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Psicomotricidade

Unidade IV
Terapêutica Psicomotora
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
VIVIANA GONDIM DE CARVALHO
AUTORIA
Viviana Gondim de Carvalho
Sou doutoranda em Humanidades, Culturas e Artes, mestre em
Letras e Ciências Humanas, pós-graduada em Psicopedagogia e Docência
do Ensino Superior. Sou especialista em Informática Educativa e graduada
em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Autora de artigos e livros didáticos. Atuo na área Educacional, com ênfase
em Educação a Distância, Psicopedagogia, Comunicação, Recursos
Humanos e Neuroeducação. Atuei em grandes empresas Nacionais e
Multinacionais consolidando a educação virtual, desenvolvendo materiais
didáticos e preparando ambientes multimidiáticos. Coordenei Fábricas de
Conteúdos, desenvolvendo produtos para Educação a Distância, como
apostilas, games, simuladores, vídeos etc. Atualmente atuo na Educação
a Distância e desenvolvo pesquisas sobre a utilização de tecnologia a
fim de melhorar o desempenho dos alunos por meio das ferramentas
tecnológicas.
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Vivências em Psicomotricidade e o trabalho com a família........10

A importância da psicomotricidade em crianças que se encontram no

espectro autista................................................................................................................................. 18

Técnicas para reabilitação psicomotora................................................ 21

Educação e reeducação psicomotora....................................................32

Os distúrbios psicomotores .................................................................................................... 40

O psicólogo na reabilitação psicomotora.............................................44

O processo terapêutico de reabilitação ........................................................................ 50


Psicomotricidade 7

04
UNIDADE
8 Psicomotricidade

INTRODUÇÃO
Chegamos a nossa última unidade para a disciplina de
Psicomotricidade. Nesta unidade veremos a Psicomotricidade Relacional
atuando sobre a importância do trabalho com a família. Além disso,
veremos técnicas para a reabilitação psicomotora e o que é possível
fazer para auxiliar na melhoria de qualidade de vida de pacientes em
reabilitação. Conheceremos a diferença de educação e reeducação
psicomotora que têm papéis fundamentais para o desenvolvimento
cognitivo infantil. E, por fim, veremos o papel do psicólogo na reabilitação
psicomotora e como é possível minimizar as questões psicológicas em
um tratamento multidisciplinar. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva
você vai mergulhar neste universo!
Psicomotricidade 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vinda (o). Nosso propósito é auxiliar você no
desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término
desta etapa de estudos:

1. Entender os fundamentos teórico-práticos da educação e


reeducação psicomotora na relação com a família.

2. Aplicar as técnicas e práticas para a reabilitação psicomotora.

3. Identificar o papel da intervenção psicomotora na educação e


reeducação do indivíduo e do profissional.

4. Reconhecer e entender o papel do psicólogo na reabilitação


psicomotora.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Ao trabalho!
10 Psicomotricidade

Vivências em Psicomotricidade e o
trabalho com a família

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como funciona a psicomotricidade. Isto será fundamental
para o exercício de sua profissão. A Psicomotricidade
está presente em todas as fases da vida. Porém, como
na infância as crianças desenvolvem suas funções
psicomotoras, nessa fase, ela tem um papel de destaque.
E então? Motivado para desenvolver esta competência?
Então vamos lá. Avante!

A Psicomotricidade tem um papel importante no desenvolvimento


neuropsicológico das crianças. A idade considerada de “ouro” para a
psicomotricidade é entre zero e oito anos e, por isso, é tão importante o
trabalho da família junto às crianças atendidas pelo psicomotricista.

As ações realizadas na Psicomotricidade são chamadas de


condutas psicomotoras e dividem-se em funcionais (que abrangem a
coordenação motora, equilíbrio, tônus, lateralidade, esquema corporal,
organização espacial) e relacionais (expressão, comunicação, afetividade,
limites e corporeidade). O afeto está diretamente ligado às necessidades
que precisamos suprir como humanos para garantir a sobrevivência, a
vivência e a convivência humana. A primeira fonte de contato de afeto que
a criança tem é com os familiares. Estes laços são os que irão influenciar
o seu futuro.
Psicomotricidade 11

Figura 1 – O trabalho com os pais é muito importante na psicomotricidade

Fonte: Freepik

As primeiras formas de comunicação entre as crianças são corporais.


Desse modo, acontecem de forma não verbal e baseadas em sentimentos
e expressões. É essa relação de comunicação que a criança estabelece
com o adulto em função do atendimento de suas necessidades.
Independente do meio no qual a criança cresça e se desenvolva, ela será
afetada por emoções, sentimentos e afetos.

E, nós, seres humanos, não somos educados para lidar


positivamente com essas sensações tendendo a esconder ou reprimir o
que estamos sentindo. Neste cenário, podemos dizer que são crescentes
as dificuldades que as pessoas têm em lidar com sentimentos e relacionar-
se com os outros, produto de uma vivência baseada em padrões de
comportamentos já pré-construídos e transmitidos principalmente nos
ambientes familiares e escolares.

Como vimos anteriormente, a Psicomotricidade Relacional, que é


um método com base psicanalítica, busca auxiliar os indivíduos norteando
e intervindo em sua relação com seu corpo e com as outras pessoas.
Nesse sentido, de acordo com Bersch, Piske (2014 p.03) a psicomotricidade
relacional possui uma ordem individual ou coletiva e, por isso, favorece o
desenvolvimento integral da criança:
12 Psicomotricidade

O movimento pode ser de ordem individual ou coletiva


quando se trata da Psicomotricidade Relacional, ou seja,
destaca-se o aspecto da relação e os aspectos que dão
suporte à evolução, ao desenvolvimento da socialização e
a aprendizagem dos envolvidos. (BERSCH; PISKE, 2014 p.03)

Ainda sobre o desenvolvimento das atividades que podem ser


utilizadas no âmbito da psicomotricidade relacional, destaca-se a
importância do uso da brincadeira como instrumento de favorecimento da
compreensão do mundo em que se encontra inserido, conforme destaca
Bersch, Piske (2014 p.03):
A criança utiliza o brincar como instrumento para
compreender o mundo, bem como para revelar como se dá
esta compreensão. Faz isso por meio de jogos simbólicos,
sensório-motores, funcionais, lúdicos. (BERSCH; PISKE,
2014 p.03)

Sendo assim, durante jogos e brincadeiras de faz de conta, o


psicomotricista adquire ferramentas para poder traçar um diagnóstico
do tratamento adequado ao paciente. A Psicomotricidade Relacional
favorece, por meio de gestos corporais e jogos, a expressão espontânea
de conteúdos afetivos inconscientes. Desse modo, vivencia-se no espaço
lúdico a Psicomotricidade Relacional, possibilitando ao indivíduo a
regulação das suas emoções, da agressividade, dos limites, do desejo e
do seu relacionamento com seu próprio ser e com os demais.

Na Psicomotricidade Relacional o que importa é a expressão dos


sentimentos e gestos que serão realizados pelo indivíduo, não tendo
importância fundamental os resultados das atividades realizadas. Por
exemplo, durante um dinamismo de jogo simbólico, os temas a serem
tratados aparecem de forma espontânea e devem ser verbalizados e
coordenados pelo psicomotricista relacional.

Diante do que se observa, é importante destacar que a


psicomotricidade se fundamenta em aspectos teóricos essenciais
para o desenvolvimento das atividades. Nomeadamente, a valorização
das potencialidades dos indivíduos que se encontram no grupo,
valorizar a comunicação não-verbal com as crianças (pois esse tipo de
comunicação favorece o desenvolvimento da linguagem corporal) e,
Psicomotricidade 13

consequentemente, a maneira como deve expressar os sentimentos e


emoções e desenvolver as atividades de psicomotricidade relacional em
grupo. O processo de interação pode apresentar dificuldades específicas
quando se analisa o contexto global das relações interpessoais no âmbito
de um grupo de convivência, visto que a partir desta vivência torna-
se possível compreender o agrupamento de informações, relações
interpessoais e, por fim, as manifestações individuais dos participantes.
Mesmo que se tenha a presença do profissional, a psicomotricidade
relacional precisa favorecer a autonomia da criança, de maneira a
compreender a importância da individualidade de cada participante. Por
isso, o profissional deverá focar na maneira como a criança se comporta
sem que haja sua mediação.
Figura 2 – Durante jogos o psicomotricista pode avaliar o indivíduo

Fonte: Freepik

Dessa maneira, no sentido de favorecer adequadamente, as


sessões de psicomotricidade relacional Bersch e Piske (2140) destaca a
importância de se estruturar as sessões de Psicomotricidade Relacional
de maneira a estabelecer uma sintonia interativa entre os participantes,
para que seja possível construir laços de proximidade. Portanto, observa-
14 Psicomotricidade

se a necessidade de seguir ritos, utilizar materiais próprios e ainda,


registros da PR.
A sessão de Psicomotricidade Relacional é organizada
com momentos de rituais que são: rito de entrada, sessão
propriamente dita, sensibilização e rito de saída. (BERSCH;
PISKE, 2014 p.04)
Figura 3 – Etapas de uma sessão de psicomotricidade relacional

Rito de entrada

Rito de saída Psicomotricidade Sessão


relacional

Sensibilização

Fonte: Autora (2021) baseado em (BERSCH; PISKE, 2014 p.04)

No que se refere ao rito de entrada, destaca-se como o momento


em que devem ser utilizados mecanismos que venham a favorecer a
comunicação entre os participantes da sessão entre si e com o próprio
profissional que está direcionando o momento.

Em sequência ao rito de entrada, observa-se que o próximo passo é


a realização da sessão propriamente dita, onde o profissional responsável
pelo momento atuará perante o grupo de maneira a mobilizar os
participantes a um processo de reflexão acerca de suas ações. Para que
Psicomotricidade 15

isso seja possível, o material que se encontra disposto no local físico em


que ocorre a sessão deve ser utilizado de maneira criativa.

Após a realização da sessão, o profissional responsável deverá


envolver todos os participantes do grupo no sentido de se atingir a
sensibilização e o retorno à calma do grupo. Sendo assim, durante este
momento, o responsável pelo processo deverá buscar alternativas que
venham a favorecer a relaxação e, acima de tudo, que possibilitem a
reflexão sobre as atividades desenvolvidas na etapa.

Convém destacar que, durante essa etapa de sensibilização e


relaxamento, o responsável pelo processo pode utilizar instrumentos
sensoriais, como é o caso da música relaxante e sons da natureza
(barulho de chuva, ondas do mar, cachoeira). É bastante comum que os
profissionais se utilizem de técnicas de massagem não invasiva, como por
exemplo, o uso de bexigas cheias de água para passar nos companheiros
de grupo em locais como os braços e as pernas.

Outra técnica de relaxamento bastante utilizada é a cromoterapia


e aromaterapia em conjunto com as demais técnicas, onde no ato do
uso do som relaxante, o responsável pela condução do momento pode
colocar luzes e aromas que venham a relaxar todo o grupo, como é o caso
da cor azul e, ainda, do aroma de lavanda.

O momento de sensibilização e reflexão deve ser finalizado pelo


responsável direto do grupo para que, em seguida, seja possível construir
um momento bastante rico e necessário que é o compartilhamento das
experiências vivenciadas.

A referida etapa é denominada rito de saída e, durante todo o


momento, o profissional responsável conduzirá o grupo ao processo de
compartilhamento de experiências de todos os participantes. Observa-se
que, neste processo de saída, os participantes se forem bem direcionados
compartilharão de vivências individuais do momento e, ainda, serão
capazes de se manifestar sobre as vivências dos demais participantes do
grupo.
16 Psicomotricidade

Por isso, o rito da saída é considerado como uma etapa


essencialmente emocional, visto que a percepção de si e dos demais
membros do grupo serão compartilhadas.

O psicomotricista relacional intervém diretamente na relação


emocional e afetiva do sujeito com o outro, além de codificar as
mensagens percebidas emitidas pelo sujeito durante o jogo espontâneo.
Essas ações permitem ao sujeito ressignificar suas experiências negativas,
buscando alternativas e atitudes positivas para as questões que estão
sendo tratadas.

Nesse sentido, sobre os resultados da psicomotricidade relacional


no comportamento dos participantes do grupo, Piske e Bersch (2014)
destacam que:
Se trata de uma abordagem que oportuniza uma atitude
ativa dos participantes, por meio de atividades lúdicas e
dos jogos simbólicos em um ambiente seguro e prazeroso
que é acompanhado por um e/ou mais professores. Vale
mencionar que o corpo tem um lugar privilegiado, por
permitir uma forma de comunicação particular de cada
pessoa, em que exploram diversas possibilidades do fazer
ao criar (PISKE; BERSCH 2014 p.9)

O profissional psicomotricista deve permanecer neutro durante o


jogo e observar como o indivíduo irá projetar nele as reações e sentimentos
que teria caso estivesse se relacionando com outros indivíduos. Positiva
ou negativamente, poderá também ver como é a relação parental do
indivíduo, pois a ausência de contato e brincadeiras das crianças com os
pais poderá ocasionar problemas na coordenação motora das crianças,
fato que será refletido na escola. Vejamos a seguir o que os estudiosos
e especialistas comentam sobre as brincadeiras e a expressão dos
sentimentos que devem ser levados em conta no atendimento da
Psicomotricidade Relacional.

Durante as brincadeiras entrelaçadas pelas relações corporais, o


corpo do psicomotricista relacional é sempre identificado, sob diversas
formas simbólicas, ao corpo da mãe ou do pai. Não se trata da mãe ou
do pai real, mas da mãe e do pai como imagens simbólicas das funções
Psicomotricidade 17

materna e paterna. Isso, porém, não impede a criança de expressar aos


seus substitutos simbólicos os sentimentos que sente pelos pais.

Winnicott (1982) também apresenta a importância das vivências


simbólicas para o desenvolvimento da criança, explicando que as
experiências do mundo se baseiam nas brincadeiras e na fantasia e são
as principais responsáveis pelo desenvolvimento das crianças. Já para
Negine (1998), a criança, ao brincar, leva em consideração as situações
imaginárias e pode representar um ou vários papéis.

Para Vygotsky o brincar está para a criança sempre acima do seu


comportamento diário. Por meio das brincadeiras simbólicas as crianças
podem manifestar reações e sentimentos inesperados.

Vejamos agora um exemplo de como a Psicomotricidade Relacional


pode intervir no comportamento da criança:

EXEMPLO:

Durante o atendimento da Psicomotricidade Relacional, o


psicomotricista propôs uma brincadeira de imaginar que as crianças
estavam na borda de uma piscina. Desenhou no chão um quadrado
como se fosse uma piscina e riscou uma linha representando a
borda dela. Sugeriu a criança que saltasse dentro da piscina e ela
se recusou a saltar sem o auxílio do psicomotricista segurando
fortemente na mão dele e, em seguida, simulou o pulo dentro
d’água. Na segunda tentativa, orientada pelo psicomotricista, a
criança tentou pular sozinha na piscina e deu um grito de guerra
“Sou superpoderosa” conseguindo assim saltar sozinha. Ou seja,
no papel que estava representando naquele momento, a criança
encorajada pelo imaginário conseguiu lidar com a emoção e
superar o pulo realizando a atividade sozinha. Neste momento a
criança estava vivenciando diferentes papéis e consequências
experimentando realizar outras atividades de maneira diferente.
18 Psicomotricidade

A importância da psicomotricidade em
crianças que se encontram no espectro
autista
O transtorno do espectro autista é conhecido como uma espécie
de distúrbio que acomete o cérebro e, por isso, é considerado com
uma síndrome. Por isso, é uma condição que não apresenta cura. Ainda
sobre o transtorno do espectro autista, convém destacar que não existe
um exame que identifique a referida síndrome e, por isso, apenas com
acompanhamento e exames clínicos é possível definir o diagnóstico de
um indivíduo com autismo.

Nesse sentido, o exame clínico da criança com autismo é feito por


profissional especializado a partir de aspectos que versam sobre a falha
na comunicação do indivíduo e ainda o interesse pelas mesmas coisas,
situação que acaba por prejudicar em sua socialização.

Dessa maneira, apesar de cada criança possuir seu próprio ritmo


de desenvolvimento, as crianças que se enquadram no espectro autista
apresentam muitos desafios no processo de convivência em sociedade
e, por isso, a aplicação de métodos terapêuticos específicos que
possam contribuir com o seu desenvolvimento amplo é de fundamental
importância.

A referida questão é compreendida mais facilmente quando se


percebe que a criança com autismo gosta de brincar sozinha, sem
estabelecer relação social com nenhuma outra criança, por isso um
trabalho em grupo auxiliará o desenvolvimento amplo deste indivíduo.

Portanto, se o profissional estiver diante de uma criança que


se enquadra no TEA (Transtorno do Espectro Autista), as técnicas de
psicomotricidade relacional apresentadas anteriormente, devem observar
atentamente a condição global da criança, ou seja, torna-se essencial que
se respeite as habilidades, dificuldades e, acima de tudo, seu interesse.

A referida questão é bastante importante, pois a partir do momento


que os limites comportamentais são respeitados pelo profissional, a
criança se sentirá mais confortável e, consequentemente, a possibilidade
Psicomotricidade 19

de inseri-la no grupo é bem maior, pois a criança neuroatípica desenvolverá


suas habilidades de acordo com as suas necessidades sociais e pessoais.

Vejamos um caso específico de uma criança que se encontra


inserida no espectro autista e apresenta um comportamento repetitivo.
O profissional responsável pelo grupo de crianças, ao perceber o referido
comportamento, precisa acolher o interesse da criança, mas sem afastar a
necessidade de inserir outros elementos naquela brincadeira.

Por isso, o que torna a figura desse profissional importante para


o desenvolvimento global da criança, é a sua capacidade de identificar
necessidades pessoais tanto do indivíduo que se encontra no TEA,
como também, do sujeito que não precisa de um olhar especializado.
Sendo assim, a partir do olhar cuidadoso do profissional responsável
pelo grupo, novas diretrizes são estabelecidas no sentido de auxiliar o
desenvolvimento global do grupo, ou seja, irá favorecer não apenas a
criança que se encontra no TEA, mas todas as demais crianças que fazem
parte do mesmo grupo.
Figura 4 – A criança com autismo e a psicomotricidade relacional

A profissional A profissional direciona


Criança gosta de
percebe o todos do grupo a correr
correr em sala
comportamento com a criança

A criança com autismo


Todas as crianças
está inserida no
correm
contexto de coletividade

Fonte: Autora (2021) com base em (PISKE e BERSCH 2014p.9).

Diante o que pode ser observado a partir das informações


apresentadas na figura 4 acima, o processo de psicomotricidade
relacional só se tornou possível porque o profissional responsável pelo
direcionamento das atividades apresentadas em sala de aula, identificou
que a criança apresentava um comportamento específico de correr
em sala de aula e, no sentido de inclui-lo no contexto global social, o
profissional direcionou todos as demais crianças para uma atividade
específica e adaptada.
20 Psicomotricidade

Dessa maneira, mesmo que de forma breve, a criança autista


encontrou-se dentro de um contexto de relacionamento interpessoal a
partir da inserção de novos elementos que foram inseridos pelo próprio
profissional. Além do mais, não se pode deixar de mencionar que durante o
trabalho a ser desenvolvido pelo profissional responsável, o procedimento
deve verificar também o processo de adaptação com as demais crianças
do grupo, ou seja, elas precisam compreender as necessidades globais
de todas as crianças.

RESUMINDO:

Como vimos, a psicomotricidade está presente em


todas as fases do desenvolvimento da criança. Além
disso, as condutas psicomotoras são ações realizadas
na psicomotricidade. Destacamos que os movimentos
corporais são a primeira forma de comunicação das
crianças e que a Psicomotricidade Relacional é um método
com base psicanalítica.
Por fim, vimos que a expressão dos sentimentos é o que
importa na psicomotricidade relacional.
Psicomotricidade 21

Técnicas para reabilitação psicomotora

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como funciona a reabilitação motora. Isto será fundamental
para o exercício de sua profissão. E então? Motivado para
desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!

De acordo com os dados apresentados pela Organização Mundial


de Saúde (2004), no mundo é possível identificar cerca de 1 bilhão de
pessoas que apresentam algum tipo de deficiência que podem ser
decorrentes de patologias neurológicas diversas que, de acordo com
Sales (2013 p.15), compreende um problema individual do indivíduo e que
precisa, de alguma maneira, do processo de intervenção.
No modelo médico, a deficiência é vista como um
problema da pessoa numa perspectiva estritamente
individual, como uma sequela da doença, que necessita de
uma ação que se circunscreve à área médica, seja ao nível
da prevenção, seja ao nível do tratamento e reabilitação.
(SALES, 2013, p.15)

Sendo assim, no intuito de garantir a minimização dos danos que


o indivíduo pode sofrer, identifica-se o uso de técnicas de reabilitação
psicomotora que de acordo com Sales (2013 p.16):
A Reabilitação proporciona a possibilidade de reduzir
a sobrecarga decorrente da incapacidade, tanto para
o indivíduo como para a sociedade, sendo eficiente
na potenciação da funcionalidade e independência do
indivíduo ao proporcionar um melhor nível de atividade,
melhor saúde e redução das complicações decorrentes
da deficiência. (SALES, 2013, p.16)

Para além da minimização das dificuldades que o indivíduo pode


ter a partir da aplicação de técnicas de reabilitação psicomotora, deve
ser levado em consideração que um indivíduo ao receber o tratamento
de reabilitação, poderá ser favorecido da integração social, conforme
apresenta Sales (2013 p.16)
22 Psicomotricidade

O processo de reabilitação visa conduzir a pessoa com


deficiência na sua recuperação física e psicológica tendo em
vista a sua reintegração social devendo conter programas
com atividades diversificadas que abranjam diversos campos
complementares da saúde. (SALES, 2013, p.16)

Os distúrbios psicomotores são condições limitadoras e que


refletem danos às partes motora, mental e psíquica também. E, portanto,
de acordo com o apresentado pela Organização Mundial de Saúde (2004),
a pessoa que apresenta uma deficiência motora, possui determinadas
alterações nas funções que abarcam o sistema neurológico, muscular ou
esquelético. Por isso, o indivíduo apresenta limitações, em seu organismo,
no processo de mobilidade.

Tendo compreendido o que seria o distúrbio psicomotor, destaca-se


a necessidade de identificar quais são as causas dos referidos distúrbios
e, entre muitas possíveis, a figura 5 apresentada abaixo, destaca algumas
que segundo Sales (2013 p.16) possuem grande incidência.
Figura 5. Aspectos dos distúrbios psicomotores

Traumatismos
cranianos

Doença de Acidente
Parkison vascular cerebral

Distúrbios
psicomotores

Esclerose Síndrome de
múltipla Guillan-Barré

Fonte: Autora (2021) com base em Sales (2013 p.63)


Psicomotricidade 23

Os tratamentos para a reabilitação psicomotora auxiliam na melhora


da qualidade de vida de crianças, jovens e adultos. Vejamos a seguir em
quais situações é necessária a reabilitação psicomotora:

• Doenças crônicas – as doenças crônicas são aquelas que não


podem ser resolvidas em um curto espaço de tempo. Além
disso, elas não põem em risco a vida da pessoa num prazo curto,
logo não são emergências médicas. Porém, são frequentemente
incapacitantes.

• Sequelas neurológicas ou lesões derivadas da gestação e do


parto – são encontradas em crianças que sobrevivem com graves
sequelas neurológicas ou outras lesões e podem estar ou não
relacionadas pelo uso de entorpecentes pela mãe durante a
gestação e traumas no parto.

• Acidentes de trânsito e de trabalho – a evolução tecnológica e as


alterações nos estilos de vida têm levado ao surgimento de um
elevado número de deficientes, vítimas de acidentes de trânsito,
de trabalho e de doenças cardiovasculares, em idades cada vez
mais jovens e produtivas.
Figura 6 – Os tratamentos de reabilitação ajudam na melhoria da qualidade de vida

Fonte: Freepik
24 Psicomotricidade

A importância da integração dos fatores psicomotores (tonicidade,


equilibração, lateralidade, ecognosia e praxias) é entendida na
Psicomotricidade como uma componente construtiva da atividade
psíquica. Caso haja falhas nesses sistemas, podem ocorrer nas crianças,
nos adolescentes, nos adultos ou nos gerontes, inúmeras perturbações
psicomotoras.

Dentre as São elas:

• Paratonias – uma forma de hipertonia e com uma resistência


variável, durante o movimento involuntário passivo.

• Sincinésias – movimento involuntário que acontece num membro


paralisado, quando se movimenta o membro situado do lado
contrário.

• Diadococinésias – perda da capacidade que uma pessoa tem em


realizar movimentos rápidos alternadamente.

• Ataxias – perda do controle muscular durante movimentos


voluntários, como andar ou pegar objetos.

• Deslateralizações – é a troca do dígrafo lh pelo “i” por exemplo


mulher/ muié, por ser o lh uma consoante lateral palatal.

• Assomatognosias– incapacidade que o indivíduo tem em


reconhecer uma parte do seu próprio corpo.

• Autopoagnosias – é uma perturbação que se caracteriza pelo


fato de o indivíduo poder ver ou sentir objetos, mas não poder
associá-los ao papel ou função que desempenham. Pode também
não reconhecer um membro familiar ou sua própria imagem no
espelho.

• Apraxias – o indivíduo que tinha a capacidade de determinadas


funções motoras e deixa de realizar porque desaprende, e não
porque tem alguma fraqueza ou incoordenação.
Psicomotricidade 25

Figura 7 – Perturbações psicomotoras são falhas nos sistemas físicos e/ou psíquicos

Fonte: Freepik

Dessa maneira, convém destacar que a reabilitação psicomotora


se torna essencial para o indivíduo, crianças e adultos, pois vislumbra o
favorecimento da autoestima e, consequentemente, o aperfeiçoamento
das capacidades para o desenvolvimento das atividades habituais do
sujeito, conforme destaca Murta e Guimarães (2007 p.62):
A aprendizagem das habilidades individuais como cuidar
da saúde física, habilidade para estabelecer e manter
vínculos afetivos e sexuais e habilidades de capacitação
profissional devem ser ensinadas durante o processo
de reabilitação. Para além das mudanças individuais, a
reabilitação deve incidir em mudanças a nível do suporte
familiar, uma vez que este é igualmente um dos principais
preditores da adaptação bem-sucedida à lesão medular.
Além da família, a comunidade precisa de modificações no
sentido de minimizar as barreiras arquitetônicas, facilitando
o transporte e a reinserção da pessoa no contexto do lazer
e do trabalho (MURTA e GUIMARÃES, 2007, P.62).

Nesse sentido, como se pode perceber na figura 8, apresentada


abaixo, quando se realiza a aplicação da reabilitação do indivíduo, de
26 Psicomotricidade

maneira adequada, o processo de integração ocorrerá sem grandes


problemas e, consequentemente, os desafios do cotidiano serão
enfrentados com maior tranquilidade, conforme destaca Sales (2013 p.23)
A autoestima torna-se um fator importante para adaptação
da pessoa à sua nova condição. Aqueles com maior
autoestima ajustam-se melhor às exigências ambientais
e sentem-se mais seguros de si mesmos. Num estudo
realizado que pretendia determinar o impacto das barreiras
ambientais, comparando as características da lesão e
demográficas bem como as limitações da atividade na
predição da variação da participação e satisfação com
a vida, concluiu-se que os fatores ambientais apoiaram
os modelos de deficiência, mas há maior relação destes
fatores com a satisfação com a vida do que com a
participação social. (SALES, 2013 p.23)

Por isso, torna-se importante observar que uma pessoa (criança ou


adulto) que obtém sucesso no processo de reabilitação psicomotora, terá
uma possibilidade maior de se integrar melhor nos ambientes. Além do
mais, não se pode deixar de lado que as variáveis ambientais e sociais
são os grandes obstáculos do desenvolvimento integral da pessoa e, por
isso, quando o trabalho de reabilitação é feito de maneira a analisar o
emocional em conjunto com o físico, os resultados são melhores.
De acordo com diversos estudos efetuados, a adaptação
bem-sucedida da pessoa com lesão está mais relacionada
com as variáveis ambientais e psicossociais do que com
as variáveis físicas resultantes da lesão. Condições como
a acessibilidade ao espaço físico, transporte, educação,
trabalho, suporte social e locus interno (a pessoa
consegue assumir a sua culpa pelos acontecimentos não
atribuindo a agentes externos) são importantes preditores
do melhor ajustamento da pessoa na sua nova condição.
Os fatores psicológicos como boa autoestima, controle
do seu locus, sentido de esperança, objetivos na vida,
afetividade positiva são consistentemente associados à
maior qualidade de vida nas pessoas com lesão medular.
(SALES, 2013 p.24)
Psicomotricidade 27

Figura 8 – A integração dos fatores psicomotores constitui a atividade psíquica

Fonte: Freepik

Como se observou, as perturbações e dificuldades tendem a


restringir as habilidades de aprendizagem e, consequentemente, a
qualidade de vida. Vejamos a seguir algumas técnicas utilizadas para a
reabilitação psicomotora:

Técnicas de Relaxamento e consciencialização corporal

A técnica de relaxamento na terapia psicomotora é um


complemento de preparação do corpo para ações. Além disso, desenvolve
representações topográficas corporais, experienciadas pelo corpo em
movimento e em relação com o espaço e objetos. A relaxação é uma
prática de mediação corporal com intencionalidade psicoterapêutica, que
envolve um conjunto de processos que permite um estado de reduzida
ativação fisiológica, proporcionando descanso corporal e tranquilidade
mental. Alguns dos principais objetivos da relaxação são o descanso
muscular e a dilatação dos vasos sanguíneos.

A relaxação possui algumas fases:

1. Regulação do tónus por meio de movimentos passivos.

2. Fase da imobilidade.
28 Psicomotricidade

3. O indivíduo realiza por si mesmo ações localizadas.

4. Readaptação de movimentos.
Figura 9 – A relaxação é uma prática de mediação corporal com intencionalidade
psicoterapêutica

Fonte: Freepik

Na consciencialização corporal o objetivo é a reelaboração do


esquema e da imagem corporal, além da consciencialização tónico-
emocional. O indivíduo, ao conhecer o seu esquema corporal, obtém
a consciencialização do corpo, das suas partes constituintes, das
possibilidades de movimentos, posturas e atitudes. Quando não há tal
reconhecimento, o indivíduo estará incapacitado de passar para a ação,
de utilizar o seu corpo de forma adequada e como um todo. Isento
desse reconhecimento corporal, a criança poderá, por exemplo, chocar-
se constantemente com os amigos no decorrer de brincadeiras que
envolvam corrida e ferir-se ao passar por espaços limitados.

Técnicas de educação postural

As técnicas de educação postural têm como objetivo a integração


das habilidades humanas, buscando o equilíbrio físico, mental e afetivo
Psicomotricidade 29

por meio do caráter psicomotor trabalhado. Vejamos a seguir alguns


métodos adotados para a educação postural:

• Feldenkrais é um método de educação que busca conectar o


indivíduo consigo mesmo e suas habilidades físicas e psicológicas
visando a melhoria das capacidades funcionais cotidianas.

• Contrologia – mais conhecida como Pilates, busca por meio da


boa respiração, domínio da mente e controle do corpo, ganho de
energia para a realização de tarefas cotidianas. Enfatiza as funções
tónica, cinética e a boa postura, além da liberdade e fluidez dos
movimentos.

• Antiginástica – composta por movimentos sutis, busca que o


indivíduo conheça e se aproprie do próprio corpo, aumentando a
mobilidade, o tónus e a organização, diminuindo estresse e dores
musculares. A Antiginástica desenvolve, como parte psicomotora
da prática, a motricidade, a coordenação, a orientação espaço-
temporal e principalmente as percepções sensoriais do indivíduo
nele mesmo.
Figura 10 – A antiginástica é também indicada aos gerontes

Fonte: Freepik
30 Psicomotricidade

• Yoga – de acordo com diversos estudos científicos, por meio


da utilização da Yoga em Psicomotricidade, comprovou-se a
melhora do equilíbrio, da motricidade global, da capacidade de
lateralização, da relaxação e da cognição, resultados obtidos por
meio do monitoramento da atividade cerebral.

• Eutonia – é uma prática corporal visando ampliações de


consciência corporal e de percepção sensorial ao trabalhar
aspectos como consciência óssea. Visa a regularização do tônus
muscular adequando a energia do indivíduo a cada aspecto de
sua vida.

• Danças circulares – é um método incorporado pela


Psicomotricidade, pois trabalha a noção de corpo, a lateralização
por meio do movimento, a relaxação e principalmente a valorização
do processo de aprendizagem. As trocas vivenciadas pelo grupo
indicam o aspecto afetivo da vivência, e a junção de todos os
fatores observados traduz a riqueza da prática desta modalidade
de expressão corporal.

Técnicas de reeducação gnósico-práxica

A Psicomotricidade não pode se preocupar apenas com a


reaprendizagem motora em si, mas sim com a totalidade do processo
de reaprendizagem, de interação e contextualização das suas  funções
receptivas (gnósicas) e expressivas (práxicas).

Atividades lúdicas

As atividades lúdicas têm o objetivo de treinar as habilidades dos


indivíduos por meio de jogos e brincadeiras que podem ser realizadas
individualmente ou em grupo. Nenhuma delas tem restrição prévia,
exceto em casos isolados orientados por médicos.

EXEMPLO:

A seguir vejamos alguns exemplos de atividades lúdicas: jogo


sensório motor, jogo simbólico, jogo de interação com utilização
frequente de regras.
Psicomotricidade 31

Figura 11 – Jogos sensoriais são exemplos de atividades lúdicas

Fonte: Freepik

RESUMINDO:

Como vimos, os distúrbios psicomotores limitam a


movimentação motora dos indivíduos. Além disso, a
reabilitação psicomotora auxilia no desenvolvimento do
indivíduo.
Por outro lado, destacamos a integração dos fatores
psicomotores que constituem a atividade psíquica.
Vimos que existem técnicas utilizadas para reabilitação
psicomotora e técnicas de educação postural são
importantes para o desenvolvimento físico da criança.
32 Psicomotricidade

Educação e reeducação psicomotora

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como funciona a reeducação psicomotora. Isto será
fundamental para o exercício de sua profissão. Antes de
analisar os aspectos relacionados com o processo de
aplicação da reeducação no âmbito da psicomotricidade,
destacaremos alguns elementos importantes que se
encontram relacionados com a diferença existente entre
psicomotricidade e motricidade. E então? Motivado para
desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!

Sendo assim, partindo do pressuposto da existência desta diferença


básica, destaca-se que a psicomotricidade se refere à consciência
do indivíduo no processo de desenvolvimento de um determinado
movimento enquanto a motricidade é o funcionamento do corpo a partir
de elementos neurológicos.

Tendo compreendido essa questão, observa-se que o processo se


inicia com o nascimento de qualquer indivíduo, ou seja, desde cedo é
possível perceber etapas interessantes no processo de desenvolvimento
corporal do indivíduo quando, no primeiro momento, observa-se uma falta
de percepção corporal, mas que com o amadurecimento, esta questão
vai se modificando e, consequentemente, se aperfeiçoando.

Dessa maneira, com o processo de amadurecimento da percepção


corporal, o indivíduo começa a perceber que faz parte de um sistema
individual, ou seja, compreende que sua estrutura é independente das
demais ao redor e, com isso, os seus movimentos se aperfeiçoam de
maneira a apresentar solidez e autonomia postural.

Diante do que se observa, esta autonomia postural se enquadra


exatamente no especificado na psicomotricidade, pois como mencionado
anteriormente, a consciência é o mecanismo para identificação do processo.

Sendo assim, sabendo da importância do desenvolvimento dessa


autonomia do indivíduo desde o seu nascimento, deve ser destacado
que o processo de amadurecimento só é possível a partir de estímulos
Psicomotricidade 33

sejam eles de cunho ambiental ou não. Nessa mesma perspectiva de


compreensão, Souza et al. (2014 p.111) destacam que:
Desde o nascimento a criança precisa ser
estimulada para que seu desenvolvimento aconteça
de forma gradativa, evitando que surjam problemas
futuros relacionados a esses aspectos. Os estudos da
psicomotricidade em relação às outras ciências são
considerados novos, mas já vem contribuindo há muito
mais tempo com a educação e outras ciências. (SOUZA et
al., 2014 p.111)

Portanto, quando uma pessoa é devidamente estimulada desde


cedo, as suas habilidades pessoais serão desenvolvidas, de maneira
que contribuirá com os aspectos emocionais, sociais e afetivos. Nesse
sentido, identifica-se o grande valor que a educação psicomotora possui
para o processo de aprendizagem infantil desde a pré-escola até o final
da educação infantil, conforme pode ser compreendido na figura 12
apresentada abaixo.

Sendo assim, ao estabelecer esta dinâmica de percepção de


estímulos e, ainda, de técnicas para auxiliar a criança neste processo
de desenvolvimento, é possível observar a presença do instrumento da
educação psicomotora.
Figura 12. A importância da educação psicomotora

Indivíduo estimulado Indivíduo pouco


desde o nascimento estimulado

Compreensão da Dificuldade da
percepação corporal percepção corporal

Deficiência da
Autonomia corporal e
autonomia corporal e
espacial
espacial

Desenvolvimento Dificuldades
emocional, sensorial emocionais, sensoriais
e social e sociais

Fonte: Autora (2021) com base em Souza et al. (2014 p.111)


34 Psicomotricidade

Neste processo dos estágios do desenvolvimento da criança,


destaca-se que os estímulos apresentados na figura 12 ocorrerão a partir
de situações vivenciadas em seus ambientes cotidianos, como é o caso
da família e da escola.

Como se observa, a educação psicomotora pode ser desenvolvida


em vários ambientes, ou seja, a sua condução independe de uma prática
eminentemente escolar.
Figura 13. Ambientes para desenvolvimento da Educação Psicomotora

Família

Sociedade Escola

Fonte: Autora (2021) com base em Souza et al (2014 p.111)

Entretanto, independentemente de seu local de aplicação, os


sujeitos que convivem diretamente com a criança devem estar atentos
às necessidades da criança, no sentido de identificar qualquer tipo de
problema atual, para que seja sanado e solucionado brevemente, no
intuito de se evitar problemas futuros no pleno desenvolvimento da
criança. Nesse sentido, Borges e Rubio (2013 p.01) destacam que:
A estrutura da Educação Psicomotora é a base fundamental
para o processo intelectivo e de aprendizagem
da criança. O desenvolvimento evolui do geral para o
específico; quando uma criança apresenta dificuldades
de aprendizagem, o fundo do problema, em grande
parte, está no nível das bases do desenvolvimento
psicomotor. Nessa fase é indispensável que sejam
trabalhadas na criança várias maneiras de desenvolver
aspectos motores, cognitivos e afetivos para que
seu desenvolvimento seja de forma integral. (BORGES e
RUBIO, 2013 p.01)

Educar é sinônimo de desenvolvimento, de aprendizagem, de


compensação, de modificação, de adaptabilidade, de promoção e
enriquecimento de atitudes, de habilidades, de competências e de
Psicomotricidade 35

capacidades. Trata-se de atingir um estado adaptativo e psicomotor ideal,


provavelmente jamais realizado plenamente, por isso serve como objetivo
para ser seguido por qualquer indivíduo.

A educação psicomotora é uma técnica utilizada para uma


aprendizagem natural. Ou seja, essa técnica trabalha todas as fases
naturais do desenvolvimento da criança. Porém, a falta dessa no processo
natural da criança, conforme especificado anteriormente, poderá causar
sérias dificuldades de aprendizagem. Com a ausência do trabalho de
exercícios psicomotores, as crianças podem não desenvolver habilidades
que servirão para sua aprendizagem na leitura e na escrita.
Figura 14. Aspectos da Educação Psicomotora

Todas as fases
da criança

Enriquecimento Educação Aprendizagem


de atitudes Psicomotora natural

Aperfeiçoamento
de capacidades

Fonte: Autora (2021) com base em Souza et al. (2014 p.111)

Dessa maneira, nunca é demais destacar que a educação


psicomotora é de extrema importância para o desenvolvimento integral
do indivíduo, visto que facilita o processo de ensino e aprendizagem e, por
isso, o referido processo de educação psicomotora deve ser trabalhado no
36 Psicomotricidade

âmbito da pré-escola, pois é justamente neste período que os primeiros


sinais de desenvolvimento global da criança são fortalecidos, conforme
destaca Barros et al. (2012 p.23)
A Educação Psicomotora tem que ser trabalhada na
pré-escola, época em que são construídos os primeiros
passos para o desenvolvimento global da criança, como
no fator social, cognitivo, afetivo, físico, entre outros.
São nesses contextos educacionais que a criança deve
ser favorecida ao obter experiência ativa, por que é
onde poderá desenvolver tanto o lado psíquico como o
motor, possibilitando passar por experiências concretas,
através de boas atividades físicas de caráter recreativo,
que favoreçam a consolidação de hábitos de seu
desenvolvimento corporal, mental e social. (BARROS et al.,
2012 p.23)

Diante disso, a educação psicomotora se torna instrumento


essencial no âmbito da preparação da criança para os desafios que,
porventura, possam surgir durante toda a sua vida, conforme Le Boulch
(1987 p.26) destaca:
É, portanto, na perspectiva de uma verdadeira preparação
para a vida que deve inscrever-se o papel da escola e os
métodos pedagógicos renovados devem, por conseguinte,
tender a ajudar a criança a desenvolver-se da melhor
maneira possível e tirar o melhor partido de todos os seus
recursos preparando-a para a vida social. (LE BOULCH,
1987 p.26)

Por isso, os indivíduos diretamente relacionados com a criança


devem ter um cuidado com a educação psicomotora, pois do contrário,
danos irreversíveis podem ser causados no desenvolvimento da mesma.
A referida questão se justifica quando se observa que, segundo Barros et
al. (2012 p.23):
A maioria das dificuldades de aprendizagem apresentadas
pelos alunos das séries iniciais do ensino fundamental
é decorrente da falta de habilidades motoras, que
por muitos motivos não foram bem desenvolvidas na
educação infantil e que consequentemente necessitam da
reeducação psicomotora para um melhor aproveitamento
no processo de ensino e aprendizagem. (BARROS et al.,
2012 p.23)
Psicomotricidade 37

Dessa maneira, destaca-se a relação existente entre a educação


e a reeducação psicomotora, ou seja, quando o processo educacional
psicomotor não é realizado em momento oportuno, os prejuízos no
desenvolvimento global da criança surgem e, em seguida, apenas a
aplicação da reeducação psicomotora será o instrumento necessário para
minimizar ou reverter, em casos menos severos, os prejuízos vivenciados
pela criança. Nesse sentido, Meur e L. Staes (1991 p.21) destacam que:
A reeducação psicomotora é dirigida às crianças que
sofrem perturbações instrumentais (dificuldades ou
atrasos psicomotores). Trata-se de diagnosticar as causas
do problema e de fazer um balanço das aquisições e das
carências, antes de fixar um programa de reeducação”.
(MEUR e STAES, 1991 p.21)

Ainda sobre o processo de reeducação psicomotora, torna-se


essencial destacar que se reveste da mesma importância da educação
psicomotora, ou seja, quanto mais cedo houver a intervenção que se
destina à reeducação psicomotora, melhor será para o desenvolvimento
global da criança, conforme destacam Meur e L. Staes (1991 p.23):

A reeducação psicomotora como qualquer outra reeducação deve


começar o mais cedo possível: quanto mais nova for a criança sob nossa
responsabilidade, mais curta será a reeducação. É relativamente fácil
fazer com que uma criança bem nova adquira as estruturas motoras ou
intelectuais corretas. Do geral para o específico, quando uma criança
apresenta dificuldades de aprendizagem, o fundo do problema, em
grande parte, está no nível das bases do desenvolvimento psicomotor.
(MEUR e STAES, 1991 p.23)

A educação psicomotora é desenvolvida como um elemento


preventivo ou profilático para dificuldades que possam surgir no processo
de aprendizagem escolar ou até mesmo para um trabalho reeducativo
futuro, porque é integrante do desenvolvimento natural da criança.
38 Psicomotricidade

Figura 15 – A educação psicomotora é desenvolvida como um elemento preventivo ou


profilático.

Fonte: Freepik

A reeducação psicomotora é um estado de ajustamento sustentado,


funcional e adaptativo do indivíduo, isto é, um ajustamento total o mais útil
possível, não só motor, mas emocional, cognitivo, pessoal, familiar, social,
ou seja, psicomotor.

De acordo com Silva (2009), “a reeducação psicomotora tem


como objetivo retomar as vivências anteriores com falhas ou as fases de
educação ultrapassadas inadequadamente. Em termos gerais, reeducar
significa educar o que o indivíduo não assimilou adequadamente em
etapas anteriores. Deve começar em tempo hábil em razão da instalação
das condutas psicomotoras, diagnosticando as dificuldades a fim de
traçar o programa de reeducação.”
Psicomotricidade 39

A reeducação embasa sua eficácia no fato de que se remonta as


origens aos mecanismos de base que estão na origem da vida mental,
controle gestual e do pensamento, controlando as reações tônico-
emocionais, equilíbrio, fixação, atenção, justa preensão do tempo e
espaço.
Figura 16 – A reeducação psicomotora é um estado de ajustamento sustentado, funcional e
adaptativo do indivíduo

Fonte: Freepik

O essencial na reeducação psicomotora é a qualidade do


relacionamento corporal e da comunicação afetiva, de acordo com o
ritmo do paciente e não do terapeuta. A tentativa de acelerar o ritmo de
evolução pelo terapeuta bloquearia o processo. 
40 Psicomotricidade

Os distúrbios psicomotores
Sabendo que a educação psicomotora e ainda, a própria reeducação
psicomotora servem como instrumentos essenciais para minimizar ou
ainda, evitar problemas no processo de ensino e aprendizagem, destaca-
se a necessidade de se apresentar os distúrbios que podem surgir quando
a intervenção não é feita a tempo ou ainda, quando não é realizada
adequadamente.

Portanto, para que se seja possível adentrar as espécies de


distúrbios psicomotores que podem se manifestar em crianças, convém
conceituar o que seria o distúrbio em si. Nesse sentido, de acordo com
Souza et al. (2014 p.114) são:
Manifestações que a criança apresenta quando esta não
tem domínio do seu próprio corpo. Estas são causadas
por alterações afetivas, cognitivas e motoras que causam
dificuldades tanto na vida social quanto escolar da criança.
(SOUZA et al., 2014 p.111)
Figura 17 – Perturbações e distúrbios psicomotores

Emotivas

Afetivas Cognitivas

Alterações

Fonte: Autora (2021) com base em Souza et al. (2014 p.114)

De acordo com o que Meur e Staes (1991) apresentam, os distúrbios


ou perturbações são categorizadas como instrumentais e, por isso, será
possível identificar as alterações, de maneira evidente no sistema corporal,
espacial e temporal da criança.

Dessa maneira, a criança terá dificuldades de se estabelecer


dentro de um sistema social, onde se evidencia a necessidade real de
cumprimento de determinadas especificações para a vida em sociedade,
como é o caso de saber os horários para dormir, comer, acordar, estudar,
Psicomotricidade 41

onde e quando. Nesse sentido, de acordo com Borges e Rubio (2013 p.04),
estas alterações dificultam a vida em sociedade do indivíduo.
A não satisfação dessas necessidades irá colocar a criança
em posição de desigualdade perante o seu grupo ou de
crianças da mesma idade, podendo-se encontrar situações
de ansiedade, tensão, insegurança e, consequentemente,
problemas emocionais que interferirão nas suas atividades
escolares e na sua adaptação sócio- afetiva. (BORGES e
RUBIO 2013 p.04)

Tendo compreendido o que seriam distúrbios e alterações, indica-


se, conforme Meur e L. Staes (1991 p. 27) quais são as perturbações
psicomotoras mais comuns:

• Retardo no desenvolvimento motor da criança - situação que pode


ser originária em algum problema psicológico ou ainda, alguma
espécie de debilidade intelectual.

• Déficits motores - alteração que pode surgir em situações próprias


no momento do nascimento, como problemas de sufocamento,
demora no parto etc.

• Falta de equilíbrio - Situação bastante comum decorrente da falta


de habilidade motora ou ainda, de aspectos psicológicos, como
repressão, punição em excesso, medo etc.

• Alterações no esquema corporal da criança - podem decorrer


de repressão afetiva, dificuldades de relacionamento entre os
familiares e na própria escola.

• Problemas de lateralidade - que podem estar relacionados com


aspectos psicológicos e sociais da criança.

• Dificuldade de percepção espacial - situação que se encontra


intimamente relacionada com elementos psicológicos, falta de
autonomia com o corpo e ainda, a falta de integração entre corpo
e espaço.

• Alterações no grafismo - decorre de alterações psicológicas,


rigidez ou crispação dos dedos e, por fim, problemas na
coordenação motora do indivíduo.
42 Psicomotricidade

De acordo com o que se observa, os referidos distúrbios e alterações


tem uma origem global, ou seja, não possuem uma causa específica
em si e, por isso, são difíceis de obtenção de diagnóstico. É importante
destacar esta questão, pois durante muito tempo se atribuía as alterações
comportamentais da criança aos problemas familiares. Nesse sentido,
Borges e Rubio (2013, p. 4) observam que:
Qualquer distúrbio psicomotor tem ligação com problemas
que envolvem o indivíduo em sua totalidade. Distúrbios
psicomotores e afetivos estão, intimamente associados.
Razão porque o diagnóstico não é fácil de ser feito.
(BORGES e RUBIO, 2013 p.04)

Tendo compreendido os distúrbios mais comuns e que suas origens


estão relacionadas com elementos globais da criança, apresenta-se
nesse momento, os sintomas mais recorrentes que incidem em crianças
com alterações de comportamento, que são: falta de ritmo, de atenção,
comportamento, orientação temporal, problemas de lateralidade e falta
de maturidade.

Observando as questões apresentadas acima, destaca-se que


é necessária uma participação direta do sujeito responsável pelo
monitoramento da criança, no sentido de identificar e compreender os
problemas que acometem os indivíduos nesse período.

Dessa maneira, o profissional educador deve estar atento para as


necessidades de seu grupo, de maneira geral, no sentido de conseguir
intervir quando for o caso de maneira adequada, podendo ser através
de uma modificação do sistema metodológico definido em sala de aula,
ou ainda, da possibilidade de acender um alerta clínico para os pais ou
responsáveis.

Portanto, o profissional responsável pelo acompanhamento da


criança deve se utilizar de técnicas lúdicas, pois além de favorecer a
compreensão do processo de ensino e aprendizagem, estabelece uma
dinâmica de estruturação de reeducação psicomotora. Sendo assim, os
jogos, brincadeiras que favoreçam uma dinâmica de percepção sensorial,
espacial, afetiva e motora se tornam essenciais ness procedimento.
Psicomotricidade 43

RESUMINDO:

Neste capítulo vimos que a educação psicomotora é uma


técnica utilizada para uma aprendizagem natural.
Além disso, vimos que a reeducação psicomotora é um
estado de ajustamento sustentado, funcional e adaptativo
do indivíduo. Destacamos que o essencial na reeducação
psicomotora é a qualidade do relacionamento corporal e
da comunicação afetiva.
Por fim, vimos que a educação psicomotora e ainda, a própria
reeducação psicomotora servem como instrumentos
essenciais para minimizar ou ainda, evitar problemas no
processo de ensino e aprendizagem
44 Psicomotricidade

O psicólogo na reabilitação psicomotora

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender como


se dá o papel do psicólogo na reabilitação psicomotora.
Isto será fundamental para o exercício de sua profissão.
Veremos que quando um indivíduo está fisicamente
incapacitado, ficando paraplégico, por exemplo, tem sua
independência diminuída e enfrenta muitas dificuldades e,
assim, tais questões passam a influenciar diretamente nos
aspectos psicossociais do indivíduo. E então? Motivado para
desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!

É bem verdade que estes aspectos também devem ser trabalhados


para o sucesso da reabilitação psicomotora, que deve também abranger a
inserção social do paciente reabilitado, ampliação e fortalecimento de suas
redes sociais. Nesse sentido, Annik e Fonseca (1985 p. 59) destacam que:
A reabilitação começa numa segunda etapa quando o
sujeito não é mais paciente passivo e sim participante
de um programa complexo cujos resultados (dentro
dos limites realistas) vão depender em grande parte de
sua motivação e estado emocional. A etapa seguinte
da reabilitação, depois de se haver alcançado a maior
recuperação possível em termos de independência física e
psicológica, objetiva a reintegração do indivíduo doente ou
deficiente em seus contextos familiar, social, profissional e
escolar. (ANNIK; FONSECA, 1985 p.59)
Figura 18 – A reabilitação Psicomotora e o trabalho do psicólogo

Apresenta uma Independência


Sujeito se
incapacidade diminuída em
recupera dos
permanente ou virtude da
danos biológicos
temporária incapacidade

Indivíduo se torna Indivíduo se torna


Inicia o processo
participante do participante do
de reabilitação
proceso proceso

Fonte: Autora (2021) com base em Annik e Fonseca (1985 p.59)


Psicomotricidade 45

Desse modo, o psicólogo de uma equipe de reabilitação tem o


papel da avaliação, acompanhamento, psicodiagnóstico e tratamento
psicoterapêutico, individual e em grupo, a fim de identificar os aspectos
das funções cognitivas e afetivo-emocionais, bem como aspectos da
personalidade e comportamento. Logo, é possível estabelecer relação de
todo o funcionamento do sujeito com possíveis alterações causadas por
qualquer tipo de deficiência.

Na reabilitação psicomotora, o psicólogo atua na modalidade de


psicoterapia breve, individual ou em grupo, dependendo do caso, com
o foco na deficiência e os impactos que ela trouxe para o paciente e sua
família, colaborando e atuando diretamente com a equipe interdisciplinar,
realizando interconsultas quando for necessário.
Figura 19 – O trabalho do psicólogo e o processo de reabilitação psicomotora

Psicoterapia
breve Foco na Integração
individual ou deficiência
em grupo

Fonte: Autora (2021) com base em Annik e Fonseca (1985 p.59)

Essa modalidade psicoterapêutica tem por base o trabalho


biopsicossocial, que integra o indivíduo como um todo, para que ele
possa tomar consciência de suas incapacidades físicas e/ou cognitivas e
possa buscar novas formas de viver sua vida de forma adaptada, sempre
enfatizando e valorizando todos os ganhos decorrentes do processo de
reabilitação.
46 Psicomotricidade

Figura 20 – O psicólogo possui o papel da avaliação, acompanhamento, psicodiagnóstico e


tratamento psicoterapêutico

Fonte: Freepik

Dentro de um processo de reabilitação psicomotora, o psicólogo


atua por meio do aconselhamento, cooperando para o bem-estar
psicossocial do reabilitando, oferecendo-lhe suporte para o alcance de
uma vida boa de experiência, com alguns pontos essenciais:

• Visão realista de si mesmo (abrangendo potencialidades e limites).

• Aquisição ou reaquisição da autoestima.

• Construção ou reconstrução da dignidade de pessoa humana


perante si mesmo, à família e à comunidade.

• Meta final – equilíbrio intrapsíquico e equilíbrio pessoa/meio.

Nas primeiras avaliações, além de construir um ambiente de


confiança e estabelecer um contrato terapêutico com o reabilitando, cabe
ao psicólogo começar a levantar dados para as seguintes indagações:

• Quem é o indivíduo? Qual sua idade? Sua fase de desenvolvimento


está de acordo com sua faixa etária, suas características pessoais
(tendências, traços, aptidões, desejos, aspirações), sua moradia,
realidade familiar e condições sócio-econômico-culturais? Como
Psicomotricidade 47

está sua inserção afetiva nas diferentes redes sociais e seu grau de
instrução? E seu conhecimento sobre a deficiência que adquiriu?

• Quando ocorreu a deficiência? Como eram ou estavam os fatores


relacionados no item de cima?

• Como e por que  ocorreu a deficiência? Foi um evento repentino


ou gradual? Há elementos de culpabilização da própria pessoa ou
de outros? Há uma contraposição sobrevivência/morte? Quais as
características do memento vivencial da pessoa?

• O que  é e quais as características da deficiência, como grau,


impedimentos e limitações reais, tipo de evolução usual,
presença ou ausência de dores, a existência ou não de traços
físicos claramente estigmatizantes, dados de nível concreto
ou fantasiosos? Nesse item pode já estar uma tentativa de
compreender os vários papéis da pessoa – pai, mãe, filho,
trabalhador, estudante – e seus exercícios (reais ou fantasiosos),
detectando as formas de enfrentamento de situação crítica, pela
qual o reabilitando atravessa, tais como choque, medo, raiva,
revolta etc.

De posse desses dados, o psicólogo estabelecerá melhor seu


plano de psicoterapia ou outros modos de intervenção embora sempre
passíveis de reorganização, revisão e reajustamento.
48 Psicomotricidade

REFLITA:

O interesse pelo estudo da organização da imagem corporal


em reabilitação psicomotora vem a ter, dessa forma,
uma significação mais abrangente, não se restringindo a
aspectos motores, mas vendo-a como a representação
básica da criança em desenvolvimento. Torna-se também
relevante por possibilitar uma continuidade a estudos
realizados anteriormente pelas pesquisadoras, realizados
junto a crianças portadoras de distúrbios psicomotores,
que, a partir da visão da Psicologia da Saúde, com a
preocupação em sua promoção, prevenção e proteção, por
meio da reabilitação psicomotora buscam orientar o corpo
ao equilíbrio e harmonia interior e exterior, conduzi-lo ao
bem-estar e, consequentemente, a uma qualidade de vida
melhor. (NASCIMENTO; BARROS, 2005 p.39)

Contudo, tais informações também serão úteis à equipe


multidisciplinar, pois, além da psicológica, outras avaliações sistemáticas
ou assistematicamente estarão ocorrendo paralelamente por outros
profissionais como o psicomotricista, por exemplo. Em equipe, deverão
verificar quais decisões serão tomadas sobre formas e encaminhamentos
na reabilitação e na vida em geral (o que fazer com as dificuldades e
mudanças do reabilitando).

Diante do que se observa, no processo de reabilitação da


psicoterapia, o profissional da psicologia deve estabelecer o seu trabalho
a partir de dois níveis de atuação, que são, o preventivo e o terapêutico.

Entretanto, deve ser levado em consideração que este trabalho


pode ser realizado de maneira conjunta e, portanto, sua separação
dependerá de alguns aspectos específicos do próprio sujeito que
atravessará o processo de reabilitação.

No que se refere ao aspecto preventivo, torna-se essencial que o


profissional da psicologia tenha conhecimento dos efeitos psicológicos
das doenças e das deficiências.
Psicomotricidade 49

Figura 19 – Aspectos da prevenção do processo de reabilitação

Conhecer os
Reintegrar o
efeitos das Criar condições
indivíduo no
doenças e da saúde mental
ambiente
deficiências

Fonte: Autora (2021) com base em Annik e Fonseca (1985 p.59)

Nesse sentido, o que deve ser levado em consideração no processo


de reabilitação é o aspecto multicausal. Ou seja, quando o profissional
da psicologia se encontra envolvido no procedimento de reabilitação,
destaca-se a necessidade de se compreender amplamente as questões
que envolvem a incapacidade, que são, a emocional, a cognitiva, física e
social, conforme destaca Annik e Fonseca (1985 p.60).
A compreensão do processo de formação e reabilitação
da psicomotricidade vem se constituindo numa nova
síntese, que enfatiza a natureza multicausal, contextual e
auto-organizadora desse processo evolutivo, salientando
a unidade funcional integradora da percepção com a
memória e da emoção e cognição na exploração, seleção
e emergência de um novo comportamento motor. (ANNIK,
FONSECA, 1985 p.60)

Ao analisar estes aspectos no processo de reabilitação de um


indivíduo é possível identificar que o uso dessas técnicas multidisciplinares
faz parte de um processo essencial de humanização, pois quando se
analisa as necessidades amplas do sujeito e se identifica formas de
reorganizar sua proposta global, o profissional da psicologia se afasta
da tecnicidade da profissão e se aproxima da humanização do trabalho.
Nesse sentido, Annik e Fonseca (1985 p 61) destacam que:
O psicólogo mais especializado em comunicação,
através de intercâmbios com a equipe e a administração,
pode contribuir para a humanização dos hospitais,
onde humanizar significa reintroduzir o indivíduo no
funcionamento hospitalar, no sentido de evitar que este se
reduza a um papel de usina reparadora de órgãos lesados.
Humanização expressa o desejo de conhecer tanto os
anseios materiais dos pacientes como os psicólogos.
(ANNIK; FONSECA, 1985 p.61)
50 Psicomotricidade

Quando se percebe a atuação humanizada do profissional da


psicologia, torna-se possível perceber que o sistema que se adota é
o da continuidade da vida, ou seja, o profissional valoriza o paciente e
concede-o a possibilidade de continuar a viver, não apenas de sobreviver.
Figura 20 – O processo de reabilitação e continuação da vida

O paciente
O profissional
Introduz numa sente-se inserido
valoriza o
rotina saudável no contexto da
paciente
sociedade

Fonte: Autora (2021) com base em Annik e Fonseca (1985 p.62)

Para que isso seja possível de ocorrer, destaca-se a necessidade


dos profissionais que se encontram envolvidos no processo de reabilitação
buscarem facilitar a vida dos pacientes através de técnicas de escuta,
acolhimento e atenção. A verdade é que, neste processo de reabilitação,
não cabe ao profissional minimizar os sentimentos do paciente, mas tão
somente se tornar aberto para o individualismo padrão que ele sente
naquele momento, conforme destacam Annik e Fonseca (1985 p.62)
O psicólogo procurará facilitar o acesso à palavra e à
possibilidade de vincular e simbolizar afetos. É necessário
que os membros da equipe se tornem conscientes de
que são os depositários de uma parte do narcisismo
dos pacientes e que devem desempenhar um papel
organizador, desenvolvendo suas próprias capacidades
de mentalização. Na equipe, uma abertura à palavra e à
simbolização facilita a ligação entre afetos, representações
mentais e vivência corporal e previne uma cisão entre
soma e psique. (Annik e Fonseca, 1985, p.62)

Sabendo da importância do trabalho do profissional da psicologia,


em seguida, destaca-se a necessidade de se compreender como
funcionará o processo de reabilitação dos pacientes.

O processo terapêutico de reabilitação


Pelo procedimento de reabilitação terapêutica é essencial que se
compreenda como se dá a interação do paciente com o mundo interno e
externo, no sentido de compreender o funcionamento tanto da imagem
Psicomotricidade 51

corporal, como também emocional. O objetivo desta etapa é, portanto,


compreender o nível de dificuldade que o paciente apresenta e saber
exatamente como deve ser a interferência neste processo terapêutico por
parte do profissional, conforme destaca Oliveira (2015 p.34).
O conhecimento empobrecido do próprio corpo, reflete-se
numa dificuldade de representar, nomear e localizar suas
diferentes partes, assim como também num desenho mal
estruturado e rígido da figura humana. Pode associar-se
também com a frequência a problemas ligados à orientação
espaço-temporal, gerando confusão quanto às diversas
coordenadas de espaço (em cima, embaixo, ao lado), ao
sentido de direção direita e esquerda. Essa dificuldade em
localizar-se e movimentar-se no eixo espaço-temporal
compromete ainda mais a coordenação dos movimentos
ocasionando lentidão, desarmonia mesmo em gestos
simples (jogar bola, abotoar roupa) e desgaste de energia
ao executar qualquer ação, em decorrência da falta de
planejamento dessa ação. (OLIVEIRA, 2015 p.34)

Ao conhecer as limitações especificas da criança, o profissional


será capaz de se inserir em seu mundo e, consequentemente terá
condições de estabelecer um elo essencial para a aplicação de métodos
terapêuticos que favorecerão o seu desenvolvimento global, conforme
destaca Oliveira (2019 p.43)
A organização da motricidade e da capacidade de
representar a realidade se entrelaçam num movimento
dinâmico que forma e reflete sua estruturação mental.
Considera-se que o brincar espontâneo, seja ele funcional
e sensório motor, simbólico ou ainda através de jogos de
regras, tem um papel insubstituível. No brincar ocorre o
aprimoramento das funções neuropsicomotoras de base,
o amadurecimento das funções cerebrais e, portanto o
desenvolvimento integral da criança. (OLIVEIRA, 2019 p.43)

Nesse sentido, o profissional da psicologia, quando da execução


do processo terapêutico, deve estabelecer suas técnicas de maneira
integrativa e, por isso, convém adotar medidas lúdicas, de maneira a
favorecer a liberdade de construção de movimentos corporais que
estabeleçam a possibilidade de resgatar ou até mesmo construir a
autonomia sobre o seu corpo e seus sentidos, conforme destaca Oliveira
(2015 p.35):
52 Psicomotricidade

Além de buscar dar espaço ao mundo psicomotor da


criança, cria-se condição para sua expressão pessoal como
um todo, através, inclusive, de atividades corporais lúdicas
espontâneas, livres e semi-dirigidas. Como justifica, a
criança possui um corpo que fala e se estrutura. A vivência
saudável e equilibrada de sua corporalidade certamente
lhe possibilitará mais conhecimento e autonomia sobre
si mesma, e consequentemente, uma imagem corporal
positiva. (OLIVEIRA, 2015 p.35)
Figura 21 – Técnicas espontânea e o reflexo na psicomotricidade

O profissional Que favorece Que favorece a


apresenta uma a liberdade de autonomia da
dinâmica flexível construção criança

Fonte: Autora (2021) com base em Oliveira (2015 p.36)

Independentemente do tipo de técnica a ser apresentada pelo


profissional, destaca-se que no decorrer do processo de reabilitação,
será possível identificar certa instabilidade nos movimentos, ou seja,
às vezes um pouco lento, outras vezes, um pouco mais rápido e,
consequentemente, o paciente se apresentará bastante fatigado ao
realizar as atividades propostas.

Ademais, para além da fadiga corporal, o paciente poderá


apresentar certo desconforto emocional e, consequentemente, alteração
de humor. Entretanto, caberá ao profissional responsável pelo processo
terapêutico equacionar e respeitar os limites apresentados pelo paciente,
introduzindo quando necessário, mecanismos terapêuticos lúdicos que
favoreçam a retomada dos exercícios de reabilitação.

ACESSE:

No sentido de compreender um pouco melhor as questões


relacionadas com o desenvolvimento de atividades de
reabilitação psicomotora em crianças, destaca-se como
sugestão de leitura, o artigo intitulado de Reabilitação lúdica
da imagem corporal cuja autoria é de Izabel M. Nascimento
da Silva Máximo e de Vera M. Barros de Oliveira. O artigo
pode ser acessado clicando aqui.
Psicomotricidade 53

Sabendo que o processo de reabilitação terapêutica deve ser


trabalhado de maneira lúdica e integrativa, apresenta-se abaixo algumas
técnicas consideradas relevantes para o desenvolvimento global da criança:

• Incentivar a criatividade e a liberdade através da leitura de livros


infantis e favorecer a releitura com a construção de textos,
músicas, expressões faciais ou desenhos. A proposta é favorecer o
indivíduo no seu processo de construção global. Portanto, sugerir
alternativas é elemento essencial nesse processo.

• Desenhar percursos com linhas e curvas e pedir que a criança siga


o desenho, no sentido de desenvolver o equilíbrio, a lateralidade, a
dimensão espacial e o senso de direção. Existe a possibilidade de
se colocar obstáculos nesse percurso e isso favorece a autoestima
e a segurança em situações de dificuldade.

• Favorecer o desenvolvimento de atividades manuais através do


uso de materiais decorativos. O objetivo é favorecer a construção
de um sistema de criatividade, demonstração de sentidos e
aperfeiçoamento de habilidades motoras.

• Possibilitar o uso de objetos de encaixe, onde o indivíduo possa


trabalhar a coordenação motora e o equilíbrio.

• Construir momentos em que a criança possa realizar exercícios de


respiração, no sentido de aperfeiçoar suas emoções, segurança,
paciência e ansiedade, como é o caso das bolhas de sabão e
atividades de pintura.

Ao aplicar as técnicas apresentadas acima, os resultados podem


ser positivos no sentido de garantir o favorecimento de alguns aspectos
da criança, como é o caso da coordenação motora, autoestima,
respeito, ansiedade, segurança, relações interpessoais, dificuldades de
aprendizagem e problemas emocionais e físicos no geral.
54 Psicomotricidade

RESUMINDO:

Como vimos, a psicomotricidade é um elemento essencial


para o desenvolvimento global da criança e, desde o seu
nascimento, precisa haver motivação no processo de
aperfeiçoamento de suas habilidades.
Além disso, em caso de problemas que a criança apresente,
a reeducação psicomotora deve ser implementada o
quantos antes, no sentido de reduzir os possíveis danos
causados pela falta de intervenção ou ainda, por questões
de incapacidade física ou emocional da criança.
Vale mencionar que como pudemos observar, o profissional
da psicologia tem uma função de extrema importância
neste processo de reabilitação e, por isso, ele deve ser
capaz de compreender as necessidades e limitações
da criança no intuito de se atingir os resultados positivos
almejados.
Psicomotricidade 55

REFERÊNCIAS
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LE BOULCH, J. Educação psicomotora: psicocinética na idade


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pdf. Acesso em: 12 jun. 2019.

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