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Copyright© 2022 JUSSARA MANOEL

EROS – CLUBE DOS CRETINOS – LIVRO 2

Revisão: Sophia Castro

Capa: Sil Zafia

Diagramação: Sil Zafia

____

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer

forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio

de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem

permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra

de ficção, nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos

são produtos da imaginação do autor, qualquer semelhança com

acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.


SUMÁRIO

Sinopse

Aviso

Playlist

Prólogo

FASE UM

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8
Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22
Capítulo 23

FASE DOIS

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

FASE TRÊS

Capítulo 33

Capítulo 34
Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45

Epílogo

Agradecimento

Uma espiada em: Dimitri – Livro 3


Rede Sociais
Eros Giordano é o herdeiro Milionário do império construído

pela sua família. Ele é um dos membros do Clube dos Cretinos o

mais sério, frio e autoritário.

Todos esses adjetivos escondem o quanto ele é mulherengo,

conquistador e MUITO GOSTOSO.

Raquel Mendes é uma estudante de Moda, dedicada,

sonhadora e que não tem medo de falar o que pensa,

principalmente para Eros. Quando seus caminhos se cruzam, em

uma festa na sede do Clube, se tornam logo inimigos declarados.


Ele é turrão e fechado, ela tagarela e extravagante. As farpas

entre eles são inevitáveis.

Duas personalidades fortes, que não dão o braço a torcer.

Mas o que fazer quando o ódio e as brigas escondem uma

ardente e incontrolável paixão?

Um momento de fraqueza pode mudar tudo, mas seriam eles

capazes de deixarem o orgulho de lado e se entregarem ao desejo?

Um Enemies To Lovers de tirar o fôlego.


Eros é o segundo livro da série de livros independentes:

Clube dos Cretinos.

A UFBG, universidade onde o livro se passa, é fictícia.

O livro contém gatilhos como: violência, violência doméstica,

consumo de álcool e drogas.


Clica aqui para ouvir a Playlist do livro.
Eros

São Paulo – Capital

Vê-la de novo, depois de quase dez anos, faz meu interior

ficar agitado. Nunca imaginei que pudesse passar um filme na

minha cabeça com todos os momentos que vivemos até tudo

escapar por entre os meus dedos de forma tão rápida.

Ela está ainda mais bonita que da última vez que a vi

pessoalmente naquela fatídica noite, a cartada final para as nossas

vidas.
Seus cabelos loiros escuros estão mais curtos e ela já não

usa o mesmo batom vermelho, o tom vinho de agora a deixa com a

expressão mais dura.

Ela olha para mim de queixo erguido e postura reta.

Vejo outra mulher, completamente diferente da que conheci

um dia. Essa é capaz de me fazer gelar pela forma que me olha

sem demonstrar nenhuma emoção.

Desço meus olhos para suas mãos, procurando algum

indicativo de que está afetada com o nosso reencontro, mas não

vejo nada, ela exala um controle absurdo.

Mas não é isso que faz uma pressão acertar minha cabeça e

me deixar zonzo, é a aliança em seu anelar da mão direita, de brilho

tão forte que poderia me cegar.


Tudo isso me lembra de anos atrás, um pesadelo que me

esforço para esquecer a existência.

Atrás dela, um homem se aproxima sorrindo enquanto

mantém os olhos nela. Ao se virar para ele, ela abre o mesmo

sorriso que costumava aparecer somente para mim. Essa cena faz a

raiva crescer em minhas veias.


Eu não me identifico com você, não

Porque eu nunca me trataria tão mal

(Happier Than Ever - Billie Eilish)


Raquel

Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul

Sábado, 5 de agosto de 2017

Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de entrar na

casa dos bad boys mais cobiçados de Bento Gonçalves, mas posso

dizer que é sempre emocionante ser convidada. Ainda mais por

serem conhecidos como o clube dos cretinos.

Todas as mulheres da universidade sabem o quanto eles

podem ser perigosamente gostosos e, ao mesmo tempo, serem os


responsáveis por corações quebrados.

Como todo cretino, eles não se apegam, pegam sem pensar

no que poderão causar depois. Já vi o quanto eles podem deixar

uma confusão por onde passam, ou melhor dizendo, em quem

pegam.

Há alguns meses, minha melhor amiga começou a se enrolar

com um deles e, a partir daí, passei a frequentar a casa.

Talvez Artho seja o exemplo de que todo cretino um dia se

aposenta e se prende a uma só mulher. Hoje, inclusive, é

aniversário dele e a casa, como todo dia de festa, está cheia.

De mãos dadas com minha amiga, dou passos largos em

direção à sala.

Meu sorriso se alarga quando percebo que estou chamando

atenção de alguns caras. Essa é a intenção, não foi à toa que


coloquei minha saia preta de pregas, meia calça e botas da mesma

cor e, como destaque, minha blusa cropped branca de mangas

longas.

Sempre gostei de me sobressair, e estando na festa dos

cretinos, não seria diferente.

A música alta e com ritmo dançante faz algumas pessoas

criarem uma própria pista de dança, onde conseguem beber e

balançar o corpo.

Artho fez jus ao título, a festa está mesmo um arraso, e tenho

certeza de que todos os presentes se sentem honrados por terem

sido convidados. Claro que sempre vai ter um ou outro de penetra,

mas eles não se importam nem um pouco.

Vamos abrindo espaço para passarmos entre as pessoas e

logo estamos entrando na sala.


Mesmo já tendo visto toda a mobília da casa quando estive

aqui algumas vezes, não consigo deixar de continuar admirando, é

tudo tão rústico, mas com toques bem aplicados de modernidade.

Ouvi falar que a maior parte da decoração foi planejada pela

mãe do dono da casa quando se mudaram para cá, já que a casa é

herança. O meu bom gosto para o design me deixa extasiada com

cada escolha dela.

Assim que passamos pelo hall da sala, meus olhos encontram

os seis caras donos do título clube dos cretinos, sentados à

vontade, rindo e bebendo. Eles me lembram aquelas pessoas que

não têm nada com o que se preocuparem, como boletos a serem

pagos, diferente de mim.

Sorrio, apertando a mão de Charlotte, do curso de Direito,

minha melhor amiga desde que começou a dividir o quarto comigo

no Edifício Universitário.
Ela chama atenção deles quando paramos a alguns passos

dos rapazes. Charlotte os cumprimenta, e Artho, que até então

estava sentado, levanta e a puxa para mais perto dele para beijá-la

de uma forma quente e possessiva, deixando as bochechas da

minha amiga rosadas de vergonha.

Continuo passando meus olhos pelos outros cinco membros,

tentando controlar minha ansiedade.

Eu já os conheço de outras festas e da universidade, mas ter

a atenção deles em mim é excitante.

Temos os gêmeos Natan e Gabriel Valentini, que estão

sempre aprontando alguma coisa, eles usam as aparências

idênticas para enganar muitas mulheres, e não duvido que os dois já

até trocaram de parceiras ou ficaram com uma ao mesmo tempo,

muitos murmurinhos correm pelos corredores da UFBG.


Os dois tem o que eu chamo de charme: pele morena,

cabelos pretos e curtos, estatura alta e forte, e aquele olhar

travesso. Para quem observar bem os dois, vai ser fácil diferenciá-

los, Gabriel é o que tem menos tatuagens e o que mais dialoga, está

sempre rindo e fazendo comentários engraçados, por sua vez,

Natan é o mais quieto, observador e o mais tatuado.

Vamos para o próximo. Lion Bianco tem cabelos castanhos e

olhos verdes, de um metro e oitenta. É descontraído e divertido,

mas não dá para se enganar com a carinha bonita.

Dimitri Romano, esse é uma incógnita, ele consegue ser um

cretino lindo de morrer, com seu corpo todo tatuado com o mesmo

tamanho de Lion, cabelos escuros, raspados dos lados, bem

reservado e silencioso.

Artho Becker com seu ar de metido, é tatuado, alto com

cabelos castanhos de seu estilo dark. Posso dizer que, dos seis, ele
é o mais descontraído e piadista.

E por último, Eros Giordano, conhecido entre os seis por ser o

mais rico, sério e frio. Acho que eu nunca o vi sorrindo antes, assim

como Dimitri. Tenho uma leve impressão de que Eros seja do signo

de capricórnio, não que eu entenda muito de astrologia. Isso não

quer dizer que ele não seja atraente. Esse é só um detalhe a mais

para chamar atenção para ele.

Cabelos loiros e bem cortados, seus olhos são de um

castanho claro e acho que ele tem um metro e noventa de altura. De

todas as fofocas que rolam pelas mulheres que já conseguiram ficar

com Eros, dizem que ele também é bem dotado e um deus na

cama, é de se esperar, só de olhar para ele…

Enquanto o encaro, uma morena se senta em seu colo com

os braços em volta do pescoço dele. Ela exibe um sorriso malicioso

ao falar coisas no seu ouvido, mas não é nela que Eros presta
atenção. Seu olhar intenso está em mim, sua expressão se torna

séria e fria à medida que retribuo o olhar, mas meu eu apenas sorrio

largo.

Sua reação impassível a mim não me causa timidez, ao

contrário, me deixa mais curiosa e determinada a encará-lo. É ele

que corta nosso contato visual, revirando os olhos, antes de voltar a

atenção ao que a morena fala e passar a mão pela coxa exposta

dela na saia jeans. Acho que assim como eu, ela não liga muito para

o frio no Rio Grande do Sul hoje.

Eros já me chamou atenção um dia, até ser um escroto na

vez em que fomos apresentados pelo Artho. Nunca tive

oportunidade de conversar com ele e entender por que ele tem

ranço de mim.

— Feliz aniversário, Becker — digo a Artho, que sorri, ainda

abraçado a Charlotte.
— Obrigada, Oiapoque.

Reviro os olhos, descontente com o apelido ridículo que

ganhei logo que entrei na Universidade. Talvez teria sido outro pior

se eu não morasse em Chuí antes de vir pra Bento Gonçalves, por

isso o apelido.

“Do Oiapoque ao Chuí”.

— Odeio você! — reclamo e Charlotte dá uma risadinha.

Artho ri e olha para seus amigos.

— Vocês já conhecem a Raquel, amiga de Charlotte.

— Olá — falo animada, o que faz minha voz sair um pouco

alta. E isso porque eu nem comecei a beber ainda.

Lion faz um gesto com a mão para rir discretamente da minha

forma muito exagerada.


Gabriel e Natan sorriem para mim, e um deles me oferece a

bebida de seu copo, a cerveja gelada enchendo a minha boca

quando dou um gole.

Natan me convida para sentar em um sofá ao lado, que me

dá uma perfeita visão de onde Eros está, praticamente na minha

frente.

Tento ignorar a lembrança do desconforto que ele me causou

no primeiro momento que falei com ele. Charlotte ficou em choque e

imagino que até mesmo Artho, que é amigo dele há anos, ficou

envergonhado com a situação.

Ele foi um idiota e odeio lembrar disso, estava tão empolgada

em conhecê-lo, e o momento foi como um balde de água fria, esse é

um dos motivos da raiva que sinto por ele.

O outro motivo é o fato de ele achar que, só porque é super

rico, pode tratar todos do jeito que quiser.


Mesmo tentando ignorá-lo, olho para ele discretamente,

enquanto ele tenta demonstrar que minha presença não tem

importância.

— Charlotte disse que você está cursando Moda — Gabriel

comenta, bem interessado em puxar assunto comigo, acho que é

mais para me incluir no grupo, e não vejo problema nisso.

Passo a mão nos cabelos, jogando-os para o lado e sorrio,

assentindo.

— Sim, estou no segundo semestre. — Bebo o restante da

cerveja. — Eu pego algumas encomendas de roupas para fazer

também, Charlotte que me indicou.

— Raquel é bem requisitada.

Sorrio para minha amiga, que está sentada no colo do Artho,

e nem preciso comentar como a atenção dele é toda para ela.


A conversa vai rendendo e vou descobrindo um pouco mais

de cada um.

Logo, os gêmeos saem da sala acompanhados de duas

mulheres, que dão risinhos contentes por terem conseguido a

atenção deles.

Dou risada quando Lion começa a me contar episódios

engraçados que aconteceram em algumas festas que eles fizeram.

E percebo que Eros parece incomodado com algo… comigo, talvez?

Pode ser que meu jeito extravagante e chamativo seja diferente do

que ele está acostumado.

Já havia sentido em outras vezes que vim na casa deles, que,

de alguma forma, eu pareço incomodá-lo, mas nunca descobri o

motivo, nem mesmo Charlotte, que já percebeu a mesma coisa.

Em determinado momento, Eros bufa alto, e toda atenção da

nossa roda vai para ele.


Artho, com a testa franzida, abre um sorrisinho de lado para o

amigo e logo vemos Eros levantar delicadamente a mulher de seu

colo e se erguer também.

— Vem, não consigo ficar aqui.

Franzo a testa com seu comentário e o vejo sumir escadas

acima. Os garotos devem ter percebido o quanto pareço

incomodada com a grosseria dele.

— Não ligue, ele é sempre assim — Natan tenta amenizar o

clima. — Como Artho costuma dizer, Eros é chato por natureza.

— Mas infelizmente hoje ele está pior, não é nada com você

— Artho declara e sorrio, aquiescendo.

— Percebi isso — meu tom soa sarcástico. — Ele não é nada

discreto.
Dou de ombros quando Charlotte tenta esconder o riso, mas

Lion, ao meu lado, gargalha.

Fico pensando no que pode ter causado tal reação nele…

Nem sequer me dirigi a ele alguma vez, e Eros também não me deu

brecha para isso. Parece que o problema sou eu.

Depois do episódio desconfortante, não deixo que isso me

afete. A pessoa que perde toda diversão é ele, não eu. Vim aqui

justamente para me divertir e aproveitar as bebidas grátis e as

companhias.

— Você quer dançar? — pergunto a Lion, que sorri de lado, e

aquiesce se levantando do sofá.

— Por que não?

Dou um gritinho animado e aceito sua mão quando a estende

para mim.
Deixamos Charlotte e Artho no sofá, Dimitri logo sai da sala

silencioso, quase despercebido.

Seguimos para o outro lado da casa, onde fica o salão usado

como pista de dança.

Lion consegue ser bem divertido, fazendo passos no ritmo da

música, me acompanhando com alguns movimentos, e dou risada

quando esbarramos um no outro.

Ele grita próximo ao meu ouvido, me informando que vai

buscar alguma coisa para bebermos. Já havíamos dançado

algumas músicas, e a sede é algo presente. Continuo balançando

meu corpo e me viro em direção à escada no exato momento que

Eros está descendo.

Com a rapidez que ele passa pelas pessoas, parece até que

deseja fugir de todos.


Ele não está mais acompanhado da mulher que vi mais cedo,

o que me faz pensar que eles já devem ter transado e, como

sempre, como acontece com todo cretino, ele a dispensou.

Eros vira a cabeça para onde está a pista de dança e me

encontra com seu olhar enigmático, me encara por alguns

segundos, antes de descer de vez as escadas e sumir no meio das

pessoas em direção aos fundos da casa.

Não gosto do que vou fazer agora, porque geralmente tento

fugir de tudo que me indica perigo, mas não tenho culpa se tenho

um ímã para isso.

Logo eu, Raquel Mendes, jovem, com meus dezenove anos.

Tenho tendência a atrair o perigo.

Sigo Eros para fora, passando pelas mesmas pessoas e

parando logo que eu chego no fundo da casa. Passo os olhos em

todas as direções, procurando por ele. Tem bastante gente do lado


de fora, bebendo, rindo, se beijando. Desço a escadinha que dá

para a grama bem cortada e passo por um cantinho escuro onde

tem um casal na maior pegação e dou uma risadinha.

Dou alguns passos mais para o fundo da casa e quando

penso em desistir de procurá-lo, vejo uma figura sentada em um

banco mais à frente, embaixo de uma árvore. O local é escuro e é

preciso estreitar os olhos para poder enxergar alguma coisa. Ando

mais um pouco para o ver melhor e alguns galhos baixos tapam

quase toda a visão da pessoa, mas sei que é ele.

Não consigo descrever o que sinto quando me aproximo

mais. Ele está com os cotovelos apoiados nos joelhos, fixando seus

olhos em mim tão intensamente.

Com um palito de dente no lábio, Eros me traz exatamente o

aviso que preciso para correr dali e manter a distância.


Mas me conhecendo bem, não vai ser isso que me assustará,

não é hora de me sentir temerosa com a maneira que ele me olha.

Paro na frente dele, um espaço um pouco maior e o encaro de volta.

— O que você está fazendo aqui? — ele pergunta, sua voz

rouca.

Eros mexe no palito entre seus dentes, pressionando o

maxilar, me mostrando a imagem de como não sou bem-vinda, mas

não deixa de ser sexy.

No escuro, com o olhar forte que está me lançando agora,

suas mãos se entrelaçam e ele faz um movimento com os ombros

para ficar ereto, o que me chama atenção para sua correntinha

escorregando para fora de sua gola, e isso me faz olhar para seu

peitoral, escondido na blusa branca, que marca cada músculo seu.

A verdade é que não sei o motivo de ter vindo atrás dele,

talvez por curiosidade ou... não sei, a única coisa que sei é que vim
e torço para não me arrepender disso. Só quero entender o porquê

de ele me odiar tanto ao ponto de se incomodar com a minha

presença.

— O quê? Me seguiu até aqui e não vai me dizer o motivo?

Me pergunto se ele mantém essa frieza o tempo todo ou em

algum momento ele a deixa de lado.

— Só vim saber se está bem.

Eros solta uma risada forçada. Se levanta com uma calma

incomum, tirando o palito dos lábios. Ele se aproxima de mim, só

parando quando está com seu corpo a poucos centímetros do meu.

Consigo sentir seu cheiro, seu perfume, misturado com um

aroma mentolado. Ele abre um sorriso de escárnio.

— Ou você veio até aqui porque quer saber como é ficar com

outro membro do clube dos cretinos?


Ofego com a sua declaração, e ele nem me dá tempo para

uma resposta a altura da sua.

— Você já ficou com Artho, agora quer experimentar como é

ficar comigo? O cara frio, misterioso, rico. É a mesma conversa de

todas vocês.

Me irrito com a sua acusação, mesmo tentando ser legal.

Deveria ter esperado isso dele somente pelas coisas que ouvi falar

a seu respeito, afinal, não o conheço. E pela forma que ele agiu

desde que nos conhecemos, era de se esperar que fosse idiota.

— Você é um escroto de merda, não precisa me tratar assim

só para subir seu ego ridículo. Eu nem deveria ter vindo aqui, só

estava sendo legal.

— Eu não preciso que seja legal, esse seu jeito não me

engana. Na verdade, não preciso que seja nada.


— Percebi agora que tudo o que dizem sobre você é verdade,

é um riquinho de merda, frio, que age como se tivesse um pau

enfiado no seu rabo — grito.

Escuto uma tosse misturada com uma risada estrangulada

atrás de mim. Quando me viro, vejo Lion parado logo atrás da gente.

Sua expressão é divertida e tem a mão tapando a boca para

esconder o sorriso.

Neste momento, me toco da última parte que acabei de falar,

e que Lion ouviu tudo. Tento parecer envergonhada, mas não

consigo, isso não é muito do meu feitio.

Olho de volta para Eros e percebo que seus olhos não

deixaram meu rosto nem mesmo quando seu amigo chegou.

— Acho que já falamos tudo o que tínhamos para falar um ao

outro — empino meu queixo para ele, demonstrando que não estou
nem um pouco afetada com a sua acusação, mas ele está muito

irritado pelo que eu disse, só pela forma que ele aperta seu maxilar.

Eros não é de todo imbatível.

— Se me dão licença.

Me viro, o deixando e sorrio para Lion de forma amigável

quando o passo por ele.

— Que mulher irritante — escuto ele murmurar e duvido que

seja para o seu amigo.

Mas consigo escutar a risada de Lion, à medida que ando. Me

sinto vitoriosa em saber que saí por cima.

— Pau enfiado no rabo, é? Artho vai amar saber disso.

— Cala a boca.
Deixo de escutá-los quando estou bem distante, já entrando

na casa, logo consigo ver Charlotte, que vem ao meu encontro.

— Onde estava? Te procurei para dizer que vou ficar e dormir

com Artho.

Dou um sorriso travesso a ela, que entende e seu rosto fica

rosado. Minha amiga nunca mudaria.

— Você quer ficar também? Pode ficar em um dos quartos

dos meninos — pergunta, ignorando minha reação ao que ela

acabou de falar. — Ou podemos voltar juntas se não se sentir à

vontade.

Artho aparece, abraçando-a por trás. Quando penso em

negar, para não incomodá-los, vejo Eros entrando na casa, com

Lion logo atrás sorrindo, quando ele me vê, seu sorriso parece

crescer ainda mais.


— Aceito, sim.

— Você pode ficar no quarto do Eros, é o mais arrumado e

limpo de todos — Artho sugere e é nesse momento que Eros para

de andar ao ouvir o que o amigo acaba de dizer. — E tenho certeza

de que ele não vai se importar.

Eros resmunga alguma coisa, e pela forma que reage, ele não

gostou nada da novidade, mas não vai perder seu tempo retrucando

o convite do amigo.

— Por mim, tudo bem.

Murmurando mais alguma coisa, eu vejo Eros voltando a

andar, sumindo no outro cômodo e Lion e Artho rindo, Charlotte e eu

sorrimos sem entender nada, mas algo me diz que tudo isso é

provocação de amigos.
— O que aconteceu? Ele parece estar pior que da última vez

que o vi — Artho pergunta, estreitando os olhos para o amigo, que

solta uma gargalhada alta.

— Nem queira saber — Lion responde, olhando para mim.

Dou de ombros, ignorando os olhares dos três em mim,

mostrando que é mais interessante arrumar meu cabelo, que, por

causa do vento, está com os fios fora do lugar, do que explicar que

tive uma discussão bem boba e inocente com Eros Giordano no

lado de fora da casa.


Raquel

Antes de eu sair do banheiro, enrolo a toalha pelo meu corpo

e me olho no espelho, meu cabelo está preso em um coque frouxo,

algumas mechas do loiro escuro caem pelo meu rosto.

Quem iria imaginar que eu acabaria a noite no quarto do Eros

Giordano, ou melhor, tomando banho em seu banheiro.

Aproveito a oportunidade para olhar tudo, porque sim, sou

bem curiosa.
Começo abrindo a primeira gaveta de três do armário debaixo

da pia de mármore preto.

Enfileirado, vejo algumas loções pós barba e ao lado uma

bolsinha preta sem logo nenhum que mostre do que se trata. A pego

e encontro seu kit de barbear, tudo bem arrumadinho, preso no seu

devido lugar.

Dou risada, não acreditando que até nisso ele é

metodicamente organizado.

Coloco de volta, fechando a gaveta e abrindo a segunda que

tem alguns sabonetes, pasta de dente e outros objetos.

E na terceira vejo algumas toalhinhas de rosto enroladas e

bem colocadas.

Nem preciso abrir as duas portas ao lado das gavetas, pois

eu sei que tem mais toalhas, só que dessa vez maiores. Foi nela
que encontrei uma para me secar.

No cantinho da pia tem um porta escovas contendo somente

uma preta. Ao lado vejo seu perfume Paco Rabanne 1 Million. Não

encontro outros ao redor, e imagino que esse seja o único que ele

usa.

Borrifo um pouco no ar para sentir o cheiro da fragrância. O

aroma amadeirado com um toque de menta e âmbar me envolvem.

O perfume combina com o que Eros é, personalidade forte e

moderna.

Quando vou colocar de volta, quase o deixo cair por escutar

batidas na porta do banheiro. Meu coração acelera ao segurar o

vidro forte em minhas mãos. O que eu faria se deixasse ele cair?

Nem sei quanto custa, e tenho certeza de que na minha conta

bancária não terá um terço para pagá-lo.

— Quem é? — minha voz fraqueja.


Se Eros me pegar espionando suas coisas, tenho certeza de

que reagiria pior do que foi comigo mais cedo.

— Sou eu — Charlotte responde e respiro aliviada.

Abro a porta com um sorriso amarelo. Ela estreita os olhos

para mim quando passo pela porta do banheiro e a fecho.

— O que você estava aprontando?

Continuo sorrindo, dando de ombros.

— Nada. Só tomei banho.

— Você está com aquela expressão de quando é pega

fazendo algo errado.

— Não estava fazendo nada demais, apenas olhando as

coisas que Eros tem no banheiro.

— Tipo o perfume dele?


Sorrio.

Caminho para a cama enorme de Eros, onde estão algumas

peças de roupa que Charlotte me emprestou, ela não teve

problema, já que passa muito tempo com Artho por aqui.

A casa está silenciosa, todo mundo já foi embora, são quase

três horas da manhã. Os garotos sabem dar uma boa festa. Não vi

Eros depois que Artho informou a ele que eu dormiria no seu quarto,

suponho que ele deva ter encontrado outra mulher e saído com ela

para curtir uma after.

— O que foi aquilo que Lion deu a entender lá embaixo mais

cedo?

Não me viro para ela quando tiro a toalha para me vestir.

Mordo o lábio, pensando em como minha amiga vai reagir ao saber

o que eu disse a Eros.


— Posso ter encontrado Eros lá fora e quando fui tentar ser

legal, ele foi um escroto e eu o chamei de riquinho de merda e que

ele agia como se tivesse um pau enfiado no rabo.

— O quê? — ela pergunta engasgando e logo começa a rir.

— Você é louca.

— Não nego, mas ele foi ridículo e mereceu.

Abaixo a blusinha de pijama e me viro para ela.

— Por esse motivo ele estava todo irritado?

— Pode ter sido.

A sensação de ter afetado ele de alguma forma é

extremamente gratificante.

Nos encaramos por alguns segundos em silêncio e logo

damos risada.
— Vim verificar se está tudo bem você dormir no quarto de

Eros ou se precisava pedir para Artho dormir aqui e você e eu

dormimos no quarto dele, mas vejo que você está bem acomodada

— debocha brincando.

Faço um gesto com a mão de que está tudo bem.

— Não precisa, pode ir ficar com o seu namorado que não é

namorado, vou ficar bem.

— Tem certeza?

Aquiesço e ela vem até mim, beijando meu rosto e saindo do

quarto.

— Charlotte — a chamo. — Você sabe onde ele está?

Ela nega, me lançando um sorriso de lado.


— Nem se preocupe, pelo que conheço do Eros, ele não vai

aparecer na sua frente tão cedo pela sua audácia e a do Artho.

Dou risada e assinto.

Assim que ela sai do quarto e fecha a porta, sento na cama e

aproveito para olhar o cômodo que não tive a chance ainda.

O quarto dele é grande, assim como deve ser dos outros. As

paredes em um tom escuro, quase preto. Cortinas finas em frente a

porta de vidro que dão acesso para a varanda, são da cor creme

que vão do teto ao chão, estão fechadas, deixando o quarto mais

escuro.

Ao lado da porta do banheiro, tem um guarda-roupa, onde é

seu closet, o que me surpreende é que ele é todo de vidro, até

mesmo as portas. Minha mão coça para poder mexer nele.


De onde estou sentada, consigo ver tudo bem dobrado e

organizado, blazer e camisas sociais penduradas em cabides, todas

as roupas, tanto as dobradas como as nos cabides são separadas

por cores, até mesmo seus sapatos e isso me faz sorrir.

O painel de trás da sua cama não é de cor escura como

imaginei que seria pelos tons do quarto. É um estofado claro da cor

creme das cortinas. Ao lado da cama tem duas mesinhas de

cabeceira, em cada uma delas tem abajures e somente uma tem um

relógio de mesa digital.

Eros tem uma estante de nicho marrom do outro lado do

quarto, e este toma a parede toda. Por curiosidade, me levanto e

vou até ela, passando o dedo pelos títulos de livros que meu um e

sessenta e cinco de altura permite. Alguns eu reconheço sendo

suspense, terror, clássicos e também livros acadêmicos, seguindo o

ramo do curso que Eros está cursando.


Está no quarto de alguém, diz muito sobre a pessoa, e nada

aqui dentro diz o contrário do que ouvi do Eros e vi dele.

Eros Giordano, herdeiro de uma rede de filiais pelo Brasil,

deixadas para ele por seus pais, que morreram cedo em um

acidente de avião, todo mundo da cidade conhece o sobrenome

Giordano não só pela família bem sucedida, mas também por causa

do acidente que matou os pais de Eros há alguns anos.

Sei que as únicas pessoas que Eros tem são seus amigos e

um advogado que ajudou ele depois da morte dos pais.

Já ouvi tanta coisa dele pela universidade, mas como saber

se tudo é verdade ou invenção do povo?

Ele sempre foi misterioso, calado demais, reservado. Sendo

aberto somente com seus amigos. Claro que sua ação me faz ter

interesse em saber se ele foi sempre assim e só intensificou com os

acontecimentos na vida dele.


Talvez a perda das únicas pessoas da família que mais

amava tenha relação com isso.

Continuo a inspeção pelo quarto, vendo uma pequena mesa

na cor creme com uma cadeira preta. Seu notebook e cadernos e

livros que imagino ser os que ele usa na universidade estão em

cima. Tudo acomodado de forma reta e centralizada.

Sigo para sua cama, e tiro a quantidade de almofadas e

travesseiros, colocando todas empilhadas em uma poltrona que tem

ao lado da janela. Afasto a colcha preta e o cobre leito branco, me

deito, ficando somente com dois travesseiros, um para deitar e outro

para dormir abraçada.

No momento em que encosto minha cabeça no seu

travesseiro, e me embrulho com sua colcha, sinto o cheiro do seu

perfume e loção pós barba e me pego imaginando se esse é o lado

que ele dorme.


Envolta do tecido macio e aconchegante que é sua colcha,

meus olhos pesam e antes que eu adormeça, penso em Eros e seus

olhos castanhos claros e onde ele estaria neste momento.

Desperto do sono, e por um momento estranho o lugar. Olho

para o relógio digital da mesinha e vejo que adormeci por uma hora

apenas. Através das cortinas, consigo ver que ainda está escuro.

Escuto passos pelo quarto e meu coração acelera. Fico

quieta, não mexendo nenhum músculo. Meus olhos focam no chão,

a claridade do banheiro me indica que a luz está acesa e uma figura

alta se move por ela.

Logo o perfume chega até mim e relaxo quando me dou conta

de que é Eros, mas logo fico tensa novamente. Se é Eros que está
no quarto, o que ele está fazendo?

Ele deve estar me odiando ainda mais por estar no seu quarto

e sei que sou indesejada em qualquer lugar que ele esteja.

Ele entra em meu campo de visão, e fecho os olhos para que

não saiba que me encontro acordada. Depois de um tempo, abro

meus olhos devagar e encontro ele de costas para mim, secando os

cabelos loiros molhados.

Eros está sem camisa, apenas com uma calça de moletom,

consigo ver mesmo com a pouca claridade da luz do banheiro os

músculos das costas. Bem formados e desenhados. Seus ombros

largos e musculosos. Eros é o tipo de cara que se cuida, tem uma

academia na garagem de casa, onde treina com os outros membros

do clube, acorda cedo para correr pelo quarteirão e tem uma

alimentação saudável.
Tento focar em desvendar a tatuagem que ele tem abaixo da

nuca entre as escápulas. Uma tatuagem de tamanho médio, e da

distância só consigo ver pontos. Nada além disso.

Essa é a única tatuagem que eu consigo ver que ele tem nas

costas.

Ele para de secar os cabelos e se vira, de frente para mim,

justamente na direção em que estou dormindo, eu fecho os olhos de

repente. E tento continuar com a minha respiração leve e serena,

nada que ameace a minha farsa.

Sinto seus olhos em mim por vários minutos antes de escutar

seus passos se aproximando da cama. Eu consigo sentir ele

parado, seus olhos fixos em mim e preciso de um controle

sobrenatural para não abrir os olhos e encará-lo de volta.

Logo percebo ele se afastando, escutando o farfalhar de

alguns tecidos, a luz do banheiro sendo apagada e a porta do quarto


sendo aberta e depois fechada de forma silenciosa.

Quando tenho certeza de que Eros não está mais no quarto,

eu abro os olhos e solto a respiração de forma profunda.

Me viro de barriga para cima e me pergunto por que ele se

demorou tanto me olhando.

Quando me levanto, encontro um travesseiro e lençol dobrado

por cima da pilha de almofadas que havia colocado ali antes de

deitar.

Supus que ele entrou no quarto na madrugada para tomar

um banho e buscar lençóis para dormir, e antes que eu acordasse,

ele voltou para deixá-los no quarto novamente. Ele deve ter dormido

no sofá, como Artho disse que faria.


Foi preciso um tempinho para arrumar sua cama, colocar tudo

do jeitinho que encontrei, esticando bem o lençol de elástico,

colocando por cima o cobre leito e em seguida a colcha. Arrumei os

travesseiros e depois as almofadas, deixando tudo impecável.

Lavei meu rosto e precisei usar um pouco da sua pasta de

dente, já que não havia trazido a minha. Olhei em volta, procurando

algo fora do lugar, deixando somente o lençol que ele usou para

dormir dobrado na cadeira.

— Bom dia — eu cumprimento todos, sorrindo quando entro

na cozinha.

Todos me cumprimentam de volta, e passo os olhos por cada

rosto e o único que não encontro é do Eros. Sento ao lado de

Charlotte, que sorri para mim.

Me sirvo de café e pão e queijo, enquanto Charlotte, Artho e

Dimitri tomam chimarrão. A mesa está farta com queijos, presuntos,


pães, cucas e salames.

Olho para cima, pegando os olhares dos gêmeos, Lion e

Dimitri em mim, nem preciso olhar para o lado para encontrar Artho

na ponta da mesa, fazendo a mesma coisa.

— O quê? — pergunto para ninguém em especial.

— Qual é a sensação de ter colocado Eros para dormir no

sofá? — Gabriel pergunta, com um sorriso grande e divertido na

boca.

— Eu não fiz isso.

— Basicamente fez quando aceitou dormir aqui — Lion fala e

escuto a risadinha discreta de Natan e um som que parece mais um

rosnado de Dimitri, olho para ele surpresa e viro o rosto de volta

para frente quando ele me pega encarando-o.

Ele consegue ser assustador só de olhar.


— Não acredito que perdi esse momento — Natan resmunga

com a boca cheia.

Dou de ombros. Pelo jeito isso é épico para eles, mas faz

sentido, uma garota que ele nem conhece, dormindo em sua cama.

O que é estranho é Eros não ter rebatido a decisão. Provavelmente

quando ele entrar no quarto novamente, irá trocar todos os lençóis

de cama e fronhas e colocar fogo em tudo.

— Perceberam que ele sumiu? — Artho pergunta com um tom

leve de divertimento, ele nem parece preocupado.

Seus amigos assentem, trocando um olhar repleto de

significado por trás, e fico curiosa para saber o motivo.

Vejo Gabriel levantar da mesa para ir em direção à pia, ele

está usando uma regata branca, ela me dá uma visão do início de

pontos pretos sobressaindo na nuca, eu foco precisamente nas


linhas pretas que formam uma tatuagem, que parece ser igual a de

Eros.

Franzo a testa e olho para Lion ao meu lado e inclino meu

corpo para trás, tentando ver se ele tem uma tatuagem parecida

também, já que é o mais próximo de mim, mesmo vestindo uma

camisa, consigo ver levemente os mesmos traços da tatuagem nele

também.

Faz sentido todos terem a mesma tatuagem, eles mesmos

deram nome ao grupo deles e, pelo que Charlotte me disse uma

vez, eles são amigos desde a infância.

Mesmo curiosa em saber o que é, termino meu café e logo

depois eu estou me despedindo dos garotos junto com Charlotte

para irmos embora, já que Artho nos levará.

Não passou despercebido os comentários engraçados que

Gabriel, Lion soltaram para mim, fazendo questão de me convidar


para voltar mais vezes.

Já na porta da casa para sair, vejo Darth Vader aparecer, o

cachorro de Artho e companheiro dos meninos, um rottweiler

assustador que me faz arrepiar pela forma que me olha. Ele vira a

cabeça para mim, enquanto estou encarando-o, e Charlotte se

aproxima dele para se despedir.

Fico sempre em choque com a coragem que ela tem de ter

contato com Darth Vader.

Quando já estávamos dentro do carro e saindo da garagem

da casa, vi Eros chegando. Ele estava vestindo calça de moletom e

regata branca, deixando os músculos dos seus braços à mostra. O

tecido da camiseta gruda no seu peito por causa do suor, marcando

gomos do seu abdômen. Com headphone preso nos ouvidos, com

passos rápidos em direção à entrada da casa.

Ele havia saído para correr.


Se ele me viu encarando-o enquanto o carro ia saindo, fez

questão de ignorar e não olhou nenhuma vez na minha direção.

Ele deve estar se sentindo aliviado por não ter minha

presença por perto, bom, isso até eu aparecer junto com Charlotte

de novo, nós duas desde que nos conhecemos nos tornamos

inseparáveis e agora ela está enrolada com Artho, significa que

estarei sempre presente.

Poderia sugerir a Eros para se acostumar, mas aí eu estaria

sendo legal, e depois do que ele disse, prefiro deixar que ele lide

com sua irritação sozinho.


Raquel

Terça-feira, 14 de novembro de 2017

Quando saio da minha última aula do dia, encontro Charlotte

parada em frente à minha porta, me esperando para almoçarmos no

RU. Não acontece com muita frequência, pois nossas aulas nem

sempre têm os mesmos horários.

Passo o braço pelo dela, enquanto vamos andando para fora.

— Acho que hoje estou apenas existindo — comento,

querendo somente minha cama neste momento.


— Se anima, amanhã é feriado. — Me cutuca.

— Sim, mas passarei o dia fazendo trabalho, preciso costurar

um vestido que desenhei na aula hoje. — Suspiro.

— Não sei por que está preocupada, você é boa nisso,

costura todas as suas roupas e ainda faz roupas para outras

meninas.

Dou de ombros.

— É diferente quando preciso mostrar para uma sala cheia de

gente metida e esnobe, que gostam de criticar e ver defeito em tudo.

Lembro que assim que comecei o primeiro período de Moda,

fui com a expectativa de que seria amiga de todo mundo da minha

sala, claro que me dou bem com todos, mas são pessoas com

almas hipócritas, ninguém escapou do meu julgamento interno para

ser meu amigo ou amiga.


— Vou precisar aguentar minha chefe hoje pelas próximas

seis horas.

Ela ri.

— Para você vai ser de boa, vai estudar e buscar a irmãzinha

do Artho na creche e ficar com aquela fofura de criança.

Tenho vontade de apertar Ayla toda vez que a vejo.

— Sim, ela é uma fofa. Tenho sorte de não ter uma chefe

como a sua — ela provoca.

— Mas tem um “chefe” ... — Faço aspas com os dedos antes

de continuar. — Gostoso e tatuado que é só seu.

Suas bochechas ficam vermelhas e dou risada. Artho não foi

bem chefe da Charlotte, eles tinham ou têm um acordo entre eles,

que levou à outra coisa logo depois.


Saímos do departamento, pegando o caminho que dá para o

restaurante universitário, seguindo o fluxo de pessoas que estão se

dirigindo para o mesmo lugar.

Tenho cerca de quase duas horas hoje para almoçar, ir me

arrumar no Edifício e seguir para o estágio.

Estudo na parte da manhã, faço estágio em uma loja no

shopping a algumas quadras do Edifício Universitário, e não preciso

caminhar tanto até lá. No que resta das horas, estudo também, é

claro, sempre que tenho oportunidade, vou a alguma festinha, o que

rola toda semana e os fins de semana também.

A caminhada leva poucos minutos.

Logo na entrada, na parte lateral do RU, Charlotte e eu

entregamos, cada uma, o tíquete para poder seguir para a área dos

carros térmicos, onde funciona o self-service com cardápio variado.


É preciso seguir a fila, neste horário o restaurante fica muito

cheio e, assim como eu, as pessoas trabalham na parte da tarde, o

que faz tudo ser uma loucura aqui dentro.

Com a bandeja azul em minhas mãos, com o prato em cima,

junto com os talheres, acabo colocando pouca coisa e mais salada.

Nós duas andamos pelo local à procura de uma mesa.

Escutamos um assovio e nos viramos para trás, vendo os seis caras

sentados em uma das mesas mais de fundo. Artho acena para a

gente e sorri para minha amiga, fazendo um gesto para sentarmos

com eles.

— Você quer se sentar com eles? — me pergunta. — Não me

importo de nos sentarmos em outro lugar.

Olho para a ponta da mesa em que Eros está sentado. Não

vou deixar que a presença dele estrague a diversão.


— Claro.

Acompanho ela até a mesa e vejo Dimitri desocupar o

assento ao lado de Artho para que Charlotte se sente. Dimitri

escolhe não sentar justamente ao lado de Eros, deixando o lugar

para mim.

Dimitri levanta uma sobrancelha em forma de deboche para

mim, como se soubesse que odiei a sua escolha, e não escondo

isso, porque realmente odiei. Sentar logo ao lado do idiota

prepotente.

— Olá, garotos — cumprimento todos, sendo ignorada

apenas por Eros, que não me responde, reviro os olhos, pois já

esperava por isso, recebendo de Dimitri e Natan um aceno de

cabeça.

Dou a volta para chegar até a cadeira, ignorando o perfume

de Eros que me dá as boas vindas quando passo atrás dele.


Coloco minha bandeja na mesa antes de me sentar e logo

olho em volta, pego as pessoas encarando a nossa mesa e começo

a me sentir privilegiada. Estou sentada, almoçando com os

membros do clube, isso traz muita atenção para mim.

Prendo minha bolsa no encosto da cadeira, junto com meu

casaco, levanto minhas mãos para prender meus cabelos em um

coque frouxo para que não me atrapalhem a comer. Eros bufa

quando me sento ao seu lado.

— Algum problema, Eros? Algo está te incomodando? —

pergunto sarcástica.

As pessoas à mesa ficam em silêncio quando escutam eu me

dirigir a Eros. Nem assim ele vira a cabeça para mim, Eros cutuca

Dimitri que está ao seu lado, como se a atenção do seu amigo já

não estivesse nele.

— Você está escutando isso? Esse barulho de zumbido?


Fico indignada com sua audácia. Ele faz um gesto com a mão

espantando o mosquito que não existe.

Olho para Dimitri, que está com um sorriso de lado. Tento não

focar em como é estranho o fato de ele estar sorrindo.

— É sério isso? Que infantil — declaro irritada.

Pior coisa é ser ignorada, minha raiva por ele ser um idiota

está aumentando.

— Vocês não estão escutando? Que barulho chato. — Ele

olha para seus amigos e Charlotte na mesa, me deixando de fora.

Olho para minha amiga, que está com a testa franzida, uma

expressão de desagrado no rosto. Volto a encarar Eros enfurecida.

— Você tem o quê? Cinco anos? — Reviro os olhos e sorrio

vitoriosa por dentro quando tenho a atenção dele voltada totalmente


a mim — Não sabe agir como o adulto que é, Eros querido? Ou

somente como um idiota infantil?

Abro um sorriso de escárnio.

Escuto algumas tosses e engasgos, porém não viro meu rosto

para verificar, é como se desviar os olhos de Eros agora fosse um

jogo perdido. Fixo meus olhos bem nos seus, pronta para ganhar a

batalha.

— Já que sou um idiota infantil, por que está tão

incomodada?

Ele sorri de lado, aprofundando sua covinha do lado direito,

marcando seu rosto de queixo bem contornado com a barba de um

loiro escuro e bem desenhada. É uma reação simples e rápida,

porque logo seu sorriso some.

Como pode um demônio ter covinha?


— Talvez porque seu ego esteja tão cheio, que está

respingando em mim, e preciso te mostrar o que é humildade.

Parece que o RU todo está concentrado em silêncio nas

próximas ações de Eros e eu, mas não, é só a intensidade e

adrenalina me fazendo perder o foco do restante do ambiente.

— Você é muito irritante. — Ele revira os olhos.

— E você é insuportável.

Ele quebra o contato de olhares entre a gente, porque sabe

que eu não faria isso, então sorrio vitoriosa.

— O que foi tudo isso? — Gabriel pergunta, divertido.

— Nada — Eros e eu respondemos ao mesmo tempo.

Olho para ele de rabo de olho, que se mexe na cadeira

inquieto. E observo que ele não está almoçando, me fazendo


lembrar do meu almoço ainda parado na bandeja à minha frente.

Toda essa agitação fez com que meu apetite fosse embora,

mas me esforço para comer, porque não sei quando será minha

próxima refeição pelas seguintes horas do meu dia.

Dou um leve pulinho no meu assento quando escuto a

cadeira de Eros ao meu lado ser arrastada no chão e ele levantar

sem se despedir de ninguém, sumindo logo depois pelas portas do

restaurante.

Volto minha atenção para a comida, fingindo que não me

importo.

Olho para Charlotte, que está me encarando, e a vejo fazer

um gesto perguntando o que tinha acontecido. Dou de ombros,

também sem entender nada.


— Acho que Raquel é a única mulher que já vi bater de frente

com Eros — Lion comenta, enquanto come.

Pelo jeito, todo mundo na mesa parou de comer para

observar a minha interação harmoniosa com Eros Giordano.

— E ainda sair por cima — Artho concorda.

— Não me culpem, ele que começou.

— Sabemos que ele consegue ser rabugento às vezes —

Gabriel declara. — Mas você também não deixa escapar uma farpa.

— Desde a festa de Artho, ele anda muito chato — escuto

Natan comentar como se fosse um fato normal.

— Acho que sabemos o motivo disso. — Lion me encara e eu

semicerro os olhos para ele, vendo todo mundo focar a atenção em

mim.
— Não sei por que parecem surpresos, o amigo de vocês

sempre age como... — corto a fala quando Charlotte olha para mim,

balançando a cabeça, segurando o riso.

— Como um riquinho de merda, com um pau enfiado no

rabo? — Lion declara.

— O quê? — Natan pergunta, engasgando enquanto ri, e os

outros na mesa não estão diferentes.

— Palavras de Raquel na festa do Artho, dirigidas

exclusivamente a Eros.

Dou de ombros, não me importando com o que eles vão

pensar de mim. É a mais pura verdade, só falei o que penso.

— Já escutamos coisas piores faladas dele, quero dizer, isso

é um elogio se formos comparar. — Gabriel dá risada.


Para ser sincera, não sei qual é a dele, não me recordo de ter

feito algo a ele, o único contato que tive com Eros desde que entrei

na UFBG foi na festa de aniversário de Artho, além do dia

desastroso em que Artho tentou nos apresentar.

E observo que todos não parecem se importar com o que eu

disse aos amigos dele, diferente de Dimitri, que não esboça

nenhuma reação.

— Raquel, você podia ir com a gente ao Bar Culture amanhã

— Lion convida. — É feriado.

Sorrio para ele.

— No bar com os CDC? Isso sim é um sonho, ser convidada

para sair com vocês.

Ele ri.
— Você faz parecer que somos deuses pela maneira que fala,

e que escolhemos quem está com a gente a dedo.

— É basicamente isso. Vocês não têm noção de que qualquer

mulher neste campus faria de tudo para ser convidada por um de

vocês.

Olho ao redor, e Lion, Natan, Gabriel e até mesmo Dimitri

olham em volta para as mesas próximas. Algumas meninas os

encaram, mandando até tchauzinho com a mão, de forma que

pareçam charmosas.

Dou risada, assim como Charlotte, que percebe os detalhes

como eu.

— Estão vendo?

Eu teria que olhar minhas economias e ver se seria possível

acompanhar os meninos amanhã, não posso me dar o luxo de


gastar o que tenho como prioridade para comida.

Mas quem convida, paga, não é?

Não disse sim e nem não. Pensaria sobre isso mais tarde com

Charlotte, que tenho certeza de que vai, por ser “namorada” do

Artho.

A conversa retorna à mesa, como estava antes de Charlotte e

eu chegarmos, e mesmo participando ativamente da conversa,

meus olhos vão ora ou outra para a entrada, me perguntando o

porquê de eu me importar tanto assim com Eros.

Passado pouco mais de meia hora depois que Eros se retirou

da mesa, me levanto, pegando minha bolsa e minha bandeja.

— Preciso ir agora, não estou muito a fim de chegar atrasada

de novo e acabar escutando a mal amada da minha chefe reclamar.

Nos vemos mais tarde?


— Sim, talvez eu chegue um pouco depois de você — diz

Charlotte.

— Tudo bem. Tchau meninos.

Com passos rápidos, deixo minha bandeja na área lateral,

antes da saída. Sigo direto para a loja onde faço estágio, não seria

possível passar no Edifício antes para trocar de roupa.

Nos quase trinta minutos que passo andando até lá, vou

repassando em minha cabeça os meus próximos passos. Preciso

passar no armarinho para comprar o tecido com que farei o meu

vestido para a disciplina de Pesquisa e Criação.

Tento organizar tudo em minha mente para que dê tempo de

fazer tudo que preciso no dia.

Entro no shopping, pegando o elevador para o quinto andar,

onde funciona a loja de roupas e calçados do estágio. A loja é


grande, com dois andares para todos os estilos de roupa e

tamanhos.

Ao entrar, vejo que, pelo horário, ela está com poucos

clientes, mas sei que isso é por pouco tempo. Passo em frente ao

caixa para me dirigir logo em seguida à área onde são colocados os

pertences dos funcionários.

Sorrio quando vejo Lilian, uma das funcionárias, que retribui,

mas pela sua expressão tensa, nossa gerente já deve ter pegado no

pé dela hoje, pois sei o quanto ela consegue ser insuportável.

Praticamente corro para o quartinho onde posso me trocar e

vestir meu uniforme. Aqui eu não tenho exatamente uma função,

faço de tudo. De certa forma os estagiários sofrem um pouco.

Desde arrumar as roupas nas prateleiras, montar os looks e

trocar o manequim, cuidar do estoque e limpar tudo. A loja, por ser


grande, não tem uma quantidade boa de funcionários, o que pesa

um pouco o trabalho para todos que fazem o serviço.

Logo que saio do quartinho, dou de cara com a minha

gerente. Emília Costa, gosta de se sentir a dona de tudo, mas fica

com o rabo entre as pernas quando os verdadeiros donos estão

presentes, o que é raro.

— Ah, você já chegou!

Ela olha a hora no seu Smartwatch, levantando uma das

sobrancelhas de henna. Dou um sorriso forçado quando ela levanta

o rosto para mim novamente.

— Na hora certa dessa vez. Preciso que monte e troque os

manequins e me auxilie nas postagens dele nas redes sociais, mas

antes disso, chegou à reposição de alguns estoques e peças novas,

preciso que separe por tamanho, cores, e modelo para facilitar na

hora de guardar no almoxarifado e na exposição das peças.


Assinto, anotando tudo no meu bloco mental.

— Bora! Nada de moleza para você hoje, já que amanhã você

não trabalha.

Graças a Deus!

Consigo lidar com Emília, a única coisa que preciso fazer é

colocar um sorriso forçado no rosto e fazer meu trabalho. E é assim

durante cada uma das seis horas trabalhadas de segunda a sexta.

Preciso deste estágio para poder comprar meus materiais e

tirar um pouco o peso dos meus pais terem sempre que mandar

dinheiro para mim. Quero muito poder não depender deles, ser

independente e dar orgulho para eles, assim como sempre me

deram.

Não faz muito tempo que estou trabalhando nesta loja, mas a

oportunidade foi boa para me desapertar em algumas contas, isso é


até eu conseguir algo melhor e que pague bem.

Emília me atrasa um pouco para ir embora e isso me faz

quase perder o ônibus, eu preciso correr para a parada.

Na volta, prefiro pegar um para chegar mais rápido em casa,

porém por ser hora de pico, está cheio, e preciso me apertar um

pouco entre as pessoas.

Faltando alguns pontos antes de minha parada, consigo um

lugar para sentar, e sou presenteada com uma bolsada na cara que

quase me faz ver estrelas.

Bufo, indignada com a falta de educação da pessoa por nem

sequer me pedir desculpas.


Desço do ônibus, me sentindo esgotada, mas sabendo que

depois de tomar um banho e comer um miojo, precisarei estudar e

montar o meu projeto de criação.

Mais alguns passos e avisto o prédio onde moro, que é em

um edifício universitário, dividindo o quarto com Charlotte no

segundo piso. Não é uma maravilha ter que dividir uma cozinha e

eletrodomésticos básicos como todo mundo do mesmo andar, o que

pode ocasionar muita confusão quando menos se espera.

O edifício tem doze andares e funciona da seguinte forma: as

pessoas sabem da condição financeira que têm, baseadas no andar

que cada um mora, por causa dos valores do aluguel. Do primeiro

ao sexto piso são apenas quartos com duas camas de solteiro, além

de armários, escrivaninhas e um banheiro em cada quarto.

Do sétimo ao nono piso são pequenos apartamentos com

quarto, banheiro e cozinha para cada dois estudantes e, do décimo


ao décimo primeiro piso, os apartamentos são bem maiores com

direito a dois quartos, um banheiro, sala, cozinha e o mais

importante, lavanderia própria.

As pessoas dos andares inferiores precisam compartilhar uma

única lavanderia, que é outra causa de confusão.

E tem o décimo segundo, o último piso, onde moram apenas

as pessoas com condição melhor, é nele que moram as garotas

mais populares.

Subo as escadas que dão para a entrada do prédio e entro no

saguão, vendo alguns estudantes e moradores sentados em sofás

no canto direito, rindo e fazendo barulho.

Sigo direto para o elevador, que, por sorte está aberto, porque

seria uma morte subir as escadas da forma que estou cansada.


Assim que abro a porta do quarto e acendo a luz, faço uma

careta para a bagunça de Charlotte que está do lado dela do quarto.

Minha amiga consegue ser desorganizada e relaxada com as coisas

dela, o que é o meu oposto.

Tiro a bolsa das costas e coloco no gancho, onde

costumamos colocar as bolsas e casacos. Pego uma blusa do chão,

no meio do caminho até o banheiro e coloco em cima da sua cama.

Dobro minhas roupas sujas para colocá-las no cesto depois

que tomo banho, escolhendo vestir uma roupa quente pelo frio que

está fazendo hoje, mesmo com o aquecedor do quarto ligado.

No momento que estou penteando meus cabelos molhados,

escuto o barulho de carro parando pelo lado de fora do prédio.

Por morar no segundo andar, os sons do lado de fora ficam

mais audíveis, me aproximo da janela, vendo uma Mercedes da cor

preta parada. A porta do lado de trás do passageiro abre, e vejo


Charlotte descendo, ela se inclina para dentro para beijar o rostinho

gorducho de Ayla.

Minha visão muda para o banco da frente quando o vidro

abaixa e vejo Eros com sua expressão inabalável de sempre e, ao

seu lado, no assento do passageiro, está Gabriel. Presumo que

Charlotte, Ayla e Artho estão no banco de trás.

Eros, parecendo sentir que estou encarando-o, mesmo com a

pouca distância, vira a cabeça em direção à janela.

Não tenho para onde fugir, Eros me encara, tenho a leve

sensação de que vejo um sorriso mínimo aparecer em seus lábios,

mas, por causa da longitude, não consigo ter certeza. Isso me faz

lembrar da cena do restaurante e o quanto ele foi um idiota.

Tenho vontade de arremessar algo pesado e grande para

acertar seu carro, que grita dinheiro, mas a única coisa que tenho é

minha máquina de costura e isso seria um prejuízo para a minha


bebê, então, pela vida de quebra galhos que minha máquina me dá,

decido que Eros não merece nem isso.

Seu carro passa uma visão de riqueza, poder e elegância,

assim como o dono. O arrogante do Eros fecha novamente a janela

do carro dele, e Artho, que estava do lado de fora do carro com

Charlotte, deixa um beijo nela e entra no carro novamente.

O carro sai e a mãozinha de Ayla pela janela dando tchau

para minha amiga. A irmãzinha de Artho consegue ser a coisa mais

fofa do mundo. Fico pensando se consegue derreter o turrão que

Eros é o tempo todo.

Ainda estou na janela, terminando de pentear os cabelos

quando a porta se abre e Charlotte entra.

— Já chegou? — pergunta, jogando sua mochila no chão,

junto com seu casaco, franzo a testa, provocando uma careta logo

em seguida.
Charlotte vendo isso, se abaixa, pegando a bolsa, pendura

ela e o casaco no gancho, me olhando com um gesto de: “Está

satisfeita?”

— Sim — respondo para as duas perguntas.

— Como foi hoje?

— Do mesmo jeito como sempre, acho que Emília me odeia

— resmungo.

— Você e todas as meninas que trabalham lá.

Dou risada. Isso com certeza é verdade.

— Você vai amanhã com a gente ao Bar, né? Não quero ir

sem sua companhia.

Sento na cadeira da minha mesinha de estudo, e giro para

poder olhar para ela.


— Amiga, você tem o Artho, que vai ficar o tempo todo ao seu

lado.

Ela cora, e sei o quanto minha amiga tem sentimentos por ele

e vice-versa, porém ainda não entendi por que os dois não têm nada

sério ainda.

— Não é a mesma coisa.

— O Eros vai? — pergunto, e ela assente. — Claro que vai,

eles sempre estão reunidos.

— Ainda não entendo toda a implicância entre vocês dois.

— Você sabe que sempre senti que ele nunca foi com a

minha cara e agora que estou mais presente, ele demonstra que

não sou bem-vinda.

Ela senta na cama para tirar a bota coturno tratorada e eu

sorrio orgulhosa. Desde que entrei na vida de Charlotte, ela tem se


vestido muito melhor, sem aquelas roupas folgadas, camisetas de

super-heróis e sem estilo.

— Artho falou para não ligar para ele, Eros é daquele jeito o

tempo todo.

— Porém fica pior quando estou por perto, e tenho certeza de

que com você ele não é totalmente fechado.

Ela dá de ombros. Todos do clube já gostam muito dela.

Charlotte, sabendo que vou implicar se deixar a bota jogada

como costuma fazer, revira os olhos para mim e deixa a bota em um

cantinho do quarto.

— Conversamos mais sobre os planos depois? Preciso de um

banho agora, e depois arrumo alguma coisa para comermos, antes

de irmos para a aula de pole dance.

Aquiesço.
É até engraçado ver que Charlotte não perde mais nenhuma

aula durante esses três meses. No primeiro dia ela queria desistir,

foi tão dolorido que até eu pensei na mesma coisa.

As marcas roxas na pele decorrentes das aulas, as dores nos

músculos, as quedas, foi tudo um processo doloroso, mas

conseguimos lidar.

Quem diria que eu iria conseguir convencer Charlotte Castro,

a pessoa mais tímida que eu conheci em toda minha vida, a fazer

aula de pole dance comigo? Com apenas dez dias convivendo

juntas?

Isso é sim um milagre que eu consigo fazer.


Raquel

Quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Estico o meu braço com o desenho do vestido em minhas

mãos para inspecionar a minha obra e fico orgulhosa. O vestido

será da cor preta, feito com seda com a saia rodada em cima da

coxa, alça fina e por cima o tule, costurado em camadas.

Começo todo o trabalho de tirar as medidas e fazer o corte no

tecido para poder costurar os pedaços que formam a parte de cima.


Foi preciso usar Charlotte em alguns momentos como minha

modelo, enquanto ia ajustando os detalhes. O trabalho ainda nem

estava finalizado e só parei porque minha amiga me obrigou a

comer.

Me estico na cadeira, meus músculos doendo por ter passado

horas sentada, levantando poucas vezes.

Vou para a cozinha, onde Charlotte está terminando de

colocar o almoço que fez nos pratos. O macarrão espaguete com

molho ralo e com poucas salsichas cortadas em rodelas está com a

cara boa e cheiro também, nem espero muito tempo para comer.

Tinha dias que éramos privilegiadas em comermos isso e não

somente miojo, e isso quando não tinha o caso de ter que

dividirmos.

Fico na cozinha para lavar as louças que sujamos. A regra do

nosso andar é clara, quem suja, lava. Assim não causa muito
problemas entre os estudantes.

Passo o resto da tarde tentando adiantar ao máximo o

trabalho antes de começar a me arrumar para ir ao Bar com

Charlotte e o clube. Nós duas decidimos que encontraríamos eles

lá.

Charlotte e eu andamos as duas quadras até o Bar Culture

com os braços entrelaçados, a noite está bem fria, o que me

impediu de vir de saia e meia calça, escolhendo calça jeans, blusa

de manga longa branca e casaco xadrez e bota com saltinho cano

médio.

Antes de entrarmos, pagamos a nossa entrada e pegamos a

pulseira, que esperei Charlotte colocar em mim e eu nela para

entrarmos em seguida.

Hoje o tema da festa é Rock Nacional, que curto muito por

sinal, e por ser feriado, o bar está cheio como imaginei, mas isso
não impede de localizarmos a mesa em que Artho, Dimitri e Natan

estão sentados.

— Vou pegar um chope para a gente — digo a Charlotte,

próximo ao seu rosto, por conta do som alto da banda ao vivo que

está tocando.

Ela anui, indo em direção à mesa em que os meninos estão,

enquanto sigo para o outro lado para comprar as fichas.

Acaba sendo bem rápido e preciso dar a volta para ir até o

balcão do bar com as fichas em mãos para pegar nossas bebidas.

Enquanto espero o barman atender alguns clientes que já

aguardavam antes de mim, dou uma olhada em volta, balançando o

corpo na batida da música.

Passando os olhares superficialmente pelo local, encontro

Eros na ponta do balcão do bar, conversando com uma mulher que


está de costas para mim. Ela passa a mão pelos músculos do peito

dele, coberto apenas com uma regata branca, que contrasta com a

jaqueta de couro preta, estilo cretino atraente.

Seu cabelo loiro está bem penteado e a barba bem feita,

tomando seu maxilar bem desenhado. Sua expressão relaxada,

enquanto bebe a cerveja do seu copo, denota que ele está com os

planos de ficar com ela.

— Ele é muito gostoso, não é?

Olho para a pessoa ao meu lado que fez o comentário e

confirmo que está falando comigo. A ruiva aponta com a cabeça em

direção a Eros, ela deve ter me pegado encarando-o tempo demais.

— Daria tudo para ter uma noite com ele.

Bufo.
— Não entendo o que vocês veem nele. — Olho para Eros

novamente. — Ele não é nem tudo isso que vocês dizem, como se

fosse um deus.

Ter o nome de um deus não o torna um. Eros, deus do amor,

é o oposto de Eros cretino e destruidor de corações.

Ela me olha como se eu fosse louca pelo comentário que

acabei de fazer, mas ignoro, entregando as fichas para o barman.

Pego as bebidas e antes de sair me viro para a ruiva novamente.

— Tenho certeza de que se você chegar nele com esse

sorriso meloso e esse olhar de encantamento, mexer um pouco os

cabelos desse mesmo jeitinho que fez enquanto o encarava, ele vai

te dar a chance de passar a tão sonhada noite que você quer com

ele.

Sigo para a mesa, colocando o copo com chope em frente a

Charlotte, antes de me sentar e beber um longo gole.


Cumprimento os meninos com um aceno rápido, e parece que

para Artho não é o suficiente.

— Oiapoque. — Reviro os olhos, ele sabe o quanto esse

apelido me irrita.

— Becker, algum dia vai deixar de ser chato?

— Jamais.

Escuto sua risada sendo acompanhado pela de Natan.

— Não é justo somente eu ter esse apelido horrível —

resmungo.

— Mas eu também tenho, Raquel — Charlotte declara, dando

de ombros.

— O seu não conta, amiga. “Mulher Maravilha”, Artho pensou

nesse com carinho.


Observo suas bochechas rosadas mesmo com o ambiente

não tão claro do bar. Artho esboça um sorriso presunçoso e beija a

bochecha dela.

Bebo mais do chope e olho para frente, procurando Eros, que

está no mesmo lugar, porém agora sentado no banco com a mulher

entre suas coxas.

— O que foi? — escuto Charlotte sussurrar no meu ouvido,

aproveitando que os três estão engatados em uma conversa deles.

Charlotte, percebendo para quem estou olhando, solta uma

risadinha ao meu lado.

— Não entendo o que elas veem nele — resmungo. — Ele é

tão... Eros.

— Mas amiga, você já viu algo nele também na época que

ficou interessada.
Desvio o meu olhar de Eros para encarar Charlotte.

— Isso é passado, aquela era outra Raquel, essa sabe o

quanto ele consegue ser insuportável e idiota.

— Uhum.

— Não acredita em mim?

— Não disse nada, mas a forma que está se importando com

esse fato, me mostra o contrário dessa “nova Raquel”. — Ela faz

aspas com a mão.

— Você está andando muito com o Artho.

— O que tem eu? — Artho pergunta quando escuta eu dizer

seu nome.

— O senso de humor da Charlotte melhorou depois que

conheceu você.
Ele ri, passando o braço pelos ombros dela.

— Sou uma perfeita companhia, Raquel, já deveria saber

disso.

— Você não cansa de ser convencido?

Dou risada.

É instantâneo como meu olhar está sempre procurando Eros.

O vejo caminhando em direção a saída do bar com a sua

acompanhante, que está grudada nele desde quando cheguei.

Ela deve estar se sentindo como um pinto no lixo por ter sido

a escolhida da noite por Eros.

Depois da sua saída, tento focar na conversa da mesa, meus

olhos indo em direção à porta algumas vezes. Em determinado

momento, Natan sai para comprar bebida para a gente e minhas

economias agradecem.
A banda começa a tocar a música Cedo ou Tarde do Nx Zero

e eu surto por ser uma das minhas preferidas, em seguida, Na Sua

Estante de Pitty é tocada e Charlotte me acompanha na cantoria.

É nessa vibe que passamos a próxima hora.

Foi em uma dessas olhadas para a entrada da porta do bar,

que vi Eros entrando, sozinho. E quando penso que ele vai vir direto

para a nossa mesa, ele muda de direção, indo se sentar em um dos

banquinhos do balcão.

— Vai lá falar com ele — Charlotte diz para mim.

Pelo jeito, ando passando tempo demais encarando Eros para

ela já ter percebido pela segunda vez.

— Claro que não, por que eu faria isso?

Charlotte está me provocando, retribuindo exatamente a

mesma coisa que fiz com ela quando conheceu Artho.


Vejo uma mulher parar ao seu lado, e reconheço a ruiva que

falou comigo mais cedo. Pelo jeito não era só eu monitorando Eros.

— Vai lá, tenho certeza de que Eros vai deixar a sem graça da

ruiva de lado para te dar atenção. — Charlotte ri, continuando a

provocação.

— Só se for para matarmos um ao outro. Você mesma já viu

como é quando estamos próximos.

A música Do seu Lado de Jota Quest começa a ser cantada

pela banda e encaro Eros novamente, neste momento o pego me

olhando também, a intensidade que eu sinto, mesmo com a

distância, me faz arrepiar, mas logo o isso é cortado quando um

cara para ao meu lado.

— Oi, Raquel — reconheço ele como amigo de uma das

meninas do meu curso.


— Oi...

— Caio. — Ele sorri, dizendo seu nome.

— Isso. Caio. — Sorrio de volta.

— Vim perguntar se não quer beber algo comigo.

Ele olha para minhas companhias à mesa. Caio parece ficar

desconfortável com o olhar de Dimitri, eu o entendo bem.

— Podemos deixar esse convite para outro momento? —

pergunto. — Hoje eu só quero curtir com a minha amiga.

— Claro — ele responde, sorrindo. — Deixamos para uma

próxima.

Assinto e ele parece praticamente correr da minha mesa, e

tenho uma leve impressão que é por causa de Dimitri e o quanto ele

parece assustador.
— Por que recusou?

— Por que eu não recusaria? A noite é nossa hoje, já faz um

tempo que não temos saído juntas por conta das nossas aulas, do

estágio.

Charlotte sorri, passando o braço pelo meu.

— Que assim seja!

Brindamos nosso chope, dando risada. Eros chama minha

atenção novamente e ele desvia o olhar de mim quando percebe

que o peguei me olhando.

Tento focar na conversa com o grupo e não na mão de Eros

apoiada agora entre o fim das costas e início da bunda da ruiva. É

claro que ela tem chances de ficar com ele, é estudante de Medicina

e bem popular no curso.


Viro o rosto para Dimitri, que não esboça reação com a

conversa que está tendo, observa tudo calado, volta e meia fazendo

um comentário. Natan, por outro lado, mesmo mais quieto que o

irmão, se inclui o tempo todo na conversa.

Estranho o fato de eles preferirem estar sentados com a

gente do que à caça, como seus amigos. Pensando nisso, percebo

que não vi Gabriel e nem Lion por aqui.

O engraçado é que cada membro do clube tem uma

personalidade diferente, me instigam curiosidade em saber mais

sobre eles, acho que não só em mim, mas todas as mulheres que

conhecem os cretinos.

Dimitri me pega olhando para ele, e me arrepio pela forma

intensa que franze o cenho, travando o maxilar, com uma expressão

quase assassina.
Foco meu olhar em outro ponto para fugir do dele, e para o

meu azar meus olhos caem justamente em Eros novamente, que

agora está saindo com a ruiva ao seu lado. Não consigo entender

por que isso me incomoda, Eros está agindo como o cretino que ele

é, nada mais que isso, faz parte da natureza dele.

Deveria estar feliz pelo fato de eu não precisar suportar a

presença dele.

— Ainda por cima é todo fácil, pega qualquer uma.

— Disse alguma coisa? — Me assusto quando escuto a voz

rouca de Dimitri.

Balanço a cabeça freneticamente e dou um sorriso forçado.

Uso esse instante para pedir à Charlotte para me acompanhar

até o banheiro, pois os quase três copos de chopes, me deixaram

apertada.
— Você percebeu o quanto Dimitri é assustador? — comento

com Charlotte quando estou lavando a mão, depois de sair da

cabine do banheiro.

— Meu Deus! Eu jurava que era só eu que achava isso. Ele

me assusta às vezes, mesmo só com aquele olhar.

— Ele me assusta sempre.

Damos risada.

— Ele tem aquela expressão assassina, juntando com as

tatuagens, então...

— Uma vez, perguntei a Artho sobre Dimitri, mas ele não quis

me contar — Charlotte comenta, arrumando o cabelo em frente ao

espelho.

— Eles são bem fiéis uns aos outros.


— Não é à toa, se conhecem desde crianças. Eu sei que os

meninos eram muito apegados aos pais do Eros e, quando eles

morreram, ficaram bem abalados.

— Foi um choque para todo mundo na época — digo.

Lembro que saiu no jornal e tudo, foi um assunto bastante

falado em Chuí.

Aproveito para retocar o batom que saiu enquanto eu bebia,

antes de sairmos.

— Percebi que você está bem inquieta — ela fala, me

olhando através do reflexo do espelho.

— Impressão sua — contesto.

— Te conheço tão bem, Raquel, esses quase quatro meses

de convivência me mostraram como reage quando está triste, feliz,

inquieta, chateada.
— Mas estou bem — afirmo.

Eu também sei ler Charlotte, quando algo está incomodando-

a. Nos aproximamos tanto e duvido que se eu não tivesse forçado a

conversar com Charlotte no primeiro dia, ela tímida como é, não

teria feito.

Ela ri, e sei que não a convenci.

Saímos do banheiro, o som abafado da música voltando ao

normal. Nos sentamos para curtir mais um pouco, pois logo mais

teríamos que ir embora por causa das aulas no dia seguinte.

A hora que se seguiu, não vi mais Eros. Talvez ele tenha

resolvido finalizar a noite com a ruiva, pois não vi a cara dela

também.

Artho decidiu levar Charlotte e eu até o Edifício, pois já estava

bem tarde para voltarmos sozinha, e duvidava que ele, sendo


praticamente namorado dela, deixaria isso acontecer.

Mesmo saindo de dentro do bar, me recusei a procurar Eros

pelo lado de fora, e foi exatamente o que eu fiz, mesmo no caminho

todo até o Edifício, a imagem dele e olhar intenso que me deu, vindo

o tempo todo na minha mente.


Eros

Sábado, 25 de novembro de 2017

— Você tem previsão de quando vai vir para São Paulo?

Continuo a rodar a caneta entre os meus dedos depois da

pergunta do meu advogado e nego com a cabeça. Acabamos de

encerrar uma reunião que tivemos com alguns sócios por vídeo-

chamada, onde discutimos os relatórios da quinzena do mês de

novembro.
— Sem previsão até o momento, Miguel. Acabei de entrar nas

revisões finais das matérias antes das provas e não vejo como

poderei estar viajando.

Ele suspira e assente, mas sabe que não é somente esse o

problema.

Miguel Santos é um senhor de mais de cinquenta anos que foi

melhor amigo dos meus pais, além de advogado da Editora, esteve

com os Giordano a anos e, mais uma vez, ele continua.

— Eu confio em você estando aí e cuidando dos negócios

para mim.

— Eu sei, mas seria bom ter você aqui às vezes, monitorando

de perto como a Editora está seguindo, ir pegando o jeito até você

vir de vez ano que vem.


— Não é fácil dirigir por mais de quatorze horas de carro e

ficar somente um fim de semana.

Vejo pela tela seu cenho se franzindo, o pesar das minhas

palavras o afetando.

— Como estão indo as consultas?

Desvio o olhar dele, me sentindo mal por ter vontade de

mentir para uma das únicas pessoas importantes para mim.

— Não estou indo, não estava vendo resultado nenhum e

desisti — escolho a verdade, e travo o maxilar quando vejo sua

expressão de desgosto.

— Eros, você sabe que não é assim que funciona... —

começa a protestar, porém ele para, sabendo o quanto sou cabeça

dura e teimoso para aceitar.

— Quero que respeite a minha decisão, Miguel.


Ele anui, depois de soltar um longo suspiro.

— Tudo bem. Temos mais alguma pauta para ser trabalhada?

— Não, por enquanto é somente isso.

— Ok, finalizamos por aqui, mas tarde te ligo. Se cuida, Eros.

— O senhor também.

Nos despedimos e abaixo a tampa do notebook. Relaxo

melhor na cadeira, olhando em volta do meu escritório, que fica no

último andar da Editora.

As fotos dos meus pais em cima da mesa me chamam

atenção. Deixo a caneta ao lado para pegar o porta-retratos.

Gustavo e Elena Giordano e, ao lado deles, eu.

A foto foi tirada um mês antes da morte deles na minha

formatura do Ensino Médio. É horrível pensar que eles se foram


cedo e só eu fiquei. A dor que carrego até hoje, mesmo tendo

passado três anos e meio. A vida foi tão injusta comigo.

Fecho os olhos tentando lembrar o último momento em que vi

o rosto da minha mãe, o sorriso dela ou meu pai com o seu jeito

brincalhão que encantou meus amigos logo que se conheceram.

E pensar que eles foram naquela maldita viagem chateados

comigo...

Levanto da cadeira, indo para uma das janelas de vidro que

vai do chão ao teto, sentindo minha respiração acelerar, tomado

pelo remorso. Odeio sentir o que essas lembranças me causam.

Se eu pudesse voltar atrás, teria feito tudo diferente, mesmo

se soubesse que os perderia.

Visto minha jaqueta, e guardo o relatório e meu notebook na

bolsa para ir embora. É sábado à tarde, o que significa que a Editora


está fechada e silenciosa, tendo somente os seguranças.

Pego o elevador direto para o subsolo, onde fica a garagem.

Meu Porsche destrava quando aperto o controle para entrar.

Ao sair do prédio, ativo os sons de notificação do meu celular e ligo

a internet, para logo ele começar a apitar.

Deve se tratar de várias mensagens com convites para festa,

como sempre, porém a festa hoje vai ser em casa, e modéstia à

parte, são as melhores, tirando as brigas que um de nós sempre

arrumamos.

Logo saio do centro da cidade, pegando a estrada que dá

para casa.

A subida é rápida e longa e em menos de cinco minutos estou

avistando a casa com muros altos feito de pedras com trepadeiras

tomando toda a parte.


Aperto o controle do portão para ser aberto, e antes mesmo

de estar na frente do portão de ferro. Entro passando pelos cem

metros até a garagem, que são rodeados pelo jardim bem cuidado.

Estaciono meu carro em frente à minha Mercedes, ao lado da

moto de Artho. Caminhando para a entrada da casa, olho para cima,

observando a placa escrita com letras garrafais “Clube dos

Cretinos”.

A ideia de criar o clube foi de Lion, assim que fui traído. A

nossa promessa era nunca se apaixonar por ninguém, isso vem

dando certo para nós, quero dizer, quase todos, já que Artho está

bem laçado.

Hoje eu vejo a ideia do clube como algo engraçado, mas na

época que descobri as traições da minha ex-namorada, estava

possesso de raiva e me achando um trouxa por ter caído na lábia

dela.
Havia entregado meu coração a uma mulher que o arruinou.

Quando entro em casa e tiro minha jaqueta, colocando no

gancho de entrada, percebo que algum dos caras deixou jogado um

casaco no chão.

Reviro os olhos.

Darth Vader aparece, abanando o rabo quando me vê, e eu

me ajoelho, esperando o rottweiler da cor preta e com cara de

ameaçador chegar perto para conversar com ele.

— E aí, garotão, se comportou bem? — acaricio ele,

passando a mão pelas suas costas e pescoço, enquanto ele pula

em cima de mim. — Acho que sou o único bem recepcionado

quando chego.

Ele solta um gemido baixo de contentamento.


— Que traíra! Ele não faz nem questão de olhar para mim

quando chego — Gabriel aparece, reclamando da atitude de Darth.

Dou risada.

— Talvez porque você seja chato e goste de irritá-lo.

— Até parece, o chato aqui é você e todo mundo sabe disso,

até mesmo a amiga da Charlotte deixou explícito no almoço esses

dias.

Bufo ao ouvir a menção a Raquel. Não acredito que fiquei o

semestre passado a observando no Restaurante Universitário,

vendo-a desfilar suas curvas em botas de salto e minissaias

provocantes.

Um semestre inteiro pensando na forma de chegar na garota

que fazia meu coração acelerar, depois de eu ter pensado que ele

estava congelado e nunca mais poderia bater por alguém.


Até perguntei o nome dela a um colega do meu curso. Já o

tinha visto andar com a turma dela algumas vezes. Ele me disse que

ela se chamava Raquel Mendes e que me conseguiria o telefone

dela.

Em vez de me passar o número, vi o filho da puta ficando com

ela na mesma semana, em uma boate do centro.

Eles continuaram saindo pelo resto do semestre.

Quando ela voltou das férias do meio do ano, foi Artho que

não perdeu tempo e a pegou com a maior facilidade. Agora, a

garota que despertava meu interesse, só me causa desprezo.

Aquela mulher enxerida e insuportável. Não posso crer que os

dois ficaram, não posso aceitar que um dia já tive algum interesse

nela.
— Raquel é irritante, não entendo por que está sempre junto

com a gente agora — resmungo. Só o fato de pronunciar seu nome

já me deixa de mau humor.

Levanto do chão, chamando Darth para me seguir até a

cozinha, cumprimentando Marcela, nossa colaboradora,

responsável pela limpeza da casa, que está passando pela cozinha

indo em direção à área de serviço.

— Talvez por que ela seja amiga da Charlotte, que é

namorada do Artho, né, gênio? — ele ironiza.

Sorrio de costas para ele. Abro o armário para pegar um

pacote de salgadinho.

— Isso não dá o direito de ela se meter onde não é chamada.

— Está dizendo isso por causa da conversa que tivemos na

noite do aniversário do Artho?


Viro para ele, semicerrando os olhos.

— Lion me contou tudo, até a parte do pau...

— Cala a boca. — Jogo o saco de salgadinho em cima dele,

que o pega, abrindo enquanto gargalha.

— Lion disse que foi uma conversa calorosa, que achou até

que rolaria uns tapas da parte dela, que estava bem furiosa com

você.

— Aquele fofoqueiro do caralho.

— Por que você causa essa reação nas mulheres? —

pergunta, apoiado na ilha. — Você está sempre deixando elas

furiosas com você.

— Talvez seja o fato de elas quererem algo que não posso

dar? — afirmo ao mesmo tempo que pergunto como se fosse óbvio.


— Mas eu também não prometo nada a elas, e não sou

tratado desse jeito.

Vou em direção à saída da cozinha, cansado dessa conversa

desnecessária.

— Eros — ele me chama e paro ainda de costas para ele, me

arrependendo de ter feito isso quando escuto suas palavras. —

Acha que eu teria chances com a Raquel?

Me viro, estreitando os olhos para ele, sentindo o sangue em

minhas veias esquentar com a sensação de que corre mais rápido.

— Porra nenhuma que você vai — rosno. — Ela não, Gabriel.

Fica longe dela.

Gabriel para de mastigar, surpreso com a minha reação.

— Mesmo se ela quiser? Tirando Natan, nunca tivemos

problema em pegar mulheres que o outro já pegou — brinca, mas


volta atrás quando não reajo bem com o seu comentário e volto a

me aproximar dele, que levanta as mãos em rendição.

— Ei, relaxa, cara. Só foi uma pergunta — ele se defende.

— E estou respondendo — digo. — Raquel está fora do seu

alcance.

Espero que eu esteja sendo claro com ele.

— E por quê?

Volto a virar as costas para sair do cômodo, me dando conta

de que se eu ficar, terei que explicar a Gabriel a minha reação, e

não estou a fim, já basta Artho no meu pé.

— Não enche, Bibi — provoco, o chamando pelo apelido que

uma de suas ficantes deu a ele, e que sei como ele odeia, isso bem

antes de surgir o Clube e a promessa.


Subo correndo as escadas de dois em dois degraus, quando

ele ameaça vir atrás de mim e escuto ele no andar de baixo me

xingando.

Viro para o corredor, onde fica meu quarto, e dou de cara com

Dimitri fechando a porta.

Paro a dois metros dele e o olho, desconfiado, percebendo

que ele está mais arrumado que o de costume.

— O que vai fazer essa noite? — me pergunta, dando ainda

mais brecha para minha curiosidade.

— Nada — respondo. — E você? Esbarrou no vidro de

perfume e ele quebrou em cima de você ou o quê?

Dimitri empina o queixo, mas acaba rindo. O conheço há mais

de duas décadas e meia, e só o vi se importar com a aparência

assim uma vez. E eu sei que deu terrivelmente errado.


— Ótimo, preciso de você — Dimitri diz, passando por mim e

batendo no meu ombro levemente.

Dou meia volta e o sigo, enquanto tento lembrar o nome da

única garota com quem ele se envolveu na vida, antes daquele mês

fatídico em que tudo deu errado.

Foi há muito tempo, ainda estávamos no colégio.

— Ela voltou à cidade? — o questiono, quando chegamos ao

patamar da escada.

Dimitri para e me olha com frieza. Não esperava que eu fosse

recordar aquilo.

— Como sabe? — me pergunta. Mesmo o conhecendo tão

bem, ainda sou pego de surpresa quando ele me lança um olhar tão

congelante.
Faz parecer que há um abismo entre nós, que foi construído

nos meses em que ele ficou no reformatório.

Ele sempre foi o mais sério e intimidador dos seis, mas não

com os amigos. Ele olhava com frieza para as pessoas de fora, mas

depois que ele foi solto, alguma coisa mudou dentro dele.

— Desconfiei. — Dou de ombros. — Tem certeza de que é

uma boa ideia rever a sobrinha do delegado?

— Você só faz as coisas que considera boas ideias? —

pergunta e começa a descer os degraus.

Eu me recusaria a ir se fosse Lion ou um dos gêmeos,

principalmente Gabriel, ainda mais com a mente cansada da

reunião. Mas não consigo negar nada a Dimitri ou Artho, por isso o

sigo para fora da casa.


— Qual é a minha função? — O vento frio toca meu rosto. O

céu está limpo e eu localizo com facilidade minha constelação.

— Seu carro é muito mais silencioso que o meu. Você vai me

levar até a fazenda, vai parar alguns metros antes da entrada,

deixar o carro ligado e com os faróis apagados. Se alguma coisa der

errado, eu corro para o carro e você acelera — Dimitri explica com

praticidade.

— Tem certeza de que uma boceta vale o risco? — cometo o

erro de perguntar.

Ele dá um passo na minha direção e vejo seu punho fechado.

Endireito a postura e ergo a cabeça para mostrar que não tenho

medo dele, mesmo assim, me desculpo.

— Foi mal, eu não sabia que ela ainda era tão importante

para você — murmuro, ainda sem recordar o nome da garota.


— Lívia foi só uma boceta pra você? — Dimitri insulta, ao dar

a volta no Mercedes e abrir a porta do carona. — E quanto a

Raquel, ela é só uma boceta?

É a vez das minhas mãos se fecharem em punho. Sinto um

tremor tomar conta dos meus membros e a raiva fazer o sangue nas

minhas veias arderem. Afundo a mão na maçaneta para abrir o lado

do motorista e sento no banco.

— Que porra aconteceu com vocês hoje para tocar no nome

daquela insuportável?

— Lívia ou Raquel? — Dimitri pergunta com frieza, como se

me torturar não lhe causasse nenhuma empatia.

— Lívia é uma traidora do caralho — respondo com o coração

batendo forte. — Raquel é tão insignificante que nem vale a pena

discutir.
— Ela é tão insignificante que você passa o almoço inteiro

olhando na direção dela, mas é tão orgulhoso que vai deixar um

pequeno detalhe arruinar tudo — Dimitri me julga, enquanto dou

partida.

— Como é mesmo o nome da sobrinha do delegado? —

pergunto, dirigindo pela estradinha de pedra até o portão.

— Giulia, por quê?

— Você ainda estaria indo encontrá-la desse jeito se

soubesse que Artho, Lion, ou até um dos gêmeos a agarrou

primeiro? Sem contar seu colega de turma.

Olho por um instante na direção de Dimitri, mas é o suficiente

para ver que ele entendeu.

— Se você tivesse chegado nela antes — ele começa —, ou

tivesse deixado claro que estava a fim dela, tenho certeza de que
Artho não teria...

— Entenda — digo com o tom de voz sério, enquanto dirijo

até um drive thru para comprar um lanche. — Não fui e não sou a

fim daquela garota metida.

É uma grande mentira, mas eu não admitiria.

— Sei — Dimitri murmura, pegando o celular do bolso e

tirando o foco de mim.

Quando recebo meu pedido, enfio uma porção de batata frita

na boca e dirijo até a fazenda dos pais de Giulia.

Tenho uma memória excelente, e consigo me lembrar com

clareza a primeira vez em que estivemos aqui.

— Ela não era da nossa turma — digo, enquanto Dimitri se

ajeita no banco —, mas fomos convidados para o aniversário de

quinze anos dela. Foi de última hora, não é?


— Sim, eu fui convocado de última hora e não viria sem vocês

— ele responde, enquanto manda mensagem no celular.

— Me lembro. Éramos os garotos mais velhos, todo mundo

nos respeitava — comento, sentindo a nostalgia tomar conta de

mim.

— Nos respeitam muito mais agora.

— Sim, mas naquele tempo não éramos fodidos da cabeça

como agora — acrescento.

— Fale por você, Eros, porque eu sempre fui — Dimitri diz e

desce do carro. — Não esqueça, mantenha as luzes apagadas e o

motor ligado.

— Do que adianta, se dá para sentir a porra do seu perfume

do outro lado da propriedade? — brinco, mas ele não liga.


O vejo desaparecer na estrada escura para encontrar uma

garota que ele não poderia sequer olhar na direção. É arriscar muito

por alguém que provavelmente vai decepcioná-lo até o próximo

semestre.

O barulho dos grilos e das rãs é minha única companhia na

próxima hora, e meu celular pesa no bolso da calça. Desbloqueio a

tela e tento não entrar no Instagram, mas o ícone do aplicativo

parece gritar meu nome.

Odeio clicar no botão de buscar e ver que o perfil dela

aparece sem que eu precise digitar uma única letra, odeio que seu

maldito nome seja tão frequentemente pesquisado que já fique salvo

ali.

— Vamos lá, Raquel Mendes — sussurro. — Vou te dar o

gostinho de olhar suas fotos só mais essa vez, e juro que vou

esquecer a droga do seu perfil.


Passo a próxima hora olhando as fotos e vídeos que já vi

tantas vezes, tomando todo cuidado para não esbarrar no botão do

like.

É uma merda que eu não possa clicar nos seus stories. Não

lhe daria esse gostinho de saber que visualizei.

Quando avisto a silhueta de Dimitri vindo em direção ao carro,

enfio o celular no bolso, como se tivesse sido pego fazendo uma

coisa errada, quando, na verdade, quem está cometendo erros aqui

é ele.

— Valeu a pena? — pergunto quando Dimitri afunda no bando

do passageiro.

— Muito — ele diz e passa a mão no cabelo. — Agora

acelera, vamos dar o fora daqui.


Eros

Sábado, 2 de dezembro de 2017

Saio do quarto com a intenção de ir até a cozinha, pegar algo

para comer e relaxar um pouco, estava há horas organizando um

cronograma para ser passado para o diretor da Editora na segunda-

feira.

No corredor, vou em direção às escadas, mas um ponto rosa

me chama atenção. Minha cabeça vira para essa direção,

encontrando um toquinho de gente se erguendo nos pezinhos


gorduchos dentro de um par de tênis branco e de moletom rosa,

tentando alcançar a maçaneta da porta do quarto para abri-la. Seu

cabelo castanho claro, presos em um rabo de cavalo, balançam com

o movimento e tenho vontade de rir.

Ela continua a persistir, para entrar no quarto, não um quarto

qualquer, mas os dos meus pais quando ainda estavam vivos. Não

lembro a última vez que entrei nele e não faço ideia de como as

coisas estão lá dentro.

— O que você está fazendo aí, Batatinha?

Ayla grita quando é pega no flagra e dou risada, quando ela

coloca as mãozinhas gorduchas no rosto, tentando se esconder.

Vou a passos rápidos até ela, a pegando no colo e jogando

para cima para escutar sua risada.


— Tio Elo! — Ayla chama meu nome, com sua língua

enrolada, sua vozinha alegre, e beijo seu rosto quando a tenho

presa em meus braços.

— O que estava aprontando?

Ela sorri, com o dedinho entre os dentes, apontando o dedo

com a outra mão em direção à porta.

— Entlá.

— Ah, você quer entrar? — pergunto, cutucando sua

barriguinha de forma leve, escutando sua risada gostosa mais uma

vez.

Ela assente e eu olho para a porta, com uns dois passos,

consigo alcançá-la e abri-la, e ser recebido por lembranças que me

causam saudades e dor.


— Seu irmão disse a você para não vir para esse lado —

tento lembrá-la.

Peguei Artho explicando a ela que não podia entrar neste

quarto, e sei que ele fez isso por mim, mas Ayla é uma criança, não

entende ainda a dor emocional das pessoas.

— Abe, tio Elo. Nenê que entlá — continua apontando para a

porta, tentando descer do meu colo para continuar insistindo em

abrir a porta sozinha. — Quelo entlá, tio Elo.

Fico tentado a fazer cócegas nela, para mudar sua atenção

do pedido. Porém Ayla, sendo tão teimosa como Artho, não desiste.

— Ok, apressadinha.

Estendo a mão, e a porta abre em um clique silencioso e

coloco Ayla no chão para que ela possa correr para dentro.
Sou tomado por uma enxurrada de emoções, enquanto Ayla

corre pelo quarto, direto para a mesinha de um dos lados da cama

com as mãos estendidas para o porta joias.

Tento manter meus olhos fixos nela, mas a lembrança dos

meus pais parece vívida demais aqui dentro. É como se eu pudesse

sentir os cheiros, ouvir suas vozes, como se eles não tivessem

partido de forma tão dolorosa.

Franzo o cenho e procuro respirar fundo para aguentar. Já se

passaram anos, mas a culpa por aquele dia ainda me persegue.

Ayla grita ao pegar o porta joias de vidro, balançando-o.

Obrigo meus pés a correrem até ela para alcançar o objeto antes

que ela o deixe cair no chão e se machuque.

— Isso não, Batatinha. — Faço um esforço enorme para soar

gentil com ela, mas minha voz sai mais rouca que o normal.
Solto um pigarro e ela grita, indo para o outro lado do quarto.

Coloco o porta joias no lugar, observando o lugar onde minha mãe

dormia. Me permito sentar na cama, para onde eu costumava correr

quando eu era criancinha e tinha um pesadelo.

A cama ainda está arrumada do jeito dela. Peço para Erika

trocar os lençóis toda semana, como se eles ainda estivessem aqui.

Seguro um dos travesseiros e vejo Ayla se movimentar pelo

quarto, como eu fazia quando era pequeno. Quase posso ouvir a

voz da minha mãe dizendo para eu não correr por aí.

— Deixe o menino brincar — meu pai sempre dizia, quando

ela tentava me refrear.

Eles foram os melhores pais do mundo, mas não foi isso que

os fiz pensar na última vez em que nos falamos.


Me pergunto se eles pensaram em mim no último momento.

Esse questionamento me atormenta todas as noites. Será que

estavam chateados ou me perdoaram pelas coisas que eu disse?

Sinto um caroço na garganta e respiro mais fundo, a fim de

controlar as lágrimas que se formam no meu rosto.

Nos primeiros meses, eu fantasiava que, a qualquer hora,

eles fossem entrar pela porta e minha mãe estaria com seus braços

estendidos, pronta para me abraçar e me encher de beijos como

sempre fazia, independente da minha idade. Mas já faz tempo que

deixei de sonhar com isso.

A realidade é que jamais vou poder vê-los de novo, nunca

poderei me desculpar. Só ficaram as lembranças.

Olho para a sacada e recordo quando meu pai e eu ficávamos

vendo as estrelas pelo telescópio até tarde, enquanto ele me


mostrava as constelações e contava as histórias de quando era

mais novo.

Esfrego a mão no rosto e vejo que a atenção de Ayla muda

para a porta do closet. Dou uma risada esquisita ao ver como ela

corre de um jeito atrapalhado, quase tropeçando nos próprios pés.

Me levanto e vou até ela, com medo de que ela se machuque.

O closet está do mesmo jeito que me lembro da última vez

que estive aqui. Nada foi mexido, nem mesmo tirado do lugar, não

tive coragem sequer de doar pertences deles, como roupas,

calçados. Nada.

O aroma do perfume de cerejeira que minha mãe amava está

no ar. Sinto ele quando adentro o closet para acompanhar Ayla. O

que eu não daria para sentir esse cheiro ao abraçá-la mais uma

vez...
Ayla me distrai dos pensamentos, quando vai em direção a

uma das gavetas para abri-la. Ela apoia as mãozinhas na gaveta

para conseguir levantar os pés e descobrir o que tem lá dentro.

A gaveta pertencia ao meu pai, onde contém diversas

gravatas de cores e estampas diferentes. Ayla consegue puxar uma

e, quando percebe que não é do seu interesse, deixa no chão,

seguindo para outra.

Eu brigaria com qualquer outra pessoa que tocasse assim nas

coisas do meu pai, mas dou risada, em vez de ficar bravo.

A pobre gaveta que tem sua atenção agora, é um pouco mais

baixa que a outra. Assim que ela consegue abrir, vejo que se trata

das joias da minha mãe, e isso parece interessar Ayla, que puxa de

dentro uma das caixas pequenas de veludo na cor vermelha com

um fecho em ouro.
Ela senta no chão e me sento à sua frente para ajudar a abrir,

aliviado pelos sons da sua risadinha afastarem a dor que estava

sentindo minutos antes.

— Blincos, tio Elo — aponta, pegando alguns anéis e

tentando colocar na sua orelha pequena.

Dou risada.

— Não, Batatinha, isso são anéis — pego sua mãozinha,

enfiando alguns deles em seus dedos, que ficam folgados pelo

tamanho grande. — Viu?

— Anéis? — pergunta com sua voz embolada, e de testa

franzida, me olhando com o rosto sério.

Meu peito dolorido se aquece. Apesar de ela ter sido fruto de

uma terrível irresponsabilidade de Artho, é muito bom tê-la em casa.

— Isso mesmo — confirmo.


Olho em volta, vendo o tanto que o quarto é grande, maior

que os outros da casa. O closet é largo com as duas partes cheias

de prateleiras, gavetas e cabideiros, lotados de roupas e sapatos e

muitas joias da minha mãe, como também relógio caros do meu pai.

— Aí está você — escuto Artho aparecer com uma expressão

agitada, provavelmente estava atrás da pequena espoleta.

Ele se aproxima, trocando um olhar surpreso comigo, por me

pegar aqui dentro, verifica se estou bem e assinto para garantir.

Quando Ayla tem ele na sua visão, ela sorri, amolecendo meu

amigo.

— Tutú — grita, feliz.

— Eu achei que você estava dormindo quando fui conferir,

como conseguiu ser tão silenciosa, minha princesinha?


Ayla dá risada, como se entendesse cada palavra e estende

os braços para ele, que se inclina para pegá-la, deixando beijos na

sua bochecha.

Olhando para meu amigo com sua filha nos braços, eu sei o

quanto ele a ama e faz tudo por ela, para que esteja bem o tempo

todo, mas isso não apaga o fato de que Artho foi descuidado o

suficiente. Ayla nasceu de uma irresponsabilidade.

— Encontrei ela tentando entrar no quarto — digo, juntando

os anéis para guardar de volta. Quando me levanto, com tudo

organizado no lugar, vejo que ficou um dos anéis com Ayla, que

estende-o para mim e o pego, enfiando no seu dedinho de novo.

— Não devia ter deixado ela entrar — me repreende e reviro

os olhos. — Eu sei o quanto faz mal entrar aqui por causa da

saudade, das lembranças.


— Artho, está tudo bem. Eu realmente precisava fazer isso e

Ayla foi um meio especial para eu conseguir.

Ela dá risada quando enfio o anel de novo em seu dedinho,

vendo-a tirar mais uma vez para me ver repetir o processo. É tão

lindo ver a inocência de uma criança e como pequenas coisas,

mínimas possíveis, as fazem felizes.

Continuo brincando com Ayla, e agradeço por ela ser uma

distração para não precisar encarar Artho. Ele sorri para ela e beija

seu rosto.

— Preciso dar o mamá dela e tentar entretê-la para voltar a

estudar e mais tarde levá-la para a casa do meu padrasto.

— Deixa eu ficar com ela, estava pensando em sair para

comer algo e ela pode ir comigo, de lá eu deixo Ayla com o seu

padrasto.
Ele estreita os olhos.

— O quê? Ayla é a melhor companhia que se pode ter.

Meu amigo dá risada, saindo do closet para parar no meio do

quarto.

— Disso eu tenho certeza — pergunta ao me olhar. — Mas

Raquel pode ser uma boa companhia também se você deixasse de

ser tão ranzinza.

Escutar esse comentário me faz lembrar da época que ele

ficou com ela, e isso não deixa meu humor legal.

— Você está a fim dela há meses, e ainda não entendo por

que não chegou na garota.

— Isso não interessa, Raquel não faz meu tipo. Ela é tão

intrometida e chata, gosta de estar na razão e odeio isso.


— Raquel é igualzinha a você, Eros, só você não percebeu

isso ainda.

Nego com a cabeça. Quando penso em xingá-lo, olho para

Ayla, que tem os olhos vidrados em mim, e sei o quanto essa

garotinha é esperta e está na fase de aprender todas as palavras

que escuta.

— Acho bom mesmo — Artho parece ler minha mente quando

diz e abro um sorriso. — Vai mesmo sair com ela? Não quero te

atrapalhar, posso deixar para estudar amanhã, já que hoje tem festa

aqui.

— Não é incômodo, Artho. Vai logo arrumar ela e as coisas

que devo levar para a casa de Celso, vou deixá-la na casa dele na

volta.

Assente, dando tapinhas nas minhas costas, saindo logo em

seguida do quarto, me deixando sozinho com as lembranças.


Dou mais uma volta no quarto, tocando com os dedos as

mobílias. A cama centralizada no meio tem uma colcha creme, um

quadro dos meus pais pendurado em cima da cabeceira da cama. É

uma foto dos dois em uma viagem de aniversário de casamento.

O sorriso do meu pai ao olhar para minha mãe, tão

apaixonado e feliz, enquanto ela olhava para frente, esperando o

fotógrafo bater a foto.

A saudade ainda dói, e é preciso sair do quarto deles para

não me emocionar olhando cada detalhe do cômodo que fez parte

da vivência dos dois.

Caminho para fora do quarto e demoro um pouco para fechar

a porta, que faz o mesmo clique de quando foi aberta antes.

— Está tudo bem? — escuto a voz de Dimitri atrás de mim e

me viro para encontrar meu amigo com o cenho franzido.


Aquiesço, mas não pareço ter convencido. Talvez pelo fato de

já ter se passado um tempo desde que entrei no quarto dos meus

pais, por não conseguir lidar com todas as lembranças.

E ele me pegar saindo de dentro dele, é algo para se

questionar mesmo.

— A Batatinha queria entrar e acabei... — Eu faço um gesto

para a porta fechada e é a vez de Dimitri assentir. — Vou sair para

comer algo com ela, está a fim de me acompanhar?

— Não vai dar, tenho que comprar as bebidas — ele diz, e

deixo uma batida nas suas costas antes de começar a descer as

escadas.

— Deixa para a próxima, então.

No andar de baixo, encontro Artho com Ayla vestida com um

casaco da mesma cor que o moletom que estava vestida antes.


— Vamos, Batatinha?

Visto o casaco e estendo os braços para ela, que pula para o

meu colo.

— Não vai passar uma lista para o Eros? — Dimitri pergunta,

ao aparecer logo depois.

— Eu sei cuidar dela.

— Claro que sabe, da outra vez deu um pote de Nutella para

ela comer — Dimitri comenta, rindo, e Artho parece estar a ponto de

desistir da ideia de me deixar sair com ela.

— Dimi, você também foi cúmplice, que eu lembro — jogo a

culpa para ele também, que bufa, sorrindo. — Ayla, dá tchau para

seu irmão e o Dimitri.

Ela faz o que peço, mandando beijinhos também, sem fazer

ideia de que Artho é seu pai.


Aproveito para já ir saindo com ela, e Artho vem logo atrás

com Dimitri no encalço. Artho pega a cadeirinha dela que está ao

lado da porta de saída, com sua bolsa com pertences para deixar na

casa do Celso.

— Nada de doces demais, Eros, e muito menos coisa gelada.

— Eu sei! — respondo irônico.

Artho prende a cadeirinha dela e a pega no colo para ele

mesmo colocá-la sentada para passar o cinto de segurança depois.

Ele deixa um beijo na sua bochecha e, em seguida, na sua testa,

antes de fechar a porta do carro ao lado de Ayla.

Dimitri acena pelo vidro para Ayla, que faz o mesmo, toda

empolgada.

— Cuida bem da minha filha, Eros — ele diz baixo, para que

Ayla não o ouça chamar de filha.


Reviro os olhos, ignorando seu comentário. Sempre cuido

bem dela.

Aceno, mandando um beijo para Artho e Dimitri, antes de ligar

o carro e sair da garagem.

— Pronta para o passeio, Batatinha?

— Sim! — responde, animada e saio pelo portão sorrindo.

O monitor no encosto do banco de passageiro passa vídeos

de música que agradam Ayla. A viagem de casa até o shopping da

cidade é rápida e logo estou estacionando em uma vaga do lado de

fora do prédio. Nem preciso olhar através da janela do meu Porsche

para ver que estou chamando atenção pelo carro.

— Chegamos.

Saio do carro, indo para o outro lado para pegar Ayla, junto

com sua bolsa. Ao travar as portas e começar a andar pela calçada


em direção a entrada do shopping, consigo escutar os suspiros

quando passo ao lado de algumas mulheres.

Sorrio de lado, e falo com a Ayla.

— Precisamos sair mais vezes juntos, Batatinha, você está

fazendo o titio Eros fazer sucesso.

Ela dá risada, olhando tudo em volta com aquele olhar curioso

de criança pronta para explorar tudo. Vamos direto para o andar da

praça de alimentação. Fico na dúvida do que comprar para Ayla

comer, nada parece saudável para ela.

— É sua filha? Parece com você.

Tenho vontade de rir com a forçação da atendente em puxar

assunto. Ela é uma morena alta, com os cabelos presos em um

coque por causa da touca do trabalho.


— Oi, bebê — a atendente, que tem no crachá o nome de

Luísa, tenta pegar a mãozinha de Ayla, que desvia, deitando a

cabeça no meu ombro.

Ayla não dá muita atenção para a atendente, percebendo

isso, a mulher parece ficar sem graça, mas não deixa de tentar

conversar comigo.

— Vai querer mais alguma coisa? — a atendente tem um

sorriso grande no rosto quando me pergunta, depois que eu fiz o

meu pedido.

— Não, obrigado.

Faço meus pedidos e depois de pronto, tento fazer

malabarismo até a mesa com a bandeja e Ayla nos braços,

recusando a ajuda de Luísa.


A única opção que sobrou de lanche para Ayla, foi o

McLanche Feliz e, de brinde, um brinquedo da princesinha do jogo

do Mario Bross, que Ayla amou.

A voz de Artho veio na minha cabeça quando decidi comprar

um pequeno potinho de sorvete para Ayla.

“O que os olhos não veem, o coração não sente” não é esse o

ditado?

Coloco ela sentada em uma cadeira para a idade dela e sento

ao seu lado. Ela come um pouco das batatinhas e aproveito para

comer o meu lanche, sabendo que sou atração para as mesas ao

lado da nossa.

Vejo só depois que levanto o copo da bandeja com a minha

bebida que tem um guardanapo com um número de telefone nele,

suponho ser da atendente Luísa.


— Gostou, pequena? — pergunto a ela, que tem a mão cheia

de batatinha, tentando enfiar na boca.

Ela balança a cabeça freneticamente.

Foi preciso me distrair um momento com o meu celular, que

começou a tocar no bolso para perder a travessura de Ayla, que

conseguiu alcançar o potinho de sorvete e lambuzar suas mãos e

boca.

E só percebo isso quando escuto a voz de Raquel em frente à

nossa mesa, olhando abismada em direção a Ayla.

— Ai, meu Deus! Quem foi o sem noção que deixou ela aos

seus cuidados?

Ah não!

Meu dia estava bom demais para ser verdade.


Aquela coisinha irritante e enxerida, vestida com uma calça

jeans justa, que deixa sua bunda redonda e empinada, com uma

blusa branca decotada, um pouco escondida pelo casaco xadrez.

Subo os olhos para aqueles lábios carnudos e beijáveis em

tom de vermelho, franzidos de desgosto e aquele olhar intenso...

aquele maldito olhar que parece incendiar quando está em mim, e

me deixa furioso de desejo.


Raquel

— Você! — escuto Eros exclamar e bufar.

— E quem mais seria? — Eu volto a olhar para Ayla, que tem

a atenção no sorvete e na mão lambuzada. — Ainda estou me

perguntando onde Artho estava com a cabeça quando deixou você

sair com ela.

Deixo minhas sacolas em cima da mesa e vou em direção a

Ayla, que logo me vê, levantando as mãozinhas meladas para mim.

Tiro primeiro o potinho do seu alcance.


— Oi, tia Laquel.

— Oi, meu amor. — Pego guardanapos, tentando limpá-la.

Eros já está do outro lado de Ayla, fazendo o mesmo.

— Não preciso da sua ajuda — Eros declara, ignorando meu

olhar irônico para ele.

Como sempre, ele está todo orgulhoso.

— Estou vendo mesmo isso — respondo, sarcástica. — Não

sabe cuidar de uma criança — acuso.

— E por acaso você sabe? — Ele estala a língua nervosinho.

Fixo meus olhos nele, que me olha também, e percebo agora

mais de perto, o quanto ele fica lindo de jaqueta de couro. Seus

cabelos loiros como sempre, bem penteados, aquela maldita barba

bem feita… Sinto arrepios só de imaginar passando pela pele do

meu pescoço, antes de subir para minha boca.


Balanço a cabeça para fugir dos pensamentos pervertidos

com ele. Tenho que lembrar constantemente que Eros Giordano é

uma atração passada.

— Com certeza melhor que você — respondo com os dentes

cerrados.

— Vocês dois tão bligando? — paramos de nos encarar

quando escutamos a voz da Ayla.

— Não, pequena — nego, sorrindo.

— Tão bligando, xim. E não pode — ela começa a balançar a

cabeça de um lado para o outro.

— Nada de brigas, Batatinha — a voz de Eros fica mais

aveludada e calma ao ser dirigida para Ayla, e isso de certa forma

quebra um pouco a irritação que estou sentindo por ele.


Pego Ayla no colo quando vejo que o sorvete seco nas suas

bochechas não vai ser limpo, e Eros começa a protestar quando

falo:

— Vou levar ela no banheiro para tirar melhor o sorvete.

— Vou junto.

— Claro que vai — respondo o óbvio.

Penso em pegar minhas coisas em cima da mesa, mas ele já

fez isso. Eros me olha com uma expressão nem um pouco amigável

ao me seguir, e faço questão de ir na frente dele, conversando com

Ayla.

— Tia Laquel, sabia que o Tutú compô um ulsão bem gandão

pa mim?

— Sério? E de que cor ele é?


— Losa — ela fala toda animada e sorrio. — E o tio Elo me

deu um calo losa.

— Carro?

Ela assente e me viro para trás, pegando Eros olhando para

minha bunda. Ele vira o rosto rápido, mas sabe que foi pego no

flagra.

— É um carro de criança — ele responde como se não fosse

nada demais uma criança de dois anos e meio ganhar um carro.

Continuo andando, ciente agora que Eros estava olhando

para minha bunda, não sou tão invisível assim para ele, pelo jeito.

Mordo o lábio, querendo olhar mais uma vez para trás e ter

certeza de que não imaginei coisas.

A porta do banheiro familiar está bem à nossa frente, e

quando entro, Eros vem atrás, decidindo só me observar, enquanto


sento Ayla no balcão, pego a bolsa dela, que está com Eros, e

procuro o lencinho umedecido para passar no seu rostinho.

A todo o momento, Ayla conversa comigo, me contando sobre

a creche onde estuda, os amiguinhos que ela tem, até mesmo sobre

como o Darth Vader é fofinho.

— Sabia que ele é meu amiguinho?

— Que legal — declaro. — Aquele cachorro é assustador —

sussurro para mim mesmo, mas pelo som que Eros faz atrás de

mim, que não consigo identificar se é uma tosse ou um pigarro, sei

que ele escutou.

Depois que Ayla está limpa, com as mãozinhas lavadas e

secas. Encho ela de beijinhos, cheirando seu pescocinho, a fazendo

rir.

— Cócegas, titia.
— Agora sim, está limpa.

Eros se aproxima, passando minhas sacolas para mim, indo

pegar Ayla no colo. Ele me olha quando a tem nos braços, e espero

um agradecimento da parte dele, mas como eu já imaginava, não

acontece.

Bufo.

— Mal educado — digo, indignada.

— Eu não pedi sua ajuda.

— O mínimo que deveria fazer é agradecer, mesmo sem

pedido. Duvido que conseguiria resolver tudo do jeito que é.

— De que jeito? — estreita os olhos para mim.

Por poucos segundos, imaginei ter visto um certo interesse na

sua pergunta, como se ele se importasse com o que eu acho dele,


mas isso não passa de ilusão.

Eros Giordano não se importa com a opinião de ninguém,

além dos seus amigos.

— Deixa, não importa o que você pensa.

— Biga de novo? Nenê não gosta.

Eros sorri para Ayla e fico surpresa, pois é a primeira vez que

presencio esse momento, e é épico.

— Não, Batatinha.

Eros sai do banheiro, não se importando comigo ficando para

trás. Respiro fundo, odiando o fato de Eros Giordano me afetar de

alguma forma, mesmo que seja o odiando.

— Tia Laqueeel — escuto Ayla me chamando do lado de fora,

e saio também, encontrando-a, olhando em direção ao banheiro


com a testa franzida.

Por incrível que pareça, Eros resolveu me esperar. Minhas

sacolas estão pesadas por causa dos tecidos novos que precisei

comprar para terminar as encomendas de roupas que preciso

entregar ainda hoje.

Vou em direção à saída, andando ao lado de Eros. Ele

apenas me ignora, mas parece se divertir com os comentários que

Ayla faz, fazendo questão de me incluir.

Observo Ayla nos braços dele e como ele parece ficar ainda

mais atraente. E, pelo jeito, não sou a única a prestar atenção nisso,

as mulheres que passam ao lado dele estão quase babando.

Filho da mãe gostoso, isso tenho que confessar.

Passamos em frente a uma loja de jogos e entretenimento.

Do lado de fora tem alguns bichinhos eletrônicos com rodinhas que


as crianças sentam em cima e ele anda. Eles também chamam

atenção de Ayla, que começa apontar para eles, querendo andar.

— Tio Elo, cavalinho — continua tentando chamar atenção

dele — Nenê andá no cavalinho.

Dou risada quando Eros começa a se desesperar. Imagino

esse homem desse tamanho sentado em um bichinho só para

acompanhar uma criança.

— Não acredito que vai ignorar o pedido de uma criança,

Eros. Tadinha! — provoco e ele me olha irritado.

— Ela não pode subir em um desses sozinha.

— Claro que não, e é por isso que você precisa acompanhá-

la.

Reviro os olhos.
Seguro o riso quando ele nega com a cabeça, encarando

Ayla, que continua a pedir para andar em um. É até cômico ver a

expressão de desespero no rosto dele, sendo o reservado e

insensível que é.

Começo a rir de seu desespero.

— Deixa que eu vou com ela.

Me aproximo para pegá-la do colo dele e Eros fixa seus olhos

nos meus, o movimento que faço com os braços para trazer Ayla

para mim me faz me aproximar dele e sentir seu perfume.

Seus lábios grossos têm a minha atenção e o desejo de poder

sentir como é ser beijada por eles me deixa afetada. Minhas mãos

soam, e eu dou uma leve fraquejada ao pegar Ayla nos braços, me

afastando dele para evitar essas sensações.


Vou até a atendente, deixando Ayla escolher o cavalinho que

tanto deseja. Sinto o olhar do Eros em mim, mesmo depois, quando

ele paga pelo brinquedo e eu me sento com Ayla no assento.

— Eba! — ela grita quando o brinquedo começa a andar, e

dou risada.

Antes de me afastar com Ayla no brinquedo, viro minha

cabeça para Eros.

— Tira foto de nós duas e me envia depois.

Ele revira os olhos, mas pega o celular no bolso da calça,

tentando tirar as fotos ao mesmo tempo que segura as minhas

sacolas pesadas em uma mão e a bolsa da Ayla em outra.

Ficamos vários minutos andando pelos corredores do

shopping, Ayla o tempo todo rindo e gritando divertida.


No momento que acabou, ela fez um muxoxo fofo com sua

boquinha, mas sem fazer birra quando descemos do brinquedo.

— Como foi? — Eros pergunta para Ayla, que começa a

gesticular com as mãos.

— Foi legal, tio Elo. Vai com a titia Laquel agola — dou risada

e vejo diversão passar pelo rosto dele.

Reparo em como ele consegue ser outra pessoa ao lado

dessa criança fofa, o que não entendo é por que ele decidiu se

fechar tão completamente para o mundo, ser reservado e ranzinza

quando pode escolher ser o oposto, tenho certeza de que ele

saberia lidar com os problemas dele de uma forma melhor.

Mas não entendo como é perder os pais ainda novos. Será

esse o único motivo?


— Numa próxima vez. Precisamos ir agora, preciso te deixar

na casa do seu papai Celso.

— Eba — Ayla levanta os braços, batendo palmas.

Continuamos caminhando para o lado de fora, seguindo Eros

enquanto escuto Ayla começar a cantar uma música da galinha

pintadinha.

Estava tão atenta a ela, que só percebo que paramos, quando

Eros abre a porta do Porsche preto, colocando minhas sacolas e a

bolsa de Ayla no banco de trás.

— Ah, eu acho que você não percebeu que acabou colocando

sem querer minhas coisas no seu carro.

Ele pega Ayla dos meus braços, a prendendo na cadeirinha

com toda a calma, ignorando meu comentário.

— Eros — o chamo, me irritando a sua pirraça.


Depois de verificar se Ayla está bem confortável, ele volta a

ficar em pé ao meu lado, e sua cara cínica, zero demonstração de

abalo, me dá uma grande vontade de socá-lo.

— Entra no carro, vou te deixar no Edifício.

— O quê? — pergunto, mesmo tendo escutado bem, porém

sem crer que ele está falando sério. — Eros Giordano fazendo

caridade?

Ele bufa, e o repuxar que ele faz com a boca, me diz que ele

está sem paciência.

— Deseja ir a pé então? Com suas sacolas pesadas? Não

vou me opor a isso — responde, duro.

Me dou conta de que ele está certo, seria uma caminhada

longa se eu não conseguisse pegar um ônibus, e ter a oportunidade

de andar nesse carro vai ser um sonho realizado.


Ainda com meu orgulho em pé e nariz empinado, entro no

carro, sentindo a maciez e conforto assim que me sento. Tudo grita

dinheiro, couro e poder. Eu gosto disso.

O design e acabamento. Até mesmo o brasão do Porsche,

gravado nos apoiadores de cabeça nos bancos dianteiros, é

chiques.

Eros bate a porta do carro e dá a volta para entrar no lado do

motorista. Ele não fala nada no momento que entra e muito menos

durante os minutos do shopping até o Edifício. Seu jeito me mostra

o quanto não me suporta.

Mas tento aproveitar a viagem, sentindo o poder que é estar

dentro de um carro potente e caro desse. Quando é que terei a

mesma oportunidade de novo?

Eros para na frente do prédio, e sendo sábado, sempre tem

estudantes do lado de fora, e hoje não seria diferente, todos olham


curiosos quando me veem saindo do carro de Eros.

Eros abre a porta para poder pegar minhas coisas e espio no

banco de trás para encontrar Ayla dormindo. Me inclino, deixando

um beijo na sua bochecha gordinha e quando me endireito e fecho a

porta, Eros já está esperando para me entregar as sacolas.

— Obrigada — digo.

Mesmo não o aturando, sei ser educada, o contrário dele, que

simplesmente só acena com a cabeça, me encarando, e depois

disso só se vira e volta para dentro do carro.

— Riquinho mal educado — resmungo.


Raquel

Fecho a porta, me encostando nela. Estou tão feliz e

animada! Mais uma entrega de encomenda feita, nem acredito que

nos últimos meses isso vem crescendo tanto.

— Sua última encomenda do dia? — Charlotte pergunta ao se

virar na cadeira que está sentada, em frente à sua mesa de estudos.

— Sim. — Sorrio ao ir em direção à mesa de costura, para

organizar meu material e guardá-lo.


— Percebeu que os pedidos vêm crescendo? — ela pergunta

e eu assinto. — Seu trabalho é lindo, tem mesmo que ser mostrado

ao mundo.

— Obrigada, Charlotte.

Sou grata pela amizade dela. Charlotte é uma das pessoas

que vêm me apoiando muito, além dos meus pais, mesmo eles não

entendendo por que escolhi Moda para cursar, enfatizando que é

um tiro no escuro, que eu receberia melhor se focasse em cursar

algo que me dê mais segurança financeiramente.

Ninguém da minha família entende, mas diferente dos meus

pais, meus outros familiares criticam por pura maldade.

Sempre escolhi não me importar com a opinião deles, é o

meu futuro, minha vida e estou conquistando isso aos poucos.

Minha independência e conhecimento.


— Vai à festa dos meninos hoje? — ela me pergunta.

— Com certeza. — Dou risada, pegando da cama as roupas

que fiz para ela e para mim. — Vou com o Gael, ele me convidou

para irmos juntos.

— Gael de Luca? O que está no sétimo período de

Administração e vem te chamando para sair há um tempo?

— O próprio.

Prendo meus cabelos em um coque, depois de alinhar minhas

roupas em cima da minha cama para ver se está faltando algum

detalhe.

— Ele estuda com Eros — Charlotte comenta.

— Sei disso também. — Dou de ombros.


— Eu sei que os meninos têm uma história desagradável com

ele.

— Que história? — Me viro para ela, louca para saber da

fofoca, ainda mais envolvendo os cretinos.

— Não sei, Artho nunca me contou do que se trata. Só foi

algo que eu ouvi enquanto eles conversavam, mas não prestei

atenção direito.

Faço um muxoxo com a boca, voltando para o que eu estava

fazendo antes.

— Falando em Eros, ainda não sei como Artho deixou Ayla

sair com ele.

Minha amiga dá risada.

— Artho confia a vida dele nos meninos, e sabe que Eros

cuidaria bem de Ayla, do contrário não deixaria a irmã com ele.


Assinto. Eu vi a maneira que Eros agiu com a Ayla hoje, e sei

o quanto ele ama aquela garotinha, a forma que reage quando está

do lado dela é o oposto do que ele é com outras pessoas não

próximas a ele.

— Mesmo Eros dando besteiras para ela comer — Charlotte

completa, sorrindo, e dou risada.

Entro no banheiro para tomar banho, depois de ter maquiado

Charlotte e contemplado minha obra prima. No momento em que

estou vestida e me maquiando em frente ao espelho, as batidas na

porta chamam a minha atenção.

Charlotte abre a porta e Artho entra.

Escuto ele assobiar em contentamento quando encontra

minha amiga toda arrumada. O silêncio de início e depois o barulho

de beijos me indica que estão se pegando na entrada do quarto.


Pigarreio para indicar que ainda permaneço no quarto, como

uma boa alma inocente que não deseja presenciar nada.

— Oiapoque.

— Becker. — Me viro para cumprimentá-lo, ignorando o fato

de ele ter me chamado pelo apelido. Não vou me estressar com isso

agora.

— Já podemos ir. — Charlotte pega sua bolsa depois de

vestir o casaco.

Artho franze a testa para ela e depois olha para mim.

— Você não vai com a gente? Podemos te esperar, de

qualquer forma eu sempre espero mesmo.

Sorrio e nego com a cabeça.


— Raquel vai depois — Charlotte responde por mim e isso

deixa a confusão no rosto de Artho ainda mais evidente. — Ela vai

com o Gael para a festa hoje.

— O Gael de Luca que faz Administração com Eros? — sua

expressão de confuso passa para desagrado.

— Ele mesmo. Por que todo mundo faz essa pergunta? —

brinco.

Ele dá de ombros, entortando os lábios em desgosto. Como

se imaginasse a merda que isso daria.

— Isso é ruim? Eu sei que você e os meninos têm algum

problema com ele — declaro e olho para Charlotte, que também

parece interessada em saber do que se trata.

— Esse problema não envolve bem todos nós.


A forma que ele dá a entender com essa frase e depois como

se referiu a Eros antes, me dá indicação que é Eros e Gael que têm

o mal-entendido.

Quando penso em perguntar o que é, vejo pelo seu rosto que

ele não contaria, por ser algo do seu amigo e não dele para contar.

Ele segura a mão de Charlotte para saírem.

— Te vemos na festa, Oiapoque. E vá preparada para tudo —

brinca, e pela forma que ele fala, eu sei que não é uma simples

brincadeira. Charlotte cutuca ele.

Ela sorri se despedindo e eu fico para trás com um

sentimento de incômodo, imaginando várias coisas que podem ter

acontecido entre Eros e Gael para terem a tensão que senti em

Artho só em ele comentar.


Termino de me arrumar, o tempo todo passando pela minha

cabeça as palavras de Artho. A saia de prega rodada em xadrez nas

cores marrom, branco e preto combinam muito com a blusa preta de

manga e gola alta, com minha meia calça 7/8 e bota de salto cano

alto.

Meu cabelo loiro escuro está com os cachos abertos, feitos

pela chapinha. Estou usando maquiagem forte para marcar meus

olhos azuis e o batom vermelho.

Meu celular vibra em cima da minha cama e vejo ser uma

mensagem de Gael informando que já está lá embaixo me

esperando. Com minha pequena bolsa e casaco marrom em mãos,

saio do quarto, o trancando em seguida.

Desço pelas escadas mesmo, porque a espera pelo elevador

será algo demorado.


Por algum motivo, me vejo nervosa quando passo pelo

saguão em direção à saída, mas assim que vejo Gael parado ao

lado do seu carro Range Rover vermelho, percebo que o

nervosismo não é por causa dele.

E sim, por causa de um certo rabugento Giordano.

— Oi, gata. Você está linda — ele me elogia.

Sorrio para Gael quando paro na sua frente, e ele se inclina

para beijar meu rosto, pegando no canto da minha boca.

— Eu sei — digo e ele ri, abrindo a porta do carro para eu

entrar.

Já a algumas quadras depois do Edifício, sinto a mão de Gael

na minha coxa, no limite da minha saia, que subiu um pouco por

causa do movimento de sentar.

Olho para ele, que sorri ao perceber que não me oponho.


Ele me dá um leve aperto. Sei das intenções dele, mas agora

não sei se me sinto confortável indo para a festa na casa do Eros,

ele sendo o anfitrião.

Estou começando a me arrepender, quando lembro de como

ele foi um escroto comigo a todo o momento desde que nos

conhecemos e decido não ligar para o que Giordano achará quando

me vir acompanhada de Gael.

São problemas deles, não meus.

Porém, quando o carro é estacionado do lado de fora da

casa, atrás de uma fileira enorme de carros, indicando que a casa

está cheia, aquele nervosismo volta ao meu corpo, e parece piorar

quando Gael, passa o braço pela minha cintura para entrarmos

juntos.
Artho

Olho para a porta pela milésima vez essa noite, enquanto

bebo da minha cerveja, e Artho parece ser o único que percebe

isso. Pegando todos os meus indicativos de ansiedade.

Ele está do lado de Charlotte, que tem uma conversa

animada com Lion. Ainda não entendi o motivo de Raquel não ter

vindo com os dois, deixando para aparecer só depois, como Artho

me disse, mesmo eu não tendo perguntado nada a ele.


Estou em um canto da casa, em pé, bebendo afastado o

suficiente para não ter a atenção das meninas para mim. Daqui eu

tenho a visão perfeita de quem entra e a casa parece encher a cada

minuto que passa.

Me recuso a aceitar que isso tudo é porque estou esperando

Raquel aparecer.

Olhando para a entrada da porta da sala mais uma vez, eu

localizo Raquel entrando e… porra, essa mulher foi mandada pelo

próprio demônio para fazer da minha vida um inferno.

Ela está absurdamente gostosa com aquela saia de pregas

na altura da coxa, meia calça escondendo a pele clara de suas

pernas esguias e a porra daquela bota, consigo até imaginar elas

enroladas na minha cintura, enquanto afundo duro nela.

Ela joga o cabelo para o lado, que cai em ondas.


Raquel cumprimenta algum conhecido sorrindo, e isso me

chama atenção para o seu batom vermelho, que hoje parece estar

bem mais vibrante, não posso deixar também de ter a imagem da

boca com esse batom no meu pau, subindo e descendo.

Caralho!

Ela olha em volta da sala, parando seus olhos delineados em

mim, no canto da sala, a observando. Não desvio o olhar, e Raquel

também não. Assim como eu fiz, eu vejo seus olhos descerem pelo

meu corpo, mas não demonstro nada visivelmente, somente eu

sentindo por dentro o que ela está fazendo comigo ao aparecer

gostosa assim essa noite.

Mas estou contente por ver que não sou o único que tem uma

atração aqui.

Tudo muda quando eu percebo que um braço passa pela sua

cintura, e travo meu olhar em Gael de Luca, filho da puta, merdinha.


Percebo agora que Raquel veio com ele. Seus olhos desviam de

mim para Gael quando o idiota sussurra algo em seu ouvido.

Meu sangue ferve ao ver a cena, chego a amassar o copo de

plástico que está em minhas mãos.

Com todos os idiotas para vir à minha casa, ela aparece

justamente com o caralho do Gael de Luca, o infeliz com quem

minha ex-namorada resolveu me chifrar.

Artho, do outro lado, parece ter a intenção de vir até mim,

mas balanço a cabeça, não quero cena e muito menos estragar a

noite dele com sua garota.

Ainda está cedo demais para rolar um briga nesta festa.

— Quem convidou esse idiota? — Lion aparece ao meu lado,

me perguntando.
— Não sei, mas pode ter certeza de que não estou feliz —

rosno, com a minha visão ainda nos dois.

De Luca faz questão de deixar suas mãos o tempo todo nela,

e tenho vontade de quebrá-las para não tocar nem mesmo em um

fio de cabelo de Raquel.

Gael me avista, e abre um sorriso de escárnio quando me

pega encarando-o. Se ele soubesse o desejo que tenho de afundar

seu sorriso nojento na sua cara, ele com certeza iria embora.

— Deu para perceber, você acabou com o copo — Lion

brinca, e desço minha cabeça para olhar o que sobrou do copo. —

Das outras vezes que De Luca estava por perto, nunca o vi reagir

como agora.

Mesmo possesso de ódio, não descontaria no meu amigo,

mesmo ele merecendo.


— Mas eu tenho uma leve impressão de que eu sei o motivo.

Uma leve dorzinha surge no meu maxilar já tenso pela

pressão dobrada que estou colocando. Fico calado, observando

Raquel, que mesmo incluída na conversa do grupinho do idiota,

ainda me lança um olhar que me parece ser desconfortável.

Ela sabe então que Gael e eu não nos damos bem e mesmo

assim veio com ele para a minha festa.

— Mas que porra esse idiota está fazendo aqui? — Dimitri

aparece do meu outro lado, seu olhar assassino dirigido a Gael. —

Vou lá tirar ele daqui.

— Não precisa. — Seguro seu braço para impedir que

avance. — Vamos deixar ele por mais um tempo.

Gael ir embora significa que Raquel irá também, e não gosto

da ideia de eles dois juntos em outro lugar.


Ele franze a testa, mas assente. Artho, do outro lado, está

infeliz com o que está acontecendo. Tento relaxar, é assim que eu

sou, não demonstro o quanto as coisas me afetam.

Dimitri me oferece seu copo de bebida e eu aceito, virando

tudo na minha boca. Uísque misturado com energético, parece me

deixar ainda mais quente e agitado por dentro.

Raquel se inclina para Gael, diz alguma coisa e ele assente

antes de ela se afastar deles, indo em direção à cozinha. Tenho

certeza que para pegar algo para beber. Entrego o copo vazio a

Dimitri e me afasto deles para segui-la, escutando eles dizerem

alguma coisa que não consigo entender por causa do volume alto

da música.

Passo pelas pessoas, esbarrando em algumas, me

desvencilhando de mulheres que tentam me segurar para conversar.


Por algum milagre, a cozinha se encontra vazia, e uso esse

momento para chegar em Raquel, que está de costas para mim, e

puxá-la pela mão em direção à área de serviço a alguns passos da

cozinha.

— Ei — ela exclama assustada com o toque repentino, e

quando me vê, tenta se soltar. — Eros, enlouqueceu? Me solta.

Ao contrário do que ela pede, continuamos andando, até eu

entrar no quartinho e fechar a porta, a trancando. Acendo a luz e

vejo sua expressão em choque e ao mesmo tempo enfurecida.

— O que foi agora?

— Por que trouxe aquele idiota com você? — pergunto ao me

inclinar mais para frente, a prendendo entre mim e o armário branco,

que vai do chão ao teto preso na parede. — Ele não foi convidado.
Estou inclinado, meu rosto a centímetros do seu, minha

respiração acelerada, e ela consegue perceber o quanto estou com

raiva.

— Que merda é essa? — ela tenta se afastar de mim. — Me

solta, Eros, ou eu vou gritar.

— Ninguém vai conseguir te ouvir.

— Foi o Gael que me convidou para vir com ele, não que eu

tenha que te dar alguma satisfação.

— Tem, sim, quando isso significa que está na minha casa —

rujo, nossos olhos fixos um no outro o tempo todo.

— Se você está tão incomodado assim, posso voltar para a

sala e pedir para o Gael ir embora comigo.

Ela tenta se afastar novamente, mas não deixo, grudando

ainda mais nossos corpos. Suas palavras têm o efeito de me deixar


ainda mais furioso.

— Porra nenhuma que vou deixar você sair daqui com ele.

— Você não manda em mim, Giordano.

Seu peito, assim como o meu, sobe e desce com a respiração

ofegante. Eu olho para sua boca vermelha e carnuda, entreaberta

pelas emoções exaltadas que estamos tendo. Ela quando vê que

meus olhos desceram para sua boca, faz o mesmo, olhando para a

minha a pouca distância.

Intercalo meus olhos entre os seus e sua boca chamativa,

gritando para eu largar tudo e beijá-los, deixar rolar e lidar com as

consequências depois.

— O que você quer, Eros? — pede, com a voz menos

alterada, relaxando, levantando mais a cabeça para termos nossos

narizes se tocando.
Estou quase perdendo completamente o juízo.

— Você não vai querer saber.

— Quero sim — exige ao mesmo tempo que sua voz vacila.

Ela está tão afetada quanto eu.

— Quero prender você neste armário, enquanto tenho suas

pernas em volta de mim — sussurro, seus olhos vidrados em mim

enquanto intercalo meu olhar entre sua boca e seus olhos azuis. —

E subir minhas mãos pelas suas coxas, descendo as meias para

sentir sua pele macia. Mas não pararia aí, eu subiria mais um

pouco...

A sinto mexer os quadris, desejosa e excitada.

— Enfiaria meu dedo dentro da sua calcinha para sentir o

quanto está molhada, lambuzando todo o meu dedo, enquanto

deslizo ele pela sua entrada, pressionando seu clitóris, e assim eu


enfiaria um dedo em você, entrando lentamente, sentindo sua

boceta apertada e quente, isso tudo olhando para você e a vendo

gemer, me pedindo por mais.

Meu pau reage quando escuto seu gemido manhoso e respiro

fundo para me controlar, imaginando toda a cena.

Ela ofega, apertando as coxas uma na outra. E dou um

sorriso de lado.

— E por que não faz isso? — pergunta, sua voz rouca pelo

desejo, sua boca raspando na minha em provocação.

Tudo dentro de mim grita desejo por essa mulher, a reação do

meu corpo por ela é inevitável, e agora que tenho ela ao meu

alcance, como imaginei várias vezes, estou a ponto de perder o

controle.
Não a respondo. Raquel está sendo a minha perdição, minha

loucura diária. Toda vez que a vejo, sei que quando ficarmos uma

vez, vou precisar de muito autocontrole para não deixar acontecer

uma segunda vez.

Porque eu sei que tê-la uma vez só não será o suficiente.

— Então me larga e deixa eu voltar — exige, sua voz irada

voltando, ela está indignada por eu não ter respondido.

Inclino minha cabeça para cheirar a pele do seu pescoço, seu

perfume delicado de flores.

— Não — digo ao me afastar e olhar para seu rosto

vulnerável pelo meu contato.

E é quando ela olha para minha boca novamente, passando a

língua pelo seu lábio inferior, que jogo tudo pelos ares e prendo

minha boca na sua, perdendo o meu controle.


Bruto e forte.

Ela geme quando seguro seus cabelos para controlar o beijo.

Puxo seu corpo ainda mais para o meu, e logo Raquel está com as

pernas enroladas na minha cintura, sua saia enrolada na base de

suas coxas, assim como imaginei.

Ela morde meu lábio inferior, antes de prender nossas bocas

novamente, segurando minha cabeça, seus dedos passando pelos

meus fios curtos de forma ágil e desesperada, em busca de mais

contato.

Nosso beijo é forte e duro, sem chance de nos afastar. É a

minha vez de suspirar ao subir minhas mãos pelas suas coxas,

sentindo sua pele macia ao abaixar sua meia calça, subindo as

mãos para pousá-las na base da sua bunda.

Aperto cada lado da sua bunda durinha, sentindo-a mexer seu

quadril, causando uma fricção gostosa entre o tecido fino da sua


calcinha e o jeans da minha calça, meu pau endurecendo, louco só

de imaginar ultrapassarmos as coisas aqui dentro.

— Eros — Raquel sussurra meu nome, seu tom de voz

sedento e cheio de prazer. — Eu quero...

Estou quase ultrapassando a sanidade e rasgando sua

calcinha fora com um só puxão, quando escuto tentarem abrir a

porta, que está trancada, com um baque. Paramos o beijo, olhando

em direção à porta.

Raquel puxa meu rosto para voltarmos a beijar, porém as

batidas na porta começam.

— Caralho! Quem está aí dentro?

Reviro os olhos por Dimitri ter acabado de estragar o

momento. Raquel desenrola as pernas do meu quadril, e quase


mando Dimitri ir se foder, quero continuar aqui preso com ela, mas

ele começa a esmurrar a porta.

— Porra!

Ela se desespera ao tentar colocar as meias no lugar, e

abaixar a saia. E mesmo antes de fazer isso, consigo ver sua

minúscula calcinha vermelha, da mesma cor do seu batom agora

borrado.

Espero vê-la recomposta para poder abrir a porta e dou de

cara com Dimitri furioso e com o taco nas mãos, observando meu

estado, ele olha para trás de mim, vendo Raquel desconcertada,

que passa por nós dois indo em direção ao banheiro.

Quero impedi-la, mas percebo que é melhor assim.

— Dá para entender o porquê do seu ódio por Gael essa noite

— ele sorri.
— Você é um estraga prazeres, porra — acuso, irritado.

— Como eu ia saber que você estava quase comendo a

gostosinha aí dentro? Só vim guardar meu taco.

Fico irado com a palavra que ele usa para chamar Raquel, e

percebendo, ele levanta os braços como forma de dizer que está

apenas brincando.

— Fica longe dela você também — dou um aviso, me

afastando dele.

— Eros — ele me chama, sorrindo. — De nada, por ter

expulsado o idiota do De Luca.

Sorrio quando entendo o que ele quer dizer, e subo para o

andar de cima, me recusando a olhar na direção que Raquel foi e ir

atrás dela dentro do banheiro e terminar o que começamos, mas

antes disso, garantindo que não fôssemos mais atrapalhados.


Preciso manter distância dessa mulher.
Raquel

— O que eu fui fazer me enfiando dentro daquele quartinho

com Eros? — resmungo para mim mesma, me olhando no espelho

do banheiro, tentando tirar o batom vermelho borrado da boca.

Como se eu tivesse tido escolha, fui arrastada por ele e isso

me deixa enraivecida. Olho para a minha imagem refletida, meus

cabelos desgrenhados, as marcas do rosto rosadas pela pegação

quente que tivemos, e o sorriso enorme nos lábios, que não quer

sumir.
Quando é que imaginaria ficar com Eros Giordano? Nunca!

Me sinto realizada, mas ao mesmo tempo puta com ele e não

consigo entender essa mistura de sentimentos.

Se eu soubesse que para causar alguma reação em Eros

precisaria apenas estar com o Gael, teria feito isso antes. O que não

entra na minha cabeça é a forma que ele reagiu.

Me lembro de que já deve ter passado muito tempo que estou

sumida, e retoco o batom para voltar à sala. Só não sei como agir

lembrando que Eros e eu nos pegamos, principalmente com ele no

mesmo cômodo que eu.

Saio de dentro do banheiro, preparada para ser questionada

por Gael pela demora e tento preparar uma resposta, uma boa que

não faça ele perceber que não estou com bebida nenhuma, como

havia dito que buscaria para mim.


Entro na sala o procurando, nem sinal dele em lugar nenhum.

Enrugo a testa e vou até Charlotte e Artho sentados no sofá, Artho

com uma expressão relaxada e descontraída.

— Vocês viram o Gael?

— Ele foi embora, acho que cansou da festa — Artho diz,

sorrindo, e Charlotte bufa.

— E nem me disse nada — fico indignada que ele tenha me

convidado para vir com ele e agora foi embora sem dizer nada.

Volto à cozinha para pegar algo bem forte para beber,

querendo descontar totalmente na bebida e tentar me divertir um

pouco e em nenhum momento encontro Eros.

Ele sumiu como mágica.

Bebo um copo de Gin em menos de um minuto, e já estou

com o copo cheio de novo.


Idiota me beijou e agora sumiu, me deixando aqui como se

não tivesse valido de nada. Claro que não valeu, ele é um cretino.

Me recuso a passar a festa toda sentada, essa não seria eu.

Com um copo cheio vou para a sala de festa, onde está a pista de

dança, a música alta, me obrigando a esquecer o Gael de Luca e

minha escolha estúpida de ter aceitado sair com ele, e Eros

Giordano, seu beijo malditamente gostoso e seu humor do inferno.

— Você está bem? —Ouço Charlotte perguntar, estamos no

nosso quarto, já deve ser mais de quatro horas da manhã.

Estou deitada, quase pegando no sono, não tive nem

dignidade para tirar minhas roupas e tomar um banho antes de

deitar.
— Uhum. — Fecho os olhos, imaginando a ressaca que

estarei amanhã. — Estou muito brava com Eros, ele que me beijou

e sumiu.

— Espera! O Eros te beijou? — Charlotte exclama, se

sentando na minha cama e eu nem consigo abrir os olhos direito

para responder ela.

— Sim, e foi tão bom — sinto minha voz sumindo ao falar.

Não consigo entender o que ela está dizendo, minha cabeça

está pesada, os olhos também e devo ter pegado no sono, pois

quando acordo, o quarto está escuro e silencioso.

Ao lado da cama, na mesinha, meu celular vibra e percebo

que foi esse barulho que me despertou. Penso em ignorar e ver do

que se trata somente quando eu acordar de verdade.


Mas ele toca de novo e preciso pegá-lo para desligá-lo. E é

quase fazendo isso que vejo na tela que um número desconhecido

me mandou mensagem no WhatsApp. E quando abro a mensagem,

tem algumas imagens que carregam e logo vejo que são fotos

minhas e de Ayla no shopping, em cima do bichinho eletrônico.

Abro a foto de perfil só para ter certeza de que é a pessoa

que estou imaginando.

Eros está de costas na foto, sem camisa e consigo ver melhor

sua tatuagem de constelação abaixo da sua nuca. A foto é em preto

e branco, mas acentua muito seus músculos largos e fortes.

Me questiono com quem ele pode ter pegado meu número e o

que deu nele de me mandar mensagem depois de ter sumido da

festa. O ícone me mostra que ele está on-line.

Estaria me esperando responder, já que visualizei sua

mensagem?
Não farei isso, ele que aceite ser ignorado.

Desligo o celular, e me viro para o lado para tentar pegar no

sono, mas não consigo, porque só sei lembrar do beijo que tivemos

e suas palavras quentes, me dizendo o que faria comigo presa

naquele quartinho, e em como eu estava ao ponto de transar com

ele.

Esse beijo me atormentará por um bom tempo.


Raquel

Terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Saio praticamente correndo da sala para conseguir chegar a

tempo no trabalho. As provas do fim do semestre começaram e isso

está me enlouquecendo e dando motivos para a gerente do meu

trabalho começar a pegar no meu pé mais que o normal.

Deixaria para comer algo no meu intervalo no trabalho, ou se

com sorte eu tivesse alguns minutos antes do meu horário de

entrada.
Saio da Universidade, descendo as escadas correndo e estou

pronta para atravessar a rua quando um Range Rover vermelho

para na minha frente. O vidro da janela é abaixado e vejo Gael lá

dentro sorrindo para mim.

— Entra, preciso conversar com você — pede.

— Por que eu deveria? Me deixou na festa e foi embora —

acuso, sem paciência para conversar com ele e muito atrasada.

Começo a dar a volta no carro, logo ele sai e segura meu

braço antes de eu atravessar a rua.

— Raquel, espera, eu posso explicar — diz, e eu olho em

direção ao meu braço, dando indicativo para ele me soltar, o que ele

faz de bom grado.

Não havia dado permissão para que me tocasse.

— Não fui embora porque eu quis, eu juro.


Semicerro os olhos para ele, tentando descobrir se ele está

mentindo.

— Eu te deixo no seu trabalho, assim podemos ir

conversando.

Faço a conta mentalmente de quanto tempo eu gastaria indo

a pé, aceitando seu pedido eu estaria unindo o útil ao agradável.

— Tudo bem!

Ele sorri presunçoso por ter conseguido me convencer. Dou a

volta novamente para entrar no banco do passageiro.

— Vai ficar onde? — pergunta, manobrando o carro para

voltar a dirigir.

— No shopping — digo e ele assente. — Pode começar.


Para início, nem deveria ter aceitado ir à festa dos meninos

com Gael, ainda mais se eu soubesse que ele tem problemas com o

Eros.

— Me expulsaram da casa.

— O quê?

— Enquanto você ia para a cozinha, Dimitri e Artho me

expulsaram da festa, não me deixaram nem falar com você antes,

porque aquele idiota tinha um taco.

Ele só pode estar se referindo a Dimitri, lembro do momento

em que ele atrapalhou a minha pegação com Eros no quartinho de

serviço.

— Quando eu voltei para a sala, me disseram somente que

tinha ido embora.


Os meninos não teriam agido dessa maneira se não tivessem

um motivo e sei que o único que poderia me contar alguma coisa é

o próprio Gael.

— Eles tiveram motivos para isso? — pergunto e ele me olha,

dando uma risada ao olhar para a frente de novo.

— Peguei a namorada do Eros na época do colegial, e ele

não aceitou muito bem. Não tive culpa, ela que deu em cima de mim

— ele fala com uma tranquilidade, sem um sentimento de

arrependimento.

— Nossa, Gael. Como pôde? — Mas percebendo que pelo

pouco que o conheço, ele seria capaz mesmo de fazer isso.

— Não era eu que estava namorando, era ela. E eu não fui o

único, ela ficou com o colégio todo praticamente, só Eros que não

via isso.
Ele diz contando vantagem, se sentindo orgulhoso. Como

posso ter me interessado por um escroto desse?

— Quem é ela? — minha curiosidade em saber se a conheço

ou se simplesmente vou ter que criar um rosto desconhecido na

minha mente para odiar.

Não entendo como ela pôde ter feito isso com Eros, mesmo

ele sendo um idiota, pessoa nenhuma merece isso.

— É uma das garotas da cobertura do Edifício que você mora,

nem lembro o nome dela. — O que mostra que foi insignificante

para Gael.

Gael para em frente ao Shopping e desliga o carro. Me viro

para ele, e pela expressão que ele apresenta, está achando que

estamos numa boa agora que ele se explicou.


— Então, gata, não foi minha culpa. — Ele levanta a mão

para tocar meu rosto e se inclinar para me beijar.

Me desvio dele, abrindo a porta do carro para sair, ele me

olha sem entender, evidenciando o questionamento no rosto.

— Os cretinos estavam certos em te expulsarem da casa

deles, e um idiota como você não merece meu tempo. — Assopro

um beijo para ele. — Tchau, gato, até nunca mais.

Bato a porta do carro dele, com muita raiva, não só por mim,

mas pelo que ele fez com Eros.

Minha conversa com Gael me fez perder o apetite, então vou

de elevador diretamente para o andar em que trabalho. E fico feliz

quando chego quinze minutos antes do meu horário.


Eros

Segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A noite está estrelada quando me sento do lado de fora da

sacada com o telescópio para poder observar as estrelas. Passo a

manta pelos meus ombros, o vento da noite castiga qualquer pele

desprotegida.

Abaixo a cabeça para colocar um dos olhos no observador,

fechando o outro. Começo a procurar a constelação que é o motivo

de eu tê-la tatuada nas costas. A encontro rapidamente, os pontos


brilhantes das estrelas que formam o Taurus, já estou tão

acostumado a observá-la.

E logo ao lado encontro a de Órion, depois de Plêiades.

Passo vários minutos olhando para elas. Esse momento sempre me

faz lembrar do meu pai, e a paixão que peguei dele em ficar sentado

em noites como essa e olhar para as estrelas.

Desde pequeno, quando meus amigos estudavam comigo e

vinham para minha casa nos fins de semana, passávamos a parte

da noite com meu pai no quintal quando ele não estava viajando,

escutando ele contar as histórias de cada constelação.

Gosto de relembrar esses momentos, mesmo quando bate a

saudade, porque são nelas que vejo quanto os anos passaram, e

Artho, Gabriel, Natan, Lion e Dimitri continuamos amigos.

Uma amizade que começou eu chamando-os para

acamparmos no quintal da minha casa, e como isso virou algo


nosso. Não vou dizer que nunca nos desentendemos, nunca rolou

socos ou um tempo sem falar um com outro na medida que fomos

crescendo, mas isso nos aproximou mais.

Vi cada um lutar contra os seus fantasmas, seus passados,

realizar coisas, assim como eles me viram também, e estiveram

comigo quando perdi meus pais. E um mês depois eu estava

chamando todos para morarem comigo, concretizando nosso Clube

dos Cretinos.

Pego meu celular, abrindo o WhatsApp, ignorando todas as

mensagens não lidas, algumas de mulheres, outras de colegas de

curso. E vou direto nela.

Raquel nunca me respondeu depois que mandei as fotos dela

com a Ayla. E isso faz dias. Penso em mandar boa noite, até digito,

mas apago, desistindo, quase jogando o celular de lado, se não

fosse uma foto nova dela de perfil que me fez parar para admirá-la.
É uma foto tirada em frente ao espelho e tenho certeza de

que é da noite da festa. Sei disso pela forma que seu cabelo está

jogado para o lado, com as camadas dos cachos abertos e o

caralho do batom vermelho que sempre me faz imaginar sua boca

no meu pau, me chupando, com sua expressão de rogada e

manhosa, a mesma expressão que ela fez antes de eu beijá-la.

Caralho, e que beijo...

Bloqueio a tela do celular para não cair em tentação e mandar

mensagem para ela. Penso que fiz o certo aquela noite em sumir

para o meu quarto.

Não consigo esquecer que quase transamos e a sensação de

ter tido ela em meus braços, ter sentido o quanto ela me desejava

me enlouquece.

Venho percebendo o quanto Raquel tem mexido comigo e

isso não é recente.


Me senti atraído por ela desde que a vi pela primeira vez na

universidade e depois nas festas, enquanto eu a observava sem

ninguém perceber e fiquei muito puto quando Artho ficou com ela.

Tive vontade de socá-lo. E foi assim que meu amigo descobriu meu

interesse por Raquel.

Raquel Mendes me irrita, seu temperamento, personalidade,

não consigo passar um segundo no mesmo ambiente que ela sem

querer brigar com ela, ao mesmo tempo que tenho desejo de fazê-la

calar a boca a beijando.

— Aquela mulher linda, chata, irritante e gostosa —

resmungo.

Raquel é a única mulher que foi capaz de me tirar do sério,

nem mesmo descobrir a traição de Lívia e o interesse dela por eu

ser rico foi capaz de me tirar a dignidade.

— Falando sozinho? — Artho aparece na varanda.


Meu amigo se senta ao meu lado, se inclinando para o

telescópio, admirando as estrelas. Artho abre um sorriso, que fica

por um bom tempo enquanto continua a observar o céu.

— Vai ficar por aqui nas férias? Ou está pensando em ir para

São Paulo? — Artho pergunta, se afastando do telescópio.

Bufo.

— Essa é a vontade de Miguel, mas ainda não decidi.

Ele dá risada.

— Conversa com ele, diz que decidiu ir só na metade do ano

que vem, depois de se formar. Ele vai entender, Eros — suspiro,

olhando para o céu. — Você e sua teimosia de não dar o braço a

torcer.

— Como está sua mãe? — mudo de assunto, e ele bufa,

sendo ele a fugir do assunto.


— Vou visitá-la na próxima semana. Será a primeira vez que

vou vê-la, desde a fuga.

— Não vai acontecer de novo, relaxa.

Sei o quanto ele se preocupa com sua mãe e ama, mesmo

ela sendo errada e ter sido uma das causadoras pela infância

perturbada de Artho. Seu corpo tatuado esconde as marcas de uma

infância infernal que viveu com seus pais.

E depois veio a mãe viciada, ele tendo que lidar com a

gravidez da sua namorada, ser um bom pai para Ayla depois da

perda da mãe da criança.

— Ainda está de pé a nossa viagem para Jurerê

Internacional, agora que você tem a Charlotte? — pergunto

interessado.
— O que a Charlotte tem a ver? — Estreita os olhos para mim

e reviro os olhos com Artho se fazendo de sonso.

— Onde ela vai passar as férias?

— E eu vou saber. — Ele dá de ombros.

— É porque eu pensei que você iria querer passar o Natal e a

virada do ano com ela — continuo.

— A gente não é um casal para passar esses feriados juntos.

Gargalho.

— Quando você vai contar para ela que Ayla é sua filha? —

questiono. — Quase deixei escapar algumas vezes.

Ele suspira.

— Não sei, Eros.


Ele apoia os cotovelos no joelho, e vira a cabeça em minha

direção, já percebendo a mudança de assunto.

— E a Raquel? — Artho pergunta.

Reviro os olhos com a menção ao nome dela.

— O que tem ela?

Faz uns dias que não consigo vê-la direito, e me convenço

que estou bem com isso. Está corrido por conta das provas finais, a

Editora demandando atenção no fim do ano pela quantidade de

produção de conteúdo dos setores, das impressões.

— Não se esbarraram de novo? — ele insiste e eu nego. —

Caralho, Eros, você nunca foi tão lento assim, não entendi ainda por

que não ficou com a garota. Está na cara que os dois estão a fim um

do outro pelas alfinetadas que se dão.

— Artho...
— Nem me mande calar a boca. — Se levanta, dando risada,

antes de sair do meu quarto.

Estou bem com a vida de cretino que levo, e se eu permitir

que as coisas com Raquel atravessem o outro lado, terei que lidar

mais do que apenas sexo. E essas férias sem vê-la vão ser boas

para controlar essa tensão sexual e voltar ao normal no próximo

semestre.
Raquel

Sábado, 23 de dezembro de 2017

São seiscentos e trinta quilômetros de Bento Goncalves a

Chuí, e quando desço do ônibus com meus músculos doloridos por

ter passado horas sentada, encontro meu pai, o homem de quarenta

e cinco anos, me esperando na plataforma.

Sorrio, correndo para abraçá-lo. Nunca passei tanto tempo

longe da minha família, e a saudade dos meus pais foi um ponto

forte sobre estar na Serra Gaúcha.


— Que saudades, querida. — Ele me abraça apertado,

beijando meu rosto algumas vezes, solto risada quando sua barba

por fazer pinica e faz cócegas no meu rosto.

— Eu também, pai. — Me afasto dele, quando ele beija minha

testa. — Minha mãe não veio?

Ele nega com a cabeça, enquanto sobe o apoio da minha

mala de rodinhas para puxá-la.

— Ficou para fazer a janta para te recepcionar. — Sorrio,

morrendo de saudades do seu tempero.

Viver somente de miojos, comida da RU e lanches não é a

mesma coisa que a comida da minha mãe. Seu Davi Mendes coloca

minha mala no porta-malas da sua Saveiro e abre a porta para eu

entrar no carro.
— Como anda a oficina? — pergunto quando já estamos

saindo da rodoviária.

— Graças a Deus, está indo bem. A clientela tem aumentado,

tenho feito um trabalho bom. — Ele me olha orgulhoso e eu sorrio

feliz por ele e sua paixão pelos carros. — Está precisando de mais

dinheiro?

— Não pai, está tudo bem. Estou me virando bem em Bento

Gonçalves — garanto a ele. — Falei para o senhor e a mamãe que

venho pegando encomendas para fazer roupas de algumas garotas

da universidade.

— Sim. Você, desde pequena, sempre mostrou interesse para

essas coisas de costura. — Ele ri. — Mesmo achando que deveria

estar cursando Medicina.

Acho que o sonho de todos os pais na mesma classe social

que a gente é verem seus filhos formados em uma profissão que dê


uma garantia de vida melhor, diferente da deles, que sofreram com

a condição difícil na vida.

— Eu sei, pai, e sei também que mesmo que eu não esteja

cursando o sonho de vocês, me apoiam por estar realizando o meu.

— Sinto aperto na minha garganta ao dizer as palavras.

— Sempre, querida — sua voz rouca me mostra que ele está

emocionado, e levanto minha mão para apertar a sua no volante.

Minha mãe já está na porta de casa quando meu pai

estaciona o carro na frente. Só me dá tempo de descer e sentir seus

braços em volta dos meus ombros. Dona Marta Mendes chora, e eu

sorrio com o coração apertado de saudade.

— Oi, mãe — retribuo o abraço, beijando seu rosto.

— Você está tão linda, mas parece que não tem se

alimentado direito — constata ao se afastar e olhar para meu corpo.


Nisso ela tem razão, mas não preciso preocupá-los com isso.

Sei que seriam capazes de perder o sono por causa disso.

— É só impressão sua, mãe.

Aceno a mão para alguns vizinhos curiosos que estão do lado

de fora para saber o que está acontecendo e ter o que fofocar.

Minha vizinhança consegue ser bem fofoqueira.

Meu pai pega minha mala, a levando para dentro de casa, e

eu e minha mãe vamos atrás, de braços dados, logo depois de

fechar o portãozinho de grade, enquanto ela pergunta sobre minha

vida em Bento Gonçalves.

A casa está do mesmo jeitinho que lembro. Do lado de fora, a

tinta verde desgastada, mas bem arrumada, com o jardim de rosa

que minha mãe cultiva e a graminha bem aparada.


Nossa casa é pequena, com sala, cozinha, três quartos e dois

banheiros, um deles no quarto dos meus pais, que fica no segundo

andar.

Sou igual à minha mãe na questão de organização, então

quando entro na sala, e vejo tudo bem arrumado, não me

surpreendo. Como tive saudade do sentimento de lar que tenho

aqui.

Gosto de morar com Charlotte no Edifício, mas não é a

mesma coisa.

Minha mãe me leva diretamente para a cozinha, e vejo a

mesa com as comidas quentinhas em travessas, só me esperando

chegar.

Lavo minhas mãos antes de me sentar à mesa com eles,

minha mãe faz questão de fazer meu prato, colocando bastante

coisa.
O cheirinho do feijão preto, arroz soltinhos, camarão e salada.

Minha barriga chega a roncar quando ela coloca o prato na

minha frente, e é quando eu levo o garfo à boca, que suspiro

mastigando a comida, saboreando novamente o tempero da minha

mãe, a elogiando, que meus pais começam a comer, satisfeitos.

Eles estão do mesmo jeitinho de quando me mudei, somente

com fios brancos a mais nos cabelos. Sou a cópia da minha mãe,

com seus cabelos loiro escuro, olhos azuis e o sorriso largo e com o

temperamento do meu pai, desbocada, incapaz de levar desaforo

para casa, com pavio bem curto.

Peguei um pouco do DNA dos dois.

Meus pais e eu acabamos indo dormir tarde por causa da

longa conversa que tivemos durante o jantar, que levou a um chá e

biscoitos. Eu contei sobre a Charlotte, mesmo eles sabendo tudo

sobre ela, que ela era minha única amiga na universidade.


Deixei de fora o clube de cretinos e principalmente Eros

quando meu pai perguntou sobre garotos na universidade. Claro

que ele quer saber, mesmo sabendo que, na minha idade, eu vou

estar saindo para festas.

Entrar no meu quarto me traz nostalgia. As paredes lilás, uma

cômoda na parede oposta da cama box de casal, que está no lugar

da de solteiro na época que me mudei.

Minhas paredes repletas de quadros com fotos de roupas,

desenhos que fiz na época que fui descobrindo o amor pela moda.

Meu sonho sempre foi ser estilista de moda.

— Seu pai achou melhor comprar uma cama de casal para

você — minha mãe fala da porta do meu quarto, enquanto me

observa colocar a mala no canto do quarto.

Dou risada.
— E onde está a de solteiro?

— No quarto de hóspede, já que lá não tinha nada.

Assinto.

Ela se aproxima, beijando meu rosto.

— É bom te ter novamente em casa, meu amor.

— Estou feliz por estar aqui — retribuo o beijo dela.

E assim ela sai do quarto, fechando a porta. Antes de me

deitar, tiro minhas roupas da mala, guardando tudo na cômoda,

junto com as poucas que ficaram. Depois de tudo organizado e no

seu lugar, tomo um banho no banheiro do corredor e me deito.

Ainda não tinha pegado o celular desde que cheguei, então

respondi algumas mensagens e, antes de bloquear a tela, vou até o


contato do Eros, e abro sua foto para poder olhá-la mais uma vez.

Perdi as contas de quantas vezes fiz isso depois da noite do beijo.

E não me iludi achando que ele me procuraria depois, porque

Eros não é assim. Não faço o tipo das populares que ele fica.

Durante esses dias que não nos vimos, pensei muito no

nosso beijo e constatei que não seria ruim se repetíssemos.

Mas pensei também no que descobri através de Gael sobre a

traição da garota que namorava com Eros e em como isso me

incomodou por alguns dias. Doida para descobrir quem era sua

namorada antes e tirar minha conclusão sobre ela.

Porém, todas as garotas na cobertura são o mesmo tipo de

Eros. Posso até mesmo ter falado com ela, mas nunca saberei.

Quando saio da foto de perfil de Eros, vejo que ele está on-

line e até penso em mandar uma mensagem para ele, mas por qual
motivo faria isso, além de procurar chifre em cabeça de cavalo?

Prefiro deixá-lo quieto e fazer a mesma coisa que Giordano

faz de melhor, ignorar a existência dele.


Raquel

Segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Como todo almoço de Natal acontece na casa do irmão do

meu pai, esse ano não seria diferente.

A família estará toda reunida, primos chatos que gostam de

estar com a razão, tias enxeridas querendo saber de tudo da vida

dos outros e tios interessados em jogos, política, aquele tipo de

pessoas que discutem por qualquer coisa, isso inclui meu pai

também.
Desço do carro com meus pais e seguro a travessa de um

doce que minha mãe fez para trazer. O portão da casa do meu tio

está aberto e, pelo lado de fora, escuto toda a algazarra das vozes

altas e gritaria.

Um sempre quer falar mais alto que o outro, e infelizmente

puxei isso da família, e isso mais uma vez me faz lembrar de Eros e

como ele já demonstrou odiar isso.

Problema dele!

Entramos na casa, e a família toda vêm cumprimentar a

gente, desejando feliz natal.

— Olha quem resolveu aparecer. — Escuto a voz do meu

primo que só porque está estudando Medicina, se sente superior ao

resto.

— Olha que infelicidade te ver. — Abro um sorriso forçado.


E eu prometi à minha mãe que tentaria me comportar, mas

fica impossível com a família que eu tenho.

— Como está o curso de Moda? Ainda dá tempo de mudar de

ideia.

— Para ficar esnobe como você? Não obrigada — nego,

saindo de perto dele para cumprimentar as outras pessoas que

faltam e deixar a travessa na mesa de comida.

Ele solta uma gargalhada, nem um pouco afetado.

Minha mãe me olha pedindo para cooperar, mas vejo um

sorriso de diversão pela minha resposta ao Eduardo.

Nos sentamos à mesa depois de um tempo. E pelo azar que

tenho, Eduardo senta à minha direita, e Vitória, irmã dele, à minha

esquerda. E foi de morrer ter que escutar cada comentário deles,

me segurava em cada revirada de olhos.


— Raquel, não nos contou como é morar em Bento

Gonçalves — minha tia Laura comenta, curiosa para adquirir toda

informação para fofocar por trás depois.

— É legal, tia. Acho que não tenho muito o que contar. — Dou

de ombro ao falar, focando mais na minha comida.

— Algum namorado? — volta a insistir nas perguntas.

Minha sorte é que a metade da mesa está mais interessada

em outro assunto do que sobre mim e minha vida longe de Chuí.

— Não. — Solto uma risada forçada. — Estou focando na

faculdade no primeiro momento, quem sabe depois?

— Verdade. Talvez apareça com um namorado no próximo

ano.

Ignoro seu comentário, e quando posso seguir almoçando em

paz, Vitoria pergunta:.


— Que estilo de roupa vai desenhar? Não aquelas roupas

estranhas de desfiles que ninguém usa, né? São horríveis!

Me viro para ela, com a frase perfeita na ponta da língua para

deferir a ela, mas minha mãe, do outro lado da mesa, cutuca meu

pé, balançando a cabeça em negativa.

— Não sei, tenho muito tempo ainda para decidir, Vitoria —

respondo, com a voz mais calma que existe no meu interior. — E

esses estilos de roupa horrível que está se referindo, é Moda

Conceitual, usada pelos estilistas para expressar ideias, ser criativo,

para pensar e refletir.

— Não deixam de ser horríveis.

Escuto risadinhas na mesa de quem escutou o comentário de

Vitoria e respiro fundo, sem paciência.


— Quando eu era mais nova, não precisava de faculdade

para aprender a costurar — outra tia comenta com implicância. — E

nessa área quase não existe emprego.

A mesa toda fica em silêncio depois do último comentário. Eu

sei que minha família ama criticar, mas eles pegam pesado quando

é em relação a mim. Talvez por ser a única a querer coisas grandes,

a sonhar alto.

— Isso não interessa a você, Lurdes. É a escolha da Raquel

se formar no que ela quiser. — É a voz da minha mãe que escuto

me defendendo.

— Ela é nova, pode se formar em quantos cursos quiser —

meu pai completa a fala da minha mãe, indignado.

— Eu sei, só quero dizer que para ter uma vida financeira

boa, precisa ser um mercado que tenha uma demanda de profissão

grande — minha tia Lurdes se defende.


— E mesmo assim não é você que decide — meu pai retruca

sua irmã.

Fico emocionada ao ver meus pais me protegendo e

defendendo com garras. Não queria estragar um momento em

família, mas neste caso é impossível escutar tudo calada.

— Do que adianta se formar em algo somente por dinheiro e

depois reclamar da vida tediosa que tem? Quero que entenda que a

vida é minha e eu escolho o que eu quiser, e as únicas pessoas que

têm o direito de falar alguma coisa são meus pais.

A mesa fica silenciosa. Minha tia me olha furiosa, e eu sorrio

para ela, louca para ela continuar a falar mais alguma coisa, para

que eu possa retrucar.

Meu celular resolve tocar neste momento no meu bolso, e

quando o pego, lendo o nome da Charlotte na tela, fico aliviada por

ser ela a me livrar do ninho de cobras que é a minha família.


— Com licença — peço, me retirando da mesa para atender a

ligação.

Deslizo o dedo na tela para atender minha amiga quando

estou bem longe de todo mundo discutindo por minha causa.

— Charlotte — atendo. — Estou tão feliz por estar me

ligando, me tirou de uma situação extremamente chata.

— Aconteceu alguma coisa? — ela pergunta, preocupada.

— Sim, situação chata com meus parentes, mas não é de

importância — declaro.

— Tem certeza? — insiste.

— Absoluta. Agora me diga, está tudo bem?

— Sim, liguei para te contar sobre uma coisa.


E assim ela joga a bomba, que me faz gritar eufórica. Enfim,

Artho Becker a pediu em namoro e está na casa dela agora, viajou

até lá para ficar com ela. Eu sabia que Artho daria o braço a torcer

em algum momento.

— Até que enfim, achei que esse pedido nunca viria.

Estava na cara o quanto eles estavam apaixonados um pelo

outro. Charlotte solta uma risada, e tenho certeza de que, tímida

como é, deve estar com vergonha.

— Mas não liguei somente por isso — anuncia. — Os

meninos vão viajar na sexta à noite para Florianópolis, querem

passar o ano novo em Jurerê Internacional na casa do Eros, eu

disse que só iria se você também fosse.

Dou risada pela sua ousadia, e fico feliz por ela sempre me

incluir nos planos, está sempre pensando em mim. Não poderia ter

escolhido amizade melhor.


— E irritar Eros Giordano? Claro que aceito — respondo,

rindo, escutando sua diversão do outro lado da linha.

— Nos vemos em breve, então.

Nos despedimos, e tenho certeza de que meu sorriso está

largo com esse convite, irei passar o ano novo na praia, na região

chique e cheia de luxo.

Mas neste momento preciso voltar para a mesa, me sentar e

tentar engolir toda a falsidade dirigida a mim.

Um dia vou me tornar uma estilista famosa, com nome e tudo

e mostrar para minha família que não acreditou que eu conseguiria,

que foi graças aos comentários ridículos deles, que me deram ainda

mais gás para lutar pelo que desejo.


Estou na rodoviária novamente, quase entrando no ônibus

para voltar para Bento Gonçalves. Pelo fato de não ter conseguido

negociar com Emília uns dias a mais para ficar com meus pais,

preciso voltar na noite de Natal mesmo, para estar lá amanhã

trabalhando.

— Queria que pudesse ficar mais — minha mãe choraminga,

me abraçando mais uma vez.

— Eu também, mãe. Mas prometo que no próximo feriado

prolongado que tiver, estarei aqui com vocês.

Beijo seu rosto e vou em direção ao meu pai para abraçá-lo.

— Amo vocês — declaro, me segurando para não chorar na

frente deles.

Meu pai abraça minha mãe para consolá-la, que chora. Seco

seu rosto e me afasto.


— Também te amamos, querida — meu pai responde.

Sorrio, entrando no ônibus e me sentando na numeração da

poltrona. E tenho a visão deles ainda do lado de fora, esperando o

ônibus partir para acenar em despedida.


Raquel

Sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Desço pelo elevador com duas malas cheias de roupa para

passar os dias em Jurerê. Tenho dificuldade de sair pelo fato de elas

estarem bem pesadas.

Deixo uma no saguão com a intenção de voltar para buscá-la

quando deixar a outra no carro. Eros quando me vê me

aproximando, tendo dificuldade em puxar a mala, revira os olhos, já

com o porta-malas aberto.


Já imagino o quanto esses dias juntos serão divertidos para

infernizar Eros.

Ele fica sem paciência quando me vê tentando pegar a mala

para colocar no carro, e se aproxima, descendo o apoio da mala e

pegando ele mesmo para enfiar no carro.

— O que você está levando aqui dentro? Seu guarda roupa

todo? — pergunta sarcástico.

— Óbvio que não. É só o básico.

— Consigo perceber — Eros ironiza, fechando o porta-malas.

Começo a abrir a boca para avisar que tem mais uma mala

para ser colocada dentro, quando o escuto xingar, olhando para trás

de mim.

— Traíra, filho da puta.


Assustada, viro a cabeça para entender que ele está se

referindo a Artho, que vem andando com Charlotte de mãos dadas,

rindo de alguma coisa.

— A gente não é um casal para passar esses feriados juntos

— ele diz baixinho, mas escuto, com uma voz irritante de quando se

está imitando alguém, e me toco que é Artho o felizardo. — E de

azar ainda leva a amiga dela.

— Ei, do jeito que Artho é orgulhoso, se te ouvir falando

assim, vai desistir dessa viagem — comento, indicando que escutei

tudo o que ele resmungou.

— Raquel, vai cuidar da sua vida — ruge entredentes.

— O que foi? Está nervosinho hoje? — provoco.

Bufa, me ignorando, como sempre faz.


— Podemos ir? — Artho pergunta, quando para à nossa

frente, entregando a mala de Charlotte para Eros colocar no carro.

Ele lança um olhar assassino para o amigo. Aproveito a troca

de amores entre eles para voltar ao saguão do prédio e buscar a

outra mala.

— Aonde você está indo? — Charlotte pergunta, franzindo a

testa.

— Buscar a outra mala.

— O quê? Outra mala? — Eros questiona, quase soltando

fogo, de tão nervoso. — Não vai caber outra mala no carro.

Olho para a Mercedes dele, que já está com o porta-malas

cheio.

— O problema é seu, que comprou um carro com pouco

espaço — resmungo. — Onde vou levar a outra? Na sua cabeça?


— Você não vai precisar levar nada se ficar, não sei nem por

que você está indo.

— Porque eu fui convidada — respondo orgulhosa.

— Não por mim — declara, frio.

— Biga não, tio Elo. Nenê fica tisti — a voz da pequena Ayla é

escutada pela gente, quando sua cabecinha aparece na janela do

carro.

Eros relaxa, estreitando os olhos para mim.

— Tudo bem, Batatinha — responde ela, ainda me olhando.

— Escutem a voz da razão — Artho se intromete e Eros fica

tenso de novo.

— Não se meta, Artho — Eros resmunga para o amigo, que

leva tudo na brincadeira.


Me viro para voltar ao prédio e pegar a outra mala e escuto

Eros vindo atrás de mim.

— Porra de mulher exigente — escuto ele dizer,

resmungando.

— Não preciso da sua ajuda.

— Não te perguntei nada — diz, ao subir as escadas atrás de

mim, pegando o apoio da mala e descendo com ela.

Artho e Charlotte observam tudo, minha amiga em silêncio e

Becker sorrindo de toda a situação, com Ayla no colo.

Neste momento, um Toyota para atrás da Mercedes de Eros,

buzinando.

— Já era para estarmos na estrada — Lion comenta ao

descer do carro. — O que rolou? — pergunta para ninguém em


especial, encarando Eros que bufa o tempo todo, parecendo um

búfalo.

— Tem vaga no seu porta-malas ainda?

— Sim — Lion pega a mala pelo apoio, para poder puxar até

a parte de trás do seu carro. — De quem é?

— De quem mais seria? — pergunta, como se fosse óbvio,

olhando para mim.

Lion dá risada, e se vira sorrindo para mim.

— E aí, Raquel? — Lion me cumprimenta, apoiando os

cotovelos no apoio da mala, sua atenção completamente em mim.

— Tem vaga para você também no meu carro.

— Porra, Lion. Não fode, já era para termos saído — Eros

explode e procuro por Ayla, que por sorte já está dentro do carro

novamente e não escuta as palavras bonitas que seu tio profere.


Lion gargalha e pisca para mim antes de voltar para o seu

carro.

— Preciso que você vá na frente, Raquel, Ayla tem enjoos em

viagens de carro e quero estar atrás, no caso de ela precisar.

— O quê? Desde quando ela tem isso? — Eros, fuzila o

amigo.

Com tantas oscilações de estresse e humor que Eros teve

entre esses vários minutos, não sei como ele ainda está de pé.

— Não faz muito tempo — Artho responde, esperando

Charlotte entrar. Minha amiga me dirige um sorriso de consolação

antes e Artho entra logo depois, me deixando com Eros do lado de

fora.

Fixo meus olhos nele, que me ignora para entrar ao lado do

motorista.
Durante essa viagem, consigo lidar com Eros, torço para não

precisarmos ficar no mesmo ambiente o tempo todo.

A questão aqui é: Eros Giordano consegue lidar comigo?


Eros

Nossa viagem tinha tudo para dar certo...

Olho para o lado enquanto dirijo, vendo Raquel ligar o som,

procurando uma música para preencher o ambiente.

...Mas prevejo que vai ser um inferno.

— Não mexa no meu som — desligo, escutando-a fazendo

barulho com a boca, para novamente ligar de novo o som.


— Vocês pretendem passar as próximas horas brigando

desse jeito? — Artho pergunta, e olho pelo retrovisor, louco para

chutá-lo.

Mentiroso desgraçado.

Ayla não tem enjoo nenhum, e ele inventou isso para poder

deixar Raquel ao meu lado a viagem toda. Enquanto ele aproveita

para ficar com a Batatinha e a namorada no banco de trás.

Ele sorri para mim quando me pega olhando para ele.

No painel me mostra que são apenas vinte e uma horas e

meia, e ainda temos cinco horas e meia de estrada, isso sem as

paradas para abastecer os carros, comer alguma coisa e ir ao

banheiro.

Devemos chegar em Jurerê por volta de quatro e meia da

madrugada, isso se não acontecer nenhum imprevisto. Olho de rabo


de olho para Raquel, que tem sua cabeça virada para o lado de fora.

Meus olhos descem para seu corpo, suas pernas e coxas

desnudas porque ela veste um short jeans e uma camiseta de

manga. Seu cabelo preso em um rabo de cavalo, alto, com alguns

fios de cabelo caindo pelo seu rosto e pescoço. Sua pele macia e

exposta.

— Atenção na estrada, Eros — pisco focando na frente

quando escuto Artho comentar. Aperto o volante quando sinto

Raquel me olhando sem entender sobre a frase de Artho.

Não levei nem cinco segundos observando Raquel, mas pelo

jeito, Artho me observou bem mais que isso.

A BR, mesmo com bastante iluminação, me deixa atento a

estrada. Já passou mais de uma hora, e recebi uma mensagem de

Dimitri informando para pararmos no próximo posto.


O carro está silencioso, na rádio com volume baixo está

tocando, Do seu lado de Jota Quest, e batuco os dedos no volante,

prestando atenção pela primeira vez na letra da música.

Volta e meia, olho para Raquel, que está dormindo, com a

cabeça virada para o meu lado. A claridade das luzes dos postes

passando pelo seu rosto e é em uma dessas vezes que quando a

olho, a vejo me encarando, sem esboçar nenhum movimento que

me indicasse que havia acordado.

— Você não está cansado? — ela sussurra, como se para

não acordar os três no banco de trás.

Penso em ignorá-la por todo estresse que me fez passar

desde que cheguei para buscar Charlotte e ela, mas não vale a

pena.

— Um pouco, mas já estou acostumado a dirigir por longas

horas — digo, olhando rapidamente para ela, que se ajeita melhor


no banco, ficando de lado para me olhar.

— Pode parar no próximo ponto, se esticar um pouco —

sugere.

Aquiesço.

Não entendo como estamos conversando agora sem gritar ou

provocar um ao outro.

— Por que vocês não escolheram vir de jatinho? Seria mais

rápido — ela pergunta.

Meu corpo fica tenso. Apenas a ideia de entrar em uma

aeronave outra vez me causa uma dor no estômago, fazendo minha

mão suar.

Não consigo nem me aproximar de um avião, desde que

meus pais morreram.


— Eros? — ela me chama quando não respondo, e isso deve

ter levado um bom tempo.

— Não gosto de viajar de avião, Raquel — falo, tentando não

ser grosseiro com ela.

— Ah! — ela faz um som de que entendeu e fica em silêncio.

Penso que devo ter afugentado ela, mas não é o caso de

Raquel, que continua me olhando, e fico satisfeito quando vejo um

posto mais à frente e dou a seta para entrar. Verificando se Lion

está fazendo a mesma coisa no carro de trás.

Quando estaciono e logo em seguida Lion faz o mesmo,

escuto portas sendo abertas e fechadas e faço o mesmo, evitando

olhar para Raquel, ainda sinto seu olhar em mim.

Do lado de fora, recebendo o ar gelado da noite, estico

minhas costas. Dimitri foi comprar energético para a gente, e ainda


temos longas horas para dirigir.

A porta do meu carro abre e vejo Raquel descer. Se esticando

também, do lugar onde estou, vejo que o movimento que ela fez de

erguer seus braços para cima, mostra um pouco sua barriga ereta.

— Eros? — sinto Lion cutucar meu ombro. — O que tanto

você está olhando interessado.

Pergunta, e quando vai olhar para a direção em que Raquel

está, entro na sua frente. Eu ainda não esqueci o jeito que agiu com

ela mais cedo, todo atirado e convencido.

Ele estreita os olhos para mim e o movimento de trás do carro

nos chama atenção. Raquel aparece e sorri para Lion.

— Preciso ir ao banheiro. Acho que fica naquela direção, né?

— aponta para o lado oposto da entrada na loja de conveniência.


— Sim, preciso ir também. Te acompanho até lá — Lion

sugere e ela sorri agradecida, seguindo em frente.

Seguro o braço de Lion, impedindo-o de dar alguns passos.

— Você fica! — digo.

— Qual é, cara? Preciso ir ao banheiro, e aproveitar para

acompanhar Raquel.

— Não precisa, eu mesmo acompanho e você vai depois que

eu voltar — Lion estreita os olhos para mim depois de escutar o que

eu falei, mas ignoro ele, andando com passos largos para alcançar

Raquel.
Raquel

Sábado, 30 de dezembro de 2017

Não esperava amar tanto Jurerê Internacional como estou

amando. O bairro é lindo, as casas, o clima, até mesmo as pessoas.

Havíamos chegado na casa de Eros por volta das quatro e

meia da madrugada. Todos foram para seus quartos, cansados e

com sono.

Às dez, estava todo mundo de pé, aproveitando a piscina

enorme que tem nos fundos da casa, com uma vista de morrer.
Aproveitei para tirar várias fotos e postar nas minhas redes

sociais.

Nem consigo contar a quantidade de cômodos que a casa

tem, ainda só tinha visto a sala de visita e a cozinha no andar de

baixo. No andar de cima, estava hospedada no quarto lindo com as

cores claras, varanda e vista para o mar.

Até mesmo o banheiro é de um nível superior a qualquer um

que eu tenha visto. A casa de Eros aqui é bem moderna, comparada

à casa que ele tem em Bento Gonçalves, por ser mais antiga,

passada de gerações.

Estou na sala de TV com Ayla sentada ao meu lado,

assistindo um desenho da sua escolha e comendo pipoca. A casa

está silenciosa. Todos saíram, incluindo Charlotte e Artho, que foram

jantar fora e tirar um tempo para os dois.

Um vale night de casal.


Eu garanti que cuidaria bem de Ayla para que pudessem ir.

Ainda estou em choque por saber que Artho é o pai biológico

de Ayla, mesmo ela sendo muito parecida com ele, a história de

irmãos foi algo que acreditei desde o princípio.

Os outros cinco decidiram ir a uma balada no centro de Jurerê

e eu fiquei de babá.

O filme está quase acabando quando percebo que Ayla está

cochilando, com sua cabecinha deitada na minha coxa, enquanto

faço cafuné em seus cabelos. A pego no colo, cheirando seu

pescocinho, escutando sua risada rouca de sono.

Ajudo ela a escovar os dentinhos e trocar de roupa para se

deitar. Espero ela pegar no sono para poder sair, e observo os

detalhes do quarto. Eros pensou em tudo para agradar a sobrinha.


Desde as cores vibrantes até os móveis, foi tudo planejado

para ela. Verifico se ela está bem embrulhada, assim que a vejo

dormindo. Garanto em deixar a luz do abajur acesa e a porta

encostada, para o caso de ela acordar e precisar de mim.

Passo pela cozinha, antes de seguir novamente para a sala

de TV. Na geladeira, pego uma garrafa de vinho com uma taça,

voltando para sala novamente e escolhendo um filme.

Com as luzes apagadas, o ambiente sendo iluminado apenas

com a luz da TV, me sento enchendo a taça e relaxando.

Passadas já meia hora de filme, me inclino para pegar a taça

de vinho da mesinha à minha frente, quando algo no canto da sala

me chama atenção. Dou um pulo de susto junto com grito,

derramando o vinho na minha blusinha do pijama.

— Merda! Por que não avisou que estava aí? — falo irritada

com Eros, que só me encara, de um jeito estranho. — Parecendo


uma estátua ambulante.

Minha blusa está com uma mancha enorme, justamente em

cima dos meus seios.

— Gosto de observar você.

Olho para ele chocada com sua confissão. Com certeza, ele

está zoando com a minha cara.

Dou risada.

— Tenho certeza de que essa é a última coisa que gosta de

fazer quando é relacionado a mim. — Reviro os olhos ao responder.

Seu comentário me afeta, sinto um frio na barriga,

esquentando meu corpo ao passo que a sensação sobe.

Tento abanar a blusinha para que de algum jeito a seque.

Vejo pela visão periférica quando ele se afasta da parede para se


aproximar. Me levanto do sofá, sentindo como se eu fosse uma

presa pela maneira que Eros me olha, como um predador calculista

e decidido.

Meus batimentos estão acelerados quando ele para à minha

frente e desce seus olhos para minha blusinha, a mancha grande de

vinho, marcando o bico dos meus seios.

Ele levanta a mão, passando o dedo indicador pela borda do

tecido e subindo aos poucos. Não consigo respirar normalmente,

enquanto observo todo o caminho que ele faz, uma espera dolorosa

pelos próximos movimentos.

Ele para a milímetros de encostar o dedo em meu seio, Eros

percebe quando os bicos endurecem, vendo o que causou em mim.

Seus intensos olhos fixos nos meus, como se conseguisse sentir

cada célula do meu corpo afetado por um simples toque.

— Por que acha que estou brincando, Raquel?


Eros sobe o dedo entre os meus seios, subindo pelo meu

pescoço. Eu sinto minha pele se arrepiar no processo, e ele para

com seu polegar em meus lábios.

— Porque nos odiamos, Eros, é tão claro como água — digo,

ofegante, buscando algum controle.

Ele nega.

— Eu não odeio você, Raquel. — Ele acaricia meu rosto,

enquanto olha para minha boca. — Eu desejo você, são coisas

totalmente diferentes.

Fico sem reação com suas palavras, minhas mãos soam, e

não sei o que responder depois dessa confissão.

— Por que você mexe tanto comigo? — ele sussurra e duvido

que essa pergunta tenha sido feita para mim.


Pelo seu hálito, Eros parece ter bebido, mas não o suficiente

para ficar bêbado. Ele só parece mais… quente e sombrio de uma

forma sensual pelo modo que as palavras saem da sua boca

carnuda.

— Você é a porra da mulher que tem o poder de me deixar

louco, e ao mesmo tempo, tenho vontade de beijar essa sua boca

atrevida enquanto te fodo, forte e gostoso.

Suas palavras me afetam tanto, que chego a cambalear para

trás, mas sou segurada por ele, que gruda nossos corpos.

— E o que te impede? — eu consigo dizer com a voz rouca,

abalada. Levanto meu queixo para provocá-lo, ofegante com a

nossa aproximação.

Ele foca seus olhos em mim e eu vejo os instantes em que ele

liga o foda-se e me beija. Suspiro em seus lábios, surpresa no

primeiro segundo, e levanto minha mão para prendê-la em seus


cabelos, me dando mais impulso para beijá-lo e sentir sua língua

entrando na minha boca em busca da minha.

Eros faz o mesmo, envolve sua mão na minha nuca, subindo

a outra pela minha coxa, apertando a pele exposta pelo shortinho.

— Não consigo mais resistir a você — sussurra, morde minha

boca e desce alguns centímetros para morder meu queixo. — Deita.

Ele manda, sua voz ficando mais grave. Um arrepio toma todo

meu corpo, me sinto pulsar só de imaginar o que ele fará. Olhando

para ele, me sento no sofá, e me deito, esfregando minhas coxas

uma na outra, ao passar a língua nos lábios.

Eros observa tudo e tira a camisa, a soltando para cair no

chão.

— Antes de continuarmos, quero deixar claro que isso só vai

acontecer uma vez — declara, apoiando os braços de cada lado da


minha cabeça para tocar meus lábios, dolorosamente provocante.

— Não quero você no meu pé depois disso.

Sorrio, olhando nos olhos dele, sentindo uma convicção surgir

dentro de mim.

— Nunca fui de me apegar a homem nenhum depois de uma

foda, e dessa vez não será diferente. Quem me garante que não vai

ser você a ficar no meu pé? — pergunto, levantando uma das

pernas para mexer o meu quadril no dele e provocá-lo.

— Eu garanto — diz bruto, e me beija, calando qualquer

palavra que fosse sair da minha boca.

Eros desce mais seu quadril, fazendo um movimento gostoso

com ele, causando uma fricção insuportável. O movimento que ele

faz com sua língua me dá uma boa certeza de que ele é

maravilhoso fazendo outras coisas.


Ele desce os beijos para o meu pescoço, com um

autocontrole que me causa ansiedade, louca para ele ir mais rápido

com as coisas, ao mesmo tempo que quero que dure e ele faça

comigo tudo que planeja.

Eros para com a boca sobre o tecido molhado de vinho,

acima do bico do meu peito, sua respiração quente me excitando

mais, eu gemo quando ele desce a língua para tocá-lo por cima da

blusa, lambendo antes de morder e chupar em seguida.

Me mexo sob ele, querendo mais, exigindo mais ao segurar

seus cabelos firmemente. Eros faz a mesma coisa com o outro seio,

subindo a blusa para ter acesso total a eles, me ajudando a tirá-la.

— Amo como eles cabem tão perfeitamente em minhas mãos

— Eros murmura e olha para mim, abaixo a cabeça para morder um

deles, me olhando profundamente, me causando todo tipo de

formigamento pelo meu corpo.


— Preciso de mais — digo, o desejo por ele vindo com força

maior, e eu nunca havia me sentido assim antes.

Ele desce os lábios deixando uma trilha de beijos quentes

pela minha barriga, parando por cima do meu umbigo, para lambê-

lo, e enfiar a língua dentro, dando toda atenção a ele, até que estou

gemendo, desesperada.

Eros ri, adorando ver o quanto estou sedenta, de guarda

baixa, querendo que ele me coma de um jeito delicioso. Ele puxa

meu short para baixo, junto com a calcinha.

Neste momento não ligo se alguém vai aparecer, e nos pegar

transando na sala de TV, só quero que Eros me faça gozar. Ele

rosna quando abaixa a cabeça para inalar o meu cheiro, passando a

língua desde a minha entrada, parando no meu clitóris.

Gemo, meu peito descendo e subindo, passando os dedos

por entre seus cabelos.


— Você tem um gosto delicioso, me acostumaria com ele

facilmente — declara, sorrindo, passando a língua pelos lábios.

— Então me faça gozar — peço, remexendo em seu dedo,

tocando meu clitóris.

— Você não precisa pedir, Raquel, quero que goze primeiro

na minha boca para que possa passar a noite toda com o seu gosto,

e depois no meu pau enquanto eu me afundo nessa sua boceta

molhada.

Suspiro com suas palavras e gemo alto e incontrolável

quando ele primeiro chupa, para depois usar sua língua em um vai e

vem, e intensifica a pressão no meu ponto mais sensível. Quero

fechar as pernas quando ele acelera os movimentos, apertando a

boca na minha entrada para me chupar e sugar logo depois, e Eros

impede, segurando as minhas coxas para me deixar bem aberta

para ele.
Começo a tremer, mexendo o quadril, sentindo o orgasmo

chegando, varrendo toda a minha força, me fazendo gritar enquanto

gozo na boca de Eros, ao mesmo tempo que ele aumenta a pressão

no meu clitóris para intensificar meu clímax.

Durante os segundos que tento me recuperar, meu peito

subindo e descendo rápido, percebo ele tirando a calça, e o volume

da cueca grande mostra que Eros é bem dotado.

Eros tira a cueca, seu pênis pula para fora, ereto, grande, as

veias profundas à mostra, e nada me prepara para o piercing que eu

vejo na cabeça do seu pau, apontando em minha direção. Minha

boca saliva, quando ele aperta sua base, sua mão subindo e

descendo, parando na ponta, para passar o dedo pelo seu pré-gozo

e lambuzá-lo.

Mordo o lábio, subindo os olhos para o rosto de Eros, que me

olha orgulhoso, seu ego saindo pelos seus poros por ter me
pressionado. Minha boceta pulsa, imaginando seu caralho dentro de

mim, seu piercing batendo no meu ponto sensível.

— Te impressionei? — pergunta, ao segurar minha mandíbula

com força. — Quer sentir como é ter meu pau na sua boca?

Eu olho para seu pau, desejando tê-lo na minha boca, minha

língua passa pelos meus lábios, quase posso sentir o metal frio

nela, misturado com o gosto de Eros, ele socando fundo na minha

garganta.

— Abre a boca, Raquel, quero foder essa sua boca atrevida,

para você lembrar do meu pau toda vez que pensar em ser

malcriada comigo — Eros diz, e eu obedeço, choramingando com a

expectativa de tê-lo na minha boca.

Coloco minha língua para fora, e Eros bate a cabeça do seu

pau nela, sinto seu gosto e depois o metal frio do piercing, me

deixando quente. Minha mão substitui a sua, e eu aperto seu


membro, quando minha língua úmida dança na cabeça, antes de eu

lamber.

Ele rosna e faz um rabo de cavalo com os meus cabelos, para

poder ter controle aos meus movimentos, quando o enfio na boca,

gemendo com a textura dele, seu piercing passando pelo céu da

minha boca, até bater no fundo, onde ele mete com força, me

impedindo de puxar o ar pela pressão que ele faz.

Olho para ele, que morde o lábio, sua expressão de luxúria

estampada em todo o seu rosto, enquanto mete com vontade na

minha boca. Escuto seus grunhidos quando o tiro da boca para

lambê-lo, sua glande roçando em meus dentes antes da minha

língua tocá-la.

— Porra, Raquel — ele murmura meu nome, sem controle

nenhum na voz. — Você é tão boa me chupando.


Sem ter como responder, demonstro que gostei do seu elogio

o enfiando na minha boca de novo, apertando seu pau na base e

seus testículos. Vejo Eros jogar sua cabeça para trás, gemendo.

— Preciso que pare, quero estar dentro de você agora, sentir

sua boceta me apertando — ele declara, e gemo quando ele sai da

minha boca e me puxa para me beijar, apertando meus seios.

Eros morde meu lábio, antes de enfiar sua língua na minha

boca, a chupando.

— Quero te comer de quatro, ter a visão do meu pau entrando

em você — dita o seu desejo, olhando nos meus olhos e me vira de

costas para ele, me ajudando a abaixar no sofá, empinando a

bunda. — Você não tem noção da visão que tenho agora.

— Então não perca tempo, me fode logo — suplico, minha

voz abafada pelo contato do meu rosto pressionado ao estofado do

sofá.
Sinto minha pele arder ao receber um tapa leve em um lado

da minha bunda, e grito, me remexendo, me sentindo molhada. Olho

para Eros que coloca a camisinha, com os olhos em meu rosto.

Eros passa o polegar pela minha entrada, e sobe um pouco

mais, parando na minha outra entrada, que pulsa, antes de ele baixa

e lamber, solto sons irreconhecíveis, ele aperta os dois lados da

minha bunda, e se posiciona, me penetrando com calma, me

preenchendo, até eu o sentir no fundo dentro de mim.

O ritmo começa a acelerar e sinto sua mão descer e subir

pelas minhas costas, enquanto a outra mão aperta minha cintura,

me auxiliando com o movimento de encontro a ele. As estocadas

ganham mais força, e não consigo ser silenciosa, e tampo a minha

boca para evitar gritar.

Eros para o movimento, ainda dentro de mim, ele se inclina,

retirando minha mão da boca, a puxando para trás junto com a


outra, prendendo as duas na base das minhas costas.

— Quero te ouvir, Raquel, e foda-se se vão te escutar, quero

você gritando para mim, enquanto te fodo gostoso — declara. —

Está me escutando?

Assinto, freneticamente, rebolando em seu pau, para que

continue e escuto sua risada rouca. Ele recomeça os movimentos e

logo estou gemendo de novo.

— Caralho, como estou adorando essa visão — exclama. —,

de como sua boceta fica linda com meu pau. Consegue sentir,

Raquel? Consegue sentir como é delicioso?

— Eros... — choramingo, e ele aumenta a velocidade.

Sinto seu piercing batendo fundo, no meu ponto sensível, me

puxando para perto, e tudo impulsiona ainda mais quando ele desce
a mão que estava na minha cintura para apertar o bico delicado do

meu peito.

Grito seu nome, a pressão aumentando e começo a tremer

quando gozo, apertando seu pau, começo a desfalecer no sofá, mas

Eros segura minha cintura para me manter no lugar enquanto ainda

estoca em mim, sem perder o ritmo.

Eros ruge, e quando começa a gozar, ele desce sua boca até

meu ombro e me morde, e sinto todo o seu prazer vir com tudo e

gemo junto com ele. Ele solta minhas mãos, beija o local que

mordeu e se levanta, nossos corpos suados, roçando um no outro.

Fecho os olhos, o sono chegando, mas o consciente me

lembrando que preciso levantar, me vestir e ir para o quarto, antes

que alguém chegue, mas não tenho forças para isso, o cansaço

está cada vez mais pesado.


Sinto os braços de Eros pelo meu corpo, me levantando com

toda a facilidade, e abro os olhos para o ver, a pouca claridade da

sala, me mostra ele relaxado, como eu nunca vi antes.

Passo os braços pelo seu pescoço, enquanto ele nos tira da

sala, subindo as escadas logo em seguida. Ele entra no meu quarto,

sem pestanejar, e fecha a porta com o pé, me levando direto para o

banheiro.

Meus pés tocam o chão frio do azulejo, ainda sem desviar o

olhar dele, que liga o chuveiro, esperando a água esquentar, me

colocando debaixo dela, para depois pegar o sabonete e passar

pelo meu corpo.

Ajudo ele, molhando meus cabelos, e pegando o shampoo

para levá-los. Fazemos tudo em silêncio, e quando saímos do

chuveiro, é ele que pega a toalha para mim, secando meu corpo e
depois enrolando ela em mim, a prendendo em seguida, acima do

meu peito.

Eros pega uma toalha para ele, o secando também, e consigo

ver seu pau, semi ereto antes da toalha ser enrolada em sua cintura.

Nunca iria cogitar que Eros tem um piercing no pau, não é a cara

dele.

Escuto o som que ele faz e subo meus olhos para o seu rosto,

Eros está sorrindo de lado ao me pagar o secando. Agora que nada

me impede de olhá-lo, consigo observar melhor seu corpo, seu

abdômen bem definido, seus gominhos, os músculos dos seus

braços. Tenho vontade de subir minha língua por todo ele.

O movimento que ele faz para secar seus cabelos me deixa

ver a tatuagem que tem na costela. São traços de uma frase, com

uma letra cursiva e bem desenhada, do espelho consigo ver mais ou

menos a tatuagem da sua nuca, é uma constelação.


Eros, quando termina de se secar, segura minha mão e me

puxa para fora do banheiro, indo diretamente para cama,

preparando logo em seguida a colcha para me deitar e, quando faço

isso, tirando a toalha do corpo, eu o vejo me olhar, e sorrio

discretamente, me demorando de propósito para deitar na cama.

Não entendo o que ele ainda está fazendo aqui, agindo como

se fôssemos continuar com isso, quando ele deixou bem claro que

seria somente uma vez. Mas não é isso que Eros faz, ele deita ao

meu lado depois de ficar nu novamente.

Me viro de costas para ele, e sinto a pele do seu corpo tocar a

minha, antes de sentir seu braço pela minha cintura, juntando

nossos corpos. Poderia me desvencilhar dele, e questionar o porquê

de ele ainda estar aqui, mas não quero, está tão gostoso desse

jeito, que deixo para lidar com isso depois.


Eros

Raquel dorme ao meu lado e tiro minhas mãos do seu corpo,

me odiando por ter perdido o controle com ela. Era para ser

somente uma transa, e nada de tomarmos banho juntos, muito

menos cuidar dela depois.

Mas é tudo tão automático com Raquel, não é preciso

esforçar em nada.

E porra, foi tão bom, não consegui resistir a ela, não quando a

vi, tomando o caralho do vinho, molhando sua boca gostosa,


incapaz de saber que estava ali, parado a observando por vários

minutos, e foi impossível resistir a ela quando vi o vinho molhou

seus peitos, eles reagindo e ficando eretos, minha boca salivando

para os ter na boca.

E tudo foi por água abaixo quando ela me provocou.

Na boate com os meninos, não conseguia deixar de pensar

nela, na casa, sozinha com Ayla, imaginando seu conjuntinho de

pijama que eu a vi vestida antes de sair da casa com os meninos.

Caralho, como tirar Raquel da minha cabeça, quando só a

quero odiar, mantê-la distante, e agora depois de transarmos, tudo

parece mais difícil.

Cheiro seus cabelos, antes de me levantar da cama, me

distanciando do calor do seu corpo, e enrolo a toalha em mim

novamente.
Meu desejo é ficar aqui, dormir com ela abraçadinho, e depois

acordá-la com minha língua.

Demoro a sair do quarto, mas quando o faço, me dou conta

de que os meninos poderiam chegar a qualquer momento, e não

queria que me pegassem assim. As nossas roupas ficaram no andar

de baixo, e desço para pegar tudo e não deixar nenhuma pista do

que aconteceu entre nós dois.

Passo no seu quarto de novo para deixar seu pijama, dobrado

em cima da cama, mas não deixo sua calcinha, a levando comigo

para o quarto, tendo a certeza de que terei uma noite perturbada e

sem sono com a companhia da sua peça minúscula para me

consolar que não vai acontecer mais nada entre nós dois.
Raquel

Sábado, 31 de dezembro de 2017

Acordo, a claridade que passa pelas cortinas da janela me

fazendo fechar os olhos por alguns segundos.

O quarto está vazio, sem sinal de Eros, e entendo que isso

era de se esperar. Ele é um cretino, está acostumado a transar e ir

embora, mas por um momento ontem, depois que ele cuidou de

mim, achei que ele ficaria e que eu acordaria e o encontraria aqui.


Me sento na cama e vejo o pijama que estava vestida ontem

à noite dobrado na cama, Eros deve ter descido para buscá-lo. Não

vejo sinal da calcinha, e me desespero com medo de que alguém

possa encontrá-la jogada no chão.

Não saberiam que eu era a dona, saberiam? Precisava

passar na sala de TV para tentar encontrá-la antes de ir tomar café

da manhã.

Hoje é véspera de Ano Novo e não imaginei que passaria o

dia com as imagens quentes de Eros na minha cabeça, seu pau e

aquele maldito piercing que fez loucuras comigo na noite passada.

— Raquel? Está vermelha! Está tudo bem? — Charlotte

pergunta sentada à minha frente na mesa, enquanto tomamos café

da manhã.

— Não é nada, amiga, estou bem.


Ela parece não acreditar, e me olha por mais alguns

segundos antes de Ayla chamar atenção dela. Só consigo me

preocupar com a bendita calcinha que não encontrei na sala de TV.

— Bom dia — Eros cumprimenta todo mundo quando senta

na mesa, para meu azar ou sorte, do meu lado.

— Está de bom humor — Artho provoca, recebendo um olhar

semicerrado do amigo.

— Se divertiu muito ontem, Eros? — Gabriel pergunta, com

cara de sono.

Pelo jeito os quatro chegaram tarde da boate que foram.

— A gente nem viu a hora que saiu da balada, imaginamos

que foi embora acompanhando — É Lion que comenta dessa vez,

me deixando curiosa.

Eros teria estado com alguém antes de vir para casa?


— Pela expressão do safado ele saiu bem acompanhado —

Dimitri fala, enquanto come, mas seus olhos pousam em mim, e fujo

deles, focando no pedaço de bolo que tem em meu prato.

Ele sabe de alguma coisa? Seria possível, não vi a hora que

Eros saiu do meu quarto.

— E você, Raquel? Como foi sua noite? — Lion pergunta, me

assustando e acabo engasgando, precisando beber um pouco de

suco para recuperar o fôlego.

— Muito prazerosa — digo, me dando conta do que falei só

depois que vejo o sorriso malicioso de Lion para mim.

— Prazerosa, é? — Lion pergunta e olho para Eros

rapidamente pelo canto de olho, o vendo apertar o copo em suas

mãos, olhando para Lion.

Todo mundo parece achar graça


— Não nesse sentido, espertalhão — brinco. — Ayla e eu

assistimos um filme e logo fomos dormir.

— Filme da Moana — Ayla concorda comigo, o que me faz

perceber que ela anda bem atenta a nossa conversa.

Sinto uma mão quente tocar minha coxa, e dou um pulo,

escutando Eros ao meu lado fazer um tipo de grunhido silencioso.

Relaxo, quando ela desce e sobe e eu lembro do seu toque ontem à

noite, das palavras que me disse enquanto entrava dentro de mim.

— Raquel, você realmente não parece estar bem — Charlotte

comenta mais uma vez.

Novamente, toda a atenção está voltada para mim.

— Estou, sim, é só que está quente.

Ela estreita os olhos, seguro um suspiro ao sentir a mão de

Eros apertar minha coxa. O desejo por ele voltando com força, como
se agora que experimentamos e sabemos como é o nosso sexo,

meu corpo peça pelo seu novamente.

Vejo Dimitri e Artho com os olhos em Eros, que ignora os dois,

com a maior cara de paisagem.

Todo mundo parece me esquecer, durante o tempo que eles

engatam em outro assunto, mas meu corpo está o tempo todo

ciente de Eros ao meu lado, sua mão em minha pele, que arde.

Meu interior grita para ter Eros novamente entre minhas

coxas, me dando prazer enquanto eu gemo seu nome.

Me afasto da mesa, pedindo licença para poder subir até meu

quarto e tentar me refrescar tomando um banho de água fria. Com

uma força fora do normal para não parecer desesperada, subo as

escadas serena.

Preciso de distância de Eros.


Fecho a porta do meu quarto e corro para o banheiro, ligando

a torneira para passar a água fria na minha nuca, para aliviar o

pouco do calor que estou sentindo.

Um movimento atrás de mim me faz levantar a cabeça e olhar

pelo reflexo do espelho. Eros está bem ali, parado, me observando,

e nem espera que eu diga algo para avançar em mim.

Eros segura meu pescoço, juntando nossas bocas com

brusquidão e subo minhas mãos para seu ombro e cabelos,

apertando-os, ansiando por mais, não tenho forças para afastá-lo.

— Eros — sussurro seu nome quando ele se afasta para

puxar meu short e me ajudar a tirar a blusa.

— Precisa ser silenciosa se não quiser que todos lá embaixo

saibam que estou fodendo você.

Gemo com suas palavras.


— Você disse que seria somente uma vez — o lembro,

quando ele me segura pela cintura, e rolo minhas pernas em seu

corpo depois de o ver colocar a camisinha.

— Só precisamos de mais uma vez, e não vamos mais repetir

— diz, e ele se encaixa na minha entrada. — E esquecer que

existiu.

— Não vai ser um problema esquecer que isso aconteceu,

Eros, você praticamente não existe para mim — declaro, as

palavras fracas saindo dos meus lábios, não acredito nelas.

Preciso morder o lábio quando ele enfia dentro de mim com

força, causando uma dor misturada com o prazer com a sua dureza.

Ele me abre mais, segurando minhas coxas para ter mais acesso e

poder ir mais rápido com suas estocadas.

Jogo minha cabeça para trás, mas os sons que faço são

audíveis o suficiente para que eu precise me abraçar a Eros e


morder seu ombro, segurando sua camisa como apoio por causa

das suas investidas bruscas em mim.

Eros segura meu pescoço para me puxar e beijar seus lábios,

que doem com a força que colocamos. É tão gostoso, excitante e eu

quero mais, percebo que estou me viciando em como parecemos

bons juntos.

Mas isso é só dessa vez, depois disso vamos seguir do

mesmo jeito que estávamos antes.


Eros

Observo Raquel na proa do Iate, calada, olhando para o mar,

como se estivesse com os pensamentos longe. Não consegui deixar

meus olhos longe dela essa noite, desde que entramos no barco.

Ela estaria se sentindo enjoada com o balançar do barco?

Se eu soubesse, não teria alugado o Iate para passarmos a

virada do ano, teria mudado os planos, e tenho certeza de que meus

amigos não teriam se importado.


Charlote se aproxima dela, entregando a ela uma taça de

champanhe, Raquel sorri para a amiga, e parece ter voltado ao seu

estado normal.

— Algo anda te chamando atenção? — Dimitri pergunta, ao

parar ao meu lado, olhando em direção às meninas.

— Não sei do que está falando — finjo ao falar, me virando de

costas para a direção que Raquel está, e olho para a cidade que se

encontra longe. As luzes acesas, as pessoas preparadas para curtir

o ano novo em breve.

— Eros, você não precisa mentir para mim, percebi que está

rolando algo entre vocês dois — ele volta a falar.

Tenho certeza de que Dimitri entende meu silêncio, assim

como eu entendo o seu. Nós dois temos personalidades parecidas,

e muitas vezes o silêncio é a melhor opção para não deixarmos que

saibam o quanto somos perturbados.


Não quero ter que lidar com perdas novamente, com a droga

do amor e muito menos com as pessoas entrando na minha vida

para brincar comigo.

— Falta um minuto — Lion grita, chamando a atenção de

todos.

Olho para trás, vendo os meninos perto da mesa de comida

preparada por um bufê, prontos para pegarem os fogos de artifícios,

incluindo Dimitri. Artho está com Ayla no colo, que tem uma taça

infantil toda personalizada com o nome dela.

Sorrio, quando me olha, balançando a taça em minha direção.

— Tim tim, tio Elo — dou risada, não sabendo lidar com a sua

fofura e inteligência, como ela pode estar crescendo tão rápido?

Raquel e Charlotte se aproximam de Artho e, neste momento,

os meninos soltam os fogos, olho para o relógio no meu pulso,


vendo que já é meia-noite.

Ano Novo e meu aniversário.

Mais um ano sem meus pais.

Sorrio quando os meninos olham para mim, me empurrando

para o meio do deque do barco, fazendo a roda em volta de mim

para pularem e gritarem feliz aniversário, como todo maldito ano.

Logo vem os abraços deles, as batidas nas minhas costas e

palavras curtas e rápidas, sem muita melação entre a gente.

Esses caras são as melhores pessoas que poderiam estar na

minha vida. Minha família.

Ayla, que está agora no colo de Charlotte, Artho entregou ela

para comemorar meu aniversário junto com os meninos, ela estende

os bracinhos para mim, e beija meu rosto, quase derrubando sua

taça de suco.
— Palabéns, tio Elo — ela declara, toda animada.

— Obrigado, Batatinha. — Beijo seu rosto de volta.

Procuro Raquel com o olhar, que está um pouco mais

distante, olhando minha interação com Ayla. Charlotte se aproxima

sem jeito, me desejando os parabéns, e eu assinto em

agradecimento.

Vejo quando Artho se aproxima da namorada, a beijando, e

automaticamente olho para Raquel, desejando estar fazendo o

mesmo com ela.

Ela está tão linda, vestindo um vestido sem alça, branco na

altura dos joelhos, deixando suas pernas lindas de fora, isso me faz

lembrar delas enroladas em mim mais cedo, quando estava

fodendo-a na parede do seu banheiro.

— Vamos de brinde — Lion me desperta ao falar.


Todo mundo se junta, fazendo uma rodinha para o brinde,

com as taças em mãos.

— Um brinde ao destino e o que ele nos reserva — Lion grita.

— Ao destino — repetimos, batendo nossas taças e quando

vou beber do champanhe, mais uma vez olho para ela, que não

esconde que também estava me encarando.

Fico para trás do pessoal, com a intenção de ser o último a

descer do Iate, para ter a chance de ficar ao lado de Raquel, e me

sinto um idiota por isso.

Artho e Charlotte vão voltar para casa, por causa da Ayla e os

meninos e eu decidimos ir para a praia e aproveitar um pouco mais


a madrugada. Penso em convidar Raquel para ir comigo em algum

lugar que seja somente nós dois.

Mas lembro das palavras que eu disse para ela mais cedo,

insistindo em repeti-las para mim mesmo toda vez que a pego

olhando.

Não posso permitir que Raquel se aproxime mais do que já

fez.

Transamos? Ok, e foi gostoso. Agora é vida que segue, nada

de repetir, não tem por que tentar manter um contato, é isso que

sempre faço com casos rápidos e desejo continuar.

Quando a vejo olhar para mim e abrir a boca para dizer

alguma coisa, escolho esse momento para apressar os passos, e

ficar longe dela.


— Idiota — escuto ela falar, mas estou longe para voltar atrás

e desistir do plano de me afastar.


Eros

Domingo, 1 de janeiro de 2018

Abro a porta para encontrar Miguel e sua esposa Luísa me

olhando com um sorriso enorme. É claro que eles não deixariam de

passar o meu aniversário comigo.

— Feliz aniversário, querido. — Luísa me abraça, beijando

meu rosto e eu suspiro, me batendo uma saudade da minha mãe.

— Parabéns, garoto — Miguel diz, me abraçando também.


— Obrigado. — Sorrio sem graça, recebendo o presente

deles.

Meus amigos se aproximam para cumprimentar os dois, e

vejo a troca de abraços. Artho apresenta Charlotte como sua

namorada, e como sempre a vejo ficar sem graça com toda atenção.

Procuro Raquel e ela aparece na cozinha, com Ayla no colo.

Luísa pega Ayla no colo.

— Como você cresceu, meu anjinho. — Ela beija o rosto da

Batatinha, que sorri curiosa, provavelmente não lembra deles.

Raquel como sempre espalhafatosa, se cansa de esperar que

alguém os apresente e faz por si mesma.

— Prazer, sou a Raquel. — Estende a mão para o casal, que

a cumprimentam simpáticos.
— Prazer, somos Miguel e Luísa Santos, fomos amigos dos

pais de Eros e somos padrinhos dele.

Raquel me olha de lado, provavelmente se perguntando como

esse casal agradável, me atura

Luísa olha de Raquel para mim e me preparo para sua

pergunta.

— Ela é sua namorada, Eros? — pergunta, interessada, e

percebo um brilho no olhar dela.

— Deus me livre — Raquel declara antes mesmo que eu

possa negar. — Ser namorada desse rabugento.

Os caras dão risada, mas ignoro o comentário dela.

Miguel e Luísa parecem ter gostado de Raquel, que engatam

em uma conversa que tento entender, mas desisto.


Em determinado momento Miguel dá batidinhas nas minhas

costas e sei que esse gesto significa que vamos conversar em

particular, antes de almoçarmos todos juntos.

Ele fez questão de contratar um bufê para preparar um

almoço especial para a gente. A cozinha, por sinal, está em

movimentação.

Do lado de fora, enquanto ele observa a estrutura da casa, o

jardim e a paisagem que dá para a praia, ele comenta:

— A casa ficou linda.

— Sim. Poderiam ficar hoje e viajar somente amanhã, queria

que comemorassem comigo e meus amigos no P12 hoje.

Somente Artho e Charlotte que não iriam, por causa da Ayla,

pensei em cancelar tudo, mas meu amigo não deixou.


E tinha a Raquel. Eu teria que me controlar com ela hoje à

noite, e fazer de tudo para ficar longe dela.

Reservei camarote para a comemoração do meu aniversário

em um espaço moderno e espaçoso à beira-mar, com piscina e

cabanas e palcos para shows e DJs.

Escuto Miguel dar risada.

— Você sabe que Luísa e eu não fazemos o tipo que fica em

lugares assim — comenta, se sentando em uma das

espreguiçadeiras perto da piscina e eu sento ao lado dele.

— Eu sei.

Os dois são um casal de mais de cinquenta anos, são pais de

duas meninas, quase da mesma idade que eu. Eles não conseguem

acompanhar a vida agitada delas.

— Garota legal essa Raquel — comenta.


Miguel até que estava demorando fazer algum comentário. Eu

percebi o quanto ele observava Raquel e eu.

— Não convivo muito com ela. Raquel é uma insuportável —

retruco.

— Todos para você são insuportáveis — ele dá risada ao

dizer. — E não foi isso que vi nos olhares que deu a ela enquanto

achou que ninguém estava olhando.

Bufo.

— Um dia você vai encontrar alguém que te fará perceber que

ter alguém para amar e ser feliz é melhor que se sentir solitário.

— Você e suas frases profundas.

Sorrio, agradecido por ele ser o mais próximo de um pai para

mim.
— O plano ainda é você ir para São Paulo assim que se

formar? — Assinto. — Que bom, quero te acompanhar na empresa

por um tempo antes de me aposentar.

Não sei o que seria de mim e das empresas se eu não tivesse

Miguel para ajudar em tudo, e entender que eu precisava viver o luto

antes de tentar viver a minha vida.

— Artho vai ficar com o cargo de advogado?

— Sim. Ele vai se mudar para São Paulo depois da sua

formatura, no final do ano, e vai assumir o cargo.

É uma promessa que fizemos juntos há um tempo e vamos

cumprir.

— Ainda não voltou para a terapia? — Nego, fugindo do olhar

dele. — Não vou voltar a repetir o que é melhor para você, garoto,
mas tenho certeza de que lidaria melhor com seus traumas se

tivesse ajuda.

Não respondo.

E não sei se daria certo. Conversar com alguém

desconhecido onde preciso me abrir e remexer em toda a cicatriz, é

fato que não estou pronta ainda.


Raquel

Terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O terceiro semestre mal começou e as matérias parecem ter

duplicado. Eu apresso os passos pelos corredores da UFBG,

seguindo para o bloco onde acontecerá minha próxima aula,

torcendo para que o professor ainda não tenha chegado.

Tenho sorte quando vou chegando próximo na sala, e o

professor está virando três corredores à frente,

despreocupadamente parando para conversar com um aluno.


É com minha atenção nele, que não percebo o acidente que

vai acontecer. Sinto o impacto e já estou no chão, com meus

pertences espalhados.

Consigo me levantar, passando as mãos pela minha saia e

meia calça para limpar e me viro para ver o garoto levantando

eufórico, e apressado.

— Você não olha para onde anda? — pergunto com raiva.

Com sorte não virei o meu pé com a queda com meu coturno

de salto.

Pego meu celular no chão, e olho para a tela, que está

trincada bem no centro.

— Olha o que você fez — exclamo para ele.

Como vou comprar outro agora?


— Desculpa — ele pede com a mãos levantadas, dando

passos para trás ainda virado de costas, nem me dando tempo de

falar sobre o conserto do dano que causou no meu celular, e quando

ele se vira para correr pelo corredor novamente, o vejo ser puxado

por trás pelo colarinho do moletom.

O cara vira com uma expressão assustada no rosto e observo

o dono da mão grande, com o aperto forte que me mostra suas

veias expostas na pele.

Fico surpresa quando vejo Eros com uma expressão séria

com direito a maxilar trincado e as sobrancelhas franzidas.

— Onde pensa que vai? — pergunta, sua voz rouca causando

um arrepio em mim.

— Indo... indo para minha sala — o cara gagueja para falar.


— Resposta errada, idiota. Você vai abaixar e pegar todo o

material, entregar nas mãos dela, e pedir desculpas de uma forma

mais educada. — Seu tom ameaçador me causa arrepios, mas não

de uma forma ruim.

Isso me lembra a forma bruta que ele me fodeu na parede do

banheiro em Jurerê. Aperto minhas pernas e mordo o lábio para

tentar prestar atenção no garoto assustado.

Mesmo com a pele branca do cara, ela consegue demonstrar

a palidez no rosto dele, me indicando que ele está assustado.

— O quê? Você quer que eu te mostre como deve fazer?

Ele aperta o colarinho do garoto que nega com a cabeça, se

soltando do aperto de Eros para agachar no chão e começar a

pegar minhas coisas. Meus olhos continuam em Eros, que me

ignora olhando o serviço que está sendo feito.


O cara se levanta, com os olhos baixos para não me encarar,

e me entrega minhas coisas.

— Desculpa — sua voz sai sussurrada.

— Não ouvi, está com problema na voz? — Eros rosna as

palavras, levantando a mão para dar batidinhas nas costas do cara.

— Me desculpa por ter derrubado você e quebrado seu

celular.

— Celular que não terei outro por bastante tempo — rebato,

resmungando.

Mesmo assim, assisto recebendo suas desculpas e vejo

quando ele olha para Eros.

— O que está fazendo aqui ainda? Some!


O cara volta a correr pelo corredor e me viro para falar com

Eros, mas ele parece querer ficar longe de mim o quanto antes.

Eros tem atenção voltada para mim e estende a mão para

pegar meu celular e vendo o estrago que ficou na tela.

— Não é nada, consigo mandar arrumar e não sair tão caro

como comprar outro — digo, pegando o celular de volta. — O que

você está fazendo neste bloco? Que eu saiba, o bloco de

Administração fica do outro lado.

Ele abre um sorriso de lado, mostrando sua covinha. Em vez

de me responder, ele segura minha mão e entramos na sala. Só

percebo que somos centro de atenção, quando levanto os olhos das

nossas mãos entrelaçadas para olhar para onde estamos andando.

Começo a escutar cochichos sussurrados, e fica pior quando

paramos na terceira fileira, e Eros faz um gesto para me sentar e


logo em seguida se senta ao meu lado. Fico tão em choque com

esse gesto dele, que não consigo questioná-lo por alguns segundos.

Olho em volta, as cabeças viradas para a nossa direção,

principalmente se questionando o porquê de Eros Giordano, o

cretino mais cobiçado do Campus e rico, cursando o último

semestre de Administração, está entrando de mãos dadas comigo,

uma simples estudante de Moda.

O mais estranho é que esse não é o curso dele.

— Qual é o jogo dessa vez, Eros? — pergunto, abaixando o

tom de voz para falar com ele.

Me inclino em sua direção para fixar meus olhos nele quando

Eros se vira para mim.

— Não tem jogo nenhum, Raquel. — Nossa troca de olhar é

tão intensa e sincera.


— Você está me deixando confusa, o que está fazendo nesta

sala, sentado comigo? — pergunto.

Durante essas últimas semanas, nem nos vimos direito e

agora ele está aqui, sentando ao meu lado, agindo como o oposto

do Eros que conheço.

Quando penso que ele vai me ignorar como sempre faz, eu o

vejo abrir um sorriso discreto pela segunda vez em menos de cinco

minutos.

— Vamos fazer essa matéria juntos neste semestre, acho que

você vai precisar me aturar — ele brinca.

O professor entra na sala e começa sua apresentação, assim

como a matéria que ele estará nos dando esse semestre, mas meus

olhos ainda continuam em Eros.


Ele inclina mais para perto, consigo sentir sua respiração no

meu rosto. Ele desvia sua cabeça para perto da minha orelha, e me

arrepio quando sua voz grossa chega em mim.

— Sugiro você prestar atenção na aula e depois podemos

conversar sobre o que quiser, se isso significa que no final você vai

estar cavalgando em mim.

Porra!

Ele volta a se endireitar na cadeira e prestar atenção no

professor, como se até segundos atrás não tivesse falado sobre

transarmos.

Tento focar no professor, mas é impossível com Eros ao meu

lado, tocando sua perna na minha, me lembrando o tempo todo da

sua presença.
Meu celular com a tela trincada pela queda acende em cima

da mesa e o desespero me pega. Pelo jeito terei que procurar algum

trabalho temporário nos fins de semana para conseguir comprar um

celular que seja com um preço razoável para meu bolso. Como se

eu tivesse tempo suficiente.

Tento clicar na tela do celular para tentar ler a mensagem que

acabou de chegar, mas sou incapaz. Talvez se eu mandar arrumar

somente a tela, ainda dê para usar ele por um tempo, até poder

comprar um novo.

Percebo que Eros está olhando para o movimento que faço

com o celular e bufa quando percebe que ele não está funcionando

direito. E neste momento a aula acaba, guardo minhas coisas e me

levanto.

Eros já está de pé, me esperando. Eu franzo a testa,

indignada. Mas que merda ele está fazendo?


Disse que não rolaria mais nada entre a gente e agora está

aqui, agindo como se tivéssemos alguma coisa e isso está me

iludindo.

— Não sei o que você está planejando e nem quero descobrir,

não estou a fim de fazer parte seja lá o que for.

Esbarro nele para sair da sala, e nem olho para trás para

saber se ele está me seguindo ou se toda a sala escutou o que eu

disse a ele.

Ando a passos rápidos em direção a biblioteca da

universidade, que fica em outro bloco, distante do bloco onde faço

minhas aulas. Entro na biblioteca, subindo direto para o segundo

andar, onde sei que ficam os livros que preciso para estudar a

matéria.

Sigo pelo corredor com várias estantes altas com nichos, e

paro em frente a uma mesa no canto para colocar minhas coisas.


Vou para a estante mais no fundo, onde não tem ninguém, na

verdade na parte que estou não se encontra nenhum estudante.

Olho para as lombadas dos calhamaços, procurando o tema

que estou precisando, tirando do um que chamou minha atenção.

Quando me viro para seguir mais adiante, trombo em alguém, nem

fico surpresa quando vejo Eros, parado, nem um pouco afetado com

o esbarrão.

— Dá para você parar com isso? — pergunto. — E o que

você está fazendo aqui? Deu para me seguir?

Bufo, irritada com ele.

Eros não diz nada, tira o livro da minha mão, colocando-o no

mesmo lugar que estava anteriormente. Grudando nossos corpos

para realizar tal ato. Suspiro quando nossas bocas quase se

encostam.
— Você se tornou meu vício, Raquel, não consigo ficar longe

de você — Eros diz, com aquele jeito intenso dele, com seus olhos

fixos nos meus.

— Do que você está falando? — pergunto, baixinho.

É impossível desviar os olhos dele, Eros é um ímã que me

puxa toda vez que estamos próximos.

— Que não quero ficar longe de você, sua maldita feiticeira.

— Não foi você que me disse que entre a gente nada mais se

repetiria? — Tento me afastar dele, fraca e frágil, mas ele me

impede.

— Eu menti — diz convicto e me beija.

Encosto na estante atrás de mim, incapaz de me manter em

pé. Eros sobe as mãos pelo meu rosto, roubando tudo de mim, até

mesmo o ar, me deixando ofegante.


— Tentei ficar longe, mas é difícil quando você me provoca, e

age como a porra da mulher sexy que é.

Ele morde minha boca, antes de se ajoelhar, descendo as

mãos pelo meu corpo e subindo pelas minhas coxas, por dentro do

tecido da saia. Prendo a respiração quando entendo o que ele vai

fazer e me desespero, mesmo excitada com a possibilidade de

sermos pegos com Eros com a cabeça entre as minhas pernas, me

chupando.

— Eros, podem nos pegar aqui — sussurro, trêmula, sentindo

quando ele puxa minha calcinha para ser retirada.

— Não se você for uma boa garota e fizer silêncio — ele

responde, no mesmo tom de voz, e sorri para mim, quebrando

nosso olhar para se enfiar por debaixo da minha saia.

Eros separa minhas pernas, colocando uma delas em seu

ombro e é preciso tapar a boca quando sinto sua respiração quente


na minha entrada, provocando uma sensação de pulsar em

expectativa.

Sinto sua língua quente me lamber, em seguida Eros chupa

meu clitóris, causando uma pressão forte, que foi capaz de tirar de

mim um gemido alto, abafado pela minha mão.

Fecho os olhos, tentando segurar a estante com a outra mão

para me manter em pé.

Eros me chupa como se eu fosse seu último doce. Balanço

meu quadril, incapaz de ficar parada, querendo mais, exigindo alívio.

Ele é delicado com sua língua ao mesmo tempo que exerce força

com sua boca.

Quase desfaleço quando gozo, na sua boca e quando abro os

olhos, vejo Eros me olhando com seu ar convencido de que fez um

bom trabalho, antes de passar a língua pelos lábios, saboreando

meu gosto.
Estou perdida.

Se antes eu não conseguia me livrar de Eros Giordano, agora

eu sei que será impossível, e tenho medo do que venho sentindo

por ele.
Raquel

Quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

— Você perdeu a aula de pole dance hoje — Charlotte fala

assim que entro no nosso quarto.

— Merda! Eu esqueci completamente. — Bato com minha

mão na testa. — Desculpa, amiga.

Caminho até sua cama para me sentar ao seu lado, ela não

parece chateada, mas me olha curiosa, tentando descobrir algo.


— Entendo. Eros deve ter te deixado bem ocupada.

Estreito os olhos para ela, que dá risada.

— Sim. Quando saí do shopping, ele estava do lado de fora

me esperando — digo.

Não sei o que senti em relação a isso, ando confusa com o

que venho sentindo por ele e talvez seja arriscado demais não me

preocupar com isso.

— Eros foi até lá para me entregar isso — tiro da bolsa uma

caixa contendo um celular dentro e, pela marca, um dos mais caros.

— Ele te comprou um celular novo? — pergunta,

impressionada.

— Isso mesmo. Ele viu que eu estava com o celular quebrado

por causa do acidente com o cara no corredor da universidade.


Eu havia contado isso para Charlotte e também como Eros

reagiu, e que sentou ao meu lado na aula e que me seguiu até a

biblioteca e me chupou enquanto eu segurava para não gemer alto,

presa a uma estante.

Contei a Charlotte o que rolou entre mim e Eros assim que

voltamos de Jurerê Internacional, e como ela ficou em choque, me

pedindo os detalhes do que rolou para enfim chegarmos a transar.

— Eu até pensei em não aceitar, mas aí lembrei que ele gasta

dinheiro com um monte de mulheres, está na hora de gastar com

quem realmente vale a pena. — Dou de ombros.

Charlotte cai na cama de tanto rir e faço o mesmo.

Eros tem me feito sentir tanta coisa desde que nos

conhecemos, e ele tem se mostrado tão diferente comigo, claro que

rolam algumas alfinetadas, mas percebi que somos bons juntos.


Eu nunca estiva pronta, então eu vejo você ir

Às vezes você simplesmente não sabe a resposta

Até que alguém fique de joelhos e te pergunte.

(Champagne Problems - Taylor Swift)


Eros

Sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Verifico as horas mais uma vez no relógio de pulso e bufo, por

ter se passado somente um minuto desde que olhei da última vez.

Olho em volta, e nada de Raquel chegar, ela está atrasada, já

deveria ter chegado ao edifício há muito tempo.

Estou indignado com ela por não ter me contado que hoje é

seu aniversário e eu precisar ficar sabendo por Charlotte, e nem foi


diretamente, escutei uma conversa dela com o Artho enquanto eu

descia as escadas.

Raquel e eu nos vimos ontem à noite e hoje pela manhã na

aula, e mesmo assim não me contou.

Decido que vou até o trabalho dela para encontrá-la, e

quando dou a volta no carro para entrar, a vejo andando com

passos arrastados e uma expressão cansada no rosto.

Assim que Raquel me vê, vejo um sorriso se abrir em seu

rosto, e eu imediatamente sinto meu estômago esquentar.

— O que você está fazendo aqui? — pergunta, com sua testa

franzida, me observando de cima a baixo.

Seu cabelo preso em um rabo de cavalo, vestindo uma blusa

azul com a logo da loja onde ela faz estágio e calça jeans, ela
consegue ficar ainda mais linda, mesmo com sua carinha de

cansada.

— Você não me contou que hoje é seu aniversário — digo, e

cruzo os braços, aguardando a sua resposta.

Ela semicerra os olhos.

— Não achei que você fosse se importar, é só o meu

aniversário, Eros — responde simplesmente, dando de ombros.

Por que eu não me importaria?

— Data que eu queria comemorar com você, Raquel — eu

respondo no mesmo tom do dela. — Só fiquei sabendo porque

escutei uma conversa da Charlotte com Artho.

— Anda escutando conversa alheia às escondidas? — ela

pergunta, rindo e eu bufo, não dando o braço a torcer.


— Não escutei conversa de ninguém — retruco. — Por que

estamos tendo essa conversa desnecessária? Suba, se arrume, que

vamos sair — informo a ela.

— Oi? Sair? Com você? — levanta a sobrancelha com sua

audácia. — Desculpa, mas tenho compromisso com a Charlotte —

comenta, fingindo que suas unhas pintadas em vermelho são mais

interessantes do que ver o quanto estou indignado por ser

contrariado.

— Mudança de planos, Charlotte me cedeu o lugar dela hoje,

depois de Artho ter conseguido persuadi-la. — Quero dar risada

com sua cara, mas preciso continuar imbatível.

— Que safada. — Escuto ela resmungar. — Trocou nossa

noite por um p... — Ela corta a fala ao me ver encará-la de olhos

semicerrados. — Par de olhos castanhos claros?


Confesso que não foi fácil convencer Charlotte, ela é bem fiel

à amiga, mas no final entendeu e só aceitou quando exigiu saber do

lugar que eu levaria Raquel.

— Dá para você subir e se arrumar?

— Não, primeiro que você nem fez convite nenhum e está

sendo muito chato com esse jeito mandão.

Suspiro, olhando para o céu sem paciência, até quando tento

fazer algo legal para Raquel, ela não colabora, sempre implicando

com alguma coisa.

Me aproximo dela e sorrio, antes de me abaixar, segurar sua

cintura colocando-a no meu ombro, escutando seu grito de susto.

— Eros, me coloca no chão — pede, e ignoro seu pedido.

Caminho para a entrada do edifício, subindo as escadas,

percebendo que não vamos conseguir passar despercebidos.


Escuto os cochichos assim que passo pelo saguão direto para o

elevador, que por sorte, está aberto.

Aperto o botão número dois com Raquel se mexendo para

descer. Bato na sua bunda, para que ela se aquiete, ouvindo seu

engasgo de surpresa.

— Eros, não acredito que fez isso — ela ruge, e bato na sua

bunda mais uma vez só para escutar ela me xingando em seguida.

— Acredita agora? — Sorrio, escutando o quanto ela está

irritada. — Foi você que não colaborou comigo, poderia ter vindo

andando.

— Filho da puta.

Mudo meu semblante relaxado, quando as portas do elevador

se abrem, e percebo várias cabeças no corredor olhando para

nossa direção.
Como notícias correm por aqui.

Saio do elevador, passando direto para uma das portas no fim

do corredor, desprezando os comentários que escuto. Imagino que

estejam surpresas por me verem aqui, ainda acompanhado por

Raquel.

A porta do quarto dela tem um enfeite bordado com as iniciais

de R e C, e tenho vontade de revirar os olhos por serem tão óbvias.

— Chave — peço, estendendo a mão para trás, para Raquel

me entregar.

Consigo abrir a porta com uma mão, já que a outra está

ocupada segurando Raquel pelas pernas. A porta fecha com um

baque, antes de eu colocar ela no chão e beijar sua boca, a

escutando suspirar.
É possível sentir falta de alguém em menos de vinte e quatro

horas? Nos vimos na aula mais cedo e parece que foi há dias.

Grudo nossas testas, me obrigando a me controlar com ela.

Necessito ser firme para manter os planos que fiz para essa noite.

— Preciso que você entre no banheiro, tome um banho e se

arrume, não quero que a gente perca as reservas — peço.

— Reservas? — seu tom curioso, é engraçado.

— Não vou dizer mais nada.

Ela se afasta, sorrindo, puxando a blusa para cima, a tirando,

me mostrando seu sutiã preto, pequeno, seus seios querendo pular

de dentro dele. Meu pau reage e sinto quando ele começa a apertar

a calça jeans.

— Posso pelo menos deixar a porta do banheiro aberta? —

ela pergunta e eu rosno, me forçando a dar alguns passos para trás.


Minhas mãos coçando para tirar aquele sutiã e ligar o foda-se

enquanto chupo seus peitos durinhos.

— Sugiro que feche bem a porta, se não quiser que nossa

noite seja estragada por minha falta de controle e o desejo de foder

você contra a parede do banheiro.

Raquel dá risada, fazendo o que peço, mas antes, ela leva

sua mão para trás, abrindo o fecho do sutiã, descendo as alças

vagarosamente, e quando ele por fim se solta do seu corpo, ela

esconde seus seios com as mãos, me dando aquele sorriso

diabólico.

Ela se vira de costas para mim, e retira as mãos, me proibindo

de vê-la, me lançando um sorriso malicioso antes de entrar no

banheiro e deixar a porta entreaberta.

Raquel ama me provocar, e sabe que neste jogo eu sou o

mestre.
Ando em volta do quarto, olhando para os dois lados, a parte

da Raquel e da Charlotte, visivelmente muito diferente. O lado do

quarto de Raquel tem tudo no lugar e bem organizado, até mesmo a

sua mesa de estudos. Os poucos livros que ela tem, estão bem

arrumados. Ao lado tem uma mesa menor, onde fica sua máquina

de costura. Me aproximo para passar a mão nela. Em pensar que é

daqui que ela cria todas as suas ideias e roupas.

Isso me orgulha nela. Raquel é determinada, decidida e com

presença, eu imagino que seja tudo isso que me chamou atenção

nela.

Em cima da sua mesinha ao lado da cama, tem um porta-

retratos dela com seus pais, sei disso pelas semelhanças.

Eu venho conhecendo Raquel nos dias que se passam. Ela

ama falar, e sempre a escuto, percebi que é uma das coisas que

gosto quando estou com ela.


Sei que é filha única, e seus pais moram em Chuí, e entendo

o ódio do apelido que ganhou assim que entrou na universidade, e

Artho ama implicar com Raquel por isso.

Me sento na cama para esperá-la e tenho sorte quando ela

não demora muito no banheiro, saindo com uma pequena toalha

enrolada no corpo, me mostrando suas pernas, coxas, sua bunda

sendo escondida de mim pelo tecido felpudo.

Ela faz de propósito quando me olha de lado, com seu sorriso

travesso, voltando para o banheiro rebolando, levando junto sua

maquiagem e a roupa que escolheu para vestir.

Quase meia hora depois ela sai de dentro do banheiro

arrumada, vestida com um vestido na altura da sua cintura. Ele é

delicado na cor preta, acinturado, com botões que fecham na parte

da frente, com um corte quadrado na parte de cima do decote.

Tenho certeza de que esse vestido ela fez também.


Ela calça os saltos, inconsciente de que a admiro, como um

idiota apaixonado, que parece babar.

— Estou pronta — diz, por fim, sorrindo ao vir até mim,

quando fico de pé.

Não falo nada, tiro algumas mechas onduladas, do seu rosto,

para encarar seus intensos olhos azuis, e tiro do bolso com a outra

mão uma caixinha quadrada de veludo preto, para entregar a ela.

Raquel olha para a caixinha, seus olhos brilhando de

expectativas quando a retira da minha mão, a abrindo. Sua boca faz

um bico de surpresa, antes de abrir um sorriso.

Ela tira de dentro um colar em ouro, com pingente de

máquina de costura, com pequenas pedrinhas de diamante na parte

inferior.
— Para mim? — pergunta, mordendo os lábios ao olhar em

meus olhos.

Assinto, tirando o colar da sua mão para eu colocar em seu

pescoço. Ela coloca seus cabelos de lado ao se virar para mim. Vejo

quando ela se arrepia ao sentir o toque dos meus dedos em sua

pele quente e cheirosa.

Ela vai até o espelho para apreciar a peça, que combina com

seu vestido.

— Eu amei — Raquel declara e caminha de volta para mim

novamente, passando os braços pelo meu pescoço. — Obrigado,

Eros.

E junta nossos lábios, num beijo singelo de início, e sinto

como esse parece diferente de todos que já trocamos.


Ela veste seu casaco e pega sua bolsa para depois me deixar

entrelaçar minha mão na sua para sairmos do quarto. Usamos a

escada dessa vez para descer.

Alguns caras estão olhando para ela. Eu sinto uma

possessividade me tomar quando solto sua mão para passar o

braço pelas pela sua cintura, a trazendo mais para perto de mim.

Raquel me olha sem entender, e quando percebe que estou olhando

para a direção onde tem alguns caras a olhando, ela solta uma

risadinha debochada.

— Não precisa disso tudo, Eros — ela brinca, quando

descemos as escadas do edifício.

— Precisa sim, não gosto quando olham com desejo para

minha garota.

Percebo que falei demais quando ela me questiona com seu

olhar hipnotizante, eu costumo fugir dele. A ignoro, abrindo a porta


do carro para Raquel entrar, ainda me encarando.

Ela fica bem sentada no banco do meu Porsche, ao meu lado,

transmitindo sensualidade e confiança. Ela encosta no banco,

sentindo a maciez, enquanto eu dirijo pelas ruas, ouvindo a letra da

música que combina com o que eu sinto ao estar perto dela.

Nós queimamos como fogo e eletricidade, sinto faíscas

quando estamos perto. Raquel me leva para perto do infinito, a

desejar sentir tudo isso e coisas novas com ela.

Quando estaciono o carro próximo ao restaurante mais caro e

chique que encontrei à altura da Raquel. Quero que a noite dela

seja especial e que ela tenha o que merece.

Eu consegui reserva para nós dois de última hora, depois de

persuadir o dono. Teria planejado algo melhor se eu tivesse tido

mais tempo, mas saber do aniversário de Raquel tarde, não

facilitou.
Fico bravo com ela por isso, mas o sentimento some quando

tiro o cinto e olho para ela, que está sorrindo para mim, admirada.

Valeu a pena ter transferido um valor considerável para o

dono do lugar só para ver esse sorriso.

— Não acredito que vamos jantar aqui — Raquel diz, dando

pulinhos no banco.

Para mim, não era nada demais, estou acostumado com

dinheiro desde pequeno, mas sei como esse gesto faz diferença

para Raquel.

— Eu teria planejado algo melhor se tivesse me contado

sobre o seu aniversário — replico, e dou risada quando ela revira os

olhos.

— Eros, drama não combina com você — ela declara e se

aproxima para juntar nossas bocas. — Não esperava por isso e é


melhor do que poderia imaginar.

Raquel me beija mais uma vez, e se vira para abrir a porta do

carro e sair, mas a impeço. Dou a volta depois que saio dele, e abro

a porta para ela, que segura minha mão, não escondendo o êxtase

que está sentindo.

Com nossa mão entrelaçada, caminhamos para a entrada no

restaurante, onde somos bem recepcionados e guiados para a

nossa mesa. Raquel olha tudo em volta com ar de admiração e

surpresa. Ajudo ela a tirar o casaco antes de puxar a cadeira para

ela se sentar à mesa.

Meus olhos o tempo todo nela, enquanto Raquel olha ao

redor, observando os detalhes do restaurante.

— Não acredito que vamos jantar aqui — comenta, depois

que o garçom nos serve do vinho que escolhi.


A forma como ela se porta, consigo ver o quanto ela está

amando. Raquel é tão expressiva em certos pontos, que consigo

saber o que ela está pensando. E sei que neste exato instante, deve

estar calculando na cabeça o quanto devo estar gastando só por

estar aqui.

Nosso pedido de pratos foi por minha conta, Raquel confiou a

mim a tarefa, e não foi difícil, escolhi tudo com base do que conheço

e já vi.

Foi tudo tão agradável, percebo que fazia tempo que não me

divertia com alguém, além dos meus amigos, e estou me apegando

tanto a Raquel, que é impossível querê-la longe de mim.

Pago a conta, e nem olho para o recibo quando passo o meu

cartão. Ajudo Raquel vestir o casaco de volta e seguimos para a

saída do restaurante, minha mão na sua coluna, estou tentando não


ser possessivo quando passamos pelas mesas para sair e vejo ela

recebendo olhares.

Preciso marcar minha presença de forma discreta.

Estou quase passando o braço pela sua cintura quando

saímos, envolvido completamente na conversa com Raquel, que

não percebo as pessoas que estão na entrada.

Não percebo ela.

— Eros. — Ouço uma voz me chamar, a dona dela é a

pessoa que apaguei da minha vida faz tempo.

Lívia, minha ex-namorada está parada a poucos metros, seus

olhos fixos em mim.

Raquel para quando a escuta me chamar, e se vira para

encarar Lívia com curiosidade, ela deve ter percebido alguma coisa,

pois cola ainda mais em mim quando entrelaça as nossas mãos,


esse movimento chama atenção de Lívia, que olha de mim para

Raquel.

Teve um momento, depois de eu ter descoberto a traição de

Lívia, que achei que nunca mais seria capaz de me curar e olhar

para ela sem me sentir um completo idiota.

Estava tão apaixonado por ela, cego pelos sentimentos que

ela me fez sentir, mas incapaz de ver o que todos viam ela fazer

pelas minhas costas. Até mesmo meus amigos me aconselhavam, e

eu nunca acreditei, foi preciso eu pegar Lívia me traindo, ver com

meus próprios olhos que ela não me amava e só estava comigo pelo

dinheiro.

Seguro firme a mão de Raquel e continuo andando, com a

minha garota ao meu lado. Excluindo a presença de Lívia, deixando

a loira para trás como fiz há anos com meu passado.


Entramos em silêncio no carro, e sabia que isso não duraria

muito certo, Raquel não é o tipo de mulher que guarda o que pensa,

isso chegou a me incomodar por um tempo, mas só porque eu

queria odiar tudo que me atraía nela.

É quando saio do estacionamento, que escuto sua voz.

— Quem é ela? — pergunta, curiosa.

— Ninguém que mereça nosso tempo — resmungo.

— Lívia é a sua ex-namorada, não é? — insiste, e não estou

surpreso, Raquel é boa em tirar tudo de mim.

— Como sabe disso? — questiono sem olhar para ela.

Não é um assunto que eu queria falar com ela, pensar em

expor minhas mágoas para Raquel me deixa vulnerável, mas vejo o

quanto preciso disso.


— Gael me contou — ela diz e rosno com a menção ao nome

do infeliz que ela foi junto para a festa na minha casa, só de pensar

que eles podem ter ficado depois, me deixa tremendo. — Ele me

procurou no dia seguinte à festa que vocês deram, me contou que

foi expulso por Artho e Dimitri com um taco de beisebol.

Ela dá risada.

Esses são meus amigos, não mudaria nada neles, nos

completamos na base da loucura, dos traumas e passados, estamos

juntos até o fim.

— Ele me disse que ficou com a sua namorada na época do

colegial. Gael não disse o nome, só disse que ela morava na

cobertura do edifício, e eu conheci Lívia em uma festa que elas

deram na cobertura e Charlotte me convidou para ir, só liguei os

pontos.

Claro que ligou. Raquel é inteligente, pega as coisas no ar.


Ela fica em silêncio, me esperando dizer alguma coisa. Antes

de pensar em algo a ela, aperto minhas mãos no volante, tentando

amenizar os tremores.

— Conheci Lívia na época que eu estava no ensino médio,

me encantei por ela, eu via nela uma garota inteligente e engraçada

— falo e escuto Raquel bufar, incomodada e tenho vontade de dar

risada.

Eu olho para Raquel, ela revira os olhos, mas está atenta ao

que estou falando.

— Não passou muito tempo e estávamos namorando, os

meninos já a conheciam, então só a apresentei aos meus pais,

conheci os pais dela um tempo depois, não lembro quando

começou, mas surgiu um boato de que eu estava sendo traído,

porém como um completo idiota apaixonado, não acreditei em nada.

As piadinhas dirigidas a mim aumentaram, meus amigos já estavam


no meu pé, me alertando, e mesmo assim eu não queria acreditar.

Peguei Lívia e Gael juntos um dia, e foi assim que a ficha caiu, ela

confessou que estava comigo somente por interesse.

— Que vaca — escuto Raquel rugir, indignada. — Eu não

consigo entender como as pessoas conseguem ter um caráter tão

horrível.

O gosto amargo na minha boca me faz lembrar do porquê

odeio recordar isso. Fiquei tão mal, e mais uma vez eu tive meus

amigos.

— É por isso que não deixa as pessoas se aproximarem de

você? Por elas serem tão interesseiras? — pergunta. — Você é rico,

claro que as pessoas irão se aproximar de você pelo dinheiro.

— Por parte sim, e outra é que não sei lidar com elas — digo,

percebendo o quanto me abrir com Raquel não é difícil.


Tudo com ela parece ser tão fácil e estou me acostumando

com isso.

O mais difícil para mim não é deixar as pessoas entrarem,

mas sim quando elas vão embora.

— Você ainda sente algo por ela? — Raquel pergunta, há

desconforto em sua expressão.

— Não, Raquel. Lívia é passado, e nada mais que isso e,

como eu disse antes, não merece nosso tempo.

Minha resposta parece satisfazê-la, se ela soubesse que a

única mulher por quem sinto algo é ela, algo que toma meu corpo e

minha mente, me deixando incapaz de pensar com coerência

quando está por perto, é muito maior do que já senti por outra.

— Para onde estamos indo? Achei que iríamos depois para

sua casa, não está tendo festa lá hoje? — Raquel pergunta ao


perceber que o caminho que tomei é oposto à minha casa, e sim

fora da cidade.

— Quero que conheça um lugar — digo. — Essa noite você é

só minha, Raquel.
Raquel

Eros não diz mais nada, minha curiosidade só aumenta

quando nos distanciamos ainda mais da cidade.

— O que você está planejando? — questiono.

Achei que o clima que ficou antes teria acabado com tudo o

que Eros planejou, quando me contou sobre sua ex-namorada e o

quanto ela foi uma vaca egoísta e idiota, agora eu tenho um rosto

para odiar.
Eu percebi pela forma que Lívia olhou para Eros, que parecia

arrependida, e seu olhar de desagrado para mim, felizmente para

mim, Eros agora está comigo, é isso o que eu penso.

— Você vai descobrir — responde e me olha, descendo os

olhos para minhas coxas à mostra, porque o vestido subiu um pouco

pelo movimento no assento.

Desço minhas mãos por elas, subindo, porém por dentro do

vestido. O tecido acompanha, e paro meus dedos em cada lado da

minha calcinha, para em seguida descê-la pelas minhas pernas e

jogá-la no banco de trás. Faço tudo isso olhando para Eros,

enquanto ele tenta manter sua atenção em mim e na estrada ao

mesmo tempo.

Vejo quando ele passa a língua pelos seus lábios carnudos e

vermelhos. Estendo a mão para o sistema de som do carro e


aumento o volume em uma música com batidas em ritmo envolvente

e sensual.

Mexo meu quadril no assento, minha mão fazendo o caminho

para minha boceta. Estou molhada e pulsando de desejo por Eros,

seu olhar é capaz de me fazer derreter e perder qualquer raciocínio

que eu seja capaz de ter.

Suspiro quando pressiono meu Clitóris, meu olhar desce do

rosto de Eros, para suas mãos grandes apertando o volante. A

velocidade do carro parece ter aumentado mais, assim como o

toque, a pressão que faço, me faz suspirar e choramingar. Eros se

remexe no banco, afetado com o meu showzinho, intercalando seus

olhares nos movimentos de meus dedos e na estrada escura.

— Eros — sussurro seu nome, quando enfio o dedo dentro de

mim, controlando o movimento que faço no ritmo da música.

Ele grunhe.
Só percebo que paramos quando ele abre a porta do carro,

parado em frente a uma entrada, impedida apenas por uma corrente

pesada e grossa. Eros a tira do apoio, que também é de ferro e volta

para dentro do carro às pressas, não parando para fechar a entrada.

Ele guia o carro por uma estradinha de cascalho, rodeada por

árvores, parando depois de alguns minutos em frente a uma casa de

dois andares, que é feita toda de pedra. Nem consigo observá-la

direito, Eros já está abrindo a porta do carro ao meu lado.

— Desce do carro, Raquel — exige, e me demoro olhando

para seu rosto, marcado por uma expressão ansiosa e rude. — Saia

da porra do carro.

Sorrio.

Passo uma perna de cada vez para fora do carro, o

provocando com a minha demora, fazendo questão de deixar à


mostra minha boceta molhada, o que o faz rosnar, terminando de

me puxar para ele.

— Você é a porra de uma mulher provocadora que ama jogar

comigo — ruge as palavras na minha boca.

— E eu sei que você ama isso.

Ele prende nossas bocas com força, me causando uma

dorzinha gostosa ao morder meu lábio inferior, antes de me pegar

no colo. Eros não anda muito, ele só faz o caminho até a frente do

seu Porsche, me colocando sentada no capô e enrolando meu

vestido na cintura para ter acesso à minha vagina. Eu sinto o frio da

noite me tocar e isso não me afeta em nada, comparado ao calor

que estou sentindo por Eros.

Ele desce seus dedos pelo ponto rígido, querendo atenção,

mas seus planos sãos outros, ele me penetra, dobrando seus dois

dedos dentro de mim, me fazendo gemer.


Não consigo focar em ajudar ele tirar sua calça, Eros faz isso

com maestria, até mesmo quando abre a camisinha com uma só

mão para desenrolar no seu pau totalmente ereto, me dando a visão

do seu piercing brilhando na luz da noite.

Eu passo os braços pelos seus ombros quando ele troca seus

dedos pelo seu pênis, afundando em mim, duro e rápido, me

causando um grito de surpresa. Mordo seu queixo, e depois sua

boca, o beijando, suas estocadas se intensificando.

— Como é bom estar dentro de você — murmura.

Minhas pernas estão presas na sua cintura, um dos saltos

perdidos no chão pela nossa agitação. Eros bate no meu ponto

sensível, e eu o aperto quando sinto a pressão crescer.

Não consigo avisar a ele que estou perto de gozar, o orgasmo

só vem, e sinto quando ele vem algumas estocadas depois de mim,

seu grunhir rouco e gostoso.


Ele me beija, agora calmo, nossas respirações controladas.

Eros desce sua boca pelo meu queixo, fazendo uma trilha de beijos

até minha orelha, sussurrando deliciosamente quente.

— Feliz aniversário, Raquel.

Eros abre a porta de casa para mim e acende a luz, antes de

segurar a minha mão e me puxar para segui-lo até as escadas que

dão para o andar de cima, só tenho tempo de olhar o sofá grande de

veludo, a lareira e em cima um quadro grande, que não consigo

identificar direito pela pressa de Eros.

Subimos as escadas, e fico impressionada que a casa é

literalmente toda feita de pedra.


— Essa casa é sua? — pergunto, quando entramos no

corredor.

— Sim.

É linda, cada detalhe me encanta, penso no trabalho que

deve ter dado para construir a casa e manter. Paramos em frente a

uma porta no corredor. Ao entrar, me deparo com o quarto de casal

bem rústico.

Cômodas de madeira marrom com gavetas e puxadores em

formato de concha na cor preta. A cama de casal também é feita de

madeira, a cabeceira trabalhada com uma peça mais grossa. Em

cima tem um quadro preso, com o mesmo comprimento da cama,

com uma paisagem de uma floresta na época de outono.

O quarto está quente, e vejo que a lareira já está acesa há um

tempo, ao que me diz que alguém já deve ter cuidado disso antes

de chegarmos. Eros se agacha para colocar mais lenha, e depois de


mexer os tocos de árvores bem cortados para o fogo pegar mais

rápido, ele se levanta e vem até mim.

Quando para à minha frente, ele tira sua jaqueta de couro, em

seguida sua camisa preta, me dando a visão dos seus músculos

bem trabalhados. Ele se ajoelha na minha frente, segurando minha

perna para me ajudar a tirar o salto, meu pé sentindo o tapete

felpudo em seguida.

Eu apoio a mão em seu ombro para não cair. Eros faz a

mesma coisa com a outra perna e sobe as mãos pelas minhas

pernas, subindo o vestido e só parando na minha cintura, deixando

um beijo molhado perto da minha virilha.

Aperto minhas coxas uma na outra, quando sinto minha

entrada pulsar, quente e sem a calcinha, que ficou perdida no carro

de Eros, ele sorri ao perceber que está me afetando, levantando

para abrir os botões do meu vestido.


A peça cai no chão, assim como sua calça jeans sai do seu

corpo em seguida, ele me pega no colo e me beija. Eros me

acomoda na minha entrada, me penetrando, e eu aperto sua nuca,

seus ombros, minhas unhas fazendo marcas em sua pele quando

ele mexe seu quadril, em um vai e vem lento.

Eros me prende na parede, tendo ainda mais apoio nas suas

estocadas. Ele segura meu rosto, nos encarando, nossas

respirações elevadas, o som dos nossos corpos pelo quarto. Fecho

os olhos quando ele entra mais fundo dessa vez, e ele morde meu

queixo.

— Quero que fique com os olhos abertos, eu quero ver tudo o

que você sente — exige e abro os olhos quando ele aperta o bico do

seu seio, me fazendo arfar, apertando minha boceta em volta do seu

pau.

— Eros — choramingo, me derretendo nele toda.


— Namora comigo? — ele faz o pedido, olhando em meus

olhos, enquanto estoca dentro de mim, me pegando totalmente de

surpresa. — Seja minha namorada, e me permita adorar você?

Quero fechar os olhos por não conseguir conter as emoções e

o orgasmo que está chegando, mas estou hipnotizada por seus

olhos intensos, ansiando pela minha resposta.

— Namora comigo? — Eros faz novamente o pedido,

grudando nossas bocas, para soltá-la em seguida, passando a

língua pelos meus lábios. — Me deixa beijar você do jeito que amo,

não sou incapaz de me afastar de você, Raquel, de tudo isso que

estamos sentindo nos últimos meses.

Assinto.

— Você é o único homem capaz de me fazer sentir tudo isso,

Eros — ele grunhe com minhas palavras, redenção tomando nós

dois.
Estou apaixonada por ele e agora é tarde para voltar atrás.

— Eu aceito ser sua namorada — respondo, e sua covinha

aparece na bochecha quando ele sorri, antes de perder toda a

calma e acelerar metidas dentro de mim, enquanto engole no nosso

beijo todos os sons que saem da minha boca.

Então é esse o sentimento de estar apaixonada por alguém

ao ponto de sentir que, se tudo acabar um dia, uma parte do

coração também se vai.


Raquel

Acordo, e não vejo Eros ao meu lado. O quarto está

silencioso, além do crepitar da lareira. Me sento na cama, meu

corpo exausto pedindo para que eu volte a deitar.

Não sei em que momento Eros e eu dormimos ou que horas

eram. Me levanto para poder tomar um banho e ir atrás de Eros pela

casa. Dentro do banheiro, em cima da pia, tem uma escova nova na

embalagem.
Encontro um roupão felpudo, dobrado na parte de baixo do

armário, depois que saio do banho, eu o visto. Prendo meus cabelos

no alto da cabeça e encaro as marcas rosas feitas por Eros no meu

pescoço.

Sorrio ao lembrar que ele me pediu em namoro. Estou

realmente namorando Eros Giordano, um dos cretinos mais

cobiçados do campus de Bento Gonçalves.

Saio do banheiro em busca do meu celular dentro da bolsa,

que está em cima de uma poltrona, ao lado da janela. Olho para o

lado de fora, vendo a neblina tomar as árvores.

Essa casa é linda e traz paz.

Pego meu celular dentro da bolsa para mandar mensagem

para Charlotte, louca para contar a novidade.


Encontro algumas mensagens suas enviadas ontem à noite,

pedindo desculpas por ter sido Eros a sair comigo e não ela, como

combinado.

“Te perdoo só porque a noite rendeu em um pedido de

namoro”

Envio a mensagem, e tenho sua resposta segundos depois.

“Não acredito! Eros te pediu em namoro? Conta tudo como

foi”

“Sim, conto tudo quando eu chegar em casa”

Charlotte não parece aceitar bem minha resposta, porque

meu celular continua vibrando, mas o deixo de lado, para ir atrás de

Eros. Fico tentado em arrumar a cama em que dormimos, mas

neste momento não estou me importando.


Pego uma pantufa ao lado da porta, meus pés se encaixam

bem nelas, Eros parece ter pensado em tudo. O chão está bastante

frio para eu sair andando pela casa, e a opção seria o salto alto que

usei ontem, mas não combinaria nada.

Desço as escadas, e no final dela o vejo, de costas para mim,

vestindo somente uma calça de moletom, sem camisa. De costas

para mim, tenho a visão melhor da sua tatuagem abaixo da nuca,

dos músculos se contraindo conforme mexe na panela e pragueja

quando queima a mão.

— Precisa de ajuda? — pergunto, quando volto a andar,

anunciando minha chegada.

Eros me olha, e o que encontro em seu rosto faz meu coração

acelerar, de alguma forma, eu sinto que depois de ontem, as coisas

entre nós avançaram mais uns passos.


Eros nega com a cabeça, respondendo a minha pergunta e se

inclina para me beijar.

— Já terminei aqui. Pode se sentar — diz, e faço o que ele

sugere.

A mesa já está posta, com opções variadas, e eu me pego

pensando se foi tudo feito por Eros, e forma que ele trabalha em

colocar tudo do jeito dele na mesa, me servindo, a resposta é sim.

Eros se senta na cadeira à minha frente depois de me servir.

A forma que Eros cuida de mim e me trata é diferente do Eros que

achei que era assim que nos conhecemos.

— Dormiu bem? — pergunta, quando ele me pega o

encarando.

— Você quer dizer depois que me deixou dormir, né? —

pergunto, e dou risada em seguida.


— Você não reclamou — declara, dando de ombros, com seu

ego grande.

Bebo um pouco do suco e olho em volta de toda a casa, amo

como as decorações de casas mais antigas me impressionam.

— Não sabia que você tinha mais casas na região —

comento.

— Não são muitas, na verdade, essa eu quase não visito,

quem gosta de vir para cá é Artho, ele já trouxe Charlotte aqui várias

vezes — diz, esse detalhe eu já sabia.

— Passou muito tempo da sua infância aqui?

— Poucos fins de semana, meus pais passavam muito mais

tempo viajando, e quando estávamos de férias ou recesso,

escolhíamos viajar para outros estados ou países — Eros responde.


Eros ainda não se abriu para falar sobre seus pais comigo, e

respeito isso, por tudo o que ele já me mostrou ser, a dor da morte

dos pais tão precoce foi algo que mexeu muito com ele.

— Podemos vir mais vezes quando você quiser — Eros

sugere. — Passar o fim de semana aqui.

Eros encosta na cadeira depois de terminar seu café da

manhã, me levanto para ir em sua direção. Ele se acomoda melhor

e me recebe bem quando me sento em seu colo, passando as

pernas de cada lado.

— Já quer ir embora? — pergunto a ele, que nega com a

cabeça.

— Por mim, ficaria aqui com você pelo resto do dia.

— Podemos fazer isso? — questiono, ele assente e aperta

minha bunda.
Passo as mãos pela pele do seu peito, enquanto o beijo, e

desço os dedos, começando a desenhar a tatuagem que ele tem na

costela.

— Me conta a história das suas tatuagens? — peço. — Já

percebi que você e os meninos têm a mesma tatuagem.

Diferente dos seus amigos, Eros tem uma quantidade mínima

de duas tatuagens apenas, mas duvido que qualquer um deles

tenha um piercing no pau. Quem diria que Eros Giordano, todo

careta, teria um piercing?

Ele levanta o braço para mexer nos meus cabelos, e o solta,

as mechas caindo em ondas pelos meus ombros.

— O que você quer saber? — pergunta, sua atenção no meu

cabelo, mexendo nas mechas.


Eros esconde seu rosto no meu pescoço, cheirando, me

fazendo arrepiar.

— Você tem um motivo por trás das duas tatuagens? Pensa

em fazer mais?

Eros passa o braço por debaixo da minha bunda e a mão ele

apoia minhas costas, para se levantar da cadeira. Ele vai em

direção ao sofá da sala, e me deita, antes de fazer o mesmo, para

que o possa apoiar minha cabeça em seu peito, ele abre uma

coberta que está dobrada no braço do sofá para nos embrulhar.

A lareira está acesa, e todo o ambiente está quente e

confortável, assim como estou, por estar com a metade do corpo

sobre Eros.

— Já pensei em fazer mais tatuagens, mas ainda não chegou

aquele desejo de um dia qualquer ir até um estúdio e marcar meu


corpo. Ao contrário dos meninos, por trás de cada uma tem que ter

um significado — Eros responde minha pergunta.

— E qual é a dessas?

— A constelação de Taurus é em homenagem ao meu pai,

meus amigos sempre gostaram do meu pai. A forma que ele tratava

nós todos por igual, mesmo eles não sendo seus filhos. Eu via o

amor que Gustavo tinha por eles e era recíproco — Eros pausa.

Ele deve sentir tanta falta deles, mas, de certa forma, me

conforta saber que ele tem os meninos como família.

— Costumávamos acampar no quintal de casa, uma coisa só

de homens — Eros dá risada ao dizer —, e sempre estávamos

olhando as estrelas pelo telescópio, meu pai contava muitas

histórias de cada constelação e virou uma coisa nossa. A tatuagem

foi uma forma de homenagearmos ele.


— E essa frase que tem na costela? É em homenagem à sua

mãe? — eu pergunto, e ele assente.

— Essa frase é a declaração que ela fazia para mim toda vez

que eu dizia que a amava, independente de qualquer coisa, até

mesmo quando estava brava comigo. — Sinto seu corpo tencionar

depois de dizer as palavras.

Eu te amo daqui à lua e de volta.

Essa é a frase que ele tem tatuada na sua pele, e entendo

que ele quis usar essa forma para eternizar o amor de mãe e filho.

— Você nem parece ter sido uma criança arteira — brinco,

para tirar a tensão dele. — Sobre as homenagens, são lindas, tenho

certeza de que eles teriam amado.

Levanto minha cabeça de seu peito, onde as batidas de seu

coração estão aceleradas, e deposito um beijo na sua mandíbula.


Deve ser difícil se abrir para mim.

— Obrigada por ter dividido uma parte que é só sua comigo,

Eros, é muito importante para mim — sou sincera ao dizer.

Percebo em seu olhar intenso, mesmo que ele não use as

palavras para se expressar, que ele também sente a mesma coisa.


Raquel

Sábado, 21 de abril de 2018

A janela do meu lado está aberta, e meus cabelos voam

quando inclino um pouco para sentir o vento, enquanto a Mercedes

de Eros corre pela estrada, ao som da música, Do Seu Lado, do

Jota Quest.

Eros canta baixinho, batucando os dedos no volante, quando

ele percebe que estou o encarando, franze a testa.

— O que foi? — pergunta, é bom vê-lo descontraído.


— Acho que essa música virou nossa música. Já prestou

atenção na letra? — questiono, e ele sorri, assentindo.

Eros aumenta mais o volume, e dou risada quando ele

começa a cantar mais alto e o acompanho. A música parece ter sido

feita para nós dois.

Viro a cabeça para a janela novamente, e fecho os olhos,

sorrindo com a sensação feliz que tenho sentido desde que Eros e

eu começamos a ficar.

Vales de vinhedos passam pela gente enquanto seguimos

para um vinhedo em específico que Eros está me levando.

O começo de tarde está em clima bom, e ele me convidou

para passearmos em um vinhedo de um conhecido dele para

fazermos um piquenique.
Depois de alguns quilômetros, chegamos. Na entrada tem

uma placa gigante de madeira com o nome do lugar: “Vinhedo

Bianco”. Franzo a testa com a sensação de já ter escutado esse

sobrenome em algum lugar.

Mais alguns metros, Eros para o carro na área de

estacionamento, onde tem vários outros. Ele me disse que é bem

visitado, e por ser feriado, deve estar cheio de turistas passeando.

Os vales de vinhedo da Serra Gaúcha são lindos e bem

procurados para visitar, degustar os vários tipos de vinhos e

aproveitar a paisagem que tem.

Eros entrelaça a minha mão e com a outra ele segura a cesta

com a comida do nosso piquenique. A nossa caminhada nos leva

para as vinícolas com diversos tipos de uvas para a produção de

vinhos.
Andamos por entre os pés de uvas, de vez em quando

pegando uma para experimentar. Eros parece conhecer tão bem o

lugar, que não hesita em nenhum momento para levar para cada

lugar.

— Não acredito que moro aqui há um ano e nunca cogitei

visitar os vinhedos — comento quando paramos em um lugar mais

perto, com gramas bem cortadas, perfeito lugar para fazer várias

coisas de lazer.

Já havíamos degustado alguns vinhos, Eros até mesmo

comprou algumas garrafas. Eu forro a manta para sentarmos, e

olharmos o pôr-do-sol, que está começando a aparecer.

Tiro alguns potes como frutas, frios, bolos. Eros abre uma das

garrafas de vinho, que ele comprou e enche duas taças que

trouxemos. Ele senta atrás de mim, e me apoio em seu peito, para

saborear a bebida, a paisagem e a companhia do meu namorado.


— E pensar que Lion pode ser dono disso tudo, mas sendo

rebelde como é... — Eros comenta, e deixa a frase no ar.

Franzo a testa, e começo a montar as peças. O sobrenome

Bianco na placa de entrada, a logo nas garrafas de vinho.

Me sento para olhar Eros, que atiçou a minha curiosidade.

— Lion é dono disso tudo? — pergunto abismada.

— Na verdade, o pai dele é, mas será tudo dele um dia,

apesar de ele não querer.

Conhecendo Eros como conheço, assim como todos os

outros, ele não vai comentar sobre a vida do amigo, é a vida de

cada um, e eles respeitam isso. Isso me faz lembrar de Dimitri, e a

confusão que gerou na sexta-feira passada no aniversário dele na

sede do clube. Policiais chegaram e os meninos foram para a

delegacia.
Lembro que os meninos ficaram furiosos, principalmente o

Eros, o motivo disso tudo ao que eu entendi, é que Dimitri estava

com uma garota e o pai dela o odeia, por alguma coisa no passado.

Resumindo, a festa foi estragada, e no final, quando todos

voltaram para casa, o clima estava parecendo um enterro.

Eu já estava tendo uma amizade com todos eles, e o fato do

que aconteceu ter deixado Dimitri ainda mais fechado e com um

humor horrível que superou até mesmo o do Eros, me deixou

preocupada.

— Você está bem pensativa — Eros murmura, deixando

beijos no meu pescoço.

Nego com a cabeça.

— Estou só aproveitando a vista.


Faz dois meses que estamos namorando, e eu ainda não

contei aos meus pais. Eros ainda não perguntou o motivo, sei que

ele está respeitando, mas consigo sentir a curiosidade em sua voz

toda vez que pergunta algo sobre eles.

O motivo de eu não ter contado ainda?

Medo talvez do que será de nós dois quando ele se formar.

Mesmo com o nosso namoro indo tão bem, está tão precoce ainda e

não me sinto preparada.

Assistimos o pôr-do-sol até a noite ficar escura, precisamos

juntar tudo e ir embora.


Eros

Raquel me observa enquanto eu dirijo de volta pela estrada

escura, sendo iluminada pelos postes. Essa é outro momento em

que amo quando estou dirigindo com ela no carro.

— Eu tenho uma pergunta — ela diz, eu sorrio, e faço um

gesto com a cabeça para que ela a faça. — Por que você me odiou

tanto assim que nos conhecemos?

O tom intrigado em sua voz é o oposto do que sinto agora,

porque isso me faz lembrar os motivos.


— Na primeira oportunidade que tivemos de conversarmos

quando Artho nos apresentou naquela festa, você me ignorou e

sumiu, me deixando furiosa com o papel de trouxa que eu fiz —

Raquel comenta para reforçar sua pergunta, porém sinto a mágoa

escondida na sua voz.

— E por que isso importa agora? — pergunto, não querendo

tocar no assunto.

— Porque naquela época, antes de você reagir daquele jeito,

eu estava a fim de você — confessa.

— Isso antes ou depois de ficar com Artho? — mordo o lábio

depois que a pergunta sai, e me arrependo, não é assim que quero

que nossa noite acabe.

Dou graças a Deus pela claridade da estrada não focar no

meu rosto e isso facilita as coisas, mas sei que ela está com a testa

franzida.
Não suportava lembrar que Artho ficou com a garota que eu

mais desejava e que começava a me fazer sentir coisas

inexplicáveis.

— Então é esse o motivo de toda sua raiva por mim? Agiu

como mimado porque fiquei com seu amigo? — ela pergunta,

indignada.

Escolho não responder a sua pergunta. Naquela época

estava com tanta raiva da Raquel, que a desprezei, meu interesse

por ela sumindo. E quando ela foi apresentada para mim, por Artho,

fiquei ainda mais furioso com ele.

— Eu também me interessei por você — eu confesso. — No

seu primeiro semestre, cheguei até a perguntar o seu nome para um

colega do meu curso que andava com a sua turma na época, ele

prometeu que conseguiria seu número para mim e, ao invés disso,


vi o desgraçado ficando com você em uma boate e, depois disso,

vocês ainda ficaram por um tempo.

Tive vontade de socar a cara do filho da puta para deixá-lo

sem alguns dentes, precisei diversas vezes me controlar quando o

via nas aulas. Ele se gabando por estar ficando com a caloura

gostosa do curso de Moda.

Eu tentei odiar Raquel depois disso, mas sua presença

constante não facilitou em nada.

— Você está me dizendo que esperou o Marcos passar o meu

número de telefone para você e em vez disso ele ficou comigo

naquela boate?

Bufo.

Odeio lembrar daquela cena, isso me causa uma raiva

extrema. Lembro do quanto estava ansioso para vê-la naquela noite,


me convencendo de que até o final da noite, a teria.

— Eros, eu não sabia de nada, ele não me falou — Raquel

diz, e parece chocada, ao mesmo tempo que a vejo se sentir mal

por saber disso. — Por que você mesmo não foi falar comigo?

Ela está brava ao fazer a pergunta que me fiz várias vezes e

tive a mesma resposta.

Suspiro antes de ser sincero com ela.

— Porque uma coisa é eu chegar na garota que eu quero

ficar por diversão, outra totalmente diferente, é chegar na garota que

eu passei o semestre todo desejando.

Escuto ela respirar fundo, em choque pelas minhas palavras,

ela não esperava que eu fosse tão sincero. Pelo canto de olho não

consigo nem ver o que ela está pensando.


— Vi você pela primeira vez no restaurante universitário,

passava perto da mesa que estava sentada, mas nunca tive sua

atenção, só depois que ficou com Artho.

Me pegava ansiosa para ver Raquel todos os dias, observar

cada detalhe seu quando não tinha ninguém me olhando, isso tudo

antes do filho da puta do Marcos e Artho em seguida.

— Para o carro — ela exige, e eu a olho sem entender,

mesmo não focando direito em seu rosto por causa das sombras

escuras da estrada. — Eros, para o carro.

Fico preocupado com ela, temeroso que esteja chateada ao

ponto de não querer estar comigo.

— Eros — pede novamente, desesperada dessa vez.

Indignado e começando a ficar puto por ter dado corda ao

assunto, travo minha mandíbula e desacelero o carro para parar no


acostamento, pronto para lidar com o que Raquel decidir.

Não tenho tempo de raciocinar o que Raquel está fazendo, só

vejo seu movimento de tirar o cinto de segurança, logo ela está em

cima de mim, me beijando com fúria e desejo.

A acomodo melhor no meu colo, suas pernas de cada lado do

meu corpo, aperto sua coxa e bunda, subindo o tecido do seu

vestido, enquanto ela mexe seu quadril por cima da minha calça.

— Você é um idiota — ela declara quando se afasta para

segurar meu rosto com suas mãos quentes e delicadas. — Escolheu

passar esse tempo todo me odiando, enquanto poderíamos ter

curtido e não ter causado todas essas brigas entre a gente.

Solto uma risada, nervoso, pois ela tem razão.

Às vezes odeio ser tão reservado, turrão e muitas vezes

mimado, ao ponto de não ceder e ser menos orgulhoso.


Raquel desce seus dedos pelo meu peito, roçando suas

unhas por cima da minha camisa, me causando arrepios quando ela

se inclina para perto da minha orelha, sua língua molhada lambendo

minha pele e mordendo em seguida, tirando de mim um suspiro

excitado.

Meu pau duro na calça começa a se tornar um incômodo e

quero mais do que a fricção que nossos tecidos estão causando.

— Esse tempo todo poderíamos ter fodido de um jeito bom e

selvagem, daquele mesmo jeito que fizemos na primeira vez — diz,

descendo a língua para o meu pescoço. — Você, bruto e duro, me

fazendo gozar no seu pau, enquanto seu piercing fazia maravilhas

dentro de mim, batendo fundo naquele ponto que só você sabe

fazer do jeito que eu gosto.

— Porra, Raquel — xingo e a puxo pela nuca, juntando

nossas bocas.
Suas mãos estão no botão da minha calça, ela abre e desce o

zíper e eu preciso levantar um pouco para ajudar a descer o jeans.

Em alguns segundos meu pau está livre de qualquer peça de

roupa.

Raquel brinca comigo, apertando meu pau, fazendo o

movimento de subir e descer, esfregando a cabeça e piercing com o

seu polegar, levando o dedo com o meu pré-gozo até a língua,

olhando para mim enquanto chupa o dedo, me fazendo perder o

controle, puxando seu quadril para perto do meu, louco para estar

dentro dela.

Raquel sorri, diabólica e me encara como uma deusa, ela se

acomoda melhor, puxando sua calcinha de lado para encaixar minha

glande na sua entrada molhada e quente.

Gemo, me sentindo na borda do prazer por essa mulher. Ela

se remexe, esfregando a porra do meu pau na sua entrada, a fricção


do meu piercing no seu clitóris a fazendo choramingar. Aperto sua

bunda e a empurro para baixo quando ela me conduz para sua

entrada.

Ela abre a boca em um grito mudo, e morde o lábio, nossos

olhos fixos um no outro enquanto ela desce em mim, rebolando, me

apertando na sua boceta quente e apertada, gemendo quando me

sente todo dentro dela.

— Você é um idiota — sussurra, brava, descontando sua

raiva em cada descida que ela faz no meu pau, e nas mordidas que

ela me dá nas peles expostas, arranhando a minha nuca ao exigir

mais força no nosso beijo.

Eu sei que sou um idiota, mas essa foda no carro, batizando

esse momento como sendo só nosso, valeu a pena.

Raquel cochila no assento ao meu lado, e decido que não vou

levá-la para o edifício, e sim para minha casa, onde eu posso dormir
com ela na minha cama, sem tirar minhas mãos dela uma única vez.
Raquel

Quarta-feira, 23 de maio de 2018

— Você está me desconcentrando — Eros declara ao

perceber que estou o encarando. Ele se vira na sua cadeira para me

olhar. — Eu sabia que seria uma má ideia estudarmos juntos no

meu quarto.

— Você sabia? — pergunto ao me deitar na sua cama, meus

livros já esquecidos ao lado. — Eu tinha certeza, como das outras

vezes que não deram certo.


Ele dá risada e levanta da cadeira onde está sentado à mesa

de estudos. Eros fecha seu Macbook e alguns livros e vem até mim,

se deitando com a cabeça na minha barriga para que eu possa fazer

cafuné nele.

Eros suspira, e eu me arrepio com o contato dos seus dedos

na pele da minha barriga. Olho em volta para o seu quarto, tenho

passado muito tempo aqui nos últimos meses, durmo algumas

noites aqui, quando meus fins de semana não são aqui, estamos na

casa do sítio.

Eros tem sido incrível em todos os aspectos, me surpreendo

em como posso ser capaz de me apaixonar ainda mais por ele.

Estamos tão envolvidos, que sempre temo que esse amor possa me

machucar.

Olho para ele, que está de olhos fechados e a respiração

começando a suavizar, Eros está quase dormindo, quando o barulho


da minha barriga, indicando fome o faz abrir os olhos, sorrindo.

Eros deixa um beijo na pele da minha barriga quando o tecido

da blusa sobe. Suspiro com seu toque de carinho.

— Vem, vou alimentar minha garota — ele diz, se levantando,

e estende a mão para mim, me ajudando a levantar. — Quer assistir

um filme quando voltarmos?

Assinto.

— Não sei se consigo estudar mais nada hoje.

Com minha mão entrelaçada na dele, saímos do quarto e

descemos as escadas. Na sala de jantar, encontramos todos

reunidos, jantando. Ayla grita quando vê o tio chegando.

— Tio Elo — bate palminhas, eufórica.


— Oi, Batatinha — ele se inclina, beijando seu rostinho

gorducho.

Eros senta ao lado de Ayla e eu ao seu lado direito. Pego um

prato para me servir, o cheiro da comida de Erica faz os sons na

minha barriga aumentarem.

Ando me alimentando bem agora que frequento mais a casa

dos meninos.

— Ayla quer te contar o que aconteceu na aula hoje — Artho

comenta, sorrindo para a filha.

É engraçado como todos eles se derretem ao lado dela, e

Charlotte pensa a mesma coisa, pois me olha sorrindo e depois para

Eros, que parece um babão. Todos prestam atenção na conversa da

pequena, e observo Eros interagindo com ela.


Faz alguns meses que estamos namorando, e ainda não

conversamos sobre como será depois que ele se formar e se mudar

para São Paulo, como o combinado que fez com seus amigos. Por

esse motivo, sigo ainda sem falar com meus pais sobre Eros,

temendo o que pode acontecer.

O tempo todo quando essa questão aparece na minha mente,

eu a empurro para um canto, ignorando o fato de que temos essa

questão para resolver, focando em aproveitar o que temos agora,

deixando para lidar com isso quando chegar a hora.

Darth Vader para ao meu lado, me encarando, e quase surto

de susto, eu ainda sinto medo de interagir com ele.

Natan, que está mais perto, dá risada, e eu estreito os olhos

para ele.

— Ele gosta de você — Natan comenta e nego com a cabeça.

— Precisa deixar o medo de lado.


— Como se isso fosse fácil, ele me olha como se quisesse me

atacar — declaro, olhando para seus dentes afiados quando ele

abre a boca para bocejar.

Lion, que está prestando atenção na conversa trocada entre

Natan e eu, sorri. Dimitri e Gabriel estão do outro lado da mesa, mas

olhando para o primeiro, percebo que está distraindo, parecendo

não prestar atenção em nada.

— Ele só ataca pessoas desconhecidas, você já é de casa,

praticamente mora aqui — Lion zomba, dando risada, chamando

atenção de Eros.

— E ele julga também — Eros comenta sobre Vader, e sorri

de lado, sua covinha aparecendo para mim, enquanto ele segura

minha mão por debaixo da mesa, meu coração acelerando.

— Já perceberam que Eros anda um pouco mais suportável

desde que começou a namorar Raquel? — Gabriel pergunta a


todos. — Seja lá o que estiver fazendo, continue — ele aponta para

mim e dou risada.

— Vai se foder, Bibi — Eros rosna para o amigo, mas vejo

diversão em seu rosto ao implicar com ele, que fecha a cara do

outro lado da mesa.

— Você é um... — Gabriel começa a falar, mas Artho o corta.

— Opa! — Artho grita, indicando Ayla à mesa. — Vocês dois,

parem de xingar ou vou fazer vocês engolirem cada palavra com um

soco.

A pequena está olhando para Eros com uma expressão

curiosa e já me preparo para a pergunta que virá dela.

— Tio Elo, o que é... — Eros está ficando pálido, pedindo

socorro com o olhar para o amigo, que está o fuzilando com o olhar.

— Bibi?
Todos à mesa começam a rir, Eros aliviado, solta uma risada

nervosa, por ter escapado de ter que explicar a Ayla outro tipo de

palavra.

— É o apelido do Tio Gabriel, pode chamar ele assim agora

— Eros responde, se inclinando para beijar sua cabecinha.

— Tio Bibi? — ela pergunta, olhando para Gabriel do outro

lado da mesa, e o mesmo querendo matar o amigo.

Todos na mesa não conseguem parar de rir da carranca que

Gabriel tem agora na cara. Ayla se referindo a ele o tempo todo pelo

apelido.

— Você me paga, Eros — Gabriel resmunga para ele.

— Em dinheiro ou cartão? — Eros pergunta sarcástico,

bebendo um pouco de seu vinho. — Isso para mim não é problema.


Eu amo esses momentos com eles, me faz sentir em casa,

com uma sensação quentinha no coração, e mais uma vez eu temo

o que pode acontecer no futuro.

Desperto do meu sono, e passo as mãos pelo lado da cama

onde deveria estar o Eros, e não o encontro. Abro os olhos e me

viro para a mesinha ao lado da cama para olhar o relógio digital e

vejo que são quase quatro horas da manhã e sem sinal dele no

quarto.

As luzes apagadas, somente a porta do quarto está

entreaberta. Espero mais uns dez minutos, o aguardando voltar,

pois ele deve ter ido até a cozinha, mas nada de Eros aparecer.
Me levanto para ir atrás dele, passando uma manta pelos

meus ombros, está friozinho, mesmo com o aquecedor em casa e a

lareira acesa. No corredor, antes de ir em direção às escadas, vejo a

porta do quarto dos pais de Eros aberta e me assusto, nunca tive a

oportunidade de entrar nele, e desconfio que ele esteja lá dentro,

fico preocupada, ele sempre evitar entrar lá.

Me aproximo da porta, olho para dentro, não encontrando

nenhum sinal dele, e decido entrar. A Luz do corredor, que imagino

que leve ao closet, está ligada, e caminho com passos lentos até lá,

o que encontro, faz meu coração acelerar.

Eros está sentado no chão, apoiado no estofado que fica no

meio do closet, olhando para nada em específico, com os olhos

vermelhos e a expressão no rosto destruída.

Fico receosa de estar invadindo sua privacidade, mas me

aproximo dele, incapaz de deixá-lo sozinho e lidar com seu


passado. Eros percebe minha presença, mas não me olha.

— Tem uma coisa que eu não te contei — Eros diz, seu tom

de voz grave faz meu estômago apertar, temendo o que seja.


Eros

A presença de Raquel me acalma, ao mesmo tempo que me

desespera, pois ela está presenciando uma parte minha que não

deixo ninguém ver. Estendo a mão para ela, para que ela possa se

sentar à minha frente.

Raquel abre a manta, que está segurando, e passa pelos

meus ombros, embrulhando nós dois. Ela deve ter percebido que

estou tremendo, mas isso não é pelo frio, é pelo que as lembranças

me causam, reviver o meu pesadelo, o meu medo, trauma.


Eu encaro seus olhos aflitos, e beijo seus lábios, suavemente,

um toque apenas para sentir que ela está aqui comigo, e quero

mantê-la sempre assim. Raquel espera o tempo todo que eu

comece, sem me pressionar, fazendo carícias em meu braço,

subindo e descendo.

Ora ou outra vejo ela olhar para cada detalhe do closet dos

meus pais, eu vendo a admiração em seus olhos.

Já faz um tempo que eu não tenho esse tipo de pesadelo,

onde eu acordo suando e tremendo com a imagem de um avião

caindo, onde estou dentro, pedindo socorro. Só que dessa vez

Raquel estava comigo no pesadelo, chorando desesperada, eu

vendo nos seus olhos o fim.

Fecho os olhos, querendo sumir com a lembrança. Isso tudo é

porque está chegando a minha formatura, e não consigo pensar no

que fazer com o nosso relacionamento.


Sinto seus lábios quentes tocando meu queixo, aliviando a

tensão que estou sentindo.

— Estou aqui — as palavras de Raquel me lembram, não

como uma presença constante, mas indicando que está ao meu

lado para o que eu precisar, e isso me faz amá-la ainda mais.

— Eu ainda consigo lembrar como se fosse hoje a última

imagem que vi dos meus pais antes de eles morrerem, e isso me

corrói por dentro, de uma maneira que me tira o fôlego. Se eu

soubesse que aquele seria o último momento com eles, eu teria feito

diferente — declaro, as palavras saem amargas da minha boca, me

machucando.

— Não tinha como você saber, Eros — Raquel diz, ainda com

suas carícias em mim.

— Não tinha, mas queria ter agido diferente, porque me dói

saber que eles foram àquela viagem decepcionados comigo —


confesso, me arrependendo da forma que agi, me sentindo culpado.

O choro vem, e fica instalado na minha garganta, ardendo,

ansiando para ser liberto.

— Meus pais estavam bravos comigo e com os meninos por

termos dado uma festa, os vizinhos ligaram para a polícia. Quando

eu percebi as viaturas entrando na residência já era tarde, fomos

todos parar na delegacia. Artho estava com cocaína nos bolsos da

calça e não conseguiu se livrar a tempo.

Eu lembro como foi uma confusão aquela noite, todos

desesperados com a chegada da polícia, eles revistando todos, e

encontrando a droga com Artho. No final, estávamos os seis na

delegacia, aguardando meus pais chegarem com o advogado.

Cada um sendo interrogado pelo delegado.


— Passamos a noite na delegacia, meus pais e Miguel, o

advogado da família que você conheceu no meu aniversário — digo,

Raquel faz um gesto de que lembra. — Eles ficaram furiosos com o

que aconteceu e quando ficaram sabendo sobre a droga, eu vi como

meu pai ficou decepcionado com a gente, principalmente comigo, ao

ponto de nos colocar sentados enfileirados na sala de casa quando

chegamos e nos dar sermão, eu nunca o tinha visto tão nervoso

como naquele dia.

Eu sorrio quando lembro do seu rosto vermelho e alterado,

minha mãe tentando acalmá-lo, mas nem ela estava conseguindo.

Raquel me escuta atenta, nem ela percebeu que parece estar

colada em mim agora, o vinco na testa aprofundando sua atenção

em mim. Levanto minha mão, massageando o local, tirando um

sorriso dela.
— Eu fiquei bravo porque eles não queriam nos ouvir, nos

deixar explicar o que aconteceu, nos chamando de irresponsáveis, e

como fizemos eles viajarem às pressas para Bento Gonçalves para

resolver o problema. Aquilo me deixou bravo, porque eles estavam

sempre viajando, e eu não estava tendo tempo com eles direito.

— Foi Miguel que conseguiu a liberação de vocês? — Raquel

pergunta e aquiesço.

— Sim, depois de horas, logo depois ele voltou para São

Paulo. Nessa época, Dimitri estava ficando na minha casa por uns

tempos, ele se sentiu culpado por estar causando problema aos

meus pais.

— Vocês eram jovens, é claro que queriam ter toda a diversão

— Raquel nos defende, e tenho vontade de morder o bico que ela

faz sem perceber.


— Depois que meus amigos foram embora, meus pais e eu

acabamos discutindo, estávamos todos alterados pelas emoções,

eu falei palavras que machucaram os dois.

Suspiro, me odiando por isso.

— Eu lembro deles me falando que conversaríamos melhor

depois que eles voltassem de São Paulo, pois estariam pegando um

avião de volta para finalizar os assuntos pendentes que deixaram

para trás por terem que vir nos ajudar na delegacia.

“Eu fiquei com tanta raiva, que lembro de ter pedido para eles

não voltarem, porque mais uma vez estavam me deixando para

fazer aquela maldita viagem a trabalho. Meu pai me chamou de

egoísta o que causou uma discursão mais calorosa entre nós dois,

ao ponto da minha mãe chorar nervosa.”

Só de lembrar daquela cena, meus olhos ardem pelo choro

contido, e não aguento segurar mais, as lágrimas descem, e Raquel


as enxuga.

— A última coisa que eu ouvi sair da boca da minha mãe, foi

ela me dizendo o quanto me amava, a mesma declaração,

exatamente as mesmas palavras que tenho tatuadas na minha pele.

Eu nem olhei para trás enquanto subia as escadas e me enfiava no

meu quarto — engasgo ao contar tudo, sentindo os tremores no

meu corpo, e soluço.

— Eros — Raquel sussurra meu nome, e nego com a cabeça,

eu preciso terminar de falar.

— Quando veio a notícia de que o jatinho em que estavam

caiu, meu mundo desabou, Raquel, eu vi tudo o que eu tinha, tudo,

ir embora com eles, uma parte de mim morreu junto, até mesmo a

esperança de viver o amor que eles tiveram. Não consegui lidar com

a perda deles, e não sei se serei capaz. Vivo até hoje com a dor.
Minha garota chora, e me abraça, quando desaba ainda mais

no meu peito, e ficamos nós dois consolando um ao outro. Raquel

tem sido a pessoa que tem me trazido de volta, até mesmo o amor

que eu achei que nunca viveria um dia, mesmo que eu ainda tivesse

fé dentro de mim, o resto havia morrido.

— Depois da morte deles, nunca mais entrei em um avião,

tentei fazer terapia, mas não estava fazendo efeito nenhum e eu

parei — digo, e Raquel se afasta do meu peito para poder me olhar.

— É por isso que você não entra em avião — afirma.

Só de pensar em entrar em um, me causa falta de ar, meu

coração acelera, me fazendo suar e tremer. E a imagem de Raquel

em meu pesadelo piora tudo, me sinto sufocado.

— Você precisa retornar às consultas, mesmo que você

nunca entre em um avião um dia, precisa cuidar do que tem aqui

dentro — ela diz, movendo sua mão, colocando em cima do meu


coração, que bate acelerado. — Precisa tratar seus traumas, seus

medos, culpas, não precisa lidar com isso tudo sozinho.

Ela junta nossas testas, acariciando os dois lados do meu

rosto, me permitindo desabar e me abrir na sua frente. Mulher

nenhuma foi capaz de me fazer sentir o que sinto por ela.

— Eu sei que sente remorso por eles terem ido viajar

chateados com você, mas esse sentimento não precisa existir, eu

tenho certeza de que eles te amavam tanto, e entendiam você,

sabiam também do seu amor por eles.

Ela está certa, não precisa existir essa culpa. A forma que

Raquel fala me faz ver o quanto necessito voltar para as consultas e

cuidar da explosão de sentimentos que sinto.

Raquel beija meus lábios e sussurra palavras de consolo para

mim, me sinto aliviado em ter contado tudo para ela, me aberto com
ela como nunca fiz com ninguém antes, despindo para ela o Eros

frágil, vulnerável e humano.

Ficamos mais vários minutos sentados no chão, em silêncio,

abraçados um ao outro. Me toco que é o momento de levantarmos e

irmos para cama quando sinto Raquel começar a tremer de frio,

nem mesmo a manta estava nos aquecendo como deveria, o frio

castigando.

Ela segura a minha mão, quando apago a luz e fecho a porta

do quarto, me esperando deitar primeiro na cama para apagar a luz

do meu quarto e se deitar, me abraçando tão fortemente, que sou

capaz de me entregar por inteiro a ela, se eu já não tivesse feito

isso.
Raquel

Sábado, 30 de junho de 2018

Eros está lindo vestindo um Black Tie, um conjunto completo

de smoking. Ele coloca a mão no bolso da calça e se posiciona para

tirar as fotos dos formandos na entrada, espero pacientemente

terminar para entrarmos no salão.

Me sentindo orgulhosa por ele estar finalizando essa nova

fase na vida dele. Ele não sorri em nenhum momento para a foto,

como esperado. Eros me olha e faz um gesto com a mão.


— Raquel — ele me chama, me aproximo estranhando o seu

pedido para que eu tire as fotos com ele.

— Tem certeza? É o seu momento — sussurro para que

somente ele possa ouvir.

Tem uma pequena fila de alunos esperando chegar a vez

para tirar as fotos.

— Por que eu não teria? Você é minha namorada, quero ter

essa lembrança com você ao meu lado — ele declara, com o

mesmo tom de voz que usei.

Ele não percebe o que suas palavras fazem comigo. Meu

coração acelera e minhas mãos suam, ao passo que ele pousa sua

mão na minha cintura, juntando mais nossos corpos.

Eros se inclina e sussurra no meu ouvido, antes de se

endireitar para tirarmos as fotos.


— Você está linda, desculpa não ter dito antes, estava com

minha boca ocupada.

Sua fala me faz automaticamente lembrar da sua boca me

chupando no banco de trás do carro no nosso caminho até aqui.

Dou uma risada, e olho para o fotógrafo, as palavras de Eros me

causando quentura por todo o corpo.

É um momento especial para ele, por isso escolhi fazer um

vestido longo da cor vinho. Ele tem uma abertura lateral, que sobe

até a coxa, e por cima um tule da mesma cor. A parte superior tem

um decote em V, com finas alças. Esse vestido deu um pouco mais

de trabalho, porque eu queria que fosse perfeito.

Lembrar da expressão no rosto de Eros quando me viu

vestida com ele, toda arrumada, fez valer a pena cada furada de

dedo com as agulhas.


Depois das fotos, Eros me guia para entrarmos de vez. O

salão está cheio, os jogos de luzes e a música alta dando um toque

a mais na decoração. Do outro lado, vejo as mesas postas, cada

mesa com o nome do formando, daqui consigo ver os amigos de

Eros e Charlotte.

— Te vejo daqui a pouco? — pergunto, parando à sua frente

para arrumar sua gravata azul, que está torta.

— Esse é o plano — declara, e me beija.

Me afasto, para deixar que ele tenha sua entrada junto com

os outros alunos formados. E sigo até a mesa em que está todo

mundo, cumprimento todos antes de me sentar.

— Você está linda — Charlotte me elogia quando beijo seu

rosto.
— Você também, depois me passa o numero da sua estilista

— digo, e ela dá risada. Desenhei e fiz o vestido dela também.

— Mulheres — escuto Dimitri comentar, me fazendo revirar os

olhos.

Todos os meninos, com exceção de Artho, acabaram de se

formar também, sendo assim todos iriam ter suas festas, em datas

distintas, então daria para todos estarem presentes para prestigiar o

amigo da vez.

É dado o anúncio da entrada dos formandos e nos

levantamos. Não sendo diferente, quando a música de entrada

começa a tocar, o primeiro que eu vejo é Eros sendo seguido pelos

outros.

Artho e Lion começam a assoviar, enquanto os outros gritam

palavras de apoio, eu só sei sorrir e bater palmas. Somos os únicos

de todas as mesas fazendo algazarra. Quando tudo termina, Eros


se aproxima da gente e é abraçado e parabenizado por todos, até

mesmo minha amiga.

Eros para à minha frente, segurando minha mão para me

puxar até o centro do salão, onde vai acontecer a valsa. Eu estendo

as mãos, colocando em seus ombros, e ele coloca a deles na minha

cintura.

— Eles estariam orgulhosos de você — comento, e levanto

meu rosto para encarar o seu.

Ele assente, eu sei que é nesses momentos em que ele sente

mais falta deles, eu pude perceber quanto mais chegava perto da

sua formatura. Miguel e Luísa vieram para sua colação de grau e

estiveram presentes em todo o momento, tirando várias fotos

quando Eros subiu para fazer o discurso por toda a sua classe,

sendo parabenizado por ser laureado, recebendo um prêmio por

isso.
Meu coração acelera só em pensar que sua mudança para

São Paulo está perto, e que a gente ainda não conversou sobre

isso. Com a cabeça deitada no ombro de Eros, consigo sentir o

quanto ele parece inquieto hoje.

— Obrigado por estar aqui — Eros sussurra no meu ouvido.

Levanto a cabeça e o beijo, minha língua encontrando a sua,

suspiro saindo de meus lábios.

Ficamos por mais algumas horas e saímos depois do jantar.

Enquanto todos decidiam ir para uma boate no centro da cidade,

Eros e eu seguimos para sua casa.

Eu preciso preparar a conversa que quero ter com ele sobre

sua mudança, mas tenho tanto medo do fim dela.

Eros nem espera entrarmos direito na casa, quando ele me

agarra e me beija, sendo um sacrifício subir as escadas sem


tropeçarmos nos degraus. Ele me ajuda a tirar o vestido, eu as

peças que complementam seu smoking.

E nos amamos do jeito incrível como sempre é. As palavras

presas em minha garganta para declarar o meu amor para ele. Com

nossas respirações regulares, levanto do seu peito, deixando um

beijo na sua pele antes de me levantar para ir em busca da minha

bolsa que deve estar jogada em algum lugar no chão.

— Tenho algo para você — digo, antes que Eros pergunte

para onde estou indo.

Me embrulho com o lençol, para tapar minha nudez para me

levantar da cama. Encontro minha bolsa e volto para a cama, me

sentando em frente a Eros, que se sentou também, apoiando as

costas na cabeceira, me olhando curioso.

— Eu fiz para você, eu sei que você tem dinheiro para

comprar algo melhor — eu murmuro, e tiro de dentro da bolsa uma


pulseira de Macramê que fiz para ele. — Mas eu queria te

presentear com alguma coisa por ser um dia especial para você.

Eu levanto a cabeça para olhar seu rosto, Eros me olha,

surpreso, porque não esperava algo assim, vejo uma certa emoção

em seus olhos.

— Não é nada demais. — Dou de ombros ao dizer.

— É, sim — me responde e estende o braço para que eu

possa colocar nele.

Sorrio, e a passo pelo seu pulso, para poder amarrá-la em

seguida. O tamanho ficou certinho, fiquei com medo de ter errado os

cálculos. Ela é toda marrom, no meio dela tem uma pedra

amazonita azul escuro, me lembra a representação da cor da sua

profissão.
— Ela é linda, obrigado — pronuncia, verificando como ela

fica no seu braço.

Eros me olha, segurando meu rosto antes de me beijar. Ele

levanta da cama para poder acender a lareira, me deixando com

sua visão de costas para mim, onde eu vejo as marcas vermelhas,

resultado do nosso sexo.

Ele fica um bom tempo agachado, e quando volta para se

juntar a mim, Eros para em frente à mesinha ao lado da cama,

mexendo em algo dentro da gaveta e se acomoda ao meu lado

novamente.

Pela forma que ele me olha, percebo que algo não parece

certo, ele está nervoso, inquieto, ao mesmo tempo que vejo

determinação no seu olhar.

— Eu sei que não faz muito tempo que não estamos juntos,

porém faz um tempo considerável o meu sentimento por você — ele


declara, e pausa para segurar minha mão. — Nunca imaginei que

pudesse sentir algo tão forte por uma mulher um dia. Você com seu

jeito nada discreto, decidida, irritante, se enfiou dentro de mim e

bagunçou toda a minha vida.

Solto uma risada.

— Isso é bom ou ruim? — pergunto, e sua covinha aparece

quando sorri. — Eu sei que sua vida estava entediada demais, e

você precisava de mim para agitá-la.

— Vai rir se eu disser que você foi a melhor coisa que me

aconteceu em anos? — suas palavras me pegam de jeito, que me

faz arfar. — Porque é a verdade, Raquel. Não consigo viver sem

você, acordar e não pensar em você, dormir sem te ter ao meu lado,

com a certeza que no dia seguinte você vai estar acordando com

seu humor horrível.


Sorrio, não sabendo como lidar com sua declaração, só

sabendo sentir. Meu coração acelerado, enquanto meu estômago

parece estar revirando, as borboletas batendo suas asas, me

causando um nervosismo inexplicável.

— É a mesma coisa que eu sinto, Eros, ainda não consigo

explicar como duas pessoas tão diferentes, como nós dois, entraram

no caminho um do outro.

Ele sorri, e faz um movimento que me chama atenção para

sua mão, onde contém uma caixinha de veludo, quando ele abre a

tampa, engasgo. Uma aliança de ouro com duas pedras de

diamante em cada lado e no centro uma maior e chamativa. O anel

não é nada delicado e imagino a fortuna que deve ter sido.

— Eu te amo, Raquel, e quero passar cada dia da minha vida

ao seu lado — declara, e sinto como se meu coração fosse sair pela

boca.
Coloco a mão na minha boca, em choque, emocionada com

suas palavras. Eros se aproxima mais de mim e junta nossas testas,

estamos os dois ofegantes, afetados com tudo que estamos

sentindo neste instante. Eu me encontro anestesiada.

— Casa comigo? — ele fez o pedido, e é neste momento que

sinto meu chão começar a desabar. — Você se muda comigo para

São Paulo, começaremos nossa vida juntos lá, você pode transferir

seu curso e estagiar na empresa e assim ficaremos juntos.

Ele me beija, e eu não sei como retribuir. Engulo o choro que

está se formando, e olho em seus olhos, me preparando para dizer

as palavras que sei que irão machucá-lo.

— Você aceita se casar comigo? — faz a pergunta mais uma

vez, dessa vez com ainda mais firmeza na voz, decidido.

Vejo uma explosão de sentimentos através de seus olhos,

enquanto ele aguarda pela minha resposta.


— Eu também te amo, Eros, tanto que não sei como

descrever — ele sorri com a minha declaração, a bendita covinha

em sua bochecha me lembrando de que agora pode ser o nosso

fim. — Mas eu não posso me casar com você.

E depois que solto as palavras, eu vejo exatamente algo se

partir dentro de Eros.

— Eu não posso me casar com você agora, Eros, não assim.

Ele parece em choque, enquanto me encara. Vou vendo

como a expressão do seu rosto muda, o vendo se fechar dentro de

si. Seus olhos castanhos claros mudando para algo tão intenso. E

me quebra quando ele se afasta de mim, como se eu o

machucasse, fechando a tampa da caixinha em um som seco.

— Eros, tenta entender, não posso largar minha vida agora e

me mudar com você, eu tenho planos, uma vida aqui, onde


consegui minha independência porque lutei por ela. Eu teria que

largar tudo para te seguir e não é o que eu quero.

Ele levanta da cama, e o vejo ir até o guarda-roupas, pegando

uma calça jeans para vestir, não dizendo uma palavra.

— Eros, podemos fazer dar certo, não preciso me mudar para

São Paulo com você — continuo dizendo, o desespero me tomando.

Levanto da cama, me tapando com o lençol para ir até ele.

— Eros, por favor — nem sei o que estou pedindo para ele,

mas só quero que ele me escute e entenda que as coisas não

podem ser do seu jeito.

Ele não me olha, tirando uma camisa preta para vestir,

pegando um tênis para calçar.

— Eros — suplico que ele me olhe, que fale comigo e não me

mate com esse maldito silencio.


Mas ele não reage.

— Eros — sussurro, querendo tocá-lo, mas ele se afasta do

meu toque. — Não faz assim, não estrague o que temos.

Eu o vejo pegar a chaves e carteira e sair do quarto e vou

atrás dele, o chamando.

— Vamos conversar, não me deixa aqui — digo, sentindo as

lágrimas descendo pelo meu rosto.

Desço as escadas, tropeçando nas pontas soltas que

arrastam no chão, e quando, por fim, consigo descer, Eros já saiu

pela porta, mas eu corro até ela.

— Eros — grito quando saio, o vento frio castigando minha

pele, mas não me importo.

O barulho do motor da Mercedes se faz presente, e antes que

eu possa descer os degraus da entrada, eu o vejo saindo com o


carro, nem ao menos me dando a chance de falar com ele.

— Eros! — grito mais uma vez antes de ver seu carro sair

pelo portão eletrônico, sumindo na noite escura.

Volto correndo para dentro da casa, com a esperança de que

ele vai voltar. Encontro Darth Vader me olhando com uma carinha

triste, e ele me segue escada acima, me observando pegar qualquer

roupa minha no guarda-roupa de Eros e me vestir.

Pego uma sandália, calçando de qualquer jeito, e corro para

descer as escadas, ao mesmo tempo que tento ligar para Eros, com

Vader me seguindo.

A primeira vez, escuto chamar até cair na caixa postal, nas

seguintes nem toca mais. E é com essa realidade que paro no

último degrau da escada, olhando para a porta, que se abre e vejo

Charlotte e Artho entrando por ela.


E vendo minha situação, o sorriso no rosto de Charlotte some

e ela corre para mim, perguntando o que aconteceu. Artho se

aproxima, com a testa franzida, querendo respostas também.

No momento que sinto os braços de Charlotte em mim,

desabo de vez, tendo a certeza de que tudo acabou.

Eros não vai voltar e é o nosso fim.


Eros

Parece que meu peito queima, dói e sangra, não consigo

respirar.

Estou tremendo de ódio, de raiva, amaldiçoando o dia que

conheci Raquel, o dia que eu permiti que ela entrasse na minha

vida. As lágrimas me cegam, me impedindo de dirigir, mas continuo

em frente.

Quero gritar em plenos pulmões, socar alguma coisa, xingar,

tudo que possa aliviar a dor que estou sentindo agora. Que me
rasga e me destrói. Tudo em mim está sendo dilacerado e cortado

por causa dela e do maldito amor, o sentimento que enfraquece.

— Por que, porra? Por que você fez isso comigo? — grito, e

soco o volante com toda a minha força, sentindo a dor física,

querendo que ela alivie a minha dor na alma.

A estrada escura e a noite fria são minha única companhia, e

só dirijo para longe dela e dessa maldita cidade e tudo que me faz

lembrá-la. Só quero esquecer ela e seu amor estúpido, seu sorriso

alegre, seus beijos, seu toque, seu cheiro, tudo.

Eu fixo meu olhar na pulseira que ela me deu e, com a outra

mão a puxo com força o suficiente para cortar minha pele, até

mesmo perder um pouco do controle do carro na estrada, mas

consigo arrancá-la e jogá-la para longe, caindo em algum lugar

dentro do carro.
Como dói amá-la e não a ter ao meu lado, mas dói mais ainda

a perda.

Desejo nunca mais ver Raquel e assim poder enterrar tudo o

que vivemos e deixar tudo para trás como estou fazendo agora.
Agora estou perdido na distância

Você está me olhando como uma estranha

Porque, pra mim, agora é

Como se você estivesse com medo do perigo

(Show Me Love ‘America’ - The Wanted)


Raquel

Nove anos e oito meses depois

Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2028

Quando saio pelas portas de desembarque do aeroporto de

Guarulhos, sinto o clima úmido com os poucos raios solares tocar

minha pele, diferente do clima frio de Paris nesta época do ano.

Puxo minha mala grande, com certa dificuldade, escolhi a

maior que eu tinha no meu armário e coloquei todas as roupas que

precisaria usar nessas quase duas semanas que ficarei no Brasil.


Procuro por entre vários carros de táxis parados por um

disponível, encontro um motorista parado próximo ao seu carro e

sorrio ao me aproximar dele, que é todo simpático ao me atender.

Vejo o motorista pegar minha mala para colocar no porta-

malas e me seguro para não rir da força que ele coloca para

levantá-la.

— Veio passar as férias em São Paulo? — o motorista

pergunta para puxar assunto, já que a nossa viagem vai ser longa

até o endereço que entreguei a ele.

— Ah não, na verdade, estou no Brasil para um batizado —

respondo simpática, e olho para o fluxo de carros do lado de fora da

janela.

Charlotte me convidou para ser madrinha de batismo de

Nicolas com seus dois meses e meio de nascido, e eu nunca

negaria, fiquei toda emocionada. Foi um choque quando ela me


contou que encontrou Artho depois de anos e em menos de um

mês, já estavam noivos, logo depois ela estava grávida.

Depois que me mudei para a França no início de 2020 para a

minha pós-graduação da bolsa que consegui, a gente ainda

conseguiu se ver algumas vezes, Charlotte viajou para Paris em

algumas ocasiões, eu voltei para o Brasil para passar alguns dias

com ela e meus pais, mas sempre estávamos em contato, foi com a

minha mudança de país que tive certeza de que nossa amizade é

para a vida toda.

Consegui um estágio logo depois de alguns meses como

assistente de moda, foi uma oportunidade de ouro, já que entrei

para trabalhar em uma das lojas de grife de Paris, meu sonho se

tornando realidade.

Durante esses anos, aprendi tanta coisa, aperfeiçoei minhas

técnicas e tive várias chances de aprender com pessoas


renomadas. Cresci tanto que hoje estou perto de ganhar uma

promoção que vai mudar muita coisa na minha vida.

Tenho uma conta exclusiva no Instagram como influencer,

onde mostro meus trabalhos, minha rotina, toda a minha vida em

Paris, e tenho bombado nela, ganhei vários seguidores, e faço

publicidade para várias marcas importantes.

Quanto mais nos aproximamos do endereço onde Artho e

Charlotte moram com Ayla e Nicolas, meu coração acelera de

ansiedade. Como será ver todo mundo depois de como tudo

terminou entre mim e Eros?

O encontraria também, eu sei disso. O problema é que o veria

depois de tudo, e não sei como será estar com ele no mesmo

ambiente. A única coisa que eu tive dele durante esses anos, foram

notícias e mais fofocas de como o herdeiro do Grupo Editorial

Giordano continua o mesmo cretino de antes, até pior.


Mas nunca deixei que isso me abalasse, no começo foi difícil

viver com o que ele fez e a forma egoísta que ele tratou tudo, mas

segui em frente. Entendi que era uma escolha minha o quanto eu ia

chorar e sofrer.

O amor que eu sinto por mim era bem maior do que qualquer

coisa e eu precisava me priorizar, levei um tempo para perceber

isso, mas depois me senti bem melhor.

Esses anos trataram o que deveriam tratar em mim, deixei a

ferida se curar da maneira certa, sem pressa.

O carro para na entrada do condomínio e é preciso de

liberação para entrarmos, e foi algo rápido, logo estávamos

entrando na terceira rua que leva até a casa da minha amiga.

O veículo para, e vejo o quanto a casa deles é grande e

família, consigo imaginar os quatro sorrindo, tirando foto na frente

da casa por se parecer tanto com eles. Minha amiga merece, enfim

a felicidade dela chegou completa.


A casa é igual às demais, não é murada com portão, são

todas abertas e me mostram a segurança que o condomínio deve

ter. Eu desço do carro, o motorista já está no porta-malas tirando

minha mala.

Depois de pagá-lo, agradeço pela viagem, sua simpatia é

tanta, que ele me ajuda a levar a bagagem até a entrada. Depois de

me despedir, me viro para a porta e aperto a campainha, batucando

o apoio da mala.

A porta abre e levanto a cabeça sorrindo para encontrar

minha amiga e louca para pegar Nicolas no colo, mas não são eles

que encontro.

Por segundos perco o ar, e seguro firmemente o apoio da

minha mala, enquanto encaro ele, parado na porta, parecendo

surpreso por me ver.

Eros Giordano não mudou muita coisa, esses anos só

melhoraram sua aparência com agora seus trinta e poucos anos.


Ver Eros depois de anos, me causa um baque grande, eu

sabia que precisaríamos nos encontrar e achei que estava

preparada para isso, mas não estou. Minhas pernas enfraquecem

por um momento e eu preciso criar forças para me manter de pé.

Tudo que tentei esquecer, a dor que me causou ao me deixar

depois de ter desistido de tudo e ido embora, o quanto sofri por

amá-lo, vem com tudo na minha mente, e preciso respirar fundo

para acalmar o pulsar descontrolado do meu coração e a dor na

barriga.

Olho para ele séria, empino o queixo, e me recuso desviar o

olhar.

Aqui, na minha frente, parado, me olhando com a mesma

intensidade que eu me lembro que ele sempre dirigia a mim, está o

causador da maior dor que senti.


Eros

Vê-la de novo, depois de quase dez anos, faz meu interior

ficar agitado. Nunca imaginei que pudesse passar um filme na

minha cabeça com todos os momentos que vivemos até tudo

escapar por entre os meus dedos de forma tão rápida.

Ela está ainda mais bonita que da última vez que a vi

pessoalmente naquela fatídica noite, a cartada final para as nossas

vidas.

Seus cabelos loiros escuros estão mais curtos e ela já não

usa o mesmo batom vermelho, o tom vinho de agora a deixa com a


expressão mais dura.

Ela olha para mim de queixo erguido e postura reta.

Vejo outra mulher, completamente diferente da que conheci

um dia. Essa é capaz de me fazer gelar pela forma que me olha

sem demonstrar nenhuma emoção.

Desço meus olhos para suas mãos, procurando algum

indicativo de que está afetada com o nosso reencontro, mas não

vejo nada, ela exala um controle absurdo.

Mas não é isso que faz uma pressão acertar minha cabeça e

me deixar zonzo, é a aliança em seu anelar da mão direita, de brilho

tão forte que poderia me cegar.

Tudo isso me lembra de anos atrás, um pesadelo que me

esforço para esquecer a existência.

Atrás dela, um homem se aproxima sorrindo enquanto

mantém os olhos nela. Ao se virar para ele, ela abre o mesmo

sorriso que costumava aparecer somente para mim. Essa cena faz a
raiva crescer em minhas veias, e me pego ficando bravo comigo

mesmo por isso me afetar.

— Aqui está meu telefone, se por acaso precisar que eu a

leve para algum lugar.

— Obrigada — agradece e vejo o idiota voltar para o carro,

que só agora percebi se tratar de um táxi.

Procuro por mais alguém que esteja a acompanhando, mas

não vejo mais ninguém e desço os olhos para seu dedo anelar, me

causando um desconforto horrível.

Subo meus olhos para seu rosto, seu olhar em mim

novamente, o vinco na sua testa se formando, e ficamos assim por

um bom tempo.

— Você vai ficar aí parado até quando? — pergunta, sem

paciência, e bufo.

O que foi, idiota? Achou que ela te receberia de braços

abertos depois de ter ido embora e a deixado sozinha naquela


noite?

Viro de costas para ela, andando de volta para a sala, com a

intenção de pegar minhas chaves e ir embora. Charlotte está no

mesmo lugar que a vi antes de me levantar do sofá e ir abrir a porta

para ela, com Nicolas deitado no seu colo.

— Quem era? — ela pergunta ao me ver entrar, e franze a

testa ao perceber minha expressão séria.

— O demônio em pessoa — respondo, pegando minhas

chaves na mesinha de canto.

Artho, que está entrando com Ayla na sala, me olha confuso

com o que eu acabei de dizer, e por me ver pronto para ir embora.

Mas ele entende assim que olha para a entrada da sala e vê Raquel

chegar, puxando o monstro da sua mala enorme.

Meu amigo me olha, enquanto Ayla corre para abraçar

Raquel. Em nenhum momento ele disse que ela viria, nem me deu

tempo de me preparar para vê-la.


Vejo Ayla sorrindo para Raquel, depois de abraçá-la.

Charlotte, logo em seguida, um pouco atrapalhada por estar com

Nicolas no colo.

— Trouxe meus presentes, tia Raquel? — Ayla pergunta, e

vem a imagem de quando a Batatinha era pequena e as duas

brincavam na minha casa em Bento Gonçalves.

— Claro, está tudo aqui — Raquel responde, dando

batidinhas na sua mala.

— Oiapoque — Artho se aproxima, beijando seu rosto, antes

de abraçá-la também.

— Becker — ela sorri, feliz ao vê-lo, sendo bem receptiva com

ele.

É com a visão dela sorrindo que me viro para ir embora, tendo

em mente que não vou me despedir de ninguém, só preciso estar

longe daqui o mais rápido possível.


Quando dou alguns passos para sair do cômodo, a fala que

Raquel solta me faz frear os passos, e franzo a testa:

— Cadê o afilhado mais lindo da tia? — pergunta.

Eu me viro de volta, vendo seus braços esticados para pegar

Nicolas do colo de Charlotte, que sorri toda babona para seu bebê,

porém ninguém percebeu ainda que estou parado vendo toda a

cena e me fazendo a pergunta várias vezes na minha cabeça.

Como assim afilhado?

Semicerro os olhos para Artho, que me olha, percebendo que

acabo de descobrir que ele deixou um detalhe passar ao esconder

de mim que Raquel vai ser madrinha de batismo de Nicolas.

Em nenhum momento me disseram que Raquel viria, e muito

menos que seria ela a madrinha de Nicolas.

— Ela que vai ser a madrinha? — pergunto, indignado,

trincando a mandíbula com a notícia desagradável.


— E qual o problema com isso? — Raquel questiona ao se

virar para mim com Nicolas no colo.

Tento não memorizar como é ela segurando um bebê. Porém

meus olhos sempre voltam para a aliança em seu dedo, me

deixando ainda mais irritado.

Raquel está noiva! O idiota viria também ao batizado?

— Espera! Você é o padrinho? — fala, mais como afirmação

do que pergunta e olha para Charlotte que está ao seu lado. — Você

esqueceu de contar esse detalhe quando aceitei?

— Charlotte queria você como madrinha e eu o Eros como

padrinho, se tivéssemos contado, vocês já teriam produzido uma

terceira guerra mundial — Artho debocha, segurando os dedinhos

do filho, e sorrindo para ele.

— Não acredito que vão confiar o Nicolas à pessoa que ama

fugir das responsabilidades — ela solta, com amargura.


Estreito os olhos para ela, furioso. Raquel está mesmo

insinuando alguma coisa? Claro que está, ela é enxerida e irritante e

pelo jeito só piorou morando em Paris.

— Não sou eu que fujo das coisas aqui — falo entredentes. —

Ainda dá tempo de desistir, ninguém se importa mesmo.

— Pai, os dois eram assim quando eu era bebê? — Ayla

cochicha a pergunta para Artho, mas todos nós escutamos, e vejo

meu amigo dar risada.

— Eles eram piores que isso, pequena — diz, beijando a

cabeça da filha.

Filho da puta, estou com muita raiva dele agora, mas com ele

resolvo depois.

— Quem está incomodado aqui é você — Raquel aponta para

mim.

E o traírazinha do Nicolas parece concordar, porque sai

alguns barulhinhos da sua boca e ele mal a conhece.


Decido fazer o que faço de melhor, viro as costas para ir

embora. Reencontrar Raquel acabou com o meu humor e o meu

dia.

Caralho, como ela está linda!

E está noiva.

Enfim ela decidiu aceitar o pedido de casamento de alguém, e

não o meu. Eu não era a pessoa certa, e Raquel só quis ficar

comigo pela minha fama de cretino e rico.

Porra de mulher que não deixa minha mente, estava indo tudo

bem com ela longe do Brasil, vivendo a vida dela, e não infernizando

a minha.
Aperto o copo de uísque entre os dedos, focando na cor

âmbar da bebida.

Escolhi vir direto para o Clube dos Cretinos, boate que Natan

e Gabriel são donos e colocaram o nome em nossa homenagem. O

lugar é bem grande e está entre as boates mais procuradas de São

Paulo, não é à toa que os negócios deles estão se expandindo.

Sinto primeiro uma mão bater nas minhas costas, antes da

pessoa se sentar ao meu lado.

— Você fez de propósito — digo, virando o resto da bebida na

minha boca.

Nem preciso virar o rosto para me certificar que é o Artho ao

meu lado. Olho em volta, querendo tudo, menos encarar ele neste

momento.

A música alta da boate não me incomoda tanto como costuma

ser, me sinto anestesiado pelo dia de hoje, nada me afeta. Peço

para o barman encher meu copo de novo.


Sentadas em uma mesa ao lado, vejo duas mulheres

encarando nossa direção, Artho já não faz parte do clube dos

solteiros mesmo, seria bom sair daqui essa noite acompanhado das

duas.

As encaro, vendo as duas abrirem sorrisos mal intencionados

e maliciosos.

— Isso realmente importa? Raquel já está aqui, Eros, está na

hora de você lidar com o passado — diz e eu estalo a língua em

desgosto, voltando a atenção para Artho.

— Não quero lidar com a mulher que destruiu meu coração.

Em um dos momentos de recaída, procurei Raquel no

Instagram e descobri que ela havia se mudado para Paris, estava

cursando sua pós-graduação, um lado meu ficou indignado com ela,

pois me fez lembrar de quando ela negou meu pedido.

Meu outro lado sentiu orgulho por ela ter ido tão longe,

alcançando os sonhos que sempre desejou.


Anos depois, em um momento de conversa com Artho depois

de ele ter reencontrado a Charlotte, entendi a escolha que a Raquel

fez, mas não mudava nada.

— E vai lidar quando? — pergunta.

Artho já está passando dos limites, e ele pouco se importa

com isso.

— Pela cara já deve ter encontrado a Raquel — Gabriel

comenta ao se aproximar, se sentando do outro lado de Artho.

— Todos sabiam que ela viria, menos eu? — bufo.

— Meu amigo, estava claro que Raquel ia aparecer, ela é

melhor amiga da Charlotte, não deixaria de vir ao batizado

— Gabriel retruca, como se fosse óbvio para todos, menos para

mim.

Lion aparece e se senta ao meu lado.


— Já estou sabendo da novidade — diz, pedindo uma bebida

para ele. — Ela continua ainda mais linda?

Encontro seu sorrisinho, estou pronta para arrancá-lo dele

quando levanta as mãos em rendição.

— Brincadeira, cara, você sabe que não estou mais nessa —

solta, pegando um petisco no pratinho colocado à sua frente, junto

com sua bebida.

— Ela está noiva — solto, ao acabar com a bebida do meu

copo novamente.

— Noiva? Como assim? — Artho pergunta, parecendo

confuso, mas não dá para acreditar depois do que ele aprontou.

— Eu que te pergunto, já deve estar sabendo e não quis me

contar, como fez em não me contar sobre ela ser a madrinha de

batizado do Nicolas.

— Raquel que vai ser a madrinha? — Gabriel pergunta,

batendo a mão no balcão, enquanto dá risada.


— Quer compartilhar a piada? — retruco, o fuzilando com o

olhar.

— Não sei por que está chateado, você não me contou sobre

a conversa que teve com a Charlotte quando ela decidiu terminar

comigo.

Bufo.

— Entendi, então isso é vingança? — pergunto, e inclino a

cabeça de lado para olhar para ele.

Artho revira os olhos.

— Chega vocês dois — Lion pede. — Eros, como sabe que

Raquel está noiva?

— A aliança que eu vi no dedo dela diz tudo.

— Você a inspecionou toda? — Gabriel me zoa.

— Vai se foder. Vocês falam demais.


— Você que fala de menos — Artho retruca, rindo com os

meninos.

Levanto do banco, me dando conta que será mais

desgastante lidar com meus amigos essa noite.

Dou tapinhas no ombro de Gabriel.

— Vou deixar as bebidas por sua conta, já que é dono do

lugar.

— Filho da puta mão de vaca — ele me xinga.

Sorrio de lado, sumindo no meio das pessoas, desistindo da

ideia de levar alguém comigo hoje.


Raquel

Sábado, 12 de fevereiro de 2028

— Primeiramente que a casa de Deus não é lugar para

brigas, vocês estão aqui para celebrar e prometer guiar essa criança

nos caminhos certos, mas não estão dando bom exemplo — o

Padre fala, olhando para mim e Eros, nos dando sermão por ter

acabado de presenciar uma cena de farpas entre nós dois. —

Papais, ainda dá tempo de trocar de padrinhos.

Abro a boca com a audácia do padre e fuzilo Eros com o

olhar, é tudo culpa dele. Artho tenta segurar o riso, mas os demais
presentes na celebração não disfarçam muito. Charlotte olha para o

padre com um sorriso amarelo, pedindo desculpas pela situação.

— Serão eles mesmo? — o padre pergunta, para ter certeza,

com um olhar de repressão para Eros e eu.

— Sim — escuto Artho concordar, e minha amiga assente

com a cabeça.

— Então vamos continuar — o padre declara, se

posicionando para começar a celebração.

Eu estendo a mão para Charlotte me passar o Nicolas, e me

aproximo do padre com ele no colo. Ele dorme sereno, sem saber

que esse é um dia especial para todos. Me esforço muito para tirar

os olhos de seu rostinho e focar no padre.

Sinto Eros parar ao meu lado, a poucos centímetros de mim.

Sua presença tão perto me causa uma quentura, me fazendo suar.

Tento focar no que o padre está dizendo, mas fica impossível

quando seu braço roça no meu.


Me aproximo da pia batismal assim que o padre faz uma cruz

na testa de Nicolas, e pega a jarra de ouro para molhar a cabecinha

dele com a água consagrada.

— Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito

Santo.

Escuto as palmas, e antes de entregar Nicolas para Charlotte,

eu o beijo na testa, desejando em oração todas as bênçãos na vida

dele, porque eu sabia que ele cresceria numa família cheia de amor.

Ao dar um passo para entregar ele aos seus pais, Eros me para,

segurando meu braço, e congelo e faz um gesto que não esperava

dele.

Eros inclina, deixando um beijo na testa de Nicolas, no

mesmo lugar que beijei antes, e quando se endireita, seus olhos

focam em mim e preciso desviar os meus dele, fugindo de tudo o

que está causando em mim.


É Artho que o pega do meu colo, para tirarmos algumas fotos.

Os meninos se juntam, Nicolas passando de colo em colo, os

homens desajeitados, até mesmo Eros quando o pegou, parecia

sem jeito, já fazia muito tempo desde que Ayla era pequena e eles

cuidavam dela.

Foi preciso eu ficar do lado de Eros para podermos tirar fotos,

só nós dois e Nicolas, e enquanto pousávamos, eu pude sentir os

olhares de todos os nossos amigos em nós, consegui ler cada

expressão em cada um, e isso me incomodou, porque era como se

eu sentisse a expectativa de todos em Eros e eu, e não é mais

assim.

Depois de toda a celebração, fotos e abraços, fomos para a

casa de Artho e Charlotte, com as famílias dos dois reunidas, para

um almoço de comemoração.

Eu consegui fugir, com Nicolas no colo, dormindo, poucas

horas depois. Meu refúgio foi me enfiar no quarto dele, e sentar na


poltrona reclinável que tem ao lado da sua cama. Seu ronronar é

fofo quando ele se mexe nos meus braços.

— Você é a coisa mais fofa da tia — sussurro, passando meu

polegar por sua testa, bochecha, narizinho, encantada por ele.

— Estou com medo de você sequestrar meu filho — levanto a

cabeça quando escuto a voz de Charlotte, entrando no quarto e

sorrindo para mim, seus olhos brilhando quando olha para o filho.

Eu me levanto para entregar Nicolas para ela, sei que está na

hora de ele mamar. Charlotte se senta na poltrona quando me

levanto e fico próxima vendo Nicolas sugar o bico do peito da mãe

com determinação.

— Como foi ver o Eros depois de todos esses anos? —

Charlotte, pergunta, e suspiro, me virando de costas para ela,

mexendo nas coisinhas de Nicolas em uma mesinha próxima.

— Foi difícil — declaro. — Porque me veio à mente sobre nós

dois e como acabou no final.


Charlotte me convidou para ficar hospedada na casa deles,

não quis aceitar que eu me acomodasse em um hotel por vários

dias e aceitei, mas não esperava dar de cara justamente com Eros.

— O término de vocês foi difícil, e só eu sei como ficou

durante aquele período. — Assinto ao escutar ela dizer, ainda de

costas para ela, sentindo minha pulsação acelerada.

— Eros é passado e tanta coisa mudou, uma hora eu teria

que enfrentá-lo, e sabia que talvez as lembranças viriam e eu teria

que ser forte para não deixar elas me afetarem, mesmo eu achando

que estava imune.

Assente.

— Você vai contar a Eros o que aconteceu quando ele foi

embora? — Charlotte pergunta, e sinto minha boca secar, minhas

mãos suarem trêmulas.

Me viro para olhar para minha amiga e nego com a cabeça, o

pavor tomando todo meu corpo.


— Não, isso também faz parte do passado, tudo o que

envolve ele, Charlotte — digo decidida. — Ele não precisa saber.

— Você não acha que, por exatamente envolver ele, Eros

merecia saber? — questiona.

— Não sei, você contaria para Artho? — pergunto, e vejo

dúvidas em seus olhos, e ela dá de ombros, sem saber a resposta.

Eu mudo de assunto, pois eu sei que por ela, continuaríamos

na mesma tecla, e tudo me chatearia.

— Vou amanhã à noite para Chuí, estou com as passagens

compradas para Porto Alegre, e de lá irei de ônibus — comento, me

aproximando dela, para poder tocar nos cabelinhos de Nicolas.

— Vai passar seu aniversário com seus pais?

— Sim, devo voltar a São Paulo uns três dias antes de ir

embora para a França — respondo sua pergunta.


— Não pensa em voltar para o Brasil? — Charlotte questiona,

colocando Nicolas de bruços, para dar batidinhas nas suas costas

de leve para que ele possa arrotar.

— Não sei, já faz um tempo que não penso nisso, tenho

minha vida toda em Paris, estou prestes a ganhar minha tão

esperada promoção e logo estarei desenhando minha coleção de

roupas para desfiles.

Charlotte sorri, eu percebo o quanto ela me apoia e fica

orgulhosa por cada passo que eu consegui até agora.

— Você tem conquistado tanta coisa, merece sua promoção e

ser bem mais reconhecida — declara. — Vai aceitar a proposta de

reunião daquela marca famosa brasileira?

Faz algumas horas que recebi uma ligação surpreendente de

uma marca famosa aqui no Brasil, que também é bem vista no

exterior, querendo uma reunião comigo depois de terem visto que

estou no país.
— Ainda não cogitei aceitar, preciso dá uma resposta para

eles quando eu voltar de Chuí — ela aquiesce quando eu digo.

Fiquei curiosa, mesmo ainda não sabendo do que eles

querem tratar comigo. É um assunto que estou pensando com

calma, e acho que eu não estaria perdendo nada aceitando

encontrar com eles.

Ela me olha, abrindo um sorriso de repente, e olhando para

Nicolas, tentando segurar a risada.

— O que foi? — questiono, semicerrando os olhos.

— Está todo mundo achando que está noiva, só porque

apareceu com aquela aliança, Artho me perguntou sobre isso.

Dou uma risada baixa, para não acordar Nicolas. No começo

só fiz para evitar cantadas ridículas no aeroporto ou da pessoa que

se sentaria ao meu lado no avião e acabei esquecendo de tirá-la,

mas depois que eu vi como Eros me olhou, e pareceu focar muito no

meu dedo, me senti bem por, de alguma forma, afetá-lo.


— Eros pareceu não gostar muito — ela comenta e dou de

ombros.

Ele que se lascasse, o que eu faço da minha vida não é da

conta dele há muito tempo.

Escutamos batidas na porta, e a cabeça de Ayla aparece no

quarto. Ela sorri para mim e Charlotte, que faz um gesto com a

cabeça para que ela entre. Fico impressionada com como ela

cresceu e se tornou uma garota inteligente e linda, com seus doze

anos.

Ayla dá um beijo no rosto de Charlotte e olha para mim.

— Tia Raquel, queria que visse alguns desenhos que eu fiz

inspirada naquela coleção que me mostrou — diz, seus olhos

brilhando. Consigo me ver nela quando era pequena, o desejo e

curiosidade pela moda.

— Claro, posso vê-las agora? — pergunto e ela assente com

a cabeça freneticamente.
Olho para a Charlotte, que demonstra o quanto está

empolgada com os desejos da filha. Sim, sua filha, eu vejo o amor

que minha amiga tem por ela, e como recebeu ela de braços

abertos, não se importando de Ayla ser filha somente de Artho.

Depois que ela garante que posso ir com Ayla, saio do quarto,

segurando a mão dela para seguir até o seu. Sua mesa de estudos

está cheia de desenhos bem feitos, com traços delicados, e fico

impressionada.

— Ayla, você fez tudo isso? — pergunto, e ela anui, com seus

olhos em mim, insegura. — São lindos, você tem muito jeito.

— Você tem me inspirado muito, tia Raquel. — Me emociono

com suas palavras, a abraçando, me sentindo honrada por escutá-

la.

— Senta aqui que vou te ensinar mais algumas coisas que

aprendi assim que cheguei em Paris — peço ao me sentar na cama

e dar batidinhas ao meu lado para ela fazer o mesmo.


Do pouco que eu venho conhecendo Ayla nos últimos meses,

eu sei que ela vai ser capaz de muita coisa, principalmente

enlouquecer o pai e os tios com seu temperamento decidido e

teimoso.
Eros

Domingo, 13 de fevereiro de 2028

Maldito Natan, filho da puta, que decidiu convidar Raquel para

conhecer a boate deles. Agora estou aqui, sentado, vendo Raquel

subir as escadas para encontrar com a gente, vestindo um vestido

prateado, de manga comprida. O decote na parte de cima é aberto,

e consigo ver seus seios quase pulando para fora do tecido,

enquanto o vestido vai até a metade das suas coxas, grudando na

sua pele macia.

Porra.
— Tem certeza de que foi uma boa ideia você ter vindo? —

Dimitri sussurra para mim, sentado ao meu lado. — Está parecendo

que vai explodir a qualquer momento, com uma expressão

predadora.

Rosno para ele calar a boca, ele dá risada, e vejo Raquel

chegar mais perto de onde estamos. É claro que eu não ficaria em

paz, em casa imaginando Raquel na boate, bebendo, com vários

caras dando em cima dela, mesmo ela estando noiva.

É por isso que eu não deveria mesmo estar aqui. Raquel está

noiva, não teria que ser eu a me preocupar com isso.

Gabriel se levanta do sofá, abraçando Raquel, em seguida

Natan, e tenho vontade de socar sua cara por ter sido ele o motivo

dela está aqui, vestindo esse maldito vestido que está me

enlouquecendo.

Até mesmo Dimitri a cumprimenta com um beijo no rosto, e

eu? O que resta para mim é simplesmente seu desprezo.


Bufo.

Artho e Charlotte não puderam vir por conta do Nicolas e

Lion... Bom, Lion eu não sabia onde tinha se metido dessa vez.

— Quer alguma coisa para beber? — Gabriel pergunta,

levantando a mão para o garçom, que está passando, fazendo um

pedido de bebida para Raquel, que sorri agradecida.

— Uau, a boate de vocês dois ficou perfeita e amei o nome

que colocaram nela — Raquel elogia. — Me dá uma nostalgia sobre

os velhos tempos — seus olhos passam por mim rapidamente.

— Fica à vontade para beber o que quiser, é por conta da

casa — Natan oferece. — Seu noivo não vai se importar, não é?

Não quero problema com ele por isso.

— Noivo? — ela pergunta, franzindo a testa.

Olho para a mão direita de Raquel, e não vejo nada de

aliança nela, e percebo pelo olhar que Natan me lança


superficialmente, que ele jogou um verde para Raquel, à espera da

resposta que eu preciso.

— Sim, ficamos sabendo que está noiva — Gabriel completa,

relaxado no sofá.

A bebida de Raquel chega, e ela bebe quase a metade,

soltando uma risada antes de me olhar brevemente. Se sentando

melhor no sofá, para cruzar as pernas, me deixando com a visão da

sua coxa, o vestido subindo um pouco.

— Não estou noiva, na verdade, estou bem solteira —

responde, bebendo mais da bebida da sua taça.

Mas que diabos ela fazia com aquela aliança em seu dedo?

Foda-se, não quero saber. Mas só de saber que ela não tem

ninguém, me deixa aliviado, e é uma reação automática, eu não

quero sentir nada por ela. Raquel foi a porra da mulher que me

rasgou por dentro, me fez sentir a mesma dor de quando perdi meus

pais, uma dor crucial que me faz perder o ar, não se comparando
nem mesmo com a desilusão que tive quando descobri a traição de

Lívia.

Não quero sentir nada por ela, além de ódio e raiva.

— Agora que sabe a verdade, não seria um bom momento

para levá-la àquele quarto? — Dimitri sussurra para mim, e travo

com a ideia de levar Raquel para o quarto que tem o pole dance.

Isso me faz lembrar de quando fiquei sabendo que ela, junto

com Charlotte, fazia aulas de pole dance, e eu precisei mandar fazer

um quarto exclusivo para ela na casa do sítio.

Me recordo o quanto fiquei louco de tesão por ela, rebolando

sua bunda empinada para mim, passando suas pernas pela barra

para ter apoio enquanto subia por ela, inclinando seu tronco para

baixo, ficando de cabeça para baixo, a barra rodando, seus peitos

apontados e duros pela excitação, ela vestindo apenas uma

calcinha minúscula vermelha.


Suas pernas se abrindo no ar, segurando uma delas apenas,

escorregando pela barra, me mostrar sua calcinha pressionada na

sua boceta molhada.

Foi um fetiche realizado que eu nem sabia que tinha, comer

Raquel contra a barra, com posições diferentes que eu nem sabia

que ela fazia.

Ela ainda dança? Faz as mesmas coisas que fazia comigo

com outro homem? Só de imaginar, tenho vontade de esmurrar

alguém.

Estou de pau duro, imaginando Raquel fazendo as mesmas

coisas que fazia comigo, um show exclusivo para mim, matando a

saudade naquele quarto, com as luzes vermelhas e uma música

sensual.

Raquel levanta do sofá, bebendo o resto da bebida, e se

dirigindo para o andar debaixo, me endireito no assento, meu corpo

em alerta, apertando o copo em minhas mãos.


— Relaxa, cara, ela só quer dançar — escuto Gabriel

comentar, e sinto que isso não vai ser boa coisa.

A vejo descer um pouco o vestido com as mãos, que de

costas o tecido não tampa muita coisa, e consigo ver o início da

polpa da sua bunda durinha. Eu acompanho Raquel o tempo todo

com o olhar, a vendo parar no meio da pista de dança e balançar o

corpo, chamando atenção dos caras ao seu redor.

— Sabe o que percebi agora? — não dou muita atenção à

pergunta de Dimitri. — Que o brilho dos olhos de Eros voltou depois

de ter visto Raquel, após esses quase dez anos.

Bufo e escuto as risadas dos gêmeos, zombando de mim, e

bebo o resto da minha bebida. Tento manter minha sanidade sob

controle até ver um idiota para por trás de Raquel sussurrar algo no

ouvido dela.

— É sério isso, porra? — exclamo, fechando minhas mãos em

punho.
— Prevejo um desastre — ouço Natan murmurar, e não

consigo ficar sentado quando vejo o cara se inclinar para beijar a

Raquel.

— Eros, o que vai fazer? — escuto Dimitri questionar, quando

entrego meu copo vazio para ele, indo em direção às escadas. —

Eros, não faz besteira.

Sinto todos atrás de mim, e não consigo ver mais nada

quando procuro Raquel com os olhos, e vejo o cara com suas mãos

nojentas em cima da minha mulher.

Minha reação é empurrar ele para longe dela, e sinto minha

mão em choque contra seu rosto, escutando o grito de Raquel logo

em seguida. Seguro o pulso da Raquel, a puxando para fora da

boate, deixando meus amigos para trás, lidando com o idiota

nervosinho.

— Eros, me solta — grita, tentando se soltar de mim. — Que

porra acha que está fazendo?


Não paro para responder, ainda a segurando, a puxando para

fora, empurrando qualquer pessoa que esteja na minha frente e que

não me dão espaço para passar.

— Você não tem esse direito. Está me escutando? — grita,

sacudindo sua mão para puxar da minha.

Do lado de fora, chamamos atenção de todos que estão na

fila esperando para entrar. E não paro de andar, ela continua me

gritando comigo, usando agora sua outra mão para se soltar de

mim.

— Vai se foder e me deixa em paz — Raquel exclama, sua

voz agitada, no exato momento que chegamos ao meu carro.

A empurro contra minha Mercedes, prendendo seu corpo no

meu e rosno com o rosto perto do seu.

— Não, porra. Não vou te deixar em paz, está entendendo?

Não quero ver outro homem tocando em você — grito também,

nossas respirações alteradas.


— Você não tem esse direito — ela retruca, socando meu

peito, me empurrando para longe dela. — Perdeu ele há muito

tempo, Eros.

Não me afasto dela, mesmo ela colocando toda a força para

que eu possa me afastar dela, eu não faço, não consigo a deixar ir,

e isso me mata por dentro, porque é a razão contra a emoção.

Raquel está certa, eu perdi o direito de me meter na vida dela

há muito tempo, porém não estou nem aí.

Olho para os seus lábios, inspirando a sua respiração. Louco

para poder beijá-la pelo menos mais uma vez. Seu gosto ainda

continua o mesmo depois de anos? Consigo até mesmo o sentir na

minha língua.

Com Raquel parada na minha frente, nossos corpos

grudados, exalando raiva e desejo, posso imaginar sugando sua

língua, ao mesmo tempo que mordo sua pele, engolindo seu

gemido, enquanto desço meus dedos para subir por dentro do seu
vestido e entrar na sua calcinha para sentir sua boceta molhada e

sensível.

Estou perto de beijar sua boca e poder matar a saudade que

tenho de sentir ela toda de novo, quanto mais uma vez Raquel me

empurra, sua expressão desesperada, com olhos arregalados de

choque, não era isso que estava esperando dela.

— Minha bolsa — sua voz sai estrangulada, e ela consegue

se afastar de mim, para ir em direção à boate.

— Do que você está falando?

— Minha bolsa caiu na boate quando você me puxou como

um homem das cavernas — responde brava, e eu a sigo,

desnorteado e furioso que o momento foi cortado por causa da

bolsa dela.

— O que tem de tão importante dentro dela? — reviro os

olhos para a pergunta, sua bolsa era mais importante do que deixar

rolar o que estava prestes a acontecer entre nós.


E vendo seu olhar aflito para mim quando olha para atrás,

ainda caminhando para a entrada do Clube dos Cretinos, me

mostrando que a pergunta que fiz a ela foi idiota.

Só entendo depois que voltarmos a procurar a bolsa dela e

não encontramos, que o que tinha dentro dela era bem importante

para explicar todo o seu chilique.


Raquel

Segunda-feira, 14 de fevereiro de 2028

Eu quero matar Eros!

— Como vou viajar para Chuí sem meus documentos? Ou

pior, como vou voltar para Paris sem meu passaporte? — pergunto

para ninguém em especial, possessa de raiva. — Isso é tudo culpa

sua — aponto para Eros.

Como eu quero estrangular aquele pescoço, preso naquela

cabeça, dona daquele rosto do demônio de tão lindo.


Não entendo como pude ser tão burra e ter deixado Eros me

afetar na noite passada, ao ponto de eu quase beijar ele e ter

esquecido completamente da minha bolsa, da minha raiva por ele, a

mágoa voltou com força total.

— Quem em sã consciência leva todos os documentos para

uma boate? A culpa é sua — Eros retruca, jogando a

responsabilidade de ter perdido a minha bolsa para cima de mim.

— Se você não tivesse me puxado para fora, a fazendo

escorregar da minha mão, nada disso estaria acontecendo.

Artho, Charlotte e Lion, presentes na sala, olham de um lado

para o outro, vendo Eros e eu discutirmos. Estamos em plena

segunda-feira, são nove horas da manhã e eu não consigo

raciocinar nada de como vou resolver essa minha urgência.

— A única coisa que você pode fazer agora, é um boletim de

ocorrência — Lion sugere, tentando acalmar os ânimos.


Os gêmeos tinham procurado pelas câmeras da boate, mas

nada conseguiram, só dá para ver minha bolsa caindo da minha

mão, e uma pessoa que não dá para identificar direito, pegando

minha bolsa do chão no momento da confusão e sumindo com ela.

A minha sorte, se é que tem alguma, é que meu celular

estava comigo, na minha outra mão.

— E pedir com urgência novos documentos e o passaporte —

Charlotte completa, me dando um sorriso acolhedor.

Me sinto mal por estar sendo uma preocupação para ela

neste momento.

A minha outra preocupação é em como eu irei viajar para a

casa dos meus pais sem documento nenhum, isso será impossível.

Olho para Eros novamente, meu sangue esquentando, e minha

raiva por ele aumentando de novo, a única coisa capaz que ele faz,

é me olhar com uma expressão de paisagem, mas isso não me

engana, consigo ver um ar de culpa em seus olhos.


Me levanto do sofá, me sentindo exausta psicologicamente.

Lion que está sentado na ponta do sofá, me olha com pena e lança

um sorriso simpático.

— Se quiser, posso ir com você para resolver tudo — sugere,

e eu assinto, agradecida, iria mesmo precisar de uma ajuda.

— Eu aceito, primeiro, eu preciso ligar para os meus pais e

informar a mudança de planos, explicar que talvez eu não vá

conseguir vê-los a tempo de antes voltar para Paris — comento, me

sentindo cansada só de imaginar ter que falar com meus pais.

Me retiro da sala de visita, passando na cozinha para pegar

um café quente e ir para o lado de fora da casa, parando no fundo,

passando pelo caminho de pedras, para me sentar em um sofá na

área de lazer, perto da piscina.

Faço a ligação por vídeo chamada, e logo vejo o rosto da

minha mãe aparecer, com seu sorriso animado, ela nem imagina

que não estarei embarcando hoje à noite, conforme o combinado.


— Estamos ansiosos para a sua chegada. Sua mala já está

pronta? — ela pergunta, e vejo o rosto do meu pai aparecer na tela,

ele manda um beijo para mim.

— É por isso que liguei para vocês, acho que não vou

conseguir ir — digo, e explico para eles, não totalmente a verdade,

mas a parte que perdi meus documentos e que agora precisarei

solicitar uma segunda via.

Vejo como eles ficam decepcionados com a notícia, os planos

que fizeram para o meu aniversário, tudo seria deixado de lado, e

fico mal por isso.

— Talvez consiga que tudo esteja pronto antes da minha data

de volta para a França, e eu possa ir a Chuí passar pelo menos dois

dias com vocês — tento amenizar a notícia ruim.

— Tomara, querida, queríamos muito que viesse. — Escuto

meu pai dizer, e meu coração aperta. — Estaremos torcendo para

que dê tudo certo.


Conversamos por mais alguns minutos, até eu me despedir

deles para me arrumar e ir com Lion fazer os procedimentos da

solicitação da segunda via dos meus documentos.

Fico um tempo em silêncio, olhando para nada

especificamente, e quando me levanto, me virando para entrar na

casa de novo, dou de cara com Eros, parado a poucos metros de

mim, me olhando.

— O que foi agora? Deu para ficar ouvindo conversa dos

outros? — pergunto, ainda brava com ele, e não consigo não

descontar nele.

Ele bufa e se aproxima alguns passos.

— Eram seus pais? — ele faz uma pergunta óbvia, pois sabe

a resposta, e eu não respondo, dando a volta por ele, indo em

direção à entrada.

Ele me para, segurando meu braço, me impedindo de

continuar andando, o lugar que ele segura começa a formigar e Eros


logo me solta, me tirando a oportunidade de sentir mais do seu

toque.

— Quero me desculpar. — Levanto o rosto para olhar Eros,

impressionada que ele esteja passando por cima do seu orgulho

para falar comigo. — Mas não me arrependo do que fiz.

Solto uma risada forçada e estalo a língua no céu da boca.

— Se não se arrepende, por que está se desculpando? —

questiono entredentes.

— Eu quis dizer que não me arrependo de ter impedido que

aquele maldito te beijasse — explica e se vira melhor para ficar de

frente para mim, seus olhos intensos o tempo todo. — Já que sou

eu o causador de tudo isso, vou te levar para Chuí, não quero que

mude seus planos por minha causa.

— O quê? — pergunto, não devo ter entendido direito, minha

mente deve estar me pregando peças.


— Vou te levar de carro até a casa dos seus pais — diz,

simplesmente, como se Chuí ficasse em uma cidade próxima daqui.

— Você enlouqueceu, né? São quase vinte horas de viagem

de carro, e eu não vou com você a lugar algum, a última coisa que

eu quero é passar mais tempo ao seu lado — aponto, meu corpo

todo em choque pela sua sugestão.

Passar horas dentro do carro com Eros não vai ser uma boa

ideia, e eu não quero ter que está revivendo tudo o que já vivemos

um dia.

— Eu não estou fazendo um convite, Raquel, estou apenas te

comunicando. Ou você quer que eu te jogue nas minhas costas e

coloque dentro do carro? — diz, sério, sem nenhum tom de

brincadeira na sua voz, Eros não é mesmo disso.

Isso me faz recordar de todas as vezes que eu ia contra

alguma coisa que ele diz quando estávamos namorando, e ele


sempre me pegava no colo ou me jogava em seus ombros, esse era

seu jeito de me fazer ser menos teimosa.

— Você não teria essa coragem, e além do mais, não somos

mais crianças, Eros, já passamos dessa idade faz tempo, precisa

aceitar o meu não.

Ele revira os olhos, e bufa, trincando sua mandíbula.

— Você tem uma oportunidade de passar o seu aniversário

com seus pais, e prefere ser teimosa ao ponto de não aceitar que eu

te leve até lá — rebate, e sou eu que reviro os olhos.

Eros não entende que não é somente isso, é o fato de eu ter

que estar perto dele, quando foi ele que foi embora e me deixou

para trás para cuidar da ferida que me deixou. Foi fácil para Eros ser

frio e egoísta, e agora ele quer agir como se nada tivesse

acontecido.

— Eros... — começo a falar, já derrotada em ter que

argumentar com ele, e Eros sabe que vai me ganhar pelo cansaço.
— Está tudo decidido, resolvemos as pendências dos

documentos hoje, e amanhã partimos para Rio Grande do Sul —

declara, e se vira para me deixar sozinha. — Estou te esperando no

carro.

— Espera aí, para quê?

— Sou eu que te acompanharei, já que sou o causador de

tudo — escuto sua voz rouca, ainda se afastando de mim.

— Cadê o Lion? — questiono, confusa, e ele se vira para mim

novamente.

Ele dá de ombros, não respondendo minha pergunta.

— Se eu tiver sorte, bem longe daqui — escuto ele sussurrar,

quando volta a andar em direção a entrada da casa.


Raquel

Terça-feira, 15 de fevereiro de 2028

É muito estranho estar dentro do carro com Eros Giordano,

depois de anos. O desconforto é palpável entre nós dois, a única

coisa que dizemos um ao outro em quatro horas de viagem são

sons de resmungos, e olhos atravessados.

Nem vou comentar como foi uma surpresa para todos ao

saber que eu tinha aceitado viajar com Eros para Chuí, como se ele

tivesse me dado muita escolha. Depois parei para pensar em como

eu estava fazendo a coisa certa, foi culpa dele e sua crise de ciúmes
— não vejo outro nome para a forma que ele reagiu — e toda a

viagem seria custo dele.

Eros para em um posto para abastecer o carro, antes de

descer do carro, olha para mim, só percebo pela minha visão

periférica.

— Vou à conveniência, precisa de alguma coisa? — pergunta,

e nego com a cabeça, ainda sem olhar para ele.

Ele murmura alguma coisa e sai, batendo a porta do carro.

Vejo ele se afastar para entrar na loja e fico olhando como sua

bunda fica bem dentro da calça jeans que escolheu, assim como

seus músculos dos braços e os ombros dentro da camisa de manga

longa.

Eros nem demora mais que dez minutos, e quando volta para

dentro do carro depois de ter pagado o abastecimento, ele me

entrega uma sacola cheia de salgadinhos e algumas latinhas de

refrigerante.
— Você não comeu nada desde que saímos — responde meu

olhar interrogatório, enquanto passa o cinto de segurança.

— Como ainda lembra que esse é meu salgadinho favorito?

— pergunto, levantando o pacotinho laranja.

Eros dá de ombros, fugindo do meu olhar para ligar o carro e

voltar a dirigir, algo que ele sempre está acostumado a fazer, e vejo

que não mudou em nada.

— Não lembro, esse é o sabor favorito de todo mundo —

resmunga.

— Não o seu — respondo, Eros me olha vagamente, antes de

prestar atenção na estrada.

O carro fica em silêncio novamente, e ao contrário do que eu

sempre fazia quando namorávamos, eu não fico observando ele

dirigir, como amava fazer antes, prefiro ficar com atenção totalmente

voltada para a janela.


Eros liga o som do carro, assim como eu, ele percebe o clima

desconfortável. Mas nada me prepara para a música que começa a

tocar, é a mesma que sempre tocava quando estávamos no seu

carro, indo a algum lugar.

Jota Quest com sua música Do seu lado, acabou virando

nossa trilha sonora. Eros não troca a música como achei que faria,

ele deixa tocando e isso me causa um certo nervosismo, porque a

letra parece tanto com a gente e isso me causa lembranças que

quero apagar da minha mente.

A música termina e a próxima a tocar é uma dos The

Neighbourhood, e até sei que a próxima que vai tocar é uma do

Imagine Dragons, em seguida uma do Catfish and the Bottlemen e

assim eu sabia de todas as seguintes.

Por que eu sei disso? Porque essa é a nossa playlist, a

criamos com nossas músicas preferidas assim que começamos a

namorar, e eu não consigo acreditar que Eros ainda a escuta.


Relaxo um pouco no assento, sentindo todos os tipos de

sentimento em relação a Eros, e me odeio por isso.

Meu celular vibra nas minhas mãos e vejo uma mensagem de

Charlotte.

“Me diga que ainda estão vivos”

Dou risada e isso chama a atenção de Eros para mim, mas

ignoro.

“Sim, mas acho que neste momento, estamos loucos para

ficar longe um do outro”

“Me admira Eros ser o dono dessa ideia maluca de te levar

até Chuí”

“A mim também” respondo.

Guardo o celular novamente, sentindo o tempo todo os olhos

de Eros em mim, mas finjo que ele não é importante. Passamos

mais algumas horas em silêncio, já escureceu, e eu me sinto


cansada das horas sentadas, sem uma posição confortável para

ficar.

— Vamos precisar parar para dormir em algum hotel —

escuto sua voz rouca, me dizendo e viro minha cabeça para ele.

— Por quê? — questiono.

— Se você não percebeu ainda, estamos a horas na estrada,

não consigo dirigir mais, Raquel — ele fala com tom irônico, como

se fosse o óbvio, e é, mas a única coisa que pensei foi no fato de ter

que ficar ainda mais tempo com ele, sem a possibilidade de me

livrar dele tão cedo.

Assinto, e volto para a posição que estava antes.

— Vamos parar no próximo hotel que aparecer — me informa,

Eros bufa, com a minha falta de resposta.

Depois de mais alguns quilômetros, uma placa de um hotel

aparece para a gente. E semicerro os olhos para poder ler melhor a

placa, que logo fica visível pelo letreiro chamativo em luzes led.
— Eros? — leio em voz alta, e tenho vontade de rir pela ironia

do destino.

— O quê? — Eros pergunta, e percebo que ele ainda não viu

o nome do lugar que vamos parar em alguns minutos.

— Não você, o nome do lugar se chama Hotel Eros — explico

para ele ao me virar, ele então vê o nome assim que paramos e

ouço uma risada curta.

— Acho que esse é meu sinal — diz, entrando no

estacionamento.

— O que quer dizer com isso? — pergunto e franzo a testa

com o fato de que ele não responde minha pergunta, e sua covinha

aparece na sua bochecha quando um sorriso mínimo aparece.

Descemos para verificar se tinha vaga para nós dois, e é

preciso vestir meu casaco por causa do frio. A atendente é

simpática e prestativa quando nos informa que tem apenas um

quarto de casal sobrando.


— Não vou ficar no mesmo quarto que você — digo a Eros,

quando ele informa à atendente que vamos ficar com ele.

Eros grunhe, se vira para mim.

— Você não tem opção, e não vou dirigir mais alguns

quilômetros atrás de um hotel com dois quartos, só porque você não

quer dividir um comigo, correndo o risco de nem encontrarmos vaga

— Eros é decidido.

— Moça, tem certeza de que não tem unzinho sobrando?

Pode até mesmo ser um quarto de empregados, não me importo —

pergunto.

Ela me olha como se eu fosse louca por negar dividir o quarto

com o homem gostoso ao meu lado. Esse é um dos problemas,

como resistir a ele quando quase nos beijamos, isso menos de

quarenta e oito horas assim que cheguei no Brasil.

Não posso cair na tentação.

— Infelizmente, não — responde, declarando minha derrota.


— Vamos ficar com ele mesmo — Eros confirma para a

mulher, que até o momento, ainda me olhava.

Ela pede o nome dele para o cadastro no sistema e fazer o

check-in. Quando Eros diz seu nome, vejo ela olhar para ele, com

um sorriso de lado, todo sugestivo e bufo.

— O mesmo nome do hotel — ela fala e eu perco a paciência

com sua conversinha mole, e volto para o carro para buscar a minha

mala, dessa vez escolhi uma pequena de Charlotte, já que Eros se

negou a trazer a minha.

Abro o porta-malas, a tirando de dentro, e logo sinto a mão de

Eros no apoio dela, tirando ela da minha mão, para ele mesmo a

levar, assim como sua mala ainda menor que a minha. Até nisso ele

quer ser todo controlador.

O sigo, fechando a cara para a atendente, que está sorrindo

para Eros quando passamos pela recepção. Ela é muito atirada e

nem um pouco simpática, como achei anteriormente.


Subimos pelo elevador, e quando chegamos ao quarto dois

mil e dezessete, ele coloca sua mala no chão para poder abrir a

porta. O quarto é lindo, em tons claros, de um jeito que traz conforto

para o hóspede.

Me enfio dentro do banheiro com a minha mala, e quando

procuro algo para vestir, me arrependo de ter trazido pijamas

rendados, transparentes e curtos demais.

Mas ligo o foda-se. Tomo meu banho, tentando relaxar com a

água quente a tensão que estou sentindo. Penteio meus cabelos,

passo o hidratante pelo meu corpo com toda a calma do mundo, e

sei que estou fazendo isso, porque estou enrolando.

Quando saio do banheiro, arrastando a minha mala, vestindo

um conjunto de baby doll azul marinho, realçando as minhas curvas,

não ignoro a expressão no rosto de Eros ao me ver.

— Pedi nosso jantar — aponta para um canto no quarto, mas

não presto atenção, meus olhos estão nele e a forma que ele me faz
sentir.

Meu corpo esquenta pelo modo intenso que me olha, parando

por vários segundos em cada parte do meu corpo

— Porra. — Escuto ele murmurar, suas mãos fechadas em

forma de punho, sua respiração alterada.

Fiz um bom trabalho. Eu até tento não chamar atenção, mas

sou de Aquário, é a minha melhor qualidade.

Eros passa por mim feito um foguete, se enfiando dentro do

banheiro, e dou uma risadinha vitoriosa, enquanto abro a cúpula da

bandeja para ver o que Eros pediu para nós dois.

Com as variadas opções, eu escolho comer apenas algumas

batatinhas fritas e uma taça de vinho, ainda de pé ao lado da mesa

com o nosso jantar, ignorando Eros quando ele sai do banheiro

depois do que foram quase meia hora. Ele para ao meu lado, para

se servir de uma taça de vinho e sou capaz de sentir o seu perfume,

o mesmo de quando éramos jovens.


Ele faz questão de roçar a sua pele na minha, me causando

arrepios e antes que eu possa ceder e me esfregar nele, me afasto

para ir até o banheiro para tentar diminuir o calor que estou sentindo

e me preparar para dormir.

Eros está de costas para mim quando retorno para o quarto,

sem camisa, com sua pele nua à mostra, usando apenas uma cueca

boxer, que gruda na sua bunda.

Tenho impressão de que os anos só fizeram bem a Eros.

impressão não, tenho certeza. Ele parece bem mais musculoso do

que me lembro e isso me faz lembrar do seu piercing.

Merda, isso é golpe baixo.

Passo diretamente para o lado da cama que irei dormir,

ficando de costas para Eros, quando apago a luz do abajur e me

cubro, tentando acalmar os meus batimentos.

Não demora muito quando sinto o outro lado da cama afundar

e Eros se arrumar nela, apagando a luz do seu abajur.


Eros tira toda a minha sanidade quando me dou conta que ele

está próximo a mim, e que posso sentir sua respiração quente

batendo na minha nuca.

Como poderei dormir desse jeito?

Depois de vários segundos, eu sinto os seus dedos subindo

pela pele do meu braço, ele desce e sobe, e me arrepio toda,

sentindo o pulsar da expectativa dos seus próximos movimentos,

minha respiração está claramente audível, e Eros sabendo disso,

enfia a mão para dentro da blusinha, tocando minha barriga,

fazendo a mesma coisa que fez com meu braço.

Não sou capaz de afastá-lo, e não quero, meu corpo anseia

por ele.

Eros me faz virar, e eu fico sob ele, sendo incapaz de ver

alguma coisa em seus olhos, pela pouca luz do quarto, sendo

iluminado apenas pelas luzes de fora do prédio, que passa através

da janela, as cortinas um pouco abertas.


Eu dou permissão a Eros, porque eu sei que é isso que ele

precisa para continuar, ele nunca avançaria se soubesse que não

quero. Estamos prestes a nos queimar no fogo do desejo.

Eros sobe a mão, tocando meu peito, eu suspiro com o

contato da sua mão gelada com a minha pele quente. Ele está

nervoso, é por isso que subo as mãos para tocar seu rosto, a

dirigindo para o cabelo cortado, mais curtos do que costumava usar.

Ele me faz querer suplicar para ter sua boca na minha de

novo, a ansiedade de saber como vai ser depois de anos. Mas Eros

não espera mais, ele junta nossos lábios, sua língua em contato

com a minha me faz querer para o tempo.

Eros puxa minha blusa para cima, e sinto o ar gelado tocar

minha pele quando não estou com o tecido no meu corpo. Ele puxa

meu short para baixo, junto com a minha calcinha, tudo isso ainda

me beijando, até que não sinto mais o tecido da sua cueca no seu

corpo.
Estamos pele com pele, e a sensação de sentir isso de novo

me deixa vulnerável, querendo muito mais. Sinto o piercing frio na

minha coxa, Eros avança mais com o nosso beijo, seu corpo entre

as minhas pernas, se esfregando em mim, eu estou molhada, sendo

capaz de sentir o quanto quando o pau de Eros desliza pelos lábios

da minha boceta, batendo com seu piercing bem no meu clitóris e

eu gemo.

— Quero ter a visão de você cavalgando em mim — sussurra,

sua voz rouca, cheia de tesão, e ele me beija por mais alguns

segundos antes de se deitar de costas na cama, abrindo a

embalagem da camisinha e me entregando para que eu mesma

possa colocar.

Nem me preocupo em perguntar onde achou a camisinha, me

ajoelho entre as suas pernas, e antes que eu possa colocar o

preservativo, seguro seu pau e me inclino para chupá-lo, sentindo o

seu gosto na minha boca.


Eros rosna, pego de surpresa, e tenho a visão dele se

contorcendo na cama, quando lambo e chupo a cabeça do seu pau,

o enfiando todo dentro da minha boca, de uma forma que eu não

engasgue. Faço isso umas três vezes antes de me afastar e deslizar

a camisinha pelo seu pênis molhado pela minha saliva.

Subo pelo seu corpo, beijando seu abdômen, parando em

cima do seu peito, lambendo cada um, antes de morder a ponta.

Eros geme, segurando firme cada lado da minha bunda, me

conduzindo a descer pelo seu pau, e faço isso enquanto o beijo,

gemendo na sua boca, me lembrando do quanto era gostoso ter ele

dentro de mim.

Quando Eros está totalmente dentro de mim, me arrumo

melhor, para ficar sentada, e começo a subir e descer, aumentando

o ritmo, escutando os sons de nossas peles batendo uma na outra.

Ele segura um lado da minha cintura para me auxiliar, sua

outra mão subindo para apertar meu peito, beliscando o bico do


meu seio, ajudando na pressão que se forma no meu baixo ventre.

Seus olhos em mim tem o poder de me sentir adorada, uma

deusa capaz de o fazer sentir tudo. Me inclino para o beijar,

mordendo seu lábio, quando começo a rebolar no seu pau, o

movimento do meu quadril fazendo ele entrar e sair de um jeito

muito gostoso, o fazendo pressionar ainda mais o meu ponto.

E gemo alto quando eu gozo, o meu orgasmo puxando o seu

quando o aperto.

Ele aperta minha cintura com força, e logo penso que amanhã

o local estará com a marca de seus dedos nela.

Eros tira o pau da minha boceta quando me deita na cama

para tirar a camisinha, mas ele não fica longe por muito tempo. Seu

corpo quente está em cima de mim novamente, e estamos nos

beijando, todo esse desejo e fogo nos levando a outro sexo quente

novamente.
Eros

Quarta-feira, 16 de fevereiro de 2028

Deixo Raquel na cama ainda dormindo quando me levanto,

para tomar um banho. Seu cheiro impregnado na minha pele, seu

sabor na minha boca, não consegui manter minhas mãos longe dela

ontem à noite, e não me arrependo.

Porém, precisamos continuar a viagem e eu não sei como vai

ser possível, estar perto dela, agora que a tive de novo, me

lembrando de como éramos perfeitos juntos.


Hoje é seu aniversário, a mesma data que a pedi em namoro,

essa data sempre me faz recordar de como naquela época eu

estava feliz com Raquel ao meu lado.

Saio do banheiro, arrumado, minha mala pronta. Batem na

porta para deixar o nosso café da manhã. Eu a abro, empurrando o

carrinho com a nossa janta de ontem que ficou intocada, para que

possam levar.

Arrumo a mesa com o café da manhã para Raquel, deixando

uma rosa vermelha ao lado do seu prato. Decido não estar presente

quando ela acordar, pegando minha mala e descendo para a

recepção, depois de tomar um café puro e forte.

Meu celular, que quase não tive tempo de mexer ontem, tem

várias notificações de ligações perdidas e mensagens não lidas.

Aproveito o tempo que passo sentado no sofá da recepção para

responder todas elas, e atender as ligações do trabalho.


Quase uma hora e meia depois, vejo Raquel chegando no

saguão, me levanto quando ela me vê, puxando sua mala de

rodinhas. Pela expressão do seu rosto, não consigo identificar o que

está sentindo ou passando pela sua cabeça.

Ela teria se arrependido da nossa noite?

Como já havia deixado tudo pago e feito o check-out, fomos

para o carro, onde eu guardo nossas malas para sairmos do

estacionamento logo em seguida.

Pigarreio quando já estamos há vários minutos na estrada.

— Feliz aniversário — digo.

Vejo ela me olhar surpresa com o fato de eu saber que dia é

hoje, como eu poderia esquecer alguma coisa relacionado a essa

mulher?

— Obrigada — agradece, e junta seus cabelos no alto da

cabeça, me dando a visão do seu pescoço, onde, por poucos


segundos consigo ver uma marca vermelha, que fiz nela ontem à

noite, enquanto transávamos.

— Precisamos ficar neste clima estranho? — questiono. —

Transamos e somos adultos, capazes de lidar com isso.

— Não precisamos — responde, decidida. — Mas não vai

mais acontecer.

Tenho vontade de rir, porque me lembra das palavras que eu

disse a ela na nossa primeira vez juntos e na segunda, até eu me

tocar que não adiantaria eu tentar ficar longe dela, Raquel sempre

será o meu vício, independente do que houve entre a gente.

— Como desejar — digo.

Temos mais nove horas pela frente, e pelas minhas contas

estaríamos chegando no finalzinho da tarde na casa dos pais de

Raquel. O nosso combinado é que depois que eu deixá-la, os pais

dela me hospedarão em um hotel na cidade e ficarei por lá até o dia

que precisarmos voltar.


Depois de muito a gente brigar, ela aceitou o meu acordo, eu

também não ficaria à toa, trabalharia normalmente e também sairia

para conhecer um pouco da cidade.

Raquel parece inquieta, e é ela que liga o som do carro dessa

vez que toca a playlist que fizemos. Nunca consegui me desapegar

dela, do mesmo jeito que não consegui jogar fora a pulseira que ela

me deu na noite em que fui embora.

Tenho vontade de saber como está sua vida em Paris, suas

conquistas, seu crescimento e reconhecimento, saber pela sua

boca, não pelo que suas redes sociais me mostram, mas eu tenho

medo. Medo de que saber de tudo me mostre o que eu perdi por ter

ido embora.

Raquel conquistou muita coisa, se tornou uma das maiores

influencers, divulgando as maiores marcas de moda, foi muitas

vezes assunto em várias publicações na minha editora. Raquel


realmente fez seu nome, como sempre disse que faria, mostrou a

muitas pessoas que não acreditaram nela.

Passamos as horas seguintes em silêncio, falando somente o

básico, parando para comer alguma coisa ou abastecer, e isso me

deixou mal-humorado. Quando entramos na cidade, enfim em Chuí,

me senti nervoso, porque seria a primeira vez que encontraria os

pais de alguma garota que eu gostasse.

Com Raquel é diferente, eu fui apaixonado por ela, era com

ela que eu queria passar o resto da minha vida junto. Eu sei que

enquanto namorávamos, ela nunca contou aos seus pais sobre

mim, e hoje entendo o motivo por trás, nossos futuros sempre foram

incertos aos seus olhos, enquanto pelos meus, eu tive tudo

planejado.

Raquel vai me informando onde devo entrar e seguir, e faço

conforme o que vai me passando, o nervosismo tomando meu

corpo, enquanto meu estômago revira, acabo suando.


Como será a recepção deles quando me virem?

Quando paramos na frente da sua casa, solto um suspiro

profundo, e ela logo desce do carro e faço o mesmo, percebendo

que estamos chamando atenção da vizinhança dela.

A casa pequena e bem arrumada, pintada com a cor verde

vibrante, diferente de uma foto antiga que Raquel me mostrou na

época que namorávamos, a grama bem aparada e um jardim de

rosas.

Abro o porta-malas para tirar sua mala, odiando o fato de que

agora vamos nos separar e só nos veremos daqui a quatro dias, que

é quando voltamos.

Raquel para à minha frente, segurando sua mala pelo apoio e

sua pequena bolsa de mão, e olha para mim.

— Te vejo em breve — digo, pronto para me afastar dela e

voltar para o carro, para seguir de volta ao centro da cidade à

procura do Hotel que eu vi logo que entramos na cidade.


— Espera, você não quer entrar um pouco? — pergunta. —

Descansar um pouco antes de ir?

Abro a minha boca para negar, não quero ter que estar perto

dela sabendo que não posso me apegar de novo, agora mais que

nunca as coisas entre a gente não dariam certo, estamos com vidas

formadas, mas o portãozinho de grade abre, e vejo um senhor sair

da casa acompanhado por uma mulher também da sua idade.

Davi e Marta Mendes.

Lembro deles também pelas fotos que Raquel me mostrou,

hoje em dia eles envelheceram um pouco mais por conta dos anos,

mas consigo ver os traços do rosto deles no de Raquel.

Eles a abraça, sua mãe chorando, desejando feliz aniversário

para Raquel e seu pai logo fazendo a mesma coisa. Penso em

aproveitar a deixa e ir embora, mas não seria bem visto por ele,

principalmente por serem pais da Raquel, não quero causar uma má

impressão, então espero.


— Então esse é o nosso herói? — Davi pergunta, se

aproximando de mim, fico confuso com a sua pergunta, mesmo

assim aceito sua mão em cumprimento. — Sou o Davi, pai dessa

mulher linda.

— Eros — cumprimento de volta, minha mão suando, e devo

estar com uma expressão assustadora no rosto, pois Davi solta uma

risada, dando tapas nas minhas costas.

— Relaxa, Eros — pede, e vejo Raquel e sua mãe sorrindo.

— Essa é minha esposa, Marta.

Aperto sua mão quando ela a estende para mim.

— Um prazer conhecer a senhora.

Seus pais se mostram bem simpáticos. Eles me agradecem

por ter trazido Raquel, e entendo depois disso o porquê Davi me

chamou de herói, Raquel deve ter deixado de fora a parte que foi

culpa minha ela ter perdido os documentos, e nem imaginam


também que de herói eu não tenho nada, e que estou mais para o

vilão.

— Preciso ir, te busco no sábado — digo a Raquel, pronto

para ir embora.

— Você vai para onde? Achei que ficaria com a gente, é tudo

o que podemos fazer depois de trazido a nossa filha — Davi declara

e olho para Raquel, pedindo socorro.

— Sei que a nossa casa é simples, mas você é bem-vindo a

ficar com a gente — Marta completa a fala do marido.

Raquel dá de ombros, abraçada à mãe, e pela expressão de

determinação no rosto do seu pai, a mesma que vejo no rosto dela,

me diz que ele é teimoso e não vai aceitar que eu vá embora.

— Não quero incomodar — falo, e Marta passa o braço pelo

meu, me puxando para dentro da casa, não me dando tempo de

pegar a minha mala.


— Não é incômodo algum, já até arrumamos o quarto de

hóspedes para você, quando ficamos sabendo que viria junto com a

Raquel.

Fico com vergonha por ser tratado tão bem, quando sou o

causador de ter deixado Raquel magoada anos atrás. Sou bem

recebido pelos dois e fico até sem jeito. Marta me mostra a casa, o

quarto que vou ficar, me convidando para sentar e comer alguma

coisa na cozinha toda animada.

Não vi mais Raquel desde que me sentei na cozinha para

conversar com sua mãe e seu pai que apareceu logo em seguida,

querendo saber mais sobre mim.

Me senti em um interrogatório com Davi, como se ele

estivesse verificando o terreno, pegando informações, buscando

alguma coisa.

— Você não é mesmo namorado da Raquel? — a mãe dela

pergunta, e nego com a cabeça, desejando que Raquel apareça e


me tire da situação embaraçosa que ela me enfiou.

— Somos amigos — minto, não querendo explicar o que

somos hoje em dia. — Nos conhecemos na universidade em Bento

Gonçalves.

— Raquel falou de você para a gente — Davi fala, e sinto

meu corpo entrar em alerta. — De todos os amigos dela na verdade

na época que estudava, mas falava mais de você em especial.

— Mãe — Raquel aparece na cozinha, chamando atenção da

sua mãe, e justamente na hora que fiquei interessado em saber

mais sobre o que Marta dizia, Raquel estragou tudo aparecendo. —

Precisei estar em uma reunião do meu trabalho por vídeo chamada

Ela justifica, olhando para mim, como se soubesse que estava

me questionando sobre.

— Eros, hoje vamos jantar em um restaurante, em

comemoração ao meu aniversário e você está convidado — Raquel


faz o convite, e pela primeira vez desde que conheço ela, a vejo

sem jeito.

— Você ainda não tinha o convidado? — seu pai pergunta

intrigado. — Ele não é seu amigo?

Olho para Raquel, esperando sua resposta elaborada do

porquê de eu ainda não ter sido convidado.

— Eu havia esquecido, minha preocupação com meus

documentos, minha volta para Paris me tirou o foco do jantar de

comemoração — ela me olha depois de se explicar para seu pai. —

Mas não precisa ir se não quiser, vai ter alguns parentes chatos

também.

— Raquel — sua mãe a repreende, e sorrio com o jeito da

Raquel falar, ela nunca vai mudar.

— Eu vou, se não for problema para você.

Ela me encara, e sei o quanto ela está pensando em várias

coisas neste momento, assim como eu, que quero estar perto dela
neste dia. Seus pais não entendem a nossa troca de olhares, e pelo

jeito que sorriem, acham que isso significa outra coisa, e não o

desconforto que é estarmos juntos em um mesmo ambiente.


Raquel

No tempo que andamos até a mesa reservada para minha

família no restaurante, eu sinto a presença de Eros atrás de mim,

acaba que se tornou habitual os arrepios que sinto por isso.

Ao nos aproximar da mesa, vejo meu tio, sua esposa e a

insuportável da Vitoria, melhor que ter que lidar com o irmão dela

junto. Ainda não entendo por que meus pais fizeram questão de que

estivessem presentes.

Meus tios me abraçam, me desejando parabéns, assim como

meus primos, apresento Eros para eles, que o reconhecem pelo


nome forte como dono do Grupo Editorial Giordano.

Nos sentamos à mesa, e eu percebo que o tempo todo Vitoria

tem seus olhos em Eros, que a ignora, conversando com meus pais

e tios, é até engraçado vê-lo tão relaxado na presença dos meus

pais, e como se deram tão bem.

— Vocês se conhecem há muito tempo? — Vitoria pergunta a

Eros, apontando para nós.

Eu bebo um pouco do meu vinho, esperando a resposta de

Eros.

— Sim, nos conhecemos desde a época da universidade —

Eros responde, calmamente, querendo fugir do interrogatório de

Vitoria.

— Vocês já tiveram alguma coisa? — ela volta a perguntar, e

me olha com seu jeito ridículo de sempre querer estar acima de mim

em tudo.
Eu espero Eros dar a resposta a Vitoria, ao ponto de ela virar

sua cara esnobe para o outro lado e calar a boca, mas a resposta

que ele dá a ela, eu não estava preparada:

— Sim, ao ponto de eu pedi-la em casamento e ela dizer não

— declara, e eu começo a tossir, e tapo minha boca, a crise de

tosse não passa e olho para Eros, que me olha preocupado.

Na mesa, todos estão em silêncio, olhando de mim para Eros,

até meus primos estão em choque.

— Ai, Eros, como você é engraçado — digo, ao me recuperar

da crise. — Ele ama fazer piadas, pessoal.

Enfio minha mão por debaixo da mesa e aperto a coxa de

Eros, que se mexe na cadeira, pelo beliscão.

— Sim, uma piada — Eros diz, seu tom sério, e bebe um

pouco do seu vinho.

Aos poucos todo mundo começa a relaxar e dar risadas.

Afasto a minha mão da coxa de Eros, mas ele impede, a colocando


no mesmo lugar que estava antes.

O assunto virou para os negócios, e Eros se sentiu mais à

vontade, até mesmo citando algumas coisas que ele aprendeu com

os anos administrando o Grupo, o tempo todo ele segurando minha

mão na sua coxa.

— A gente quase não se fala, prima, como vai Paris? Tem

feito muita coleção para desfiles? — Vitoria aproveita que estão

todos prestando atenção em outra conversa para ouvir a gente.

— Por que você se interessa tanto? Sua vida é tão tediosa

que você cuida da vida dos outros para ter o que fazer? — pergunto,

e ela revira os olhos.

— Juro que achei que você não iria conseguir nada nessa sua

vida de moda. Sabemos o quanto é uma profissão incerta, e você

teve sorte, foi seu namoradinho que conseguiu tudo isso para você?

— fala, sugerindo que Eros me ajudou com tudo o que tenho hoje, e

não pelo meu esforço e dedicação.


Quando abro a boca para lhe dar uma resposta à altura, sinto

Eros apertar a minha mão, e falar em voz alta com a Vitória.

— Chega! — todos ficam em silêncio com o tom de voz de

Eros. — Se for para ficar jogando esse tipo de comentário venenoso

para Raquel, sugiro que vá embora, é o dia dela e a única coisa que

está fazendo aqui é deixá-la desconfortável.

Vitoria arfa, chocada com a reação de Eros, e empina o nariz

de patricinha, como se Eros tivesse medo disso.

— A única coisa que fez desde que chegou, foi tentar colocar

Raquel para baixo, não vou aceitar isso.

Eros chama atenção até mesmo das pessoas nas mesas

próximas. Vejo Vitoria levantar da mesa, jogando seu guardanapo

nela e saindo do restaurante. Eros ignora os olhares que recebe,

voltando a apreciar seu vinho, como se nada tivesse acontecido.

Vejo meus tios se levantarem das cadeiras, pedindo licença, e

saírem rapidamente do restaurante. A única coisa que consigo fazer


é olhar para Eros, me sentindo feliz por ele ter me defendido, eu

nem imaginava que ele tinha percebido que desde que chegamos,

Vitoria foi uma escrota.

— A noite está cheia de emoções — meu pai comenta, dando

uma risada sem graça.

Sorrio, nem um pouco abalada pelo que acabou de acontecer,

ela mereceu.

— Peço desculpas por ter estragado o jantar — Eros diz,

limpando a boca, e se preparando para levantar da cadeira, mas o

impeço ao segurar a mão que está segurando a minha por debaixo

da mesa.

— Esse jantar já estava fadado ao desastre de qualquer

forma, se você não tivesse falado nada, seria eu, e como sempre,

nós duas estaríamos batendo boca até agora — tento amenizar o

clima.
Eros não consegue nem olhar para os meus pais, meu pai e

minha mãe percebendo isso, começam a tirar o foco do que

aconteceu.

É olhando para Eros que vem aquele mesmo sentimento de

quando transamos no hotel. O incômodo tomando meu corpo, minha

mente, me lembrando do segredo que tenho guardado dele, tendo

somente Charlotte como minha confidente.

Sorrio o tempo todo, recebendo carinho dos meus pais, rindo,

e sendo alvo de histórias vergonhosas contadas para Eros, que se

diverte, mesmo não sendo tão aberto nas suas expressões, mas só

de ver seus olhos brilhando de diversão, a forma como sua covinha

aparece vez ou outra, me dá a certeza.

No final, foi bem mais legal do que eu poderia imaginar.

Comemorar meus trinta anos com meus pais, e mesmo sem

imaginar, com Eros junto. Cantamos parabéns quando um bolo

pequeno é colocado na nossa mesa.


E quando meus pais me fazem soprar as velas, desejo que, a

partir deste momento, tudo na minha vida aconteça da forma que o

destino quer.
Raquel

Sexta-feira, 18 de fevereiro de 2028

Me viro na cama, de um lado para outro, não conseguindo

dormir. Saber que Eros está no quarto ao lado, poucos passos nos

separam, me deixa perturbada, porque a única coisa que eu sei

fazer é lembrar do nosso sexo no hotel.

Olhando para a porta, vejo quando ela é aberta

vagarosamente, e mesmo com a pouca luz do quarto, consigo

identificar Eros, entrando sorrateiramente, trancando a porta e vindo

para minha cama.


Como Eros consegue ser cara de pau ao ponto de vir até meu

quarto, podendo ser pego por uns dos meus pais?

Ele ainda não percebeu que estou acordada, então quando

ele deita ao meu lado, e passa o braço pela minha cintura, me

puxando para perto dele, e congela quando eu retribuo o gesto, ao

me aconchegar nele e levantar meu rosto para encarar seu rosto,

mesmo com a escuridão do quarto.

— O que você está fazendo aqui? — questiono, intrigada.

Meu corpo todo esquentando com a possibilidade de ele ter

vindo para o meu quarto, porque não consegue esquecer o que

aconteceu entre a gente.

— Eu precisava te dar seu presente de aniversário —

sussurra, descendo sua mão pela minha lateral, para subir minha

camisola transparente.

— Eros — murmuro quando vejo ele se abaixar para descer

minha calcinha.
— Lembra de quando fodíamos em lugares inapropriados, e

você precisava ser silenciosa para não sermos pegos? — assinto,

quando ele me pergunta. — Você vai precisar fazer silêncio dessa

vez também se não quiser acordar seus pais.

Eros se enfia entre as minhas pernas, levantando uma de

cada vez, para se encaixar no meio delas. Já me sinto molhada só

de criar a expectativa, de sentir a respiração quente de Eros na

minha boceta, sua demora é tortuosa, mas vale a pena quando sinto

sua língua.

É quando estamos suados, e satisfeitos, os dois caídos na

cama, tentando normalizar a respiração, o sono já batendo, que

Eros se inclina até meu ouvido e sussurra, daquele jeito rouco e

gostoso, que sempre fazia quando estávamos na cama.

— Feliz aniversário, Raquel.

E eu durmo, com a lembrança de tudo de bom que vivemos e

sonho com outra realidade, onde Eros e eu nunca nos separamos, e


que nada havia abalado o nosso relacionamento.

A angústia misturada com a culpa que sinto toda vez que olho

Eros vem me apavorando por estar escondendo um assunto

importante para ele. Mesmo depois de anos, o sentimento de perda

e incapacidade me assombra, me causando pânico às vezes.

Penso se será melhor ele saber, já faz tanto tempo, e não fará

diferença de qualquer forma. Contar a Eros que não foi só ele que

me destruiu naquela época que ele foi embora, ao ponto de eu

sofrer e ir mal em tudo ao meu redor pelo impacto que causou na

minha vida.

Estou inquieta, porque eu sei que a qualquer momento ele vai

entrar pela minha porta, e me beijar, atrás de prazer.


Como posso estar me sujeitando a isso sabendo que depois

de tudo que eu sofri, eu ainda amo ele, e vou embora, e vai ficar

para trás o que estamos vivendo agora?

Eros tem se dado tão bem com meus pais, se abriu de uma

maneira com eles, que achei ser impossível. Nestes dois dias que

se passaram, tive a sensação de que nada tinha mudado, em

momento algum ele foi embora da minha vida, não houve distância,

anos, nada que fizesse diferença.

A porta se abre, e levanto minha cabeça para olhar Eros

entrando, ele sempre espera meus pais irem dormir para se arrastar

até meu quarto. Quando Eros se vira para mim depois de ter

trancado a porta, ele sabe que aconteceu alguma coisa pela minha

cara.

— Você está bem? — questiona, vindo sentar ao meu lado.

Diferente das outras noites, a luz do meu quarto está acesa, e

Eros consegue ver cada detalhe das paredes de uma sonhadora de


moda, que largou tudo para viver o desejo dela de se tornar uma

estilista de sucesso e orgulhar os pais que sempre apoiaram.

Meu corpo começa a tremer, e não consigo segurar o choro,

ainda mais pela forma que Eros me olha, seus olhos aflitos e

preocupados. Quando ele percebe que estou chorando, vulnerável,

ele se aproxima de mim e me puxa para os seus braços.

Enfiada no meio das suas pernas, abraço sua cintura,

escondendo meu rosto em seu peito, deixando o choro vir com tudo.

Eros acaricia meu braço, minhas costas, me consolando, e seu

carinho me quebra ainda mais quando ele deixa beijos nos meus

cabelos, sussurrando palavras de que tudo ficaria bem.

E eu já não tenho mais tanta certeza, mais uma vez estou

expondo meu coração a ele, ao homem que eu jurei odiar pelo resto

da minha vida.

Me acalmo um pouco depois de alguns segundos, e não

tenho coragem de me afastar de Eros para contar tudo a ele,


olhando no fundo dos seus olhos.

— Tem uma coisa que você precisa saber — sussurro,

sentindo seu corpo tencionar, mas agradeço quando ele não me

afasta. — Aconteceu depois que você foi embora. Para ser sincera,

eu não pretendia contar isso a você nunca, não depois desses dias.

Eros fica em silêncio, mas não deixa de me acariciar, de

mostrar que está ali, e isso me deixa fraca, querendo fugir dele para

bem longe.

— Umas semanas depois que você se foi, eu fiquei muito mal,

em um nível que eu não conseguia sair do quarto, a não ser para

trabalhar, já que estávamos de férias.

Eros nada diz, mas não precisa, eu consigo sentir tudo pelas

reações do seu corpo.

— Charlotte estava sempre cuidando de mim, a única que

sabia o quanto eu estava sofrendo com o nosso término. Enfim,

você não precisa saber dessa parte, é passado.


— Mas eu quero, se quiser me contar — escuto sua voz rouca

no meu ouvido.

Nego com a cabeça, Eros não merece saber como eu fiquei

por causa dele, me machuca reviver tudo, uma lembrança da minha

vida que achei que estava curada.

— Eu pedi demissão do meu estágio, e decide que o melhor

seria ficar com meus pais nas férias, talvez outros ares me

ajudassem, mas tudo pareceu ficar pior, porque o tempo todo ficam

me perguntando se algo tinha acontecido, eu não estava sendo a

filha que eles conheciam, e jogaram a culpa no cansaço da

universidade, mas nem imaginavam que o problema era outra coisa.

— Você não contou a eles? — pergunta, em um murmúrio

quase inaudível.

— Não, e foi melhor assim — digo sincera, aprovo minha

escolha de não ter contado aos meus pais sobre Eros, nem mesmo

na época que namorávamos. — Lembro que foi quando estava


voltando para Bento Gonçalves, que comecei a sentir dores fortes

na região do abdômen, de início, achei que pudesse ser pelo fato de

que não estava me alimentando direito.

Escuto sua respiração pesada, mas não chega perto do que

estou sentindo ao ter que lembrar do terror que vivi.

— Cheguei no edifício passando muito mal, sentindo calafrios

no corpo. E a única coisa que eu queria era ficar deitada, desejando

que a dor que eu estava sentindo, passasse logo. Charlotte quando

chegou no nosso quarto e me viu daquele jeito, ficou muito

preocupada e achou melhor que fosse para o hospital — digo, e

meu corpo treme pelas próximas palavras que preciso dizer a ele.

Eros nos embrulha com a coberta, ainda sendo possível, ela

me abraça ainda mais forte, e vejo isso com um ato de que ele

quisesse tirar a dor que estou sentindo agora.

— Concordei em ir ao hospital, ela me ajudou a entrar no

banheiro para tomar banho, e foi debaixo do chuveiro, com a água


escorrendo pelo meu corpo, que eu vi que estava sangrando — falo,

e mordo o lábio, para segurar o choro. — Fiquei tão desesperada na

hora, assustada, e tendo certeza naquele momento que estava

tendo um aborto, eu estava perdendo algo que eu nem sabia que

tinha.

Eu volto a chorar, abraçando Eros, com ele me consolando,

seus músculos tensos, seu peito pesado, tentando respirar.

— Tive a confirmação no hospital. Charlotte foi a única que

soube que eu estava grávida e perdi o bebê. Aquilo me machucou

tanto, mais do que já estava por sua causa, me desestabilizou

durante todo aquele semestre — soluço ao contar, me sentindo

devastada.

Eros nos deita na cama, ficando atrás de mim, me abraçando

de conchinha.

— Precisei fazer terapia para me ajudar a passar pelo

processo mais difícil de toda a minha vida, porque eu sentia o


quanto fui incapaz de segurar aquele bebê, quase entrando em

depressão — declaro.

Foi o período mais sofrido da minha vida, e não sei como

consegui juntar as minhas forças e lutar para seguir em frente.

— Você não tinha como saber, não foi sua culpa — Eros diz,

e sinto mais uma vez ele deixando um beijo na minha cabeça.

Tantas vezes me peguei pensando em como seria se eu

tivesse conseguido segurar a gravidez, Eros teria voltado? Teríamos

ficado juntos? Ou ele seria egoísta ao ponto de não olhar para trás e

seguir com a sua vida? Essa última pergunta não faz o tipo dele,

porque eu vi e sei como ele é com seus sobrinhos, o amor que vi ele

depositar em Ayla quando criança.

É uma resposta que eu nunca vou saber, e não faz mais

sentido, tudo já passou. Eu me acalmo, o choro cessando, e quando

percebo, estou pegando no sono, com Eros ainda ao meu lado, me

abraçando como nunca.


Raquel

Sábado, 19 de fevereiro de 2028

Acordo sem a presença de Eros ao meu lado, e sinto uma

sensação de desespero me atingir, como todas as vezes depois do

nosso término, que eu não conseguia mais dormir sem ele, e na

maioria das noites quando eu acordava sem ter Eros ao meu lado,

eu chorava, até que eu voltava a dormir.

Depois de me arrumar, e passar no banheiro, saio do meu

quarto a procura dele, e não o encontro no seu quarto, ou na sala, e

muito menos na cozinha. Meu coração se acelera, o medo e o


mesmo sentimento de ser deixada me atingindo com força, fazendo

um bolo juntar na minha garganta, me sufocando.

— Raquel? Está tudo bem? — escuto a voz da minha mãe ao

meu lado, e me viro, percebendo que estou parada no meio da sala,

olhando para a porta de saída.

— Estou, mãe. Cadê o Eros? Ele foi embora? — pergunto,

tentando encaixar na minha mente as falas, lembrando que minha

mãe não sabe do meu drama com Eros.

— Embora? Não, querida, ele está na oficina com seu pai,

achei que iriam embora juntos — o alívio toma meu corpo, depois de

ouvir as palavras dela. — Tem certeza de que está tudo bem?

Aquiesço.

— Vem tomar café comigo, e aproveita e me fala o que vocês

dois têm afinal, porque eu vi mais cedo ele saindo do seu quarto. —

Dou risada quando escuto minha mãe, lembrando de como ela é

esperta e pega tudo no ar.


Me sento com ela à mesa, e sou breve ao contar que Eros e

eu tivemos um momento na época da universidade, mas que não

deu certo porque ele foi embora para São Paulo depois que se

formou, deixando de fora o quão envolvidos estávamos, a parte do

pedido de casamento e o quanto ele me magoou.

— E não tem chance de voltar a acontecer? — pergunta, seu

queixo apoiado na mão, me observando a comer, enquanto conto a

história mais curta possível.

— Não, mãe, eu moro em outro país, temos vidas diferentes

agora, não daria certo e Eros não lida muito bem com a distância —

digo, me fazendo lembrar do seu trauma.

— Eu percebi que ele gostava de você quando te defendeu

da Vitoria, somando com o fato de que ele viajou horas só para te

trazer aqui e comemorar seu aniversário com a gente, ele tem um

coração muito bom — minha mãe elogia Eros, e vejo que ele está

dentro do conceito dela.


— Sim, no fundo, aquele turrão tem um coração bom, uma

maneira de amar as pessoas ao redor dele com tanta fidelidade, as

pessoas têm sorte de ter Eros na vida delas — digo, evitando olhar

em seus olhos, sentindo a emoção me pegar de jeito de novo.

— Assim como as pessoas têm sorte de ter você na vida

delas, querida. Se for para ser, vai ser — ele diz, entendendo que eu

tenho sentimentos pelo Eros, o homem que me machucou tanto no

passado, e ela nem imagina isso.

Me aproximo da oficina que fica a três quarteirões da minha

casa, e logo vejo Eros, relaxado, rindo de algum comentário que

meu pai fez, suas mãos sujas de graxas, assim como sua calça, os

cabelos bagunçados, é muito bom ver esse Eros, nada da defensiva

que ele vive.


Ao me ver chegando, seu rosto fica sério, e percebo que ele

observa para ter um indício de que estou bem.

— Oi — digo, e vejo meu pai se aproximando, beijando meu

rosto.

— Estamos dando um check-up no carro de Eros antes de

vocês irem embora — meu pai explica o motivo de estarem na

oficina.

Aquiesço, mostrando que entendi.

— Posso roubar Eros um pouco? Queria mostrar a Barra do

Chuí antes de ir embora — pergunto ao meu pai, e olho para Eros,

que ainda me encara, à procura de alguma coisa.

— Claro, leve ele para conhecer outros pontos turísticos que

ele ainda não viu — meu pai diz, e dá batidinhas nas costas de

Eros, depois de beijar meu rosto mais uma vez.

Eros não parece se importar com suas calças sujas de graxas

e muito menos os cabelos bagunçados, ele passou a mão neles


quando foi ao banheiro lavar as mãos. Como seu carro já estava na

oficina, não precisamos voltar para a casa dos meus pais.

Eros dirigiu por vários minutos, enquanto eu dizia as

informações para ele, em nenhum momento ele falou sobre minha

confissão de ontem, o clima continua estranho, eu sentindo que o

tempo todo estamos pisando em ovos.

Quando chegamos na Praia da Barra do Chuí, o vento estava

bem forte e Eros precisou vestir um casaco para amenizar. Saímos

do carro, e eu vejo a vista que é a minha cidade, ela faz a divisa

entre o Brasil e o Uruguai.

Andamos pelo caminho estreito que nos leva até a praia e os

molhes na foz, que faz a separação do pequeno curso de água que

separa as fronteiras. Com as mãos nos bolsos do casaco, eu olho

para o fluxo da água, me lembrando do quanto costumava vir aqui

depois do término com Eros, quando vim para Chuí.


— Está melhor hoje? — escuto Eros perguntar e olho de lado

para ele e assinto, de certa forma me sentindo mais leve depois de

conversar com ele na noite passada. — Não consegui dormir à noite

pensando no que me contou.

— Eros, não te contei o que aconteceu para você se sentir

mal, eu fiz isso por nós dois, contei por envolver você — explico a

ele, e paro quando ele faz o mesmo.

— Eu sei, mas eu não consegui parar de pensar no que seria

da gente se você não tivesse tido o aborto — Eros fala, olhando

além de mim para qualquer lugar, não nos meus olhos.

— Provavelmente você teria ficado em São Paulo e eu em

Bento Gonçalves, não consigo ver nada de diferente entre o nosso

futuro — digo, minha voz alertando a ele minha mágoa, ele franze a

testa.

— Eu não teria feito isso, Raquel, não teria abandonado você

ou o bebê — grunhe, ofensivo.


— Ah, não? Me diz, o que seria diferente? Porque foi

exatamente o que você fez comigo, depois de eu ter negado o seu

pedido de casamento.

Ele bufa, e passa as mãos nos cabelos.

— Você não tem como ter certeza, porque você foi egoísta e

mimado quando largou tudo e foi embora — jogo as palavras para

ele, e não me arrependo.

Essa conversa estava por um fio de vir à tona, só demorou

mais do que o esperado.

— Egoísta e mimado? — questiona, soltando uma risada

amarga. — Você não fazia ideia do que eu estava sentindo naquele

momento.

— Exatamente, eu não sabia, você preferiu como todas as

vezes, guardar o que sentia e lidar com a melhor forma que

beneficiava você, indo embora, e foda-se eu, me deixou lá, gritando

seu nome, implorando para que me deixasse explicar a minha


decisão, pedindo para que você entendesse e nem isso você foi

capaz, Eros — grito, explodindo tudo o que eu queria falar com ele.

Consigo sentir meu sangue correndo mais rápido pelas

minhas veias, meu coração acelerado, e toda minha raiva saindo

pelos meus poros. Tudo culpa do homem que eu amava e achei que

passaria a minha vida com ele.

— Sabe o que mais me machucou? Foi você ter ido embora e

não ter me dado a porra da chance de me explicar. Foi você que

estragou tudo. Teríamos feito funcionar — declaro, sentindo as

lágrimas se formando em meus olhos, a ponto de extravasar,

preciso engolir o bolo que se forma na minha garganta, tentando

manter minha compostura.

— Você não entende — Eros grita, angustiado, passando as

mãos pelo rosto, tão vulnerável como eu.

Ele chega mais perto de mim, segurando meu rosto, quando

sou eu tentando me afastar, não quero seu toque, ele me machuca


neste momento de fraqueza.

— Pensar em ir embora e deixar você me matava por dentro,

pois eu estaria correndo o risco de ter você se deslocando toda vez

de Bento Gonçalves para ir para São Paulo, pegando um avião,

correndo o risco de sofrer o mesmo acidente que meus pais. Eu não

suportaria te perder, Raquel — Eros expõe seu medo, e fico

congelada com sua confissão, era esse Eros que eu queria que ele

tivesse sido naquela época, o que confessava tudo, e me deixava

entendê-lo.

— Você deveria ter me contado seu medo, suas

inseguranças, e não ter fugido de tudo, me perdeu do mesmo jeito

quando foi embora, e decidiu não lutar pela gente, teríamos feito dar

certo, seu idiota — repito a última frase, pois eu sei que teríamos

feita dar certo, eu teria feito de tudo para manter nosso namoro.

A dor da ferida aberta que é relembrar de tudo, me faz ofegar,

desistindo de segurar o choro. Eros reage negando com a cabeça,


não suportando ouvir minhas palavras, ele me solta, dando um

passo para trás.

— Você me machucou ao ponto de eu não conseguir me

envolver com ninguém por medo de acontecer a mesma coisa, de

sair quebrada e machucada, mesmo eu sabendo que não seria

capaz de sentir por nenhum homem o que senti por você — pauso,

a raiva borbulhando por dentro. — Para você foi mais fácil, seguiu

sua vida de cretino e rico de merda.

— Segui? Eu tentei seguir, fiquei com todas as mulheres que

fui capaz para tirar você da minha mente, caralho — rosna, voltando

a se aproximar de novo. — E mesmo assim, sequer um dia eu fui

bom o suficiente para te apagar da minha mente e quando eu

conseguia, sempre acontecia alguma coisa para me lembrar de

você. Eu continuei te amando a cada dia que passou e nunca te

esqueci.
Ele volta a se afastar, e eu fico em choque com as suas

palavras, a declaração dele dizendo que ainda me ama, depois de

todos esses anos. Me viro para frente, observando a paisagem na

minha frente, suas palavras jogadas na minha mente enquanto eu

tento raciocinar.

Eu seco meu rosto, o vento forte, tocando minha pele, mas

nem ele é capaz de amenizar o calor que estou sentindo agora.

— Agora tudo já passou, temos vidas diferentes, moramos em

países diferentes, e nada do passado vai voltar atrás, é assim que

tinha que ser, Eros — sussurro, e viro o meu rosto para ele, que me

encara.

A expressão do seu rosto voltando a ficar dura novamente, o

homem sério e turrão dando as caras, levantando um muro ao seu

redor de novo.

— Você está certa, é assim que tem que ser.


Ele se afasta, voltando para o carro, e eu me permito ficar um

pouco mais, em companhia das minhas lágrimas e a dor causada

pelo homem que amo acesa e me queimando por dentro.


Raquel

Paris

Domingo, 19 de março de 2028

Faz mais de um mês desde que Eros me deixou na porta da

casa da Charlotte sem ao menos se despedir, me deixando lá para

lidar com todas as nossas confissões e sentimentos.

Me recordo que nossa viagem de volta foi tensa, agíamos

como completos estranhos, não conversamos mais sobre nada que


nos envolvesse. A despedida dos meus pais foi algo difícil, que eu

sempre sofria ao fazer.

Os dois convidaram Eros para voltar mais vezes, dizendo o

quanto ele era bem vindo, e no fundo eu senti o quanto minha mãe

torcia por algo que não existia entre mim e Eros.

Nossa história acabou há muito tempo, não tem mais volta.

Minha volta para São Paulo me permitiu que eu ficasse por

apenas mais dois dias, já que logo meus documentos e passaporte

estavam prontos.

Antes de voltar para Paris, fui a uma reunião da marca que

entrou em contato comigo assim que soube que estava no país. A

proposta que me fizeram foi algo que eu teria esperado a vida toda

se eu já não estivesse na França, lutando pela minha promoção,

construindo meu nome aqui.

Tive que pesar na balança o que valia mais a pena: minha tão

esperada promoção que lutei por anos, sendo capaz de produzir


meus desfiles, com minhas próprias roupas, sendo ainda mais

conhecida internacionalmente ou criar minha linha de roupa, com

meu próprio nome, sendo lançada por essa marca grande e famosa,

mas tendo em mente que poderia não dar certo.

Trocar o certo pelo duvidoso.

Fiz a minha escolha em não aceitar a proposta deles, porém,

mesmo assim, eles me deram um tempo para decidir e procurá-los

se eu mudasse de ideia, coisa que eu não estava disposta a fazer.

— E aí? Não passaram os cinco minutos ainda? — escuto a

voz de Charlotte me despertar.

Estou em vídeo chamada com ela, sentada dentro do

banheiro, enquanto espero o resultado do teste de gravidez que

está em cima da bancada da pia.

— Não estou preparada para olhar — sussurro, meu coração

na boca, quase pulando para fora.


Estou nervosa, com medo do que o resultado vai fazer com a

minha vida, e brava, muito brava comigo mesma por ter cedido aos

encantos de Eros. Meu rosto está inchado de tanto chorar, nem

Charlotte me reconheceu quando atendeu à ligação.

Ela é a única pessoa que pensei em ligar para dividir o meu

medo, e como uma boa amiga que é, me acalmou e está esperando

o resultado comigo, como se estivesse aqui, do meu lado segurando

a minha mão.

— Qual a probabilidade de isso estar acontecendo pela

segunda vez com o mesmo cara? — questiono indignada, jogando a

pergunta para o universo.

Escuto a risada de Charlotte, ao mesmo tempo que batidas

na porta do meu apartamento chamam minha atenção. As batidas

ficam ainda mais altas, e eu preciso levantar para ir até a porta e

gritar com a pessoa que está atrapalhando meu domingo

desesperador.
— Tem alguém batendo na porta, preciso atender antes que

ela derrube a porta — digo, e Charlotte faz uma expressão

engraçada, olhando para algo que chama sua atenção à sua frente.

— Você consegue ficar do lado do celular quando eu te ligar de

novo para vermos o resultado?

— Claro, estarei te esperando — diz, e sorrio agradecendo.

— E Raquel, eu sei que tudo ficará bem.

Sorrio para ela, sentindo meus hormônios sensíveis

ultimamente. Aquiesço, e desligo a chamada. A pessoa do outro

lado está me irritando com sua persistência.

Abro a porta, preparando meu francês misturado com alguns

xingamentos em português para a pessoa do outro lado da porta,

mas fico estática, nada me preparando para ver Eros com a mão em

punho, levantada para esmurrar a porta de novo.


Eros

Entrar em um avião depois da morte dos meus pais foi mais

que um desafio para mim, foi enfim lidar com a minha culpa, e saber

entender que as coisas acontecem como devem, e que

independente de como foi minha última vez com meus pais, eu os

amava e sabia que eles também.

Isso tudo, com a ajuda da terapia, me fez entender os

propósitos da vida.

Não foi fácil me sentar em uma das poltronas, com a

sensação que eu morreria toda vez que o avião balançava, me


causando pânico, preocupando o passageiro ao meu lado, minhas

mãos suando, meu coração acelerado ao ponto de quase sair pela

boca.

Mas eu sei que seria capaz de fazer tudo isso para ir atrás da

Raquel, e poder ver seu rosto em choque, como neste momento em

que me olha, tendo certeza de que ela é o amor da minha vida.

— Eros, o que está fazendo aqui? — pergunta, ainda sem

acreditar. — Você pegou um avião para vir até aqui?

— De que mais eu viria? — questiono, sorrindo, focando em

seus olhos inchados e vermelhos, me dando indício de que estava

chorando. — Posso entrar?

Assente, desnorteada, me dando espaço, demorando para

fechar a porta logo depois. Ela se vira para mim, sua imagem me

mostrando o quanto ela parece frágil e me preocupo com isso.

Seguro o desejo que tenho de a puxar para mim, beijar sua

boca e fazer amor com ela, e nunca mais a soltar. Mas aguardo,
esse ainda não é o momento, sei que vai valer a pena a espera, se

ela me aceitar de volta.

— O que você está fazendo aqui? — pergunta de novo, e

nem sei como explicar para ela que vim porque eu a quero na minha

vida, o lugar que é dela e de onde eu nunca deveria tê-la deixado

sair.

Há alguns dias Artho me confidenciou algo que Charlotte

comentou com ele. Raquel havia recebido uma proposta importante

para a sua carreira, isso implicaria em ela se mudar para São Paulo

se aceitasse, e me dei conta de como tudo estava cooperando para

que Raquel e eu ficássemos juntos.

Desde que eu a deixei na porta da casa do Artho, sem

conseguir me despedir dela, eu não tive mais paz, tendo que lidar

com todo sentimento que sinto por ela, e o amor que nunca se

perdeu, só aumentou com o passar do tempo.


Não posso perder Raquel de novo, não quero viver minha

vida sem ela ao meu lado, porque seria um martírio.

— Peguei um avião para vir até aqui para dizer o quanto eu te

amo e implorar para você me aceitar na sua vida, Raquel — digo,

olhando nos seus olhos, me aproximando. — Porque eu não sei

mais viver a minha sem você ao meu lado.

Vejo a emoção tomar o seu rosto, seus olhos se enchendo de

lágrimas, e toco seu rosto com meus dedos, acariciando sua pele.

— Eu estou aqui para te provar que te amo, e pedir perdão

por ter causado tanto sofrimento a você quando fui embora, me

arrependo muito pela decisão que tomei, você é a única pessoa

capaz de me fazer passar por cima do meu orgulho, só para fazer

suas vontades.

— Você veio mesmo até aqui para me pedir uma chance?

Correndo o risco de escutar um não? — ela pergunta, sua voz

saindo embargada pela emoção.


— Sim, você é a única capaz de fazer isso comigo, por que

outra razão eu estaria aqui? — questiono. — Você é a mulher da

minha vida, Raquel, existe outro motivo?

Eu torço muito para que ela me perdoe, deixe tudo que

passou para trás e me aceite de novo. Passo os dedos pelos seus

lábios, louco para poder a beijar, e quando me inclino para fazer, ela

me empurra, correndo em direção ao corredor com a mão na boca.

Vou atrás dela, preocupado e confuso, escutando logo em

seguida a pancada da porta batendo na parede. Quando chego ao

banheiro, Raquel está ajoelhada no chão do banheiro, em frente ao

vaso, e sua cabeça lá dentro, enquanto vomita.

Seguro seus cabelos, passando a mão pelas suas costas,

tentando aliviar um pouco e começo a ficar aflito quando ela demora

a se recompor. A coloco sentada na tampa do vaso depois que dou

descarga, e pego a toalha para molhar a ponta e passar pela sua

boca.
Raquel se levanta para escovar os dentes, e eu fico o tempo

todo ao seu lado para apoio. Algo ao lado da bancada da pia me

chama atenção.

Pego o bastão de teste de gravidez que está virado para

baixo, e vejo a palavra positivo escrito no lugar que dá o resultado.

Neste momento Raquel já está do meu lado, mordendo os

lábios, inquieta, olhando para mim, os olhos arregalados. Agora

entendo seus olhos inchados de tanto chorar e seu enjoo.

Raquel está grávida, se realmente esse teste estiver certo.

— Qual é o resultado? — pergunta, nervosa, gaguejando.

— Você ainda não sabe? — questiono, ela nega com a

cabeça.

— Eu não tive coragem de olhar, estava em ligação com

Charlotte quando você bateu na porta — explica, e eu consigo ver o

medo nos olhos dela também.


Sorrio, entregando o bastão para ela, e a puxando para os

meus braços, sentindo seu corpo tremer ao começar a chorar ao ver

o resultado.

— Eu estou aqui com você, meu amor, não vou a lugar

nenhum nunca mais — sussurro, beijando seus cabelos, subindo e

descendo minha mão em suas costas.

Eu a pego no colo, Raquel tem a facilidade de passar as

pernas pela minha cintura, e eu sigo para me sentar no sofá da sala.

Um misto de sensação tomou conta de mim.

Vou ser pai e nem sei como reagir a isso e Raquel vai ser

mãe, ela é a única mulher com quem pensei ter uma família um dia.

— Preciso fazer um exame para confirmar — ela diz, chorosa

e dando risada ao mesmo tempo. — Estou com tanto medo, Eros,

mas ao mesmo tempo me sinto pronta para isso.

A afasto de mim, para beijar sua boca, ficando por longos

segundos, tendo a certeza de que tudo é real.


— Eu também me sinto pronta para isso — murmuro.

— Eu nunca iria esperar que você fosse aparecer na minha

porta depois de tudo, ser capaz de enfrentar seus traumas para vir

atrás de mim. — Eu seco as lágrimas de Raquel depois que ela fala.

— Que você, assim como eu, nunca conseguiu esquecer o que

sentíamos.

— Jamais, eu continuo te amando do mesmo jeito, desde a

primeira vez que te vi, nunca seria capaz de superar o que tivemos

— declaro. — Eu sei que o que eu fiz não foi o certo, mas eu te

entendi depois, a sua escolha naquele momento, eu só não estava

preparado.

— Você me mostrou a maior prova de amor ao aparecer aqui,

e eu seria uma idiota se eu não desse uma chance a nós dois — ela

fala. — Eu te amo, Eros.

Ela me beija, desço a mão para a sua barriga, a acariciando

com o polegar, entendendo que mesmo que tenha sido uma


gravidez inesperada, eu já amo o bebê que está se formando, e

assim como os meus pais fizeram, darei todo o meu amor ao bebê e

à mãe dele também.


Eros

São Paulo

Dezembro de 2029

Quando a Angel nasceu, me senti o homem mais poderoso

do mundo, me sentindo capaz de tudo pela minha filha, enfrentaria

tudo pelo serzinho que mudou a minha vida.

Não achei que a chegada de Angel pudesse mudar tanto a

minha vida, e sim, ela fez tudo isso e muito mais.


Assim que Raquel e eu descobrimos sua gravidez, fizemos

tudo com calma. Nas primeiras semanas curtimos Paris juntos,

como casal apaixonado que somos. Levei ela para jantar, tiramos

foto e andamos de barco pelo Rio Sena, vendo o pôr-do-sol.

O desligamento dela do seu trabalho foi bem tranquilo, mas

eu senti o quanto Raquel havia ficado emocionada, ela trabalhou

durante anos na mesma empresa, fez amizades, cresceu muito

como pessoa e profissionalmente.

Raquel aceitou a proposta da marca brasileira que queria

fechar um trabalho bem bacana com ela e no final deu tudo certo,

porque a linha de roupas que Raquel criou com o seu nome, fez

muito sucesso.

A mudança para a minha casa foi algo bem tranquilo, meus

amigos ficaram felizes pelo fato de termos voltado, a notícia da

gravidez gerou muitas piadinhas para cima de mim, inclusive de

Artho.
Os pais de Raquel vieram visitar a gente, Davi e eu tivemos

uma longa conversa entre genro e sogro depois disso.

— Papa — Angel bate sua mãozinha de forma delicada no

meu rosto, chamando minha atenção, minha menininha com seu um

ano de idade.

Seguro sua mãozinha direita, e vejo sua marca de nascença,

em forma bem engraçada que parece uma bananinha pequena. Fui

até um estúdio meses depois e tatuei exatamente a mesma marca

no mesmo lugar que Angel tem a dela na mão direita também para

ter algo dela comigo.

Não é à toa que meus amigos deram o apelido a ela de

Bananinha, de início fiquei bem bravo, mas levei numa boa depois

de um tempo, tínhamos feito a mesma coisa com Ayla quando

pequena.

Pego Angel no colo, a levantando, enquanto faço cócegas em

sua barriguinha, escutando sua risada contagiante e fofa. Me sento


no tapete de brinquedos, a colocando sentada na minha frente para

brincar com ela.

Seus cabelos loiros escuros, o mesmo tom de cor da sua

mãe, estão presos com presilhinhas pequenas cor de rosa, mas

algumas mechas caem na sua bochecha, bem no lugar onde se

forma a covinha que herdou de mim quando sorri.

Eu a vesti com um vestidinho de mulher maravilha depois do

seu banho, e coloquei a fantasia de Superman, totalmente fora da

época de Halloween, mas estava pouco me importando.

Devo ter pegado no sono com Angel no tapete, deitada em

cima de mim, pois acordo com beijos sendo deixados na minha

boca, e abro os olhos vendo a segunda mulher mais linda da minha

vida.

— Oi — ela sussurra e se deita ao meu lado, depois de deixar

uns beijinhos no rosto de Angel, a olhando com olhos brilhantes e

amáveis, amor que só a mãe é capaz de sentir pelo filho.


Beijo sua boca e ela encosta sua cabeça junto da minha.

— Por que estão vestidos com essas roupas? — seu tom de

voz é divertido, enquanto ela passa a mão pelo meu peito.

— Por diversão, não encontrei uma roupa para Angel, e

peguei esse vestido.

Ela levanta a cabeça para me olhar, estreitando os olhos.

— O que mais tem no guarda-roupas da Angel é roupa, Eros,

como... — eu a corto, beijando sua boca para ela calar a boca.

— Eu sei. — Dou de ombros.

— Ela se comportou?

— Como um anjinho que é, nossa filha nunca dá trabalho,

meu amor — murmuro, me ajeitando melhor para colocar Angel no

colchãozinho que tem na sala para o caso de ela pegar no sono.

Raquel está observando todo o cuidado que eu tenho com

nossa filha, seu sorriso lindo no rosto, vestida como uma mulher de
negócios.

— Eu amo ver a forma que cuida dela — declara.

— E eu amo que ela é nossa menininha. — Beijo sua boca ao

me inclinar para ficar por cima dela. — Sabe que dia é hoje?

— Sexta-feira? — pergunta, brincando.

— Sim, espertinha, mas isso me lembra que tenho o show

exclusivo hoje na nossa sala secreta — digo, e ela passa os braços

pelo meu pescoço, para me puxar para ela.

Separei um cômodo especial só para nós dois, onde tem uma

barra de pole dance para Raquel dançar para mim, o que

geralmente acontecia nas sextas-feiras, por ser o dia mais tranquilo

que tínhamos no trabalho.

— Estou ansiosa por isso — declara, me beijando.

Escutamos um choramingo baixinho ao nosso lado, e

olhamos para ver Angel de olhos abertos, olhando para a mamãe,


seu sorriso de poucos dentinhos aparece, Raquel se derrete toda

quando se arrasta para pegar nossa filha no colo.

Fazendo aquela vozinha de criança, dando vários beijinhos no

rosto de Angel.

Relaxo, sentado, encostado no sofá como apoio, passando o

dedo pela pulseira de Macramê que Raquel fez e deu para mim na

noite da minha festa de formatura, desde que voltamos, estou

sempre usando ela, orgulhoso do que nos tornamos.

Me dou conta de que sou o homem mais feliz do mundo por

ter as duas na minha vida, não me arrependo de nada do que fiz, se

esse fosse sempre o meu final.

As luzes estão apagadas, o ambiente sendo iluminado

apenas pelas velas que formam um caminho até nosso quarto


exclusivo. Estou em pé no final do caminho, esperando Raquel

aparecer, pedi que ela só descesse depois do meu aviso.

Não consegui planejar um pedido de casamento romântico e

original, não levo muito jeito para a coisa. Enchi toda a sala com

balões em forma de coração, pétalas de rosas estão espalhadas

pelo chão.

Raquel aparece na entrada do quarto, vestindo um vestido, o

mesmo vestido preto que ela usava quando a levei para jantar em

seu aniversário, na noite em que a pedi em namoro pela primeira

vez, e de saltos altos da mesma cor.

Ela me olha sem entender, e o foco muda para o caminho de

velas que leva até mim, o chão coberto de pétalas, a música de

fundo Still Falling For You de Ellie Goulding toca, e vejo a emoção

nos seus olhos, quando ela tem uns dois passos ainda longe de

mim, me ajoelho à sua frente, abrindo a caixinha com a aliança


dentro, a mesma caixa que abri para ela anos atrás, com a mesma

aliança, mas com a certeza de que agora ela dirá sim para mim.

— Casa comigo? — peço, usando a mesma frase que

perguntei a ela na primeira vez. — Você sabe o quanto eu te amo, e

sei que também me ama, temos uma filha incrível juntos, uma vida

ainda mais perfeita do que sempre imaginei e sinto que só falta esse

passo nas nossas vidas.

— Eros — sussurra meu nome, vejo as lágrimas descendo

pelo seu rosto, sua mão na boca em forma de choque. — É claro

que eu aceito!

Eu enfio a aliança em seu dedo, e me levanto, para juntar

nossas bocas, Raquel me fazendo muito feliz neste momento.

Me sentindo completo como nunca antes.


Eros

Um ano depois

O desfile de moda no São Paulo Fashion Week, com a

coleção de roupas feita por Raquel foi um sucesso, e foi aplaudida

quando entrou na passarela para agradecer a todos.

Eu estava lá, sentado com nossa bebê, a homenageando,

com todos os nossos amigos ao lado.


No evento de comemoração após o desfile, do outro lado,

vejo minha mulher dando algumas entrevistas para alguns

jornalistas. Seu sorriso radiante me mostra o quanto está feliz e

realizada, esse sempre foi o seu sonho.

Ela veste um vestido preto até o joelho, de manga longa, com

um decote em V, acinturado, cheio de lantejoulas em um lado da

parte de cima do vestido.

Raquel olha para mim enquanto fala na entrevista, e sorri, me

mandando um beijo. Sou completamente apaixonado por ela.

Vejo Gabriel se aproximando, com uma taça de champanhe,

sorrindo para Angel que está no meu colo, precisei pegar ela, pois

não aguentava correr atrás dela por todo lado.

— Oi, Bananinha do tio. — Bufo ao ouvir ele chamá-la pelo

apelido. — Nem começa com esse discurso ridículo sobre o apelido

dela.
Gabriel me entrega a taça e pega minha filha no colo, ela

deixa um beijinho no rosto dele, em seguida puxando seu nariz.

Obrigada, querida. Penso, ao sorrir de lado discretamente.

No canto ao lado do lugar das entrevistas, está Charlotte

acompanhada de Giulia, que está grávida, enquanto olham para

Raquel, prestigiando o momento da amiga.

Passo os olhos pelo salão enorme, e vejo Dimitri levantar da

mesa reservada para a gente, deixando Diana sozinha com Ayla. As

duas garotas aproveitam para fofocar assim que o adulto sai de

perto.

Dimitri se aproxima de mim e Gabriel, que faz brincadeiras

com minha filha. Artho aparece, segurando a mão de Nicolas, que

tenta soltar a mão do pai para correr por entre as pessoas. Lion vem

logo atrás, com seu bebê dormindo em seu colo, ao seu lado Natan,

conversando com ele.

Pego Nicolas no colo, tentando dar um descanso para Artho.


— Sabe o que eu percebi? Todos, menos os gêmeos, foram

abatidos. A promessa que fizemos está indo ladeira abaixo — digo.

— Quem disse? Natan e eu seremos os únicos a honrar a

promessa que fizemos — Gabriel diz, passando o braço pelos

ombros de Natan, Angel no seu colo, implicando com Nicolas que

está no meu.

Os dois não se dão muito bem quando estão juntos.

— Não dá para levar vocês a sério, no meu casamento, nem

imaginávamos que Lion estava com um bebê no forno e Dimitri

prestes a providenciar o seu, tudo por debaixo dos panos — Artho

brinca, tirando uma risada de todos nós.

— Sem contar Diana — faço questão de mencionar a

primogênita.

— Lembra como você achava Ayla uma adolescente difícil?

Agora você vai saber exatamente como é ter uma filha nessa fase

— Artho faz questão de jogar na cara dele.


Dimitri revira os olhos, mas acaba sorrindo.

— Somos uns cretinos de merda — Lion diz.

— A pergunta agora é, quem de vocês será o próximo? —

questiono, olhando de Natan para Gabriel. — Se quatro de nós

caíram, vocês não vão escapar.

Fim.
Quero agradecer primeiramente a Deus e minha família por

todo apoio.

A Sil Zafia pelo convite em fazer parte desse projeto incrível,

por lido e sido sincera com a minhas inseguranças, além de ter me

entendido em todos os momentos, e estado comigo até mesmo nos

meus surtos, encontrando sempre um jeito para resolver as coisas.

Você é incrível.

A Sophia, por ter sido calma e me salvado no último momento

com a revisão, eu sempre digo o quanto é maravilhosa, e é verdade.

Obrigada, obrigada!
As parceiras por terem apoiado esse projeto, e compreendido

quando surtei, chorei pelas coisas terem fugido do controle, as

palavras de cada uma me incentivaram a continuar, e principalmente

por recebido cada personagem de braços abertos.

A todos os meus amigos.

E a vocês leitores por ter chegado até aqui.


Uma espiada no próximo lançamento da série

CLUBE DOS CRETINOS – 13/06/22

SIL ZAFIA

PRÓLOGO

Dimitri

São Paulo, Capital

Sexta, 22 de novembro de 2029


— Que porra é essa? — pergunto a Ana, assim que encaro
sua mesa pela manhã, antes de entrar no meu escritório.

Minha assistente dá um sobressalto na cadeira ao ouvir


minha voz.

— Bom dia, Daniel — ela me cumprimenta, me chamando


pelo pseudônimo que adotei desde que saí de Bento Gonçalves,
onze anos atrás. — Uma garota espalhafatosa me abordou na
calçada, quando cheguei mais cedo, e me entregou este
manuscrito.

— Nós só analisamos originais enviados por agentes, além


do mais, quem ainda envia manuscrito impre... — Não concluo a
pergunta, porque minha voz fica presa na garganta ao ver o nome
na primeira folha.

— Eu já ia jogar fora — Ana diz, pegando o manuscrito da


mesa.

— Não! — digo tão alto que ela estremece e solta a pilha de


papéis, assustada.

Sinto meu estômago revirar e um frio mortal tomar conta do


meu coração ao encarar as letras garrafais da autora do manuscrito.

GIULIA RICCI

Não pode ser ela, a voz da razão grita. Deve ter milhares de
outras Giulias Ricci no mundo. Isso é só uma maldita coincidência.
Mas ela queria ser escritora, a voz esganiçada na minha
mente rebate.

Sinto minhas mãos tremerem e as fecho com força até


controlá-las, só então alcanço o manuscrito sobre a mesa. Quando
o ergo, tenho a impressão de sentir o cheiro dela vindo das páginas,
dominando meus sentidos. O título do livro parece gritar na minha
cara que não há coincidência nenhuma aqui.

COMO CONSQUISTAR UM CRETINO

Engulo o nó que preenche minha garganta, a deixando seca,


dou as costas para Ana e me tranco na minha sala.

Tiro o terno e o jogo sobre a plaquinha onde está escrito,


EDITOR CHEFE, logo abaixo do meu pseudônimo, DANIEL
RUSCHEL.

Me sento na cadeira de couro e levo o manuscrito até o nariz.


Não sinto mais o cheiro dela. Foi apenas minha mente entorpecida
pelo choque me pregando uma peça.

Tudo em mim revira quando abro a primeira página, sabendo


que eu fui a inspiração para autora deste original, alguém que parti o
coração há tantos anos, o passado do qual eu me escondo desde
que deixei Bento Gonçalves.
Capítulo 1

Giulia

Quinta, 24 de novembro de 2011

Sabia quem encontraria lá fora antes mesmo de correr até o


portão.

Estava na garagem ampla do meu pai, enquanto meus


amigos atacavam as caixas de pizza que uma funcionária da
fazenda havia deixado ali há poucos minutos, quando ouvi o som
agudo da buzina.

Passei pela porta aberta, arrumando os cachos atrás das


orelhas e contornei a casa, expirando e inspirando o ar pela boca,
com o coração batendo forte no peito.

Quando cheguei até o gramado da frente, não me


decepcionei.

Ícaro, meu melhor amigo desde que eu tinha me mudado


para Bento Gonçalves, estava descendo da garupa da moto do seu
irmão.

Eu não conseguia entender por que Dimitri chamava tanto


minha atenção, não tínhamos nada em comum, mas vê-lo ali fez
meu coração se agitar ainda mais. Dos dois irmãos Romano, Ícaro
era sem dúvidas o melhor, aquele com quem todo mundo pensava
que eu iria namorar um dia.

Dimitri estava parado com os braços cruzados e o mesmo


olhar enigmático de sempre. A moto abaixo dele rugia. Artho Becker
havia encostado a sua moto ao lado da dele, e me olhava com um
sorriso de canto, com as duas mãos no guidom, enquanto Ícaro
vindo até mim para um abraço caloroso.

— Vocês não querem entrar? Tem pizza lá dentro. Podem


ficar para o ensaio se quiserem — perguntei com a cabeça erguida,
sem demonstrar que a presença dos rapazes me intimidava.

Ícaro era da minha idade, estávamos concluindo o oitavo ano


do ensino fundamental, mas os outros dois já estavam terminando o
primeiro colegial. Eu sabia que eles não tinham mais que dezessete
anos, e usavam habilitações falsas, mas perto de Ícaro, pareciam
muito mais velhos.

— Pizza? Vamos ficar. Posso até ser o par de alguém nesse


ensaio. — Foi Artho que tomou a decisão de aceitar meu convite e
descer da moto.

Se Dimitri queria vir, de livre e espontânea vontade, acho que


nunca saberei, mas ele fez como Artho e desligou o motor. Quando
ele se aproximou e me lançou aquele olhar, pensei que não ia
aguentar. Meu coração já acelerado, bateu ainda mais forte.
Odiava e amava aquele mistério na mesma intensidade. Ele
raramente falava, principalmente quando estava na presença de
mais alguém que não fossem seus melhores amigos, nem mesmo
Ícaro parecia ter intimidade com o irmão.

— Tenho certeza de que algumas das minhas amigas vão


adorar dançar com você — comentei, encostando o cotovelo na
lateral do corpo de Artho. — Você também quer dançar, Dimitri?

Me arrependi de dirigir a palavra a ele assim que o fiz.


Desejava sua atenção, mas não com uma pergunta idiota. E quando
ele me lançou um olhar ainda mais indecifrável, tive medo do que
ele poderia estar pensando a meu respeito.

Com o braço de Ícaro em volta dos meus ombros,


caminhando entre eles, eu quase derreti quando vi o canto do lábio
dele se mover em um meio sorriso. No rosto de qualquer outro
garoto, aquela era uma simples expressão, mas não em Dimitri. Ele
não era do tipo que sorria facilmente.

Chegamos à garagem e eu os acompanhei até a mesa onde


estavam as pizzas. Os servi refrigerante em copos de vidro,
enquanto eles pegavam as fatias com as mãos.

Os olhos das minhas colegas estavam nos rapazes mais


velhos e elas cochichavam. Eles eram altos e tinha corpos atléticos,
do tipo que chamava a atenção de garotas da nossa idade.
Encontrei o olhar de mamãe, ao lado da caixa de som,
quando ela pigarreou para ter minha atenção.

— Podemos começar? — ela perguntou com o tom de voz


sério.

Fiz que sim com a cabeça e dei a mão a Ícaro para


ensaiarmos a valsa que dançaríamos no meu aniversário de quinzes
anos, dali a duas semanas.

Os outros casais de adolescentes assumiram seus lugares,


enquanto minha mãe coordenava os passos.

Ícaro me contava os detalhes de uma série de zumbis, ao


dançarmos, e eu fazia comentários monossilábicos, para que ele
não percebesse que minha atenção estava voltada ao seu irmão
mais velho. Não sei como ele reagiria se soubesse do meu interesse
por Dimitri.

O observei comer a fatia da pizza em poucas mordidas,


depois sentar-se na beirada de uma mesa vazia e cruzar os braços
fortes diante do peito. Ele olhava os casais dançando como se
fôssemos um bando de adolescentes tediosos.

Artho terminou de devorar o segundo pedaço e puxou uma


garota da minha turma. Ela ficou lisonjeada pela atenção do rapaz
mais velho, e abriu um sorriso de orelha a orelha ao acompanhá-lo
para dançar.
Dimitri ficou observando os dois, sem muito interesse e,
quando Artho conduziu a menina para dançarem atrás de onde
Ícaro e eu estávamos, o olhar de Dimitri encontrou o meu.

Precisei engolir em seco e lutei contra a vontade de desviar.


O encarei de volta e fiquei fascinada por perceber o tédio dando
lugar ao interesse em seu semblante. Depois de alguns segundos,
olhei para seus lábios cheios, antes de voltar a encará-lo, foi quando
ele esboçou um sorriso para mim.

Sorri de volta, mas a empolgação foi destruída pela chegada


repentina do meu pai, um fazendeiro sério e rabugento, de
cinquenta e dois anos, que achava que podia mandar em todos a
sua volta.

O vi observar meu grupo de amigos, como se os


inspecionasse, até que a presença dos garotos mais velhos chamou
sua atenção. Ele lançou um olhar a minha mãe, frio o suficiente para
que ela fizesse a música parar.

— Giulia — ele pronunciou meu nome com autoridade e


meus ombros se encolheram.

Soltei Ícaro e segui meu pai para fora da garagem passando


pelo corredor que dava acesso a cozinha, onde ele alcançou a cuia
de chimarrão sobre a mesa e encostou a bomba entre os lábios
secos.
— O que o filho de Alice Becker está fazendo aqui? — Sua
voz soou imponente, e eu só não me encolhi porque já estava
acostumada.

— Ele veio com Dimitri trazer Ícaro para o ensaio —


expliquei. — Os convidei para comer pizza. Algum problema?

Meu pai bebeu do seu chimarrão, me fazendo esperar.

— Não gosto deles aqui. Tolero Ícaro, mas não vou tolerar
mais um garoto Romano. Você sabe o tipo de pai que eles têm. E
quanto ao outro, a mãe dele é uma puta, viciada e ladra — meu pai
contou, e dessa vez não resisti em me encolher com suas palavras
duras. — Ela trabalhou algumas semanas aqui, como faxineira, mas
a pegamos roubando. É isso que ela faz, rouba para comprar
drogas. O filho deve estar indo no mesmo caminho. Se encontrar
algum dos dois na minha fazenda outra vez, não vou ser educado.

Pensei em dizer que nem Dimitri nem Artho tinham culpa dos
seus pais, mas não adiantava, meu pai não era aberto a debates.

Me senti culpada por ser tão fascinada por Dimitri, como se


eu estivesse traindo minha família, que tinha uma reputação
impecável.

— Pode ir — ele disse, seco, como se falasse com um


capataz.

Voltei para a garagem com o coração pesado, sabia que os


rapazes precisavam ir embora, antes que meu pai resolvesse
expulsá-los pessoalmente, mas não estava certa de como os pediria
isso.

A música ainda estava pausada, e os meus colegas


conversavam com minha mãe, mas não vi sinal dos rapazes mais
velhos.

Sai para fora e dei a volta na casa. Vi suas motos ainda


paradas e continuei procurando. Os encontrei ao lado do poço
artesiano que abastecia a sede da fazenda.

O cabelo castanho de Artho estava caído sobre a testa,


enquanto ele enrolava uma erva em um papel de seda. Dimitri
brincava com um isqueiro de plástico entre os dedos.

Senti a ansiedade me correr ao me aproximar. Mesmo que eu


não fosse baixinha, eles eram muito maiores que eu. Nunca tinha
conversado com nenhum dos dois sem Ícaro por perto. O que eu ia
dizer, que meu pai não os queria nas nossas terras porque um era
filho de um bêbado e, o outro, de uma drogada?

Deveria ter dado meia volta e deixado meu pai resolver


aquilo, deveria esquecer o quão misterioso Dimitri era e o quanto ele
me atraia. Era a coisa mais prudente a se fazer e, talvez, eu tivesse
mesmo feito, corrido para bem longe, se eu soubesse de todas as
coisas que sei hoje. Mas, naquela época, eu era só uma
adolescente ingênua, prestes a me apaixonar pela pessoa que iria
foder com toda a minha vida.
— O que estão fazendo? — perguntei, sentindo o coração
martelar nos meus ouvidos quando parei ao lado deles.

Os olhos azuis de Dimitri me encararam e eu odiei não


conseguir decifrar o que ele pensava de mim.

— Já fumou? — Artho perguntou, enrolando uma das


extremidades, antes de levar o cigarro à boca.

— Não — respondi e olhei para Dimitri outra vez. Ele parecia


estar entediado outra vez e eu só desejava que ele esboçasse uma
reação melhor à minha presença.

— Quer experimentar? — Artho quis saber, enquanto pegava


o isqueiro das mãos do amigo e acendia o cigarro.

O observei tragar e senti o cheiro forte quando ele soprou a


fumaça, que veio de encontro ao meu rosto.

— Ela não quer — ouvi a voz de Dimitri de perto pela primeira


vez e estremeci com o tom grave e aveludado, sentindo a
adrenalina tomar conta do meu corpo por ter conseguido fazê-lo
reagir, de alguma forma.

— Deixa ela resolver — Artho retrucou. — Quer que eu sopre


a fumaça na sua boca?

Meu coração bateu violentamente, eu tinha vindo pedir para


os dois irem embora, antes que meu pai os expulsasse, e agora ia
participar daquilo?
Era só uma das imprudências que eu cometeria dali em
diante, mas eu adorei a forma como os olhos azuis de Dimitri
fuzilaram o amigo por causa da pergunta. Me fez pensar que ele
também sentia algum tipo de atração por mim.

— Sim, eu quero — respondi a Artho, mas foi para Dimitri que


olhei, me divertindo com seus olhos se enfurecendo e o seu maxilar
ficando tão tenso que poderia quebrar os dentes.

— Afaste os lábios — Artho pediu. Ele tragou mais uma vez,


enquanto a brisa daquele fim de tarde soprava contra meu cabelo, e
se aproximou a poucos centímetros de encostar a boca na minha.

Eu nunca tinha beijado ninguém, mas sabia que aquilo não


tinha outro significado para mim além de provocar Dimitri.

Os lábios de Artho tocaram os meus e eu senti a fumaça


entrando, indo em direção a minha garganta, a fazendo arder. Não
durou mais que um instante, porque Dimitri arrancou o amigo de
cima de mim, empurrando seu peito até Artho tomar uma distância
segura.

Tossi e dei risada ao mesmo tempo por ter conseguido irritar


Dimitri Romano.

— Se fizer isso outra vez — ouvi ele ameaçar Artho —, eu


vou arrebentar sua cara.

O cigarro pendeu da boca de Artho e caiu no chão. Ele


esticou as palmas das mãos em sinal de trégua, mas não parecia
abalado.

— Pensei que ainda estivesse para nascer a garota que ia


fazer você reagir desse jeito — ele brincou.

— É melhor vocês irem embora — respondi, mais corajosa e


relaxada. — Se meu pai os pegar fumando aqui, vai me deixar de
castigo até a faculdade. Não terei minha festa de quinze anos.

— Não vamos causar problemas — Dimitri respondeu,


enquanto seu amigo se agachava para pegar o cigarro caído. —
Estamos indo.

— Vocês vêm para o meu aniversário? — me atrevi a


perguntar, indo contra a razão.

Meu pai tinha deixado claro que não os queria aqui.

— Talvez — foi tudo que Dimitri disse, antes do seu lábio se


curvar em um sorriso, e ele sair arrastando Artho consigo.
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