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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


3ª Câmara de Direito Público

Registro: 2022.0000529631

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2117838-61.2022.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante COMPRA TOTAL
LTDA., é agravado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Público


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deramprovimento ao
recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ENCINAS


MANFRÉ (Presidente sem voto), JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA E MARREY UINT.

São Paulo, 7 de julho de 2022

KLEBER LEYSER DE AQUINO


DESEMBARGADOR - RELATOR
(Assinatura Eletrônica)
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 3ª Câmara de
Direito Público

Voto nº 14.652
Agravo de Instrumento nº 2117838-61.2022.8.26.0000
Agravante: COMPRA TOTAL LTDA.
Agravado: COORDENADOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DO ESTADODE
SÃO PAULO
4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo
Magistrada: Dra. Celina Kiyomi Toyoshima
AGRAVO DE INSTRUMENTO MANDADO DE SEGURANÇA ICMS Decisão que indeferiu a
liminar pleiteada pela agravante Pleito de reforma da decisão Cabimento Agravante que
impugna a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS, em razão da necessidade de
obediência ao princípio da anterioridade anual TEMA nº 1.093, de 24/02/2.021, do STF, que
estabeleceu a
necessidade de edição de lei complementar federal a respeito da disciplina, porém modulou
os efeitos de sua decisão para manter válida e eficaz a legislação estadual até o fim do
exercício de 2.021, ressalvadas da proposta de modulação as ações judiciais em curso Após
o julgamento do mencionado tema, houve a edição da Lei Comp. Fed. nº 190, de
05/01/2.022, publicada no diário oficial em 05/01/2.022, que dispôs sobre a matéria
Outrossim, ao definir a forma de cálculo do ICMS nas operações interestaduais quando da
remessa ao não contribuinte do imposto, a referida lei complementar promoveu o aumento
do tributo, o que atrai a aplicação do princípio da anterioridade, disposto no art. 150, III,
“b”, da CF Decisão reformada AGRAVO DE INSTRUMENTO provido, para determinar a
suspensão da exigibilidade do ICMS-DIFAL do exercício de 2.022 nas operações de venda de
mercadorias realizadas pela agravante aos consumidores finais não contribuintes
domiciliados ou sediados neste ente federado, destacando-se que os referidos créditos não
impedem a emissão de certidão de regularidade fiscal nem dão ensejo a atos de cobrança,
ainda que indiretos, até o julgamento final do mandado de segurança.

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Trata-se de agravo de instrumento interposto por Compra Total Ltda. contra a r. decisão
(fls. 48), proferida nos autos do MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado pela agravante em
face de ato coator praticado pelo Coordenador da Administração Tributária do Estado
de São Paulo, que indeferiu a liminar pleiteada pela agravante, consistente na suspensão
da exigibilidade do ICMS-DIFAL pelo agravado, durante o exercício financeiro de 2.022, nas
operações de venda de mercadorias realizados pela agravante a consumidores finais não
contribuintes domiciliados ou sediados neste ente federado.

Alega a agravante no presente recurso (fls. 01/15), em síntese,


ser possível a suspensão da exigibilidade do tributo sem a necessidade de depósito judicial,
na hipótese de probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do
processo. Sustenta que, nos termos do artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição
Federal, deve ser respeitado o princípio da anterioridade anual,
de modo que a cobrança do ICMS-DIFAL somente poderá ocorrer em 2.023.

Com tais argumentos pede a concessão da antecipação da tutela recursal, para que seja
determinada a suspensão da exigibilidade do ICMS DIFAL nas operações de venda de
mercadorias realizadas pela agravante aos consumidores finais não contribuintes domiciliados
ou sediados neste ente federado, constando expressamente que os referidos créditos não
impeçam a emissão de certidão de regularidade fiscal nem deem ensejo a atos de cobrança,
ainda que indiretos, para que, ao final, seja dado provimento ao presente agravo de
instrumento para a reforma da decisão atacada (fls. 17/18).

A antecipação da tutela recursal foi deferida em segunda

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instância, por este Relator, para determinar a suspensão da exigibilidade do ICMS DIFAL do
exercício de 2.022 nas operações de venda de mercadorias realizadas pela agravante aos
consumidores finais não contribuintes domiciliados ou sediados neste ente federado,
destacando-se que os referidos créditos não impedem a emissão de certidão de regularidade
fiscal nem dão ensejo a atos de cobrança, ainda que indiretos, até o julgamento final do
presente agravo de instrumento (fls. 54/59).

Em contraminuta (fls. 71/95), alega o agravado, em síntese,


que a lei local instituidora do tributo publicada após a atribuição de competência tributária
pela Constituição Federal e antes da edição de lei complementar vinculadora de normas gerais
é válida, porém sua eficácia fica postergada para o momento em que ingressa no
ordenamento jurídico. Discorre que a Emenda Constitucional nº 87, de 16/05/2.015, está
dotada de eficácia para sustentar a edição de legislação local instituindo o ICMS-DIFAL.
Aponta que Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022, satisfez a condição de eficácia
da legislação estadual, de modo que cumpridas as exigências decorrentes dos princípios da
anterioridade gral e nonagesimal, sendo inevitável concluir pela legitimidade da cobrança do
ICMS-DIFAL no exercício de 2.022. Afirma que restou observado o princípio da anterioridade
nonagesimal, posto que a Lei Estadual nº 14.470, de 22/06/2.021, foi publicada
em14/12/2.021, sendo cobrado o ICMS-DIFAL apenas das operações ocorridas a partir do dia
14/03/2.022. Por fim, sustenta que permitir a cobrança do ICMS-DIFAL apenas em 2.023
levará a um claro desequilíbrio concorrencial e de arrecadação no Estado de São Paulo.

O recurso é tempestivo.

Relatado de forma sintética, passo a fundamentar e

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decidir.

Atendidos aos requisitos necessários para conhecimento, como já


exposto na análise inicial do presente agravo de instrumento.

Para concessão de liminar, em primeira instância, no mandado de


segurança, são necessários a existência de um fundamento relevante e que o ato impugnado
possa resultar em ineficácia da medida (artigo 7º, inciso III, da Lei Federal nº 12.016, de
07/08/2.009)1.

No caso em tela, os requisitos legais acima referidos estão presentes,


diversamente do que foi decidido no Juízo “a quo”.

Extrai-se dos autos que a agravante, nos autos do mandado de segurança, pretende a
suspensão da exigibilidade do Diferencial de Alíquota de ICMS (“DIFAL”), que incide sobre a
venda de mercadorias ao consumidor final não contribuinte de ICMS, localizado no estado de
São Paulo, além da abstenção do agravado e de seus agentes em impedir a emissão de
certidão de regularidade fiscal e realizar atos de cobrança, ainda que indiretos, atinentes ao
não recolhimento do mencionado DIFAL, em respeito ao princípio da anterioridade anual.

Com efeito, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, da Constituição


Federal estabelecia que, relativamente às operações e prestações que destinavam bens e
serviços a consumidor final localizado em outro Estado, seria adotada a alíquota interna na
hipótese de o destinatário não ser contribuinte de
1
Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III. que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia
da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o
ressarcimento à pessoa jurídica.

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ICMS.
Assim, a Lei Complementar Federal nº 87, de 13/09/1.996,
buscou regulamentar o ICMS, estabelecendo normas gerais atinentes às hipóteses de
incidência do imposto, contribuinte do tributo, responsabilidade tributária, base de cálculo e
demais critérios.

Posteriormente, houve a alteração da redação do artigo 155,


parágrafo 2º, inciso VII, da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 87, de
16/04/2.015, que passou a dispor que, “nas operações e prestações que destinembem e
serviços a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, localizado emEstado diverso, será
adotada a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto
correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota
interestadual”.

Alterada a redação do supracitado dispositivo, houve a realização da cobrança da diferença de


alíquota, com base na Lei Estadual nº 15.856, de 02/07/2.015, e no Convênio ICMS nº 93, de
17/09/2.015, que dispõem, respectivamente, sobre as hipóteses de incidência do tributo, a
responsabilidade pelo pagamento e as alíquotas; e, sobre os procedimentos a serem
observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não
contribuinte do ICMS localizado em outra unidade federada.

Não obstante, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.287.019/DF e da Ação Direta de


Inconstitucionalidade 5.469, ocorrido em conjunto em 24/02/2.021, o E. Supremo Tribunal
Federal firmou o entendimento de que é necessária a edição de lei complementar
federal, disciplinando a Emenda Constitucional nº 87, de 16/04/2.015, para que os Estados-
membros e o Distrito Federal, na qualidade de destinatários de bens ou serviços, possam
cobrar

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Diferencial de Alíquota de ICMS (DIFAL) na hipótese de operações e prestações


interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto (TEMA nº 1.093, de
24/02/2.021, do Supremo Tribunal Federal), cujo acórdão foi publicado em25/05/2.021.

No entanto, o E. Supremo Tribunal Federal apontou que são válidas as leis estaduais ou
distritais editadas após a Emenda Constitucional nº 87, de 16/04/2.015, que preveem a
cobrança do DIFAL nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não
contribuinte do imposto, mas não produzemefeitos enquanto não editada lei complementar
federal dispondo sobre o assunto.

Entretanto, ainda no supracitado julgamento, o E. Supremo Tribunal Federal modulou os


efeitos da sua decisão, destacando que esta somente produzirá efeitos a partir do exercício
financeiro seguinte à conclusão do julgamento, isto é, no exercício de 2.022, ressalvadas da
modulação as ações judiciais em curso.

Outrossim, após o julgamento supra do E. Supremo Tribunal


Federal, houve a edição da lei complementar federal dispondo sobre o assunto, notadamente
a Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022, motivo pelo qual se insurge a agravante
no tocante ao termo inicial da produção de efeitos, uma vez que, segundo a agravante, a
Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022, somente poderia produzir efeitos a partir
do exercício de 2.023, por observância ao princípio da anterioridade, previsto no artigo 150,
inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III. cobrar tributos:

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b. no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

O artigo 3º da Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022,


determinou que o referido diploma legislativo entre em vigor na data de sua publicação, mas
somente produzirá efeitos após ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal, nos
termos do artigo 150, inciso III, aliena "c” da Constituição Federal.

Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022


Art. 3º. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à

produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal .

Constituição Federal
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III. cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído
ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 42, de 19.12.2003) (negritei e sublinhei)

Ocorre que, além da anterioridade nonagesimal, deve-se também


observar a regra da anterioridade anual, disposta no artigo 150, inciso III, aliena "b”, da
Constituição Federal.

Ora, não pode a referida lei exigir o respeito a anterioridade

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nonagesimal, mas se calar diante da anterioridade anual, em se tratando de lei que


determina e institui a incidência do diferencial de alíquota do ICMS nas operações
interestaduais destinadas ao não contribuinte do ICMS.

Ou seja, pelo menos em uma análise perfunctória, deve ser


observado tanto o princípio da anterioridade nonagesimal como da anual para que a
Lei Complementar Federal nº 190, de 05/01/2.022 possua eficácia, pois se compreende que a
referida lei, ao definir a forma de cálculo do ICMS nas operações interestaduais quando da
remessa ao não contribuinte do imposto, equivale a aumento do tributo, o que atrai a
aplicação também do princípio da anterioridade, acima indicado.

Dessa maneira, entende-se que, em observância ao princípio da


anterioridade, o ICMS DIFAL só poderá ser exigido a partir do exercício de 2.023.

Por fim, a decisão monocrática proferida pela Presidência deste E.


Tribunal de Justiça nos autos da Suspensão de Liminar nº 2062922-77.2022.8.26.0000, que
suspendeu as liminares deferida em primeira instância para sobrestar a cobrança do ICMS-
DIFAL, apenas produz efeitos nos autos dos mandados de segurança especificamente
elencados na decisão, de nada interferindo neste julgado.
Portanto, presente a “fumaça do bom direito” ou a “relevância do
fundamento”.

No que se refere ao “perigo da demora” ou à “possibilidade da ineficácia


da medida”, ele também está presente, uma vez que a agravante será exigida, após o
decurso de 90 (noventa) dias, do recolhimento do tributo relativo ao exercício de 2.022 de
maneira indevida, e ainda, inexistente o “perigo de

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irreversibilidade dos efeitos desta decisão”, uma vez que o tributo poderá ser recolhido
posteriormente pelo agravado.

Desta forma, deve ser reformada a r. decisão de 1ª instância agravada.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao presente agravo de instrumento, para


determinar a suspensão da exigibilidade do ICMS-DIFAL do exercício de 2.022 nas operações
de venda de mercadorias realizadas pela agravante aos consumidores finais não contribuintes
domiciliados ou sediados neste ente federado, destacando-se que os referidos créditos não
impedem a emissão de certidão de regularidade fiscal nem dão ensejo a atos de cobrança,
ainda que indiretos, até o julgamento final do mandado de segurança.

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