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DIREITO CONSTITUCIONAL I

Tema: Estrutura das Normas Constitucionais

Por: Dr. João Nguenha e António Chipanga

Os princípios e a sua função

O Direito não se resume nos diplomas e preceitos mutáveis, constantemente


publicados e revogados pelos órgãos do poder.

Existe algo de específico e de permanente no sistema jurídico que permite


explicar e fundar a validade e a efectividade de todas e cada uma das suas
normas.

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos de


vontade ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si.

O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultante


de vigência simultânea.

O Direito implica coerência, consistência e projecta-se em sistema.

O direito é unidade de sentido, é valor incorporado em regra


(Vide artigo 2 n.º 3 e artigo 4, da CRM)

Esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projecta-se ou


traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos.

Os princípios são parte integrante do Direito; fazem parte do ordenamento


jurídico.

Os princípios não se contrapõem às normas; contrapõem-se aos preceitos.

(Vide do artigo 1 ao artigo 22, 23, 24, 35, 36, 56 e segs, 73, 96 e segs.,
133 e segs., 212 e segs., 249 e segs., 265 e segs. da CRM)

As normas constitucionais dividem-se em:

normas - princípios e
normas – disposições

O Professor Gomes Canotilho no âmbito do amplo conceito de norma


juridico-constitucional faz uma distinção entre regras e princípios e para o
efeito apresenta-nos os seguintes critérios:

i. Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de


abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras
possuem uma abstracção relativamente reduzida;

1
ii. Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os
princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações
concretizadoras (do legislador ou do Juiz), enquanto as regras são
susceptíveis de aplicação directa.

iii. Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes de Direito: os


princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no
ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das
fontes ou a sua importância estruturante dentro do sistema jurídico;

iv. Proximidade da ideia de Direito: os princípios são ˝standards˝


juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça ou na
ideia de Direito; as regras podem ser normas vinculativas com um
conteúdo meramente funcional.

v. Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras,


isto é, são normas que estão na base ou constituem a rácio de regras
jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética
fundamentante.

Nesta conformidade a diferença qualitativa entre os princípios e regras na


doutrina do Professor Gomes Canotilho situa-se no seguinte:

Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,


compatíveis com vários graus de concretização, consoante os
condicionalismos fácticos e jurídicos;

As regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência


(impõem, permitem ou proíbem) que é o não cumprida.

Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de


optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não
obedecem, como as regras, a ˝lógica do tudo ou nada˝), consoante o seu
peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes. Os
Princípios quando estejam em conflitos podem ser objecto de ponderação ou
de harmonização.

As regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma
regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas
prescrições, nem mais nem menos. As regras contém fixações normativas
definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras
contraditórias. Ou são válidas e correctas e se aplicam ou não são válidas
nem correctas então alteram-se.

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A Função ordenadora dos princípios

A função ordenadora dos princípios revela-se:

i) Em momentos revolucionários (particularmente nítida e forte)


onde a mudança incide directa e principalmente nos princípios nos
quais se traduz a nova1 ideia de Direito.

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Sobre a nossa ordem jurídica, importa recordar os nossos estudantes que Moçambique foi
uma Província ultramarina e parte integrante da Nação Portuguesa, situado na África
Oriental, do território do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, consagrado na
Constituição Portuguesa de 23 de Setembro de 1822, conforme o disposto no artigo 20.º,
§III.
Na Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933, o território de Moçambique mantém-se
colónia ultramarina de Portugal, conforme se estabelece no artigo 1.º.

O artigo 5.º da referida Constituição prescreve: “ O Estado português é uma


República unitária e corporativa, baseada na igualdade dos direitos dos
cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos beneficiários
da civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação
na vida administrativa e na feitura das leis.”

O artigo 132.º da Constituição Portuguesa considera matéria constitucional as disposições do


Acto Colonial a ser aprovado pelo Governo.
O artigo 2.º do Acto Colonial, publicado no mesmo Diário do Governo de 11 de Abril de 1933
data da publicação da Constituição da República, dispõe: “ É da essência orgânica da
Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios
ultramarinos e de civilizar as populações indíginas que neles se compreendam, exercendo
também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente”
O artigo 20.º do Acto colonial determina “ O Estado somente pode compelir os indiginas ao
trabalho em obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos
resultados lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de carácter penal, ou para
cumprimento de obrigações fiscais”.
Em 1954, dia 31 de Maio o Governo Português publicou no Boletim Oficial n.º 22,
Suplemento, o Decreto-Lei n.º 39:666, - Estatuto dos Indiginas Portugueses das províncias
da Guiné, Angola e Moçambique.
Neste diploma legal, prescreve-se no artigo 2.º o seguinte “Consideram-se indiginas das
referidas províncias os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido
ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e
sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos
portugueses.
§ Único. Consideram-se igualmente indiginas os indivíduos nascidos de pai e mãe indiginas
em local estranho àquelas províncias, para onde os pais se tenham temporariamente
deslocados.
Artigo 3.º “ Salvo quando a lei dispuser doutra maneira, os indiginas regem-se pelos usos e
costumes próprios das respectivas sociedades”
Artigo 56.º “Pode perder a condição de indigina e adquirir a cidadania o individuo que prove
satisfazer cumulativamente aos requisitos seguintes:

a) Ter mais de 18 anos;


b) Falar correctamente a língua portuguesa;
c) Exercer profissão, arte ou ofício de que aufira rendimento necessário para
sustento próprio e das pessoas de família ao seu cargo, ou possuir bens
suficientes para o mesmo fim;
d) Ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração e os hábitos pressupostos
para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses;
e) Não ter sido notado como refractários ao serviço militar nem dado como
desertor.

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A título de exemplo, em Moçambique, a este propósito, o poder
constituinte decorrente do novo poder político que conquistou o poder do
regime colonial português, estabeleceu na Constituição de 1975, o artigo
26.º que dispõe o seguinte: “Todos os cidadãos da República Popular de
Moçambique gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos
deveres, independentemente da sua cor, raça, sexo, origem étnica, lugar
de nascimento, religião, grau de instrução, posição social ou profissão.”

Com esta norma – princípio, modificou toda a ordem jurídica


moçambicana.

ii) Em momentos de normalidade estabilidade institucional


a) Acção imediata: enquanto directamente aplicáveis ou
directamente capazes de conformarem as relações político-
constitucionais.
b) Acção mediata (nos planos interpretativo, integrativo e
prospectivo)

 Critérios de interpretação: a interpretação dos


preceitos constitucionais deve ser feita necessariamente
em conjugação com os princípios constitucionais.
(Vide artigo 2 n.º 3 e 4, artigo 3, 4, 11, 12, 42, 43, 57 e 214 da CRM

Critérios de integração: a integração das lacunas da Constituição deve ser


feita de modo a explicitar as normas que o legislador constituinte não quis ou
não pôde exprimir cabalmente.

(Vide artigo 169 e artigo 179, n.º 2, alínea a), da CRM)


 Elementos de construção e qualificação: os conceitos
básicos de estruturação do sistema constitucional
aparecem estreitamente conexos com os princípios
constitucionais ou através da prescrição de princípios.
 Função prospectiva, dinamizadora e transformadora:
pela sua maior generalidade ou indeterminação,
admitem concretizações, densificações e realizações
variáveis alicerçando a interpretação evolutiva.
 Prospectivo (Vide artigo 214 da CRM)

Classificação de princípios constitucionais

Segundo G. Canotilho

i. Princípios jurídicos fundamentais:

princípios fundamentais historicamente objectivados e


progressivamente introduzidos na consciência jurídica geral e que
encontra uma recepção expressa ou implícita no texto
constitucional.

(Vide artigo 1, 2, 11, 12, 13, 19, 20, 23 e segs. 35 e segs., 84, 112,
98, 103, 104, 109, 110, 113, 115, 116, 119, 120, 121, 122, 123,
125, 138, 139, 140, 141, 142, 1`45, 146, 150, 151, 159 e segs.,169,

4
173, 179, 183, 185 e segs, 200 e segs., 212 e segs., 234 e segs.,
254 e segs., 264 e segs., 265 e segs. da CRM)

ii. Princípios políticos constitucionalmente conformadores


iii. Princípios constitucionais que explicitam as valorações
políticas fundamentais do legislador constituinte
iv. Princípios constitucionais impositivos
Princípios que, no âmbito da Constituição dirigente, impõem aos
órgãos do Estado, maxime o legislativo, a realização de fins e a
execução de tarefas.
(Vide artigo 133, 134,135, 136, e segs. da CRM)
v. Princípios-garantia
Princípios que estabelecem garantias directas para os cidadãos.
(Vide artigo 62, 65, 82, 83, 103, n.º 2, 108 da CRM)

Segundo J. Miranda

i. Princípios constitucionais substantivos (válidos por si mesmos,


reflectem os valores básicos a que adere a Constituição material)

a) Princípios axiológicos fundamentais (correspondentes aos


limites transcendentes do poder constituinte): proibição da
discriminação, inviolabilidade da vida humana, integridade
moral e física das pessos, a liberdade de religião e de
convições, a não retroatividade da lei penal incriminadora, a
dignidade social e do trabalho, o direito de defesa dos
acusados.
(Vide artigo 35, 36, 37, 40, 41, 42, 43 e segs. da CRM)

São os princípios constitucionais substantivos. Limitam o poder


constituinte de tal modo que não pode dispor de forma diferente.

b) Princípios político-constitucionais (correspondem aos


princípios imanentes do poder constituinte e aos limites
específicos de revisão constitucional): reflectem as grandes
marcas e direcções caracterizadoras de cada Constituição
material diante das demais (princípios democrático; princípio
representativo; princípio republicano; princípio da
constitucionalidade; princípio da separação do poder).
(Vide artigo 3, 133, 134, 135 e artigo 291, n.º 1, al. b) da CRM)
ii. Princípios constitucionais adjectivos ou instrumentais (sobretudo de
alcance técnico e complementares dos primeiros) – Princípio da
publicidade das normas jurídicas; princípio da fixação das
competências dos órgãos constitucionais pela norma
constitucional; princípio da tipicidade das formas das normas.

(Vide artigo 143, 144, 158, 182, 210, 248, n.º 3, 138, 139, 145, 159 e segs.,
166, 179 e segs., 195, 197, 204, 205, 206, 222, 230, 244, 259, 269 da CRM)

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Classificação de “normas – disposições” constitucionais

Classificação das disposições jurídicas em geral (também aplicável às


disposições constitucionais)

Quanto ao objecto ou conteúdo

i. Normas de regulamentação e normas técnicas


 possuem um sentido específico de regulamentação
 dão enquadramento técnico legislativo às normas de
regulamentação (ex. as definições legais e as regras de
qualificação).
(Vide artigo 43, 99 n.º 2,3 e 4, artigos 129, 130, 146, 168,169,
200, 225, 228, 234, 241, 254, 256, 262, 268 da CRM)
ii. Normas autónomas e normas não autónomas
 Possuem um sentido completo e valem por si (contém todos os
elementos de uma norma jurídica)
(Vide artigo 38, n.º 2 da CRM)
 Não possuem um sentido completo, valem apenas integradas ou
conjugadas com outras (falta-lhes a previsão e a estatuição).
(Vide artigo 58, n.º 2 da CRM)
iii. Normas prescritivas e normas proibitivas (imperativas ou
injuntivas) VS Normas Permissivas.
iv. Prescritivas - prescrevem um determinado acto ou comportamento
(Vide artigo 150, 151 da CRM)
 Proibitivas: Vedam um determinado acto ou comportamento.
(Vide artigo 57, 61, 164, n.º 1 e 2, 67, nr.1, artigo 52, nr.2, 77, 87,
nr.3, 149, 172, 174, 157, 189, 293, 294 da CRM)
v. Normas primárias e normas secundárias ou sancionatórias
 Primárias –dispõem sobre as relações e as situações da vida.
(Vide artigo 44, 81 e artigo 119 e segs. da CRM)
 Secundárias – estabelecem garantias do cumprimento das
normas primárias, nomeadamente sanções.
(Vide artigo 38, n.º 2 da CRM)
vi. Normas inovadoras e normas interpretativas
 Inovadoras - introduzem uma modificação na ordem jurídica.
(Vide artigo 4, 15, 42, 43, 45, 49, 256 e segs., 292, 293 da CRM)
 Interpretativas – definem o sentido e alcance de outras normas.
(Vide artigo 2, n.º 3 e 4, artigo 42, 43 e 57 da CRM)
vii. Normas directas e normas derivadas
 Directas - são apreensíveis directamente nas disposições
expressas.
 Derivadas - Encontram-se implícitas noutras normas
(Interpretação enunciativa).

Disposições do Direito transitório material: normas temporárias


destinadas a estabelecer o regime jurídico correspondente à
passagem do regime até então vigente para o regime novo decretado

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Sobre as classificações que se seguem cabem aos estudantes
indicar os artigos correspondentes da CRM de 2004.

Quanto às suas relações

i. Normas gerais e normas especiais


 Gerais- constituem um regime regra ou dispõem para a
generalidade dos casos.
 Especiais: sem contrariar o regime regra, adaptam as normas
gerais a circunstâncias particulares (D. Civil VS D. Comercial).

ii. Normas de Direito comum e normas de direito particular


 De Direito comum – correspondem a princípios gerais ou a
excepções a esses princípios (as normas especiais são
desenvolvimentos diferenciados de um só princípio. As normas
excepcionais assentam em princípios antagónicos dos adoptados
pelo ordenamento jurídico).
iii. Normas materiais e normas remissivas – consoante enceram
em si a regulamentação ou a devolvem para a regulamentação
constante de outras normas.
iv. Normas exequendas e normas de execução – consoante a sua
execução depende de outras ou tem por objecto dar execução a
normas pré-existentes, artigos 155, 156 e 157.
v. Normas principais e normas subsidiárias – consoante se aplicam
por si próprio ou se aplicam apenas na falta de normas que
especificamente se ocupam das relações ou situações, ex. artigo
184, uma vez que o artigo 291 n.˚ 2 é omissa quanto ao modo
como se deve fazer o debate quando se tratar de revisão
constitucional que implica referendo.

Classificação específica do Direito Constitucional

i. Normas constitucionais materiais (grosso modo, normas primárias)


– reflectem o núcleo da Constituição em sentido material, a ideia de
direito modeladora do regime ou da decisão constituinte (normas
dos princípios fundamentais)
ii. Normas constitucionais de garantia (grosso modo, normas
secundárias) – estabelecem os modos de assegurar o
cumprimento da Constituição perante o Estado (normas sobre a
fiscalização da constitucionalidade), artigo 214, 241 e segs e 69, 70
e 80.
iii. Normas constitucionais de fundo – respeitantes às relações entre a
sociedade e o Estado ou ao estatuto das pessoas e dos grupos
dentro da comunidade política (normas sobre os direitos
fundamentais), artigo 35 e seguintes.
iv. Normas orgânicas – definidoras dos órgãos do poder, da sua
estrutura, da sua competência, da sua articulação recíproca e do
estatuto dos seus titulares, artigo 133 e seguintes.
v. Normas processuais ou de forma – relativas aos actos e actividade
do poder, aos processos jurídicos de formação e expressão –
vontade necessariamente normativa e funcional, artigo 167, 186 e
202.

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vi. Normas constitucionais preceptivas – as de eficácia incondicionada
ou não dependentes de condições institucionais ou de facto, artigo
214, 154 e 184.
vii. Normas constitucionais programáticas – as que dirigidas a certos
fins e à transformação não só da ordem jurídica mas também das
estruturas sociais e da ordem constitucional, implicam a verificação
pelo legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário,
da possibilidade de as concretizar, artigo 15, 16, 91.
viii. Normas constitucionais exequíveis por si mesmas – aplicáveis só
por si, sem necessidade de lei que as complementem, artigo 55, 57
e 62.
ix. Normas não exequíveis por si mesmas – as carecidas de normas
legislativas que as tornem plenamente aplicáveis as situações da
vida.
x. Normas constitucionais a se – contêm uma específica
regulamentação constitucional seja a título de normas materiais,
seja a título de normas de garantia, artigo 99 e 116.
xi. Normas constitucionais sobre normas constitucionais – reportam-se
a outras normas constitucionais para certos fins (disposições sobre
a revisão constitucional), artigo 291 e seguintes.

Normas Preceptivas e Normas Programáticas

As normas preceptivas e as normas programáticas possuem a mesma


natureza e valor. São ambas normas jurídico-constitucionais em sentido
material e em sentido formal, e consequentemente revestidas de força
jurídica superior em relação às normas do Direito ordinário. Elas possuem o
mesmo grau de validade.

A diferença entre umas e outras reside na estrutura e projecção no


ordenamento constitucional, no grau de realização e de efectividade.

As normas programáticas caracterizam-se por:


 serem de aplicação diferida e não de aplicação ou execução
imediata( eficácia diferida);
 explicitarem comandos–valores em vez de comandos – regras;
 conferirem flexibilidade ao ordenamento constitucional (dimensão
prospectiva = elasticidade);
 ter como destinatário primordial o legislador que deve ponderar
quanto ao tempo e os meios para lhes conferir plena eficácia
(discricionariedade do legislador);
 não poderem ser invocadas pelos cidadãos imediatamente após a
entrada e vigor da Constituição, pedindo aos Tribunais a sua
aplicação (os direitos nelas consagrados (direitos sociais) têm
mais a natureza de expectativas jurídicas que de verdadeiros
direitos subjectivos);
 aparecerem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos
indeterminados ou parcialmente indeterminados (indeterminação).

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Normas exequíveis e não exequíveis por si mesmas

As classificações das normas constitucionais em preceptivas e


programáticas; exequíveis e não exequíveis por si mesmas são distintas,
embora se sobreponham parcialmente.

A diferenciação entre normas preceptivas e programáticas assenta na


interacção das normas com a realidade constitucional, susceptível ou não de
ser imediatamente conformada de certo modo, só por força das normas
constitucionais.

O critério de distinção entre as normas exequíveis e as normas não


exequíveis por si mesmas consiste na completude ou incompletude das
normas.

Nas normas não exequíveis por si mesmas verifica-se um desdobramento:

 Por um lado, um comando que substancialmente fixa certo objectivo,


atribui certo direito ou prevê certo órgão;
 Por outro lado, um segundo comando, explícito ou implícito, que exige
do Estado a realização desse objectivo, a efectivação desse direito ou
a constituição desse órgão, o que fica dependente de normas que
disponha as vias ou os instrumentos adequados a tal efeito.

A norma não exequível por si mesma é identificada pela necessidade de


complementação por normas legislativas para que realize a sua
finalidade específica.

A sobreposição parcial entre classificações “normas preceptivas e normas


programáticas” e “normas exequíveis e não exequíveis por si mesmas”.

 Todas as normas exequíveis por si mesmas podem considerar-se


preceptivas.
 Mas nem todas as normas preceptivas são exequíveis por si mesmas.
 As normas programáticas são quase (quase) todas normas não
exequíveis por si mesmas.

Comparação entre normas programáticas e normas preceptivas não


exequíveis por si mesmas

Características comuns.

 Relevância específica do tempo;


 Conexa autolimitação;
 Necessidade de concretização e não apenas de regulamentação
legislativas.

Características distintivas
 As normas preceptivas não exequíveis por si mesmas:
o Exigem apenas a intervenção do legislador, actualizando-as ou
tornando-as efectivas.
o Dependem apenas de factores jurídicos e de decisões políticas
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 As normas programáticas:
o Exigem regulamentação legislativa acrescida de providências
legislativas assim como operações materiais.
o Dependem ainda e sobretudo de factores económicos e sociais.

Classificação alternativa derivada da sobreposição parcial das


classificações

i. Normas preceptivas exequíveis por si mesmas


ii. Normas preceptivas não exequíveis por si mesmas
iii. Normas programáticas

Força jurídica das normas programáticas e das normas preceptivas não


exequíveis por si mesmas

Aspectos comuns

i. Devem ser consideradas na interpretação das restantes normas


que sem elas teriam alcance diverso;
ii. Podem contribuir para a integração de lacunas através da analogia;
iii. Ainda que o seu conteúdo primário é sempre prescritivo e não
proibitivo, elas adquirem um duplo sentido:
a. Proibitivo ou negativo – proíbem a emissão de normas
legais contrárias.
b. Proíbem a prática de comportamentos que impeçam a
produção de actos por elas impostos.
c. Daqui inconstitucionalidade material em caso de
violação.
iv. Fixam critérios ou directivas para o legislador ordinário nos
domínios sobre que versam. (o afastamento desses ceritérios
determina inconstitucionalidade material por desvio de poder).
v. As normas legais que as concretizam não podem, pura e
simplesmente ser revogadas, retornando-se à situação anterior. Tal
equivaleria a retirar supervenientemente a norma constitucional a
exequibilidade adquirida.

Aspectos diversos

Normas preceptivas não exequíveis por si mesmas

i. determinam a cessação da vigência, por inconstitucionalidade


superveniente, das normas legais anteriores que disponham em
sentido contrário.
ii. Obrigam o legislador a editar as necessárias normas legislativas
destinadas a conferir-lhes exequibilidade no prazo que
estabeleçam (inconstitucionalidade por omissão se tal não
ocorrer)

Normas programáticas
i. Determinam a inconstitucionalidade superveniente das normas
legais anteriores descrepantes, mas apenas a partir do momento
em que seja possível receberem exequibilidade.
ii. Determinam a inconstitucionalidade por omissão apenas a partir do
momento em que seja possível a sua exequibilidade.
10
A sede dos Princípios

Os Preâmbulos Constitucionais

O preâmbulo ou proclamação mais ou menos solene, mais ou menos


significante anteposta ao articulado não é componente necessário de
qualquer Constituição; é tão-somente um elemento natural de Constituições
feitas em momentos de ruptura histórica ou de grande transformação político-
social. Ensina-nos o Professor Jorge Miranda, no Manual de Direito
Constitucional, Tomo II.

O carácter do preâmbulo depende das circunstâncias históricas, das


intenções do legislador constituinte e da ideologia a que apela o legislador
Constituinte. É importante notar que a sua forma e extensão varia de cada
Constituição.

É frequente encontrar Constituições que nos apresentam preâmbulo de estilo


literário, preâmbulos de tipo relatórios preliminares ou exposição de motivos;
desde a invocação de Deus ou do titulo de legitimidade do poder constituinte
ao conspecto histórico; desde a alusão a um núcleo de princípios filosóficos-
politicos à prescrição de determinados objectivos programáticos.

O preâmbulo tem como finalidade, reflectir a opinião pública, o projecto de


que a Constituição retira a sua força, apresentar os antecedentes e
enquadramento histórico da Constituição, bem como fazer a justificação dos
grandes objectivos definidos.

Em relação ao valor jurídico-constitucional do preâmbulo, a doutrina divide-


se. Assim, encontramos três posições distintas:

1.ª posição – tese da irrelevância jurídica.

Para os defensores desta tese, o preâmbulo não se situa no domínio do


Direito, situa-se no domínio da política ou da história;

2.ª posição – tese da eficácia idêntica à de quaisquer disposições


constitucionais.

Para os seguidores desta tese, o preâmbulo acaba por ser também um


conjunto de preceitos constitucionais;

3.ª posição – tese da relevância jurídica específica ou indirecta,


não confundindo preâmbulo e preceituado constitucional.

Finalmente, os que defende esta tese, afirmam que o preâmbulo participa


das caracteristicas jurídicas da Constituição, mas sem se confundir com o
articulado.

Para o Professor Jorge Miranda cujas lições temos vindo a seguir, o


preâmbulo é parte integrante da Constituição com todas as suas
consequencias.

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Dela não se distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo
instrumento em que se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas
pela sua eficácia ou pelo papel que desempenha.

O preâmbulo dimana do órgão constituinte, tal como as disposições ou


preceitos; é aprovado nas mesmas condições e o acto de aprovação possui a
mesma estrutura e o mesmo sentido jurídico.

Por isso, não faz sentido subtrair do documento que é a Constituição.

Tudo quanto resulte do exercício do poder constituinte – seja preâmbulo,


sejam preceitos constitucionais – e conste da Constituição em sentido
instrumental, tudo é Constituição em sentido formal.

Os preâmbulos não têm autonomia e o que neles avulta é, essencialmente, a


unidade que fazem com o articulado da Constituição, a qual, desde logo,
confere relevancia jurídica ao discurso politico que aparentam ser.

O preâmbulo é um conjunto de principios que se projectam sobre os


preceitos e sobre os restantes sectores do ordenamento – e daí, a sua maior
estabilidade, que se compadece, de resto, com a possibilidade de revisão.

O preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria
direitos ou deveres; invocados só podem ser os princípios nele declarados.

Não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo, mas sim, por


violação de princípios consignados na Constituição.

A experiência Moçambicana, revela-nos que o texto da Constituição de 20 de


Junho de 1975, que entrou em vigor no dia 25 de Junho do mesmo ano, não
possuia o Preâmbulo.

O Preâmbulo é introduzido na Constituição em 1978, com a revisão operada


pela Lei n.º 11/78, de 15 de Agosto, B.R n.º 97, de 15 de Agosto de 1978.

O Preâmbulo introduzido corresponde ao extracto da proclamação da


Independência, proferida pelo Presidente da Frelimo, Samora Moisés Machel.

Com a revisão de 1990, o preâmbulo veio a ser objecto de revisão,


resultando o texto que consta da Constituição aprovada em 2 de Novembro
de 1990. A Constituição de 16 de Novembro de 2004, apresenta-nos um
outro texto do preâmbulo, o que nos demonstra uma evolução do legislador.

12
Capítulo II
Interpretação, Integração e Aplicação

Problemática da Interpretação Constitucional

Necessidade da interpretação constitucional

A interpretação constitucional constitui a ponte de passagem da leitura


política, ideológica ou simplesmente empírica para uma leitura jurídica do
texto constitucional

Através da interpretação, tendo em conta a letra e o espírito, se descobre o


sentido da norma.

Variação da relevância da interpretação constitucional

 Ordenamentos de tipo judicialistas como os anglo-saxónicos


 Constituições com dispositivos amplos e elásticos
 Constituições regulamentárias
 Atitude cognoscitiva vs atitude voluntarista perante a Constituição
 Fiscalização da constitucionalidade, sobretudo jurisdicional
 As posturas perante as diferentes orientações de juristas e filósofos

Consciência do interesse específico da interpretação constitucional

Aparece com maior clareza:


 com a superação da crença liberal no imediatismo da constituição
formal;
 quando se passa da exegese e do positivismo para o esforço de
construção dogmática dos sistemas constitucionais
 quando os progressos da teoria interpretação jurídica em geral se
fazem sentir no campo da interpretação constitucional.

Dificuldades (factores de perturbação) no campo da interpretação


constitucional

 Variedade de normas constitucionais quanto ao objecto e quanto à


eficácia
 Indeterminação ou incompleição de muitas das normas constitucionais
ou da sua linguagem
 Proximidade dos factos políticos (rebeldia dos factos políticos perante
os quadros puramente lógicos da hermenêutica
 Influência da ideologia ou da pré-compreensão de cada intérprete
 Os diferentes critérios por que se movem os órgãos políticos, órgãos
administrativos e órgãos jurisdicionais e as possíveis atitudes dos seus
titulares
 A origem compromissória de certas constituições marcadas por
princípios diferentes.

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A interpretação constitucional

Tem a mesma natureza da interpretação que se realiza noutras áreas do


Direito:

 Está estreitamente conexa com a aplicação do Direito;


 Não se destina à enunciação abstracta de conceitos;
 Destina-se à conformação da vida pela norma
 Comporta especialidades e não desvios aos parâmetros gerais.

A interpretação constitucional deve:

 Ter em conta os condicionalismos e fins políticos inelutáveis e


irredutíveis;
 Visar os preceitos e princípios jurídicos que lhes correspondem;
 Ter em conta a realidade constitucional, tomando-a como sujeita ao
influxo da norma e não como mera realidade de facto;
 Racionalizar sem formalizar
 Estar atenta aos valores sem dissolver a lei constitucional no
subjectivismo ou na emoção política;
 Fazer-se mediante a circulação norma – realidade constitucional –
valor.

Directrizes da interpretação constitucional

i. Apreensão da Constituição como um todo, na busca de unidade e


harmonia de sentido.

Maputo, Abril de 2005

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