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TERCEIRA AULA
Drs. Nicolaas Gosse Vale

ACIDENTES CEREBROVASCULARES (AVC)

INTRODUÇÃO

Podemos sistematizar o AVC na base da causa patológica-anatómica ou


na base do desenvolvimento do quadro clínico. Ambas as abordagens são
importantes para o nosso trabalho no futuro.

Causas patológicas

A)Hemorragias - frequência estimada em 20% dos acidentes vasculares,


conforme indica Cranenburgh (1987):

Hemorragia cerebral
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Intracerebral

A forma mais conhecida é a apoplexia: uma hemorragia nos gânglios


basais (grupo de núcleos no cérebro interconectados com o córtex cerebral,
tálamo e tronco cerebral, associados a diversas funções, como controle
motor, cognição, emoções e aprendizado) e na cápsula interna (importante
conjunto de fibras de projeção do telencéfalo contém a maioria das fibras que
entram ou saem do córtex cerebral). Estas hemorragias têm um prognóstico
ruim: a maior parte apresenta um desenvolvimento letal (especificamente as
hemorragias no tronco cerebral).

Extracerebral

É classificada como hemorragia extracerebral a que ocorre dentro do


crânio, porém fora do cérebro. Cita-se como exemplo a hemorragia aracnoideal
(aracnóide é uma meninge situada entre a dura-mater e a pia-mater) resultam
de 20 a 50% de resultado letal, com hemotomas subdurais e epidurais em
consequência de traumas craniais. Os hematomas intracranianos associam-se
a um traumatismo que se forma no revestimento externo do cérebro
(hematoma subdural) ou entre o revestimento externo e o crânio (hematoma
epidural).
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B) Estenoses
O estreitamento de uma estrutura tubular, ex. Estenose lombar e
fechamento total dos vasos sanguíneos, o que causa a estenose aórtica
identificada na ilustração abaixo:

Estenose aórtica

Isquemia (redução localizada do fluxo sanguíneo ao cérebro, ou partes dele,


devido a obstrução arterial ou hiperfusão sistemática)

Enfartamento do cérebro
A oclusão de uma veia resulta em congestão e posterior edema; esse
edema causa compressão da região, atinge muito mais vasos venosos, o que
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resulta em círculo vicioso, até o ponto em que o sangue arterial consegue


entrar na área, mas não consegue. Isso ocorre devido à resistência vascular
periférica aumentada, o que faz com que o sangue chegue cada vez mais
lentamente.

Edema cerebral

Formas de enfartamento

a) Trombose cerebral – Ocorre quando se forma um coágulo de sangue que


entope uma das artérias que irrigam o cérebro. Em geral é causado por
arteriosclerose (espessamento e endurecimento da parede arterial).
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b) Embolia cerebral ou bloqueio cerebrovascular: ocorre quando o fluxo de


sangue que irriga uma área de células do cérebro é bloqueado. Em geral é
proveniente do coração ou do A.Carotis.

c) Causas diversas como a trombose venosa, compressão mecânica (tumor),


aneurisma, etc.

“Aneurisma aorta”

A anamnese e o quadro clínico determinam a qualidade dos efeitos


traumatizantes da hemorragia.

O QUADRO CLÍNICO FAZ A SEGUINTE DISTINÇÃO:

1. Ataque isquêmico temporário (AIT) = uma forma de acidente vascular


cerebral de baixas repercussões clínicas, geralmente reversível dentro
de 24 h;

2. Déficit neurológico isquêmico reversível = AIT, reversível depois de


um tempo mais longo (semana, mês, etc);
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3. Acidente vascular cerebral progressivo (AVC) = os sintomas


neurológicos aumentam progressivamente levando ao falecimento
(causas  hemorragias e infartos extensos);

4. Acidente vascular cerebral estabelecido (AVC) = depois do acidente


os sintomas se estabeleceram (causas  estenoses, oclusões,
hemorragias locais). Em geral, há uma recuperação pelo menos
parcial e gradativa.

O desenvolvimento do quadro clínico em geral não apresenta


uniformidade. Os pacientes apresentam diferenças quanto à natureza, ao
local e à intensidade dos sintomas neurológicos. A distribuição das artérias
nas zonas anterior, mediana e posterior faz com que a irrigação não atinja
apenas as estruturas corticais, mas também as subcorticais o que dificulta o
exame neuropsicológico das funções cognitivas (KOLB, 1990, p. 131).

Em termos de reabilitação, Goldstein (1942) distingue sintomas


neuropsicológicos diretos (a perda diretamente ligada com o sistema ou
subsistema funcional no cérebro) dos sintomas indiretos (o esforço do
paciente para compensar estas falhas em forma de tentativas prematuras
para recuperar sua habilidade, o que possa explicar o surgimento de um
comportamento impulsivo). Esta distinção é importante para a abordagem
holística da reabilitação cognitiva.

Cranenburgh (1987, p.19) assinala as seguintes fases no quadro clínico:

 A fase aguda (nos primeiros dias ou semana) o estado de


“choque”: a fase hipotônica (diminuição ou redução da tonicidade
muscular);
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 Na fase posterior  a volta da atividade reflexiva (“release”): o


estado espasmódico;

 Hemorragias não se limitam a regiões específicas; elas criam um


caminho próprio, soltam tecidos cerebrais e formam hematomas
(tumores formados de sangue extravasado) que causam pressão ou
irrompem os ventrículos (geralmente com efeito letal);

 Por causa dos processos de anastomose (rede de canais que se


bifurcam e recombinam em vários pontos, tais como os vasos
sanguíneos)... surgem também as diferenças individuais: uma
comunicação diretamente entre si ou por meio de canais de ligação
dos vasos sanguíneos e linfáticos , assim como também dos nervos
e esta junção, por meio de uma anastomose nos ramos menores,
atinge outras áreas mais afastadas e anatomicamente diferentes.
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A GEOGRAFIA DO COMPORTAMENTO
NAS ÁREAS DAS AORTAS

 O infarto na área da A.Cerebri média: frequência de aproximadamente


75%. Devido à somatopia do córtex motor há quase sempre uma
hemiparesia no braço e no rosto que se caracteriza por uma fase
hipotônica e depois uma fase de espasmos de flexão no braço e de
extensão na perna. No caso de o enfarto se estender mais para trás
podem surgir distúrbios de sensibilidade (hemianestesia), mas também
distúrbios cognitivos parietais (desorientação de espaço, agnosias táteis,
apraxia, contralateral neglect, acalculia, problemas de memória de curta
duração (KOLB,1990).

 O infarto na área da A. Cerebri anterior: a área de irrigação se


encontra mais medial e para frente: a hemiparesia se concentra mais na
perna e na fase aguda há distúrbios motores no braço. Podem surgir
problemas comportamentais cognitivos ligados ao lobo frontal (confira
primeira aula).

 O infarto na área da A. Cerebri posterior: o bloqueio acontece muitas


vezes na passagem da Aorta Basilaris para ambas as aortas posteriores
do cérebro (STEDMAN, 1979). Os efeitos são: hemianopsia bilateral
sem perda da visão central. Em geral surgem distúrbios de memória de
curta duração e a síndrome de Korsakoff , definida como distúrbio
degenerativo do cérebro causado pela falta de tiamina (vitamina B1) no
cérebro. A síndrome recebeu o nome em homenagem ao
neuropsiquiatra Sergei Korsakoff, que popularizou a teoria. Existem
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sintomas principais da Síndrome em questão: amnésia retrógrada e


anterógrada ou perda severa de memória; confabulação; apatia.

 Síndrome vascular do tronco cerebral: a frequência é considerada


alta (Cranenburgh, 1987, p. 20). O bloqueio da A.Basilaris causa uma
área de enfartamento no tronco cerebral tendo como efeito uma
tetraparesia, inclusive uma paresia bulbar (disfagia, dismasesia e
disartria = problemas de deglutição, do ato de mastigar e de fala).
o Se o infarto acontece na parte superior do tronco (mesencéfalo)
surgem distúrbios de consciência, e espasmos de extensão de
todos os membros do corpo
o Pequenos infartos laterais podem causar um quadro raro, a
“hemiplegia alternans” ou hemianalgesia alternans”: distúrbios
motores (hemiplegia) ou sensórios (hemianalgesia) no lado
contralateral do corpo e no lado homolateral do rosto.
o Uma lesão na parte inferior do tronco cerebral pode causar a
síndrome de “locked-in”: a separação completa entre o cérebro e
a medula espinhal causando uma paralisia completa, porém com
o grau de consciência normal: o paciente consegue entender, ver,
compreender, mas não consegue se movimentar ou falar. Mesmo
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assim, é possível ele fechar e abrir os olhos (SWAAB, 2010, p.


194).

 Hemiplegia capsular: em consequência do AVC (apoplexia) o paciente


entra no estado de inconsciência. Após a volta ao estado de
consciência, ele apresenta uma hemiplegia no braço e na perna numa
mesma intensidade. Em seguida começa a fase espasmódica.

Algumas estruturas são essenciais para o estado de consciência: o


funcionamento do tronco cerebral, do tálamo e a ligação entre estes dois
elementos. Se o córtex cerebral ou as ligações para o córtex estão lesados
não há mais nenhum grau de consciência apesar do funcionamento normal
do tronco cerebral (respiração, pressão sanguínea, temperatura), o que
resulta em estado de coma vegetativo (SWAAB, 2010, p.198).
O tronco cerebral é essencial para a nossa consciência, mas – em
termos funcionais -, não é suficiente para o paciente se conscientizar dos
estímulos provenientes do seu corpo que entram via o tálamo no córtex.

PONTOS DE ATENÇÃO AO VISITAR O PACIENTE


COM AVC NO HOSPITAL

a) O seu paciente está em estado de coma. Veja a pesquisa a respeito da


seriedade do estado comatoso (“o nível de gravidade do TCE “ - segunda
aula).

b) Na fase seguinte, quando houver estabelecimento da situação (“ Acidente


vascular cerebral estabelecido (AVC)” você poderá distinguir dois quadros
diferentes bem distintos: uma hemiplegia direita ou uma hemiplegia esquerda.
Cada quadro mostra um comportamento específico e requer uma abordagem
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terapêutica diferenciada. Descrevemos abaixo, os dois quadros na sua


apresentação dos sintomas mais freqüentes.

A HEMIPLEGIA DO LADO DIREITO


(LESÃO NO HEMISFÉRIO ESQUERDO)

A) Disfunções corticais superiores

 Afasia: O paciente entende em geral a melodia e entoação da lingua


junto com a mímica e gesticulação. O distúrbio linguistico se refere
principalmente à parte cognitiva verbal seja na expressão seja na
compreensão da linguagem. Há compreensão para a expressão
emocional o que pode causar confusão no examinador se realmente há
uma afasia. (recomenda-se perguntar ao paciente se o tempo está bom,
muito sol, etc. enquanto na realidade está chuvendo o dia inteiro, e o
paciente afirma a sua pergunta, então há um sinal bem claro de que ele
apenas reage à melodia da frase e não ao conteúdo). No caso de
demência (memória) e na presença de distúrbios de consciência deve-
se observar o paciente, pois a fala rápida e muito confusa pode remeter
a delírio, alucinação ou a uma afasia sensorial (Wernicke).
 Excluímos disartria, distúrbios psiquiátricos e medicamentos como
causa do mesmo fenômeno. Em geral o paciente dispõe normalmente
das suas funções intelectuais apesar da impressão de pouca
colaboração, da sua lentidão e da sua cautela de mostrar sua
inabilidade.
 AGRAFIA, ALEXIA, ACALCULIA, DESORIENTAÇÃO E/D, SÍNDROME
DE GERSTMANN, apraxia motora, agnosia digital, agnosia tatil, agnosia
visual, agnosia acústica.
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B) Disfunções primárias: hemianopsia, distúrbios sensoriais, hipotonia


muscular e desenvolvimento de atrofia, extinção tatil (área da
fisioterapia.)

C) Comportamento: paciente se sente bloqueiado e incapaz, não é muito


cooperativo mas não é demente. Recomenda-se na abordagem do
psicólogo  frases curtas, comunicação não-verbal (mímica,
entoação,gesticulação).

A HEMIPLEGIA DO LADO ESQUERDO


(LESÃO NO HEMISFÉRIO DIREITO)

A) Disfunções corticais superiores: as principais características da lesão


do Hemisfério Esquerdo são distúrbios na percepção da presença e das
proporções do próprio corpo; distúrbios de orientação espacial e
problemas de atenção. O paciente, em geral sofre de Neglect nas
formas de anoso-agnosia e apresenta dificuldades para perceber
conscientemente seus déficits. Uma das manifestações mais
frequentes de anosognosia é a falta de percepção pelo paciente da
sua hemiplegia (geralmente esquerda), a qual foi descrita por Pick
(1898), somato-agnosia (partes do próprio corpo desaparecem da
área da nossa percepção consciente) e anosodiaforia indiferença do
doente em relação a sua hemiplegia.

Lesões específicas do hemisfério direito: distúrbios na intonação e na


melodia da frase (podemos falar de uma afasia expressiva e receptiva non-
verbal), agnosia acustica e amusia, agnosia visual, apraxia construtiva
(problemas de espaço) prosopagnosia e agnosia tatil.
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B) Disfunções primárias: hemianopsia ao lado esquerdo , hemianestesia


do lado esquerdo., sintomatologia parietal (paresia hipotonica com
atrofia).

Comportamento: o paciente, em geral, é impulsivo e rápido, não tem afasia


mas perde-se facilmente onde está, sente dificuldade de entender mímica e
gesticulação, mas entende a linguagem.

Referências bibliográficas

CRANENBURGH,B. Inleiding in de Toegepaste Neurowetenschappen. Deel


2.Gent: De Tijdstroom, 1987.

GOLDSTEIN, K. Aftereffects o Brain Injury in War. New York: Grune and


Stratton, 1942.

KOLB, B; WHISHAW,I.Q. Human Neuropsychology. 3ª ed. New York: W.H.


Freeman and Company, 1990.

STEDMAN. Dicionário Médico Ilustrado. Vol.1. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan, 1979.

SWAAB, D. Wij zijn nos Brein. Amsterdam. Ed. Contact, 2010.

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