímpicos atuais seria a diferença do 1º ao último lugar, na prova de
100m, na Olímpiada do Rio 2016. Por exemplo: tempo de, Usain Bolt foi de 9,81s, como
medalha de ouro, sendo Trayvon Bromell com tempo de 10,06s, ficando como último co-
locado; caso Trayvon Bromell melhorasse 3%, o tempo cairia para impressionantes 9,75s.

Ciclismo
No ciclismo, o arrasto aerodinâmico é responsável por 90% das forças resistivas que o
ciclista deve superar. Sabendo disso, o desenvolvimento tecnológico no ciclismo tem focado
na redução do arrasto aerodinâmico para conseguir aumentar a velocidade. As inovações na
aerodinâmica dos equipamentos de ciclismo geraram polêmicas na comunidade do ciclismo,
ou seja: será que a melhora de performance reflete a habilidade e capacidade dos ciclistas ou
são resultados exclusivamente dos projetos de engenharia? O aumento na performance é ar-
tificial? Antes de 1984, não era permitido nenhum equipamento nas bikes que objetivassem
diminuir a resistência do ar. Entretanto, inovações em equipamentos que atendiam a fins
funcionais ou estruturais (como posições de pilotagem, material de acabamento, desenho da
bike, capacete, roupa e tipo de pista) fizeram com que houvesse melhora na performance
e que muitos recordes fossem quebrados. A literatura tem creditado que 60% da melhora
no recorde mundial de corrida na bike em 1h (modalidade de cobrir, em 1h, a maior distân-
cia possível na bike numa superfície plana), no período de 1967 a 1996, foram devido à
melhora aerodinâmica (aumento artificial), sendo 40% creditados à fisiologia, ou seja, 40%
de aumento real (NEPTUNE; MCGOWAN; FIANDT, 2009). Essas espantosas alterações
levaram a novas regras no ciclismo. Para essa modalidade, atualmente, é exigido que os
equipamentos dos ciclistas sejam semelhantes aos usados no recorde de 1h estabelecido, em
1972 (isso foi um esforço para evitar que os recordes de 1h não sejam mais influenciados
pela tecnologia do que pelos atletas em si). Os recordes de 1h na bike no período de 1972
a 2000 foram rebaixados de recorde mundial para “melhores performances”. Outras mo-
dalidades do ciclismo ainda não foram afetadas por essas regras. Avanços em equipamento
continuam em busca de melhorar a performance no ciclismo, alterando vários aspectos do
movimento de pedalada por meio de novos mecanismos de pedal e formas de anel de cor-
rente não circular – veja exemplos em ZAMPARO et al., 2002).

Tecnologia Baseada em Conhecimento em Fisiologia do Exercício


Por meio de estudo com a fisiologia do exercício, é possível identificar propriedades
intrínsecas dos músculos (relação entre força e comprimento) e, assim, ter uma base
sólida para prescrever cargas de treino para otimizar força, potência ou velocidade.

Por exemplo, na fisiologia do exercício, foi identificado que atividades como correr ou
pular têm ações musculares de contração excêntricas seguidas de fases concêntricas, ou

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UNIDADE Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

seja, ciclo de alongamento-encurtamento (CAE). Esse CAE é influenciado pelas estruturas


passivas dos músculos (estruturas como endomísio, perimísio e epimísio e o tendão mus-
cular, que não se contrai, mas é responsável por transmissão de força e armazenamento
e consequente dissipação de energia elástica) e pela modulação neural (reflexo de alonga-
mento). Em cima dessa teoria, foi proposto o treino pliométrico. Esse tipo de treinamento
melhora a eficiência do CAE, o que aumenta drasticamente a performance atlética, como
economia de corrida, velocidade e potência muscular, em esportes que usam o CAE (cor-
ridas, saltos e desloca deslocamentos em lutas, por exemplo).

O treino pliométrico é uma técnica de treinamento eficaz para desenvolver força e potência
muscular para esportes nos quais a velocidade e a explosão são essenciais (por exemplo, corri-
da, ginástica, ciclismo em pista). A pliometria utiliza o CAE, que envolve alterações mecânicas
(como altas forças excêntricas, armazenamento e liberação de energia elástica) e neurológicas
(ativação do reflexo do alongamento) que aumentam o recrutamento de fibras e fazem au-
mentar a força e a produção de potência muscular. Um elemento-chave dos exercícios plio-
métricos é a fase de amortização, que é o tempo entre as fases excêntrica e concêntrica. Se
essa fase for muito longa, o benefício do armazenamento de energia elástica e da resposta do
reflexo de estiramento é perdido. É consenso na literatura científica que treino pliométrico é
um método eficaz para aumentar a força e a produção de potência; no entanto, os mecanismos
específicos que contribuem para esse aumento ainda não são bem compreendidos. Estudos
sugerem que o aumento do impulso neural, a melhoria da coordenação e as mudanças nas
características de rigidez muscular podem desempenhar papéis importantes.

Também foi descoberto que as ações excêntricas são responsáveis por dissipar ener-
gia e proteger músculos e articulações para que não ultrapassem seus limites biomecâ-
nicos e anatômicos, respectivamente. Também por meio de estudos que descobriram a
contribuição das ações excêntricas no tecido muscular, foi proposto o treino excêntrico
como ferramenta efetiva para prevenir lesões no esporte – veja a revisão de Van Dyk
& Whiteley, 2009. As figuras a seguir ilustram um exercício puramente excêntrico atu-
almente utilizado por treinadores e fisioterapeutas (atualizados), como ferramenta para
diminuir lesões no posterior de coxa. Esse mesmo conceito (exercício puramente excên-
trico) pode ser utilizado em qualquer músculo suscetível de lesão no esporte.

Cristiane da seleção de futebol (BRA) do Brasil após uma lesão no posterior de coxa nas
Olimpíadas do Rio 2016. Disponível em: https://bit.ly/3juG1I8
Um exercício excêntrico para o posterior de coxa (nordic hamstring) implementado na prática
esportiva a partir de estudos científicos para premir lesões no posterior de coxa.
Disponível em: https://bit.ly/3rvhHsv

Alguns esportes são dependentes das ações concêntricas, como o ciclismo. Assim,
organizar a bicicleta e as proporções antropométricas do ciclista pode maximizar a contri-
buição das ações concêntricas (ou seja, otimizar o braço de força nas ações concêntricas).
Veja o exemplo da Figura 7a, que dos 0° aos 180° graus há uma contribuição de ações
concêntricas do quadríceps e dos músculos extensores do quadril, a partir dos 180°, há
uma ação excêntrica desses músculos e sua contribuição de força na ação excêntrica (em

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vermelho). A Figura 7b demonstra que a otimização do braço de força, em 10 e 20%, nas
ações concêntricas dos extensores do quadril e do joelho resultou em ganhos de perfor-
mance de 2,4 e 3,4%, respectivamente.

Figura 7
Fonte: NEPTUNE; MGOWAN; FIANDT, 2009

A) Influência da dinâmica da ação concêntrica e excêntrica muscular (do qua-


dríceps) sobre o potencial de um músculo para fazer trabalho mecânico no
ciclismo. A excitação muscular máxima fica em torno de 50% com um início
em 350° e termina em 138° no ciclo de manivela. As áreas azuis representam
um potencial trabalho positivo que não poderia ser alcançado com o músculo
em ação concêntrica, ao passo que as áreas vermelhas representam o trabalho
negativo gerado quando o músculo está em ação excêntrica. A inserção mostra
a orientação do braço do pedal em 110° em relação ao ponto morto superior.
B) Potência do quadril e quadríceps. Os valores inseridos indicam o trabalho
realizado por cada músculo em suas respectivas articulações.

Existem ótimos ângulos (relação entre força e comprimento) para execução de mo-
vimentos para melhorar a participação concêntrica, como o bloco de corrida no sprint,
exercício de musculação para potencializar e eficiência (relação força-comprimento) das
ações concêntricas. Todas essas abordagens são descobertas recentes e servem como
base para prescrição de novos exercícios (são as novas tecnologias do esporte!).

A fisiologia do exercício também tem identificado que atletas podem adquirir diferentes
tipos de fibras musculares devido ao treinamento. Além disso, esses diferentes tipos de fibras
musculares podem ser de herança genética. Esses dois fatores são utilizados para escolher o
tipo de treino a ser aplicado (qual o tipo de fibra precisamos para essa modalidade?) ou para
seleção de talentos esportivos. A Figura 8 demonstra que existe uma relação do tipo de fibra
com a performance atlética. Fibras lentas, apesar de gerarem pouca força e a velocidade
de contração ser lenta, são ótimas para esportes de endurance como corridas e ciclismo
de longas distâncias (pois elas são difíceis de entrar em fadiga). Já as fibras rápidas fadigam
rapidamente, mas são rápidas e produzem uma alta taxa de força, por isso são ótimas para
esportes de explosão ou força, mas de curta duração como sprint, levantamento de peso.
A proporção de fibras musculares de contração rápida e lenta pode variar entre os indiví-
duos e tem sido associada ao desempenho atlético. Por exemplo, em músculos com fibras

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UNIDADE Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

mistas, um velocista pode ter até 75% de fibras de contração rápida, enquanto um corredor
de longa distância pode ter 75% de fibras de contração lenta no mesmo músculo. Embora
muitos esportes exijam potência e endurance e, portanto, um equilíbrio entre as fibras de
contração lenta e rápida, nesse sentido, treinar seletivamente os músculos para um tipo de
fibra preferencial é benéfico para esportes com tarefas específicas.

Figura 8
Curvas de força-velocidade e potência para fibras musculares rápidas (linha
tracejada) e lentas (linha sólida). Fibras musculares rápidas geram forças iso-
métricas mais altas e produzem mais força do que as fibras musculares lentas.

A fisiologia do exercício também tem identificado que esportes nos quais o enduran-
ce é um componente importante para a performance (por exemplo, corrida de longa
distância e ciclismo), por exemplo, os atletas de elite têm um VO2máximo que é quase o
dobro de indivíduos não treinados. VO2máximo tem menos influência para atletas com-
petindo em eventos de curta duração, como sprinters ou levantadores de peso, em que a
energia é fornecida quase inteiramente por meio do metabolismo anaeróbio. Portanto, é
necessário conhecer a demanda de energia da modalidade, que está relacionada ao tipo
de fibra muscular (especializada em produção de anergia aeróbia ou anaeróbia). Para
saber o tipo de treinamento a ser prescrito para o atleta, veja o exemplo na Figura 9.

Figura 9 – Produção de energia e recrutamento do tipo de


fibra em diferentes modalidades esportivas individuais
Fonte: Adaptada de KNUTTGEN, 2007

(a) Padrão da porcentagem da demanda de energia produzida pela célula


muscular. (b) Padrão do recrutamento do tipo de fibra para o nível correspon-
dente da demanda de energia produzida pelo músculo. O exercício de baixa
intensidade recruta principalmente fibras musculares de contração lenta (tipo

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I). À medida que a intensidade do exercício aumenta, as fibras do tipo I atin-
gem sua capacidade máxima de produzir energia (vermelho) e as fibras do tipo
II e IIb (x) mais rápidas são então recrutadas.

Simuladores de Treino (Biofeedback)


Outra forma de melhorar a performance atlética é por meio do uso de simuladores de
treino (computador e dispositivos de biofeedback, que foram desenvolvidos para permitir
que os atletas treinem em cenários realistas enquanto recebem feedback necessário para
melhorar a sua performance). Por exemplo, a equipe dos EUA treinou bobsled para a
Olímpiada com um simulador virtual inspirado em simuladores de aeronave. Esse tipo de
abordagem no treino diminui drasticamente os gastos com viagem e transporte de equi-
pamentos e economiza tempo de deslocamento. Além disso, com simuladores, pode-se
aumentar a quantidade de vivências, repetir partes difíceis e não depender do clima para
treinar. Isso pode ser aplicado em esportes individuais, com ciclismo, automobilismo e
remo. Claro que, para maximizar os benefícios, é necessário gerar simulações realistas, ou
seja, o simulador precisa estimular os sentidos visual, vestibular, tátil e auditivo dos atletas.
Ainda sobre o bobsled da equipe dos EUA: o simulador conseguiu reproduzir virtualmente
qualquer curso de bobsled no mundo, havia um rolo sobre o eixo longitudinal do bobsled
para estimular o sistema vestibular; também havia uma cabine com um mecanismo de
direção que dava feedback da força necessária a ser aplicada nos corredores de gelo, sons
realistas ao se deslocar pelo corredor de gelo. Foram adicionados fatores externos como
atrito, aerodinâmica etc., o que teoricamente ajudou a melhorar o desempenho. Embora
um estudo controlado sobre a eficácia do simulador não tenha sido realizado, o piloto
Brian Shimer usou o simulador em seu treinamento e ganhou a medalha de bronze no
evento de bobsled de quatro homens nos Jogos Olímpicos de 2002 em Salt Lake City.

Outros Fatores Identificados pelas Recentes


Tecnologias que Influenciam a Performance
• A literatura tem identificado, por exemplo, que em pistas de sprinters existe uma
diminuição da velocidade em momentos de curva;
• Na maioria dos esportes individuais, o pico de performance, tanto em homens quan-
do em mulheres, ocorre entre os 20 e 30 anos; claro que existem exceções para
menor idade como na ginástica artística (pico de performance entre 17-18 anos, para
meninos e 13 anos para meninas). Tem sido identificado que o processo de envelhe-
cimento leva a um declínio em força (perda de 15% de força no 1RM por década após
os 60 anos) e da capacidade aeróbia (perda de 12% do VO2máximo por década após
os 60 anos). No esporte, tem sido identificada diminuição na capacidade de sprint a
partir dos 35 anos (Usain Bolt se aposentou no auge, em 2016, aos 29 anos) e um
declínio ainda maior a partir dos 60 anos. Essa maior diminuição em força e potência
está relacionada à maior perda de fibras musculares rápidas (tipo IIa e IIx). Por outro
lado, a perda de VO2máximo em atleta é mais lenta, quando comparada à perda em
força e velocidade. Por isso o abandono em modalidades de força e potência é maior,
enquanto em modalidades de endurance há um menor abandono e até mesmo uma
maior popularidade entre atletas idosos.

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UNIDADE Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

Essas alterações são só possíveis por meio da utilização de robustos bancos de dados
(armazenamento de dados de vários anos) e de ferramentas da medicina direcionadas
para o estudo do esporte que permitem análise do tecido muscular e do consumo de
oxigênio de atletas.

Doping no esporte
São consideradas doping as estratégias que aumentam artificialmente e injustamente
a performance de um atleta. Geralmente, as substâncias que são consideradas como
doping são aquelas que fazem mal à saúde do atleta ou de seus adversários e que vai
contra o espírito esportivo.

Veja a definição de espírito esportivo, segundo o código mundial antidopagem.


Disponível em: https://bit.ly/2Z6SsAl

• O espírito esportivo é a celebração do espírito humano, do corpo e da mente. É a essên-


cia do olimpismo e se reflete em valores que encontramos no e pelo esporte, incluindo:
» Ética, jogo limpo e honestidade;
» Direitos dos atletas, conforme estão previstos no Código;
» Excelência no desempenho;
» Caráter e educação;
» Diversão e alegria;
» Trabalho em equipe;
» Dedicação e compromisso;
» Respeito às regras e leis;
» Respeito por si próprio e pelos outros participantes;
» Coragem;
» Comunidade e solidariedade.

Existe o doping biomecânico (já demos exemplos anteriormente, como design de maiôs
e bicicletas) e o doping fisiológico, ambos aumentam artificialmente a performance atlética.

O doping biomecânico é específico para cada modalidade. Nesse caso, são listados
pelas próprias federações que organizam as modalidades. Já o doping fisiológico per-
meia por várias modalidades que têm demandas fisiológicas semelhantes. Existe uma
organização mundial conhecida como WADA (Word Antidoping Agency), que trabalha
para coibir o uso de substâncias fisiológicas que são consideradas doping no espor-
te (todas as modalidades olímpicas são submetidas ao código de doping da WADA).
É importante ter em mente também que o controle da WADA sobre o uso de substâncias
que alteram a fisiologia e a bioquímica do organismo para provocar aumento suprafi-
siológico da performance visa não só preservar o espírito esportivo, mas sim o mais
importante, que é preservar a saúde dos atletas (nenhuma vitória vale a saúde ou a vida).
Anualmente, é publicada uma lista de substâncias proibidas.

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Site da WADA (Word Antidoping Agency). Disponível em: https://bit.ly/2LCJUOM
Lista de substâncias proibidas. Disponível em: https://bit.ly/3p4J7Uq

A WADA segue três critérios para considerar uma substância como doping:
• Evidência médica ou outra evidência científica, efeito farmacológico ou experiência
de que a substância ou o método, sozinho ou em combinação com outras substâncias
ou métodos, melhore ou tenha o potencial de melhorar o desempenho esportivo;
• Evidência médica ou outra evidência científica, efeito farmacológico ou experiência
de que o uso da substância ou do método representa um risco real ou potencial
para a saúde do atleta;
• Evidência médica ou outra evidência científica, efeito farmacológico ou experiência
de que o uso da substância ou do método viola o espírito esportivo descrito na in-
trodução do Código.

Para uma substância (ou equipamento) ser considerada doping, basta ela preencher
somente dois dos três requisitos mencionados acima. Portanto, a política antidopagem
visa preservar a saúde do atleta e o espírito esportivo.

O que é mais importante a vitória ou sua saúde/vida?


Um estudo clássico de 1970 entrevistou corredores de elite. Metade dos entrevistados
aceitaria usar alguma substância que os tornasse campeões olímpicos mesmo que pudes-
se matá-los em 1 ano. Em pesquisas mais recentes, esse perfil de atleta tem diminuído,
mesmo assim ainda existe um perfil de atleta que não tem a dimensão do perigo ou senso
de ética para rejeitar o uso de substâncias que tirem a sua saúde – esses ainda se sujeitam
aos riscos movidos pelo interesse de vencer os adversários. Isso é não ter respeito ao colega
de competição, às regras e às leis. Essas questões éticas precisam ser abordas e ensinadas
durante a formação do atleta (pois a nossa principal missão é a formação do cidadão social,
moral e ético, antes de formar um atleta).

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UNIDADE Esportes Individuais: Temas Interdisciplinares

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Biomecânica Básica
HALL, S. J. Biomecânica Básica. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2005.
Conhecimento em biomecânica para poder entender e como criar tecnologia para
melhora da performance esportiva.
Suplementação Nutricional no Esporte
ROGERI, P. S.; CAPERUTO, E. C. Suplementação Nutricional no Esporte –
Capítulo 13. Doping. 2. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2019. v. 1. 296p.
Capítulo de livro que conta a história do doping fisiológico e de métodos de dectenção.

Leitura
Talento esportivo II: determinação de talentos esportivos
Como detectar um talento esportivo.
https://bit.ly/3cX0N1G
Treinamento a longo prazo e o processo de detecção, seleção e promoção de talentos esportivos
Treinamento para promoção do talento esportivo.
https://bit.ly/36WyrB3
The influence of muscle physiology and advanced technology on sports performance
Avanços em tecnologia do esporte.
https://bit.ly/3p6rGCK

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Referências
BÖHME, M. T. S. Treinamento a longo prazo e o processo de detecção, seleção e promo-
ção de talentos esportivos. Revista Brasileira de ciências do esporte, v. 21, n. 2, 2010.

HAAKE, S. J. The impact of technology on sporting performance in Olympic sports.


Journal of Sports Sciences, v. 27, n. 13, p. 1421-1431, 2009.

KNUTTGEN, H. G. Strength training and aerobic exercise: comparison and contrast. The
Journal of Strength & Conditioning Research, v. 21, n. 3, p. 973-978, 2007.

MARQUES, P. R. R.; DOS SANTOS PINHEIRO, E.; COSWIG, V. S. Efeito da idade rela-
tiva sobre a seleção de atletas para as categorias de base de um clube de futebol. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 2, p. 157-162, 2019.

SOARES, Y. M. Treinamento Esportivo: Aspectos Multifatoriais do Rendimento. Rio


de Janeiro: MedBook 2014.

VAN DYK, N.; BEHAN, F. P.; WHITELEY, R. Including the Nordic hamstring exercise in
injury prevention programmes halves the rate of hamstring injuries: a systematic review
and meta-analysis of 8459 athletes. British journal of sports medicine, v. 53, n. 21,
p. 1362-1370, 2019.

ZAMPARO, P.; MINETTI, A. E.; DI PRAMPERO, P. E. Mechanical efficiency of cycling with


a new developed pedal–crank. Journal of biomechanics, v. 35, n. 10, p. 1387-1398, 2002.

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Você também pode gostar