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A diferença entre regulamento e lei

Em muitos pontos a lei e o regulamento se assemelham no nosso ordenamento. Em


primeiro lugar, tanto a lei como o regulamento parecem dispor de uma base de
generalidade e abstração, conforme o direito privado normalmente entende uma lei
(art 1º, nº2) pelo que os destinatários das normas em questão seriam generalizados
(ao contrario do ato administrativo por exemplo) e o seu teor marcado por
abstração. Já a Constituição não é clara na definição da fronteira entre a lei e o
regulamento ou entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar (art 112º, nº1,
por ex.)

No entanto, podemos partir, precisamente dessa fronteira para a distinção entre o


regulamento e a lei. O primeiro, dentro do domínio regulamentar, faz parte da
função administrativa e tem um caracter secundário da mesma enquanto a lei
encontra-se na função legislativa e tem em relação a esta um carater primário. Os
regulamentos têm a eles subjacente uma lei, seja no caso dos regulamentos
complementares seja no caso dos regulamentos autónomos pelo que o regulamento
ou completa e pormenoriza o que está disposto numa lei ou dispõe sobre as
competências atribuídas também por uma determinada lei. Este critério de distinção,
usado pela escola de direito público alemã, e por Marcello Caetano entre nós,
entendia que a lei tinha como característica principal a novidade e que faltava essa
mesma característica ao regulamento. Mas era precisamente devido á novidade que
o critério falhava. Hoje entende-se pacificamente que os regulamentos autónomos
criam direito que entra para uma determinada ordem jurídica. Outro critério de
distinção partia da diferença entre pormenores e princípios. Aqueles faziam parte
dos regulamentos enquanto que estes faziam parte das leis. Certo é que as Leis
emanam princípios com frequência e que poucas vezes nelas existem pormenores e
também é certo que os pormenores são frequentes nos regulamentos, mas é ainda
mais certo que nada no ordenamento jurídico afasta os princípios dos regulamentos
e os pormenores das leis (veja-se, por exemplo, as leis orçamentais).

Para alguns autores, entre eles Freitas do Amaral, a distinção não deve ser feita sob
o ponto de vista formal uma vez que tanto a lei como o regulamento são normas
jurídicas e ambas com abstração e generalidade. Porém elas provém de diferentes
posições hierárquicas uma vez que uma lei pode revogar um regulamento e o
mesmo já não será possível e esta situação torna-se ainda mais nítida se constatar-
mos que um regulamento contrario á lei é ilegal. Também a posição hierárquica dos
órgãos donde emanam estas normas é distinta pelo que isto bastará para fazer uma
demarcação do objeto em estudo. Como se disse á pouco a Constituição não define
com exatidão a diferença entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar pelo
que uma lei pode definir com maior exatidão o seu objeto, deixando menos espaço
para um regulamento, assim como pode deixar para o regulamento toda a
pormenorização do seu objetivo. A distinção também pode ser efetuada consoante o
órgão que legisla ou regulamenta se encontre dentro de competências legislativas
ou regulamentares.

A importância desta distinção apresenta vários aspetos relevantes do ponto de vista


jurídico. Em primeiro lugar a distinção será importante pelo próprio fundamento
legal, uma vez que a lei encontra fundamento na Constituição e o regulamento
deriva de uma lei de habilitação, seja complementar ou autónomo. Em segundo
lugar, esta distinção permite discernir o tipo de ilegalidade, uma vez que um
regulamento contrário a lei é ilegal e que as leis podem coexistir ou revogarem-se
por contrariedades entre si, como aliás já foi aqui dito. Em terceiro lugar a
impugnação contenciosa irá variar conforme estejamos perante uma lei ou perante
um regulamento. Na primeira hipótese a única via de impugnação é a da
inconstitucionalidade enquanto que na segunda hipótese ao regulamento bastará a
própria ilegalidade lato sensu. Esta distinção terá o maior relevo tanto para a
garantia de defesa do particular como também para a prossecução do interesse
público por parte da administração.

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