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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Terceira Câmara Cível

Apelação Cível nº 0029686-65.2015.8.19.0209

Apelante: Silvana Valverde da Costa Gomes


Apelado: Condomínio do Edifício Renascence Park

Relator: Desembargador Mario Assis Gonçalves

ACÓRDÃO
Apelação. Cobrança de cotas condominiais em conjunto
com multa por violação ao regimento interno.
Descabimento no caso concreto. Cerceamento de
defesa.
Não obstante o apelado tenha optado por ajuizar ação de
cobrança de cotas condominiais, baseada nos artigos 12 da
Lei 4.591/64 e 1.315 do Código Civil, possível concluir que
pretende, na realidade, cobrança de multas administrativas
impostas por suposta violação ao da Convenção e do
Regimento Interno do Condomínio. Tal informação, trazida
pela ré na contestação e comprovada pelo documento de
fls. 40, não foi refutada pelo autor que se limitou a afirmar o
cabimento da cobrança. Cinge-se a controvérsia, portanto,
a definir se é cabível a cobrança de multa da forma
realizada no caso concreto. Com efeito, deve-se considerar
a natureza distinta das verbas de que se trata: uma é a
própria cota condominial, destinada à manutenção diária do
edificado, a outra possui caráter punitivo pelo
descumprimento de norma do condomínio, prevista na
Convenção e no Regimento Interno. Inegável a possibilidade
de imputação de multa ao condômino se este viola os
preceitos aos quais está submetido. O cabimento da
aplicação de penalidade está expressamente prevista na Lei
4.591/64 e no Código Civil (art. 1.337). Não se pode permitir,
entretanto, que esta seja cobrada sem possibilitar o
exercício adequado do direito de defesa. Desta forma,
caberá ao condomínio efetuar cobrança autônoma, sendo
descabida a inclusão da penalidade como obrigação
acessória das despesas normais sujeitas a rateio. No caso
concreto tal cobrança aconteceu de forma genérica - como
se fosse quota condominial - sequer tendo sido indicadas as
infrações supostamente cometidas ou o regulamento
violado. Tal fato implica em nítido cerceamento de defesa,
pois impede o condômino de refutar a conduta praticada e a
própria legitimidade da cobrança que deve estar embasada
na convenção ou no regimento interno. Precedentes. Assim,
sendo descabida a cobrança conjunta da cota condominial,
obrigação propter rem, com a multa, de natureza pessoal,
sem possibilitar ao condômino o exercício pleno do direito
de ampla defesa, deve ser reforma a sentença para julgar
improcedente a pretensão inicial. Recurso provido.

Secretaria da Terceira Câmara Cível


Rua Dom Manuel, 37, 5º andar – Sala 512 – Lâmina III
Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-090
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Assinado de 623/10/2019 18:38:28
MARIO ASSIS GONCALVES:7650 Local: GAB. DES MARIO ASSIS GONCALVES
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Apelação Cível nº 0029686-65.2015.8.19.0209

ACORDAM os desembargadores que compõem a Terceira Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em
dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

VOTO

Cuida-se de apelação interposta contra sentença que, nos autos de


ação de cobrança de condomínio, julgou procedentes os pedidos para condenar a
ré ao pagamento da obrigação condominial em debate, no valor total de 1.775,16
(mil, setecentos e setenta e cinco reais e dezesseis centavos), acrescido de juros
de mora de 1% ao mês, correção monetária com base no IGP-M e multa
moratória de 2% desde a data do débito. Condenou-a, ainda, ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixou em 10% sobre o
valor da condenação. Quanto ao pedido contraposto, julgou extinto, sem
resolução do mérito, na forma do art. 485, IV do Código de Processo Civil, ante a
ausência de recolhimento de custas e pedido de justiça gratuita.
Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de regularidade,
admite-se o recurso.
Afirma a apelante, preliminarmente, nulidade da sentença, uma vez
que fundamentada na legitimidade do condomínio para cobrança do débito,
embora sua legitimidade ativa não tenha sido objeto de impugnação.
Não lhe assiste razão.
De uma superficial análise da sentença conclui-se que a
“legitimidade da cobrança” ali indicada não guarda relação com a legitimidade
ativa ou passiva para demanda e sim com a conclusão do juízo no sentido do
cabimento da cobrança da multa da forma realizada pelo condomínio, inexistindo
a nulidade apontada.
No mérito propriamente dito, repisa a apelante as razões defendidas
na contestação, em especial a quitação dos valores pertinentes às cotas
condominiais e descabimento de cobrança de multas administrativas em conjunto
com tais cotas. Refuta, ainda, a informação de que a legitimidade da cobrança de
tais multas foi reconhecida por decisão judicial (processo nº 0000934-
49.2016.8.19.0209), pois tal decisão não guarda qualquer relação com a matéria
discutida nos autos.
Não obstante o apelado tenha optado por ajuizar ação de cobrança
de cotas condominiais, baseada nos artigos 12 da Lei 4.591/64 e 1.315 do CC,
possível concluir que pretende, na realidade, cobrança de multas administrativas
impostas por suposta violação ao da Convenção e do Regimento Interno do
Condomínio. Tal informação, trazida pela ré na contestação e comprovada pelo
documento de fls. 40, não foi refutada pelo autor que se limitou a afirmar o
cabimento da cobrança.
Cinge-se a controvérsia, portanto, a definir se é cabível a cobrança
de multa da forma realizada no caso concreto.
Com efeito, deve-se considerar a natureza distinta das verbas de
que se trata: uma é a própria cota condominial, destinada à manutenção diária do
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edificado, a outra possui caráter punitivo pelo descumprimento de norma do


condomínio, prevista na Convenção e no Regimento Interno.
Inegável a possibilidade de imputação de multa ao condômino se
este viola os preceitos aos quais está submetido. O cabimento da aplicação de
penalidade está expressamente prevista na Lei 4.591/64 e no Código Civil (art.
1.337), in verbis:

Art. 21. A violação de qualquer dos deveres


estipulados na Convenção sujeitará o infrator à multa
fixada na própria Convenção ou no Regimento Interno,
sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal que,
no caso, couber.

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não


cumpre reiteradamente com os seus deveres perante
o condomínio poderá, por deliberação de três quartos
dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar
multa correspondente até ao quíntuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, conforme a gravidade das faltas e a
reiteração, independentemente das perdas e danos
que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por
seu reiterado comportamento anti-social, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais
condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido
a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas
condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Não se pode permitir, entretanto, que esta seja cobrada sem


possibilitar o exercício adequado do direito de defesa. Desta forma, caberá ao
condomínio efetuar cobrança autônoma, sendo descabida a inclusão da
penalidade como obrigação acessória das despesas normais sujeitas a rateio.
No caso concreto tal cobrança aconteceu de forma genérica - como
se fosse quota condominial - sequer tendo sido indicadas as infrações
supostamente cometidas ou o regulamento violado. Tal fato implica em nítido
cerceamento de defesa, pois impede o condômino de refutar a conduta praticada
e a própria legitimidade da cobrança que deve estar embasada na convenção ou
no regimento interno.
Entendendo pelo descabimento da cobrança conjunta em casos
análogos, precedentes deste Tribunal de Justiça:

CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. COTAS


CONDOMINIAIS. Ação de consignação em pagamento, em
que pretende a autora efetuar o depósito de cotas
condominiais em atraso, com exclusão de multa pecuniária,
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que reputa indevida, aplicada por suposta infração ao


regulamento interno do condomínio. Inclusão de multa por
infração juntamente com a cobrança mensal de cota
condominial. Obrigações de natureza distintas. Recusa
de recebimento indevida. A atitude do condomínio-réu, no
sentido de condicionar o recebimento da taxa condominial
ao pagamento de multa administrativa faz surgir a
denominada mora creditoris, fato este que autoriza o
ajuizamento de ação de consignação em pagamento por
parte do condômino. Depósitos judiciais incontroversos, eis
que não impugnados pelo condomínio-réu. Procedência do
pedido que se impõe. Sentença reformada. Provimento do
recurso. (Apelação Cível nº 0034505-63.2015.8.19.0203 –
Rel. Des(a). MARIA INÊS DA PENHA GASPAR -
Julgamento: 02/08/2017 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL).
Grifei.

E mais:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE


DE MULTA C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
MULTA APLICADA PELO CONDOMÍNIO POR USO
INDEVIDO DE VAGA DE GARAGEM. COBRANÇA DA
COTA MENSAL JUNTAMENTE COM A MULTA. Sentença
que não se monstra citra petita, restando clara a
improcedência de ambos os pedidos autorais. Revelia
arguida pelo autor quando de sua réplica, bem como de
ausência de impugnação específica dos fatos alegados na
inicial não foram alvo de recurso cabível, restando preclusa
a oportunidade de fazê-lo. Questões que não são
impedimento para que o juiz venha a prolatar sentença com
base nas provas carreadas aos autos. Legalidade da
cobrança da multa. Incontroverso que autor não possui
documento de propriedade da vaga. Convenção do
Condomínio onde consta que a utilização das vagas de
garagem será feita por seus proprietários (parágrafo 3º da
cláusula 2ª). Aplicação de multa prevista no Regulamento
Interno, art. 4º, alíneas n, o, e multa de 20% sobre a cota de
condomínio, conforme disposto na alínea p. AGE de
07/12/2011 apenas apresentou o problema referente à
utilização indevida de vagas de garagem, decidindo pela
obrigatoriedade dos condôminos de apresentarem
documento de propriedade das mesmas, enquanto que a
AGE de 28/04/2014 culminou por aplicar a multa prevista na
convenção/regulamento em razão de não ter sido
regularizada a situação do condômino. Ciência inequívoca
do autor, que não atendeu às solicitações do condomínio.
Desnecessidade de modificação da Convenção ou do
Regulamento Interno. Suposta utilização de vaga por outros
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condôminos que não possuem documento de propriedade


não comprovada. Ademais, tal fato não dá o direito ao
apelante de agir da mesma forma. Inclusão indevida da
multa por infração juntamente com a cobrança mensal
de condomínio. Lei 4.591/64, art. 12 e parágrafo 2º, e art.
21 e parágrafo único. As multas, por sua natureza
punitiva, se não satisfeitas espontaneamente, deverão
ser alvo de cobrança judicial, cuja iniciativa compete ao
síndico, não podendo ser exigida como acessória das
despesas normais sujeitas a rateio pelos condôminos. A
recusa do condomínio em receber o valor referente às
despesas ordinárias mensais, com fundamento na
pendência de multa administrativa aplicada em desfavor do
condômino, é ilegítima, razão pela qual possível é
consignar-se apenas o valor da taxa condominial
incontroversa, porque desvinculada da penalidade
pecuniária controvertida. Precedentes. Depósitos judiciais
efetuados dentro do prazo previsto no art. 892 do CPC e no
valor atribuído pelo condomínio à despesa mensal. Ônus
sucumbenciais divididos entre as partes, uma vez que o
autor decaiu em metade de seu pedido. DADO PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO, reformando parcialmente a
sentença para JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO
CONSIGNATÓRIA, com custas rateadas e honorários
compensados. (Apelação Cível nº 0222223-
67.2014.8.19.0001 – Rel. Des(a). MÁRCIA CUNHA SILVA
ARAÚJO DE CARVALHO - Julgamento: 29/03/2016 -
VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL). Grifei.

E ainda mais:

Apelação Cível. Ação de consignação em pagamento.


Pretensão que se cinge à declaração da extinção, pelo
depósito, da obrigação relativa ao pagamento das cotas
condominiais. Cotas cobradas juntamente com multa por
infração à convenção condominial, em boleto único.
Condomínio que não questiona o valor depositado a título de
cota condominial, contudo, impugna a pretensão
consignatória ao argumento da impossibilidade de cobrança
das multas de forma apartada das cotas condominiais. Tese
que não merece acolhimento, pois se tratam de
obrigações com natureza distintas, sendo a cota
condominial verba de natureza propter rem, destinada
ao pagamento das despesas ordinárias do condomínio,
ao passo que a multa tem caráter pessoal e punitivo.
Inexiste julgamento extra petita no caso, tendo em vista que
a sentença se limitou a reconhecer extinta a obrigação com
relação as verbas postuladas na inicial, mostrando-se,
portanto, em perfeita conformação com o pedido. Recurso
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Apelação Cível nº 0029686-65.2015.8.19.0209

ao qual se nega seguimento. (Apelação Cível nº 1058785-


44.2011.8.19.0002 – Rel. Des(a). HELENO RIBEIRO
PEREIRA NUNES - Julgamento: 12/11/2015 - QUINTA
CÂMARA CÍVEL). Grifei.

Assim, sendo descabida a cobrança conjunta da cota condominial,


obrigação propter rem, com a multa, de natureza pessoal, sem possibilitar ao
condômino o exercício pleno do direito de ampla defesa, deve ser reforma a
sentença para julgar improcedente a pretensão inicial.
Por tais fundamentos, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-
lhe provimento para julgar improcedente a pretensão de cobrança, com inversão
dos ônus sucumbenciais.
Majoro os honorários de advogado em 2%, com fulcro no art. 85, §
11 do Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2019.

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