Você está na página 1de 28

1.

O Estado

1.1. Governo e capacidade de entrar em relações com os demais


Estados
O Estado é o principal sujeito de Direito Internacional Público. Conforme a doutrina, é uma
entidade político-social juridicamente organizada para executar os objetivos da soberania
nacional.

Como visto na apostila anterior, nos termos da Convenção de Montevidéu de 1933, o


Estado possui como requisitos uma população permanente, um território determinado, um
governo e capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

A população permanente é o substrato humano com permanência no território,


constituindo a dimensão pessoal de um Estado. Para a doutrina, a comunidade
nacional é formada pelos nacionais, as pessoas com um vínculo de pertencimento com o
Estado.

O Estado também deve possuir um território determinado, ainda que possam haver
pendências relativas à determinação de fronteiras, como ocorre em diversos países. Se a
população permanente é a dimensão pessoal, o território é a dimensão física de um
Estado.

O governo soberano é a estrutura central que exerce controle efetivo sobre o território,
consoante o ordenamento jurídico nacional. Isto é, o governo exerce funções para a
manutenção da administração e da ordem jurídica. Para que um governo seja soberano,
ele deve ser absoluto, indivisível e incontestável. Nesse sentido, a soberania implica a
não submissão a outra autoridade. No plano externo, o limite da soberania é a
coexistência pacífica com outros Estados soberanos, ideia fundamentada na igualdade
jurídica.

Por fim, a capacidade de se relacionar com outros Estados é um elemento resultante


da própria soberania e da igualdade jurídica entre Estados. Com origem colonialista,
ditava que as colônias apenas poderiam ter contato com outros Estados se a Metrópole
autorizasse.

1.2. A criação de Estados

O surgimento de um novo Estado é produto de processos históricos e pode ocorrer como


resultado de conflitos armados, de movimentos de independência, da dissolução de
Estados maiores, da negociação, entre outros.

Um Estado pode surgir como resultado de:

- Secessão ou desmembramento: Um Estado é desmembrado pela perda de


território, dando origem a um novo Estado, sem, no entanto, deixar de existir. Um
exemplo é o caso do Sudão e do Sudão do Sul.

Estado A → Estado A + Estado B

- Dissolução ou desintegração: Um Estado se desintegra dando origem a dois


novos Estados. Um exemplo é o caso da antiga Tchecoslováquia, que se dissolveu
dando origem à República Tcheca e à Eslováquia.

Estado A → Estado B + Estado C

- Fusão: dois Estados se unem, dando origem a um novo Estado. Um exemplo é o


caso do atual Iêmen, formado a partir da união da República Árabe do Iémen com
a República Democrática Popular do Iémen.

Estado B + Estado C → Estado A

- Incorporação (agregação): um Estado é incorporado a outro, deixando de existir,


sem que isso resulte na criação de novo Estado. Um exemplo é a Reunificação
Alemã ocorrida em 1990, pela qual a República Democrática Alemã.

Estado B + Estado C → Estado B


2. O reconhecimento de Estado e de Governo

2.1. O Reconhecimento do Estado

O reconhecimento de Estado é um ato unilateral e discricionário1 através do qual


Estados já existentes constatam a presença dos elementos constitutivos em outra
entidade, declarando seu pertencimento à ordem internacional na qualidade de Estado.

Na prática, o reconhecimento tem origem no pedido de um novo Estado para que seja
reconhecido pelos demais, podendo, assim, iniciar relações formais. Em outras
palavras, ele é importante para o estabelecimento de relações com outros entes
internacionais, dando a essas relações mais segurança e previsibilidade.

Consoante Seitenfus:

“O reconhecimento é o ato unilateral através do qual um sujeito de direito internacional,


sobretudo Estado, constando a existência de um fato novo (Estado, Governo, situação ou
tratado), cujo evento de criação não teve sua participação, declara, ou admite
implicitamente, que o considera como sendo um elemento com quem manterá relações no
plano jurídico. Trata-se, portanto, de um ato afirmativo que introduz o fato novo nas relações
jurídicas entre os sujeitos de DIP”. (SEITENFUS; VENTURA. 2003, p.77)

Cabe ressaltar que, uma vez feito, o reconhecimento não pode ser reconsiderado, sendo
um ato irrevogável2.

Ademais, seus efeitos são retroativos, ex tunc, de modo que atos e normas anteriores
ao reconhecimento passam a ser considerados válidos desde a data de constituição do
Estado.

A doutrina reconhece a existência de duas teorias sobre o reconhecimento de Estado: a


teoria constitutiva e a teoria declaratória.

1
É um ato discricionário porque o Estado pode escolher se reconhece ou não. Ele não está obrigado a
reconhecer outro Estado.
2
Diz que a proibição de reconsideração advém do princípio de Estoppel, em que um comportamento
contraditório é vedado.
- A Teoria Constitutiva, atualmente em desuso, baseia-se nos ensinamentos de
Jellinek, Anzilotti e Triepel. Para essa corrente, o reconhecimento é um ato
constitutivo, com efeitos ex nunc, que dá origem a um Estado na sociedade
internacional. Isto é, por meio do reconhecimento atribui-se personalidade jurídica
a um Estado, reconhecendo, a partir de então, a validade de seus atos perante a
ordem internacional.

Na prática, a Teoria Constitutiva condiciona a existência de um novo Estado à


anuência dos demais, desconsiderando que todos os Estados são formalmente iguais
entre si, e, portanto, não poderiam depender do reconhecimento dos demais. Em razão
disso, a doutrina majoritária atual defende que o reconhecimento por outros Estados não
é mais um elemento constitutivo por violar o princípio da igualdade soberana.

Não obstante, o reconhecimento de beligerantes, insurgentes e movimentos de


libertação nacional possuem caráter constitutivo. Estes apenas adquirem personalidade
jurídica em relação a quem os reconheceu e a partir do momento do reconhecimento.

- A Teoria Declaratória, mais aceita pela doutrina, é defendida por Scelle, Kelsen e
Accioly. Para essa corrente, o reconhecimento possui efeitos declaratórios. Ou
seja, o Estado que reunir os elementos constitutivos já existe no ordenamento
internacional e o reconhecimento deste apenas constata a existência prévia.
Dessa forma, a existência de um Estado não depende de seu reconhecimento.

Por partir da ideia que o Estado já possui uma existência anterior, presentes os elementos
constitutivos, o ato de reconhecimento possui efeitos retroativos.
A Convenção de Montevidéu reafirma os efeito declaratórios em seu Art.3 que disciplina:

Artigo 3 A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos


demais Estados (grifo nosso). Ainda antes de reconhecido, tem o Estado o direito de
defender sua integridade e independência, prover a sua conservação e prosperidade, e
consequentemente, organizar-se como achar conveniente, legislar sobre seus interesses,
administrar seus serviços e determinar a jurisdição e competência dos seus tribunais. O
exercício destes direitos não tem outros limites além do exercício dos direitos de outros
Estados de acordo com o Direito Internacional.

A Carta da Organização dos Estados Americanos traz dispositivo com semelhante teor,
afirmando:

Art.13 A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos


outros Estados (grifo nosso). Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de
defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e
prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre
os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a
competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o
do exercício dos direitos de outros Estados, conforme o direito internacional.

Apesar de não ser uma condição necessária para o estabelecimento de um Estado, o


reconhecimento por grande número de Estados serve como prova de que estão
presentes os elementos constitutivos em uma entidade.

O reconhecimento por um Estado indica que há disposição para dar início a relações
formais com o novo Estado, constituindo direitos e deveres entre o Estado que
reconhece e o reconhecido. Alguns dos direitos que devem ser respeitados, até mesmo
pelos Estados que não reconhecem outro, são o direito à igualdade jurídica, à liberdade
de ação, à existência, entre outros direitos fundamentais.

Na hipótese de não haver o reconhecimento, o Estado não reconhecido possui limitações


em suas relações diplomáticas, na capacidade de celebrar tratados, no ingresso em
organizações internacionais, no não reconhecimento de atos do direito doméstico pelos
demais Estados, etc.

É importante ressaltar que, apesar do reconhecimento de Estado ser essencial para o


estabelecimento de relações diplomáticas, este não é necessário para o
estabelecimento de relações comerciais, a exemplo das relações entre muitos países e
Taiwan.
Como o reconhecimento é um ato que não pode ser reconsiderado, deve-se evitar o
reconhecimento precipitado, averiguando-se a viabilidade no novo Estado. Em outras
palavras, Estados podem não reconhecer outros Estados caso entendam que os
elementos constitutivos não estão presentes.

Ademais, o reconhecimento não pode ocorrer caso o surgimento do Estado tenha se dado
por meio de violação do Direito Internacional Público. Ou seja, a constatação da ilicitude
na criação do novo Estado, como uma violação de jus cogens, impede o reconhecimento.

Inclusive, o Conselho de Segurança das Nações Unidas pode proibir o


reconhecimento de um Estado. No caso da Rodésia, a ONU emitiu resolução impedindo
o reconhecimento de Estados onde houvesse a prática do apartheid, por este ser uma
violação do direito internacional.

Para a Doutrina de Lauterpacht, presentes os elementos constitutivos (território definido;


população; governo soberano; independência em suas relações externas), os Estados
existentes possuem o dever de reconhecer o novo Estado.

Parte da doutrina vê como requisitos para o reconhecimento, juntamente com a


presença de elementos constitutivos:

1. A viabilidade do Estado: todos os elementos constitutivos estão presentes;

2. O respeito ao DIP na criação do novo Estado: o Estado não surgiu de grave


violação das normas internacionais (ex injuria jus non oritur);

3. O respeito aos Direitos Humanos pelo novo Estado ou a exigência da Democracia.

Exemplifica a importância do respeito ao Direito Internacional Público a opinião consultiva


da Corte Internacional de Justiça no caso da ocupação sul-africana da Namíbia (1971).
Para a CIJ, a presença sul-africana na Namíbia era ilegal pois seu território havia sido
ocupado pelo uso da força, violando o princípio que afirma que um direito não pode surgir
de um ato ilegal (ex injuria jus non oritur). O mesmo princípio foi utilizado pelos Estados
Unidos para se opor à criação do Estado de Manchukuo pelo Japão – criado em violação
ao pacto de Briand-Kellog.
A doutrina que preceitua que Estados não devem reconhecer situações geradas pela ameaça
ou uso da força é conhecida como Doutrina Stimson.

Quanto à exigência do respeito aos Direitos Humanos, essa foi uma diretriz adotada pela
União Europeia quanto ao reconhecimento de novos Estados na Europa Oriental. Cabe
salientar que tal posicionamento não é amplamente adotado.

Em sentido semelhante, alguns doutrinadores defendem que o reconhecimento de Estado


pode estar condicionado ao comprometimento com os Direitos Humanos mas também
com a democracia.

O reconhecimento de Estado pode ocorrer por distintas modalidades:

● Individual ou coletivo: pode ser feito por um Estado individualmente ou de forma


coletiva em uma declaração conjunta;

● Expresso ou tácito: pode partir de declarações ou tratados, ou ser inferido da


prática do Estado. Por exemplo, pode ser por meio do estabelecimento de relações
diplomáticas.

● Condicionado ou incondicionado: pode ser condicionado ao cumprimento de


determinadas condições ou ser incondicionado (Atualmente, o reconhecimento
deve ser sem condições).

O acionamento de um Estado em tribunal internacional não é reconhecimento tácito.

Em 1962, a Corte Internacional de Justiça julgou o caso do Templo de Preah Vihear entre
Tailândia e Camboja. Para a CIJ, o território onde ficava localizado o templo de Preah
Vihear pertencia ao Camboja, uma vez que a Tailândia havia aceito, sem contestação, um
mapa do Camboja em que o templo estava incluso. O silêncio foi considerado um
consentimento tácito.

Para evitar que algum ato seja visto como um reconhecimento tácito, o Estado pode
declarar que sua conduta não pode ser interpretada como reconhecimento.
2.2. O Reconhecimento de Governo

O reconhecimento de governo decorre da instalação de novo governo em um Estado,


devido à violação do sistema constitucional por meio de golpe de Estado, Revolução,
ou guerra civil. Há, portanto, a ideia da ruptura política.

Se a mudança do governo estiver dentro dos parâmetros constitucionais, não se fala em


reconhecimento. Se a mudança advir de golpe pelo próprio grupo governista, também não
é necessário o reconhecimento, por não haver propriamente uma ruptura política, como
ocorreu na instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas.

O reconhecimento de governo baseia-se no reconhecimento da autoridade de um


governo para representar o Estado no ordenamento internacional. Ele envolve questões
políticas, e, portanto, não é, necessariamente, um reconhecimento da legitimidade.

Assim como o reconhecimento de Estado, o reconhecimento de governo é um ato


unilateral, irrevogável, discricionário e retroativo (ex tunc). Ele implica o
reconhecimento de Estado – quando este ainda não havia sido feito anteriormente.

Via de regra, a condição básica para o reconhecimento é o efetivo exercício do poder


soberano por meio do controle do território e da administração. Além da efetividade do
governo (domínio do território e da população), outro requisito é o cumprimento de
obrigações internacionais contraídas no regime anterior, o que denota a continuidade
do Estado.

O governo a ser reconhecido pode ser de fato ou de direito, ou os dois, simultaneamente.


Se for um governo de fato, ele não possui um título jurídico para estar no poder. Isto é, o
governo possui o poder soberano, apesar de sua posse ter sido ilegal (sem título). Se for
um governo exclusivamente de direito, há um título jurídico garantindo a legalidade, por
ter sido escolhido conforme a ordem constitucional, entretanto, não há poder soberano.

Nesse cenário, o reconhecimento de fato é uma declaração de que o governo possui


autoridade, apesar de não possuir o poder de forma legítima.
Atualmente a distinção entre reconhecimento de fato e de direito é pouco relevante, uma
vez que o reconhecimento é irrevogável.

Entre as doutrinas de reconhecimento, destacam-se:

● Doutrina Tobar3: o reconhecimento deve ocorrer apenas quando houver


legitimidade constitucional. Regimes oriundos de revolução ou golpe de Estado
não devem ser reconhecidos, a não ser que haja a aprovação popular.

● Doutrina Estrada4: o reconhecimento de governo é inadequado. Ele é uma forma


de ingerência sobre assuntos internos, usado de forma política. Para Estrada, o
reconhecimento deve ser automático, sem uma outorga. Sua inspiração veio do
princípio de não intervenção.

Cabe ressaltar que a doutrina mais aceita atualmente é a Doutrina Estrada. O Brasil, por
exemplo, tradicionalmente não reconhece governos por entender que tal ato é uma
violação do princípio da não-intervenção5.

Quando há uma ruptura política e o Estado mantém relações diplomáticas há um


reconhecimento tácito.

3
Para Carlos Tobar, “o meio mais eficaz de acabar com essas mudanças violentas de governo (...) seria a
recusa, por parte dos demais governos, de reconhecer esses regimes acidentais, resultantes de revoluções,
até que fique demonstrado que eles contam com a aprovação popular”.
4
Para Genaro Estrada “México no se pronuncia en el sentido de otorgar reconocimientos. El Gobierno de
México se limita a mantener o retirar, cuando lo crea procedente, a sus agentes diplomáticos y a continuar
aceptando, cuando también lo considere procedente, a los similares agentes diplomáticos que las naciones
respectivas tengan acreditados en México”
5
Sobre o caso do reconhecimento de Juan Guiadó na Venezuela, indica-se o artigo “A crise na Venezuela e
a questão do reconhecimento de um novo ‘governo’” de Ronaldo Bastos, disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-fev-16/ronaldo-bastos-reconhecimento-governo-venezuela.
3. Extinção e Sucessão
3.1. A extinção e a sucessão de Estados

Um Estado pode ser extinto no caso de haver o desaparecimento de algum dos seus
elementos constitutivos.

A doutrina majoritária entende que a extinção pode ocorrer pelas seguintes causas:

- Absorção/agregação completa por outro Estado, deixando o absorvido de existir;


- Desmembramento ou secessão do território entre dois ou mais Estados;
- Desintegração de um Estado, dando origem a Estados diferentes;
- Fusão de dois ou mais Estados, dando origem a um novo Estado.

A extinção de um Estado coloca em questão a sucessão de direitos e obrigações, opondo


o princípio da continuidade do Estado6, que disciplina que mudanças territoriais,
populacionais ou governamentais não afetam a existência da personalidade internacional
de um Estado, e os princípios da autodeterminação e da não intervenção.

Fala-se em sucessão de Estados quando há mudança de soberania sobre um


território, que decorre, em grande parte, do surgimento de novo Estado. O surgimento
pode ocorrer em razão dos processos elencados acima ou pela independência de
Estados7 sob tutela ou mandato.

Importante destacar a relação entre a secessão e a autodeterminação. Via de regra, a


autodeterminação de um povo não garante o direito de secessão8. Apenas em casos
extremos, quando há opressão de grupos, com obstáculos ao exercício de direitos civis e
sem qualquer perspectiva de contestação pacífica, que a autodeterminação externa é
aceita.

6
O princípio da continuidade do Estado disciplina a manutenção de direitos e obrigações. O surgimento de
um novo Estado pode vir acompanhado da cessação de todas as obrigações anteriores, salvo as
relacionadas ao território propriamente dito, pois as fronteiras são mantidas estáveis.
7
A independência pode ocorrer por um acordo com a administração anterior (concessão de independência)
ou por meios não constitucionais, como a secessão ou a revolução.
8
O direito de secessão é o direito de um movimento separatista de se separar de um Estado, remanejando
as fronteiras deste.
Os efeitos da sucessão dependem da matéria abordada.

Em matéria de tratados, a Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em


Matéria de Tratados (1978), promulgada pelo Brasil em 20209, define que ocorre a
sucessão automática em tratados multilaterais quando há fusão ou agregação.

A sucessão é inviabilizada quando há incompatibilidade com o objeto; quando as partes


acordam de forma distinta; ou em caso de tratados de organizações internacionais. Neste
último caso, a sucessão não significa que um país passa a fazer parte automaticamente
de uma Organização Internacional. Via de regra, o sucessor não ocupa o lugar do
predecessor, devendo fazer novo pedido de adesão10.

Quanto a tratados bilaterais, a sucessão depende do interesse da outra parte.

Nos casos de desmembramento, regra geral, o princípio aplicado é o da tabula rasa, em


que o novo Estado não possui obrigações convencionais. Entretanto, pode haver a
acessão a tratados multilaterais com declaração de sucessão pelo envio de uma
notificação de sucessão ao depositário.

Em matéria de bens, arquivos e dívidas, vale o costume internacional, que define a


transferência dos bens de domínio público para os Estados sucessores. Como os
bens de domínio público são indissociáveis do território, o detentor da soberania territorial
será detentor desses bens. Quando há secessão ou desintegração, os bens são divididos
de acordo com o respectivo território, respeitando a soberania territorial.

Pelo costume internacional, as dívidas se transmitem diretamente ao sucessor, com a


repartição ponderada nos casos de desmembramento e transferência territorial; há
casos em que ele assume, por tratado, parcela das dívidas.

9
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10214.htm
10
Um caso sui generis foi o da União Soviética nas Nações Unidas. Após a dissolução, a Rússia assumiu
seu lugar como sucessora, apesar de não ser a regra geral em matéria de organizações internacionais.
4. A Responsabilidade internacional dos Estados

4.1. Conceito de Responsabilidade Internacional

O Direito Internacional Público é frequentemente associado a dificuldades


referentes à eficácia de suas normas. Efetivamente, a aplicação das
normas internacionais é peculiar, em vista de fatores como a complexidade
da sociedade internacional, a inexistência de um poder mundial que, a
exemplo do Estado, esteja encarregado de impor a observância dos
dispositivos de Direito das Gentes, e a circunstância de que os mecanismos
internacionais de solução de controvérsias nem sempre têm jurisdição
automática sobre os Estados, dependendo destes para existir e de sua
anuência para julgá-los. Entretanto, isso não significa que o Direito
Internacional não disponha de meios que permitam que os violadores das
normas internacionais respondam pelos ilícitos que cometam. (Portela,
2018, p.422)

A responsabilidade internacional é um conceito fundamental no direito internacional que


estabelece as consequências da violação das normas internacionais por Estados,
organizações internacionais e indivíduos. Ela desempenha um papel crucial na
manutenção da ordem global e na promoção do respeito mútuo entre os atores
internacionais. Neste contexto, a responsabilidade internacional é compreendida como
uma norma secundária, uma espécie de pena do direito internacional, que surge quando
ocorre uma conduta ilícita.

Normas primárias são normas de condutas, de caráter estático, que estipulam um preceito penal
primário. As normas secundárias são normas sobre normas, indicando o que deve ser feito nesses casos
e qual a pena aplicável.
Ex.: Código penal
“Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”
● Art. 121. Matar alguém: Preceito penal primário, que pressupõe uma norma primária “É proibido
matar alguém”;
● Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Preceito penal secundário, que pressupõe uma norma
secundária de julgamento “O juiz deverá impor uma pena de reclusão de seis a vinte anos a
quem violar a norma primário que determina que é proibido matar alguém”
Uma característica essencial da responsabilidade internacional é que ela está associada a
um ilícito, ou seja, uma violação das normas internacionais. Isso pode envolver Estados
que descumprem suas obrigações, organizações internacionais que agem fora de suas
competências, ou indivíduos que cometem atos contrários ao direito internacional. Tais
violações podem ter diversas formas, desde ações militares ilegais até a desobediência
de tratados e convenções internacionais.

4.2. Revolução Ago: Evolução Conceitual

Historicamente, a responsabilidade internacional estava fortemente ligada à obrigação de


reparar os danos causados a outros Estados devido a uma conduta ilícita. O dano era
considerado o fato gerador da responsabilidade, ou seja, sem dano não haveria base para
responsabilização. No entanto, essa perspectiva evoluiu ao longo do tempo, em
particular no processo que posteriormente ficou conhecido como a Revolução Ago. Os
estudos iniciados na década de 1970 por Roberto Ago, segundo dos cinco relatores
especiais da Comissão de Direito Internacional para o tema, culminaram no projeto de
artigos aprovado pela Comissão de Direito Internacional em 2001. Atualmente, a
existência de dano não é mais um elemento necessário para estabelecer a
responsabilidade internacional. Em vez disso, qualquer ato ilícito, independentemente
de causar dano, pode resultar em responsabilização.

4.3. A responsabilidade de diferentes atores internacionais

A responsabilidade internacional é aplicada a diferentes atores internacionais. Estados


têm sua própria forma de responsabilidade, que pode surgir a partir do
descumprimento de tratados ou de ações contrárias ao direito internacional costumeiro.
Além disso, organizações internacionais também podem ser responsabilizadas quando
agem fora de suas competências ou cometem violações em suas operações.

Outro ponto a considerar é a responsabilidade de beligerantes, insurgentes e


movimentos de libertação nacional. Se esses atores obtiverem sucesso em tomar o
poder ou conquistar a independência, eles podem ser responsabilizados por atos
praticados durante seu período de conflito. No entanto, essa responsabilidade é
temporária e cessa assim que seus objetivos forem alcançados ou se forem derrotados.

Quanto aos indivíduos, a responsabilidade internacional possui características tanto


civis quanto penais. Os indivíduos possuem, de fato, direitos e obrigações diretas
decorrentes do Direito Internacional, o que implica na possibilidade de sua
responsabilização por atos ilícitos internacionais. Essa evolução na responsabilidade
internacional individual é notável no contexto do Direito Penal Internacional, desde os
primeiros Tribunais do pós-Guerra e Tribunais ad hoc até a criação do Tribunal Penal
Internacional (TPI) em 2002, com jurisdição exclusiva para tratar da responsabilidade
penal individual. De acordo com o artigo 25 do Estatuto de Roma de 1998, a
responsabilidade penal individual é atribuída a pessoas físicas que cometam crimes sob a
jurisdição do TPI, incluindo genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e
crimes de agressão, conforme estabelecido no Artigo 5º desse tratado.

Historicamente, a responsabilidade internacional estava ligada à obrigação de reparar


danos causados por condutas ilícitas, onde o dano era o elemento-chave. No entanto, na
atualidade, a responsabilidade internacional não requer mais a existência de dano.
Qualquer ato ilícito, mesmo que não cause dano, pode ser considerado como fator de
responsabilidade internacional.

4.4. Características e Classificação da Responsabilidade

A responsabilidade internacional estatal é um aspecto fundamental do direito


internacional, estabelecendo as consequências que um Estado enfrenta quando comete
um ato internacionalmente ilícito. Embora a base jurídica da responsabilidade
internacional seja majoritariamente costumeira, um projeto de artigos da Comissão de
Direito Internacional da ONU, aprovada em 2001, buscou conferir maior previsibilidade
codificando algumas dessas normas.
4.4.1. Origem da Responsabilidade

O elemento material da responsabilidade estatal está enraizado no artigo 1º do projeto


de 2001, que declara que "todo ato internacionalmente ilícito de um Estado acarreta sua
responsabilidade internacional". Para que um ato seja considerado ilícito, ele deve
satisfazer dois critérios. Primeiro, deve ser atribuível ao Estado de acordo com o direito
internacional. Em segundo lugar, o ato deve constituir uma violação de uma obrigação
internacional que o Estado está vinculado a cumprir.

O elemento temporal da responsabilidade é regulamentado pelos artigos 13 e 14. O


artigo 13 estipula que a obrigação internacional deve estar em vigor para o Estado no
momento da violação. Por sua vez, o artigo 14 lida com a extensão temporal das
violações. No caso de uma violação que não seja contínua, a mesma ocorre no momento
em que o ato é cometido. Por outro lado, se a violação for contínua, ela persiste ao
longo do período em que o ato perdura.

Um exemplo notável é o caso do desaparecimento de pessoas durante a década de 1970 no Brasil,


conhecido como "Caso Araguaia". Como o Brasil reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em 1998, sua responsabilidade por esses desaparecimentos
continuou a existir até que os desaparecidos fossem encontrados, destacando a importância do elemento
temporal na avaliação da responsabilidade estatal. Se o caso tivesse sido solucionado antes de 1998, o
Brasil não poderia ser responsabilizado.

A responsabilidade internacional estatal não retroage no tempo. A data em que um


Estado reconhece a jurisdição de tribunais internacionais, como a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, marca o início do período a partir do qual ele pode ser julgado por
violações. No caso do Brasil, o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana em
dezembro de 1998 delimita o período de responsabilização.

O artigo 15 aborda a violação proveniente de um ato composto, referindo-se a uma série


de ações ou omissões que, quando consideradas em conjunto, são ilícitas. Um exemplo é
o genocídio, que envolve uma série de ações que compõem o ato global. Isso se aplica
também a situações como o apartheid, que requer análise contextual e leva em conta o
nível de institucionalização da discriminação.
A responsabilidade estatal também pode surgir em situações lícitas, quando as ações do Estado são
previstas em tratados. Isso é particularmente relevante para atividades de alto risco, como lançamento
de objetos no espaço, operações nucleares e poluição por óleo, onde os Estados podem ser
responsabilizados mesmo quando agindo legalmente.

4.4.2. Responsabilidade internacional objetiva

A responsabilidade internacional estatal é, em regra geral, objetiva, o que significa que


não exige a comprovação de elementos subjetivos, como dolo ou culpa. No entanto, é
importante destacar que a norma primária que foi violada pode, em alguns casos,
demandar a presença de elementos subjetivos específicos.

Um exemplo ilustrativo é o crime de genocídio. Para uma ação ser considerada genocídio,
é necessário que haja um elemento subjetivo, seja na forma de dolo ou culpa, por parte
daqueles que perpetraram o ato. Isso ocorre porque o genocídio é uma violação grave do
direito internacional que implica a intenção deliberada de destruir, total ou parcialmente,
um grupo étnico, racial, religioso ou nacional. A presença desse elemento subjetivo
distingue o genocídio de outros tipos de crimes, como massacres indiscriminados.

Portanto, a análise da natureza subjetiva ou objetiva de uma responsabilidade


internacional deve ser feita caso a caso, considerando a obrigação internacional que foi
violada.

4.5. Excludentes de Ilicitude

Além de compreender os elementos da responsabilidade internacional estatal, é crucial


considerar as excludentes de ilicitude que podem isentar um Estado de ser considerado
responsável por seus atos. Essas excludentes são regulamentadas pelos artigos 20 a 26
e desempenham um papel importante na análise da conduta estatal no contexto do direito
internacional.

Um dos princípios fundamentais é o consentimento de um Estado. De acordo com o art.


20, quando um Estado concede seu consentimento válido para que outro Estado realize
um ato específico, essa ação deixa de ser ilícita em relação ao Estado que deu o
consentimento. No entanto, é importante notar que o ato deve permanecer dentro dos
limites do consentimento concedido.

A legítima defesa é uma excludente bem estabelecida na responsabilidade internacional.


De acordo com o artigo 21, um ato de um Estado pode não ser considerado ilícito se for
uma medida de legítima defesa em conformidade com o artigo 51 da Carta das
Nações Unidas. Isso implica que o Estado está agindo para proteger seus interesses de
um perigo iminente e sério.

O art. 22 estipula que quando um Estado toma uma contramedida em resposta a um ato
internacionalmente ilícito de outro Estado, a ilicitude do ato original pode ser excluída. A
contramedida deve estar de acordo com o Capítulo II da Parte Três e ser uma resposta
proporcional à violação cometida pelo outro Estado.

O conceito de força maior, presente no artigo 23, é relevante nas situações em que um
Estado é impossibilitado materialmente de cumprir uma obrigação devido a
circunstâncias irresistíveis e imprevisíveis. No entanto, existem exceções, como
quando a situação de força maior é resultado da própria conduta do Estado ou quando
ele assumiu o risco daquela situação.

O perigo extremo é uma excludente que se aplica quando um ator estatal não tem
alternativas razoáveis para salvar vidas em uma situação de risco iminente e extremo.
Isso pode ser exemplificado pelo pouso forçado de uma aeronave em um país sem
permissão, para salvar vidas a bordo. No entanto, o parágrafo 1º define exceções, como
quando o perigo extremo é causado pela conduta do próprio Estado ou se o ato em
questão cria um perigo comparável ou maior.

O estado de necessidade é invocado quando um Estado age para preservar um


interesse essencial contra um perigo grave e iminente. No entanto, para se beneficiar
dessa excludente, o ato em questão não deve prejudicar gravemente interesses
essenciais de outros Estados ou da comunidade internacional como um todo.
Por fim, o artigo 26 estabelece que nenhuma das excludentes de ilicitude exclui a
responsabilidade de um Estado que viole uma norma imperativa de Direito Internacional
Geral. Ou seja, certas normas, conhecidas como jus cogens, prevalecem sobre essas
excludentes.

4.6. Atribuição de Conduta

Na análise da responsabilidade internacional estatal, um aspecto fundamental é


determinar quando a conduta de um indivíduo pode ser atribuída ao Estado e, portanto,
resultar em sua responsabilidade. As regras de atribuição estabelecem critérios para
essa conexão entre a conduta de um agente humano e a responsabilidade do Estado. O
artigo 4º e o artigo 7º, junto com outros elementos, delineiam como essa atribuição é feita
e quais circunstâncias podem levar à responsabilidade direta do Estado.

O artigo 4º estabelece que qualquer ato ilícito praticado por um agente público é
considerado um ato do Estado no âmbito do Direito Internacional. Ele amplia essa
definição para englobar a conduta de órgãos do Estado que exercem funções legislativas,
executivas, judiciais ou outras, independentemente de sua posição na estrutura do
Estado. Isso se aplica tanto a órgãos do governo central quanto a unidades territoriais do
Estado.

4.7. Responsabilidade Direta

A responsabilidade direta do Estado também se estende aos casos de atos ultra vires,
quando um órgão do Estado age fora dos limites de sua autoridade ou desobedece
instruções. O artigo 7º estabelece que, mesmo nessas circunstâncias, a conduta de um
órgão, pessoa ou entidade destinada a exercer atribuições do poder público será
considerada um ato do Estado sob o Direito Internacional. Isso implica que, mesmo que o
órgão exceda sua autoridade ou viole instruções, o Estado ainda é responsabilizado.

A responsabilidade do Estado persiste, mesmo quando seus agentes excedem sua


autoridade ou desobedecem a instruções expressas. Isso se deve à premissa de que o
Estado é responsável pela conduta de seus agentes, especialmente quando esses
agentes agem dentro das funções designadas pelo Estado. A atribuição da conduta ao
Estado está relacionada à ideia de que o Estado tem o dever de supervisionar suas
operações internas e garantir que seus agentes atuem em conformidade com o direito
internacional.

Essa abordagem reflete o reconhecimento de que ações individuais, quando realizadas


por agentes estatais no cumprimento de suas funções, têm um impacto direto nas
relações internacionais. Portanto, é justo responsabilizar o Estado por essas ações,
independentemente de se tratarem de atos ultra vires ou de desobediência a instruções.

4.8. Imputabilidade

A imputabilidade é um aspecto crítico da responsabilidade internacional estatal, definindo


quando as ações de particulares podem ser atribuídas ao Estado, gerando
responsabilidade.

4.8.1. Ausência de Autoridades Públicas (I)

O artigo 8º estipula que a conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas será considerada
um ato do Estado se essas pessoas estiverem agindo sob a instrução, direção ou
controle daquele Estado ao executar a conduta. No entanto, o tipo de controle
necessário varia quando aplicado ao caso concreto. Por um lado, no caso "Nicarágua vs.
Estados Unidos"11 (1986), a Corte Internacional de Justiça (CIJ) estabeleceu que o
controle efetivo deve existir para que a responsabilidade seja atribuída ao Estado. Já em
1999, por outro lado, no caso Tadic, julgado pelo Tribunal Penal Internacional para a

11
O caso atividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua de 1986 envolveu os Estados Unidos,
que apoiavam militarmente os CONTRA na Nicarágua, embora alegadamente não os controlasse. A Corte
Internacional de Justiça considerou que o controle efetivo era necessário para responsabilizar o Estado pela
conduta desses grupos. Como os EUA não tinham controle efetivo sobre as ações dos CONTRA, não foram
considerados responsáveis pelas violações cometidas..
ex-Iugoslávia, referente aos crimes de guerra ocorridos durante os conflitos na Bósnia, o
tribunal aplicou o critério de controle genérico, conhecido como overall control. Esse
critério, menos rígido, permite a imputação da responsabilidade do Estado por atos de
grupos sob seu controle mais geral, sem necessidade de controle efetivo direto. Quase
uma década depois, no caso Bósnia vs Sérvia de 200712, a CIJ volta a emitir parecer a
favor do controle efetivo.

4.8.2. Ausência de Autoridades Públicas (II)

O artigo 9º aborda a situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas assume funções
do poder público na ausência de autoridades oficiais e em circunstâncias que exigem o
exercício dessas funções. Nesse cenário, a conduta dessas pessoas pode ser imputada
ao Estado. Isso reflete a importância de garantir que, mesmo na ausência de autoridades
oficiais, o Estado seja responsabilizado por ações que ocorram sob sua jurisdição.

4.8.3. Adoção da Conduta

O artigo 11º aborda a situação em que uma conduta não é atribuível ao Estado de
acordo com os artigos anteriores, mas que pode ser considerada um ato do Estado se
este reconhecer e adotar a conduta como sua própria. Isso demonstra que, mesmo
quando a atribuição direta não é evidente, o Estado ainda pode ser responsável por
condutas que ele reconheça e adote como representativas de sua posição oficial.

4.9. Responsabilidade Indireta na Atribuição de Ato Internacionalmente


Ilícito

Os artigos 16, 17 e 18 delineiam as situações em que um Estado pode ser considerado


responsável por auxiliar, dirigir, controlar ou coagir outro Estado a cometer um ato
internacionalmente ilícito. Esses artigos visam estabelecer critérios para a atribuição de

12
No Caso Bósnia vs Sérvia de 2007, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu que o crime de
genocídio ocorrido no massacre de Srebrenica, Bósnia, em 1995, não poderia ser atribuído ao Estado da
Sérvia e Montenegro, então República Federal da Iugoslávia. A decisão baseou-se no princípio de controle
efetivo, onde a CIJ concluiu que a Sérvia não tinha controle efetivo sobre as ações dos perpetradores do
massacre, apesar das graves violações ocorridas.
responsabilidade em cenários em que um Estado influencia ou coopera com outro na
prática de ações ilícitas.

O artigo 16 estipula que um Estado que auxilia ou assiste outro Estado na prática de um
ato internacionalmente ilícito é responsável por prestar esse auxílio ou assistência, desde
que conheça as circunstâncias do ato e o ato seria ilícito se cometido por aquele
Estado que recebeu a assistência. Isso implica que o Estado que contribuiu para o ato
ilícito também pode ser considerado responsável.

O artigo 17 trata da situação em que um Estado dirige e controla outro Estado na


prática de um ato internacionalmente ilícito. Nesse caso, o Estado que dirige e controla é
responsável pelo ato, desde que tenha conhecimento das circunstâncias do ato e o ato
seria ilícito se cometido pelo Estado que dirige e controla. Isso implica que a influência
direta e o controle exercidos por um Estado sobre outro podem levar à responsabilidade
internacional.

O artigo 18 aborda a responsabilidade de um Estado que coage outro Estado a cometer


um ato ilícito. Nesse cenário, o Estado coator é responsável se ele tiver conhecimento das
circunstâncias do ato e se o ato constitui uma ilicitude mesmo na ausência da coação.

4.10. Consequências da responsabilidade internacional e formas de


reparação

As consequências da responsabilidade internacional estatal por atos ilícitos estão


delineadas nos artigos 30 a 37, destacando a cessação ou não repetição, a obrigação de
reparação e as formas de reparação disponíveis para os Estados responsáveis.

4.10.1. Cessação ou não-repetição

Consoante o art. 30, o Estado responsável por um ato ilícito tem a obrigação de cessar
esse ato e fornecer garantias de não repetição, caso as circunstâncias assim o exijam.
Isso visa interromper a continuação de violações e prevenir futuras transgressões,
fortalecendo a observância das obrigações internacionais.
4.10.2. Reparação

O artigo 31 trata da reparação. O Estado responsável é obrigado a reparar integralmente


o prejuízo causado pelo ato ilícito. Isso inclui qualquer dano material ou moral decorrente
do ato, e a reparação pode ocorrer por meio de restituição, indenização ou satisfação,
individualmente ou combinadas, conforme detalhado nos artigos 34 a 37.

O Estado responsável deve restabelecer a situação que existia antes do ato ilícito,
desde que isso não seja materialmente impossível ou desproporcionalmente oneroso em
relação ao benefício da restituição em comparação com a indenização. A restituição,
conforme o artigo 35, é considerada a forma mais adequada de reparação.

Por sua vez, o artigo 36 detalha a indenização. Se a restituição não for viável ou
suficiente, o Estado responsável deve indenizar o dano causado pelo ato ilícito. Isso
inclui danos financeiramente mensuráveis, como lucros cessantes, desde que não sejam
reparados pela restituição.

Por fim, o artigo 37 traz a possibilidade da satisfação, aplicada quando a restituição ou a


indenização não forem adequadas. Nesses casos, o Estado responsável deve dar
satisfação pelo prejuízo causado, o que pode incluir o reconhecimento da violação,
expressão de arrependimento, desculpas formais ou outras formas apropriadas. No
entanto, a satisfação não deve ser desproporcional ao prejuízo e não pode ser
humilhante.

4.11. Violações Graves de Obrigações Decorrentes de Jus Cogens

Os artigos 40 e 41 abordam a responsabilidade relacionada a violações graves de


obrigações provenientes de normas imperativas do Direito Internacional geral. O Artigo 40
estabelece a aplicabilidade às situações em que um Estado comete uma violação grave
de uma obrigação decorrente de uma norma imperativa. Uma violação é considerada
grave quando implica em descumprimento flagrante ou sistemático da obrigação pelo
Estado responsável. O Artigo 41 ressalta a obrigação dos Estados de cooperar para
cessar legalmente qualquer violação grave conforme definido no Artigo 40. Nenhum
Estado reconhecerá como lícita uma situação criada por uma violação de jus cogens, nem
oferecerá auxílio ou assistência para a manutenção dessa situação. Estas disposições
visam à promoção da cooperação entre Estados para conter e resolver violações graves
de obrigações fundamentais do Direito Internacional, assegurando que tais transgressões
não sejam legitimadas ou sustentadas através do reconhecimento ou assistência estatal.

4.12. Implementação da Responsabilidade Internacional e Invocação da


Responsabilidade

A implementação da responsabilidade internacional de um Estado violador abrange quem


pode invocá-la e quais medidas podem ser tomadas para garantir o cumprimento do
direito internacional.

"Invocar" a responsabilidade de um Estado significa tomar medidas relativamente formais


para assegurar que o infrator assuma as consequências do ato ilícito. Isso implica a
interrupção da conduta ilícita e a reparação completa do dano. A invocação pode ocorrer
descentralizadamente ou através de vias jurisdicionais, como recorrer a tribunais
internacionais ou instâncias arbitrais. Para fazê-lo, o Estado que invoca a
responsabilidade deve ter um interesse jurídico na questão. Isso não se limita a meros
protestos ou reservas de direitos, mas envolve um procedimento relativamente formal,
mesmo quando descentralizado.

O Artigo 42 estabelece que um Estado lesado tem o direito de invocar a


responsabilidade de outro Estado. Além disso, o Artigo 48 permite que qualquer Estado,
além do lesado, invoque a responsabilidade de outro Estado se a obrigação violada existir
em relação a um grupo de Estados, incluindo aquele Estado, para proteger um
interesse coletivo do grupo (obrigações erga omnes partes) ou se a obrigação violada
existir em relação à comunidade internacional como um todo (obrigações erga omnes).
Um Estado que possa invocar a responsabilidade de acordo com o parágrafo 1º pode
solicitar ao Estado responsável a cessação do ato ilícito, garantias de não repetição,
conforme o Artigo 30, e o cumprimento da obrigação de reparação de acordo com os
artigos anteriores, em interesse do Estado lesado. Isso ocorre porque um Estado não
pode ser indenizado por um dano que não tenha sofrido.

4.13. Medidas de Força e Implementação da Responsabilidade


Internacional

Após a Segunda Guerra Mundial o mundo observou o avanço do processo de


jurisdicionalização do direito internacional, com a proliferação de Cortes Internacionais
visando a implementação do DIP e a garantia da responsabilidade internacional em caso
de violação do mesmo. As cortes internacionais, como a Corte Internacional de Justiça
(CIJ) e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, desempenham um papel crucial na
implementação da responsabilidade internacional dos Estados e indivíduos.

A CIJ, por exemplo, é o principal órgão judicial das Nações Unidas e lida com disputas
entre Estados. Como um fórum neutro e legal para a resolução de disputas, ela interpreta
tratados e regras de direito internacional e emite decisões obrigatórias. Quando um
Estado alega que outro violou suas obrigações internacionais, pode levar o caso à CIJ.
Esta Corte tem a autoridade para determinar se houve uma violação e, se for o caso,
invocar a Responsabilidade Internacional do Estado infrator e impor medidas corretivas ou
reparatórias.

Além das cortes internacionais, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)
também desempenha um papel fundamental na implementação da responsabilidade
internacional, em especial quando os demais meios de solução de controvérsias se
provam insuficientes. O CSNU tem a autoridade de tomar medidas coercitivas, como
sanções econômicas ou o uso da força, para fazer cumprir as decisões da CIJ ou para
responder a ameaças à paz e à segurança internacionais. Quando um Estado viola suas
obrigações internacionais de uma forma que coloca em perigo a paz e a segurança
internacionais, e falha em cumprir com sua responsabilidade em termos estritamente
pacíficos, o CSNU pode agir para garantir a responsabilização desse Estado.
Caso o Estado violador não cumpra com suas obrigações após a responsabilidade ser
invocada, diversas medidas podem ser tomadas para assegurar a conformidade com o
direito internacional, com diferentes lógicas e características.

4.13.1. Retorsões

As retorsões são ações legalmente permitidas que visam fazer com que o Estado
violador cumpra suas obrigações internacionais, podendo ser adotadas em qualquer
momento. Exemplos de retorsões incluem a ruptura de relações diplomáticas, suspensão
de cooperação econômica, embargos, e outras medidas não ilícitas.

4.13.2. Contramedidas

As contramedidas, por outro lado, geralmente são ilícitas e de caráter punitivo, sendo
permitidas apenas para forçar um Estado a cumprir suas obrigações. O Artigo 49 define
as regras para as contramedidas, que são temporárias e instrumentalmente
orientadas. Elas devem ser tomadas de maneira reversível, permitindo a retomada das
obrigações em questão, e são limitadas ao não cumprimento temporal de obrigações
internacionais.

As contramedidas não podem afetar certas obrigações fundamentais, como a


proibição da ameaça ou uso de força sob a Carta da ONU, obrigações de proteção dos
direitos humanos, e obrigações humanitárias proibindo represálias. Além disso,
contramedidas não eximem o Estado de cumprir suas obrigações de acordo com
procedimentos de solução de controvérsias e respeitar a inviolabilidade de agentes
diplomáticos e consulares.

As contramedidas devem ser proporcionais ao prejuízo sofrido, considerando a


gravidade do ato internacionalmente ilícito e os direitos envolvidos, como estipulado no
Artigo 51. Antes de adotar contramedidas, um Estado lesado deve solicitar ao Estado
responsável o cumprimento das obrigações, notificando sua decisão de recorrer às
contramedidas e oferecendo negociação. Em casos urgentes, contramedidas podem ser
tomadas para preservar direitos. No entanto, elas devem ser suspensas se a violação
cessar ou se a disputa estiver pendente perante um tribunal com autoridade para
decisões vinculativas.

As contramedidas devem ser encerradas assim que o Estado responsável cumpra suas
obrigações relacionadas ao ato internacionalmente ilícito, conforme previsto no Artigo 53.
Isso enfatiza o caráter instrumental e orientado para a resolução de conflitos das
contramedidas, buscando restaurar o cumprimento das obrigações internacionais.

Em resumo, a responsabilidade internacional é um tema complexo e multifacetado no


âmbito das relações entre Estados e organizações internacionais. A evolução das
normas, os critérios de atribuição e os mecanismos de implementação e reparação
demonstram a busca por um equilíbrio entre a promoção do cumprimento das obrigações
internacionais e a prevenção do abuso de contramedidas. A responsabilidade
internacional transcende os Estados individualmente, envolvendo uma complexa teia de
obrigações, interesses e desafios que moldam a interação no cenário global. Nesse
cenário, o trabalho da Comissão de Direito Internacional da ONU se mostra vital para
garantir maior previsibilidade e simetria nas soluções de controvérsias internacionais.
Bibliografia

Document prepared by the Communications Service of the International Criminal Tribunal


for the former Yugoslavia. Disponível em:
<https://www.icty.org/x/cases/tadic/cis/en/cis_tadic_en.pdf>.

Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, with


commentaries. Disponível em:
<https://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/commentaries/9_6_2001.pdf>.

ERITS, M. Case concerning military and paramilitary activities in and against Nicaragua.
Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf>.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MELLO, Celso D. de Albuquerque Mello. Curso de Direito Internacional Público Volume


1. 12.ª ed. São Paulo: Renovar, 2000.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 10.ª ed.
Salvador: Jus Podivm, 2018.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 15.ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.

SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao direito internacional público.


3.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

Reports of judgments, advisory opinions and orders case concerning application of the
convention on the prevention and punishment of the crime of genocide. Disponível em:
<https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/91/091-20070226-JUD-01-00-EN.pdf
>.

Você também pode gostar