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O Estado
O Estado também deve possuir um território determinado, ainda que possam haver
pendências relativas à determinação de fronteiras, como ocorre em diversos países. Se a
população permanente é a dimensão pessoal, o território é a dimensão física de um
Estado.
O governo soberano é a estrutura central que exerce controle efetivo sobre o território,
consoante o ordenamento jurídico nacional. Isto é, o governo exerce funções para a
manutenção da administração e da ordem jurídica. Para que um governo seja soberano,
ele deve ser absoluto, indivisível e incontestável. Nesse sentido, a soberania implica a
não submissão a outra autoridade. No plano externo, o limite da soberania é a
coexistência pacífica com outros Estados soberanos, ideia fundamentada na igualdade
jurídica.
Na prática, o reconhecimento tem origem no pedido de um novo Estado para que seja
reconhecido pelos demais, podendo, assim, iniciar relações formais. Em outras
palavras, ele é importante para o estabelecimento de relações com outros entes
internacionais, dando a essas relações mais segurança e previsibilidade.
Consoante Seitenfus:
Cabe ressaltar que, uma vez feito, o reconhecimento não pode ser reconsiderado, sendo
um ato irrevogável2.
Ademais, seus efeitos são retroativos, ex tunc, de modo que atos e normas anteriores
ao reconhecimento passam a ser considerados válidos desde a data de constituição do
Estado.
1
É um ato discricionário porque o Estado pode escolher se reconhece ou não. Ele não está obrigado a
reconhecer outro Estado.
2
Diz que a proibição de reconsideração advém do princípio de Estoppel, em que um comportamento
contraditório é vedado.
- A Teoria Constitutiva, atualmente em desuso, baseia-se nos ensinamentos de
Jellinek, Anzilotti e Triepel. Para essa corrente, o reconhecimento é um ato
constitutivo, com efeitos ex nunc, que dá origem a um Estado na sociedade
internacional. Isto é, por meio do reconhecimento atribui-se personalidade jurídica
a um Estado, reconhecendo, a partir de então, a validade de seus atos perante a
ordem internacional.
- A Teoria Declaratória, mais aceita pela doutrina, é defendida por Scelle, Kelsen e
Accioly. Para essa corrente, o reconhecimento possui efeitos declaratórios. Ou
seja, o Estado que reunir os elementos constitutivos já existe no ordenamento
internacional e o reconhecimento deste apenas constata a existência prévia.
Dessa forma, a existência de um Estado não depende de seu reconhecimento.
Por partir da ideia que o Estado já possui uma existência anterior, presentes os elementos
constitutivos, o ato de reconhecimento possui efeitos retroativos.
A Convenção de Montevidéu reafirma os efeito declaratórios em seu Art.3 que disciplina:
A Carta da Organização dos Estados Americanos traz dispositivo com semelhante teor,
afirmando:
O reconhecimento por um Estado indica que há disposição para dar início a relações
formais com o novo Estado, constituindo direitos e deveres entre o Estado que
reconhece e o reconhecido. Alguns dos direitos que devem ser respeitados, até mesmo
pelos Estados que não reconhecem outro, são o direito à igualdade jurídica, à liberdade
de ação, à existência, entre outros direitos fundamentais.
Ademais, o reconhecimento não pode ocorrer caso o surgimento do Estado tenha se dado
por meio de violação do Direito Internacional Público. Ou seja, a constatação da ilicitude
na criação do novo Estado, como uma violação de jus cogens, impede o reconhecimento.
Quanto à exigência do respeito aos Direitos Humanos, essa foi uma diretriz adotada pela
União Europeia quanto ao reconhecimento de novos Estados na Europa Oriental. Cabe
salientar que tal posicionamento não é amplamente adotado.
Em 1962, a Corte Internacional de Justiça julgou o caso do Templo de Preah Vihear entre
Tailândia e Camboja. Para a CIJ, o território onde ficava localizado o templo de Preah
Vihear pertencia ao Camboja, uma vez que a Tailândia havia aceito, sem contestação, um
mapa do Camboja em que o templo estava incluso. O silêncio foi considerado um
consentimento tácito.
Para evitar que algum ato seja visto como um reconhecimento tácito, o Estado pode
declarar que sua conduta não pode ser interpretada como reconhecimento.
2.2. O Reconhecimento de Governo
Cabe ressaltar que a doutrina mais aceita atualmente é a Doutrina Estrada. O Brasil, por
exemplo, tradicionalmente não reconhece governos por entender que tal ato é uma
violação do princípio da não-intervenção5.
3
Para Carlos Tobar, “o meio mais eficaz de acabar com essas mudanças violentas de governo (...) seria a
recusa, por parte dos demais governos, de reconhecer esses regimes acidentais, resultantes de revoluções,
até que fique demonstrado que eles contam com a aprovação popular”.
4
Para Genaro Estrada “México no se pronuncia en el sentido de otorgar reconocimientos. El Gobierno de
México se limita a mantener o retirar, cuando lo crea procedente, a sus agentes diplomáticos y a continuar
aceptando, cuando también lo considere procedente, a los similares agentes diplomáticos que las naciones
respectivas tengan acreditados en México”
5
Sobre o caso do reconhecimento de Juan Guiadó na Venezuela, indica-se o artigo “A crise na Venezuela e
a questão do reconhecimento de um novo ‘governo’” de Ronaldo Bastos, disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-fev-16/ronaldo-bastos-reconhecimento-governo-venezuela.
3. Extinção e Sucessão
3.1. A extinção e a sucessão de Estados
Um Estado pode ser extinto no caso de haver o desaparecimento de algum dos seus
elementos constitutivos.
A doutrina majoritária entende que a extinção pode ocorrer pelas seguintes causas:
6
O princípio da continuidade do Estado disciplina a manutenção de direitos e obrigações. O surgimento de
um novo Estado pode vir acompanhado da cessação de todas as obrigações anteriores, salvo as
relacionadas ao território propriamente dito, pois as fronteiras são mantidas estáveis.
7
A independência pode ocorrer por um acordo com a administração anterior (concessão de independência)
ou por meios não constitucionais, como a secessão ou a revolução.
8
O direito de secessão é o direito de um movimento separatista de se separar de um Estado, remanejando
as fronteiras deste.
Os efeitos da sucessão dependem da matéria abordada.
9
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10214.htm
10
Um caso sui generis foi o da União Soviética nas Nações Unidas. Após a dissolução, a Rússia assumiu
seu lugar como sucessora, apesar de não ser a regra geral em matéria de organizações internacionais.
4. A Responsabilidade internacional dos Estados
Normas primárias são normas de condutas, de caráter estático, que estipulam um preceito penal
primário. As normas secundárias são normas sobre normas, indicando o que deve ser feito nesses casos
e qual a pena aplicável.
Ex.: Código penal
“Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”
● Art. 121. Matar alguém: Preceito penal primário, que pressupõe uma norma primária “É proibido
matar alguém”;
● Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Preceito penal secundário, que pressupõe uma norma
secundária de julgamento “O juiz deverá impor uma pena de reclusão de seis a vinte anos a
quem violar a norma primário que determina que é proibido matar alguém”
Uma característica essencial da responsabilidade internacional é que ela está associada a
um ilícito, ou seja, uma violação das normas internacionais. Isso pode envolver Estados
que descumprem suas obrigações, organizações internacionais que agem fora de suas
competências, ou indivíduos que cometem atos contrários ao direito internacional. Tais
violações podem ter diversas formas, desde ações militares ilegais até a desobediência
de tratados e convenções internacionais.
Um exemplo ilustrativo é o crime de genocídio. Para uma ação ser considerada genocídio,
é necessário que haja um elemento subjetivo, seja na forma de dolo ou culpa, por parte
daqueles que perpetraram o ato. Isso ocorre porque o genocídio é uma violação grave do
direito internacional que implica a intenção deliberada de destruir, total ou parcialmente,
um grupo étnico, racial, religioso ou nacional. A presença desse elemento subjetivo
distingue o genocídio de outros tipos de crimes, como massacres indiscriminados.
O art. 22 estipula que quando um Estado toma uma contramedida em resposta a um ato
internacionalmente ilícito de outro Estado, a ilicitude do ato original pode ser excluída. A
contramedida deve estar de acordo com o Capítulo II da Parte Três e ser uma resposta
proporcional à violação cometida pelo outro Estado.
O conceito de força maior, presente no artigo 23, é relevante nas situações em que um
Estado é impossibilitado materialmente de cumprir uma obrigação devido a
circunstâncias irresistíveis e imprevisíveis. No entanto, existem exceções, como
quando a situação de força maior é resultado da própria conduta do Estado ou quando
ele assumiu o risco daquela situação.
O perigo extremo é uma excludente que se aplica quando um ator estatal não tem
alternativas razoáveis para salvar vidas em uma situação de risco iminente e extremo.
Isso pode ser exemplificado pelo pouso forçado de uma aeronave em um país sem
permissão, para salvar vidas a bordo. No entanto, o parágrafo 1º define exceções, como
quando o perigo extremo é causado pela conduta do próprio Estado ou se o ato em
questão cria um perigo comparável ou maior.
O artigo 4º estabelece que qualquer ato ilícito praticado por um agente público é
considerado um ato do Estado no âmbito do Direito Internacional. Ele amplia essa
definição para englobar a conduta de órgãos do Estado que exercem funções legislativas,
executivas, judiciais ou outras, independentemente de sua posição na estrutura do
Estado. Isso se aplica tanto a órgãos do governo central quanto a unidades territoriais do
Estado.
A responsabilidade direta do Estado também se estende aos casos de atos ultra vires,
quando um órgão do Estado age fora dos limites de sua autoridade ou desobedece
instruções. O artigo 7º estabelece que, mesmo nessas circunstâncias, a conduta de um
órgão, pessoa ou entidade destinada a exercer atribuições do poder público será
considerada um ato do Estado sob o Direito Internacional. Isso implica que, mesmo que o
órgão exceda sua autoridade ou viole instruções, o Estado ainda é responsabilizado.
4.8. Imputabilidade
O artigo 8º estipula que a conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas será considerada
um ato do Estado se essas pessoas estiverem agindo sob a instrução, direção ou
controle daquele Estado ao executar a conduta. No entanto, o tipo de controle
necessário varia quando aplicado ao caso concreto. Por um lado, no caso "Nicarágua vs.
Estados Unidos"11 (1986), a Corte Internacional de Justiça (CIJ) estabeleceu que o
controle efetivo deve existir para que a responsabilidade seja atribuída ao Estado. Já em
1999, por outro lado, no caso Tadic, julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a
11
O caso atividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua de 1986 envolveu os Estados Unidos,
que apoiavam militarmente os CONTRA na Nicarágua, embora alegadamente não os controlasse. A Corte
Internacional de Justiça considerou que o controle efetivo era necessário para responsabilizar o Estado pela
conduta desses grupos. Como os EUA não tinham controle efetivo sobre as ações dos CONTRA, não foram
considerados responsáveis pelas violações cometidas..
ex-Iugoslávia, referente aos crimes de guerra ocorridos durante os conflitos na Bósnia, o
tribunal aplicou o critério de controle genérico, conhecido como overall control. Esse
critério, menos rígido, permite a imputação da responsabilidade do Estado por atos de
grupos sob seu controle mais geral, sem necessidade de controle efetivo direto. Quase
uma década depois, no caso Bósnia vs Sérvia de 200712, a CIJ volta a emitir parecer a
favor do controle efetivo.
O artigo 9º aborda a situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas assume funções
do poder público na ausência de autoridades oficiais e em circunstâncias que exigem o
exercício dessas funções. Nesse cenário, a conduta dessas pessoas pode ser imputada
ao Estado. Isso reflete a importância de garantir que, mesmo na ausência de autoridades
oficiais, o Estado seja responsabilizado por ações que ocorram sob sua jurisdição.
O artigo 11º aborda a situação em que uma conduta não é atribuível ao Estado de
acordo com os artigos anteriores, mas que pode ser considerada um ato do Estado se
este reconhecer e adotar a conduta como sua própria. Isso demonstra que, mesmo
quando a atribuição direta não é evidente, o Estado ainda pode ser responsável por
condutas que ele reconheça e adote como representativas de sua posição oficial.
12
No Caso Bósnia vs Sérvia de 2007, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu que o crime de
genocídio ocorrido no massacre de Srebrenica, Bósnia, em 1995, não poderia ser atribuído ao Estado da
Sérvia e Montenegro, então República Federal da Iugoslávia. A decisão baseou-se no princípio de controle
efetivo, onde a CIJ concluiu que a Sérvia não tinha controle efetivo sobre as ações dos perpetradores do
massacre, apesar das graves violações ocorridas.
responsabilidade em cenários em que um Estado influencia ou coopera com outro na
prática de ações ilícitas.
O artigo 16 estipula que um Estado que auxilia ou assiste outro Estado na prática de um
ato internacionalmente ilícito é responsável por prestar esse auxílio ou assistência, desde
que conheça as circunstâncias do ato e o ato seria ilícito se cometido por aquele
Estado que recebeu a assistência. Isso implica que o Estado que contribuiu para o ato
ilícito também pode ser considerado responsável.
Consoante o art. 30, o Estado responsável por um ato ilícito tem a obrigação de cessar
esse ato e fornecer garantias de não repetição, caso as circunstâncias assim o exijam.
Isso visa interromper a continuação de violações e prevenir futuras transgressões,
fortalecendo a observância das obrigações internacionais.
4.10.2. Reparação
O Estado responsável deve restabelecer a situação que existia antes do ato ilícito,
desde que isso não seja materialmente impossível ou desproporcionalmente oneroso em
relação ao benefício da restituição em comparação com a indenização. A restituição,
conforme o artigo 35, é considerada a forma mais adequada de reparação.
Por sua vez, o artigo 36 detalha a indenização. Se a restituição não for viável ou
suficiente, o Estado responsável deve indenizar o dano causado pelo ato ilícito. Isso
inclui danos financeiramente mensuráveis, como lucros cessantes, desde que não sejam
reparados pela restituição.
A CIJ, por exemplo, é o principal órgão judicial das Nações Unidas e lida com disputas
entre Estados. Como um fórum neutro e legal para a resolução de disputas, ela interpreta
tratados e regras de direito internacional e emite decisões obrigatórias. Quando um
Estado alega que outro violou suas obrigações internacionais, pode levar o caso à CIJ.
Esta Corte tem a autoridade para determinar se houve uma violação e, se for o caso,
invocar a Responsabilidade Internacional do Estado infrator e impor medidas corretivas ou
reparatórias.
Além das cortes internacionais, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)
também desempenha um papel fundamental na implementação da responsabilidade
internacional, em especial quando os demais meios de solução de controvérsias se
provam insuficientes. O CSNU tem a autoridade de tomar medidas coercitivas, como
sanções econômicas ou o uso da força, para fazer cumprir as decisões da CIJ ou para
responder a ameaças à paz e à segurança internacionais. Quando um Estado viola suas
obrigações internacionais de uma forma que coloca em perigo a paz e a segurança
internacionais, e falha em cumprir com sua responsabilidade em termos estritamente
pacíficos, o CSNU pode agir para garantir a responsabilização desse Estado.
Caso o Estado violador não cumpra com suas obrigações após a responsabilidade ser
invocada, diversas medidas podem ser tomadas para assegurar a conformidade com o
direito internacional, com diferentes lógicas e características.
4.13.1. Retorsões
As retorsões são ações legalmente permitidas que visam fazer com que o Estado
violador cumpra suas obrigações internacionais, podendo ser adotadas em qualquer
momento. Exemplos de retorsões incluem a ruptura de relações diplomáticas, suspensão
de cooperação econômica, embargos, e outras medidas não ilícitas.
4.13.2. Contramedidas
As contramedidas, por outro lado, geralmente são ilícitas e de caráter punitivo, sendo
permitidas apenas para forçar um Estado a cumprir suas obrigações. O Artigo 49 define
as regras para as contramedidas, que são temporárias e instrumentalmente
orientadas. Elas devem ser tomadas de maneira reversível, permitindo a retomada das
obrigações em questão, e são limitadas ao não cumprimento temporal de obrigações
internacionais.
As contramedidas devem ser encerradas assim que o Estado responsável cumpra suas
obrigações relacionadas ao ato internacionalmente ilícito, conforme previsto no Artigo 53.
Isso enfatiza o caráter instrumental e orientado para a resolução de conflitos das
contramedidas, buscando restaurar o cumprimento das obrigações internacionais.
ERITS, M. Case concerning military and paramilitary activities in and against Nicaragua.
Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf>.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 10.ª ed.
Salvador: Jus Podivm, 2018.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 15.ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.
Reports of judgments, advisory opinions and orders case concerning application of the
convention on the prevention and punishment of the crime of genocide. Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/91/091-20070226-JUD-01-00-EN.pdf
>.