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06/02/18

TUBERCULOSE

1. INTRODUÇÃO
❖ Histórico: conhecida como a “peste branca”
• Doença antiga e variável, com diversas apresentações clínicas; podendo surgir em qualquer momento
• Está relacionado às condições socioeconômicas das populações
• Houve diminuição no nº de casos, mas ainda é uma doença expressiva
• O seu tratamento é realizado com drogas VO, portanto deve ser, na maioria, ambulatorial. Os
internamentos ocorrem a partir de sinais de agravamento
❖ Epidemiologia:
• Doença de notificação compulsória devido às suas complicações no que se refere à saúde pública
• É uma das 10 principais causas de óbito no mundo
▪ Principalmente em países subdesenvolvidos (da África, sudeste asiático e América do Sul)
• 10,4 milhões de novos casos; Gera 1,4 milhões de óbitos no mundo

OBS: demanda tratamento prolongado, cuja adesão é essencial para evitar disseminação

• A imunossupressão não associada ao HIV também é fator de risco significativo para o


desenvolvimento da TB – Ex: paciente em tratamento pós transplante, paciente em uso de corticoides
ou imunobiológicos, pacientes comórbidos
• Maior incidência no sexo masculino, idosos; prevalência maior na população jovem ativa (até os 60
anos)

2. ETIOPATOGENIA
A. Etiologia
❖ Agente etiológico:
• Microorganismo que representa transição entre bactéria e fungo – mycobacterium tuberculosis
❖ Características:
• Patógeno intracelular
• Aeróbio estrito – tende à instauração nos pulmões
• Crescimento lento (25-32h em macrófago)
• Bacilo álcool-ácido-resistente – bacilo de Koch
• Não produz toxinas
• Imóvel
• Sem esporos
❖ Transmissão:
• Via aérea: doença pulmonar e laríngea
• Bacilíferos  Grande carga de bacilos em escarro; transmissão em aerossol
▪ O bacilo de Koch encontra-se nas vias aéreas, e pode ser expelido pela tosse nas gotículas de
Fugge; as menores partículas secam e permanecem em suspensão no ar, o qual pode ser inspirado
por outro indivíduo
❖ Fatores de risco:
• Individuais: idade, imunidade inata, condições emocionais ou psicológicas
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• Sociais: renda e educação precárias, habitação inadequada, família numerosa, adensamento


populacional
• Doenças concomitantes: sarcoidose, diabetes, silicose, neoplasias malignas, HIV, desnutrição
▪ Pacientes com HIV - 1,2 milhões (13% do total dos casos) são co-infectados com o vírus HIV
• Hábitos e estilo de vida: alcoolismo, tabagismo, uso de drogas ilícitas
• Desfecho: fragilidade dos sistemas sociais, dificuldade no acesso aos serviços de saúde, uso regular
da medicação específica

B. Patogenia
❖ Determinantes de infecção e adoecimento:
• Número de bacilos e virulência
• Hipersensibilidade do sistema imunológico
• Imunidade inata e adquirida
❖ Possibilidades:
A. Resposta efetiva do hospedeiro e destruição de todos os bacilos
B. Bacilos se multiplicam e crescem após a infecção, causando TB
▪ 10% do infectados desenvolvem doença após infecção
C. Bacilos tornam-se latentes – infecção latente
▪ O sistema imune tende a isolar os bacilos por meio de granulomas caseosos
D. Bacilos latentes voltam a se multiplicar – reativação (secundária) ou TB pós-primária
▪ Determinada por duas condições
✓ Redução das defesas imunológicas, o que possibita recrudescimento de alguns focos 
tuberculose secundária por reativação endógena
✓ Reexposição a bacilos oriundos do meio externo  tuberculose secundária por reinfecção

❖ Sequência de eventos:
• Inalação dos núcleos secos por um indivíduo suscetível, escapando da ação depuradora mucociliar
do trato respiratório, os BK alcançam os bronquíolos e alvéolos, onde são fagocitados por macrófagos
locais
• Os macrófagos liberam IL-1 e expõem o BK aos linfócitos T4 e iniciam a formação do granuloma
tuberculoso
▪ A evolução do granuloma é modulada pela imunidade celular e pela hipersensibilidade tardia
a) Predomínio da imunidade celular  micobacterias mantidas quiescentes no interior dos
macrófagos – granuloma pode manter-se inalterado ou liberar substâncias ativadoras de
fibroblasto, provocando fibrose e posterior calcificação
Obs: Por vezes, aumenta muito de volume (tuberculoma) ou pode-se desorganizar, tornar
exsudativo e ser reabsorvido
b) Quando a bacteriostase não corre, os bacilos se multiplicam no interior dos fagócitos e estimulam
hipersensibilidade tardia  necrose do granuloma (caseosa  liquefação) da porção central até
estruturas adjacentes, formando uma caverna tuberculosa. As paredes dessa caverna espessam-
se devido à infiltração fibroblastica

OBS: essas respostas clássicas da hipersensibilidade tardia irão ocorrer em pacientes com
persistência da atividade de linfócitos e fagócitos

• Disseminação: broncogênica, linfática, hematogênica


▪ Disseminação associa-se à ação das proteases, liquefazendo o granuloma
▪ A linfática e hematogênica levam a órgãos como pulmão, linfonodos, fígado, baço, rim, SNC
▪ Locais mais comuns: pulmões, gânglios e pleura, além do SNC
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3. FORMAS CLÍNICAS DA TUBERCULOSE


A. TUBERCULOSE PULMONAR
❖ TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA
• Acomete mais crianças e adultos jovens; na maioria das vezes o quadro
é pouco expressivo
• Febre baixa ou moderada, irritabilidade e inapetência ao longo de 2 sem
ou mais
• Habitualmente faltam sinais e sintomas respiratórios
• Ceratoconjuntivite flictenular e/ou eritema nodoso são raros no início
do quadro, mas aumentam a suspeita diagnóstica
• Raio X  adenomegalia hilar e paratraqueal, formação do Complexo de
Ranke

OBS: Na maioria dos pacientes, a doença limita-se ao quadro acima e regride espontaneamente após
semanas ou meses, sobretudo quando é realizado diagnostico e tratamento

• No entanto, o curso da doença pode ser agravado quando:


▪ Ocorre compressão dos brônquios pelos linfonodos, provocando atelectasias
▪ Ocorre caseificação dos linfonodos, com disseminação de seu conteúdo, causando pneumonia
lobar ou broncopneumonia tuberculosa
▪ Ocorre erosão dos granulomas para a pleura, causando pleuris tuberculoso
▪ Ocorre disseminação hematogênica intensa causando doença disseminada (TB miliar)
▪ Pode ocorrer o comprometimento de outros órgãos, por disseminação hemática ou linfática

❖ TUBERCULOSE PULMONAR SECUNDÁRIA


• Adulto com histórico de febre vespertina, sudorese noturna,
adinamia e anorexia, perda de peso, tosse (seca produtiva clara
 produtiva amarelo esverdeada), dor torácica, hemoptoicos e
hemoptise
▪ Considerar sempre o rastreio para TB com tosse >2 semanas
em pacientes de risco e >3 semanas em pacientes sem fatores
de risco
▪ Quadro geralmente arrastado, há tempo para solicitar exames
diagnósticos (Rx, escarro)
• Ausculta pulmonar variável, dependendo do tipo de padrão estrutural – sibilos, roncos, estertores e
sopro tubário
• Acomete com maior frequência no ápice pulmonar esquerdo
• OBS: as cavitações são alterações estruturais que permanecerão mesmo após término do tratamento.

B. TUBERCULOSE MILIAR
❖ Geralmente resultado da disseminação hematogênica, pode ocorrer na
primo-infecção quando o indivíduo é muito imunocomprometido (RN,
pacientes m tratamento com imunossupressor) ou após recrudescendia de
focos antigos que se abrem em vasos sanguíneos, sobretudo nos adultos
❖ Apresentação mais grave e comprometida: febre alta, dispneico, mal-estar,
ausculta respiratória bem alterada (roncos difusos e crepitação);
taquipneia; aumento de órgãos como baço e fígado; meningoencefalite

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❖ Radiologia: pulmão difusamente acometido com lesão “milium”


❖ Demanda internação com urgência devido à queda do estado geral

C. TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR
❖ TUBERCULOSE PLEURAL
• Via mais comum é por contiguidade, mas pode ser hematogênica
• Início insidioso ou, mais frequentemente, abrupto, confundindo com
pneumonia aguda
• Sinais e sintomas: Dor torácica ventilatório dependente, tosse geralmente
seca, febre moderada a alta

❖ LINFADENITE TUBERCULOSA
• Forma extrapulmonar mais comum
• Acomete principalmente mediastino, mesentéricos, cervical (móveis, confluentes, endurecidos,
doloroso, fistulização)
• Diagnóstico: biópsia e aspirado

❖ TUBERCULOSE DO SNC – meningoencefalite tuberculosa


• Curso subagudo a crônico
• Ocorre principalmente em crianças antes dos 2 anos de idade
• Chegada de bacilos nos espaços subaracnoides e ventrículos vindos de focos ativos contíguos situados
no córtex cerebral e meninges
• Provoca vasculite e edema cerebral intensos
• Fases da apresentação:
I. Prodrômica (2 semanas): febre, mialgia, cefaleia, vômitos, anorexia, irritabilidade, alteração do
humor, alucinações e dor abdominal
II. Comprometimento de pares cranianos (estrabismo, ptose pálpebra, paralisia facial, fotofobia...),
síndrome meníngea e HIC
III. Sonolência, estupor e coma
❖ Outras formas clínicas: peritonite, pericardite, TB cutânea, TB óssea (doença de Pott), TB do TGI, TB
urinária

4. DIAGNÓSTICO
TB PULMONAR TB MILIAR MENINGOENCEFALITE TB PLEURAL
-hemograma: anemia - Hemograma: - TC de crânio •Punção torácica:
normocrômica, leucocitose ou - LCR: límpido- turvo; celularidade
leucocitose moderada leucopenia, com ou sem celularidade (100-500 (linfomononuclear)
10000-15000/mm³ neutrofilia e presença cél); linfomononuclear; - ADA >40u/ml
monocitose ou de formas jovens glicose baixa - BAAR
linfocitose - elevação de fosfatase - Proteína elevada - cultura para BK
- Rx e TC de tórax alcalina (>500MG) - biópsia pleural -
- Baciloscopia (2 - rx e TCde tórax - (ADA)>8 radiografia de tórax
amostras) - baciloscopia do LBA
- cultura - biópsia
- Teste rápido M. transbronquica
tuberculosis - cultura

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❖ EXAMES INESPECÍFICOS
I. Hemograma
• TB pulmonar avançadaa costuma ocorrer anemia normocítica normocrômica e leucocitose moderada
• TB miliar pode cursar com leucocitose e leucopenia, com ou em neutrofilia e presença de formas
jovens
II. Perfil eletrolítico: pode ocorrer hiponatremia na meningoencefalite
III. Enzimas: aumento da fosfatase alcalina quando há envolvimento hepático na TB miliar
IV. Urina: EAS, leucocitúria, sem bacteriúria e hematúria; pH alcalino – TB renal e genital
V. Glicemia: hiperglicemia discreta transitória na fase aguda da doença
VI. LCR: aspecto límpido a turvo, concentração de proteínas aumentada e de glicose diminuída, contagem
de células a mais – meningoencefalite TB
VII. Líquidos pleural, pericárdico, peritoneal e sinovial
VIII. Dosagem da enzima adenosina deaminase (ADA) em líquidos: aciam de 8 no LCR e 40U/mL no
liquido pleural
OBS: pode estar elevada em sarcoidose, linfoma e empiema pleural

❖ EXAMES ESPECÍFICOS, DE IMAGEM E HISTOPATOLÓGICOS:


I. Baciloscopia – Técnica de Ziehl-Neelsen (pesquisa de BAAR)
• Baixa sensibilidade
• Não detecta BK paucibacilares (<5000 bacilos/ml) (20-30% dos adultos com TB pulmonar)
▪ Orientar o paciente a colher o escarro em pelo menos duas oportunidades, prioritariamente no
período da manhã para aumentar a detecção
• Método semiquantitativo  indicado para diagnóstico e acompanhamento
▪ 0 nenhum bacilo foi encontrado em quaisquer dos cem campos examinados
▪ + menos de 1 bacilo/100 campos
▪ ++ 1-10 bacilos/50 campos
▪ +++ >10bacilos/20 campos
II. Cultura:
• Maior sensibilidade e especificidade que o exame direto; possibilidade de avaliar a resistência às
medicações
• Indicação: suspeita de TB pulmonar com baciloscopia persistentemente negativa, suspeita de
resistência ao tuberculostaticos, TB extrapulmonar (LCR, pleural), HIV sintomáticos respiratórios,
recidiva de TB
• Realizada em meio sólido - Lowenstein-Jesen (28-60 dias para cultivo) - ou meio líquido
• Desvantagens: há maior demora para obtenção dos resultados
III. Teste de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT)
• PCR M. tuberculosis
• Alta sensibilidade e especificidade; rapidez nos resultados; detecta genes de resistência à rifampicina
IV. Radiografia de tórax
• Indicado para sintomáticos respiratórios com baciloscopia negativa; pessoas de todas as idades sem
sintomas respiratórios que convivem com pacientes com TB; suspeitos de TB extrapulmonar;
pacientes vivendo com HIV/aids
• Imagens sugestivas: adenomegalia volumosa no hilo direito com ou sem infiltrado consolidado em
lobo médio, consolidação segmentar ou lobar, infiltrado intersticial pulmonar difuso, micronodular
bilateral, atelectasias, infiltrado infraclavicular, lesão cavitária de parede nítida, consolidações
acinodulares, retrações fibróticas; espessamente ou derrame (especialmente no lado direito)
V. TC e RM: para TB extrapulmonar

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VI. Exame histopatológico: útil na TB extrapulmonar; presença de granuloma com necrose de


caseificação, infiltrado histiocitário e presença de BAAR
VII. Prova tuberculínica (PPD)
• Aplicação intradérmica do derivado proteico de cepas M. tuberculosis
• Observação de pápula 48-96h
• Resultados: não reator (<5mm), reator fraco (5-9mm), reator forte (>10mm)
• Indicação para infecção latente BK, imunização por BCG ou outras micobacterias
• Utilizar com critério, sempre atentando ao contexto clínico
▪ Ex; paciente imunodeprimidos geralmente não irão reagir - Linfócitos mínimos para reação
▪ Útil na monitorização de risco do desenvolvimento de TB

5. TRATAMENTO
❖ Generalidades
• Dura cerca de 6 meses e envolve 4 drogas  minimizar as chances de recidiva e resistência
• Quantidade de bacilos viáveis decresce ao longo do tempo
▪ Acompanhamento do paciente com PCR não é viável, pois essa metodologia não segrega o
resultado dos bacilos viáveis e os que já foram atingidos pela medicação
▪ Na baciloscopia, a avaliação semiquantitativa é útil para a progressão do tratamento
❖ Drogas utilizadas (esquema inicial) rifampicina (R), piracinamida (Z), etambutol (E), isoniazida (H)
• 2 primeiros meses – fase intensiva – RHZE
• Após 2 meses – fase manutenção – RH
• 7 meses – fase de manutenção em meningo TB + prednisona (1-2mg/kg/dia) 6-8 sem
▪ Visa evitar a hipertensão craniana
▪ Também utilizada em tuberculose pericárdica
OBS: para crianças o etambutol não é recomendado

❖ Tratamento ambulatorial: indicado para a maioria dos pacientes


❖ Critérios de indicação do tratamento hospitalar
• Meningoencefalite tuberculosa
• Intolerância não controlada em ambulatório ao tratamento
• Intercorrências clínicas/cirúrgicas que necessitem de procedimentos em unidade hospitalar
• Vulnerabilidade social
❖ Reações adversas na TB:
• Leves ou menores – 5-10%: anuseas, vômitos, dores epigástricas; artralgia ou artrite; neuropatia
periférica; prurido cutâneo sem exantema; hiperuricemia; cefalia, euforia, insônia, sonolência;
síndrome do homem vermelho
• Graves ou maiores – 2-8%: exantemas; hipoacusia, vertigem e nistagmo; psicose, convulsão,
encefalopatia e coma; neurite optica; hepatotoxicidade; trombocitopenia, leucopenia, eosinofilia;
nefrite e rabdomiolise; síndrome gripal;

Dificuldade na avaliação da toxicidade  necessário suspender o tratamento e retornar cada droga por vez

❖ Riscos de recidiva incluem: cavitação, doença extensa, imunossupressão, positividade do escarro após 8
semanas de tratamento  terapia deve ser estendida por mais de 9 meses

Referências:
1. TAVARES, W., MARINHO, L.A.C. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças
infecciosas e parasitárias. São Paulo: Editora Atheneu; 4ª ed, 2015
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