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Introdução

Definição
A pneumonia é a infecção aguda do pulmão, que geralmente produz febre, tosse
e dificuldade respiratória, com evidência radiográfica de infiltrado pulmonar
agudo. Considera-se adquirida na comunidade se a criança não tiver estado
internada nos 7 dias precedentes ao início do quadro.

Epidemiologia
A pneumonia adquirida na comunidade é uma causa importante de morbilidade
e mortalidade em crianças pequenas, principalmente em grupos de risco: idade
precoce, malnutrição, ambiente socio-económico desfavorecido, exposição a
tabaco ou poluição industrial, doença crónica prévia, entre outros. Os agentes
mais frequentes são vírus, bactérias como o Streptococcus
pneumoniae, Staphylococcus aureus e Haemophilus influenza e Mycoplasma
pneumoniae. O pico de incidência é no Inverno ou início da Primavera, em
relação com as epidemias de gripe. A existência de vacinas específicas contra
o Pneumococo e H. influenzae modificou a epidemiologia da pneumonia. No
período neonatal, são mais frequentes as pneumonias por Strepto B, Gram - ou
S aureus. No lactente os agentes virais (Gripe, Vírus Sincicial Respiratório,
Parainfluenza, Adenovírus, entre outros), bactérias (S pneumoniae, H
influenza, A aureus, anaeróbios). Na idade escolar e adolescência, além destes,
surgem pneumonias por Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydophila
pneumoniae.

Fisiopatologia
A pneumonia ocorre pela presença de agentes infeciosos nos alvéolos
pulmonares, adquiridos por aspiração da oro e nasofaringe, ou por via
hematogénica. No alvéolo, ocorre resposta concertada de macrófagos alveolares,
neutrófilos, anticorpos complemento. Surge edema e congestão vascular,
seguida de acumulação de fibrina, pús e detritos celulares, que têm tendência a
transmitir-se a alvéolos vizinhos, através dos poros de Kohn (hepatização
vermelha). Posteriormente, ocorre fagocitose activa, degradação enzimática das
bactérias e do tecido pulmonar, perda da arquitectura alveolar e fibrose
(hepatização cinzenta). Após esta fase aguda, inicia-se a resolução em que, por
acção dos anticorpos da fagocitose dos detritos celulares, é recuperada a
estrutura pulmonar. A doença pode progredir para a morte, por falência
respiratória ou generalização incontrolável do processo infecioso (sepsis).

História Clínica

Anamnese e Exame objectivo


A distinção entre pneumonia viral e bacteriana é, na prática clínica, muitas
vezes difícil. Habitualmente, a criança com pneumonia bacteriana encontra-se
mais doente, prostrada ou ansiosa, com gemido, polipneia e dificuldade
respiratória, febre alta difícil de ceder aos antipiréticos, e com repercussão sobre
o estado geral. A tosse pode ser de início seca e posteriormente produtiva, com
expectoração mucosa, purulenta ou hemoptóica / ferruginosa. Pode surgir dor
torácica pleurítica, dor abdominal na pneumonia da base ou do ombro na
pneumonia do vértice do pulmão. Pode ocorrer cianose e sinais de dificuldade
respiratória: adejo nasal, tiragem supra, infra ou intercostal. A frequência
respiratória deve ser monitorizada, sendo considerada polipneia se superior a
60 ciclos por minutos na criança com idade inferior a 12 meses e superior a 40
ciclos por minuto após essa idade. Semiologicamente, pode ser detectado
aumento de transmissão das vibrações vocais, sub-macicez à percussão,
diminuição do murmúrio vesicular, sopro tubário, broncofonia ou fervores
crepitantes na área afectada. Nos recém-nascidos ou em lactentes pequenos, o
quadro respiratório pode não ser predominante, sendo a apresentação clínica a
de um quadro séptico, com instabilidade hemodinâmica e/ou apneia. A febre é
também inconstante nesse escalão etário.

Exames Complementares

O diagnóstico de pneumonia é habitualmente clínico. A OMS recomenda, pela


elevada morbilidade e mortalidade, que, nos países com menos recursos, se faça
o diagnóstico presuntivo de pneumonia apenas pela presença de febre e
polipneia mantida. Esta estratégia dispensa a realização de exames
complementares de diagnóstico e tem uma taxa muito elevada de falsos
positivos (superior a 80%). Nos países ocidentais, recomenda-se que o
diagnóstico seja mais exacto, quer da pneumonia em si, quer do agente
etiológico implicado. Os métodos mais fiáveis de identificação etiológica
implicam o isolamento do agente no local afectado, por aspirado brônquico,
lavado bronco-alveolar ou punção / biópsia pulmonar. Estes métodos são
cruentos e eticamente difíceis de justificar a menos que o doente necessite de
cuidados intensivos. A hemocultura ou a colheita de líquido pleural (nos casos
em que esta exista) pode permitir isolamento etiológico em 5 a 10% dos casos.

A pesquisa de antigénios capsulares na urina ou sangue tem numerosos falsos


positivos e falsos negativos, sendo influenciados pelo estado de portador da
criança, reacções cruzadas com outros agentes comensais ou estado vacinal. A
presença de antigénios capsulares no líquido pleural é mais fiável.

A determinação dos reagentes de fase aguda, como a fórmula leucocitária,


proteína C reactiva ou outros, tem igualmente baixa sensibilidade e baixo valor
preditivo positivo. A pesquisa de ácidos nucleicos por Polymerase chain reaction
é um bom método de identificação de bactérias no líquido pleural, com elevada
sensibilidade e especificidade, e de vírus, Bordetella
pertussis, Mycoplasma e Chlamydia nas secreções respiratórias superiores. A
pesquisa de anticorpos específicos séricos (IgM / IgG) dá resultados tardios e
sem utilidade na fase aguda.

Os métodos de imagem não devem ser solicitados nos casos em que


clinicamente não há suspeita de pneumonia. A variação entre observadores é
muito grande e, no início da pneumonia, pode não haver alterações
radiográficas. Idealmente, deve conseguir-se que a radiografia seja feita em
inspiração, postero-anterior e de perfil se houver suspeita de pneumonia da
região da base esquerda. Os diferentes padrões radiográficos podem orientar no
diagnóstico etiológico: classicamente, um padrão de condensação lobar é mais
frequente na pneumonia pneumocócica, de focos múltiplos na pneumonia por H
influenzae, S aureus ou após aspiração (anaeróbios), e um padrão intersticial é
mais habitual nas infecções virais ou por Mycoplasma. A radiografia do tórax
pode sugerir a presença de complicações: pneumatocelo, abcesso, derrame,
empiema ou pneumotórax.

As complicações referidas poderão ser esclarecidas através de tomografia


computorizada, que permite igualmente o diagnóstico de patologia
pleuropulmonar subjacente e concomitante, envolvimento ganglionar, ósseo ou
mediastínico.

A ecografia torácica tem importância predominante na monitorização de


dimensões e característica de derrame pleural / empiema, bem como na
orientação da toracocentese e drenagem do líquido pleural.

Tratamento

O tratamento de suporte deve ser feito de acordo com as necessidades


(paracetamol e ibuprofeno para controle de febre), dieta ligeira com reforço
hídrico, oxigenoterapia suplementar, para manter saturações adequadas de
oxigénio e antibioticoterapia de largo espectro.

O antibiótico de primeira escolha é a amoxicilina oral, na dose de 80-100


mg/kg/dia, que deverá ser mantido durante 5 a 10 dias. Na suspeita de infecção
por Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydophila pneumoniae, o uso de
macrólidos (azitromicina, claritromicina, eritromicina) pode estar
recomendado, de início ou após falência da terapêutica com amoxicilina. Na
suspeita de infecção por Vírus Influenza, pode ponderar-se a utilização de
oseltamivir.

As crianças com pneumonia adquirida na comunidade, suspeita ou confirmada,


devem ser referenciadas ao hospital para eventual internamento se tiverem
idade inferior a 4 meses, febre com mais de 48 h de duração após início de
antibioticoterapia, vómitos persistentes, sinais de desidratação, agitação ou
prostração excessivas, dificuldade respiratória, doença crónica prévia (cardíaca,
pulmonar, neuromuscular, imunológica), hipoxemia (SpO2<92%), na suspeita
clínica de complicações (ausência de sons respiratórios ou macicez à percussão)
ou se houver incapacidade dos familiares para prestação de cuidados ou
vigilância adequada

Em internamento, o antibiótico de primeira linha é a ampicilina, (150-400


mg/kg/dia) ou penicilina (200.000 UI/kg/dia). Na suspeita de infecção por
pneumonoco resistente ou outros agentes, poderão estar indicadas outras
alternativas, como ceftriaxone 50-100 mg/kg/dia, amoxicilina / acido
clavulânico 50-150 mg/kg/dia, flucloxacilina 50-200 mg/kg/dia ou vancomicina
40 mg/kg/dia.

O internamento deve ser mantido até a criança se encontrar clinicamente


melhorada e com recuperação da tolerância oral.
Evolução

Na maioria dos casos, as pneumonias adquiridas da comunidade em idade


pediátrica, sem complicações, têm evolução favorável. Nos doentes de risco,
com patologia crónica imunológica, cardíaca, neuromuscular, mal-nutrição, etc,
ou com agentes particularmente agressivos ou resistentes aos anti-microbianos,
o prognóstico pode ser mais grave, com hospitalizações prolongadas,
necessidade de cuidados intensivos e, inclusivamente, mortalidade. Se a criança
for internada, a alta ocorre habitualmente ao fim de 24 a 48 h de apirexia e
melhoria da tolerância oral, devendo a terapêutica ser completada em
ambulatório, por via oral, até, em média, 7 a 10 dias. Se a evolução for favorável,
o doente deve ser reavaliado clinicamente nas semanas subsequentes e uma
radiografia do tórax de reavaliação pode ser efectuada ao fim de 4 a 6 semanas.
Espera-se que esse exame seja normal nessa altura. Se a criança mantiver
alterações clínicas ou radiográficas, deverão ser avaliadas eventuais sequelas ou
patologia subjacente ou acompanhante. Alguns autores preconizam a realização
de provas de função respiratória nos meses após uma pneumonia extensa ou
complicada.

Recomendações

Diversos agentes infeciosos podem actualmente ser prevenidos pela vacinação


(sarampo, tosse convulsa, pneumococo, H influenza, gripe). Deve ser evitado o
contacto com tabaco ou poluentes. A prática de exercício físico e alimentação
saudável deve ser incentivada. O seguimento de patologia crónica predisponente
ao aparecimento de pneumonias deve ser assegurado.

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