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Margarida Vasconcelos 2018/2019

DIREITO FISCAL
I
➢ O fenómeno tributário
O Direito Fiscal insere-se no Direito Público → prestação de tipo unilateral. A relação de imposto tem a sua fonte
na lei, não decorre da vontade das partes nem pode ser modelada pela vontade das partes. A lei não é só fonte da
obrigação como modela todo o conteúdo. Exercício de autoridade; não paridade entre os sujeitos da relação;
prossecução dos interesses públicos. Os impostos são estabelecidos a favor de entes públicos e de entidades privadas
que têm por finalidade a realização de interesses públicos.
Direito financeiro público (direito das receitas dos entes públicos): tem como sub-ramo o direito tributário (direito
das receitas autoritariamente fixadas, isto é, coativas). Os tributos podem ser impostos ou taxas. Os impostos são
prestações unilaterais (têm a característica da unilateralidade); as taxas são prestações bilaterais, surgem-nos
inseridas numa relação de tipo sinalagmático ou comutativa (têm a característica da bilateralidade). Taxas e impostos
são figuras diferentes, mas ambas são receitas coativas, ou seja, são receitas públicas que resultam de uma imposição.
Nos impostos, não se pode exigir nada em troca; a taxa é uma prestação que tem uma causa, a contraprestação.
As constituições preocupam-se com os impostos, mas não com as taxas. Há um regime jurídico-constitucional
dos impostos, devido à sua característica fundamental da unilateralidade.
A bilateralidade das taxas tem um significado duplo: um tributo só é bilateral quando à prestação corresponde
uma contraprestação específica → não é uma coisa qualquer, mas alguma coisa específica que se traduz numa
vantagem individual ou individualizada; + equivalência (proporcionalidade entre prestação e contraprestação). A
relação sinalagmática serve para evitar os excessos por parte dos entes públicos, derivado do Direito público.
Direito fiscal é o direito dos impostos: receitas públicas de natureza coativa e unilateral. Direito público que
manifesta o poder de soberania do Estado de decidir os impostos; os Estados têm se recusado, no âmbito da UE, a
ceder a sua soberania. Numa união económica e monetária, a uniformização ou, pelo menos, a harmonização dos
impostos em cada um dos Estados-membros parece ser um aspeto fundamental → como podemos falar de união
económica se os impostos são diferentes em todos os países?; no direito dos impostos, é difícil fazer comparações
entre países. A harmonização fiscal na UE tem sido um fracasso sucessivo.
Foi a doutrina financeira alemã do séc. XIX que isolou pela primeira vez as categorias das taxas, das contribuições
e dos impostos, procurando ordenar as várias figuras tributárias herdadas do Antigo Regime, às quais eram dadas até
então as designações e enquadramento mais diversos. A emancipação científica do Direito Fiscal, operada já no séc.
XX, não pôs em causa estas categorias fundamentais das Finanças Públicas do séc. XIX; em vez disso, as categorias
das taxas, das contribuições e dos impostos foram assimiladas à nascença pelo Direito Fiscal, podendo dizer-se que
muito da fiscalidade contemporânea se explica ainda com esta tripartição. Contudo, podemo-nos também deparar com
tributos atípicos que escapam a esta tripartição clássica → ao longo dos últimos anos, a multiplicação de figuras como
os tributos ambientais, as taxas de regulação económica ou as licenças transacionáveis têm posto à prova os limites
destas categorias → desafio ao Direito Fiscal.

O ponto de partida para a exploração destas três categorias tributárias fundamentais está na própria noção de
tributo público: os tributos públicos distinguem-se das receitas do património e das receitas do crédito pela sua natureza
derivada, isto é, por serem receitas que não resultam da exploração da riqueza do próprio estado mas da participação
deste na riqueza que é gerada pelos particulares. E distinguem-se dessas receitas pela natureza coativa, ou seja, por
resultarem de uma imposição ditada pelo estado e não por um acordo de vontades entre este e os particulares. Os
tributos públicos representam uma absorção involuntária da riqueza dos particulares.

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A característica da coatividade continua a marcar o direito fiscal, ainda que hoje em dia não o representemos
como mero direito de intromissão, dirigido à agressão do património privado, mas também como um direito de
repartição, orientado à distribuição justa dos encargos da vida em comunidade.
A natureza ablativa (extrativa) dos tributos públicos explica o relevo que neles assumem os princípios:
- da legalidade e a reserva de lei parlamentar: há que assegurar que o sacrifício que os tributos públicos
encerram é consentido pelos representantes dos contribuintes e que a lei lhes garante um módico de
segurança jurídica;
- da igualdade: há que assegurar que o sacrifício que os tributos encerram é distribuído de acordo com um
critério materialmente justo.
A característica da coatividade é também relevante ao modo como distinguimos as três categorias tributárias
fundamentais, sendo que a diferença entre taxas, contribuições e impostos passa em larga medida pela agressão mais
ou menos intensa que produzem sobre o património privado. É a diferente intensidade que há na ablação do património
privado que explica que taxas, contribuições e impostos tenham enquadramento diverso para efeitos da reserva de lei
parlamentar consagrada na CRP, como também explica, de certo modo, que o princípio da igualdade revista sentido
diferente quando reportado a cada uma das três categorias fundamentais.
O imposto constitui a mais importante das três categorias tributárias com que tradicionalmente lida o Direito Fiscal;
é a espécie tributária com maior relevo político e social e aquela que traz maior receita aos estados modernos.

➢ Teoria geral do imposto


Conceito tipológico (estrutural) de imposto (não é um conceito classificatório, mas apenas tipológico – no sentido de
que não esgota necessariamente todo o moderno universo dos tributos públicos):

 não é um conceito descritivo → é construído a partir da análise da observação da realidade e vai


incorporando os dados que resultam dessa análise da realidade; num ou noutro ponto, as características
típicas do imposto ao longo do tempo podem sofrer alterações; não é formulado a priori, vai ser construído
e reconstruído em função das normas legais e daquilo que o TCnal fixar na jurisprudência → a CRP
aponta princípios, diretrizes e imperativos na construção do sistema fiscal;
 é um conceito evolutivo: o conceito de imposto não é igual ao que era há, por ex., 20 anos.

O imposto é uma prestação:


- Pecuniária;
- Definitiva; Elemento
objetivo
- Coativa;
- Unilateral;

Elemento - Estabelecida a favor de entes públicos ou entidades privadas a quem está atribuído por lei o
subjetivo
(referem- exercício de funções públicas;
se aos - Exigida/imposta aos titulares de manifestações de capacidade contributiva;
sujeitos)

- Para a realização de fins públicos de carácter geral; Elemento teleológico


(finalidade → para que
- Sem carácter sancionatório.
serve o imposto)

O ente público ou ente privado com exercício de funções públicas são o sujeito ativo da obrigação; aqueles a
quem é exigido o imposto são os sujeitos passivos, que ficam adstritos ao dever de realizar uma determinada prestação.
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Quanto ao elemento objetivo, o imposto é:


 Uma prestação: dever primário ou dever principal emergente de uma relação obrigacional complexa
(manifesta-se em múltiplos planos); dever de prestar que surge entre sujeitos determinados, com conteúdo
determinado; a par do dever primário de prestação existe uma multiplicidade de deveres acessórios. O
imposto constitui o objeto principal de uma relação jurídica de natureza obrigacional, através da qual uma
pessoa fica adstrita para com outra à realização de um comportamento que a lei reconhece judicialmente
exigível - 1º e 31º Lei Geral Tributária.

 Pecuniária: traduz-se no dever de entregar uma certa quantia em dinheiro ou meio equivalente, não podendo
satisfazer-se através de entrega em espécie nem de qualquer comportamento de facere por parte do sujeito
passivo – 40º LGT. O conceito de prestação patrimonial abrange as prestações pecuniárias e as não
pecuniárias que são suscetíveis de avaliação em dinheiro. Durante muito tempo, dizia-se que o imposto era
uma prestação normalmente pecuniária mas que, em algumas circunstâncias, poderia traduzir-se na entrega
de bens. Hoje, já não dizemos isso → a realidade evoluiu, todos os impostos atuais têm a característica de
o dever de prestar se traduzir na entrega de certa quantia de dinheiro. Em certos casos, quando não tenho
dinheiro, posso requerer à administração tributária entregar um bem. A obrigação de imposto pode extinguir-
se por dação em cumprimento ou compensação, mas a administração tributária tem o poder de decidir as
circunstâncias – a prestação é pecuniária, ainda que em certas situações possa ocorrer de outra forma.
Historicamente, tivemos impostos criados para que o dever primário de prestação fosse realizado mediante
a entrega de bens – ex: imposto sobre os produtos petrolíferos, pago pelas empresas, era pago em produtos
petrolíferos, mas hoje em dia é pecuniário; ou mesmo impostos satisfeitos através de prestações de fazer –
ex: imposto de prestação de trabalho.

 Definitiva: uma vez cumprido o dever de prestar, isto é, uma vez pago o imposto devido, não há lugar a
reembolso. Mas há a situação em que o Estado exigiu mais imposto do que devia, e depois o contribuinte
recebe as quantias a mais → reembolsos do IRS e do IVA; os reembolsos de IVA estão relacionados com a
própria estrutura do imposto. O IRS que entrou em vigor em 1999 trouxe um novo modelo de cobrança do
imposto: um dos objetivos foi que o imposto fosse sempre cobrado à medida que os titulares de rendimento
o auferissem; os impostos do IRS estão associados à existência de retenções na fonte e pagamentos por
conta; o IRS é cobrado no intervalo temporal de um ano, sendo um imposto periódico. A 1 de janeiro, o facto
gerador do imposto começou a produzir-se e vai produzir-se ao longo do ano, encontrando-se
completamente consolidado a 31 de dezembro. Só neste dia se consegue perceber se a pessoa tem
capacidade ou não de pagar impostos, ou seja, o nível da sua capacidade contributiva. O IRS é um imposto
que incide sobre o valor anual dos rendimentos obtidos por cada pessoa. Como o facto gerador só se
consolida a 31 de dezembro, o Estado só poderia vir cobrar imposto no final do ano. Por ex: só em 2019 o
Estado estaria em condições de cobrar os impostos relativos a 2018 → mas tal gera muitos problemas,
porque pagar todo o imposto de uma vez seria um problema para grande parte das pessoas → reação muito
forte por parte dos contribuintes. Por isso, a entidade empregadora retém uma parte do salário todos os
meses para entregar ao Estado. As retenções na fonte e o pagamento por conta são adiantamentos de
imposto ao longo do ano.

Vantagens do mecanismo da retenção da fonte:


- antecipação de receitas;
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- efeito de anestesia fiscal: não há uma reação tão negativa por parte do contribuinte, não há tanta
tendência a evadir-se fiscalmente; tem o efeito associado de não exigir aos contribuintes a gestão do
imposto ao longo do ano. O reembolso acontece por várias razões: desajustamento das tabelas de IRS,
despedimento, despesas de saúde, …
Os impostos distinguem-se dos empréstimos públicos forçados, porque, enquanto o imposto é definitivo, os
empréstimos públicos, apesar de também determinados por lei, têm um carácter temporário. Ex: lei decreta o
congelamento dos depósitos bancários durante 2 meses → Estado financia-se através dos depósitos dos particulares
→ carácter temporário; decorrido o prazo, o indivíduo recupera a plena propriedade dos depósitos.

 Coativa: o imposto é uma prestação que tem como fonte a lei e em que a lei modela todo o conteúdo da
prestação. Não há espaço para a manifestação da vontade dos sujeitos. Não é por força da vontade que
surge o dever de prestar nem este dever de prestar pode ser modelado pelos sujeitos → carácter público da
relação de imposto. A obrigação nasce por força da verificação dos pressupostos da lei. O imposto constitui
uma obrigação que é gerada pela mera concretização de um pressuposto legal e não pelo encontro da
vontade das partes – 36º LGT. A concretização do pressuposto legal traduz-se, por regra, em
comportamento voluntário do contribuinte – pode-se dizer que é pela sua livre opção de fumar que os
contribuintes ficam obrigados ao pagamento do imposto sobre o tabaco, ou é pela sua livre opção de angariar
rendimentos que ficam obrigados a pagar o IRS → mas a maior ou menor liberdade que haja na
concretização do facto tributário deve ser tida para este efeito como irrelevante pois, concretizado o
pressuposto, gera-se inescapavelmente a obrigação tributária, sendo a vontade do contribuinte indiferente
ao seu conteúdo e validade. A relação jurídica de impostos tem características próprias. A característica da
coatividade é comum aos impostos e às taxas.

 Unilateral: característica central, porque é a que distingue entre o imposto e a taxa. A prestação de imposto
não origina o direito a qualquer correspetivo → é uma prestação sem contraprestação. Aquilo que caracteriza
esta relação obrigacional complexa é que temos o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor); os
deveres de prestação surgem apenas num sentido (do sujeito passivo para o sujeito ativo), precisamente
por ser uma prestação unilateral → o pressuposto legal que no imposto dá origem à obrigação tributária é
constituído por um comportamento do sujeito passivo e não por uma qualquer atividade da administração.
Pelo contrário, nas taxas, a cada um dos segmentos corresponderá uma contraprestação específica. É esta
a razão de ser da proteção que a CRP confere aos impostos. Ex: pago impostos para existirem hospitais,
mas quando preciso que um hospital me preste cuidados de saúde, ser-me-á exigido o pagamento de uma
taxa. A unilateralidade dos impostos faz com que a CRP olhe para os impostos numa perspetiva garantista
dos contribuintes. O imposto acaba por ser uma agressão ao direito de propriedade dos contribuintes, mas
é uma agressão legitimada pela lei. A unilateralidade permite distinguir impostos e taxas. Impostos e taxas
são iguais em tudo, exceto nesta característica (isto é verdade, mas não em rigor absoluto).
O que mais frequentemente figura no pressuposto legal dos impostos é a angariação de rendimentos, o consumo
de bens e serviços ou a titularidade do património, ou seja, factos reveladores da riqueza do contribuinte e que se
esgotam na sua esfera, sendo indiferente à formação da obrigação tributária uma qualquer intervenção administrativa.
Em casos menos frequentes, o pressuposto legal dos impostos pode ser composto por factos que não revelam por si
mesmos qualquer força económica, como por ex. a mera existência do contribuinte que se onera com os impostos de
capitação.

Quanto ao elemento subjetivo, o imposto é uma prestação:

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 Estabelecida a favor de entes públicos ou privados a quem está atribuído por lei o exercício de funções
públicas – 18º/1 LGT: o ente público/privado a favor de quem é estabelecido o imposto é o sujeito ativo, em
linguagem obrigacional poderíamos chamar-lhe credor → mas há alguns problemas: dificuldade em precisar
o que é o sujeito ativo. Há diferentes formas de titularidade ativa; há impostos em que o credor (aquele que
tem o direito de exigir) é um e o titular da receita é outro. Formas de titularidade ativa:
(1) Titularidade do poder normativo: titularidade do poder de criar impostos e/ou alterar os seus elementos
essenciais. Para além do Estado-legislador, há parcelas do poder normativo que são atribuídas às
autarquias locais ou às assembleias autónomas (3º LGT) – ex: município fixa em concreto a taxa de
IMI, apesar da reserva relativa de competência legislativa da AR; dentro de barreiras fixadas por lei, a
autarquia decide a taxa de IMI;
(2) Capacidade tributária ativa: capacidade para demandar/exigir judicialmente o cumprimento;
(3) Competência tributária: competência para gerir ou administrar o imposto → esta expressão não quer
dizer fazer o que se quer do imposto, mas quer dizer notificar os contribuintes, …;
(4) Titularidade da receita do imposto: AR pode criar imposto para, por ex., dotar as autarquias locais de
receitas próprias.
A titularidade da receita é de um ente público, mas quem surge perante o contribuinte como credor é a entidade
que tem competência tributária. O IMI é um imposto cuja receita é das autarquias locais; mas as autarquias não têm
máquina fiscal → o lançamento, liquidação e cobrança do imposto são centrais, é a autoridade tributária que gere e
administra o imposto (que tem competência tributária) → a receita pertence à autarquia local, mas o credor é o Estado.
Quando se pergunta quem é o titular ativo do imposto, a resposta depende da forma de titularidade ativa.
Além das entidades públicas de base territorial, acontece hoje em dia os tributos serem devidos a entidades
públicas de base institucional, como os institutos públicos, as entidades reguladoras ou os fundos autónomos, ou
mesmo a entidades de direito privado às quais são cometidas funções públicas, como sucede com algumas sociedades
anónimas de capitais públicos → fenómeno alimentado pela tendência atual de desconcentração de funções, de
privatização da administração e de construção de uma fiscalidade neocorporativa.

 Exigida/imposta aos titulares de manifestações de capacidade contributiva: o sujeito passivo é


necessariamente titular de uma manifestação de capacidade contributiva → de um modo geral, todos
estamos obrigados a pagar impostos → mas só podem ser obrigados a pagar impostos aqueles que revelam
capacidade contributiva. Os sujeitos passivos são aqueles que adotam condutas, são titulares de bens, têm
rendimentos, ou seja, preenchem pressupostos de facto que a lei determina para a capacidade contributiva.
Qualquer pessoa pode em princípio ficar obrigada ao pagamento de impostos e, em certos casos, podem
até ficar obrigadas entidades desprovidas de personalidade jurídica – 18º/3 LGT.
O princípio da igualdade, em matéria de impostos, chama-se princípio da capacidade contributiva. A capacidade
contributiva é pressuposto e critério da tributação → só podem ser chamados a pagar imposto aqueles que tenham
capacidade contributiva. O legislador só pode escolher factos que revelem capacidade contributiva. A capacidade
contributiva é o único critério que permite tratar de forma diferente os contribuintes. Os impostos têm de incidir sobre
bens fiscais, isto é, realidades passivas de tributação.

Quanto ao elemento teleológico, a prestação é exigida:


 Para a realização de fins públicos de carácter geral: têm de ser receitas em que estejam em causa fins
públicos, e não quaisquer fins públicos, mas sim fins públicos que digam respeito a toda a comunidade. Esta
formulação resultou de tomadas de posição do TCnal, uma delas a propósito das quotas pagas para a Ordem
dos Advogados. Do ponto de vista finalístico, os impostos definem-se como prestações devidas a entidades

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públicas com o propósito da angariação de receita, ou seja, em regra, os impostos servem para trazer às
entidades públicas os meios financeiros necessários ao exercício das funções que lhes estão cometidas.
Fins dos impostos podem ser:
- de carácter geral;
- de carácter não geral: especiais, não sujeitos às exigências constitucionais próprias dos impostos.

- impostos fiscais: não têm finalidade específica associada; têm finalidade fiscal = obtenção de receitas,
para permitir realizar fins públicos → finalidade essencial é a obtenção de receitas destinadas à
realização de fins públicos de carácter geral. Ex: IRS – finalidade de gerar receita;
- impostos extrafiscais: têm outras finalidades, por ex., visam orientar a conduta dos indivíduos, funcionam
como instrumentos de política social ou económica. Ex: impostos ambientais. No seu ponto máximo de
eficiência, estes impostos não geram receita. Em relação aos impostos extrafiscais, a doutrina diz-nos
que não são verdadeiros impostos – as suas características escapam ao regime jurídico-constitucional
dos impostos → alguns autores chamam aos impostos fiscais verdadeiros impostos e aos impostos
extrafiscais falsos impostos (porque se desviam da finalidade típica do imposto). Nalguns países, estes
impostos são designados de asfixiantes. A finalidade principal dos impostos extrafiscais é a orientação
das condutas dos membros da comunidade e a organização social ou económica da comunidade. O
imposto extrafiscal é utilizado como um instrumento de política social ou de política económica. Os
impostos extrafiscais desviam-se da finalidade essencial dos impostos (obter receitas que permitam a
realização de fins públicos de carácter geral).
Mediatamente, os impostos extrafiscais podem permitir a obtenção de receitas; mas só o permitem na medida
em que não alcancem verdadeiramente a sua finalidade. Se eu quero evitar determinada conduta, se o imposto for
eficaz e realize a sua finalidade, não terei qualquer receita.
A relevância da distinção está no plano da proteção jurídico-constitucional: os verdadeiros impostos são aqueles
que a CRP quer rodear de princípios garantísticos; os falsos impostos são meros instrumentos de política social ou
política económica e não devem ficar sujeitos às mesmas exigências jurídico-constitucionais. Por isso, os falsos
impostos estão sujeitos a um regime especial.
Quando os impostos extrafiscais são verdadeiramente eficazes, trazem riscos significativos sob o ponto de vista
da manutenção do próprio Estado fiscal (que precisa das receitas dos impostos para poder realizar os fins públicos de
carácter geral). Estes impostos podem conduzir à falência do Estado por falta de meios. Na doutrina anglo-saxónica,
os autores chamam a estes impostos impostos destrutivos, impostos asfixiantes e impostos suicidas → ideia de que
um sistema fiscal não pode ser construído essencialmente por impostos extrafiscais. Ex: imposto sobre os sacos de
plástico nos estabelecimentos comerciais é extrafiscal → a maior parte das pessoas adotou um comportamento
diferente.
A doutrina encaminhou-se no sentido que de a extrafiscalidade só descaracteriza um tributo público quando
revista tal intensidade que o objetivo fiscal da angariação da receita lhe seja absolutamente estranho → será o caso
dos impostos proibitórios ou de estrangulamento, que visam pôr termo à prática de certos consumos ou
comportamentos e para os quais a angariação de receita (tendente ao zero) representa mero efeito lateral. Ex: direitos
niveladores agrícolas, diferenciais de preços sobre os combustíveis e cereais → o TCnal considerou-os absolutamente
alheios à angariação de receita e desprovidos de natureza tributária.
A vocação extrafiscal dos impostos é reconhecida no 103º/1 CRP. Devemos sujeitar os impostos extrafiscais a
um rigoroso controlo de proporcionalidade: os agravamentos ou desagravamentos de impostos ditados por
preocupações extrafiscais devem admitir-se apenas quando se mostrem necessários, adequados e proporcionados à
tutela dos objetivos extrafiscais em jogo; o ganho que estes impostos trazem à prossecução de políticas extrafiscais

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deve mostrar-se sempre superior à lesão que trazem ao princípio da igualdade tributária e, quando suceda não
passarem neste teste de proporcionalidade, devemos considera-los incompatíveis com o princípio da igualdade
tributária ancorado no 13º CRP.

 Sem carácter sancionatório: os impostos são diferentes das multas; as multas têm em comum com os
impostos as restantes características, mas não incidem sobre manifestações da capacidade contributiva.

➢ Momentos da vida do imposto


Dois momentos – como é que os impostos funcionam:
1. Momento normativo: diz respeito à criação do imposto e à definição dos seus elementos essenciais. O imposto,
para que se possa processar o momento administrativo, tem o requisito primário do momento normativo, que
a CRP reveste de cuidados especiais. A criação de impostos é tão relevante constitucionalmente que o 165º/1-
i) reserva esta matéria à reserva relativa de competência legislativa da AR. Este momento normativo traduz-
se sempre em lei da AR ou DL autorizado do Governo. O momento normativo é o momento da criação e
definição em termos gerais, abstratos e hipotéticos dos impostos e dos seus elementos essenciais.

2. Momento administrativo: momento da gestão ou administração (ou segundo alguns autores, aplicação) do
imposto. Quando falamos das várias formas que a titularidade ativa do imposto pode assumir, vimos que uma
delas é a competência tributária → para processar as tarefas de administração do imposto. O momento
administrativo traduz-se:
- no desenvolvimento da atividade de identificação dos contribuintes e dos factos tributários →
lançamento;
- na determinação em concreto do montante de imposto a pagar, ou seja, de quantificação do imposto
→ liquidação;
- na recolha das receitas do imposto → cobrança.

No momento administrativo, estamos já na aplicação em concreto das normas estabelecidas no momento


normativo.
O Código do IRS foi aprovado por um DL autorizado do governo → momento normativo; definição de quais são
as pessoas que ficam sujeitas ao imposto, regras de definição dos sujeitos passivos. Em relação à tributação das
pessoas singulares, o momento normativo está na definição em termos gerais, abstratos e hipotéticos da(s):
> incidência pessoal: sobre quem? – 13º CIRS – pessoas singulares que residam em território português ou
que, não sendo residentes, obtenham rendimento em território português;
> incidência real: sobre que factos? – 1º, 2-11º CIRS – qual o facto gerador complexo ou os subfactos
geradores deste imposto → valor anual dos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos, em cada uma
das categorias a seguir descritas;
> taxas do imposto: regras de quantificação – 68º CIRS (22º-51º como se apura o rendimento a tributar –
matéria coletável ou matéria tributável), o 68º diz-nos como se calcula de um modo geral, abstrato e
hipotético a carga.

No momento administrativo, a Administração Tributária vai identificar, por ex., que A é trabalhador independente
na empresa X, que lhe pagou 20000€ → A é residente (preenche a norma de incidência pessoal do IRS); obtém
rendimento (preenche a incidência real), por isso poderá ser cobrado, porque preenche os pressupostos de facto que
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foram definidos no momento normativo. Liquidar o imposto é quantificar; no que diz respeito a A, liquidar o imposto é
apurar o valor do rendimento a tributar, aplicar a taxa de tributação respetiva para obter o montante de imposto a pagar.
A administração ou gestão dos impostos caberá em princípio à Autoridade Tributária – AT → o Estado central, a atuar
através dos seus órgãos ou agentes em matéria de impostos.
As tarefas de lançamento, liquidação e cobrança não cabem em exclusivo à AT, nem sequer cabem
maioritariamente à AT, pois têm sido objeto de crescente privatização → têm sido objeto de transferência para os
particulares, para os próprios sujeitos passivos ou para outros particulares que tenham conexão com o sujeito ou facto
gerador de imposto. Dizemos que há crescente privatização porque, por ex., a tarefa de lançamento do IRS, IRC, IVA
é feita por autolançamento, por declaração anual no IRS e IRC ou por declaração trimestral (em regra) no caso do IVA
→ são os próprios sujeitos do imposto que são obrigados a apresentar-se e dizer os rendimentos. Esta declaração
anual contém todos os elementos relativamente à identificação do contribuinte, factos tributários praticados pelos
contribuintes que correspondem às normas de incidência do imposto e, para além disso, cumprem obrigações
acessórias de tipo declarativo sobre/relativas a outros sujeitos passivos. Cada um tem de identificar-se e identificar os
factos tributários, mas tem também de cumprir um conjunto de obrigações acessórias relativas a outros sujeitos
passivos com os quais tem conexão. As obrigações acessórias servem para fazer um controlo cruzado entre aquilo
que declaram os próprios sujeitos passivos e aquilo que declaram outros que com ele estão em conexão.
A AT = atividade de fiscalização; o lançamento do IRC, IRS e IVA é feito pelos próprios contribuintes e sujeito a
um controlo cruzado com as declarações prestadas por terceiros que com eles tenham conexão. Ex: entidade
empregadora ↔ trabalhador. Ex2: venda de imóvel – se me esquecer de declarar o imóvel, o notário/advogado/entidade
que teve intervenção no ccv e tem também obrigação declarativa, tem de comunicar à AT todas as ccv de imóveis em
que teve intervenção. A AT fica à espera que os contribuintes se apresentem, se identifiquem, apresentem os seus
factos tributários, cruza as informações e é com base nisto que é feito o lançamento do imposto.
Em relação ao IVA, IRC e IRS, o que fica para a AT é comunicar ao sujeito passivo o imposto que irá pagar. Em
relação ao IMT, também é um imposto de autolançamento – diz respeito à transmissão e constituição de direitos reais
sobre bens imóveis, exige sempre a intervenção do notário ou atividade equiparada a um notário; é o próprio sujeito
passivo que demonstra que já pagou o IMT para poder celebrar a escritura pública. O IMI é uma exceção, porque não
nos apresentamos, é a AT, com base em declarações acessórias, que elabora a lista dos contribuintes – ainda que
com informação que vem de outros, é a própria AT que identifica os contribuintes, que determina o valor tributário,
comunica ao contribuinte o valor que vai servir de base à aplicação do imposto. A maior parte dos impostos funciona
no regime de autolançamento, que depois leva à autoliquidação.
Quando nos referimos à liquidação, referimo-nos à liquidação em sentido estrito: operação de quantificação do
montante de imposto a pagar, que se traduz na aplicação da taxa de imposto à matéria coletável. Matéria coletável x
taxa = imposto a pagar. Em alguns impostos, isto é linear. Noutros impostos, como o IRS, há suboperações – aplicando
a fórmula, temos a coleta; no IRS, há coleta provisória e ainda são feitas deduções à coleta, previstas nos 78º ss; só
depois de fazermos as deduções à coleta provisória é que atingimos a coleta definitiva. Por outro lado, a liquidação em
sentido amplo ou impróprio usa-se para referir quer o lançamento quer a liquidação em sentido estrito.
O lançamento e liquidação do imposto estão fundamentados daquilo que resulta do momento normativo. É a AR
que define, de uma forma exaustiva/completa, as normas às luz das quais os contribuintes são identificados.

➢ Classificações dos impostos


 Impostos diretos e indiretos: problema – qual o critério que podemos adotar para estabelecer a distinção?
Vamos adotar os critérios de Sérgio Vasques.

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1º critério – critério clássico: critério económico, utilizado desde os anos 20 do século XX. Quando quero tributar
rendimento, a manifestação de capacidade contributiva que eu quero atingir é o rendimento → como é que eu posso
tributar os titulares de rendimento? Ou descobrindo quem obtém rendimento e tributando cada um (imposto direto); ou
tributando o consumo (manifestação de capacidade contributiva indireta).
• Impostos diretos: incidem sobre o próprio titular da riqueza que (eles impostos diretos) pretendem atingir.
Quando é o próprio titular da manifestação da capacidade contributiva que é sujeito passivo do imposto. Os
impostos diretos incidem sobre a própria pessoa que se pretende que suporte o encargo económico do
imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera do sujeito passivo. Impostos limpos, transparentes;
tributam manifestações imediatas de capacidade contributiva. Ex: IRS.
• Impostos indiretos: incidem sobre pessoas diferentes ou sujeitos passivos diferentes dos titulares da riqueza
que estes impostos pretendem atingir. O 1º embate do imposto é dirigido a uma pessoa diferente daquela que
o imposto quer atingir e daquela que efetivamente suporta o encargo inerente ao pagamento do imposto. Não
são transparentes, não evidenciam logo quem querem atingir. Incidem sobre pessoa distinta daquela que se
pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando riqueza que se encontra na esfera de
terceiro. Tributam a utilização que os sujeitos passivos fazem do rendimento → consumo. O IVA funciona
assim: A vende um bem a B, e incorpora no preço do bem o imposto IVA; B realiza a manifestação de
capacidade contributiva, mas é sobre A que incidem as obrigações tributárias, ou seja, é A o sujeito passivo
do imposto. A está a entregar o imposto que recebeu de B e de outros compradores, A é um simples cobrador.

2º critério – critério económico → critério da repercutibilidade ou repercussão económica do imposto: primeiro


critério formulado historicamente – área das finanças públicas e economia. Este critério é tendencial.
• Impostos diretos = não passíveis de repercussão económica: a carga tributária fica com o próprio titular.
Nos impostos diretos, esta repercussão acaba por ser também possível, embora menos linear/simples. Ex:
advogado – tem de pagar IRS e, tendo uma determinada carga tributária ao nível do imposto direto sobre o
rendimento → rendimento = 50.000 → o sujeito passivo que é tributado diretamente pelo rendimento obtido
consegue incorporar nos serviços que presta a carga tributária → pode aumentar (artificialmente) o preço dos
serviços que presta para compensar a carga tributária, contudo aumenta também o rendimento e paga mais
imposto. Então, os impostos diretos permitem também essa repercussão. Nos impostos diretos, não é possível
repercutir integralmente. Ex2: empresa reduz os salários que paga aos seus trabalhadores para compensar
um agravamento do IRC. São diretos o IRS, IRC, IMI, IMT e o IUC.
• Impostos indiretos = passíveis de repercussão económica: possibilidade de transferir economicamente a
carga tributária para outros sujeitos. Ex: A e B: o visado é B (consumidor final), A também pode ter sido visado,
porque ele vende bens que adquiriu para revender → atrás de A temos uma cadeia em que cada um suporta
uma parte do imposto temporariamente; A comprou a X, nesta relação A é o consumidor final e quem suporta
o seu imposto é X → pequenas cargas de imposto que vão sendo transferidas sucessivamente. O IVA que
cada um suporta é integralmente repercutível. Por outro lado, nem sempre a repercussão se produz no tocante
aos impostos indiretos, seja porque as condições de mercado e a elasticidade da procura não o permitem,
como ocorre com bens de consumo supérfluo, seja porque razões técnicas ditam que o imposto seja exigido
do adquirente, como acontece nos casos de reverse charge em sede de IVA. A repercussão é indispensável
à concretização do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos. São indiretos o IVA, impostos
especiais de consumo, ISV e o imposto de selo.

Impostos diretos – 6º/1 LGT → são impostos sobre o rendimento e sobre o património – tendencialmente são
gerais, mas podem surgir especiais. Os impostos sobre o rendimento e sobre o património tomam como sujeito passivo

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o próprio titular da riqueza que se pretende ver onerada, podendo dizer-se diretos no sentido em que o legislador não
pressupõe a sua repercussão. O IRS ou o IRC são impostos diretos na medida em que são exigidos diretamente dos
titulares dos rendimentos que se quer onerar, não pressupondo o legislador a repercussão destes impostos sobre
terceiro.
Impostos indiretos – 6º/2 LGT → são impostos sobre o consumo (despesa) – podem ser gerais e especiais. Os
impostos sobre o consumo tomam como sujeito passivo pessoa distinta do titular da riqueza que se quer ver onerada,
só se atingindo este por meio de repercussão. O IVA é um imposto indireto na medida em que, sendo por regra exigido
do vendedor, o legislador pressupõe que através da repercussão sobre os preços ele acabe indiretamente por ser
suportado pelo comprador, cuja riqueza se pretende onerar.
Hoje, há uma recondução quase automática entre as categorias dos impostos diretos e indiretos e as categorias
rendimento, património e consumo.
Os impostos diretos prestam-se facilmente à personalização, olhando à condição pessoal e familiar do contribuinte;
os impostos indiretos não a permitem facilmente, mostrando-se mais ou menos cegos à sua condição. O equilíbrio
relativo entre impostos diretos e indiretos constitui, portanto, um indicador aproximado da preocupação social de um
sistema tributário.

 Impostos pessoais e impostos reais (esta distinção é uma classificação chave para
compreendermos o IRS; a distinção prende-se com a sua estrutura interna e com a respetiva adequação
à força económica do contribuinte, à composição do seu agregado familiar e às despesas essenciais que
este está obrigado a fazer e que diminuem a sua capacidade de pagar o imposto)

• Impostos pessoais: o IRS, em termos de incidência pessoal, quer tributar as pessoas singulares residentes
em território português e as não residentes que obtenham aqui rendimento → duas categorias, nas quais o
IRS funciona de maneira diferente. Para os residentes, o IRS funciona como um imposto pessoal. Há impostos
que querem ter em conta a situação pessoal e familiar do sujeito passivo. Dizem-se impostos pessoais os que
ponderam a condição social do contribuinte, sobressaindo na sua incidência o elemento subjetivo. Nos
impostos pessoais ou impostos subjetivos, a matéria coletável é subjetivada, isto é, é tratada atribuindo-se
relevância à situação pessoal e familiar do sujeito passivo. Os impostos pessoais tributam uma concreta
manifestação de capacidade contributiva, mas essa tributação depende da/é determinada pela situação
pessoal e familiar de cada sujeito passivo. Ex: dois trabalhadores com o mesmo salário – se um não tiver
dependentes e outro tiver três dependentes, não vão ser tratados da mesma maneira → o imposto é pessoal,
a matéria coletável sofre um tratamento que vai chegar a resultado diferenciado em termos de tributação. Nos
impostos pessoais, o objetivo é adequar a tributação à capacidade contributiva efetiva de cada sujeito passivo;
a manifestação de capacidade contributiva é o ponto de partida do qual se vão averiguar todos os outros dados
que serão tidos em conta. O grau de personalização dos impostos é do maior relevo ao cumprimento do
princípio da igualdade tributária e do programa redistributivo da CRP; o princípio da capacidade contributiva
traduz-se essencialmente numa exigência de personalização do imposto e a repartição dos rendimentos e da
riqueza não se pode fazer com justiça sem atender à condição social dos contribuintes. Contudo, há impostos
que não são aptos à personalização, como os impostos sobre o consumo. Os impostos pessoais subjetivam a
matéria coletável, introduzem elementos de subjetivação. Elementos de pessoalização/subjetivação (regras
que permitem pessoalizar o imposto), sobretudo nos impostos sobre o rendimento:
1) Incidência sobre o rendimento global do sujeito passivo: este rendimento global é o rendimento global
de base mundial → os impostos pessoais querem medir a capacidade contributiva efetiva em termos
totais. Um imposto sobre o rendimento, para poder ser um imposto pessoal, garantir a pessoalização,

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tem de ter esta característica como primeiro pressuposto – qual a base de que se parte para o
apuramento do imposto, qual a base sobre a qual vou atender às restantes características → é a
totalidade do rendimento obtido pelo sujeito, independentemente do local. Tecnicamente chamamos
World Wide Income Principle → princípio da tributação do rendimento todo obtido pelo mundo. No
13º/1 CIRS (16º critérios de residência), fazer remissão para o 15º/1 que define o âmbito da sujeição
ao imposto. Residentes e não residentes têm dois tipos de conexão diferente com o Estado português.
O 15º diz-nos que as pessoas sujeitas ao IRS ficam sujeitas de maneira diferenciada consoante sejam
residentes ou não residentes; /1 – âmbito de sujeição que corresponde à totalidade dos rendimentos
independentemente do local de obtenção dos rendimentos → em relação aos residentes, o IRS incide
sobre o rendimento global. Para os não residentes, o IRS é um imposto real – 15º/2, os não residentes
têm um âmbito de sujeição limitado, porque o IRS incide apenas sobre os rendimentos de pessoas não
residentes que foram obtidos em Portugal (base estritamente territorial → por isso não há
pessoalização, âmbito de sujeição é limitado).
2) Exclusão de tributação do mínimo existencial: ocorre porque se considera que, se os rendimentos
obtidos não ultrapassarem o limiar considerado mínimo para satisfazer as necessidades vitais, não há
capacidade contributiva; e como esta é o pressuposto da tributação, não pode haver tributação. Se um
imposto for pessoal, tem de excluir da tributação os rendimentos que não ultrapassem o limiar mínimo
de existência. Uma pessoa tem manifestação de capacidade contributiva, e porque o imposto é pessoal
e o rendimento não ultrapassa o mínimo necessário → a pessoa, apesar de ter rendimento, não vai
pagar imposto. Ex: pessoa com rendimento anual de 2000€ - rendimento que tem de ser salvaguardado
da tributação; se o imposto for real, é cego, havendo manifestação de capacidade há logo tributação.
O IRS só consagra esta exclusão de tributação para os residentes; os não residentes serão tributados
independentemente de outros fatores, mesmo que, por ex., só tenham obtido em Portugal 200€; só
para os residentes é que o imposto quer tributar segundo a capacidade efetiva. O IRS tem
características radicalmente diferentes para os residentes e para os não residentes, em função da sua
finalidade.
3) Ter em conta as despesas pessoais e familiares socialmente relevantes: consideração fiscal da família
→ despesas do próprio e familiares; consideração das despesas socialmente relevantes suportadas
pelo sujeito passivo → têm de ser consideradas porque diminuem a disponibilidade do sujeito passivo
em relação ao rendimento obtido. A este elemento chama-se também princípio do rendimento
disponível: o imposto pessoal, ultrapassado o limiar mínimo, não pode tributar todo o rendimento, pode
tributar apenas o rendimento disponível, de que o sujeito passivo pode dispor → é por isso que o
imposto tem de ter em conta/admitir a dedutibilidade das despesas pessoais e familiares socialmente
relevantes. Estamos a falar de despesas do próprio e do seu agregado familiar socialmente relevantes.
Dois tipos diferentes, níveis diferenciados de relevância social das despesas:
1º nível: correspondem a tarefas fundamentais do Estado - saúde, educação, encargos com
lares de terceira idade, habitação → inequívoca relevância em termos sociais, correspondem a
imperativos constitucionais, algumas correspondem a direitos sociais. O Estado que se assume
como social deveria prestar estes bens mas, como tal não acontece, temos de recorrer a
privados para a prestação destes bens, ou seja, há despesas que diminuem a disponibilidade
do rendimento. Quando eu tenho rendimento, posso escolher, mas a escolha é quase imposta
pela CRP. Quando as pessoas suportam estas despesas, vão diminuir o rendimento disponível.
A dedutibilidade traduz: aos 20.000 deduzo despesas de 15.000. O 1º nível tem de estar
garantido;

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2º nível: correspondem a comportamentos/condutas que o Estado quer incentivar; tipo


conjuntural – a cada momento pode haver objetivos do Estado de orientação das condutas num
sentido ou noutro. O Estado orienta as condutas por via fiscal. Ex: constituição de poupança –
dedução dos valores aplicados na poupança-reforma no IRS. Ex2: despesas com a aquisição
de computadores eram dedutíveis, pois na altura tinham relevância social de 2º nível. Ex3:
despesas com a aquisição de equipamentos de renovação de energia são ainda agora
dedutíveis. No IRS, a dedutibilidade está no 78º - deduções à coleta, a maior parte da lista é
pessoalizante.
4) Progressividade do imposto: se em relação aos outros elementos há consenso no mundo, este
elemento é discutível. No sistema fiscal português, este elemento corresponde a um imperativo
constitucional consagrado no 104º/1 CRP → a CRP não apenas impõe princípios gerais ao legislador,
mais do que isso define a própria arquitetura de base do sistema fiscal, ou seja, como é que o legislador
deve traçar os impostos para que eles estejam articulados com a CRP. 104º/1: define as traves mestras
do direito fiscal português – tributação do rendimento das pessoas singulares → “O imposto sobre o
rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta
as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”. Progressividade quer dizer que as taxas de
tributação aumentam à medida que a matéria coletável aumenta.

Em sede de IRS, a personalização do imposto passa, então, pela dispensa de pagamento do imposto para
contribuintes com rendimentos abaixo do mínimo de subsistência, pela ponderação da composição do agregado
familiar para efeitos de dedução à coleta ou de retenção na fonte, assim como pela dedução das despesas com a
saúde, educação ou habitação. Para além do 104º/1 CRP, o 6º/1 LGT subordina a tributação direta a exigências de
personalização, obrigando a ponderar um conjunto de circunstâncias diminutivas da capacidade contributiva do sujeito
passivo.

• Impostos reais: para os não residentes, o IRS funciona como um imposto real. Os impostos reais, a que
chamamos também impostos objetivos, são impostos em que a matéria coletável é objetivada, isto é, é tratada
considerando-se irrelevante a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos. Os impostos reais são impostos
que tributam uma concreta manifestação de capacidade contributiva, abstraindo da situação pessoal e familiar
do sujeito passivo. Os impostos reais são aqueles que não ponderam a condição social do contribuinte,
destacando-se o elemento objetivo na sua incidência. Chamamos de objetivos porque, perante uma concreta
manifestação de capacidade contributiva, o imposto funciona sem mais, não dando qualquer importância às
características pessoais e familiares dos contribuintes. O objetivo dos impostos reais é tributar de acordo com
a concreta manifestação de capacidade contributiva evidenciada. Ex: se o imposto real for sobre o rendimento,
pergunta qual o rendimento e tributa; se for sobre o património, a pergunta é qual o valor do património.

No IVA, a personalização mostra-se impraticável, quer porque é um imposto por regra exigido do vendedor, só
chegando aos compradores por meio da repercussão, quer porque onera um sem-número de transações e de
contribuintes, rodeados por circunstancialismos muito diversos. As mais elementares razões de ordem prática obstam
a que o IVA se ajuste à condição social do contribuinte e que, por ocasião das transações, se atenda ao agregado
familiar do comprador ou aos seus encargos com saúde ou educação.
104º/4 CRP: impõe que a personalização onere os consumos do luxo → este comando é ignorado pelo Código do
IVA. 6º/2 LGT: exige que a tributação indireta favoreça os bens e consumos de primeira necessidade; não podendo os
impostos sobre o consumo isolar a condição social de cada contribuinte, a personalização que neles haja concretiza-

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se fundamentalmente pela fixação de taxas reduzidas ou de isenções para os consumos que maior peso têm na
economia familiar dos contribuintes mais carenciados. Ex: previsão de taxas reduzidas para os produtos alimentares
básicos, fixação de isenções de imposto para determinados cuidados de saúde elementares.

A meio caminho estão os impostos sobre o património que, pela sua estrutura, permitem algum grau de
personalização. O IMI e o IMT, incidindo sobre o património imobiliário, apenas podem levar em conta a condição social
do contribuinte no que respeita à própria habitação, prevendo, por ex., taxas reduzidas ou isenções para os imóveis de
habitação com baixo valor ou para os contribuintes que adquiram a sua primeira casa. Ex. personalização nos impostos
sobre o património: 11º-A Código do IMI.
A distinção entre impostos pessoais e reais serve, pois, para assinalar a atenção que cada figura tributária dedica
à condição social do contribuinte e espelha a sua correspondência aproximada com o princípio da capacidade
contributiva. Temos de ter a noção de que não existem impostos puramente pessoais ou reais e que é possível
encontrar algum grau de personalização em figuras como o IVA e elementos de tributação real no IRS, sendo ex. as
taxas liberatórias, especiais e autónomas aplicáveis a certos tipos de rendimentos.

 Impostos progressivos, regressivos e proporcionais: impostos em que o montante de imposto a


pagar depende do volume da capacidade contributiva → impostos de quota variável – o montante a pagar
varia sempre em função do montante da capacidade contributiva; estes impostos indicam-nos também a
percentagem sobre o volume da matéria coletável → matéria coletável x % = coleta.

• Impostos proporcionais: são impostos em que a taxa do imposto é constante (fixa ou proporcional), isto é, a
taxa do imposto permanece invariável perante variações da matéria coletável. Seja qual for o valor da matéria
coletável, a taxa que vai incidir sobre essa matéria coletável é sempre a mesma → taxa uniforme, indiferente
ao valor da matéria tributável.
Ex: taxa = 20%; MC = 1000; imposto a pagar 1000x20%=200€
MC=10.000; imposto a pagar 10.000x20%=2000€
O imposto a pagar, com a variação da matéria coletável, varia no mesmo sentido e varia numa razão constante.
Um imposto proporcional sobre o rendimento, munido de taxa uniforme, faz com que os contribuintes paguem imposto
que aumenta na direta proporção dos seus rendimentos, mantendo-se inalterada a fração da riqueza absorvida pelo
imposto. No sistema fiscal português, temos taxas proporcionais no IRC; no IRS, em relação aos residentes, temo-las
quanto às taxas liberatórias previstas no 71º, e quanto às taxas especiais previstas no 72º → mas é exceção (para os
residentes a regra não é a proporcionalidade); para os não residentes a regra é a tributação a taxas proporcionais (71º).
Ou seja, existem no IRS elementos de tributação proporcional, na forma das taxas liberatórias, especiais e autónomas
(71º-73º CIRS), incidentes sobre tipos específicos de rendimentos, com intenção penalizadora ou de favor, em conflito
latente com o 104º/1 CRP.
A tributação proporcional deixa intocadas as posições relativas que os contribuintes ocupam na escala social →
tiram de cada contribuinte os mesmos 10% de rendimento, por ex.

• Impostos progressivos: a própria taxa do imposto varia com a variação da matéria coletável; o imposto não
exprime uma razão constante entre a matéria coletável e o montante de imposto a pagar. Nos impostos
progressivos, a taxa aumenta à medida que aumenta a matéria coletável. Não temos uma taxa única, mas uma
multiplicidade de taxas. Tabela dos escalões de IRS - 68º/1 CIRS → este artigo confirma que o IRS é um
imposto progressivo – à medida que o rendimento vai aumentando, as taxas de tributação aumentam também.
A taxa do imposto varia no mesmo sentido da variação da matéria coletável, no entanto isto implica que o

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próprio imposto a pagar aumenta com o aumento da matéria coletável, mas o imposto a pagar aumenta mais
do que proporcionalmente face ao aumento da matéria coletável; a própria fração d riqueza absorvida pelo
imposto é crescente. O imposto/taxa não aumenta indefinidamente: quando chegamos ao patamar mais
elevado em termos de capacidade contributiva, a taxa a partir daí torna-se fixa/proporcional → um imposto
progressivo é sempre uma combinação entre taxa progressiva e taxa proporcional; não pode aumentar
indefinidamente, pois eventualmente chegar-se-ia aos 100%, a situações de confisco. No imposto progressivo,
para a maioria dos contribuintes a taxa é progressiva, só se tornando proporcional para quem tem mais
capacidade contributiva.
A tributação progressiva altera as posições relativas que os contribuintes ocupam na escala social e contribui para
o seu nivelamento. Ex: exige dos mais pobres 10% do rendimento, da classe média 20% e dos mais ricos 30%.
Taxas normais marginais (A) e taxas médias (B) (68º/1): uma tabela apenas com as taxas A pode ser aplicada de
duas maneiras diferentes, a que chamamos:
- progressividade por classes: o valor da matéria coletável é inserido num intervalo e tributado à taxa
correspondente a esse intervalo. Ex: MC = 25.000€ → 25.000x35%=imposto a pagar → sistema mais
simples, vigorou no país durante muito tempo, mas exige muitas correções e ajustamentos. Por ex., se
MC fosse igual a 25.001, seria na classe 37%;
- progressividade por escalões: o quantitativo da matéria coletável é repartido sucessivamente pelos
diferentes intervalos da tabela e tributado às taxas correspondentes aos diferentes intervalos. Os
25.000€ vão ter de ser “partidos às fatias”, que correspondem a cada um dos intervalos que temos;
partir os 25.000€ em fatias, e aplicar a cada fatia a taxa correspondente ao intervalo. Ex: 25.000 →
> aos primeiros 7091x14,5%
> (10700-7092 → em rigor, não é uma unidade, é um cêntimo, mas é apenas para vermos que
não podemos partir do mesmo valor da parcela anterior)=3608x23%
> (20261-10701)=9560x28,5%
> (25000-20262)=4739x35%
Estamos a tributar os 25000 mas, em vez de os sujeitarmos integralmente a uma só taxa de tributação,
tivemos de os partir em parcelas e tributar cada uma das parcelas à taxa correspondente. O imposto
a pagar resultará da soma dos resultados, ou seja, da aplicação sucessiva das taxas, dos montantes
de rendimento que couberam nos sucessivos intervalos.
Ao lado das taxas normais marginais (A), temos as taxas médias (B), que fazem a média ponderada entre as duas
taxas de tributação. 68º/2 – diz-nos como trabalhamos com as duas colunas: quando somos confrontados com um
imposto e percebemos que a taxa aumenta à medida que a matéria coletável aumenta, podemos dizer que sempre
que a tabela que nos é apresentada tiver duas colunas, isso quer dizer que a progressividade é por escalões, isto é,
que sabemos como aplicar a tabela. As duas colunas servem para trazer alguma simplicidade ao apuramento do
imposto a pagar. O artigo diz-nos que o quantitativo do rendimento coletável, quando superior a 7091 (no nosso
exemplo são 25.000), é dividido em duas partes:
1ª parte = ao limite do maior dos escalões que nele (quantitativo do rendimento coletável) couber → aplica-
se a taxa da coluna B correspondente a esse escalão. Ex: 25.000 x 24,967% → quando estamos no limite dos
escalões, tributamos à taxa média.
2ª parte = ao excedente → aplica-se a taxa da coluna A correspondente ao escalão imediatamente
superior. Ex: excedente = 0.
Ex2: rendimento coletável é igual a 27.500; 1ª parte = 25.000 x 24,967%; 2ª parte = 2500 x 37%.
Ex3: r.c.=40.000; 1ª parte = 36.856 x 28,838%; 2ª parte = (40.000-36.856)=3144x45%.
Ex4: MC=100.000

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1ª parte = 80.640x37,613% → dos escalões todos, é o maior que cabe dentro do valor do quantitativo da
matéria coletável.
2ª parte = ao excedente = (100.000-80.640)=19.360
19.360x48%

Entre a ciência económica, a fundamentação da progressividade tem estado desde o final do séc. XIX na doutrina
marginalista e na noção de que o rendimento possui utilidade que diminui com cada unidade adicional. Isto é, os 10%
que um imposto proporcional tire de todos os contribuintes representam para os contribuintes mais pobres um sacrifício
maior que para os contribuintes mais ricos, obrigando os primeiros a prescindir de bens essenciais, ao passo que os
últimos apenas abdicarão do supérfluo. O imposto progressivo justifica-se, por conseguinte, como a única solução
verdadeiramente capaz de concretizar a igualdade de sacrifício entre os contribuintes, pois só tirando aos mais ricos
20% ou 30% do rendimento conseguimos que estes sofram imposto comparável ao que sofrem os mais pobres, aos
quais se tire 10% do rendimento.
Entre a ciência jurídica, a progressividade começou por ser associada ao princípio da capacidade contributiva, mas
esta ideia tem vindo a ser abandonada → atualmente, a doutrina tende a fundamentar a progressividade no princípio
do estado social e na noção de que a redistribuição de riqueza que postula o moderno estado social de direito deve
passar necessariamente também pelo respetivo sistema fiscal. Um sistema fiscal que deixe os contribuintes tal qual os
encontra não pode ter lugar num estado como o nosso, que entre as suas tarefas fundamentais tem a de “promover a
igualdade real entre os portugueses”. Tomado no seu conjunto, o sistema fiscal deve contribuir para uma repartição
mais justa dos rendimentos e da riqueza – 103º CRP.

• Impostos regressivos: a própria taxa do imposto varia com a variação da matéria coletável; o imposto não
exprime uma razão constante entre a matéria coletável e o montante de imposto a pagar. Nos impostos
regressivos, a taxa diminui à medida que aumenta a matéria coletável. Os impostos regressivos eram
característicos da Idade Média. O ponto de partida é uma taxa de tributação proporcional, que atinge a maior
parte dos contribuintes, e depois a taxa vai diminuindo à medida que a matéria coletável vai aumentando. Os
impostos regressivos são impostos com uma taxa que varia em função da matéria coletável. Esta taxa varia
em sentido inverso ao da variação da matéria coletável → à medida que a matéria coletável aumenta, a própria
taxa do imposto diminui. Quanto maior o volume da matéria coletável, menor a carga tributável que vai incidir
sobre essa matéria coletável.
Ex: imposto sobre rendimento
Até 20.000 – 20%
De mais de 20.000 até 30.000 – 17,5%
De mais de 30.000 até 40.000 – 15%
De mais de 40.000 até 60.000 – 10%
Superior a 60.000 – 5%
O objetivo é atingir a maior parte dos contribuintes através de um imposto proporcional; depois, o imposto torna-se
regressivo. A taxa acaba por estabilizar. Estes impostos têm sido utilizados com um objetivo fundamental: impedir a
fuga de capitais e a fuga de investimento dos países em causa. Há incentivo à obtenção de mais rendimentos e para
a titularidade de mais património → objetivo de fixação da riqueza no país. O património mobiliário é muito fácil de
desmobilizar, por isso este sistema é utilizado em épocas de crise para fixar riqueza e património no país. Pensamento
estrutural de que aqueles que geram mais riqueza devem ser cada vez menos tributados: o facto de gerarem mais
riqueza já gera riqueza de outro modo – o dever de contribuir para a economia nacional, para criação de postos de
trabalho, … Um modelo destes em Portugal com a CRP, que ainda tem marcas socializantes, não faz muito sentido –

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

pode fazer sentido em situações pontuais, de crise. Para contrariar a tendência de retirar os capitais do país e o
colocarem noutros países → propósito de estabilização de capitais e do sistema bancário.

A incidência económica de um imposto não se pode aferir olhando simplesmente para as suas taxas nominais,
devendo também olhar-se às suas taxas efetivas → a progressividade que há na fixação de uma taxa marginal de IRS
de 45% é mitigada pela existência de deduções e benefícios variados, em virtude dos quais os contribuintes podem
aproveitar uma taxa efetivamente mais baixa. A análise da incidência económica de um imposto obriga-nos também a
olhar além da sua estrutura legal, para os efeitos sobre o tecido social. Deste modo, um imposto proporcional como o
IVA, com taxa normal de 23%, pode ter um efeito regressivo, por tenderem os contribuintes de menores posses a afetar
ao consumo parcela maior do seu rendimento, do mesmo modo que um imposto proporcional sobre os automóveis
pode ter efeito progressivo, na medida em que os contribuintes mais pobres tendem a utilizar os transportes públicos.
Também acontece que um imposto progressivo tenha dentro de si marcas de regressividade: IRS – se
admitíssemos que as deduções por despesas de saúde, educação e outros encargos socialmente relevantes
pudessem ser subtraídas ao quantitativo da matéria coletável antes da aplicação das taxas, seria possível quase
esvaziar a matéria coletável. Admitindo a dedutibilidade direta dessas despesas, é certo que diminui a disponibilidade
direta do rendimento, mas a própria realização das despesas é manifestação de capacidade contributiva. Só depois de
deduzir todas as despesas é que poderia aplicar as taxas progressivas → admitir a dedutibilidade diretamente ao
rendimento e antes da aplicação das taxas seria um elemento de regressividade. Atualmente, por ex., os 100.000 de
rendimento já estão sujeitos à aplicação das taxas progressivas. Uma coisa são impostos absolutamente regressivos
(que, em princípio, não são compatíveis com o nosso sistema) e outra coisa são os elementos de regressividade que
podem distorcer um sistema que é progressivo.

 Impostos específicos e ad valorem (em função da escolha da base tributária):

• Impostos específicos ou ad rem: incidem sobre grandezas físicas → incidem sobre uma quantidade, uma
área, um volume, peso, tipologia de um imóvel, cilindrada ou nível de emissões poluentes de um automóvel. A
base escolhida para o imposto não é um valor que terá de ser determinado em função de critérios que a própria
lei fixa, mas por ex. por kg, m2, m3, por tipologia nos imóveis.

• Impostos ad valorem: incidem sobre um valor. Ex: valor do rendimento, valor do património, valor de uma
transação, valor do consumo. Os impostos verdadeiros e próprios devem adotar como base tributária uma base
ad valorem, ou seja, devem incidir sobre um valor. Conseguimos incluir aqui praticamente todos os impostos
que temos → IMI (embora a tipologia seja relevante, ela é mitigada por outros coeficientes), IRS, IRC, IVA.

A base específica ou ad rem é típica das contribuições especiais, das contribuições financeiras e das próprias
taxas. A adequação das taxas e das contribuições ao princípio da equivalência exige que estas possuam base tributável
específica, pois só empregando grandezas físicas conseguimos adequá-las ao custo ou valor das prestações públicas
que elas visam compensar. Ex: as taxas municipais possuem por regra base específica; o ISV e o IUC assentam nas
características dos veículos; o ISP assenta na natureza e qualidades dos produtos energéticos.
Quando os impostos escolhem como base tributável uma base específica, podemos ter um problema → porque é
que é recomendável a adoção de uma base ad valorem: porque esta é a expressão mais adequada da capacidade
contributiva. Forma mais adequada de medir a capacidade contributiva num imposto sobre o rendimento → quanto?
Se for imposto sobre o património → qual o valor? – se a base fosse específica, ser-se-ia tributado pelo nº de casas,
mas é-se tributado pelo valor. A distinção entre impostos específicos e ad valorem tem grande relevância, já que a
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

escolha da base tributável constitui um dos momentos essenciais na concretização do princípio da igualdade tributária.
A adequação dos impostos verdadeiros e próprios ao princípio da capacidade contributiva exige que estes possuam
base tributável ad valorem, pois só o valor do rendimento auferido pelo contribuinte, o valor do património que ele
possui ou o valor do consumo por ele realizado podem exprimir a sua capacidade para suportar o imposto.
Problema: imposto que incide sobre os imóveis de determinado valor → o legislador quis tributar as manifestações
de riqueza mais exuberantes → adicional ao IMI: os imóveis que tenham um valor patrimonial tributário superior a
1.000.000, para além do IMI, pagam um outro imposto. Mas este imposto só considera um imóvel → se uma pessoa
tiver dois imóveis de 600.000 cada um, não será sujeita a este imposto adicional. O sistema é ad valorem mas usa na
base um referencial ad rem (por imóvel), tudo fica distorcido → erro.
Os impostos devem adotar uma base ad valorem porque ela exprime mais adequadamente a capacidade
contributiva e permite ajustar a tributação: expressão da igualdade → justiça.

A alternativa entre bases tributáveis específicas ou ad valorem apresenta vantagens e desvantagens relativas que
são importantes do ponto de vista da política fiscal.
Os impostos ad valorem apresentam duas características/vantagens:
a) Elasticidade: conceito económico que exprime os efeitos que a procura e a oferta (mas sobretudo a procura)
têm sobre o preço; e o efeito que o preço fixado tem sobre a procura → se houver muita procura sobre um
bem, o preço desse bem tende a subir; se houver muita oferta, o preço tende a descer. Mas quando o preço é
muito elevado, a procura tende a retrair-se também. O emprego de bases ad valorem apresenta a vantagem
de garantir elasticidade à receita fiscal, na medida em que o aumento da procura é acompanhado por aumento
diretamente proporcional do encaixe tributário → por outro lado, quando se emprega uma base tributável específica,
a receita tributária não reflete diretamente um eventual aumento da procura;
b) Atualização permanente (automática): quando se faz incidir um imposto sobre um valor, o legislador fica
dispensado na prática de andar sistematicamente a atualizar a base tributável em função da inflação → porque
a base tributável atualiza-se permanentemente/automaticamente por si própria. A base tributável é ajustada
automaticamente em função da inflação. No IRC, isto é verdade - o lucro é atualizado permanente e
automaticamente em função da inflação. No IRS, isto já não é exatamente verdade – mas mesmo assim a
doutrina aponta como vantagem. O emprego de bases ad valorem apresenta então a vantagem de dispensar
o legislador de qualquer atualização das taxas do imposto em função da inflação, já que o imposto incide sobre
os preços praticados em mercado → o mesmo não sucede com uma base específica, que exige uma atualização
periódica sem a qual o imposto perde o seu peso real.

Desvantagem dos impostos ad valorem:


> Impostos mais complexos: exigem uma sofisticação maior por parte da máquina da AT e um esforço maior de
compreensão e resposta sobre as obrigações acessórias que impendem sobre os contribuintes. Esta
complexidade está na fórmula de apuramento da matéria coletável e do próprio imposto a pagar. Por razões
de segurança e certeza jurídica, a simplicidade deve estar presente nos sistemas fiscais; por isso, esta
complexidade é uma desvantagem relevante → complexidade opõe-se à simplicidade desejável associada à
segurança e certeza jurídica. Em figuras como o IVA ou o IMI, a delimitação legal do valor tributável e o
procedimento da sua determinação pelos contribuintes e administração constituem um exercício rodeado pelo
perigo do abuso e da fraude fiscal, perigos a que o emprego de bases específicas permite largamente obviar.
Mesmo assim, os impostos devem adotar uma base ad valorem, temos de prescindir da simplicidade e segurança
jurídica em favor de maior igualdade e justiça.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Devemos relativizar a ideia de que o emprego de bases ad valorem garante maior progressividade aos impostos
sobre o consumo. É verdade que um imposto específico tende a representar uma parcela tanto maior dos rendimentos
do contribuinte quanto menores estes forem. No entanto, tudo depende dos concretos bens que se onerem com esses
impostos, podendo não se produzir qualquer efeito regressivo caso os impostos com base específica incidam sobre
bens que sejam adquiridos predominantemente por contribuintes mais ricos.
Existem tributos que possuem uma base tributável simultaneamente composta por elementos ad valorem e
elementos específicos, pelo que as duas categorias não se excluem reciprocamente. Ex: imposto sobre o tabaco → no
tocante aos cigarros, possui base mista, composta por um elemento ad valorem (incidente sobre o preço) e por um
elemento específico (incidente sobre o milheiro de cigarros) – 103º Código dos IEC.

 Impostos periódicos e de obrigação única (o critério para estabelecer esta distinção é o critério da
relevância (do decurso) do tempo na modelação da obrigação de imposto):

• Impostos periódicos: são impostos que tendem a repetir-se no tempo e tendem a incidir sobre situações ou
factos duradouros; têm um facto gerador de formação sucessiva e normalmente complexo. O tempo assume
relevância na própria relação de imposto, pois o facto gerador é referido a um intervalo temporal escolhido pela
lei. Os impostos periódicos são aqueles cujo facto gerador se prolonga no tempo, gerando sobre o contribuinte
a obrigação de pagar o imposto com regularidade. De algum modo, é a lei que ficciona os períodos de
tributação, porque eles não correspondem àquilo que acontece na realidade. A regra é de que este intervalo
temporal é igual a um ano civil. No entanto, por ex. no IRC, as entidades a ele sujeitas podem requerer ser
tributadas numa base plurianual (como 2 ou 5 anos), mediante o preenchimento de pressupostos. Os impostos
periódicos, assumindo uma base anual, têm também uma marca de plurianualidade – a segmentação do tempo
em intervalos de um ano é uma ficção.
Facto gerador de “formação sucessiva”: como o imposto fixa um facto gerador que é referido a um intervalo
temporal → entre o dia 1 janeiro e 31 dezembro, o facto gerador vai desenvolver-se, vai sendo gerado, ocorrendo ao
longo de todo o período de tributação. Só se encontra completamente consolidado no último dia do ano – acontece no
IRS, IRC, IMI → são impostos periódicos: têm facto gerador de formação sucessiva, esse facto é referido ao intervalo
temporal de um ano (o facto tributável é o rendimento gerado por uma pessoa ao longo de um ano - IRS) → traz
complexidade, pode haver diferenças entre os rendimentos obtidos em janeiro e em outubro. No IMI, o facto gerador
não é assim tão complexo, o valor pode sofrer alterações, mas não há a mesma complexidade que temos no IRS.

• Impostos de obrigação única: são impostos que não se repetem no tempo (que tendem a não se repetir no
tempo) e incidem sobre situações ou factos esporádicos; têm um facto gerador instantâneo, que surge isolado
no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com carácter avulso. O tempo não tem
relevância na obrigação de imposto, porque o facto gerador se verifica um determinado momento; o facto
gerador esgota-se num momento certo e determinado. Estes impostos têm um facto gerador instantâneo:
verifica-se e esgota-se num momento certo e determinado; tempo irrelevante para a modelação do facto
gerador. Os impostos de obrigação única incidem sobre operações avulsas que, por regra, se produzem e
esgotam de modo instantâneo, sendo sempre incerta a sua repetição. Ex. impostos de obrigação única: IMT
(incide sobre a aquisição onerosa de imóveis) – pressupõe um ato translativo; IVA – pago de cada vez que
consumimos alguma coisa, as entidades que arrecadam o IVA fazem-no chegar ao Estado, e essa obrigação
de acerto de contas com o Estado é que é trimestral → mas o IVA não deixa de ser um imposto de obrigação
única; impostos especiais de consumo.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Esta distinção é importante – alcance prático da distinção → surge essencialmente em dois planos:
1. Distinção é relevante para a contagem de prazos de caducidade e de prescrição → saber quando se inicia a
contagem de um prazo:
✓ A LGT, de um modo geral, fixa um prazo de quatro anos de caducidade do direito da AT à liquidação:
a LGT diz-nos que o sujeito ativo tem um prazo de 4 anos dentro do qual pode liquidar o imposto; para
descobrir que houve factos tributários não declarados ou declarados de modo insuficiente, o sujeito
ativo tem 4 anos para exercer o seu direito de liquidar o imposto. Através da fixação de prazos de
caducidade, a lei estabelece um limite temporal para que a administração pratique a liquidação dos
impostos, reforçando-se a segurança jurídica dos contribuintes;
✓ Uma vez liquidado o imposto, o sujeito ativo tem um prazo máximo de 8 anos de prescrição das
obrigações tributárias para cobrar o imposto. Ex: contribuinte deve 500, por alguma razão a AT cobra
coercivamente o imposto, mas só passados 8 anos → a obrigação está prescrita, se o contribuinte
cumprir, cumpre uma obrigação natural – pode invocar a prescrição como facto extintivo da obrigação
de imposto; através da fixação de prazos de prescrição, a lei determina a extinção da própria obrigação
tributária decorrido que seja um certo período de tempo.
Estes prazos contam-se de modo diferente conforme o imposto seja periódico ou de obrigação única →
caducidade 45º/1; prescrição 48º/1 → nos impostos periódicos e nos impostos de obrigação única, o prazo começa a
contar em momentos diferentes:
> Nos impostos periódicos, a regra é que o prazo de caducidade e prescrição começa a contar-se a partir do
último dia do ano a que o imposto diz respeito → ou seja, contam-se a partir de 31 de dezembro. Se um imposto
é periódico, o facto tributário produz-se de modo sucessivo, isto é, pelo decurso de um período em regra anual,
pelo que só chegado o fim do ano e completado o facto tributário se começam a contar os prazos de caducidade
e prescrição. Ex: se não fizer a declaração de IRS relativa a 2018, 5 anos depois a AT diz que o imposto não
está pago e vem comunicar que tenho de pagar X → tenho de dizer que o imposto já caducou.
> Nos impostos de obrigação única, o prazo começa a contar a partir da própria verificação do facto gerador
(porque é instantâneo): se ocorrer dia 3 de março, o prazo conta-se a partir de 3 de março. Se um imposto é
de obrigação única, o facto tributário produz-se de modo instantâneo, sendo a partir desse momento isolado
que se contam os prazos de caducidade e prescrição. Há exceções (cruzam as duas definições; determinadas
por razões de praticabilidade):
- Impostos sobre o rendimento em que há retenção na fonte a título definitivo: 45º/1 e 4 e 48º/1 – o prazo
começa a contar no 1º dia do ano seguinte ao da ocorrência do facto gerador; 71º CIRS - taxas liberatórias
sobre elementos avulsos do rendimento (rendimentos de capitais ou rendimentos auferidos por não
residentes). Aqui temos um imposto de obrigação única dentro de um imposto de obrigação periódica –
IRS; dentro do IRS temos uma espécie de enclaves que são autênticos impostos com autonomia e regras
diferentes → fica na mão dos contribuintes prescindir desses regimes e sujeitar todos os rendimentos ao
regime geral do IRS; não o fazendo, esses rendimentos vão sofrer retenção na fonte de forma liberatória
(a obrigação fica extinta). Os rendimentos sujeitos a estas taxas nem sequer têm de ser declarados. No
momento em que ocorre a manifestação de capacidade contributiva, o imposto incide logo – ex: retenção
na fonte nos juros do banco. Então, a regra que se aplica é a mesma que vale para os impostos periódicos:
conta-se o prazo de caducidade a partir do 1º dia do ano seguinte ao da ocorrência do facto gerador;
- IVA: 45º/1 parte final e 45º/4 e 48º/1 – o prazo começa a contar-se no 1º dia do ano seguinte ao da
exigibilidade do imposto → imposto de obrigação única, mas tem estrutura de cobrança periódica.
Considera-se que, até ao fim de cada período de tributação, os particulares que atuam como cobradores
do imposto a favor do Estado podem regularizar a sua situação de IVA → este regime é a favor do Estado,
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

pois prolonga o prazo de caducidade e de prescrição máximo. Ex: facto gerador ocorre a 1 de janeiro de
2018 - o prazo só se começa a contar a partir do dia 1 de janeiro de 2019. Apesar de o IVA se qualificar
como um imposto de obrigação única, a sua declaração e pagamento possuem natureza periódica, sendo
mais simples para os operadores económicos e para a AT que os prazos de caducidade e prescrição se
reportem ao termo de cada ano.

2. Proibição de retroatividade decorrente do 103º/3 CRP → nível constitucional + Proibição de retroatividade na


aplicação das normas tributárias no nível legal que decorre do 12º LGT (aplicação da lei fiscal no tempo).
A aplicação com efeitos imediatos de lei que crie ou agrave um imposto possui um relevo diverso consoante este
revista natureza periódica ou de obrigação única. Se o imposto é de obrigação única e sofre alterações de regime a
meio do ano, não temos problemas de retroatividade na sua criação nem aplicação → se o facto gerador é instantâneo,
a lei nova aplica-se aos factos geradores depois do seu início de vigência. Nos impostos periódicos, porque o facto
gerador é de formação sucessiva, as alterações de regime do imposto ao longo do ano colocam problemas de aplicação
no tempo e podem gerar retroatividade. Ex: um agravamento do IRS ou do IRC produzido a meio do ano só pode
aplicar-se à parcela dos rendimentos que ainda não tenha sido gerada.

3. (efeito financeiro de tesouraria): evidência – qualquer alteração num imposto de obrigação única, como
aumento das taxas de tributação, permite ao sujeito ativo obter receita no mesmo ano → todos os factos que
ocorram depois do início de vigência da nova lei entram logo nos cofres do imposto; ou seja, os agravamentos
e desagravamentos dos impostos de obrigação única têm um impacto por regra imediato na economia e no
orçamento. Ex: um agravamento das taxas do IVA a meio do ano produz um efeito imediato sobre os preços e
sobre a receita fiscal, podendo servir ao reforço rápido dos cofres do Estado; uma redução das taxas do IVA a
meio do ano alivia imediatamente os contribuintes numa conjuntura de crise económica.
Nos impostos periódicos, os efeitos de tesouraria não são imediatos: se a alteração for feita em 2018, a receita só
chega aos cofres do Estado em 2019 → as medidas nas taxas de impostos periódicos têm riscos, dilações na obtenção
de receitas normalmente em períodos no mínimo de 6 meses; os agravamentos e desagravamentos de impostos
periódicos por regra só produzem os seus efeitos uma vez esgotado o facto tributário e chegado o momento da
respetiva liquidação e cobrança. Ex: um agravamento das taxas de IRS feito a meio do ano projeta-se apenas sobre
os rendimentos do ano subsequente e sobre o imposto que com base neles se venha a cobrar, restando ao legislador
a hipótese de agravar de antemão as retenções na fonte e os pagamentos por conta do imposto devido a final; uma
redução das taxas do IRS a meio do ano apenas será sensível aos contribuintes uma vez findo o ano subsequente.

 Impostos gerais e especiais:

• Impostos gerais: incidem sobre uma categoria homogénea e vasta de manifestações de riqueza/capacidade
contributiva. Ex: IRS, IRC → impostos gerais sobre o rendimento; IMI → imposto geral sobre o património; IVA
→ imposto geral sobre o consumo. Quando estes impostos definem a sua base de incidência, os pressupostos
de facto que originam tributação, estabelecem essa distinção atingindo um grupo vasto e homogéneo de
manifestações de riqueza. A abrangência do imposto é total/geral, o imposto descreve nos seus pressupostos
de facto todas as formas possíveis de obter rendimento e quer incidir sobre todas as formas de obtenção de
rendimento. Incidem sobre uma categoria homogénea e vasta de um modo unitário → ponderam a totalidade.
O IRS tributa realidades distintas e diferenciadas: rendimento obtido de forma dependente, rendimento de
prestação de serviços, rendimentos gerados pelo desenvolvimento de atividades comerciais e industriais,
rendimentos de capitais, pensões → o IRS escolhe tributar tudo aquilo que revela um acréscimo, diferença.
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Os impostos gerais podem ter dentro de si algumas notas de extrafiscalidade. Ex: IRS pode ser usado como
incentivo à adoção de determinados comportamentos por parte dos sujeitos passivos. O imposto tem abrangência
suficiente para ponderar algumas finalidades extrafiscais.

• Impostos especiais: incidem sobre categorias específicas de manifestações de capacidade contributiva.


Criam regimes diferenciados de tributação em função das diferentes finalidades visadas. É assim porque os
impostos especiais têm finalidades especiais = têm uma teleologia própria, e são usados para fins extrafiscais.
Cada imposto especial tem as suas próprias características. Os impostos especiais são moldados para
finalidades específicas. Ex: imposto sobre o tabaco, açúcar, bebidas alcoólicas – permitem obter receita, mas
incidem sobre categorias específicas de manifestações de capacidade contributiva; tributam de uma forma
mais pesada esse tipo de consumos do que outros. Para além do imposto geral sobre o consumo, o consumo
deste tipo de bens sofre um agravamento → finalidade de evidenciar que aqueles consumos são prejudiciais
e devem ser diminuídos → finalidade extrafiscal: se for desenvolvida de forma eficiente, tenderá para a receita
zero.
Impostos especiais sobre o consumo (IECs): encargo de mais-valias → corresponde a contribuição especial de
melhoria, incidia sobre o aumento de valor dos imóveis. Incidia de um modo especial sobre o património, dirigia-se
apenas a alguns imóveis, àqueles situados naquela circunscrição territorial → rendimento latente, sobrepôs-se ao
imposto do património e sobrepôs-se e até contrariou as regras do imposto sobre o rendimento (contrariou-se o
princípio base de tributação ao nível do imposto geral sobre rendimento).
Os impostos especiais agravam a tributação dos impostos gerais, pois os consumos sujeitos a impostos especiais
são já tributados pelos impostos gerais.

 Impostos principais e acessórios:

• Impostos principais: têm vida própria, isto quer dizer que são impostos que têm regras próprias de
determinação do sujeito passivo e de apuramento da matéria coletável. Existem por si próprios; têm
autonomia. Ex: IRS, IRC, IMI, IMT, IVA → são impostos que escolhem como manifestações de capacidade
contributiva categorias homogéneas, vastas – rendimento, titularidade do património, bens.

• Impostos acessórios: não existem por si próprios, isto é, não têm existência autónoma, porque dependem
na sua existência e/ou nos seus elementos de um imposto principal. Seguem o imposto principal. Para além
dos impostos principais, há impostos acessórios que existem por referência aos impostos principais. Em regra,
os impostos acessórios não têm regras próprias para determinar a matéria coletável; implicitamente também
não têm regras que nos indiquem a incidência pessoal do imposto. Não têm regras próprias de
apuramento/determinação de matéria coletável e nenhum deles define a sua incidência pessoal. Implica a
falta de elementos de determinação ao nível da incidência pessoal do imposto. Dois tipos de imposto
acessório:
i. Adicionamento: a matéria coletável deste imposto acessório é a matéria coletável do imposto
principal; é uma espécie de sobretaxa;
ii. Adicional: a matéria coletável deste imposto acessório é a coleta do imposto principal.

Isto vai ter implicações no universo dos sujeitos passivos do imposto acessório. Derrama municipal: imposto
criado para dotar as autarquias locais de receitas próprias. As autarquias têm algum poder normativo pois, em função
das suas necessidades, podem ajustar a taxa de tributação da derrama → podem até nem cobrar, normalmente com
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

o objetivo de atrair investimento. A derrama municipal é um imposto acessório, assume como imposto principal o IRC
– imposto por referência ao qual a derrama existe. O IRC incide sobre o lucro (apurado nos termos dos arts. 17º ss
CIRC) de cada pessoa coletiva ou entidade equiparada → supondo que a taxa é de 25% = lucro x 25%; mc x 25%.
Enquanto que o IRC é um imposto estadual, a derrama tem características de não estadualidade; a derrama é um
imposto acessório em relação ao IRC → tecnicamente, a derrama já foi um adicional e um adicionamento. Hoje, é um
adicionamento: aquilo que a derrama vai buscar ao IRC e traz para usar na sua própria estrutura é a matéria coletável
do IRC. Ex: sociedade comercial X que obteve lucro de 100.000 (mc), sujeita à taxa de 25% de IRC, esta sociedade
comercial X pagou 25.000 de IRC (isto é a coleta).
> Se a derrama for um adicionamento: mc x taxa = coleta → a sociedade X tem uma coleta de 25.000,
e uma matéria coletável de 100.000; a derrama vai usar as regras do imposto principal para determinar
a sua matéria coletável. Para calcular o adicionamento: 100.000 x taxa → é o mesmo aumentar a
taxa de um imposto municipal ou criar uma sobretaxa ao imposto principal. Apesar de não ter
autonomia em relação ao imposto principal, os impostos acessórios têm algo que justifica a sua
existência enquanto impostos acessórios → dualidade. Quem são os sujeitos passivos do imposto
acessório na modalidade de adicionamento? São os mesmos sujeitos passivos do imposto principal:
os sujeitos passivos do imposto acessório quando ele é um adicionamento são todos os sujeitos
passivos que evidenciem/revelem matéria coletável ao nível do imposto principal.
> Se for um adicional: mc x taxa = coleta → 25.000 x taxa . Consigo obter a mesma receita aqui do que
no adicionamento, mas apenas se aumentar a taxa.

Vantagem do adicionamento: funciona com taxas de tributação mais baixas, menos retração por parte dos
contribuintes, menor impacto em termos psicológicos → menor tendência de evasão.
O que verdadeiramente distingue o adicionamento do adicional é que os sujeitos passivos atingidos pelo adicional
constituem normalmente um universo mais restrito do que aqueles atingidos pelo adicionamento → o adicional quer
atingir apenas os sujeitos passivos que efetivamente pagam imposto principal. O IRC permite deduções à coleta para
apuramento do imposto a pagar. Ex: sociedade mc = 100.000, taxa de tributação origina 25.000, deduções à coleta de
30.000 → pode determinar que o imposto a pagar seja 0. No adicional, o quantitativo do imposto pago é a título de
imposto principal; o adicional usa como matéria coletável o imposto pago a título de imposto principal.
O adicional incide sobre todos os sujeitos passivos do imposto principal? Pode incidir ou não → mas ele não quer
incidir sobre todos os sujeitos passivos. Ao nível da sua própria incidência pessoal, ele quer incidir apenas sobre os
sujeitos passivos do imposto principal que ficaram efetivamente sujeitos ao pagamento do imposto principal. O imposto
acessório na modalidade de adicional quer incidir sobre os mesmos sujeitos que pagaram o imposto principal, e apenas
sobre esses. Por isso dizemos que o imposto adicional é um verdadeiro imposto acessório: se temos como definição
que o imposto acessório é um imposto que segue o principal, na modalidade de adicionamento podem ser chamadas
a pagar imposto acessório entidades que não pagaram imposto principal. No adicionamento, a manifestação de
capacidade contributiva relevante é a titularidade de matéria coletável; no adicional, a manifestação de capacidade
contributiva é o imposto pago. Só o adicional segue exatamente o mesmo destino do imposto principal; só pagam
adicional os mesmos sujeitos que pagam imposto principal; o adicionamento tem universo mais vasto, quer atingir
todos os sujeitos passivos, mesmo que não tenham pago imposto principal. Em relação à sociedade X, ela com
deduções à coleta não paga IRC, paga imposto acessório na modalidade de adicionamento mas não paga imposto
acessório na modalidade de adicional.
Derrama municipal: à partida os sujeitos passivos serão os sujeitos ao IRC, é adicionamento – é uma espécie de
sobretaxa sobre o imposto principal IRC. A derrama municipal pode atingir um número maior de sujeitos passivos do
que aqueles que efetivamente pagam IRC.
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

➢ Tributos (receitas coativas): impostos, taxas e contribuições


• Impostos: unilateralidade; não origina o direito de exigir uma contraprestação específica.

• Taxas – 4º/2 LGT: bilateralidade; relação sinalagmática; quem presta tem direito a exigir a contraprestação
específica; as taxas não visam compensar prestações difusas que se reportem ao todo da comunidade mas
sim prestações concretas que se reportam ao sujeito passivo, no sentido em que é este quem efetivamente as
provoca ou aproveita.

Apesar de tradicionalmente a classificação dos tributos ser feita em termos dicotómicos, atualmente é feita em
termos tricotómicos. Terceiro tipo de tributos: contribuições financeiras → a CRP faz referência no 165º/1-i). As
contribuições financeiras estão a meio caminho entre os impostos e as taxas → não são perfeitamente bilaterais mas,
não o sendo, têm algumas marcas de bilateralidade; como alguns dizem, têm uma bilateralidade mitigada. As notas de
bilateralidade aproximam este tributo das taxas; no entanto, não é bilateralidade perfeita. Se não são perfeitamente
bilaterais, aproximam-se também dos impostos → marcas de unilateralidade; dificuldade em definir o seu regime
jurídico-constitucional. O TCnal pronunciou-se no sentido de as classificar como impostos.
As novas contribuições financeiras servem para financiar o funcionamento dos órgãos de operadores de
determinadas áreas da atividade económica → entidades reguladoras.

Tributos subdividem-se em:


1. imposto = unilateralidade
2. taxa = bilateralidade
2.1 bilateralidade em sentido estrito → existência de uma contraprestação específica. Tipologia da
contraprestação específica pode corresponder a um de três tipos:
- prestação de um bem/serviço público mas tecnicamente semipúblico: satisfaz necessidades coletivas,
mas em termos individuais ou individualizados;
- utilização de bens do domínio público;
- remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares.

2.2 proporcionalidade: para que um tributo seja verdadeiramente bilateral, é necessário que se verifique o
requisito da proporcionalidade ou equivalência → fixação do quantum/quantitativo da taxa. Nesta fixação
do quantitativo, o objetivo preponderante pode ser:
- a repartição do custo do bem/serviço da atividade pelos utentes: taxas tendencialmente fixadas
em valores muito abaixo do custo;
- limitação da procura: taxas tendencialmente fixadas em valores mais elevados, mais próximos do
custo.
Então, a proporcionalidade funciona como limite.

Alguns autores, como Casalta Nabais, falam em dois testes cumulativos e sucessivos para estarmos perante uma
taxa → submeter o tributo a estes dois testes: bilateralidade e proporcionalidade ou equivalência. Se não passar no
teste, então estaremos perante um imposto. Sérgio Vasques não é tão peremptório, não conclui imediatamente que
não passar no teste transforma o tributo em imposto.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

O que justifica a proteção constitucional aos impostos é a sua unilateralidade. Se estivermos perante uma taxa, já
não é assim, pois esta surge de prestação bilateral. São dois tipos diferentes de tributos e, em relação a um, a CRP é
exigente, não o sendo em relação ao outro. Existe o risco de criação de verdadeiro imposto com aparência de taxa.
Para estarmos perante uma taxa, temos de estar no âmbito de uma relação de tipo bilateral ou sinalagmático: ao
pagamento de uma certa quantia em dinheiro tem de corresponder, como correspetivo ou contraprestação específica,
uma prestação realizada pelo ente público ou pelo ente privado a quem foi atribuído o exercício de funções públicas.
A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação
administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo. O que nos pode dar o ente público/privado
em troca da prestação de uma taxa? Esta contraprestação específica pode consistir/surgir:
- prestação de um bem/serviço público;
- utilização privativa de bens do domínio público → retirar vantagem em termos individuais de um bem que é de
todos;
- remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares → pago a taxa para que o ente público remova um
obstáculo que existe ao livre desenvolvimento de atividade → licença.

Taxa de turismo é um imposto e não uma taxa.

As taxas constituem prestações pecuniárias pagas em dinheiro ou meio equivalente, sendo-lhes aplicável a regra
geral prevista no 40º LGT. O ordenamento jurídico português não contempla taxas que possam ser satisfeitas em
espécie, ainda que o 11º Regime das Taxas Locais estabeleça particularidades.
As taxas constituem prestações coativas, resultando a obrigação de as pagar da concretização de um pressuposto
legal (36º LGT) e não de um acordo de vontades entre a administração e os contribuintes.
Bilateralidade → existência de uma contraprestação específica. Esta contraprestação pode surgir como algo que
o sujeito passivo quer que lhe seja prestado, realizado a seu favor → estamos perante taxas em que não há qualquer
vontade do sujeito passivo (o aproveitamento de uma prestação pública pode ser obrigatório para o particular. Ex: taxa
de justiça no âmbito do processo penal tem de ser paga por aquele que deu causa ao processo, não há aqui qualquer
característica de negócio jurídico; atos do registo civil. A relação de facto é de tipo obrigacional, mas a vontade não
comporta para fazer surgir esta contraprestação específica. O conteúdo da relação é modelado pela lei.
Contudo, na maior parte das situações, há também uma vontade do obrigado de querer, ou o sujeito passivo
coloca-se voluntariamente na situação de facto → prestação coativa.
Quando estamos perante uma taxa, ao pagamento da taxa tem de corresponder uma contraprestação específica,
que pode corresponder à vontade do obrigado (este é beneficiário da prestação administrativa) MAS também pode
acontecer que o obrigado ao pagamento da taxa tenha dado causa à realização de uma contraprestação específica
(ele é o causador - ex: taxa de justiça – B adotou conduta que a ordem jurídica qualifica como crime, não há vontade
de B em pagar a contraprestação específica, mas mesmo assim ele tem de pagar).

Para estarmos perante uma taxa, existe um 1º teste (Casalta Nabais) para sabermos se é realmente uma taxa:
existência de uma contraprestação específica → esta contraprestação específica há de ser enquadrável num de três
tipos (esta construção doutrinária está em vários diplomas – Lei Geral Tributária 4º/2; RGTAL 3º):

1. Prestação de um bem ou serviço público: quem tem o direito de exigir a taxa é um ente público ou entidade
privada a quem foi atribuído o exercício de funções públicas → domínio público; como a relação que se
estabelece é de tipo sinalagmático, estes bens/serviços públicos têm de ser passíveis de incidir na relação
sujeito ativo – sujeito passivo (que são simultaneamente credor e devedor). Para que isto seja assim, e por

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

isso chamamos contraprestação específica, não pode estar em causa qualquer bem ou serviço público, tem
de estar em causa a prestação de um bem ou serviço público que se traduza, sob o ponto de vista do particular,
numa utilidade individual ou individualizada. Ex: taxas moderadoras → saúde – só pagamos taxa moderadora
quando nos dirigimos a um serviço público e nos é prestado de um modo específico cuidados de saúde;
propinas ensino superior → ensino – só ficam obrigados a pagar propinas aqueles que frequentam uma
instituição de ensino superior pública; taxa pela emissão de um certificado ou por um ato de registo.
Ensino e saúde são bens públicos = satisfazem necessidades coletivas, da comunidade. A satisfação destas
necessidades pode ocorrer também em termos públicos ou em termos individuais/individualizados. A circunstância de
existirem hospitais e instituições de ensino superior públicas satisfaz necessidades públicas → mesmo que não
frequente, satisfaz (ex: se for atropelada, não posso dizer que não quero ir para um hospital público) → para além
disso, a saúde e o ensino correspondem a tarefas fundamentais do Estado, porque estão identificados como
necessidades de todos, da comunidade como um todo → criam uma série de garantias, e permitem que sob um ponto
de vista social, o bem seja protegido → a simples existência de hospitais e universidades públicas satisfaze
necessidades da coletividade porque coloca a comunidade num patamar de desenvolvimento social que vai promover
o desenvolvimento económico, bem estar das populações, … Quando tenho uma necessidade individual ou
individualizada, por ex. quando frequento a universidade pública, retiro uma utilidade específica de uma prestação que
me é dirigida, por isso pago a taxa.
Os bens públicos podem ser:
> Bens tecnicamente públicos: satisfazem necessidades coletivas, mas essa satisfação ocorre em termos
coletivos. Ex: bem saúde, bem ensino → a necessidade é satisfeita num 1º nível comunitário mediante a
existência de hospitais e instituições de ensino superior. Bens que só se situam neste 1º nível: bem
integridade das nossas fronteiras – Ministério da Defesa nunca me vai dirigir prestações em termos
individuais ou individualizados. O ensino e a saúde tem um nível coletivo de satisfação.
Ex: bibliotecas públicas, museus, piscinas municipais e outros equipamentos desportivos. Mas em relação
ao ensino, saúde e todos estes tenho a possibilidade de retirar uma utilidade individual → quando é
possível que ocorra uma prestação específica que é dirigida a cada um dos membros da comunidade,
excluindo outros (ex: se formos todos ao hospital, ele não nos consegue atender a todos; nas
universidades, há numerus clausus – a fixação de num nº fechado traduz que não é possível prestar o bem
ensino a todos).
> Bens tecnicamente semipúblicos: bens “exclusivos”; bens para os quais vale o princípio da exclusão, em
menor ou maior grau a circunstância de haver uma prestação individual implica sempre a exclusão de
outros. Ex: ensino, saúde, biblioteca, museus, piscinas municipais, ... A satisfação ocorre em termos
individuais ou individualizados. A satisfação destes bens cai num 2º nível de satisfação individual que
implica a exclusão de outros.
Só em relação aos bens tecnicamente semipúblicos podem ser cobradas taxas → satisfazem
necessidades coletivas em termos individuais ou individualizados. Ex: não pode ser cobrada taxa pela
prestação do bem saúde se eu não for ao hospital público; não pode ser cobrada taxa de equipamentos
desportivos a não ser que eu utilize algum equipamento desportivo. “podem ser cobradas taxas” (podem e
devem) → podem quer dizer que, depois de termos estabelecido na distinção dos bens públicos que os
bens tecnicamente semipúblicos satisfazem necessidades coletivas em termos individuais ou
individualizados → é possível serem cobradas taxas, mas não são necessariamente cobradas taxas.

Sob o ponto de vista financeiro, os bens públicos podem também ser:

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> Financeiramente públicos: prestados gratuitamente; os bens tecnicamente públicos são sempre
financeiramente públicos – não podem ser cobradas taxas. Satisfazem necessidades coletivas em termos
coletivos.
> Financeiramente semipúblicos: prestados onerosamente, isto é, prestados mediante o pagamento de uma
certa quantia pecuniária.

Os bens tecnicamente semipúblicos podem ser financeiramente semipúblicos mas também podem ser
financeiramente públicos. Bem tecnicamente semipúblico apto a dirigir-se às necessidades individualizadas de alguém
→ quando um ente público ou privado presta bens tecnicamente semipúblicos, pode cobrar a taxa. Quando cobra, é
financeiramente semipúblico; quando é tecnicamente semipúblico mas não cobra taxa, é financeiramente público. Os
bens tecnicamente semipúblicos não são públicos puros, porque há um nível de satisfação privado e são passíveis da
cobrança de uma taxa. Ex: quero fazer um exame de diagnóstico, pago uma taxa. Só os bens tecnicamente
semipúblicos podem ser financeiramente semipúblicos. A decisão de cobrar ou não taxa cabe ao próprio ente público
→ por lei, quando estão em causa bens relevantes, tarefas fundamentais do estado, o ente tem o poder de fixação,
decidir até um determinado montante; em muitas situações há decisão coletiva de não cobrança das taxas. Muitas
vezes, o Governo ou AR tomam esta decisão.
Sempre que são prestados bens ou serviços tecnicamente semipúblicos, podem ser cobradas taxas. O ente
público ou privado a quem está atribuído o exercício de funções públicas tem poder discricionário = pode decidir cobrar
= bem financeiramente semipúblico (o financiamento da prestação destes bens/serviços é repartido/assegurado pelos
particulares beneficiários); ou não cobrar = prestação gratuita = bem financeiramente público (o financiamento da
prestação destes bens/serviços tem de ser feito através das receitas dos impostos). Estando perante a prestação de
bens tecnicamente semipúblicos, estamos numa situação em que é possível serem cobradas taxas e devem ser
cobradas. Sendo possível serem cobradas taxas e não sendo, todos os contribuintes seriam ‘obrigados’ a suportar.
São razões de conveniência e oportunidade que estão na origem na decisão de cobrar ou não taxa e na definição
do quantitativo. Situações em que, sendo possível, não é cobrada taxa → como é financiada a prestação exclusiva?
Dentro do possível, as taxas moderadoras têm a finalidade de moderar, limitar a procura do bem – fixadas em
níveis.
Bens financeiramente públicos que são financiados por impostos → deve ser evitado, pois é para satisfação de
necessidades individuais → o bem em causa é exclusivo. A comunidade como um todo tem de pagar através dos
impostos a existência de universidades e hospitais; mas não deve pagar como um todo, não deve ser sobrecarregada
com prestações de necessidades individuais ou individualizadas de alguns → por isso são cobradas taxas. “devem ser
cobradas taxas”: sempre que for possível/conveniente/adequado, e estando em causa bem tecnicamente semipúblico,
a lei deve impor o pagamento de uma taxa.
O que leva a que por vezes seja cobrada taxa, e outras não seja cobrada – exigir ou não taxa - decisão orientada
por critérios de oportunidade ou conveniência→ decisão discricionária que deve ser orientada.
Ex: Ensino básico e secundário - financeiramente público → Estado/lei impõe a procura → o facto de o estado
impor a procura não implica necessariamente que o bem seja prestado a todos em termos gratuitos. Quando a procura
é imposta, tem de ser regulada de modo a garantir que aqueles que não têm capacidade de pagar o preço fixado
possam, de igual modo, beneficiar do bem/serviço.
Ensino superior: financeiramente semipúblico.
Porque o estado impõe a procura, há como que uma lógica de porque impõe, só deve impor aquilo que podem
pagar? Para impor, o estado tem de garantir regras para saber quem não tem condições para pagar e cumpri-las.
Ex: porque é que nas autoestradas pagamos e nas ENs não? Porque algumas pontes pagam-se e outras não? →
critérios de oportunidade e conveniência. As estradas são um bem tecnicamente semipúblico → cada vez que um de

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nós entra na via pública, está a utilizar um bem de todos e a causar desgaste. Nas estradas não pagamos por razões
de conveniência e oportunidade → as autoestradas são vias de circulação rápida, com acessos delimitados, sendo
fácil cobrar.

A bilateralidade traz uma outra imposição: de proporcionalidade ou equivalência → 2º teste: para um tributo ser
uma taxa, tem de não apenas existir uma contraprestação específica, como entre essa contraprestação específica e o
quantitativo a pagar tem de existir uma relação de proporcionalidade ou equivalência. Um tributo só é bilateral se:
(1) for possível identificar uma contraprestação; e
(2) existir proporcionalidade ou equivalência entre o quantitativo a pagar e o serviço.
Fixação do quantitativo da taxa – “quantum”: estando em causa um bem tecnicamente semipúblico, há decisão
no sentido de cobrar taxa, logo ele é financeiramente semipúblico → na fixação do quantitativo da taxa, é preciso que
o quantitativo respeite o princípio da proporcionalidade ou equivalência.

As taxas apresentam duas finalidades:


i. Repartição do custo do bem ou do serviço em causa pelos utentes/beneficiários: esta repartição pode
permitir chegar mais perto de efetivamente cobrir o custo ou pode ser meramente simbólica → não
devemos estranhar que seja simbólica, porque estão em causa bens semipúblicos.
ii. Limitação da procura do bem ou serviço em causa: não visam apenas repartir o custo, mas visam que essa
repartição se faça limitando a procura do bem ou serviço → taxas moderadoras. Ex: saúde, taxa de justiça.
Discussão: diferenciar a taxa em função do custo associado – ex: estudante de Direito em universidade
pública paga o mesmo que um estudante de engenharia aeroespacial.
Na construção concetual das taxas, porque estamos perante bens públicos, ainda que tecnicamente semipúblicos,
as taxas não devem ser lucrativas; o quantum nunca deve ultrapassar o custo de prestação ou produção do bem ou
serviço. Enquanto que os impostos são protegidos por um regime jurídico-constitucional apertado: na fixação do
quantitativo dos impostos o critério é o da capacidade contributiva, a própria modelação do conteúdo tem de ser
realizada com uma certa densidade/especificação. Quadro constitucional exigente para a criação e cobrança de
impostos → não existe um quadro correspondente para as taxas → é frequente que sobretudo os entes públicos
menores, sobretudo os de base local, quando precisam de receitas e não podendo criar impostos, não conseguem que
a AR lhes atribua mais receitas → esses entes públicos menores criem taxas que, na verdade, são impostos. Ou se
aproveitam de um bem que prestam, fixando um quantitativo que ultrapassa o custo de prestação. Há um risco de
serem criadas taxas que não o são; tributos designados de taxas, criados por regulamento municipal, até aprovados
nas assembleias, e na verdade não são taxas → porque não lhes corresponde qualquer contraprestação específica,
mesmo que o serviço beneficie toda a comunidade; ou porque o serviço existe, mas a fixação do quantitativo ultrapassa
o limiar máximo, é fixado acima do custo. Os particulares dizem que não pagam → porque o que está a ser pedido é
um imposto.

Quanto ao 1º teste (contraprestação específica), é mais fácil perceber se há ou não contraprestação específica.
Mas nem sempre. Ex: taxa de proteção civil no município de Lisboa → cobrada aos proprietários de imóveis localizados
no município, correspondendo a 0,25% do VPT (valor patrimonial tributário de cada imóvel) → não era uma taxa. O
TCnal, em dezembro de 2017, disse que era inconstitucional (inconstitucionalidade orgânica). Em 2007, uma taxa com
as mesmas características chamada taxa de conservação de esgotos foi considerada não desconforme à CRP.

Taxas - bilateralidade: A  B prestação pecuniária; A → B contraprestação específica

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1º teste: contraprestação específica (bilateralidade em sentido estrito → ao pagamento do tributo tem de


corresponder uma contraprestação específica);
2º teste: tributo respeite o princípio da proporcionalidade ou equivalência, isto é, para estarmos perante taxa, é
necessário que haja equilíbrio, traduzido em proporcionalidade e equivalência: não pode haver desproporção manifesta
entre aquilo que é o valor da taxa a pagar e o valor da contraprestação específica. O princípio da proporcionalidade ou
equivalência é o princípio que diz respeito à fixação do quantitativo da taxa, e nesta fixação há margem para os tribunais
poderem intervir (especialmente o TCnal) a pronunciarem-se sobre se na fixação do quantitativo o ente público
respeitou ou não o princípio da proporcionalidade e equivalência entre a prestação e a contraprestação. Havendo
manifesta desproporcionalidade, não se pode considerar o tributo como taxa. A finalidade da taxa está na compensação
da prestação; a taxa é um tributo comutativo não só porque é exigida por ocasião de uma prestação pública, mas
porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte.

Proporcionalidade entre o valor da taxa (quantitativo) a pagar pelo particular e a contraprestação a cargo do ente
público. O TCnal afirma há muitos anos o princípio; mas nunca apreciou em termos económico-financeiros essa
proporcionalidade. Já teve várias oportunidades para o fazer: 1º acórdão sobre esta matéria diz respeito às portagens
sobre a ponte 25 de Abril → mas o TCnal nunca concretizou a aplicação do princípio. Apesar de estar formulado, a
concretização do princípio da proporcionalidade pela jurisprudência do TCnal é ainda insuficiente.
Diferença jurídica ou diferença económica: o princípio da proporcionalidade deve ser entendido em equivalência
jurídica (segundo o TCnal) – 4º RGTAL.

4º RGTAL – o valor das taxas não pode ultrapassar:


(a) o custo de prestação do bem/serviço em causa; ou
(b) benefício proporcionado ao particular com a contraprestação específica realizada pelo ente público.
Discute-se se o valor da taxa tem como limite máximo o menor ou maior dos dois valores (a) ou (b). Ex: se o custo
for 50 e o benefício for 100, qual escolher? Haverá precedência de um sobre o outro? Há autores que dizem que só
quando não conseguimos apurar o custo, é que devemos ir para o benefício; mas outros autores têm posições
diferentes. Autores que dizem que o critério prevalente é o do custo, mas há doutrina nos dois sentidos.
O princípio da proporcionalidade ou equivalência é reforçado ainda, no âmbito do RGTAL, no 8º que prevê que as
autarquias locais explicitem, no regulamento que cria a taxa, a fundamentação económico-financeira subjacente à
fixação do quantitativo da taxa. Impõe que, sob pena de nulidade do próprio regulamento, ele tem de explicitar todos
os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros subjacentes, … Esta exigência de fundamentação económico-
financeira reforça o princípio da proporcionalidade → dá aos tribunais elementos suficientes para verificar se respeita
ou não o princípio. Neste momento, o princípio já tem uma densificação suficiente para não ser um mero princípio, mas
para ser também usado pelos tribunais.

2. Utilização de bens do domínio público: o ente público concede ao particular a possibilidade de utilizar bens
do domínio público. Os bens do domínio público não podem ser alienados, vendidos, … porque são de todos
e, desde logo, estão fora do comércio jurídico. No entanto, são utilizados por todos – ex: praia – mas não
estamos a retirar um proveito diferente da simples utilização que cada um pode fazer, não estamos a retirar
um proveito para exercício de uma atividade. Mas acontece que os bens do domínio público sejam
concessionados, seja excecionalmente permitida a sua utilização em termos privativos por um ou mais
particulares → concessões. Os bens são do domínio público mas, verificadas determinadas condições e por
um intervalo temporal especificado, é permitido ao particular retirar utilidades dessa utilização. Ex: bar na praia,
taxa pela ocupação do subsolo ou pelo uso de infraestruturas rodoviárias. Moedas que colocamos no

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parquímetro → aquilo que pagamos é uma taxa pela utilização de um bem do domínio público. O mesmo
acontece com as taxas aeroportuárias e portuárias → cada avião que aterra no aeroporto, em função do tempo
que fica no aeroporto, tem de pagar uma taxa. A utilização de bens do domínio público ocorre em termos
semipúblicos → enquanto o meu carro está estacionado, não podem estar lá outros. É ao uso privativo do
domínio público, aquele em que o aproveitamento do particular exclui ou limita o aproveitamento de outrem,
que está geralmente associado o pagamento de taxas, e não tanto ao uso comum do domínio público, via de
regra gratuito.

3. Atividade de remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares: no direito administrativo, chama-
se ato autorizativo = licença (ato administrativo pelo qual se reconhece ao particular a faculdade de realizar um
comportamento que por lei se encontra proibido em termos relativos). Em muitas circunstâncias, há um
impedimento ao livre desenvolvimento da nossa atividade. Para que seja possível desenvolvermos
determinadas atividades, temos de obter uma licença, conseguir que o ente público produza um ato de
conteúdo autorizativo – em geral, não se pode fazer isto, mas o ente público diz que X pode. Ex: licença de
construção, de caça, de registo dos animais de estimação.
Quando é removido este limite jurídico, é preciso pagar uma taxa → para se criar um limite, é necessário que haja
interesses que justifiquem esse limite. Ex: posse de arma → faz sentido haver limite por uma questão de segurança
pública; de acordo com o entendimento geral, não teríamos capacidade para gerir adequadamente a detenção de
armas → as armas só são atribuídas a quem justificar necessidade e provar ter capacidade para as utilizar. Os limites
jurídicos são criados tendo subjacente uma razão de ser. Prof. Teixeira Ribeiro dizia-nos que temos de ter cuidado com
este tipo de prestação específica, porque é preciso que exista um verdadeiro limite com razão de ser, e que o ato
autorizativo seja um ato de verificação dos pressupostos necessários para que o limite possa ser removido. Teixeira
Ribeiro não concordava com a taxa de utilização de arma, achava que era uma falsa licença → se não é feita a
verificação necessária vendo se aquela pessoa em concreto pode andar armada, não estamos perante uma taxa,
porque o limite é removido sem que haja verificação para ver se pode realmente ser removido, é um limite artificial para
ser cobrada uma taxa. Taxas de afixação de publicidade em veículos, em fachadas/telhados de edifícios e em outros
espaços privados → estas taxas surgiram no município de Guimarães; as taxas geraram discussão, porque foram
consideradas pela doutrina e pelo TCnal um limite artificial, isto é, através de lei em sentido material (regulamento
aprovado em assembleia municipal) foi criada a taxa, foi considerado artificial porque se chegou à conclusão de que o
limite existia só para ser removido e para, por essa remoção, ser cobrado um determinado montante. Razões possíveis
para o limite da afixação de publicidade em edifícios: razões estéticas, segurança na afixação → razões para que a
publicidade seja objeto de licenciamento; mas é preciso que estas razões sejam verificadas, que haja verificação dos
pressupostos mediante os quais o limite pode ser removido, para justificar o pagamento da taxa. Mas o que aconteceu
foi que se percebeu que o município tinha criado a taxa, que havia justificação, mas que não tinha sido recusada a
afixação de publicidade em nenhum caso – 1º sinal que nos mostra que estamos perante um limite artificial, isto é, um
mecanismo que permite obter uma receita. TCnal veio dizer tal é inconstitucional, porque o limite é artificial, não há
controlo, pura e simplesmente os particulares pedem licença e o ente público concede-a → não é uma taxa, é um
verdadeiro imposto. Em 2010, ocorreu uma alteração significativa da jurisprudência do TCnal: disse que o entendimento
não deve ser este, porque se tivermos este entendimento, estamos a exigir o mesmo que está contido no 1º tipo de
contraprestação específica (prestação de bem ou serviço público) e, se a doutrina diferencia os 3 tipos, então terão um
conteúdo diferente → não é necessário que haja uma atividade do ente público dirigida à verificação dos pressupostos
para que a remoção do limite possa ocorrer.

Desde 1998 e até 2010, a jurisprudência do TCnal = limite real (não limite artificial)
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

= atividade dirigida especificamente à remoção desse limite


Até esta altura, a jurisprudência do TCnal seguia as teses do Prof. Teixeira Ribeiro, Prof. Xavier de Basto e Dr.
António Lobo Xavier.
Se não cumprir os dois requisitos supra, não estamos perante uma taxa, mas sim perante um imposto. Tal
aconteceu com as taxas por afixação de publicidade → o TCnal disse que é legítimo uma autarquia impor
características estéticas, etc a utilizar – ordenação do território, fazer fiscalização → mas é necessário que a
fiscalização seja efetivamente exercida, não pode ser concedida autorização a todos.
Relativamente à primeira decisão do TCnal sobre a fixação de publicidade em edifícios em Lisboa – justifica-se,
mas verifica-se que não havia um serviço, funcionários, etc., que se dedicassem à fiscalização → todos os pedidos
eram deferidos. Não havia qualquer atividade do ente público especificamente dirigida à remoção do limite.
“especificamente”: dirigida a verificar se, à luz das razões/fundamentos que justificam a existência do limite/obstáculo
como real, o limite possa ser removido. Quando isto acontece, então não havia limite real, mas sim limite artificial →
na medida em que é criado só para ser removido e para, por essa remoção, ser paga uma certa quantia, a que foi dada
o nome do taxa, mas que na verdade é um imposto. A única finalidade presente é a finalidade fiscal, não há sinalagma
de prestação – contraprestação.
Então, os municípios foram criando serviços para criarem aparência de haver um limite real. A partir de 2010 –
Ac. 177/2010 do TCnal inverteu radicalmente a jurisprudência, e veio consagrar a tese minoritária do raciocínio
formalista: estando identificada a tipologia das contraprestações típicas relativas ao pagamento de taxas – (1) prestação
de bens ou serviços públicos; (2) utilização de bens do domínio público; (3) remoção de limites à atividade dos
particulares; 4º/2 LGT, 3º RGTAL → identificam estes três tipos de contraprestação específica. Na remoção de limites
jurídicos à atividade dos particulares, a tese que exige que o limite seja um limite real e que aceita que o limite é artificial
quando não há uma atividade especificamente dirigida à verificação dos pressupostos para que o limite seja removido,
o que está a fazer é eliminar a autonomia do município; a tese do prof. Teixeira ribeiro e a jurisprudência anterior do
TC fazem uma leitura do (3) que na verdade implica a exigência de obter uma prestação de um serviço público, para
que o limite possa ser considerado real. O Ac. de 177/2010 apresenta uma razão estritamente formal: não podemos
estar a exigir que, para que haja remoção de limite jurídico real, seja prestado um serviço público. Então, teríamos
apenas duas tipologias → conceção formalista que leva o TCnal a dizer que, mesmo que a atividade seja meramente
burocrática, estamos perante uma taxa (contraprestação específica). Basta que o limite faça sentido para que a taxa
seja cobrada, mesmo que a atividade do ente público seja apenas deferir.
Depois de fazer esta argumentação, sabendo que a doutrina maioritária está contra, o TCnal disse que seria
sempre uma taxa, porque o particular está a afixar algo num imóvel, e a afixação: ocupa domínio público OU há projeção
de mensagem no domínio público – e nessa medida, porque usa o espaço público, cria poluição visual, já há
fundamento para lhe ser cobrada uma taxa.

A contraprestação específica das taxas pode ser:


- Efetiva: ao nível do 1º requisito, não temos dúvidas de que o tributo pode ser considerado uma taxa, tendo de
depois passar no 2º teste; existe na taxa uma concordância entre o pressuposto tributário, formado pela
prestação efetiva de bens ou serviços, e a respetiva finalidade, que está na compensação do custo ou valor
dessas mesmas prestações.
- (apenas) Presumida: temos algum esbatimento da bilateralidade; nestes casos, a taxa não assenta sobre a
prestação que visa compensar, mas antes sobre facto distinto a partir do qual se infere a sua realização;
olhando para o pressuposto tributário, encontramos um facto que, de acordo com as regras da experiência,
permite concluir pelo aproveitamento da prestação com maior ou menor grau de certeza.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Dentro das contraprestações presumidas, Sérgio Vasques propõe distinção entre:


(a) Presunções fortes: podendo a contraprestação específica ser meramente presumida, só estamos perante
uma taxa quando a presunção é forte; grau elevado de probabilidade.
(b) Presunções fracas: se a presunção for fraca, suscita muitas dúvidas sobre possibilidade de qualificar o
tributo como taxa. Ex: taxas municipais de publicidade.
Porque é que podemos admitir que haja taxas em que não podemos identificar a contraprestação específica, mas
conseguimos dizer que a taxa assenta na presunção forte de realização de contraprestação → taxa de conservação
de esgotos: incide sobre todos os imóveis edificados com ligação à rede de esgotos; mas o imóvel está desocupado,
eu não uso a rede, não estou a criar necessidade maior de conservação da rede → mas podemos ou não afirmar que
um imóvel edificado que está ligado à rede de esgotos utiliza a rede e prova desgaste nessa rede → a presunção é
forte, porque presume-se que o imóvel ligado à rede de esgotos utiliza efetivamente essa rede. Outros exs: tarifas de
saneamento → o seu pressuposto não é constituído pelas prestações que se visa compensar, mas por facto que se
julga representar um indicador seguro do seu aproveitamento; presume-se que, se um munícipe consome água
canalizada, é porque dá ocupação efetiva a um imóvel para fins de habitação ou comércio e que, se o ocupa desta
maneira, com certeza produz lixo e águas residuais que os serviços municipais recolhem. São dificuldades de ordem
técnica, administrativa e financeira que fazem com que estas taxas assentem em prestações meramente presumidas.
O facto que compõe o pressuposto destas tarifas de saneamento permite, no entanto, concluir com grau de certeza
muito elevado pelo aproveitamento da prestação administrativa que com as tarifas se visa compensar. A experiência
diz-nos que, se uma pessoa consome água canalizada, é porque ocupa efetivamente um imóvel e, por isso, produz
resíduos sólidos e águas residuais que os serviços municipais recolhem.
Segundo Sérgio Vasques, podemos ter cobrança de taxas assentes em contraprestações presumidas, desde que
assentes em presunções fortes. Devemos considerar estar perante verdadeiras taxas sempre que um tributo assenta
em presunções tão fortes que se possa dizer efetiva a prestação administrativa e confiar que ela aproveita à
generalidade dos sujeitos passivos.
Numa situação em que a contraprestação não efetiva não assenta em presunção forte, mas sim numa presunção
fraca, apenas se pode dizer possível ou eventual o aproveitamento da prestação administrativa pelo sujeito passivo →
estamos perante verdadeiros impostos.
Na fixação do quantitativo da taxa, por força da exigência de proporcionalidade, mesmo quando a contraprestação
é presumida e forte, é preciso diferenciar, com base em indicadores – ex: consumo da água → quem não consome
água nenhuma, deve pagar o montante mínimo; família de várias pessoas paga montante superior.

Entre os impostos e as taxas existem as contribuições financeiras → são um tributo que está a meio caminho
entre os impostos e as taxas. É um tributo que sofreu uma evolução muito significativa nos últimos 10 anos e que gera
controvérsia na doutrina e nos tribunais. As contribuições especiais e as demais contribuições financeiras têm em
comum não se reportarem a normais detentores de capacidade contributiva (como os impostos) nem a destinatários
de específicas prestações individuais (como as taxas), mas antes a grupos de pessoas ligados por uma particular
manifestação de capacidade contributiva decorrente do exercício de uma atividade administrativa (nas contribuições
especiais) ou pela partilha de uma específica prestação de natureza grupal (nas demais contribuições financeiras).
As contribuições financeiras suscitam-nos dúvidas sobre se são bilaterais ou unilaterais → porque as
contribuições, em alguns aspetos estão próximas das taxas, mas noutros aspetos estão próximas dos impostos.
 Não são perfeitamente bilaterais, pois não conseguimos identificar nem uma contraprestação efetiva nem
presumida com base em presunção forte;
 Por outro lado, não são radicalmente unilaterais: há um benefício difuso e este não tem especificação suficiente
para ser considerado uma contraprestação específica ou que se baseia em presunção forte.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Historicamente só conhecemos um tipo de contribuições: as contribuições especiais → contribuições financeiras


tradicionais ou clássicas. Estas têm uma referência expressa na LGT 4º/3. As contribuições tradicionais dividem-se em
dois tipos:
• Contribuições especiais de melhoria - 4º/3 - 1ª parte: são cobradas nas situações em que, em consequência
da realização de obras públicas ou outras atividades desenvolvidas na prossecução do interesse público, são
geradas vantagens potenciais na esfera dos particulares = vantagens reflexas geradas na esfera patrimonial
dos particulares em consequência da realização de obras públicas. As contribuições de melhoria verificam-se
nos casos em que é devida uma prestação em virtude de uma vantagem económica particular resultante do
exercício de uma atividade administrativa por parte de todos aqueles que tal atividade indistintamente beneficia.
Ex: a construção do parque da cidade determinou uma valorização dos imóveis situados nessa zona → este
aumento do valor será objeto de tributação, por ex., se o imóvel for vendido. Numa situação destas, o ente
público decidiu, na prossecução do interesse público, criar o parque da cidade → não houve contraprestação
específica aos particulares, mas trouxe vantagens reflexas que se reproduzem na esfera dos particulares. Ex:
imóveis situados na zona do parque das nações. Foi a AR que criou estas contribuições especiais, porque o
TCnal considera-as como impostos 4º/3 LGT. Ex: encargo de mais-valia → contribuição especial incidente em
geral sobre o aumento de valor de prédios rústicos que, em virtude de obras de urbanização ou da construção
de infraestruturas, ficam aptos para a construção.
• Contribuições especiais pelo maior desgaste ou maior despesa - 4º/3 – 2ª parte: quantias que são cobradas
em razão do maior desgaste ocasionado nos bens públicos pela atividade desenvolvida pelo particular; ocorrem
nas situações em que é devida uma prestação em virtude de as coisas possuídas ou de a atividade exercida
pelos particulares darem origem a uma maior despesa das autoridades públicas. A atuação particular provoca
um desgaste maior nos bens públicos, mas um desgaste que não conduzimos à lógica de prestação e
contraprestação, pois é um desgaste difuso, que não conseguimos medir → desgaste que deve ser
compensado. O particular deve compensar esse maior desgaste que provoca em bens que são da comunidade
toda. O TCnal disse que seguem o regime dos impostos. Ex: encargo de compensação por parqueamento
deficitário → este encargo foi criado por uma autarquia e incidia sobre os promotores imobiliários que, ao
construírem edifícios, não construíssem o correspondente parqueamento necessário para servir os edifícios
construídos.

O TCnal considerou que as contribuições especiais são impostos – “consideram-se impostos”, seguem o regime
jurídico-constitucional dos impostos - 4º/3 parte final LGT. Mas já na altura havia tributos que não se enquadravam
em nenhum dos dois subtipos de contribuições especiais (contribuições para a Segurança Social e taxas para
organismos de coordenação económica). O TCnal disse que deveriam seguir o regime jurídico-constitucional dos
impostos. Mas surgiu a ideia de que estaríamos perante impostos com características especiais, o que justificaria
alguma adaptação do regime jurídico-constitucional próprio dos impostos. Não sendo perfeitamente bilaterais e
havendo dúvidas, devem seguir o regime dos impostos: a competência para a sua criação deve ser da AR. Casalta
Nabais: os impostos especiais apresentam a particularidade de terem por base manifestações da capacidade
contributiva de determinados grupos de pessoas resultantes do exercício de uma atividade administrativa pública e não
do exercício de uma atividade do respetivo contribuinte como acontece nos impostos. Nas contribuições, há uma
prestação pública traduzida numa vantagem que, embora indeterminada relativamente a cada contribuinte como nos
impostos, não deixa de ser determinável na perspetiva do grupo beneficiado pela correspondente atividade
administrativa.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Nos últimos 10 anos, emergiram uma quantidade significativa de contribuições financeiras modernas ou de
nova geração: contribuições estabelecidas a favor de entidades reguladoras e de supervisão; destinadas a financiar
o funcionamento e as atividades dessas entidades. Estes tributos surgem normalmente com a designação de taxas.
Ex: ERC, saúde, segurança alimentar, produção e distribuição de energia elétrica → conjunto de tributos que
normalmente surgem com a designação de taxa que têm como sujeito passivo/são cobrados às empresas que atuam
nos mercados que se encontram sob regulação e supervisão. Têm por base uma prestação de natureza grupal a pagar
pelo conjunto dos regulados à respetiva entidade ou agência de regulação. Ex. entidades reguladoras e de supervisão:
Banco de Portugal, entidade reguladora da energia. Há um conjunto de entidades que surgiu na sequência da
liberalização, em setores de atividade que estavam integralmente reservados ao Estado, ou este tinha de intervir e
dominar a 51%, constatou-se que era do interesse dos consumidores que as entidades tivessem sob regulação.
As contribuições financeiras modernas têm como objetivo o financiamento do funcionamento das entidades de um
modo geral. Características destes tributos:
> Têm carácter grupal: são tributos que têm como sujeito passivo empresas que atuam no mesmo setor de
atividade, e portanto têm características semelhantes → relativa homogeneidade, pode ser afirmada mesmo
quando estamos num mercado em que há empresas com volume de negócio mais elevado do que outras →
dá-lhes esta característica da homogeneidade. O carácter grupal está ainda presente na ideia de que todos
são beneficiários da atividade de regulação desenvolvida pela entidade reguladora respetiva, na medida em
que, estando aquela atividade sob regulação, o mercado está fiscalizado e mesmo que a entidade reguladora
não dirija a cada um prestações específicas, a circunstância de a entidade desenvolver a sua atividade
beneficia o mercado;
> Benefício reflexo/vantagem difusa: não se pode quantificar na esfera de cada um. Ex: garantia de proteção dos
consumidores, condições cumpridas → vantagens para todos.

Estas características já estavam presentes nas outras contribuições financeiras.


Relativamente às contribuições modernas ou de nova geração, colocam-se os seguintes problemas:

▪ Quem tem competência para a sua criação (criar de novo ou alteração dos elementos essenciais)?
Não é possível encontrar uma contraprestação específica. Uma empresa que cumpre toda as regras paga a mesma
contribuição de uma empresa que não cumpre as regras. A contribuição é paga independentemente de ser dirigida
uma contraprestação específica àquele que ficou obrigado a pagar. Então, o benefício reflexo traduz-se numa
vantagem difusa: a empresa que cumpre todas as regras, embora sozinha não justifique a existência da entidade
reguladora, tem um benefício reflexo que advém da existência da entidade reguladora → faz com que o mercado
funcione. Competência – a doutrina discute:
- Aproximação às taxas: quem pode criar é a própria entidade reguladora ou por ex. o Ministro que tutela o setor;
- Aproximação aos impostos: linha seguida pela jurisprudência do TCnal para as contribuições especiais, na
dúvida devemos aproximar o tributo dos impostos se ele não for perfeitamente bilateral → reserva de
competência da AR. [Sérgio Vasques e Casalta Nabais.]

▪ Qual é o critério que deve orientar a fixação do quantitativo destes tributos – doutrina discute:
- Aproximação às taxas: princípio da proporcionalidade ou da equivalência. [Pelo facto de existir a entidade
supervisora naquele mercado, presume-se que todos retirem vantagens.] Custo ou benefício → medir ou
presumir e, a partir da presunção, fixar um quantitativo; proporcionalidade entre as taxas a pagar pelo conjunto
dos regulados do setor de atividade sujeito a regulação pública e a respetiva prestação específica traduzida na
prestação desse serviço de regulação e supervisão suportado pela correspondente entidade ou agência de
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

regulação, conquanto se reporte efetivamente aos custos desse serviço e não a quaisquer outros [Sérgio
Vasques e Casalta Nabais];
- Aproximação aos impostos: princípio da capacidade contributiva. Não temos de procurar equivalência entre
quantitativo e contribuição, temos de tributar cada uma das empresas em função da capacidade que cada uma
revela. Ex: setor da comunicação social – contribuição assenta numa fórmula 0,25% x volume de negócios de
cada empresa → fórmula típica de calcular um imposto, o volume de negócios é aquilo que a empresa faturou
pela prestação de serviços aos seus clientes → pode parecer-nos que o critério subjacente é o da capacidade
contributiva, mas aqui o volume de negócios permite presumir o volume de atividade. As empresas com maior
volume de atividade exigem uma atenção/atividade maior por parte da entidade reguladora.

Sérgio Vasques tem posição igual à de Casalta Nabais: quanto ao problema da competência, diz-nos que, por
enquanto, há aproximação aos impostos → é a AR que pode criar. Quanto ao critério de fixação, há aproximação às
taxas, por enquanto. Num tributo a meio caminho entre impostos e taxas, os dois autores colocam também o tributo
a meio caminho. “por enquanto”: revisão constitucional de 1997, o atual art. 165º/1-i) CRP → até à revisão de 1997, o
168º/1-i) reservava à AR a criação de impostos e sistema fiscal; com a revisão, o 165º/1-i) diz-nos que a criação de
impostos e sistema fiscal e a definição do regime geral das taxas e demais contribuições financeiras estabelecidas a
favor de entes públicos é matéria de reserva relativa de competência legislativa da AR. Quanto aos impostos, reserva
à AR a criação de novo e a alteração dos seus elementos essenciais; quanto às taxas (definição do regime geral das
taxas) e às contribuições financeiras (definição do regime geral das contribuições financeiras) → a doutrina vê um
comando: o legislador ordinário deve criar um regime geral de taxas e contribuições financeiras. Não há Regime Geral
de taxas, mas há RGTAL – considera-se suficiente por analogia para um regime geral de taxas. Quanto às contribuições
financeiras, não há regime geral – “por enquanto”: enquanto não for cumprido o comando constitucional do 165º/1-i),
ou seja, enquanto não for aprovado um regime geral de taxas e contribuições financeiras, as contribuições financeiras
estão nesta indefinição e por essa razão não são perfeitamente bilaterais → por enquanto, mantêm-se as cautelas: só
a AR deve poder criar as contribuições (competência). Já na fixação do quantitativo o critério a seguir deve ser o das
taxas, ou seja, princípio da proporcionalidade ou equivalência.
A jurisprudência está em ebulição nesta matéria.

➢ Taxas e preços
O ponto de partida para esta contraposição está no critério formal da fonte da obrigação:
• Taxas: consubstanciam obrigações ex lege; nascem pelo mero preenchimento de um pressuposto legal, sendo
a vontade d sujeito ativo e passivo irrelevante ao respetivo conteúdo e validade; ainda que as taxas sejam
exigidas em virtude da prestação de bens ou serviços, dando corpo a uma relação de troca com os contribuintes,
elas não deixam de possuir a natureza coativa característica de todos os tributos públicos.
• Preços: consubstanciam obrigações ex voluntate; geram-se pelo acordo das partes, através de um mecanismo
de tipo negocial.

II – Princípios do Direito Fiscal


Regime jurídico-constitucional próprio dos impostos:
Conjunto de princípios constitucionais fundamentais em matéria fiscal. Estes princípios assumem uma relevância
tal que chamamos a este conjunto de normas Constituição Fiscal.

✓ Princípio da legalidade fiscal:

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

- Vertente formal: fixa uma reserva relativa de competência legislativa à AR quanto aos elementos essenciais
de um imposto; a matéria dos impostos é tão importante que a criação de impostos ou alteração dos seus
elementos essenciais só pode ocorrer na AR.
- Vertente material: por construção doutrinária, este princípio chama-se princípio da tipicidade ou princípio
da determinabilidade. Esta vertente responde à questão do tipo de técnicas utilizadas pelo legislador para
legislar em matéria de impostos; a CRP impõe que o legislador determine o mais possível os elementos
essenciais do imposto → para que o contribuinte seja capaz de antecipar as consequências fiscais.

✓ Princípio da capacidade contributiva → princípio da igualdade em matéria de impostos; funciona como


pressuposto da tributação; só pode pagar imposto quem tem capacidade e os que têm capacidade podem ser
diferenciados em função dessa capacidade.

104º CRP – traves mestras do sistema fiscal. Aos impostos extrafiscais não devemos aplicar as normas da
constituição fiscal, mas sim da constituição económica → paradoxo, torna menos exigente a análise da extrafiscalidade.
Pode fazer surgir impostos verdadeiros mas disfarçados como impostos extrafiscais. Dizer que só os verdadeiros
impostos estão sujeitos à constituição fiscal é dizer que os outros impostos não estão sujeitos às mesmas exigências.

➢ Princípio da igualdade
Não tem em matéria fiscal uma expressão constitucional específica. O princípio constitucionalmente consagrado
está consagrado em termos gerais no 13º CRP, sendo que a CRP consagra o princípio da igualdade tributária apenas
de forma implícita, como uma particularização do princípio geral de igualdade do 13º. O princípio da igualdade fiscal é
construído dogmaticamente a partir deste artigo.
Critérios que devem servir à repartição dos diferentes tributos públicos: critério da capacidade contributiva para
os impostos e critério da equivalência para as taxas e contribuições → critérios distintivos intra-sistemáticos que
exprimem o sentido elementar da justiça quando ponderadas as finalidades que são típicas dos tributos públicos. A
concretização do princípio da igualdade tributária passa, antes do mais, pela adequação de taxas, contribuições e
impostos a estes critérios fundamentais de repartição, dos quais se extraem corolários precisos na conformação dos
seus elementos essenciais. Além disso, passa ainda pelo controlo rigoroso das derrogações que o legislador introduza
a estes critérios materiais de repartição com vista à prossecução de objetivos de natureza extrafiscal. O princípio da
igualdade não possui valor absoluto, devendo articular-se sempre com outros princípios constitucionais. A
extrafiscalidade e os critérios distintivos extra-sistemáticos que ela encerra hão-de ser sempre sujeitos a um controlo
de proporcionalidade, havendo que perguntar: (a) se a lesão que o legislador impõe à igualdade tributária quando faz
uso de agravamentos e desagravamentos extrafiscais se mostra necessária à prossecução do objetivo extrafiscal em
causa, não se dispondo de alternativa menos lesiva para o efeito; (b) se ela se mostra adequada à prossecução do
objetivo em causa, encontrando-se com este numa relação de meio-fim; e (c) se essa lesão da igualdade se mostra
proporcionada, em sentido estrito, aos ganhos extrafiscais que com ela se pretende obter. Quer isto dizer que a mera
invocação pelo legislador de um qualquer interesse extrafiscal não é o bastante para justificar o agravamento ou
desagravamento de um tributo feito em derrogação da igualdade tributária; estejam em causa taxas, contribuições ou
impostos, é necessário que esse interesse extrafiscal revele uma tal intensidade que torne proporcionada a derrogação
da igualdade. Sempre que as medidas extrafiscais sobrevivam a este teste de proporcionalidade, devemos considerá-
las legítimas; se falham, há violação do 13º CRP.

▪ Princípio da capacidade contributiva

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Princípio da igualdade fiscal: é traduzido pelo princípio da capacidade contributiva. Se o propósito dos
impostos está em fazer com que os membros de uma comunidade contribuam para despesas que podem aproveitar a
todos de modo indistinto, a única solução que se afigura materialmente justa é a de fazer com que cada um contribua
na medida da sua força económica. A capacidade contributiva é o critério de repartição para o qual aponta
inequivocamente o princípio da igualdade logo que o projetamos sobre o domínio dos impostos, razão pela qual o
princípio da capacidade contributiva não carece de consagração constitucional explícita, bastando o princípio geral de
igualdade do 13º CRP.
Se, segundo o princípio da igualdade, todos são iguais perante a lei → em matéria fiscal:
- Todos devem pagar imposto;
- Todos devem pagar segundo o mesmo critério.

Visão formal. Mas a visão que estamos a ver do princípio da capacidade contributiva já traduz a evolução para
uma igualdade material → todos devem pagar imposto mas todos corresponde a quem? → todos os que podem pagar;
todos os que evidenciam ter condições económicas para pagar, ou seja, todos os que revelam capacidade contributiva.
Como o imposto é uma realidade económica, como se traduz numa agressão ao rendimento/património/riqueza, o
imposto só pode incidir sobre manifestações de riqueza → o todos tem a leitura de que só ficam sujeitos ao pagamento
de imposto quem demonstre ter condições para pagar. O princípio da capacidade contributiva diz-nos que os impostos
devem adequar-se à força económica do contribuinte e, por isso, o seu alcance mais elementar está na exigência de
que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas.
O princípio da capacidade contributiva é um pressuposto da tributação: consequência evidente → os impostos têm
de incidir sobre bens económicos, isto é, sobre bens fiscais. Isto significa que o legislador tem de selecionar como
factos tributários manifestações efetivas de capacidade contributiva. E, por isso, por ex., se a Lei do OE trouxer um
imposto que visa incentivar a natalidade e incide sobre os casados ou unidos de facto há mais de 10 anos que não
tenham filhos → imposto inconstitucional do ponto de vista do princípio da capacidade contributiva, porque escolhe
uma realidade que não pode servir de base ao cálculo do imposto. Revelamos capacidade contributiva através do
rendimento, património e consumo → indícios que podem ser usados como manifestações de capacidade contributiva.
Os impostos para assumirem o princípio da capacidade contributiva têm de incidir sobre bens económicos. É de excluir
a tributação de realidades inteiramente desprovidas de valor económico, como, por ex., a simples existência do próprio
contribuinte.
Ao nível dos impostos sobre o rendimento, o imposto é centrado no rendimento global, porque é ele que revela a
capacidade contributiva total. Para além disso, o imposto garante a exclusão de tributação do mínimo de existência.
Aqui, já estamos perante elementos de pessoalização. Os impostos pessoais diferenciam os contribuintes que atingem
em função da sua capacidade contributiva, excluindo a tributação do mínimo de existência → podemos ter sujeitos
passivos que evidenciam capacidade contributiva, que preenchem os pressupostos de facto das normas de tributação,
mas no entanto não têm capacidade contributiva suficiente → o mínimo de rendimento obtido não é suficiente para
satisfazer as necessidades básicas do próprio e do seu agregado. O rendimento abaixo do mínimo existencial não
revela capacidade económica suficiente para ser tributado. Um imposto sobre o rendimento que é real pode violar esta
ideia. Os elementos de pessoalização fazem parte da conceção material do próprio princípio da igualdade.
O princípio da capacidade contributiva ser um pressuposto da tributação quer dizer que, sem capacidade
contributiva, não pode haver tributação. Em alguns impostos, temos de perceber ainda que o imposto tem de
salvaguardar o mínimo para sobreviver. Isto já articula o princípio da igualdade com o princípio do estado social. Para
estar em correspondência com o princípio da capacidade contributiva, um imposto, para além de incidir sobre a riqueza,
deve incidir sobre ela de um modo determinado → de um modo que reflita a força económica real do contribuinte e os
recursos que a sua vida pessoal e familiar lhe deixa disponíveis para pagar o imposto. Assim, o imposto só deve

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começar onde comece esta força económica, operando a capacidade contributiva como pressuposto da tributação, e
deve terminar onde essa força económica termine também, operando a capacidade contributiva como seu limite.
Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva tem de ser assumido como critério da tributação: todos que
tenham capacidade contributiva devem pagar imposto segundo o mesmo critério → critério da capacidade contributiva.
O imposto deve apresentar uma estrutura que reflita as condições de vida do contribuinte e da sua família, podendo
dizer-se que, enquanto critério de igualdade tributária, o princípio da capacidade contributiva se traduz essencialmente
numa exigência de personalização do imposto.

A capacidade contributiva é pressuposto da tributação e, para além disso, é um critério modelador ou orientador
das regras de tributação → o único critério à luz do qual os sujeitos passivos com capacidade podem ser diferenciados.

Consequências/manifestações/corolários do princípio da capacidade contributiva, sobretudo ao nível dos impostos


sobre o rendimento:
> Princípio do rendimento líquido: o imposto, para tributar usando como critério a capacidade contributiva,
tem de assegurar a dedutibilidade dos gastos ou dos custos necessários (e efetivamente suportados) para a
obtenção dos rendimentos. Ou seja, o princípio diz-nos que o imposto não pode tributar rendimentos brutos
→ o rendimento bruto não exprime a verdadeira capacidade que os contribuintes têm para suportar o imposto,
só podendo esta apreender-se quando se lhe subtraiam as despesas necessárias à angariação do rendimento
e as despesas necessárias à sobrevivência do contribuinte → os impostos sobre o rendimento devem
contemplar deduções objetivas, correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se
necessárias à angariação do rendimento, e que se devem adequar à natureza de cada tipo de rendimentos.
Ex: A é proprietário de um imóvel, que está arrendado e gera uma renda anual no valor de 20.000 → A aufere
o rendimento de 20.000; devido a uma tempestade, o imóvel de A sofreu danos; A tem de suportar despesas
com a substituição do telhado e dos vidros no valor de 10.000 → se o imposto que tributa o rendimento de A
tributar de acordo com o princípio da capacidade contributiva, este imposto tem de assegurar que não tributa
apenas o rendimento que A obteve, mas sim tributa o rendimento ponderando os custos que A realizou para
garantir o arrendamento. Estas despesas são dedutíveis – a sua dedutibilidade é uma exigência do princípio
da capacidade contributiva. No CIRS dos 25º-51º está o princípio do rendimento líquido.

> Princípio do rendimento disponível: o imposto tem de assegurar a dedutibilidade das despesas pessoais e
familiares socialmente relevantes (pelo menos as de 1º nível), que implicam (na medida em que implicam)
menor disponibilidade do rendimento obtido. Consagração de deduções subjetivas (pessoalização), pois as
deduções objetivas resultam dos gastos/custos necessários para obter rendimento→ as deduções subjetivas
correspondem às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à sobrevivência do
contribuinte e à manutenção das suas condições de vida elementares; a parcela do rendimento que o
contribuinte empregue na satisfação de necessidades básicas como as de saúde, educação ou habitação não
pode considerar-se disponível para o pagamento do imposto, tratando-se de um rendimento vinculado, que o
contribuinte não tem liberdade de empregar de outro modo. As deduções à coleta previstas no CIRS são uma
das formas de dar corpo ao princípio da capacidade contributiva, atendendo-se hoje a encargos pessoais que
eram irrelevantes noutros tempos, como as despesas com lares suportadas com os ascendentes do sujeito
passivo.

Nem todas as manifestações sintéticas de riqueza são identicamente capazes de espelhar a força económica dos
contribuintes e nem todas facultam o mesmo grau de pessoalização do imposto. O melhor indicador da força económica

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dos contribuintes está no seu rendimento → por isso, são os impostos sobre o rendimento que melhor permitem atender
à condição pessoal dos contribuintes, à composição do seu agregado familiar, às suas condições de saúde ou gastos
com habitação. Um dos corolários elementares do princípio da capacidade contributiva está na exigência de que os
impostos pessoais sobre o rendimento constituam o centro do sistema fiscal → IRS - 104º/1 CRP. O princípio da
capacidade contributiva concretiza-se plenamente nos impostos pessoais sobre o rendimento, mas o seu alcance
diminui na tributação do património, e ainda mais na tributação do consumo.

> Tributação do rendimento global: se pretendemos que estes impostos espelhem fielmente a força económica
dos contribuintes, é necessário que a base de incidência seja definida de modo tão largo quanto possível e que
o rendimento tributável compreenda todo e qualquer fluxo de riqueza. O princípio da capacidade contributiva
exige a oneração do rendimento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino. Nos impostos
sobre o rendimento, o conceito de rendimento adotado deve ser o mais amplo possível, o que, no nosso sistema
fiscal, se traduz na adoção do conceito de rendimento-acréscimo, sendo rendimentos a aplicação de capitais,
rendas, lucros gerados pelas entidades empresariais, proveitos que resultem dos jogos de fortuna ou azar,
etc…, tanto para efeitos de IRS como IRC. O princípio exige que se alargue o rendimento tributável a todo o
acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tributando-se também
ganhos fortuitos como as mais-valias, os rendimentos de jogo ou as liberalidades. Ao nível dos impostos sobre
património e consumo, este ajustamento é mais complicado.

> Tributação de rendimentos reais – 104º/2 CRP: princípio estruturante da tributação das empresas; nos
rendimentos empresariais (de pessoas singulares ou de pessoas coletivas ou equiparadas), temos o corolário
do princípio da capacidade contributiva como princípio da tributação de rendimentos reais (104º/2 – lucro real).
Deste imperativo decorre que a determinação do lucro tributável das empresas deve assentar
fundamentalmente na sua contabilidade. Deste imperativo da tributação do rendimento real decorre também um
princípio de declaração, o princípio de que os dados declarados pelo contribuinte e inscritos na sua contabilidade
regularmente organizada devem considerar-se à partida verdadeiros (75º LGT).

Na escolha da base tributável do imposto, isto é, quanto à sua base de cálculo, decorre do princípio da capacidade
contributiva a exigência elementar de que ela possua natureza ad valorem, não devendo nunca revestir natureza
específica ou ad rem; devem ser tributados valores (ad valorem). É o valor dos rendimentos que uma pessoa aufere,
tal como o valor do património que ela possui ou o valor do consumo que realiza, que nos dá a noção da força
económica que ela tem para suportar o imposto.
Quanto às presunções de capacidade contributiva, o princípio da capacidade contributiva implica uma proibição
absoluta de presunções inelidíveis (iuris et de iure), ou seja, tende à exclusão de deduções estandardizadas que levem
a uma tributação por presunção.
A proporcionalidade das taxas também se encontra dentro do princípio da igualdade. Este exige que as taxas do
imposto sejam uniformes, onerando do mesmo modo todos os elementos do rendimento, património ou consumo, pois
que é o valor do rendimento, património e consumo que indicia a força económica do contribuinte e não a sua qualidade.
O princípio da capacidade contributiva exige taxas uniformes de imposto, vedando a discriminação qualitativa do
rendimento. Hoje em dia, entende-se que o princípio da capacidade contributiva não exige verdadeiramente uma escala
de taxas progressiva: o resultado pretendido obtém-se com um imposto proporcional, porque quando se aplica a
mesma taxa de imposto a rendimentos diferentes, o montante do imposto devido varia na sua direta proporção, sendo
os contribuintes mais ricos tributados de modo mais oneroso do que os contribuintes mais pobres.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

▪ Princípio da equivalência
O princípio da equivalência representa o critério de igualdade materialmente adequado a taxas e contribuições →
estas constituem tributos comutativos, no sentido em que visam a compensação de prestações administrativas de que
o sujeito passivo é causador ou beneficiário, presumível ou efetivo; é-lhes inerente uma ideia de troca entre o estado
e o contribuinte. Ao pagarmos as taxas e as contribuições, não custeamos os encargos gerais da comunidade, em
cumprimento de um qualquer dever de solidariedade, mas custeamos antes prestações de que somos causadores ou
beneficiários e cujo financiamento é justo que seja da nossa responsabilidade.
Se o propósito de taxas e contribuições está em fazer com que os membros de uma comunidade contribuam para
despesas de que são causadores ou beneficiários, a única solução que se afigura materialmente justa é a de fazer
com que cada um contribua na medida do custo ou valor dessas mesmas prestações. A equivalência é o critério de
repartição para o qual aponta o princípio da igualdade logo que o projetamos sobre taxas e contribuições, razão pela
qual o princípio da equivalência não carece de consagração constitucional explícita, resultando do princípio geral de
igualdade acolhido pelo 13º CRP.
O princípio da equivalência diz-nos que taxas e contribuições devem adequar-se ao custo ou valor das prestações
públicas e, por isso, o seu alcance mais elementar está na exigência de que estes tributos comutativos se dirijam a
custos ou benefícios reais e não apenas imaginários, ficando excluído o lançamento de taxas e contribuições onde eles
não se possam identificar com um mínimo de objetividade. Esta exigência exprime o alcance do princípio da
equivalência como pressuposto da tributação, sendo de menor relevo quanto às taxas (que incidem sobre prestações
efetivas), mas assumindo grande importância no que respeita às contribuições, incidentes sobre prestações apenas
presumidas.
Enquanto que o princípio da capacidade contributiva aponta para a tributação do rendimento, o princípio da
equivalência não aponta para uma qualquer base de incidência preferencial; ainda assim, o princípio ‘prefere’ as taxas
enquanto instrumento de tributação. As taxas, assentando sobre prestações efetivas e possuindo base muito estreita,
são melhor capazes de materializar uma relação de troca entre o contribuinte e a administração do que as
contribuições, que incidem sobre prestações presumidas por natureza mais difusas. As taxas permitem adequar o
encargo tributário ao custo provocado pelo contribuinte ou ao benefício que lhe é facultado → o legislador deve tomar
as taxas como primeira escolha, e encarar as contribuições apenas quando se proponha a fazer a compensação de
custos e benefícios pela via tributária. Ex: é preferível a cobrança de taxas de portagem associadas à utilização de
troços concretos da rede viária do que a cobrança de uma contribuição rodoviária anual, exigida sem olhar à utilização
real das estradas.
O princípio da equivalência exige ainda que as taxas e contribuições apresentem uma estrutura interna que leve
contribuintes que provoquem custos iguais ou aproveitem benefícios iguais a pagar tributo igual e aqueles que
provoquem custo diferente ou aproveitem benefício diferente a pagar tributo diferente.

Corolários do princípio da equivalência na estruturação dos tributos comutativos:


> Exigência de uma base de incidência objetiva estreita: o princípio da equivalência concretiza-se tanto
melhor quanto mais estreita for a base de incidência objetiva de taxas e contribuições, pois que só deste
modo conseguimos desagregar com rigor os custos e benefícios que com elas pretendemos compensar.
Este princípio exige que os tributos comutativos sejam diferenciados em função dos custos e benefícios a
compensar e é evidente que essa diferenciação há-de passar pelo estreitamento ou fragmentação da
respetiva base objetiva de incidência. Sob a reserva do praticável, sempre que o legislador lance taxas ou
contribuições sem o grau de desagregação que no caso lhe seja exigível, sujeitando ao mesmo encargo
tributário contribuintes que geram custos ou que aproveitam benefícios manifestamente diferentes, deve
considerar-se lesado o princípio da equivalência e com ele o princípio da igualdade acolhido no 13º CRP

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

(‘sob a reserva do praticável’ – não é praticável um sistema tributário feito de um nº ilimitado de taxas e
contribuições, com as quais se pretenda compensar o mais pequeno custo ou benefício). Enquanto que a
capacidade contributiva aponta para um nº estreito de impostos, assentes em bases de incidência largas,
o princípio da equivalência aponta para um nº largo de taxas e contribuições, assentes em bases de
incidência estreitas.

> Exigência de uma base de incidência subjetiva estreita: esta releva menos do que a fixação da
incidência objetiva dos tributos comutativos. Uma vez fixadas com clareza as prestações administrativas
a compensar, ficam identificadas com clareza as pessoas que as provocam ou aproveitam; esta é uma
tarefa mais simples quanto às taxas, assentes sobre prestações efetivas solicitadas pelos particulares, do
que quanto às contribuições, assentes sobre prestações mais difusas que apenas podemos presumir
provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes. Ex: é fácil determinar quem utiliza um
troço da autoestrada, mas já não é tão fácil determinar quem aproveita da regulação dos mercados
financeiros. As contribuições oneram o indivíduo em virtude da sua pertença a um grupo que se presume
provocar ou aproveitar certas prestações. A fixação da incidência subjetiva das modernas contribuições
faz-se recorrendo a três noções da jurisprudência alemã:
i. homogeneidade de grupo: exigência de que as contribuições incidam sobre grupos de pessoas
que se distingam do todo da comunidade pela partilha de interesses ou qualidades determinadas;
ii. responsabilidade de grupo: exigência de que estes tributos incidam sobre grupos de pessoas que
tenham especial responsabilidade pela concretização do objetivo a que o tributo se dirige, como
a coordenação de um setor económico;
iii. utilidade ou aproveitamento de grupo: exigência de que estes tributos onerem grupos de pessoas
aos quais se possa dizer que aproveitam as prestações que assim se pretendem financiar, ainda
que a receita não se empregue em proveito de todos e cada um dos seus membros.
As modernas contribuições devem ser estruturada de forma que incidam sobre grupos bem delimitados
de pessoas que partilhem a provocação presumível de um mesmo custo ou o aproveitamento
presumível de um mesmo benefício. Em face do princípio da equivalência, é de excluir que se lancem
tributos sobre grupos avulsos de contribuintes para compensar custos gerados por grupos de pessoas
diferentes ou para financiar prestações que aproveitam a grupos de pessoas diferentes, casos em que
estaremos perante uma evidente lesão da igualdade tributária.

> Exigência de uma base tributável específica: as taxas e contribuições visam compensar o custo ou
valor das prestações administrativas que se dirigem aos contribuintes; estes tributos devem revestir um
montante fixo ou um montante variável, calculado em função dos elementos melhor capazes de revelar
o custo ou valor daquelas prestações. Quando se quer compensar o custo de uma prestação, há que
olhar aos encargos suportados pela administração e desagregá-los com tanto rigor quanto possível, para
fixar o tributo em conformidade; quando se vise compensar o valor de uma prestação, há que proceder a
uma comparação entre as prestações públicas e prestações semelhantes realizadas por operadores
privados, sendo o tributo ajustado a este valor determinado. O cálculo do custo ou valor das prestações
administrativas faz-se empregando bases tributáveis específicas ou ad rem e nunca bases tributáveis ad
valorem (a criação de taxas e contribuições assentes no valor do rendimento, património ou consumo do
contribuinte não é admissível em face do princípio da igualdade) → a riqueza do particular não constitui
um indicador válido do custo ou valor de uma prestação pública.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

> Exigência de que revistam montante próximo do custo ou valor das prestações a compensar, não
o devendo ultrapassar de modo significativo: o princípio da equivalência veda as taxas e contribuições
excessivas mesmo que o excesso não chegue a ser manifesto. Ex: se o estado fixa uma taxa de 120 em
contrapartida de prestação com custo 100, os contribuintes em causa resultam discriminados, pois o
excesso que lhes é cobrado acaba por custear prestações diferentes que aproveitam a terceiros e que
por estes devem ser suportadas. A quantificação excessiva de taxas e contribuições encerra sempre um
problema de igualdade tributária. Enquanto projeção da igualdade tributária, o princípio da equivalência
exige que o montante das taxas e contribuições se adeque ao custo ou valor médio e aproximado das
prestações que estes tributos visam compensar. Quando o montante de uma taxa ou contribuição
ultrapassa o custo ou valor aproximado das prestações públicas que visam compensar, estas taxas ou
contribuições não se convolam em impostos; o que sucede é que essas taxas ou contribuições estarão
feridas de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária acolhido no 13º CRP, de
que o princípio da equivalência é uma expressão.

> Consignação da receita: afetação legal da receita que estes tributos geram à cobertura de despesas
determinadas. As taxas e contribuições constituem tributos comutativos, que dão corpo a uma troca entre
o estado e o contribuinte, levando cada um a contribuir para o sustento da comunidade em função das
prestações efetivas ou presumidas que dela recebe. A justiça dita que taxas e contribuições sejam
repartidas em função do custo ou valor dessas prestações, de acordo com o princípio da equivalência, e
que a receita por elas gerada seja afeta à cobertura dessas prestações em vez de o ser aos encargos
gerais da comunidade ou a prestações de natureza diversa. O princípio da não consignação não se aplica
a taxas e contribuições, sendo que a estes tributos se deve antes aplicar o princípio da consignação da
receita → Lei de Enquadramento Orçamental – nº 151/2015 art. 16º: proíbe a consignação, mas
exceciona as receitas da SS. A consignação destes tributos pode ser: direta ou material, quando o
legislador afeta a receita a despesas determinadas, identificando a sua finalidade no orçamento de uma
dada entidade pública (ex: taxa de portagem fica afeta à manutenção de uma ponte); ou indireta ou
orgânica, em que o legislador afeta a receita a dada entidade pública como sua receita própria,
identificando apenas o respetivo titular porque sabe caber-lhe a realização de despesas determinadas
(ex: afetação da contribuição audiovisual à RTP).

➢ Princípio da legalidade tributária/fiscal


O princípio da legalidade tributária exige que as leis de imposto sejam votadas pelo parlamento democraticamente
eleito e que essas leis fixem os elementos essenciais dos impostos com a densidade bastante para garantir a
segurança dos contribuintes.
Este princípio tem duas dimensões/vertentes - cada uma destas vertentes tem uma teleologia própria, que
conjugadas criam a garantia fundamental de afastar imposições arbitrárias de impostos:

1. Princípio da legalidade em sentido formal: princípio da reserva parlamentar em matéria de criação de


impostos. 165º/1-i) CRP: diz respeito à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, havendo aqui um princípio da representatividade, ligado ao princípio do autoconsentimento e da
autotributação → sendo o parlamento quem tem essa capacidade representativa, há publicidade nas decisões
tomadas, mas pode haver uma lei da autorização legislativa ao Governo, sendo que essa lei fixa o objeto,
sentido, extensão e duração. O princípio da legalidade tem uma manifestação anual (princípio da anualidade),

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

devendo a lei do orçamento de Estado traduzir este princípio em relação aos impostos existentes. Na sua
vertente formal, o princípio da legalidade tem como fundamento a autotributação.
A reserva de lei parlamentar continua a servir um propósito de legitimação democrática, no sentido em que
assegura que todas as formações partidárias são chamadas de algum modo à fixação das opções políticas que
estruturam o sistema tributário e as figuras que o integram.
165º/1-i): reserva de lei de imposto e reserva de regime geral das taxas e contribuições (alteração introduzida pela
Revisão de 97). Em matéria de impostos, vale uma reserva de lei integral, no sentido de que a criação, extinção e
disciplina dos elementos essenciais dos impostos tem que passar pelo parlamento, não podendo ser levada a cabo
pelo governo sem a sua autorização. Em matéria de taxas e contribuições, vale uma reserva de regime geral, ou seja,
a criação, extinção e disciplina destes tributos pode ser levada a cabo pelo governo, na condição de este obedecer ao
regime geral que a AR aprove.
Razões para o diferente tratamento entre taxas, contribuições e impostos para efeitos da reserva de lei
parlamentar: os impostos representam uma ablação especialmente violenta do património privado, justificando-se que
a sua criação seja rodeada de especiais cautelas com vista à garantia dos contribuintes, especialmente das minorias
votantes; os impostos constituem ainda os principais instrumentos na arrecadação da receita e na concretização de
políticas extrafiscais, pelo que se mostra de especial relevo a intervenção plural do parlamento na formação das opções
políticas que lhes estão subjacentes → as preocupações de garantia e de legitimação democrática que estão por trás
da reserva parlamentar manifestam-se com maior intensidade relativamente aos impostos do que aos tributos
comutativos. Relativamente às taxas e às modernas contribuições financeiras, elas têm-se tornado instrumentos de
arrecadação de receita e de políticas extrafiscais cada vez mais importantes ao longo dos últimos anos, tornando-se
indispensável a participação das forças do parlamento na sua estruturação → hoje em dia, também quanto aos tributos
comutativos colocam-se preocupações de garantia e de legitimação subjacentes à reserva de lei parlamentar, ainda
que geralmente menos intensas do que aquelas que nos suscitam os impostos. Taxas: devemos admitir que sejam criadas sem
intervenção parlamentar mesmo antes de aprovado o regime geral. Contribuições: não podem ser criadas sem intervenção parlamentar antes de
aprovado o seu regime geral.

2. Princípio da legalidade em sentido material: princípio da tipicidade ou determinabilidade; vertente intensiva.


103º/2 CRP: diz-nos que os impostos são criados por lei que determina (deve determinar) a incidência, a taxa,
os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. O princípio da legalidade é um comando dirigido ao
legislador, quando cria impostos, no sentido de determinar o mais possível o conteúdo dos elementos
essenciais do imposto (incidência, taxa, benefícios fiscais, e as garantias dos contribuintes), descrevendo
exaustivamente o grupo de factos/situações e sujeitos que quer tributar.
O legislador constituinte português precisou os elementos essenciais do imposto aos quais se estende a reserva
de lei parlamentar; estão reservadas à AR a criação e extinção dos impostos, e ainda a disciplina dos seus elementos
essenciais. Estes elementos essenciais são:
> Incidência: cabe à AR fixar quem deve pagar o imposto (incidência subjetiva) e sobre que matéria
ele há-de incidir (incidência objetiva); âmbito de aplicação do imposto e as suas fronteiras com outros
ordenamentos tributários (incidência territorial); determinação do momento em que se gera ou torna
exigível a obrigação tributária (incidência temporal);
> Taxa: parcela de riqueza que se exige do sujeito passivo;
> Benefícios fiscais: determinam um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em
homenagem a razões de ordem extrafiscal; a sua criação tende a suscitar questões de segurança
jurídica e de tutela das expectativas dos contribuintes, e acarreta sempre uma redistribuição da carga
tributária, aliviando os respetivos beneficiários para, em contrapartida, sobrecarregar os demais

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

contribuintes → importante que a sua discussão passe pela AR, pela maior garantia de transparência
e participação democrática que aí oferece o procedimento legislativo;
> Garantias dos contribuintes: impõe-se a proteção reforçada das minorias e a discussão plural da
reserva parlamentar.
A razão de ser/fundamento desta vertente material é a garantia da previsibilidade, segurança ou certeza jurídica,
legislando com a criação de tipos-legais fechados, se tal for possível. A “criação do imposto” é definida nos termos do
103º/2: criar de novo, alterar os elementos essenciais, extinguir os impostos já existentes. O âmbito desta decisão
contém os elementos essenciais do imposto (incidência, taxa, benefícios ficais e as garantias dos contribuintes). O
respeito pela reserva de lei exige que estes elementos sejam densificados pela própria lei parlamentar, garantindo
segurança e previsibilidade ao dia-a-dia dos contribuintes e o seu tratamento equitativo. A lei deve definir todos os
elementos essenciais do imposto com rigor e deve defini-los em termos tais que se torne possível ao contribuinte prever
com razoável segurança e precisão o montante do imposto que é chamado a pagar. Destas exigências de tipicidade e
determinação resulta que deve ser limitada a discricionariedade da administração na concretização dos elementos
essenciais dos impostos, bem como o uso de conceitos indeterminados no seu recorte legal.
103º/3 – “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição,
que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei”.

A doutrina tende hoje a reconhecer que, dentro de certos limites, a atribuição à administração de faculdades
discricionárias e de uma margem de livre apreciação quanto aos conceitos indeterminados se mostra útil na garantia
da segurança jurídica e da igualdade do sistema. O recurso a uma tipificação mais fechada dos elementos essenciais
dos impostos facilmente produz resultado contrário ao que dela se espera, rigidificando as categorias legais a tal ponto
que não custa encontrar práticas económicas que escapem ao seu alcance pelas mais superficiais razões de ordem
formal, com isto se alimentando a incerteza entre os contribuintes, o tratamento desigual de situações idênticas e um
estímulo permanente à evasão fiscal. Empregues com a devida cautela, estas técnicas flexibilizam o sistema e o tornam
capaz de abranger circunstâncias novas, porventura imprevisíveis ao tempo da formulação da lei.
A noção de que a disciplina dos impostos pode ser integralmente esgotada pela lei parlamentar não parece
verdadeiramente aceitável hoje em dia; as razões da praticabilidade, da segurança e da justiça ditam que também o
governo seja chamado a participar na densificação dos elementos essenciais dos impostos ou que a ela seja chamada
em certa medida a própria administração (produção de regulamentos). Em qualquer caso, a abertura e a
indeterminação da lei fiscal não devem ir além da medida que se mostre justificada por aquelas razões, sendo de exigir
uma determinação tanto maior da lei parlamentar quanto maior for também a essencialidade das matérias em causa.

➢ Princípio do Estado Social


Fundamenta o imperativo constitucional de progressividade, pelo menos ao nível dos impostos sobre o rendimento
e, em particular, sobre o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Este princípio é um princípio
constitucional fundamental em matéria de impostos. É um princípio que nos cria alguns problemas, porque aponta para
finalidades extrafiscais do sistema fiscal. Designadamente, aponta para soluções que têm de ser compatibilizadas com
outros princípios, em particular com o princípio da capacidade contributiva, isto é, o princípio da igualdade fiscal.
Este princípio não é uma pura construção teórica; é um princípio positivado na CRP: esta faz-lhe referência expressa
– 81º-b) + 103º/1 + 104º/1.
 81º-b): a política fiscal é um instrumento de igualdade social; os impostos devem ser usados para corrigir as
desigualdades na distribuição dos rendimentos e da riqueza. Para além da igualdade estritamente fiscal, que
diz que cada um paga segundo as manifestações de capacidade contributiva, o sistema fiscal é um instrumento
que vai tentar corrigir as injustiças da distribuição fiscal primária, fazendo uma distribuição secundária da

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

riqueza. Não tributar apenas em termos iguais em função da capacidade contributiva, mas tributar de maneira
a conseguir que haja um maior nivelamento e igualdade social → corrigir a injustiça na distribuição primária da
riqueza, o facto de uns nascerem ricos e outros pobres, retirando mais daqueles que produzem mais
rendimento.
 103º/1: diz textualmente na 2ª parte “repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.
 104º/1: o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades → finalidade extrafiscal;
será único e progressivo – a progressividade surge-nos como uma consequência da afirmação de que a política
fiscal é um instrumento de igualdade social. O 104º associa os impostos sobre o rendimento, património e
consumo aos imperativos extrafiscais da justiça social e da diminuição das desigualdades. A tributação
progressiva resulta de exigências extra-sistemáticas, ou seja, de um imperativo de igualdade social que não
se confunde com a igualdade tributária. A progressão do imposto tende a ser vista como uma projeção direta
do Estado Social.

O conteúdo essencial do princípio do estado social está na garantia de condições de vida condignas a toda a
população e na redistribuição de riqueza em benefício dos mais carenciados. O estado português não cuida apenas
de promover uma igualdade de oportunidades à partida, preocupando-se também em proteger os que à chegada
fiquem em posição mais desfavorecida.
Como qualquer outro princípio constitucional, o princípio do estado social conhece limitações, devendo ser
compatibilizado com outros princípios e valores da nossa lei fundamental. A garantia dos direitos sociais está sujeita à
reserva do possível num estado com recursos sempre limitados, exigindo do poder público uma hierarquização de
prioridades com grande margem de liberdade e que muda conforme os equilíbrios políticos de cada momento. A
garantia das condições de vida e da redistribuição de riqueza está sujeita também ao respeito dos direitos e liberdades
fundamentais, desde logo da propriedade e da iniciativa privada, significando que estas tarefas não podem ser levadas
tão longe que para fazer ‘justa e solidária’ a sociedade portuguesa, ela deixe por isso de ser ‘livre’.
A concretização deste princípio passa pela utilização de instrumentos de natureza muito diversa, como a fixação
de um salário mínimo, a prestação gratuita de cuidados de saúde ou a manutenção de uma rede de educação pré-
escolar. A Segurança Social representa o mais importante mecanismo público de redistribuição de riqueza.
O princípio do estado social não constitui um mero princípio doutrinário, encontrando-se positivado na CRP → o
legislador constituinte não se limitou a fixar como incumbência do estado português a promoção da justiça social e a
correção das desigualdades na distribuição da riqueza, mas vinculou expressamente o legislador ordinário a um
sistema de tributação progressiva através dos 103º e 104º CRP.

➢ Princípio da segurança jurídica


É um corolário do princípio do estado de direito social, cuja consagração constitucional está no 2º CRP. O princípio
da segurança jurídica tem uma manifestação mais evidente → exigência de previsibilidade. Casalta Nabais: dimensão
de estabilidade das normas fiscais. Ao planear a sua atividade e ao gerir o seu quotidiano, famílias e empresas precisam
de poder confiar na lei tributária e nas orientações da administração, fundando nestes muitas decisões cujos efeitos
económicos se prolongam no tempo. A previsibilidade e a constância da lei tornam-se de superlativa importância
quando lidamos com taxas, contribuições e impostos. Mas esta dimensão de estabilidade conflitua com a
praticabilidade: as normas fiscais regulam um setor da realidade social que está sempre em evolução mais acelerada
(setor económico), em rigor a questão da previsibilidade e estabilidade é um “jogo do gato e do rato” entre o estado e
os contribuintes.
Princípio da tipicidade ou determinabilidade (princípio da legalidade na sua vertente material) impõe que o
legislador, ao formular as normas relativas aos elementos essenciais de um imposto, o faça com um grau de
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

determinabilidade suficiente para garantir segurança jurídica. O princípio da legalidade é um dos vetores pelos quais
atua o princípio da segurança jurídica; mas quando as normas fiscais descrevem de forma exaustiva todos os
pressupostos de facto que podem levar ao imposto, especialmente porque é privado (são os particulares, não a AT),
há rigidificação; a previsibilidade é importante → mas rigidifica as normas, não permite que haja flexibilidade para que
as normas acompanhem a evolução da realidade social. Isto conduz à necessidade de intervenções sucessivas por
parte do legislador → gera instabilidade legislativa. O ciclo da produção legislativa em matéria fiscal é muito curto,
sucedendo-se com ritmo imparável as reformas, leis e acertos pontuais, integrados nas leis do orçamento do estado
ou em diplomas avulsos. A constante evolução da vida económica leva também a que o legislador tributário se veja
obrigado à inovação permanente, com o propósito de se adaptar a novas práticas negociais e combater a evasão e
fraude fiscal → inconstância da legislação tributária. A segurança jurídica torna-se mais difícil de acautelar hoje em dia,
mas nem por isso ela é de menor importância para os contribuintes → as tarefas de liquidação e cobrança dos tributos
públicos deixaram de estar reservadas à administração, sendo agora delegadas nos particulares; com esta privatização
progressiva de funções, as tarefas da interpretação e aplicação da lei tributária impendem em medida cada vez maior
sobre os próprios contribuintes, pelo que a clareza e estabilidade da lei se tornam para eles cada vez mais importantes.
Os objetivos do princípio da segurança jurídica - estabilidade e previsibilidade - estão em ‘guerra’ permanente.
Equilíbrio difícil de encontrar. Dá-se prevalência à previsibilidade, sacrificando-se a estabilidade. Previsibilidade =
certeza jurídica.

O princípio da segurança jurídica tem uma outra manifestação: 103º/3 – consagra um direito de resistência dos
contribuintes e que é multifacetado (12º/1 LGT); e apresenta na parte final o princípio da proibição de
retroatividade em matéria de impostos → proibição expressa, introduzida pela revisão constitucional de 1997.
Não foi inserido antes porque entendia-se que a proibição já decorria do princípio da segurança jurídica. Antes da
revisão de 1997, entendia-se que, em vez de se extrair do princípio da segurança jurídica a proibição por princípio da
retroatividade da lei fiscal, admitindo-a apenas nos casos excecionais em que sobre a segurança preponderem outros
valores; permitia-se por princípio a retroatividade da lei fiscal, rejeitando-a apenas nos casos excecionais em que ela
chocasse intoleravelmente com a segurança jurídica.
Historicamente, em situações de crise muito grave, os impostos tinham eficácia retroativa – 1978, 1983. Acórdão
TCnal 11/83: pronunciou-se sobre o imposto extraordinário criado em 1983 para incidir sobre rendimentos já tributados
e relativos a 1982 (foi criado em outubro de 1983 um imposto extraordinário que incidia sobre rendimentos sujeitos à
contribuição predial, imposto de capitais e imposto profissional em 1982) → era preciso garantir a obtenção de um
determinado volume de receitas, considerou-se que o mais adequado era, em vez de agravar os impostos para aquele
ano, lançar um imposto extraordinário sobre rendimentos que já tinham sido objeto de tributação. Este acórdão é muito
importante porque centra a análise no princípio da segurança jurídica. O acórdão diz-nos que o princípio da segurança
jurídica, apontando para uma proibição de retroatividade, permite que, em circunstâncias excecionais, os impostos
possam ser criados com carácter retroativo → necessidade, adequação e proporcionalidade para determinar se pode
haver violação da proibição de retroatividade ou não. Em 1997, a proibição expressa de retroatividade tem de ter
conteúdo útil: foi inserida na CRP para evitar decisões do TCnal como a supra. A decisão foi: estando o país numa
situação de crise económico-financeira gravíssima, o imposto com carácter retroativo era necessário e adequado, não
afetando de modo intolerável as expectativas/confiança dos contribuintes. Alguns autores dizem que só os países
subdesenvolvidos têm de colocar proibições expressas de retroatividade na CRP.
Problema: com esta proibição expressa do 103º/3, a doutrina pergunta-se: qual o sentido desta proibição expressa?
O artigo proíbe toda e qualquer retroatividade em matéria fiscal? Ou podem/devem ser feitas distinções? Para
responder a esta questão, a maior parte da doutrina diz que o 103º/3 contém uma proibição de princípio, mas essa
proibição não é absoluta → o critério a utilizar é o da proteção da confiança, ou seja, critério da segurança jurídica.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Neste âmbito, surge a distinção entre diferentes graus de retroatividade ou diferente intensidade da retroatividade → a
aplicação do 12º/2 - 2ª parte CC determina uma aplicação imediata da lei nova às situações jurídicas constituídas antes
do início de vigência da lei nova mas que continuam na atualidade – implica um certo grau de retroatividade, mas que
o legislador considera aceitável; a lei nova terá um impacto retroativo na sua aplicação. A retroatividade não é sempre
igual, muitas vezes essa retroatividade no nosso sistema é considerada aceitável e é a regra. O 12º CC ressalva os
efeitos já produzidos pelos factos que a LN venha a regular.
Doutrina distinguiu:
• Retroatividade própria, autêntica ou forte: “retroprovocação de efeitos” (tradução alemã); temos esta
retroatividade quando a lei nova quer aplicar-se a factos ou situações ocorridos antes do seu início de vigência,
já completamente produzidos ou consolidados antes desse início de vigência ou cujos efeitos se produziram
antes do início de vigência da lei nova. Não só quando o facto gerador do imposto se verificou antes do início
de vigência da lei nova, mas também quando esse facto está completamente produzido ou já produziu os seus
efeitos → facto gerador que já está fechado, consolidado, completamente produzido. A lei nova surge e quer
alterar uma realidade que já está consolidada no passado; quer sujeitar a tributação acrescida os rendimentos
do ano anterior, já plenamente formados. A retroatividade forte surge tendencialmente mais gravosa para os
contribuintes, na medida em que o facto tributário está já completamente formado, não lhes restando qualquer
hipótese de compensar o sacrifício adicional que a LN lhes traz.
• Retroatividade imprópria, inautêntica ou fraca: “simples conexão a factos passados”. A lei nova quer aplicar-
se a factos ou situações ocorridos antes do seu início de vigência, mas que não se encontram completamente
produzidos, ou seja, não se encontram consolidados – não se encontrando consolidados, também ainda não
produziram efeitos; a LN quer sujeitar a tributação acrescida os rendimentos do ano em curso, ainda em
formação. A retroatividade fraca surge tendencialmente menos gravosa pois, estando o facto tributário ainda
em formação, resta aos contribuintes ainda alguma margem para compensar o sacrifício adicional que a lei
inesperadamente lhes impõe.

Em face disto, o TCnal e a maior parte da doutrina (liderada pelo Prof. Cardoso da Costa e pelo Prof. Casalta
Nabais) dizem-nos que o sentido a atribuir à proibição do 103º/3 é: a retroatividade autêntica, própria ou forte deve
considerar-se sempre proibida, porque afeta de modo intolerável as expectativas e a confiança dos contribuintes – se
o facto gerador já se produziu completamente, e só depois disso surge a LN a querer tributar esse facto, este tipo de
retroatividade afeta de um modo intolerável a ideia de segurança jurídica. O conteúdo mínimo do princípio da segurança
jurídica tem de nos proteger deste tipo de retroatividade.
Já a retroatividade inautêntica, imprópria ou fraca, sendo, em princípio, proibida, pode ser ponderada e ser
considerada aceitável, desde que se revele necessária, adequada e proporcional, isto é, desde que não afete
intoleravelmente as expectativas dos contribuintes. Ou seja, desde que não afete intoleravelmente o princípio da
segurança jurídica – isto quer dizer que a retroatividade inautêntica sendo, em princípio, proibida, não o é sempre. Mas
também pode ser considerada proibida, em concreto → havendo uma proibição de princípio, o TCnal pode ser chamado
a decidir se, em cada caso concreto, a ponderação destas exigências é de aceitar ou de recusar. Apesar de inautêntica,
o TCnal pode dizer que ela afeta de modo tão intenso as expectativas dos contribuintes que não podemos considerá-
la. Ex: em dezembro, num imposto periódico, alteram-se radicalmente as regras de tributação.
A jurisprudência mais recente do TCnal vem de algum modo pôr em causa, questionar a distinção → neste
momento, corremos o risco de voltar à doutrina do acórdão de 1983. O TCnal recentemente veio dizer que esta
distinção é concetual e que, na verdade, alterar um imposto ou criar um imposto retroativo no dia 2 de janeiro ou dia
31 de dezembro deve ter a mesma consequência – o facto de distinguirmos a retroatividade própria e imprópria pode
criar riscos. Sérgio Vasques: o 103º/3 CRP abrange indistintamente a retroatividade forte ou fraca → o lançamento de

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um imposto adicional sobre os rendimentos do ano anterior com taxa de 1% pode revelar-se menos gravoso do que o
lançamento de um imposto adicional com taxa de 5% sobre os rendimentos do próprio ano em curso; o que justifica
materialmente a proibição constitucional da lei fiscal retroativa é a tutela da segurança jurídica dos contribuintes e, para
esta, é muitas vezes idêntica a lesão que produzem retroatividade forte ou fraca → para o autor, a proibição do 103º/3
abrange qualquer espécie de retroatividade e, no tratamento da lei fiscal retroativa, não devemos sobrevalorizar esta
distinção.
Ac. TCnal nº 128/2009: o 103º apenas proibiria ao legislador fiscal a retroatividade forte.
A proibição da retroatividade, constituindo um corolário do princípio da segurança jurídica, não possui valor
absoluto (tal como não o possui princípio constitucional nenhum), devendo articular-se com outros princípios e valores
constitucionais, que no caso concreto podem manifestar-se com maior intensidade.
Posição de Sérgio Vasques: a proibição da retroatividade vale também quanto às leis que comportem
desagravamento de imposto? Não → o seu propósito essencial é proteger as expectativas legítimas dos contribuintes
contra alterações da lei que, de modo inesperado, venham agravar a sua carga fiscal, não se verificando uma
verdadeira lesão dessas expectativas em caso de desagravamento. A redação do 103º/3 aponta neste sentido,
consagrando a proibição da retroatividade como um direito de resistência contra o imposto retroativo, que o contribuinte
fica assim dispensado de pagar.
A proibição da retroatividade vale apenas quanto às leis de imposto ou também quanto às leis que disciplinem
taxas e contribuições? As taxas e modernas contribuições, à semelhança do que sucede com os impostos, podem
revestir natureza periódica ou de obrigação única; em relação a ambas pode o legislador ou a administração lançar
sobre os contribuintes encargos com eficácia retroativa. Sérgio Vasques pensa que as taxas e as contribuições não
são abrangidas pelo 103º/3, mas que a exclusão da sua aplicação retroativa na generalidade dos casos resulta dos
princípios da segurança jurídica e do estado de Direito fundados no 2º CRP.

Tomás Tavares
Princípio geral: quando o facto tributário está fechado, não se pode depois alterar a sua tributação. O IRS é um
imposto periódico; os factos estão completamente consolidados. A proibição de retroatividade decorre do 103º/3 CRP
→ lógica da proibição legal: interpretação teleológica, segurança jurídica, quase uma proteção do cidadão. São
proibidos impostos retroativos, mas isto não se aplica de forma absoluta → interpretar o preceito de acordo com outros
preceitos → pode haver situações fiscais de retroatividade. O conteúdo da proibição é que, em princípio, a lei nova
vale apenas para o futuro; só há proibição de retroatividade para os elementos essenciais do imposto; para elementos
não essenciais pode haver retroatividade (porque não estamos a tocar na segurança jurídica). O corte nas deduções
à coleta corresponde aos benefícios fiscais e incidência – portanto elementos essenciais do imposto.
Discussão: lei nova mais favorável ou desfavorável → a proibição da retroatividade ocorre quer a lei nova seja mais
favorável ou mais desfavorável, falando de elementos essenciais. Na maioria dos casos, a lei nova é mais desfavorável.
O elemento temporal relevante é o facto tributário, isto é, o pagamento é irrelevante; o que releva é o momento do facto
tributário, que ocorre no final do ano, o facto de pagar depois não interessa. A segurança jurídica consolida-se no
momento da constituição do facto tributário.
Distinção entre impostos periódicos e de obrigação única, com regras diferentes.
- Imposto de obrigação única: aquele em que o facto tributário ocorre instantaneamente no tempo. Ex: cv de
imóveis paga 5% de imposto; é a fotografia tributária daquele dia que releva. A retroatividade é sempre proibida;
- Imposto periódico: o facto tributário não ocorre num instante, mas num período temporal. Ex: IRS. Dois tipos de
retroatividade:

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1- retroatividade própria/autêntica/forte: quando o facto tributário periódico já está consolidado e há uma lei
retroativa. É sempre proibida a retroatividade; se estamos a falar de elementos essenciais, o facto tributário
está encerrado, sempre proibida a retroatividade – 103º/3 CRP.
2- retroatividade fraca: elemento essencial do imposto, norma mais desfavorável cujo facto tributário é um
imposto periódico. A lei nova entra em vigor quando o imposto periódico está em construção. É dentro do
ano em que fecha o facto tributário que surge uma LN → até março, o contribuinte acha que tem deduções
à coleta; depois já não. O facto tributário ainda não encerrou, mas a LN aplica-se desde o início do ano. A
retroatividade fraca, em princípio, é permitida. Argumentos:
- o facto tributário só se consolida no final do ano; no encerramento do facto tributário já está em vigor
a LN;
- assegurar os interesses do sujeito ativo (Estado): este tem de ter a liberdade de conformar a atualidade
política e mexer nos impostos periódicos no próprio ano;
- complexidade de “partir” o ano em dois: partir o ano de 2017 de janeiro a abril (c/ deduções à coleta),
e de abril a dezembro (s/ deduções à coleta) → levaria à duplicação das declarações e problemas
complexos na aplicação da taxa progressiva;
- 12º/2 LGT é letra morta: não prevalece sobre a CRP, tem de ser interpretado de acordo com a CRP;
- em casos concretos, exceção: pode ser proibida a retroatividade fraca, se contender com a segurança
jurídica → interpretação teleológica; em princípio, a retroatividade é permitida, mas pode violar a
segurança jurídica → neste caso, aplica-se a lei antiga. Em princípio, a retroatividade fraca não afeta
intoleravelmente a segurança jurídica; se afetar, então aplica-se a lei antiga.

Princípio da segurança jurídica e proibição de retroatividade: questão da proibição constitucional de retroatividade


que decorre do 103º/3 parte final → como qualquer proibição neste âmbito, esta proibição é dirigida ao legislador em
matéria fiscal → o legislador está impedido de criar normas e atribuir-lhes carácter retroativo. Qual o alcance deste
princípio? A proibição de retroatividade está intrinsecamente ligada ao princípio da segurança jurídica.
Esta questão situa-se no plano dos princípios fundamentais, no nível constitucional (evidente no manual de Casalta
Nabais). A propósito da proibição de retroatividade podem surgir problemas em dois níveis diferentes:
(1) plano da segurança jurídica e proibição expressa de retroatividade;
(2) aplicação das leis fiscais no tempo: problema de saber o que acontece quando entra em vigor uma LN,
que cria imposto (criação de novo ou alteração dos elementos essenciais) e esta lei nada diz/estabelece sobre a sua
aplicação no tempo → problema que não podemos resolver usando o 103º/3 (a não ser como critério orientador):
 A LN não contém disposição transitória mas não afirma que quer aplicar-se para trás; coloca aos contribuintes
e à AT o problema de saber como é que esta lei se aplica – problema que se situa no nível legal: a questão
de saber como é que a lei vai ser aplicada temporalmente/no tempo.
 Respeitando o 103º/3 CRP, a doutrina deve servir-nos como critério de orientação; o 103º/3 tem uma tradução
no plano de legal → 12º LGT: norma que regula a aplicação no tempo das leis que, quando entram em vigor,
nada dizem sobre a sua aplicação no tempo, não contendo disposições transitórias. Ex: Lei da AR alterou as
taxas do IVA e as taxas do IRS → entrou em vigor a 1 de junho de 2018 e nada diz sobre a sua aplicação no
tempo → 12º/1 LGT: regra geral de não retroatividade das leis, a lei vale para o futuro.
 12º/1-2ª parte: muito criticado pela doutrina, consideramos que não serve para nada → que poder tem a LGT
para proibir o legislador de criar impostos retroativos? O legislador limita-se a repetir o que resulta da CRP, o
legislador da LGT que não tem noção do seu papel; a lei não pode proibir o legislador tributário; se não
existisse o 103º/3, não seria o 12º/1 que proibiria o legislador de criar impostos retroativos. Quando aparecer

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uma situação em que a lei atribuiu a si própria carácter retroativo, não podemos fundamentar no 12º/1, porque
o legislador só está condicionado pelas normas que estão acima (ou seja, a CRP - 103º/3), e não por uma lei.
 12º/2 LGT: se o facto tributário for de formação sucessiva, a LN só se aplica ao período decorrido a partir da
sua entrada em vigor.
 12º/3: as normas de procedimento e processo são sempre de aplicação imediata.
 Por força do 12º/1 e /2, volta a ter relevância a distinção entre impostos periódicos e de obrigação única:
> Impostos de obrigação única: resulta que, uma vez que o facto gerador é instantâneo, todos os factos
ocorridos antes da entrada em vigor da LN estão já produzidos. Quando a LN nada diz sobre a sua
aplicação no tempo, então só se aplica às operações realizadas depois do seu IV – 12º/1 LGT.
> Nos impostos periódicos, o 12º/2 quer regular a aplicação no tempo das normas fiscais no que diz respeito
aos impostos periódicos; o artigo determina/implica que o período de tributação tenha de ser “partido”,
aplicando-se a lei antiga aos factos ocorridos antes da entrada em vigor da LN → mas isto é difícil de
fazer na prática; o 12º/2 coloca problemas de praticabilidade. Alguma doutrina propõe solução
tecnicamente correta e que respeita o que visa o 12º/2: aplicação da LN pro rata temporis:
1- temos de considerar todo o período de tributação (12 meses) e
2- temos de considerar todo o rendimento obtido ao longo do período de tributação e
3- temos de ponderar as alterações trazidas pela LN em função do tempo de vigência da LN naquele
período de tributação.
Ex: se a LN entra em vigor a 1 de junho, temos de ter em conta que a LA vigorou em 5 dos 12 meses do período
de tributação e a LN vigorou durante 7 dos 12 meses do período de tributação. A aplicação da LN pro rata temporis
obriga a ponderar que as alterações introduzidas pela LN só devem incidir sobre 7/12 avos. O facto gerador só está
completamente formado a 31 de dezembro, deve ser indiferente eu obter o meu rendimento de trabalho em janeiro ou
em novembro; a carga tributária a incidir deve ser a mesma. Então o que fazemos é: considerar todo o rendimento
obtido e sujeitar 5/12 avos à LA e 7/12 avos à LN – esta solução é compatível com o texto e com o espírito do 12º/2.
Sérgio Vasques considera que a retroatividade está em princípio sempre proibida, e que a lei não deve atingir
realidades para trás. É clara a vontade da LN de se aplicar ainda ao período de tributação em curso. Há sempre alguma
afetação de expectativas dos contribuintes nestas situações em que a LN surge a meio do período de tributação.
Prof. Rui Morais considera que estes problemas de praticabilidade são problemas muito significativos e que devem
conduzir-nos a uma solução que é: nos impostos periódicos, o facto gerador só está completamente formado no último
dia do período de tributação (31 dez 2018); todas as alterações trazidas pela LN que ocorram até ao encerramento do
período de tributação valem para todo o período de tributação. Defende que a LN, quando nada diz sobre a aplicação
no tempo e o imposto é periódico, traz embutida uma aplicação retroativa → isto conduz sempre a situações de
retroatividade inautêntica. Argumentos:
- IRS – o facto de o imposto ser periódico coloca alguns problemas que o legislador resolveu, e que são
pouco discutidos → ex: filhos menores resultam na consideração da existência daquela pessoa, o facto de
a pessoa ter um filho ao longo do período de tributação é um facto relevante; se tiver um filho em novembro,
a lei não mandar “partir” a existência da criança, é indiferente que a criança nasça no natal ou em janeiro,
a situação pessoal e familiar relevante de cada sujeito passivo apura-se no dia 31 de dezembro → CIRS
a pensar numa lógica de imposto periódico, é no último dia do período de tributação que averigua se somos
casados e se temos filhos. Problema: filho morre a meio do ano, o dependente que esteve a ser suportado
ao longo de meio ano, no final, já não existe → esta solução cria injustiças;
- O Prof. Rui Morais diz que se é assim, que se é o dia 31 de dezembro o momento relevante para definir
todo o período de tributação, então é neste dia que vemos quais as taxas em vigor e são essas que devem
vigorar para todo o período de tributação;
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- O Prof. considera que as soluções pro rata temporis geram complexidade e podem interferir com a
progressividade do imposto; sob o ponto de vista das expectativas dos contribuintes, é mais fácil dizer que
vale a lei que estiver em vigor a 31 de dezembro.

Esta solução é difícil de concordar com o texto do 12º/2 – mas adotamos esta posição na cadeira. Em situações
gritantes em que esta solução conduz a situações de retroatividade inautêntica, haverá que invocar a proibição
constitucional de retroatividade.

III – Fontes do Direito Fiscal


➢ O direito fiscal internacional
Como é regulada/regida a soberania fiscal entre os Estados? O que é que cada estado pode tributar? Em relação
a que factos/situações e sujeitos podem ser exercidas legitimamente pretensões tributárias? No espaço internacional,
cabe a cada estado definir, através das suas normas próprias/internas, quais são os factos/situações relevantes e quais
os sujeitos que cada estado quer tributar → cada estado está a delimitar o exercício da sua soberania fiscal. São os
estados que definem o que querem tributar, com limites respeitados por todos; e são os limites inerentes ao exercício
da soberania. O exercício da soberania está associado normalmente ao território; em termos fiscais, o território é um
ponto de referência do exercício da soberania e daquilo que cada estado pode exercer como pretensão tributária.
Princípio fundamental – princípio da territorialidade: cada estado só exerce soberania fiscal nos limites do seu
território. Este princípio é complexo, porque não tem um sentido unívoco:
- historicamente, este princípio nasceu associado de uma forma muito forte ao território; isto é, cada estado
só podia tributar os factos ou situações que ocorressem no seu território. Ex: só pode tributar rendimentos
obtidos no seu território;
- mas este princípio sofreu evolução: afirma-se que cada estado, para além dos factos e situações que
ocorrem no seu território, tem de poder exercer também soberania fiscal sobre os sujeitos que têm
conexão relevante com o seu território. O princípio tem de ser complementado com elementos de conexão
que servem para estabelecer ligação entre factos e pessoas; cada estado tem competência para definir
os elementos de conexão relevantes para ligar os factos e as pessoas.

Princípio da territorialidade em sentido real (objetivo): cada estado só pode tributar factos ou situações localizados
no seu território → isto quer dizer que o exercício de pretensões tributárias se baseia na verificação de elementos de
conexão de carácter real. O local da obtenção do rendimento é um elemento de conexão de carácter real típico. Ex:
rendas – o país com competência indiscutível para tributar é o país onde está localizado o imóvel que gera rendas;
trabalho – país onde o trabalho é prestado.
Se cada estado só tributar o que se passa dentro do seu território e os rendimentos gerados no seu território, a
repartição do poder tributário dos estados não é difícil de estabelecer. Isto era assim, mas o problema é que, logo a
seguir à 2ª GM, intensificaram-se as trocas internacionais e a mobilidade das pessoas; e, por outro lado, do ponto de
vista da política fiscal, surgiu a ideia dos impostos pessoais (centrados na pessoa do contribuinte e na sua capacidade
contributiva, não alheios à sua situação pessoal e familiar, que querem pessoalizar a tributação – afirmam que, para
poderem tributar de acordo com a capacidade, têm de poder tributar tudo, têm de ponderar todo o rendimento
independentemente do local onde é obtido e todo o património independentemente de onde está localizado). Então:
- o internacionalização económica crescente;
- aumento da mobilidade de pessoas;

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- construções teóricas filosóficas → impostos pessoais.

Estes fatores conduziram ao princípio da territorialidade em sentido pessoal/subjetivo: cada estado pode exercer
pretensões tributárias sobre os sujeitos que apresentem uma conexão relevante com o respetivo território → quer dizer
que o exercício de pretensões tributárias se baseia em elementos de conexão de carácter pessoal, isto é, sobre as
suas pessoas e não só sobre o território. Que elementos de conexão pessoal podem ser adotados, o que liga as
pessoas ao território? Nacionalidade e residência para as pessoas singulares, residência para as pessoas coletivas
(sede, direção efetiva ou local onde exerce predominantemente a sua atividade).

Concursos/conflitos positivos de pretensões tributárias: facto sujeito a tributação ocorre no território de um


determinado estado, mas o sujeito passivo é nacional de outro → o Estado com conexão mais forte é aquele onde o
rendimento é gerado; é indiscutível que o estado onde o rendimento é gerado tem conexão mais forte, a conexão que
liga o rendimento ao território. O princípio da territorialidade em sentido real corresponde a uma repartição mais simples
e eficiente da soberania fiscal. Os estados que tributam com base em elementos de conexão de carácter pessoal
consideram que o sujeito é que está ligado ao território e, porque tem conexão, o estado tem legitimidade para tributar
tudo o que diga respeito àquele sujeito → usam a conexão pessoal para tributar extraterritorialmente; é um pretexto
que tem fundamentos teóricos.
> os países que tributam usando como elemento de conexão o tipo real tributam segundo o princípio da fonte;
> os países que tributam partindo de elementos de conexão de tipo pessoal usam o princípio da residência.
Podemos ter em conta o duplo sentido do princípio da territorialidade; os estados que tributam em função da
residência tributam também de acordo com a territorialidade, admitindo pretensões de territorialidade.
O princípio da territorialidade tem um duplo sentido: rendimentos gerados no seu território + pessoalização da
tributação.
O que carateriza a tributação segundo:
1- Princípio da fonte: a tributação caracteriza-se por uma sujeição limitada (limited tax liability) → cada estado
só tributa os rendimentos/património gerados no seu território, que apresentem essa conexão real e inequívoca
com o seu território. Porque a sujeição é limitada, a própria tributação terá características reais: o imposto vai
limitar-se a tributar cada concreta manifestação de capacidade contributiva, abstraindo da situação pessoal e
familiar do sujeito passivo. Tributa com âmbito de sujeição limitado e através de imposto com características
reais. Este princípio exprime a noção de que a fonte constitui o elemento decisivo na atribuição da competência
para tributar e que, por isso, os rendimentos devem ficar sujeitos ao imposto do estado em que tenham origem;
ampara-se na ideia de que o estado em que um rendimento tem origem é aquele cuja ação pública mais
contribui para a respetiva formação. A concretização plena deste princípio passaria pela adoção de um sistema
de tributação estritamente territorial, em que em cada estado ficassem sujeitos a imposto os rendimentos que
aí tivessem origem, independentemente do estado em que o respetivo titular tivesse residência. Apesar de o
princípio da residência ser o dominante nos modernos sistemas de tributação, na generalidade dos
ordenamentos em que para os residentes vigora um sistema de tributação universal (princípio da residência),
é comum que os não residentes fiquem obrigados também a pagar imposto, embora apenas sobre os
rendimentos com fonte no território.
2- Princípio da residência: sujeição ilimitada (full tax liability) → tributação com características pessoais.
Sujeição ilimitada = World Wide Income Principle → princípio de tributação do rendimento global de base
mundial. Este rendimento de base mundial faz funcionar os restantes elementos de pessoalização. O princípio
da residência exprime a noção de que a residência constitui o elemento de conexão decisivo na atribuição da
competência para tributar e que, em conformidade, os rendimentos devem ficar sujeitos ao imposto do estado

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em que resida o seu titular. Este princípio ampara-se na ideia de que o estado em que uma pessoa singular ou
coletiva reside é aquele com o qual são mais intensos os vínculos de solidariedade que fundamentam o dever
de pagar impostos. A concretização deste princípio passa pela adoção de um sistema de tributação universal,
segundo o qual todos os rendimentos de uma pessoa ficam sujeitos ao imposto do estado da residência,
incluindo os rendimentos que tenham fonte em estado diverso. O princípio da residência constitui o princípio
dominante na estruturação dos sistemas tributários contemporâneos → só chamando ao estado de residência
a tributação da universalidade do rendimento conseguimos compreender a força económica de uma pessoa e
calcular as despesas necessárias à angariação dos rendimentos e à sua subsistência; é a sujeição ilimitada
dos rendimentos ao imposto do estado de residência que melhor permite concretizar o princípio da capacidade
contributiva.

Em Portugal, temos expressão destes dois princípios no IRS e IMT e na própria LGT → 13º - aplicação das leis no
espaço: “sem prejuízo de convenções internacionais”; aplicam-se aos factos que ocorram em território nacional. O
13º/1 LGT exprime o princípio da fonte, legitima o exercício de pretensões tributárias a partir da conexão direta entre
os factos e o território. 13º/2 – a tributação com abrangência maior vale quer para as pessoas singulares quer para as
pessoas coletivas.
No CIRS, o 13º/1 diz-nos que o imposto incide sobre os residentes e sobre os não residentes que obtenham
rendimentos em território português. 18º - o que se consideram rendimentos obtidos em território português. 16º - quem
se considera residente. 15º/1 – âmbito da sujeição ao imposto: sujeição ilimitada quanto aos residentes; sujeição
limitada quanto aos não residentes.
CIRC: 2º (sujeitos passivos) e 4º (extensão da obrigação de imposto) CIRC.
O emprego que os diferentes ordenamentos jurídicos fazem dos elementos de conexão da residência e da fonte é
muito diverso, sendo inevitável que se produzam situações de dupla tributação. Quando há conflitos entre dois países,
um tributando segundo o princípio da fonte e outro tributando de acordo com o princípio da residência → são estes
conflitos que as convenções de dupla tributação visam resolver: é grave que uma pessoa seja tributada pelo mesmo
facto em dois países, um como país da fonte (sujeição limitada) e o outro como país da residência (sujeição ilimitada)
→ problema maior quando a pessoa é ainda tributada por um 3º país, quanto à residência → diferente conteúdo do
elemento de conexão residência ou nacionalidade. No espaço anglo-saxónico, o elemento de conexão adotado é a
nacionalidade; na europa continental, é a residência; no Brasil, escolheu-se a nacionalidade. Se os países não
estiverem bem articulados entre si, podemos ter situações de dupla e tripla tributação; as convenções querem resolver
estes problemas, mas querem também arbitrar os conflitos em que mais do que um país quer tributar segundo o país
da residência ou da fonte. Ex: dois países a querer tributar segundo o país da residência e um da fonte.

Dupla tributação: há um consenso sobre o que é a dupla tributação em sentido jurídico e internacional →
estamos perante um fenómeno de dupla tributação quando estão presentes quatro identidades – regra das quatro
identidades:
1. Identidade do objeto: tem de estar a ser tributado o mesmo facto ou a mesma situação; o mesmo facto ou
situação é objeto de incidência de dois impostos diferentes;
2. Identidade do título da tributação: os dois impostos tributam o mesmo tipo de manifestação de capacidade
contributiva, isto é, rendimento, património ou consumo (as questões colocam-se sobretudo ao nível do
rendimento e do património);
3. Identidade do período de tributação: os dois impostos dizem respeito ao mesmo período tributário, isto é, ao
mesmo intervalo temporal relevante;
4. Identidade do sujeito: mesmo sujeito passivo.

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≠ Dupla tributação (apenas) económica: há uma dupla carga sobre uma mesma realidade, mas é económica →
as quatro identidades não estão presentes, não preenche as exigências das quatro identidades, ainda que haja dupla
carga. Ex: sociedade X com dois sócios A e B; têm participações sociais equilibradas; em 2018, a sociedade obtém
lucro tributável igual a 100.000; este lucro tributável vai ser tributado em IRC mediante aplicação aos 100.000 de uma
taxa de 21%, a sociedade irá pagar 21.000 em IRC; do que sobra, uma parte vai para as reservas obrigatórias; a
sociedade delibera distribuir 40.000 de lucros em função das participações sociais dos sócios; A recebe 20.000 e B
20.000 → este rendimento já foi tributado em IRC, A e B são pessoas singulares e sujeitas a IRS; os 20.000 vão ser
tributados em IRS na categoria E (capitais), 5º/2-h) CIRS – este rendimento vai voltar a ser tributado em IRS, sendo
que já o foi em IRC. Aqui temos um fenómeno de dupla tributação económica: há identidade de objeto, há identidade
do título de tributação (ambos tributam rendimento), há identidade do período de tributação (tanto o IRC como o IRS
são impostos periódicos), mas não há identidade do sujeito.
Ex2: no que diz respeito aos rendimentos prediais, ex: A proprietário do imóvel Z dá o imóvel de arrendamento e
recebe rendas no valor de 10.000, esta situação vai gerar na esfera de A a obrigação de pagar dois impostos → imposto
sobre o património IMI, que incide sobre o valor patrimonial tributário do imóvel; + imposto sobre o rendimento IRS, que
na categoria F tributa as rendas obtidas – 8º/1 CIRS. O facto de A ser proprietário do imóvel e o ter arrendado gera a
obrigação de pagar dois impostos relativos ao imóvel: titularidade do imóvel e os frutos civis obtidos do imóvel. Há
identidade do sujeito e do período de tributação, mas não há identidade do objeto nem do título de tributação → dupla
tributação em sentido económico.

O legislador estabelece medidas para atenuar a dupla tributação económica → soluções para evitar a dupla
tributação ao nível interestadual:

• CDT = Convenções de Dupla Tributação (ou Acordos de Dupla Tributação – Sérgio Vasques)
 São convenções internacionais bilaterais (entre estados, dois a dois - em matéria fiscal não há acordos
multilaterais) destinadas a evitar ou atenuar a dupla tributação (jurídica) internacional de rendimentos.
 Têm ligação à aplicação da lei fiscal no espaço: evitar fenómenos em que dois ou mais estados querem
em simultâneo exercer pretensões tributárias sobre o mesmo facto, situação e sujeito → evitar que sejam
tributados mais do que uma vez pela mesma realidade.
 Os problemas de dupla tributação levaram a que, desde o início do séc. XX, se alargasse a celebração de
convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação → repartem a competência para tributar,
fixando regras que, para as diferentes categorias de rendimentos, decidem entre as pretensões do estado
da residência e da fonte.
Os Estados dois a dois e entre si, têm histórias e relações diferentes, na maior parte das situações têm partilhadas
ou não visões projetos de colaboração e cooperação e desenvolvimento de relações entre si para o futuro. O passado,
o presente e o futuro condicionam muito as convenções celebradas nesta matérias. Portugal, ainda que tenda para
uma homogeneidade crescente das convenções, as convenções já celebradas mostram as diferentes histórias com os
países. Ex: com os países colonizados por Portugal, o nosso país tem CDT particularmente vantajosas para os sujeitos
passivos, e não desincentivam ou mesmo incentivam os residentes em Portugal a obter rendimentos fora do território
português → Portugal sente necessidade de garantir uma colaboração mais estreita com estes países, facilitando de
forma mais intensa a eliminação da dupla tributação. Portugal tende também a ceder com países que interessam
estrategicamente para o futuro.
É necessário garantir que não se cria um caos internacional. As CDT têm de ser facilmente legíveis; algo que seja
percecionado pelos residentes e pelos não residentes. Rapidamente se percebeu que era preciso encontrar soluções
tendencialmente homogeneizadoras destas convenções. Surgiu o MOCDE = modelo de convenção da OCDE
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

(elaborada na forma de projeto em 1963, adotada pela OCDE em 1977, revista em 1992 e atualizada periodicamente
deste então) - convenção-modelo: é apenas um modelo, rascunho aberto, não prevê regras uniformes, mas prevê
diferentes modelos/métodos para eliminar ou atenuar a dupla tributação, sendo que estes métodos obedecem a
linguagem comum. O articulado da convenção-modelo e os comentários que a acompanham tornaram-se numa
linguagem franca do direito tributário internacional, fixando os princípios e conceitos com que se constroem muitas
convenções bilaterais. Em conformidade com o 197º/1-b) CRP, a negociação das convenções destinadas a prevenir a
dupla tributação é levada a cabo pelo Governo, com a intervenção principal do Ministério das Finanças; a aprovação
destas convenções (sob a forma de tratado) compete à AR, que o faz por meio de resolução – 161º/1-i), 166º/5 CRP;
depois de ratificadas pelo Presidente da República (135º-b) CRP) e trocados entre os estados contratantes os
instrumentos de ratificação, as CDT vigoram na ordem jurídica portuguesa após a sua publicação oficial, prevalecendo
sobre o direito interno – 8º CRP.
O MOCDE serve de matriz à celebração das CDT, tipificando categorias variadas de rendimentos, distribuindo
entre os estados da residência e da fonte a competência para os tributar e fixando os métodos de eliminação da dupla
tributação quando se atribua a ambos essa competência.
A convenção estabelece dois grandes métodos para resolver as questões de conflito entre o país da residência e
o país da fonte; os estados entre si escolhem um dos métodos. Isto permite que os estados percebam o que se passa
entre si, mas também que as pessoas singulares consigam prever as consequências fiscais na hipótese de surgir dupla
tributação. A MOCDE é o modelo enformador das convenções celebradas entre a maior parte dos países do mundo.
O modelo de convenção da OCDE é apenas um modelo: não resolvemos um problema de dupla tributação à luz do
modelo → mas é importante porque nos dá informação sobre se há convenção entre os países que querem tributar o
mesmo facto ou a mesma pessoa. É sempre necessário estudar a convenção celebrada entre dois países para resolver
o problema.
Conflito de pretensões tributárias entre país da residência vs. país da fonte → a MOCDE propõe dois métodos:

a) Método de isenção – 23º-A MOCDE: funciona ao nível da matéria coletável; o Estado da residência não inclui
na matéria coletável a tributar os rendimentos de fonte estrangeira, ou seja, os rendimentos obtidos no Estado
da fonte:
 Isenção total/integral/absoluta. Ex: A residente em Portugal, obtém 50.000 de rendimento em território
português, desloca-se a Espanha e obtém 10.000 de rendimento; Espanha é o país da fonte dos
rendimentos e quer tributá-los com base em pretensão de tipo real, à taxa de 20% → Espanha tributa os
10.000x20%= A paga 2000; Portugal abdica de tributar os 10.000 obtidos em Espanha porque o método
é de isenção e Portugal não inclui na matéria coletável a tributar por si próprio os rendimentos obtidos
em Espanha; Portugal tributa apenas os 50.000. Este método conduz à eliminação da dupla tributação
internacional à custa do país da residência, o que põe em causa os objetivos de pessoalização do país
da residência → neste método, Portugal abdica de tributar os rendimentos, dizendo que não quer tributar
os rendimentos gerados pelos seus residentes noutros territórios → está a impedir que o imposto possa
ser verdadeiramente pessoal; desvantagem de impedir a pessoalização no país da residência;
 Isenção com progressividade/parcial: o país da residência não inclui na matéria coletável a tributar os
rendimentos de fonte estrangeira, mas esses rendimentos são relevantes para determinar a taxa de
tributação a aplicar aos rendimentos de fonte interna, isto é, aos rendimentos obtidos no próprio estado
de residência. No ex., Espanha continua a tributar os 10.000 à taxa de 20% = A paga 2000; Portugal
tributa apenas os 50.000 mas estes vão ficar sujeitos a taxas progressivas correspondentes à totalidade
do rendimento, ou seja, 50.000+10.000 → a taxa de tributação corresponde ao nível de capacidade
contributiva total → nestas situações, temos apenas uma atenuação da dupla tributação internacional:
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Portugal não tributa o rendimento de fonte estrangeira, mas tributa o rendimento interno em termos mais
pesados. Este método permite compatibilizar a atenuação ou eliminação da dupla tributação internacional
e a pessoalização do imposto; o país da residência continua a poder fazer uma pretensão tributária
pessoalizante. Os rendimentos obtidos em território português quando há outros rendimentos obtidos no
estrangeiro são mais tributados do que nas situações em que há apenas rendimentos obtidos em território
português. O método da isenção com progressividade não conduz à eliminação (como conduz a isenção
integral) mas apenas à atenuação da dupla tributação internacional.

b) Método de imputação – 23º-B MOCDE: funciona ao nível da coleta; o estado da residência inclui sempre na
determinação da matéria coletável a tributar os rendimentos obtidos fora do seu território, mas admite que à
coleta do imposto a pagar no próprio Estado de residência seja deduzido o imposto já pago no Estado da fonte,
ou seja, que à coleta do imposto do país da residência seja deduzida a coleta final (imposto já pago). Ex:
Espanha = 10.000x20% =2000€; Portugal = 50.000+10.000 (inclui na sua matéria coletável o rendimento do
estado da fonte; o rendimento do país da residência é somado ao rendimento do país da fonte).
 Imputação integral ou total: o estado da residência permite a dedução total à sua coleta do imposto pago
no estado da fonte. Portugal, no método da imputação total, tributaria os 60.000 às taxas previstas no 68º
IRS e, à coleta do imposto a pagar, permitiria a dedução da totalidade do imposto pago em Espanha. O
imposto pago em Espanha (10.000) funcionaria como um crédito de imposto ao imposto a pagar em
Portugal, como se já tivessem sido pagos 10.000 ao estado português. A imputação total conduz a uma
eliminação total da dupla tributação → Portugal não abdica de tributar os 10.000, sujeita-os a taxas
progressivas, está a pessoalizar a tributação, mas para eliminar a dupla tributação o estado português
deduz o que foi pago em território estrangeiro. Chama-se a este método o método do crédito de imposto;
 Imputação ordinária, limitada ou normal: este método tem vindo a generalizar-se e é o preponderante. O
Estado da residência inclui na sua matéria coletável o rendimento de fonte estrangeira, mas admite que
à coleta do imposto a pagar no próprio Estado de residência seja deduzido o imposto já pago no Estado
da fonte, MAS o estado da residência fixa um limite à dedução que admite. O estado da residência não
está disposto a aceitar a dedução integral do imposto pago fora do seu território, mas este é um limite
que funciona considerando as próprias taxas de tributação no país da residência. Ou seja, o estado da
residência só aceita deduzir o montante do imposto pago no país da fonte até ao valor correspondente
ao imposto que seria pago no próprio estado da residência se o rendimento obtido no estado da fonte aí
fosse tributado de modo isolado. O estado da residência fixa um limite que encontramos respondendo à
questão de saber quanto seria pago no estado da residência pela obtenção dos rendimentos gerados no
estado da fonte. O limite é igual à fração do imposto português que incidiria sobre o rendimento obtido no
estado da fonte se esse rendimento tivesse sido obtido no estado da residência. O estado da residência
afirma que está disposto a eliminar a dupla tributação, a aceitar a dedução ao seu imposto do imposto
pago noutro estado, mas só está disposto a fazê-lo quando a decisão dos seus residentes for uma decisão
económica e financeiramente racional; o estado português só está disposto a aceitar quando o que for
pago noutro território for igual ou inferior ao imposto pago em Portugal; o país de residência não está
disposto a deduzir quando o imposto pago for superior no país da fonte. A carga tributária que aceita
deduzir é a que corresponde à tributação que incidiria sobre esse rendimento se ele fosse obtido em
território português. O limite = se os 10.000 obtidos em Espanha tivessem sido gerados em Portugal, qual
seria o montante de imposto a pagar sobre esses 10.000? A imputação ordinária ou limitada pode
conduzir a resultados diferentes consoante as taxas de tributação do estado da residência e do estado
da fonte:

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- Ex1: em Portugal = 20%, o país da residência e o país da fonte praticam taxas de tributação iguais.
Em Espanha pagou 2000 de imposto, em Portugal pagaria pela obtenção dos 10.000 2000 →
Portugal aceita deduzir o imposto que foi pago em Espanha com um limite máximo igual ao imposto
pago em Espanha, porque as taxas de tributação são iguais → neste caso, o método da imputação
limitada funciona como método de imputação total e conduz a eliminação da dupla tributação
internacional. A dedução é 2000;
- Ex2: o país da residência tem taxa de tributação superior à taxa do país da fonte → taxa de tributação
em Portugal de 30% = seriam pagos pela obtenção dos 10.000 3000, o limite é de 2000, o máximo
que Portugal aceita deduzir são 2000 → Portugal pratica taxas de tributação mais altas: o limite é
superior ao que foi pago no território da fonte; o valor da dedução ao imposto é 2000; o crédito que
o A vai tentar executar sobre o estado português é igual ao imposto que já pagou no estado da fonte.
A dedução ao imposto em Portugal são os 2000 pagos em Espanha; há eliminação da dupla
tributação internacional;
- Ex3: o país da residência tem taxa de tributação inferior à taxa do país da fonte → Portugal = taxa
de tributação de 10%; em Portugal pela obtenção dos 10.000 pagaria 1000; o limite de dedução é
1000; nestas situações, Portugal não quer saber que em Espanha o contribuinte tenha pago mais
do que pagaria em Portugal se obtivesses rendimento, o máximo que aceita deduzir é o que pagaria
cá. O A pagou em Espanha 2000, Portugal apenas vai permitir uma dedução ao imposto a pagar em
Portugal que é igual a 1000 (limite máximo que Portugal admitir deduzir) → atenuação da dupla
tributação internacional, a carga tributária que A pagou em Espanha não vai ser deduzida totalmente.

O método da imputação ordinária pode conduzir à eliminação da dupla tributação (quando país da residência e
fonte praticam taxas de tributação iguais OU quando as taxas praticadas pelo país da fonte forem inferiores ao país da
residência → o limite não é bem um limite); quando o país da residência pratica taxas de tributação mais baixas, a
dupla tributação é apenas atenuada (limite é na verdade limite).

Ambos os métodos (isenção e imputação) apresentam como característica comum a eliminação ou atenuação da
dupla tributação internacional → faz-se em qualquer destes dois métodos à custa do país/estado da residência, ou
seja, do Estado que tributa com base em elementos de conexão de tipo pessoal e que tributa num âmbito de sujeição
ilimitado. A conexão inegável é a real e o princípio mais importante é o da fonte. O país da residência está a estender
os seus braços para fora do seu território; o que está na base da convenção é que o estado que tem de ceder no
exercício da sua pretensão tributária é o estado da residência. Ex: A residente em Portugal, 50.000 de rendimento em
território português, desloca-se a Espanha e obtém 10.000 de rendimento; Espanha é o país da fonte dos rendimentos
e quer tributá-los com base em pretensão de tipo real, taxa de 20% = A paga 2000 de imposto em Espanha. Portugal
é o país da residência, quer tributar todo o rendimento obtido por A independentemente do local onde foi obtido; vai
querer tributar 50.000+10.000 x taxas progressivas; se entre Portugal e Espanha tiver sido celebrada uma convenção,
esta situação de dupla tributação será atenuada ou eliminada.
A MOCDE não deixa de ser um modelo, relativamente ao qual os estados-membros da OCDE se podem afastar
em maior ou menor medida na celebração das suas convenções bilaterais, conforme os seus interesses, ainda que
não devam ir além das reservas que tenham formulado à MOCDE.
As CDT, por si só, não estabelecem normas de incidência nem fundamentam as pretensões tributárias dos estados
contratantes; elas pressupõem que das normas de incidência vigentes no ordenamento dos estados contratantes
resultam pretensões tributárias conflituantes, sendo a sua função arbitrar as mesmas.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

A par das CDT ou na sua falta, os estados são livres para fixar regras unilaterais que eliminem ou mitiguem a dupla
tributação internacional, inscrevendo-as nas suas leis internas e suportando todo o custo orçamental que daí possa
resultar. Em Portugal, a par do direito convencional constituído pelas CDT que o país mantém em vigor, a lei portuguesa
contempla ainda regras unilaterais destinadas a eliminar a dupla tributação internacional → regras que operam mesmo
na falta de convenção, dão corpo ao direito fiscal externo. Ex: 81º CIRS, 91º CIRC – estabelecem um crédito de imposto
por dupla tributação internacional na forma de uma dedução à coleta.

Convenção Modelo da OCDE → CDT:


1- Pode determinar o sacrifício da pretensão tributária do estado da residência (é a regra, está subjacente aos
métodos de isenção e aos métodos de imputação). Pode acontecer que, na mesma convenção entre dois
estados, eles adotem métodos diferentes para diferentes tipos de rendimento → liberdade contratual ampla
entre os estados.
2- Há situações em que, para determinado tipo de rendimentos e excecionalmente, o modelo de convenção da
OCDE permite que o estado de residência não ceda e que a regra se inverta → royalties (rendimentos que no
âmbito do IRS podem ser tributados de maneira diferente; podem surgir tipicamente associados a rendimentos
da propriedade intelectual – categoria B; se forem alienados a outros – categoria G) e mais-valias mobiliárias
→ em relação a estes dois tipos de rendimentos, pelas suas características específicas, a convenção-modelo
admite que o sacrifício da pretensão tributária seja do estado da fonte: a convenção-modelo admite que, em
relação a estes rendimentos, se fixe uma competência exclusiva de tributação pelo estado da residência.
3- O modelo de convenção propõe também regras de desempate na atribuição do elemento de conexão
residência, designadas habitualmente por “tie-break rules”: sendo a residência um elemento de conexão
pessoal, o conteúdo deste elemento de conexão pode variar, isto é, não basta que cada estado diga “eu tributo
os meus residentes por todo o rendimento e os não residentes nos rendimentos obtidos no território” para que
o problema seja resolvido. Cada estado define nas suas normas internas com base em que elemento de
conexão vai tributar, mas também o conteúdo desse elemento de conexão. O conteúdo do elemento de
conexão é a resposta à pergunta: o que é ser residente? Ou quem é considerado ter nacionalidade portuguesa?
Cada pessoa pode ter mais do que uma nacionalidade; Portugal não escolhe como elemento a nacionalidade.
A norma interna quanto às pessoas singulares que nos diz quem considera ser residente é o 16º CIRS:
apresenta um conteúdo do elemento de conexão residência, dizendo-nos que é residente em território
português:
a) Critério de permanência no território: é residente a pessoa que tenha permanecido mais de 183 dias no
ano em território português – 16º/1-a) CIRS;
b) Possua imóvel em condições tais que permitam presumir a intenção de o ocupar como residência –
16º/1-b) CIRS.
Se, por ex., Espanha define o seu elemento de conexão exatamente nos mesmos termos que Portugal,
poderíamos pensar que isto eliminaria a dupla tributação internacional. Mas se uma pessoa é residente em
Portugal pelo critério a), pode ser residente em Espanha pela presunção de b) → empate: mais do que um
estado a querer tributar a mesma pessoa e com âmbito de sujeição ilimitado, com base no mesmo elemento
de conexão. Nestas situações, é evidente que não podemos ter dois estados a tributar a mesma pessoa, é
preciso arbitrar este conflito dizendo qual dos dois estados é afinal o estado da residência. 4º Convenção-
modelo: propõe regras de desempate – os estados podem segui-las ou adotar regras de desempate
diferentes (por ex., a Suíça não segue as regras de desempate da OCDE):

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

(1) A 1ª regra de desempate não coincide com a ordem que temos estabelecida no 16º CIRS: o
art. atribui prioridade à localização da habitação permanente → a pergunta é em qual dos
estados em conflito a pessoa tem imóvel de habitação permanente;
(2) Tendo a pessoa um imóvel nessas condições nos dois estados em conflito → 2º critério: centro
vital de interesses económicos. Se a pessoa é considerada residente nos dois estados por força
de regras diferentes, se tem habitação permanente em ambos → pergunta-se qual dos dois
estados pode ser considerado o centro vital de interesses económicos: em qual dos dois estados
é gerada a maior parte dos rendimentos e é desenvolvida a maior parte da atividade;
(3) Último critério proposto: critério da permanência no território → havendo empate inicial, porque
os dois estados adotam regras diferentes - ex: A permanece em Portugal 250 dias, tem em
Espanha imóvel com condições para ser habitado (energia elétrica, água, gás, um dos seus
filhos estuda lá) → é considerado residente pelas normas internas dos dois países; se entre
Portugal e Espanha tiver sido celebrada convenção que replique o 4º Convenção-modelo,
verifica-se o volume de rendimentos obtidos nos dois territórios, e vemos que ele tem uma
dispersão grande de rendimentos e os dois países continuam empatados; então chegamos à
última regra: Portugal será o país de residência pelo seu 1º critério do 16º CIRS, ou seja, a regra
da permanência no território.

4- A convenção-modelo fixa regras de desempate para as situações em que mais do que um estado diz que é o
estado da fonte → frequente nos rendimentos de capitais.

• ATI = Acordos de Troca de Informações (entre estados e autoridades tributárias): asseguram a troca de
informações fiscais regulares entre os diferentes estados, para permitir um adequado combate à fraude e
evasão fiscal, e para permitir às autoridades fiscais o cruzamento de informações, de modo a que os países
tenham um maior controlo. Os ATI não visam matéria substantiva, tendo por objeto exclusivo a troca de
informação entre administrações fiscais com vista à garantia da transparência e ao combate à fraude e evasão.
A MOCDE contemplava desde a sua versão originária uma cláusula de troca de informação no 26º, que habilitava
os estados a acordar a troca de informação que fosse de relevância previsível à aplicação dos impostos abrangidos
pelas CDT. Até há pouco tempo, era prática comum os estados acordarem a troca de informação apenas a pedido e
era comum que a prestação de informação ficasse condicionada pelas regras do sigilo bancário.
Através da revisão feita em 2005, o 26º MOCDE passou a abranger não apenas a informação relevante à aplicação
das CDT, mas toda a informação relevante à aplicação dos impostos internos dos estados contratantes. 26º/5: as
regras internas em matéria de sigilo bancário não podem obstar à troca de informação. A troca de informações pode
ser feita de forma automática, ficando na dependência do que os estados contratantes pretendam acordar entre si.
Os ATI trouxeram progresso no combate à evasão, permitindo pela primeira vez afastar as regras de sigilo bancário
de muitas jurisdições offshore.

➢ O direito fiscal europeu


O Direito da UE é também fonte de direito fiscal, ainda que num âmbito menos vasto. A UE é essencialmente uma
união de tipo económico → união económica e monetária; os estados-membros da UE têm uma moeda única. Sendo
a UE uma união económico-monetária, o natural seria que houvesse uma uniformização ou pelo menos harmonização
significativa dos impostos entre os diferentes estados – caso contrário, há problema de concorrência fiscal entre os
estados. Em matéria tributária, o projeto da UE pressupõe, hoje como no passado, a eliminação dos direitos aduaneiros,
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

restrições quantitativas e encargos de efeito equivalente nas trocas entre os estados-membros, a instituição de uma
pauta aduaneira comum nas relações comerciais destes com países terceiros, e a eliminação dos obstáculos fiscais à
livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais na UE. Contudo, a harmonização fiscal dentro da UE tem-
se revelado muito difícil: continuamos a ter impostos completamente diferentes entre os países; o direito da UE em
matéria fiscal é um direito com harmonização muitíssimo limitada.
8º/4 CRP: consagra o primado do direito europeu; contudo, o relevo que o direito europeu possui na evolução do
nosso sistema tributário é maior do que o que pode transmitir a mera leitura da CRP, pois que ao longo das últimas
décadas a harmonização fiscal europeia se alargou a tal ponto que uma parcela substancial da legislação produzida
se esgota na transposição de diretivas europeias e na adaptação do sistema fiscal português à jurisprudência do TJUE.
Quando estudamos o direito da UE como fonte de direito fiscal, temos de ter consciência que estamos a falar de
direito próprio da UE: regras de tributação dos funcionários da UE e pauta aduaneira comum, isto é, tabela de taxas
que são aplicadas quando as mercadorias saem ou entram no território da união, e essa tabela é uma só → quer um
bem entre ou saia por Portugal ou pela Alemanha, as taxas praticadas são exatamente as mesmas quanto aos países
terceiros. A pauta aduaneira comum implica unificação/uniformização na tributação indireta nas relações com
estados terceiros.
Para além do direito próprio, temos direito harmonizado (direito derivado) → diretivas (instrumento possível de
harmonização quando a uniformização não é possível): regulam matérias importantes para garantir liberdades
fundamentais e regulam essas matérias não em termos uniformes, mas querendo harmonizar os direitos dos estados-
membros.
(1) IVA: surgiu em relação ao imposto geral sobre o consumo → 113º TFUE - harmonização positiva na
tributação indireta entre os estados-membros; considerava-se insuportável a existência de impostos
diferenciados sobre o consumo nos diferentes estados-membros; surgiu no início dos anos 80, mas
subsistem até hoje diferenças nas taxas de tributação (há países com duas taxas e outros com mais);
importância crucial na garantia da livre circulação de mercadorias e serviços; serviu de fundamento à
introdução do sistema harmonizado do IVA e dos impostos especiais sobre o consumo do álcool, tabacos
manufaturados e produtos petrolíferos e energéticos. A harmonização dos impostos indiretos constitui uma
importante exigência em matéria fiscal decorrente do TFUE, a par da eliminação das barreiras
alfandegárias internas e da adoção de uma pauta aduaneira comum → os impostos sobre o consumo
facilmente podem ser empregues pelos estados-membros como instrumento de protecionismo e a falta da
sua harmonização acarretaria distorções incompatíveis com um mercado comum. O enquadramento
fundamental do IVA é feito hoje em dia pela Diretiva nº 2006/112 – Diretiva IVA;
(2) Harmonização positiva da tributação direta (tem como fundamento a previsão geral do 115º TFUE),
essencialmente ao nível dos impostos sobre o rendimento: rendimento gerado pelas pessoas coletivas –
IRC. Três diretivas no que respeita aos impostos sobre as sociedades, com o objetivo de eliminar os
obstáculos à livre circulação de capitais na UE:
- Diretiva Fusões (2009): preocupação de evitar efeitos negativos nas fusões entre pessoas
coletivas localizadas em diferentes estados-membros;
- Diretiva Mães-Filhas (2011): harmonizar a tributação entre sociedades consideradas como
detentoras de outras; dirige-se ao problema da aplicação de taxas de retenção na fonte aos lucros
distribuídos pela sociedade afiliada seguida da tributação desses lucros na esfera da sociedade-
mãe, com isto se gerando uma dupla tributação económica; a diretiva impõe ao estado-membro
da sociedade-mãe a isenção de imposto dos lucros que a esta sejam distribuídos pela sociedade
afiliada, ou a tributação desses lucros mas concedendo um crédito pelo imposto pago pela
sociedade afiliada → eliminação da dupla tributação da distribuição transfronteiriça dos lucros;

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- Diretiva Juros e Royalties (2003): visa eliminar as distorções fiscais, formalidades administrativas
e situações de dupla tributação no pagamento transfronteiriço de juros e royalties entre sociedades
associadas de diferentes estados-membros;
- Diretiva da Poupança: revogada em 2015.

Projeto CCCTB: projeto tendente à criação de uma base de incidência comum para os impostos sobre as
sociedades. Num primeiro momento acordar-se-ia a adoção do CCTB = common corporate tax base; o CCTB
pretenderia substituir-se ao CIRC com o objetivo de tributar grupos de sociedades. Num segundo momento, avançar-
se-ia para o CCCTB = common consolidated tax base, sujeitando os grupos transfronteiriços de empresas a uma
tributação unitária em função do seu lucro consolidado. Mas não se consegue sequer chegar a propostas para
harmonizar a tributação.

> Harmonização positiva: finalidade de harmonizar a tributação indireta e direta em geral; passa pela
adoção de figuras tributárias comuns e concretiza-se através da edição de normas jurídicas aplicáveis em
todos os estados-membros.
> Harmonização negativa pelo TJUE: muito importante; papel desenvolvido pelo TJUE → algum do direito
da UE vai-se construindo através das decisões do TJUE. Isto implica uma distorção muito grande na
formulação das regras de harmonização: o tribunal pronuncia-se porque é pressionado pelas partes em
conflito; em matéria fiscal, as partes em conflito são contribuinte e estado. Esta harmonização negativa
cria distorções porque surge a propósito de questões concretas: o TJUE diz o que é conforme às
liberdades económicas do TFUE e o que é contra essas liberdades. Em matéria fiscal, existe o princípio
da não discriminação entre residentes e não residentes nos diferentes estados. O âmbito desta
harmonização negativa é limitado: TJUE diz que o não residente não pode ser discriminado negativamente
em relação ao residente, se não houver razões para isso. A harmonização negativa dos sistemas fiscais
passa pela eliminação do protecionismo e da discriminação e concretiza-se essencialmente por via da
jurisprudência do TJUE. O TJUE emitiu decisões sobre a livre circulação de mercadorias, livre circulação
de trabalhadores, liberdade de estabelecimento, livre prestação de serviços e livre circulação de capitais
e pagamentos, tendo impacto nos sistemas fiscais dos estados-membros.

A harmonização fiscal europeia encontra as suas bases normativas essenciais no direito europeu primário (a que
dá corpo o TFUE) e em diretivas e regulamentos, que formam o direito europeu derivado.

➢ O direito fiscal nacional


Constituição Fiscal: o progresso do direito fiscal europeu e a partilha da soberania tributária com a UE não foram
tão longe que a Constituição Fiscal herdada de 1976 se tornou vazia de conteúdo. Além de cometer ao conjunto do
sistema fiscal as finalidades da angariação da receita e da redistribuição de riqueza no 103º, a Constituição Fiscal
contém os princípios constitucionais fundamentais + recorte constitucional do sistema fiscal. Os princípios são
direcionados para o legislador; a CRP em matéria fiscal não se limita a fixar princípios fundamentais (princípios da
igualdade tributária, da legalidade, da proibição de retroatividade, do estado social, da segurança jurídica) → a CRP
desenha o recorte constitucional do sistema fiscal: traves mestras do sistema fiscal; indicações específicas sobre a
configuração de cada um dos impostos – 104º:

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

• 104º/1: imposto sobre o rendimento pessoal deve ser caracterizado pela unicidade, progressividade e pela
consideração fiscal da família → o imposto sobre o rendimento tem de obedecer a estes três imperativos, numa
concretização do princípio da capacidade contributiva e afloramento do princípio do estado social;
• 104º/2: a tributação das empresas deve fazer-se segundo o seu rendimento real (capacidade contributiva) →
por aproximação à contabilidade das próprias empresas, a tributação do lucro deve incidir sobre o lucro real, a
tributação de rendimentos presumidos, apesar de possível, deve ser usada pelo legislador com muitos cuidados.
Consagração do princípio da tributação dos rendimentos reais, ressalvando a introdução de esquemas de
tributação por presunção ou estimativa, ditada por razões de simplificação ou pela falta de cooperação do
próprio contribuinte no apuramento da verdade fiscal.
Tributação das empresas → podemos ter o exercício de atividade empresarial nas pessoas singulares → estas
podem dedicar-se praticamente a todas as atividades comerciais e industriais a que se dedicam as sociedades. Dúvida:
a maior parte dos autores diz que este comando se dirige à tributação das empresas, sejam elas singulares ou coletivas.
O legislador aproxima sempre que possível a tributação da categoria B do IRS das regras de tributação do CIRC –
remissão expressa no 32º CIRS. A leitura que o legislador ordinário fez do comando constitucional é que as empresas
sejam tributadas com a maior igualdade possível, independentemente de o titular ser singular ou não.
• 104º/3: o sistema deve integrar ainda a tributação do património = princípio do estado social: a tributação do
património deve pretender uma diminuição das desigualdades; o legislador constitucional não associou à
tributação do património a progressividade, mas sim a diminuição das desigualdades. O nosso sistema fiscal,
para além do imposto municipal sobre imóveis (IMI) e do imposto sobre a transmissão dos imóveis (IMT), tem
ainda o adicional ao IMI: os imóveis que ultrapassem determinado valor são tributados com sobretaxa; e medida
agravadora do imposto de selo. O legislador fiscal procurou respeitar a indicação de que a tributação do
património deve contribuir para a diminuição das desigualdades.
• 104º/4: tributação do consumo: persiste a indicação de que a tributação do consumo deve onerar consumos de
luxo (princípio do estado social) → o legislador ordinário tem ignorado este imperativo, por razões do direito
europeu e outras.

Produção da legislação ordinária


Lei e DL autorizado: fontes ordinárias de produção normativa; a criação de impostos e a disciplina dos elementos
essenciais de um imposto é matéria reservada à AR 165º/1-i)+103º/2 → princípio da legalidade tributária. O Governo
só pode legislar nesta matéria mediante LAL que defina o objeto, sentido, extensão e duração da autorização (165º/2).
As matérias fora dos elementos essenciais de um imposto surgem como matérias de competência concorrente
(lei e DL).

Regulamentos administrativos e direito circular


Os regulamentos podem ser:
> De execução: visam a boa execução das leis;
> Complementares: visam complementar as leis.

> Internos: em matéria fiscal são relevantes os regulamentos internos → Direito Circular ou Direito
Circulatório: surgem normalmente com a designação Circular nº X, em geral do Diretor de Finanças,
diretor geral ou diretor regional; surgem também com a designação Orientação nº. A complexificação da
legislação tributária levou a que a administração chamasse a si a interpretação da lei e o esclarecimento
das dúvidas que se suscitam a serviços e contribuintes. O direito circular é relevante em matéria tributária;
traduz-se num conjunto de instruções internas sobre a interpretação das normas de determinados
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

impostos, sobre a indicação dos procedimentos a seguir em determinadas matérias; instruções de serviço
emitidas por superiores hierárquicos e que têm de ser acatadas por toda a estrutura. Ex: instrução emitida
por chefe de repartição tem de ser acatada pela repartição. Os agentes da AT não podem desviar-se das
instruções, mesmo que saibam que essas orientação já tenham sido contestadas em tribunal →
persistindo a orientação, os funcionários têm de obedecer à orientação e aplicá-la. As circulares
constituem normas jurídicas que projetam os seus efeitos na esfera da administração, vinculando o
subalterno à interpretação da lei ditada pelo superior hierárquico, mas não representam em si mesmas
fontes do direito fiscal, pois não constituem parâmetro de validade dos atos praticados pela administração,
que se encontrará nas normas legais que as circulares visam interpretar. Os tribunais não estão obrigados
a fazer da lei a mesma interpretação que a administração fixa no seu direito circular e os contribuintes não
estão obrigados a aplicar a lei seguindo as orientações que através das circulares se dirigem aos seus
serviços. É frequente que haja desfasamento entre o direito circulatório e os tribunais: sempre que surjam
dúvidas sobre a interpretação de determinadas normas ou sobre o procedimento a seguir para dar
cumprimento a determinadas normas, são emitidas circulares; estas adotam o sentido e o alcance que
mais favorece a AT e desfavorece os contribuintes; estes têm de aceitar que os órgãos da AT adotem a
posição das circulares que lhes é hierarquicamente imposta, mas devem reagir junto dos tribunais,
contestar as orientações → as orientações vinculam apenas os órgãos e agentes da AT e não vinculam
os contribuintes nem os tribunais. Acontece que os tribunais começam a contrariar determinada orientação
e às vezes o próprio STA contraria e dá razão aos contribuintes, mas a orientação interna persiste.
Aconteceu que sistematicamente os tribunais davam razão aos contribuintes e a AT continuava a aplicar
as mesmas normas com entendimento contrário ao do STA;
> Externos: são lei em sentido material produzida por órgãos administrativos, por indicação da lei e para
garantir a sua boa execução ou para a complementar. Surgem com a forma de:
- Portarias: emitidas pelo Ministro das Finanças isoladamente ou em conjunto com outros membros
do Governo; é por portaria que estão definidos alguns aspetos fundamentais dos preços de
transferência (surge no CIRC, mas está regulamentado na Portaria nº 620-A/2008, de 16 de julho);
- Despachos normativos;
- Decretos regulamentares;
- Resoluções do Conselho de Ministros.

Em matéria fiscal e no que diz respeito aos elementos essenciais de um imposto, os regulamentos nunca são
autónomos. Não há regulamentos inovadores em matéria dos elementos essenciais de um imposto. Em matéria
tributária, os regulamentos só podem ser produzidos mediante habilitação legal prévia; aqueles que contradigam a lei
fiscal são ilegais e não devem ser aplicados pelos tribunais; a interpretação dos regulamentos deve ser feita em
conformidade com a lei.
O direito circulatório, apesar de não vincular nem os contribuintes nem os tribunais, é da maior relevância, porque
no contacto entre a AT e os contribuintes é o direito circulatório que prevalece. As orientações genéricas fixadas pelas
circulares mostram-se importantes para os contribuintes, que têm todo o interesse em conhecer a interpretação que a
administração faz da lei e adaptar o seu comportamento em conformidade, prevenindo as situações de litígio. As
exigências de segurança e certeza jurídica recomendam que o direito circular seja publicitado → para permitir aos
contribuintes saber aquilo com que podem contar, a posição da AT relativamente às normas. CPPTributário 54º ss
(em particular no 56º) obriga à constituição de uma base de dados organizada por imposto contendo todo o direito
circulatório em vigor dentro da AT. 68º-A/2 e 3 LGT.

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O papel da jurisprudência:
A construção do sistema fiscal passa em boa medida pela ação dos tribunais que, através das suas decisões
quotidianas, vão densificando os princípios e delimitando os conceitos de que se fazem os tributos públicos; cabe aos
tribunais um papel essencial na gestão do sistema tributário, na defesa dos direitos dos contribuintes e na efetivação
do dever fundamental de pagar impostos. Em Portugal, a jurisdição em matéria tributária constitui uma jurisdição
especializada e formada pelos tribunais administrativos e fiscais.
A arbitragem tributária em Portugal foi introduzida pelo DL nº 10/2011, de 20 de janeiro.

Tributação regional:
- DL regionais: interesses específicos da Região Autónoma. Ex: taxas de tributação de IRS são mais baixas
nas regiões autónomas do que no continente. Há vários princípios constitucionais a articularem-se:
capacidade contributiva + outros princípios. Ex: obtenho rendimento nos Açores que é tributado de modo
diferente do que no continente.
- As regiões autónomas exercem poderes tributários próprios – 227º/1-i) e j) CRP → através de atos
normativos emitidos pelos órgãos de soberania regionais. A lei ou o DL autorizado permitem que a região
autónoma ajuste o âmbito de tributação de um imposto ou que sejam criados determinados benefícios.

Tributação local – as receitas tributárias que cabem às autarquias são definidas pelo Título II da Lei das Finanças
Locais → cabe aos municípios a receita do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis – 14º/1-a), 23º/1-a) LFL), do IMT
(Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – 14º/1-b) LFL), da derrama municipal (14º/1-c) LFL),
uma parcela do IUC (Imposto Único de Circulação – 14º/1-d) LFL), e o produto da cobrança de taxas e preços
resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços (14º/1-e) LFL).
Surgimento de regulamentos: fixam em concreto a taxa da derrama municipal (até 1,5% - em cada ano cada
autarquia decide se cobra ou não este imposto), e a taxa do IMI → temos o exercício de poderes tributários próprios;
poder normativo no âmbito dos elementos essenciais do imposto. A derrama municipal surge-nos prevista na Lei das
Finanças Locais; no IMI a atribuição do poder é feita por DL autorizado. A Lei ou DL autorizado, em vez de fixarem de
modo específico a taxa de tributação, permitem que a autarquia local adapte a taxa de tributação a aplicar → em função
da necessidade de receita e dos objetivos locais. É mais frequente os municípios decidirem fixar o IMI no limite superior
(mais difícil que a titularidade do imóvel mude de autarquia, porque é preciso que seja alienado); quanto à derrama, é
frequente que as autarquias estejam dispostas a prescindir da derrama para atraírem para o seu território por ex.
unidades hoteleiras, fábricas → a autarquia que tem poder para tributação não é a da sede da empresa, a tributação
afere-se pelo volume da massa salarial. Ex: empresa com sede no Porto mas tem mais de 50% dos salários pagos na
unidade industrial de Vila do Conde, é VdC que pode cobrar a derrama.
A derrama é um adicional ao IRC, devido pelas pessoas coletivas que exerçam atividade de natureza
comercial, industrial ou agrícola, de lançamento facultativo pelos municípios – 18º LFL; incide sobre o lucro
tributável, com uma taxa máxima de 1,5%. A partilha da receita da derrama pode revelar-se problemática quando
estejam em causa empresas com atividade em municípios diversos; desde 1998 que o lançamento da derrama
deixou de caber em exclusivo ao município em que se verifique a liquidação do IRC (geralmente onde está
localizada a sede da empresa), para passar a caber a todos os municípios em que uma empresa possua
estabelecimento estável ou representação local. 18º/2 LFL: o lucro tributável é imputado aos municípios na
proporção da massa salarial associada a cada estabelecimento. A escolha do estabelecimento estável como
elemento de conexão e da massa salarial como critério de imputação do lucro visa corrigir assimetrias na partilha
da derrama, aproximando a receita tributária do local de formação do rendimento. A massa salarial associada pela
empresa ao estabelecimento estável existente em cada concelho é tomada pela LFL como um indicador

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

aproximado do lucro que por este é gerado, presumindo-se que o lucro tributável originado por um estabelecimento
estável é tanto maior quanto maior o gasto com a mão-de-obra que lhe esteja afeta.
A receita da derrama não está vinculada a despesas determinadas, tratando-se de um mecanismo de
financiamento corrente dos municípios. A opção de fazer com que a derrama incida sobre o lucro tributável pode
levar a que, em certos casos, a derrama seja exigida de sujeitos passivos que não apresentem matéria coletável
para efeitos de IRC → resultado desconforme ao princípio da capacidade contributiva e ao 104º/2 CRP.

Problema de constitucionalidade: os principais limites que se impõem à tributação local estão no princípio da
igualdade e no princípio da legalidade. Por um lado, a modelação dos impostos ao nível local conduz ao tratamento
desigual dos contribuintes ao longo do território nacional.
Por outro lado, a atribuição de poderes de modelação dos impostos às autarquias acarreta sacrifício da reserva
de lei parlamentar → lei ou DL atribui aos municípios o poder para fixar concretamente um dos elementos essenciais
do imposto. Pergunta-se se esta partilha do poder normativo é compatível com a fixação de uma reserva de
competência legislativa à AR no 165º/1-i) + 103º/2. Não devemos ter dúvidas que uma interpretação literal do princípio
da legalidade em sentido formal conduz a desconformidade entre a lei ou DL que atribui este poder aos municípios e
o princípio da legalidade. Contudo, vimos que a razão de ser/fundamento do princípio da legalidade em sentido formal
é o princípio da autotributação e princípio da representatividade/autoconsentimento → são os parlamentos os órgãos
de soberania no plano nacional que garantem o princípio da autotributação: são aqueles que pagam impostos que têm
o poder para definir os elementos essenciais de um imposto, os próprios contribuintes. Esta é a razão de ser de
atribuição da competência à AR. Os parlamentos são também os únicos órgãos que garantem a audição das minorias;
o processo de decisão é público e amplamente publicitado. Esta é a razão de ser que justifica que ainda hoje persista
a atribuição de reserva nesta matéria à AR.
No âmbito local, esta partilha de poder normativo faz-se mediante uma atribuição de competência às Assembleias
Municipais, que são parlamentos no âmbito local. A doutrina afirma que, apesar de à 1ª vista, numa análise meramente
textual do 165º/1-i) e do 103º/2, termos desconformidade entre a CRP e a atribuição às autarquias locais do poder de
modelação do imposto, quando a lei devolve a competência para a definição de um dos elementos essenciais (taxa)
para uma Assembleia Municipal, o valor que a CRP quer garantir é que o fundamento da reserva relativa seja o
cumprimento da exigência de autotributação e representatividade; no âmbito local, as Assembleias Municipais
asseguram as exigências de autotributação e representatividade → justifica a compatibilização entre o princípio da
legalidade e o princípio da autonomia local (constitucionalmente consagrado no 238º e tem como expressão a
atribuição às autarquias locais de poderes tributários próprios). A partilha do poder normativo é importante porque serve
para dar cumprimento ao princípio da autonomia local; e não é incompatível porque não há princípios absolutos → o
núcleo essencial do princípio da legalidade na sua vertente formal é garantir a autotributação e a representatividade.
Então, a atribuição de poderes tributários aos municípios tem o seu fundamento último no princípio da autonomia local,
pressupondo esta a dotação de receitas próprias e a realização própria de despesas. Em consequência, o TCnal
pronunciou-se no Ac. nº 57/95, dizendo que os poderes de modelação respeitam a um imposto municipal, no sentido
em que são os municípios os titulares da receita e a razão de ser do imposto está em compensar benefícios que
resultam da sua atividade; a liberdade que lhes é reconhecida nessa modelação é muito estreita; o poder de modelação
é atribuído aos municípios, que são as mais importantes autarquias, dotadas de personalidade jurídica e de autonomia
administrativa e financeira. O TCnal deixou claro que o princípio da legalidade não possui valor absoluto, devendo
articular-se com outros princípios constitucionais; há que ponderar se o sacrifício que se traz à reserva de lei
parlamentar se mostra necessário, adequado e proporcionado à tutela do princípio da autonomia local – juízo de
proporcionalidade.

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IV
➢ A interpretação das normas jurídico-fiscais
Interpretação das leis fiscais → ao longo do tempo foram propostas regras diferenciadas de interpretação para
as normas fiscais; tendo em conta que elas visam a obtenção de uma receita, uma agressão ao património dos
contribuintes, ao longo do tempo a doutrina propôs diferentes princípios interpretativos:
• Na dúvida sobre o sentido e alcance das normas fiscais, devemos interpretá-las da forma mais favorável ao
fisco.
• Princípio oposto: na dúvida, a favor do contribuinte → relações liberais; os impostos impõem uma restrição muito
significativa a um direito fundamental e, suscitando-se dúvidas, devemos interpretar as normas fiscais no sentido
mais favorável ao contribuinte.
• Séc. XX, anos 50-finais anos 60: começam a afirmar-se correntes interpretativas que são o regresso ao ‘na
dúvida, a favor do fisco’.
• Correntes da interpretação económica (Alemanha) ou interpretação funcional (Itália): defende a interpretação
económica ou funcional → que as normas fiscais sejam interpretadas sempre em função da substância
económica que essas normas têm como finalidade atingir, ou da sua causa/função. Na dúvida sobre o sentido
e alcance de uma norma, não devemos cingir-nos à letra da lei, mas sim procurar a substância económica da
lei e admitir que a norma se aplica a todos os factos com a mesma substância económica → mas isto é perigoso.
• Em Portugal, hoje em dia, a doutrina é unânime e afirma que a interpretação das normas fiscais segue os
cânones gerais previstos no 9º CC: o intérprete parte da letra da lei para procurar o seu espírito. Ao interpretar
a lei fiscal, não devemos cingir-nos à letra da lei mas procurar reconstituir, a partir dos textos, o pensamento
legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as
condições específicas do tempo em que é aplicada. Limite da teoria da alusão: intérprete não pode fixar uma
interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de alusão → mas aceitamos que este limite possa ser
ultrapassado, aceitamos resultados de interpretação em que o espírito ultrapasse a letra da lei → extensão/
interpretação teleológica.
No que respeita aos elementos essenciais do imposto, o princípio da segurança jurídica é muito importante →
princípio da determinabilidade/tipicidade/legalidade em sentido material: este princípio impõe ao legislador que, quando
legisle, determine o mais possível o conteúdo dos elementos essenciais do imposto, que seja exaustivo na legislação
que determina a carga tributária. Há dúvidas se os resultados de interpretação que vão para lá da letra da lei são
compatíveis com o princípio da segurança jurídica e com a imposição de determinabilidade. O legislador não deve
recorrer a técnicas que flexibilizam excessivamente as normas fiscais, porque a certeza e segurança jurídica no sentido
de previsibilidade assumem importância. A teoria da alusão (9º/2 CC) deve funcionar como limite, no sentido do
princípio da segurança jurídica e da previsibilidade.

As regras de interpretação da LGT:


> 11º/1 LGT: A interpretação das leis fiscais segue os cânones gerais. Recorrendo aos elementos literal,
teleológico, histórico, sistemático, …
> 11º/2: as leis fiscais apresentam especificidades; as normas de tributação que fixam os pressupostos que
originam a obrigação de pagar imposto incidem sobre realidades também reguladas por outros ramos do
direito. Ex: “tributam os rendimentos do trabalho dependente”- este é um conceito que gera muita controvérsia
no âmbito do direito tributário; normas fiscais tributam rendimentos prediais – tratado no direito civil → o direito
fiscal está a tirar consequências de realidades que já somos capazes de qualificar juridicamente à luz de
outros ramos de direito. Às vezes, o legislador fiscal atribui a estes conceitos um conteúdo diferente do que

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

eles têm noutros ramos do direito. O 11º/2 não proíbe o legislador fiscal de atribuir a conceitos conteúdo
diferente; sempre que o legislador fiscal usar conceitos próprios de outros ramos de direito, esses conceitos
têm na norma fiscal exatamente o mesmo sentido que têm nos outros ramos → sempre que o legislador fiscal
usar, por ex., o conceito de prédio, que não é próprio de direito fiscal, ele tem em princípio o mesmo conteúdo
que tem no outro ramo de direito → regra. O legislador pode atribuir-lhes outro significado, mas tem de o fazer
de modo expresso, delimitando-o para efeitos fiscais – exigência de determinabilidade. O legislador recorre a
dados normativos, cujo conteúdo já resulta de outras normas.
Ex1: 2º CIRS – considera como rendimentos de trabalho dependente os rendimentos que sejam pagos
por força da prestação de trabalho, mas também os que sejam pagos apenas em conexão com essa
prestação de trabalho → o legislador fiscal afasta-se do conceito de retribuição do direito do trabalho.
Ex2: 8º CIRS – diz o que são rendimentos prediais, mas num dos nºs o legislador afasta-se do conceito
de prédio que conhecemos do direito civil; para efeitos fiscais, uma roulotte que esteja no mesmo local
por período superior a 24 meses e que gere rendimentos, pode haver tributação desse rendimento para
efeitos fiscais.
Ex3: onde no direito comercial há dúvidas, o 3º CIRC é completado pelo 4º, apresenta uma enumeração
exemplificativa → o legislador fiscal abriu a norma, remetendo para o direito comercial, mas deu
exemplos, em virtude da imposição de previsibilidade. Na lei fiscal, devemos interpretar os conceitos
originários de outros ramos do direito com o sentido que eles aí possuem, mas apenas quando os
propósitos do direito fiscal não apontem para outra solução.
> 11º/3: apontado pela doutrina como anómalo; depois de aplicarmos os cânones interpretativos e termos em
conta os outros nºs do 11º, se ainda persistir a dúvida, deve atender-se à substância económica dos factos
tributários. Isto é um absurdo; Casalta Nabais diz que devemos ignorar completamente o 11º/3 dada a evidente
contradição entre o nº 3 e os nºs anteriores (considerar o nº3 como não escrito); Sérgio Vasques tenta
encontrar algum sentido útil:
1. De modo algum devemos aceitar que a LGT quisesse, depois de ter dito que se aplicam os cânones,
pretender adotar a interpretação económica que se afasta completamente desta regra;
2. Poderíamos ler este 11º/3 como apontando para a teleologia fundamental do sistema fiscal, e portanto
apontando a ideia de que todas as normas devem ser interpretadas tendo como como critério orientador
o princípio da igualdade e capacidade contributiva; este é pressuposto e critério da tributação; a lei só
pode escolher para tributar factos que revelam capacidade contributiva como pressuposto;
3. Hoje, poderíamos atribuir ao 11º esse sentido → mas o texto do 11º/3 não aponta de maneira nenhuma
para o pr. da capacidade contributiva (M. Duque), contudo SV apontou para este sentido.

A doutrina coloca o problema da interpretação das normas que estabelecem benefícios fiscais: estes são um dos
elementos essenciais do imposto expressamente referenciados no 103º/2 CRP. A doutrina levanta o problema de que
os benefícios fiscais têm carácter excecional, são justificados por razões extrafiscais: contrário à teleologia fiscal →
entende-se que os benefícios fiscais devem ter carácter temporário, porque não são desagravamentos estruturais, não
implicam opção de fundo em termos fiscais em que o legislador assume que determinadas manifestações de
capacidade contributiva não deviam ser tributadas. Aqui são sim situações que deviam ser tributadas, mas como o
imposto é usado com fins diferentes, como os benefícios fiscais estabelecem um regime excecional, consubstanciam
manifestações de capacidade contributiva e à luz do princípio da igualdade, porque o estado quer usar o imposto para
orientar a conduta dos contribuintes, ele deve ser excecional e temporário. Os benefícios fiscais são anti-sistemáticos,
isto é, contrariam o sistema, não respeitam a unidade e coerência lógica do sistema. Duas posições doutrinais:

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(1) Quanto aos benefícios fiscais, não podemos seguir os cânones gerais previstos no 9º CC; alguma doutrina
diz que as normas que estabelecem benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o resultado
de interpretação é a interpretação declarativa/literal, isto é, a fixação à norma que estabelece o benefício de
um sentido muito próximo do texto → não deve ser admitida a interpretação extensiva das normas fiscais.
(2) Não é isto que a nossa doutrina entende: há consenso quase total; a circunstância de os benefícios fiscais
terem carácter excecional não afasta a sua interpretação extensiva, o CC diz que as normas excecionais não
podem ser aplicadas por analogia mas podem interpretadas de forma extensiva → por isso quem defende a
posição (1) contraria os cânones gerais e o 11º. O sentido que é dado pelo espírito é ainda um dos sentidos
literais dado pelo texto. SV, CN: dizem que as normas relativas aos benefícios fiscais interpretam-se como
todas as outras e podem ser objeto de interpretação extensiva; todos os resultados de interpretação que
respeitam o princípio da alusão valem também em matéria de benefícios fiscais.

Há jurisprudência dos tribunais superiores, isolados, a defenderem que a interpretação estrita; o TJUE diz que as
normas de benefícios devem ser objeto de interpretação declarativa. Portanto, a posição supra (1) que os autores
portugueses não assumem é aquela que é defendida pelo TJUE.

Integração das lacunas das leis fiscais - 11º/4 LGT: afasta-se das regras gerais do CC (10º/1 a 3); os tribunais
têm de respeitar o 11º/4; as lacunas resultantes de normas tributárias não são suscetíveis de integração analógica. No
âmbito dos elementos essenciais do imposto, que é o âmbito do princípio da legalidade fiscal, não podem ser
preenchidas lacunas. O 11º/4 só proíbe a analogia; mas as lacunas também podem ser preenchidas por norma ad hoc
e não só por analogia – temos de ler o 11º/4 interpretando extensivamente, o legislador quis dizer que não aceita de
todo a integração de lacunas; quis-se proibir a integração seja qual for o método usado. Qual a razão de ser desta
proibição? As lacunas existem em matéria fiscal; o legislador fiscal tem comando constitucional específico no sentido
da determinabilidade, tem de ter cuidado particular na delimitação dos elementos essenciais do imposto.
 O legislador razoável em matéria fiscal não deve cometer tantos lapsos como noutros ramos do direito;
pode acontecer que o legislador cometa lapsos e deixe de fora factos que são muito semelhantes àqueles
que referiu, por isso estes não se considerariam abrangidos pela norma. Temos então uma lacuna – A e
B são sujeitos à norma, C e D são semelhantes mas não estão referidos – lacunas; C e D deveriam,
segundo o princípio da igualdade, ser tributados.
 Para além disso e ainda mais frequente, em matéria fiscal, o legislador descreve hoje tudo o que quer
tributar e mesmo que faça descrição perfeita de toda a realidade daquele momento e faça previsão do
que a realidade pode criar, por muito que o legislador seja competente e exaustivo, às vezes aparecem
situações novas; o legislador está sempre atrás no enquadramento das normas em face do contribuinte;
as normas fiscais são quase por natureza lacunares, porque a realidade está sempre a mudar. Por isso,
a LGT diz que, no âmbito protegido pelo princípio da legalidade, as lacunas não podem ser colmatadas
pelo intérprete, mas apenas pelo legislador → isto é assim porque, segundo alguns autores, se assim não
fosse, os tribunais estariam a definir normas de incidência (SV diz que não é o pr. da legalidade).
Tensão entre a segurança jurídica e a justiça (dois fins do Direito): a justiça em matéria fiscal manifesta-se em
igualdade e, por outro lado, em combate à evasão fiscal. Na articulação entre a justiça e a segurança jurídica, a CRP
quis atribuir prevalência à segurança jurídica. Alguns autores dizem que este equilíbrio entre a segurança e a justiça é
um equilíbrio que não se encontra sempre no mesmo ponto; o ponto de equilíbrio nesta tensão historicamente
encontrava-se num patamar em que a justiça era sacrificada pela segurança. Nos últimos 10 anos, a doutrina tornou-
se sensível, a leitura que fazemos da CRP não é estática, sofre mutação pela sua articulação com a realidade
constitucional e com os valores constitucionais:

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> Começou a contestar-se se o direito fiscal tem de ser um setor de segurança jurídica absoluta – CN diz que o
próprio legislador pode criar parâmetros, abre brecha para dizer que a integração de lacunas deveria ser
possível com características específicas, as normas deveriam ser mais abertas, dizer que há outras situações
que também poderiam ser tributadas → CN coloca a justiça num patamar mais relevante do que o que ela
tem tido;
> SV: o princípio da segurança jurídica prevalece sobre o princípio da igualdade, tendendo a integração de
lacunas por meio de analogia a ser vedada no domínio tributário. O conflito igualdade-segurança joga-se no
plano constitucional e nem sempre o 1º princípio resulta sacrificado ao último. É legítimo que o legislador
ordinário determine nesta matéria o ponto de equilíbrio entre igualdade e segurança e defina em que medida
é admissível ao aplicador o recurso à analogia, tal como o faz no 11º, estabelecendo que a integração por
meio de analogia é proibida no tocante às matérias que integram a reserva de lei parlamentar e admitindo-a
implicitamente quanto às restantes;
> A maior parte da doutrina diz que o texto da CRP, interpretado em termos estritos, já não tem correspondência
à realidade. O fim justiça deve ganhar espaço novo na aplicação das normas jurídicas. Mas o 11º/4 diz-nos
que a integração está absolutamente vedada – a segurança jurídica e previsibilidade estão garantidas.

Cláusula geral anti-abuso: surge como um mecanismo de combate à fraude e evasão fiscal; destinado a reprimir
a fraude ao próprio sistema, e não apenas o contornar de uma ou outra norma; mecanismo de realização da justiça →
princípio da igualdade fiscal (em sentido próprio). Quer isto dizer que a cláusula anti-abuso vai gerar menor segurança
jurídica ou alguma compressão da previsibilidade e da certeza jurídica. Houve uma tomada de consciência por parte
da doutrina e do legislador em como o excesso de segurança gera injustiça → tentativa de reequilibrar a segurança e
a justiça, fazendo um upgrade da justiça e um downgrade da segurança.
A razão de ser das cláusulas anti-abuso está em prevenir que a lei fiscal seja defraudada através da manipulação
das formas jurídicas pelos contribuintes; não está aqui em causa a pura e simples fraude fiscal (casos em que se
produz uma violação direta da lei com vista à obtenção indevida de uma vantagem – ex: ocultação de rendimentos),
mas antes uma fraude aos princípios do sistema, casos em que o contribuinte realiza um negócio liminarmente
conforme à lei mas cujos contornos escapam a qualquer racionalidade económica, explicando-se apenas pelo intuito
de obviar ao imposto que decorreria do recurso a formas negociais mais comuns.
A introdução de cláusulas legais que visam reagir contra práticas deste tipo, anulando-lhe os efeitos no plano
fiscal, coloca em oposição o princípio da autonomia privada e o princípio da igualdade tributária → os contribuintes, no
exercício da sua autonomia, podem escolher as formas jurídicas que querem dar aos seus negócios; mas o exercício
da autonomia privada e a legitimidade do planeamento encontram o seu limite quando os contribuintes se servem de
esquemas negociais manifestamente artificiosos, manipulando as formas jurídicas com o intuito principal de escapar
ao pagamento do imposto que seria devido caso fossem empregues as práticas negociais mais comuns para alcançar
o mesmo resultado económico. Chegados a este ponto-limite, o exercício da autonomia privada mostra-se incompatível
com o princípio da igualdade e com o programa de repartição tributária que a lei encerra.
Esta cláusula surgiu na sua 1ª formulação como formulação aberta: violava claramente as exigências de tipicidade
e determinabilidade mínimas, violando por conseguinte a CRP; legislador interveio e temos agora o 38º/2 LGT –
mecanismo aberto, mas a compressão da previsibilidade foi contida. Este mecanismo é usado em situações-limite; nos
diferentes impostos, temos cláusulas anti abuso específicas. Ex: IRS – há algumas normas cuja única finalidade é
evitar que o princípio subjacente possa ser contornado, impedir a frustração do objetivo visado. Mas a cláusula geral
anti-abuso visa autorizar a tributação em situações em que a conduta dos contribuintes é fraudulenta num sentido mais
vasto, utilização de atos/negócios jurídicos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas,
para conseguir vantagens em termos fiscais. O 38º/2 começa pela estatuição/consequência: são ineficazes para efeitos

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fiscais determinados atos e determinados negócios jurídicos. A cláusula geral traduz-se numa ineficácia para efeitos
fiscais de atos ou negócios jurídicos que apresentem determinadas características → para efeitos fiscais, vamos
considerar como se a forma jurídica para a prática de um ato não tenha sido utilizada, e vamos tributar esse ato
utilizando a norma que tributaria aquela realidade se o contribuinte não tivesse utilizado aquele artifício. Pressupostos:
1. Por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas → prática de atos ou negócios jurídicos
que impliquem a utilização abusiva de formas jurídicas por meios artificiosos ou fraudulentos: há um abuso da
forma jurídica; estamos perante esquemas negociais que ocultam os seus verdadeiros propósitos e aos quais
é dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Ex: as partes celebram contrato
de sociedade quando não querem constituir sociedade, mas usam a forma para simular ou para outra coisa →
o 1º texto apontava para a simulação, mas a simulação leva à nulidade, agora a norma é mais aberta; o contrato
de sociedade pode ter muita complexidade, que não corresponde à realidade → fraudulento.
2. Atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento da
tributação ou à obtenção de vantagens fiscais → intenção; exige-se o objetivo único ou principal de, através
desses esquemas negociais, obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a
marginalização evidente de objetivos económicos reais;
3. É necessário que a lei queira tributar a realidade material que está subjacente à utilização desses meios
artificiosos: exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens económicos em causa, nos
mesmos termos em que estes seriam tributados tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e às
práticas negociais mais comuns.

Verificados estes três elementos, opera a cláusula anti-abuso, determinando a lei que se consideram ineficazes
no âmbito tributário os atos ou negócios abusivos, ainda que possam produzir efeitos noutros domínios do
ordenamento.
Não é só porque se usa um meio estranho que a cláusula anti-abuso pode funcionar, é preciso que isso determine
o surgimento de vantagens fiscais e efetivamente a operação que as partes quiserem celebrar/esconder seja uma
realidade que a lei quer tributar. A cláusula operará nos casos em que o exercício da autonomia privada e o direito ao
planeamento atentem grosseiramente contra a igualdade → casos em que o artifício dos esquemas negociais adotados
e o propósito manifesto de com eles obter um ganho apenas fiscal mostram que inexiste uma expetativa legítima que,
em concreto, mereça ser protegida por invocação da segurança jurídica.
A norma é maioritariamente composta por conceitos indeterminados: abusiva, meios artificiosos, essencial ou
principalmente … → carecem de preenchimento valorativo. Há uma utilização de técnicas legislativas que, em princípio,
estão vedadas em matéria fiscal; a norma é muito aberta, cria riscos de a AT querer usá-la abusivamente, em
desrespeito dos contribuintes. O CPPT fixa um procedimento próprio para a aplicação da cláusula geral: quando a AT
quer usar a cláusula geral para tributar uma realidade que, em princípio, não seria tributada ou só o seria daí a algum
tempo, quando quer considerar ineficaz o ato ou negócio jurídico, tem de o fazer usando o procedimento do 63º CPPT:
procedimento complexo, estando assegurada a possibilidade de defesa do contribuinte. Visa assegurar o equilíbrio
entre a necessidade de uma norma aberta e a segurança que tem de ser dada aos contribuintes. Estas regras são
aplicáveis apenas à cláusula geral anti-abuso do 38º LGT, e não às normas anti-abuso específicas consagradas de
modo avulso na lei fiscal.
Algum tempo depois de a cláusula ter sido introduzida, surgiu o DL nº 29/2008, de 25 de fevereiro – Lei do
Planeamento Fiscal: lei que obriga à comunicação dos “esquemas” de planeamento fiscal. O planeamento fiscal é um
direito, cada um de nós tem direito a planear as suas condutas em função das consequências fiscais: se as taxas de
tributação vão baixar no próximo ano, tenho direito a vender a casa só no próximo ano. Este dever é imposto às
consultoras, sociedades de advogados, instituições financeiras, TOCs, ROCs, etc que auxiliam os contribuintes. O

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objetivo é que a AT possa ir criando uma base do que é planeamento fiscal legítimo e aceitável e que não implica uso
abusivo, para que, por essa via, possa tornar-se mais eficaz na aplicação da cláusula.

V – A relação jurídico-tributária
➢ Os sujeitos
Relação jurídica de imposto: é uma relação obrigacional complexa, ainda que unilateral; a complexidade
evidencia-se em vários planos, particularmente no que diz respeito aos sujeitos. A relação jurídica de imposto é uma
relação:
- de direito público;
- de autoridade;
- traduz-se num exercício de ius imperii de uma das partes (AT – lançamento de impostos) em relação à outra
(contribuintes – pagamento dos impostos). O facto de ser uma relação jurídica de direito público exprime-se
no seu carácter coativo → significa que a fonte da obrigação fiscal é apenas a lei, não há qualquer espaço
para a manifestação da vontade das partes. A lei modela todo o conteúdo da relação obrigacional, sem
espaço para a manifestação da vontade das partes e, do ponto de vista dos contribuintes, sem espaço para
a autonomia privada.

O facto de a lei ser a única fonte da obrigação e modelar todo o conteúdo da relação obrigacional leva a que esta
relação tenha características de indisponibilidade, irrenunciabilidade, imodificabilidade e inegociabilidade. A AT pode
dispor do crédito, mas não quando entende, apenas nos casos e termos em que a lei o admitir. Os poucos poderes
reconhecidos ao sujeito ativo são reconhecidos sempre mediante a verificação de pressupostos legais.
A complexidade da relação manifesta-se desde logo no plano dos sujeitos:
• A resposta à pergunta sobre quem é o sujeito ativo da relação tributária parece simples à luz do 18º/1 LGT,
mas atualmente reveste complexidade, em virtude dos fenómenos de intermediação associados à liquidação
e cobrança de um sem-número de tributos públicos e em virtude da heterogeneidade das entidades públicas
a quem cabe o direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias. A resposta não é fácil porque
identificamos diferentes formas de titularidade ativa → o credor é aquele que tem competência tributária e
capacidade tributária ativa, e pode não ser o titular de receita. O direito de exigir o cumprimento de uma
obrigação tributária não se confunde com:
- Poder de instituir ou de modificar um tributo público: existem entidades públicas que dispõem deste poder
tributário em sentido estrito e às quais não assiste, no entanto, o direito de exigir o seu pagamento aos
contribuintes. Ex: municípios – possuem o poder de modelar as taxas gerais do IMI dentro de certos
limites, mas é a AT que procede à sua arrecadação, figurando como sujeito ativo da relação tributária;
- Direito à receita: casos em que a AT assegura como sujeito ativo a arrecadação de tributos que
constituem receitas de terceiras entidades públicas que não chegam a estabelecer uma relação jurídica
com o contribuinte. Ex: tributos públicos objeto de consignação, como o imposto sobre os produtos
petrolíferos e energéticos.

À luz do 18º, a qualidade de sujeito ativo cabe às entidades que possuem o direito ou poder de exigir do contribuinte
o pagamento de um tributo. Hoje em dia, em virtude dos fenómenos de intermediação associados à gestão de muitos
tributos públicos (regiões, municípios, institutos e outras entidades públicas menores), assiste-se ao alargamento da
noção tradicional de sujeito ativo.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Regiões Autónomas: 18º/1 e 2 LGT, 61º/1 e 2 LFRA – o conceito de sujeito ativo vai além das entidades que
exigem diretamente dos contribuintes o cumprimento das obrigações tributárias, abrangendo aquelas que o fazem
indiretamente. As regiões devem ser consideradas sujeito ativo dos impostos exigidos dos seus residentes, seja no
caso da Madeira (possui serviços próprios) ou dos Açores (não possuem serviços próprios) – SV. CN reconhece a
qualidade de sujeito passivo às regiões autónomas apenas quando administrem diretamente os seus impostos, como
sucede na Madeira.

• Do lado passivo, o sujeito passivo – 18º/3 LGT é aquele que fica obrigado por força do dever primário ou
principal de prestação; sujeito passivo é a pessoa vinculada perante o sujeito ativo à realização da prestação
tributária. O sujeito passivo da relação tributária pode apresentar-se na qualidade de:
- devedor do imposto/substituto tributário: aquele que fica obrigado ao pagamento do tributo em vez do
contribuinte, por se encontrar em posição que permite assegurar o pagamento com maior segurança e
facilidade;
- contribuinte (contribuinte direto): aquele que se encontra vinculado ao pagamento de um tributo em
virtude de preencher ele próprio as normas de incidência do tributo público, fazendo com isso nascer a
obrigação tributária;
- responsável (pela dívida): aquele que fica obrigado ao pagamento do tributo além do contribuinte, quando
este não seja capaz de o fazer.
O sujeito passivo tem, em regra, personalidade jurídica, mas pode ser também uma entidade equiparada
fiscalmente a uma pessoa coletiva → a qualidade de sujeito passivo pode caber a entidades ‘de facto’, desprovidas de
personalidade jurídica ou que não a possuam para efeitos de outros ramos do direito. Ex: herança jacente tem
personalidade jurídico-tributária – 2º CIRC.
A noção de sujeito passivo não deve ser associada à titularidade de capacidade contributiva, pois o sujeito que
não revele capacidade contributiva não deixa por isso de ser sujeito passivo em face da lei de imposto, podendo
suceder que a sua oneração com o imposto se revele inconstitucional por violar o princípio da igualdade tributária.
Aqueles que estão obrigados por força do dever primário ou principal de prestação: o enunciado do 18º/3 não é
muito rigoroso, porque em muitas situações o contribuinte não está obrigado a cumprir, mas a suportar
economicamente esse cumprimento, como é o caso do repercutido tributário (importante nos tributos indiretos), a quem
o 18º/4-a) recusa a qualidade de sujeito passivo. Podem-nos aparecer como obrigados ao cumprimento do dever
primário ou principal de prestação pessoas que são responsáveis subsidiários. Em matéria fiscal, as obrigações
acessórias incumbem não apenas aos sujeitos passivos da relação jurídica tributária mas também a terceiros, que são
obrigados ao cumprimento de deveres acessórios porque têm conexão com a relação tributária. Ex: notários do registo
comercial está obrigado a declarar as operações, para permitir o controlo cruzado pela AT;
Normalmente, devedor de imposto e contribuinte coincidem na mesma pessoa, mas há situações em que não
coincidem → há terceiros chamados a cumprir obrigações fiscais que não são suas.
O papel que hoje cabe a entidades empregadoras, instituições financeiras ou estabelecimentos comerciais na arre-
cadação dos tributos públicos testa os limites da noção clássica de sujeito passivo, rodeado por vários intermediários.

Substituição fiscal/tributária: é um mecanismo/instituto próprio do direito fiscal utilizado essencialmente para


dar cobertura jurídica ao mecanismo financeiro da retenção na fonte. Há casos de substituição fiscal em que
tecnicamente é possível haver substituição fiscal sem o mecanismo da retenção da fonte. SV distingue a substituição
fiscal com retenção na fonte e a substituição fiscal sem retenção na fonte → MD prefere substituição fiscal associada
à retenção na fonte e dissociada da retenção da fonte. A LGT assume que a substituição fiscal serve só para dar
cobertura ao mecanismo financeiro da retenção da fonte – 20º/2. 20º/1: a substituição tributária verifica-se quando, por
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imposição da lei, a prestação tributária é exigida a uma pessoa diferente do contribuinte. Nas situações mais comuns,
a substituição fiscal opera por retenção na fonte e, por essa razão, o 20º/2 é redutora, temos apenas uma das
modalidades que a substituição fiscal pode assumir.
Vantagens da substituição fiscal:
1- Menor evasão fiscal: por ex., o contribuinte teria maior propensão a não pagar o imposto do que o banco, por
isso é vantajoso colocar este último a reter o imposto e a entregá-lo à AT.
2- Simplificação: principal vantagem; em qualquer substituição temos 10 bancos que vão reter na fonte todos os
juros que pagam aos seus clientes e entregá-los ao Estado. A retenção simplifica enormemente a relação
tributária. É o sujeito passivo (banco, contribuinte direto) que dá o impulso na relação tributária; relação de
massas; é o próprio sujeito passivo que declara → sendo o substituto a declarar, há menor evasão.
3- Antecipa o momento temporal do imposto: se não houvesse retenção, por ex., A recebia 10.000 em março de
2017, e em maio de 2018 A pagava o imposto → Estado só recebia o imposto não em março de 2017, mas
em maio de 2018. À medida que o agente pagador paga ao substituído, retém e entrega à AT; o Estado recebe
mensalmente o dinheiro das retenções.

Substituição com retenção/associada à retenção na fonte – 20º/2 LGT: constitui uma técnica de intermediação
característica dos impostos sobre o rendimento; foi a instituição dos impostos sobre os rendimentos pessoais que levou
à afirmação do mecanismo da retenção na fonte nos modernos sistemas fiscais. A retenção na fonte é um mecanismo
de cobrança dos impostos que apresenta vantagens significativas → antecipação de receitas; diminui significativamente
os contactos entre a AT e os contribuintes e elimina, em alguns casos, esse contacto; ao nível dos impostos sobre o
rendimento e sobretudo no IRS, o legislador utiliza este mecanismo sempre que é possível que ele funcione → a
retenção na fonte permite que o contribuinte não percecione que está a pagar imposto e não percecione a carga
tributária efetiva com a mesma intensidade, pois não chega a ter nas mãos o imposto que tem de pagar; o contribuinte
sabe que há quantias de imposto que estão já do lado do Estado. Ainda que o legislador pretenda onerar a pessoa que
preenche as normas de incidência de um dado tributo público e que se toma por isso como contribuinte direto, a
prestação é exigida de outrem – o substituto -, via de regra por razões de ordem prática, por se encontrar o substituto
em posição de melhor cumprir essas obrigações.
Ex1: entre a sociedade X e A é celebrado contrato de trabalho, de acordo com o qual a sociedade obriga-se a
pagar a A 1000 por mês; X é entidade patronal pagadora de rendimentos a pessoa singular, A é titular dos rendimentos;
A é o contribuinte, porque é o A que preenche os pressupostos de facto da norma de tributação do 2º IRS, que diz que
são tributáveis em IRS os rendimentos de trabalho dependente; mas o devedor do imposto vai ser a sociedade X → a
lei aproveita-se da relação entre X e A para impor a X uma obrigação legal de retenção na fonte, por ex. à taxa de 20%;
de cada vez que X tem de pagar 1000 a A, não lhe paga 1000, a sociedade X, cumprindo uma obrigação que lhe é
imposta em termos imperativos, fica com 200 e entrega apenas 800 a A → os 200 vão para o Estado. A é substituído
pela sociedade X no cumprimento do dever primário ou principal de prestação, porque é X que tem de entregar a
prestação ao Estado (AT), X é o substituto. A é contribuinte e X o devedor do imposto.
Ex2: o banco Y tem com A uma relação de direito privado, um contrato de depósito bancário que vence juros; Y,
uma vez por ano, paga 1000 de juros a A → a lei aproveita-se da existência desta relação para impor à entidade
pagadora/fonte dos rendimentos que retenha, à taxa de 28%, para entregar ao Estado 280; assim, A só receberá 720€.

A lei quer conseguir o efeito de ser a fonte de rendimentos a fazer chegar ao Estado uma parte do dinheiro →
obrigação de retenção + obrigação de entrega: a lei configura a entidade pagadora como devedora do imposto. A é
titular dos rendimentos (nos dois casos), os 1000 que o banco e a sociedade devem são rendimentos de A; A é aquele
que suporta o encargo patrimonial inerente ao pagamento do imposto. Isto é, os 200/280 retidos a título de retenção

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

na fonte constituem o encargo inerente ao pagamento do imposto relativo à obtenção dos rendimentos → A é o
contribuinte. Na substituição tributária com retenção na fonte, a deslocação da obrigação tributária para o substituto
dá-se porque este é o devedor do contribuinte substituído, a fonte dos rendimentos que se sujeitam a imposto, sendo
mais fácil exigir que o substituto deduza uma parcela desse rendimento aquando do seu pagamento para entrega ao
Estado, do que exigir esforço semelhante do próprio substituído.
 A obrigação de pagamento do imposto (dever primário/principal de prestação) é feita à custa do titular dos
rendimentos → o titular dos rendimentos é substituído no cumprimento do dever primário de prestação pela
sua entidade pagadora, que é o substituto. O devedor do imposto (substituto) fica obrigado ao cumprimento
do dever primário de prestação = entrega de uma certa quantia em dinheiro.
 O contribuinte (substituído) é aquele que preenche os pressupostos de facto da norma de tributação, isto é, é
A que por força da existência do contrato de trabalho, tem direito a receber 1000, é A que preenche os
pressupostos de facto das normas de tributação de IRS. É ele que a lei quer atingir com o imposto; é o titular
da capacidade contributiva que a lei quer atingir; é ele que suporta o encargo/desfalque patrimonial inerente
ao pagamento do imposto. É do seu bolso que sai, não chegando sequer a entrar, o montante de imposto a
pagar.

Nestas situações, há falta de coincidência entre contribuinte e devedor do imposto → a lei cria relação triangular
(entre o substituto, o substituído e a AT), para conseguir as vantagens da retenção da fonte e, ao impor este
mecanismo, separa o devedor do imposto do contribuinte.
A substituição opera só por força da lei, não por acordo das partes. A relação de imposto é de carácter público, a
lei é a única modeladora do conteúdo da relação de imposto.
98º ss CIRS:
> 98º: caracteriza a retenção e explica como ela funciona; as entidades devedoras dos rendimentos sujeitos a
retenção estão obrigadas a deduzir-lhes uma certa percentagem e a entregar essas importâncias em prazo
e local determinados; os substitutos estão também obrigados ao cumprimento de um conjunto de deveres
de cooperação, de acordo com o 119º CIRS;
a lei, por vezes, atribui a possibilidade de negociar dentro de determinados parâmetros, possibilidade de os
sujeitos passivos se poderem afastar em determinados sentidos;
> 99º - categorias A e H;
> 101º/1 – categorias B e F, apenas quando a entidade pagadora de rendimentos for uma entidade que dispõe
ou deve dispor de contabilidade organizada;
> 101º/2 remissão para o 71º – rendimentos sujeitos a taxas liberatórias (rendimentos de capitais e
rendimentos obtidos por não residentes);
> 98º/6: permite que o contribuinte, nas situações em que a retenção é obrigatória, possa pedir à entidade
empregadora que aplique taxa superior à que é dada por lei → para evitar desfasamento entre a retenção
na fonte e o imposto pago no final do ano. Pode acontecer que as partes criem entre elas outro tipo de
obrigações, mas perante a AT isto não vale, vale apenas para relações que não sejam a fiscal.

A substituição fiscal, funcionando por retenção da fonte e sendo imposta por lei, pode surgir-nos com natureza
diferente – porque a própria retenção da fonte pode ter natureza diferenciada.
1) Substituição total: o contribuinte é substituído no cumprimento de todas as obrigações, por imposição da lei
→ nas obrigações acessórias e na obrigação principal. A retenção suportada libertou-o completamente das
suas obrigações para com a AT, incluindo das obrigações acessórias, designadamente dos deveres de
declaração e englobamento de rendimentos. Isto porque a retenção na fonte tem carácter definitivo → retenção
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

na fonte definitiva; na configuração legal, a retenção na fonte nestas situações tem natureza de imposto
definitivamente pago. Por essa razão, a retenção na fonte tem efeito liberatório total para os contribuintes: quer
isto dizer que, uma vez suportada a retenção na fonte, o contribuinte fica liberado de todas as obrigações que
resultam da lei em relação à obtenção daqueles rendimentos. É o caso do 101º/2 rendimentos sujeitos a taxas
liberatórias → 71º – substituição total, retenção na fonte com carácter definitivo.
Efeito liberatório total/pleno/triplo – libera da:
1- obrigação de declaração;
2- obrigação de englobamento dos rendimentos: não são somados aos restantes rendimentos do IRS;
3- obrigação de pagamento do imposto: considera-se definitivamente pago.
Em algumas das situações previstas no 71º, o rendimento é tributado a título definitivo: isto significa que podemos
ter montantes significativos de rendimento que escapam à unicidade e progressividade impostas pelo 104º CRP. O
legislador, para contornar o carácter inconstitucional desta tributação, criou para os residentes no 71º/6 a possibilidade
de o titular dos rendimentos poder, na sua declaração anual de rendimentos, optar por englobar esses rendimentos. A
substituição continua a ser total mas, pela necessidade de compatibilizar o regime com os imperativos constitucionais,
o legislador flexibilizou o regime: transformou a retenção na fonte com carácter definitivo numa substituição parcial,
com natureza de mero adiantamento do imposto.
A tributação definitiva com taxas proporcionais é a forma mais fácil de tributar os não residentes. No 101º/2 → 71º
as taxas de retenção são proporcionais e, em regra, incidem sobre rendimentos brutos.
Exemplo do banco Y é substituição total.

2) Substituição parcial: o contribuinte não é substituído no cumprimento de todas as obrigações, persistindo


obrigado ao cumprimento dos deveres acessórios, porque a retenção na fonte tem o carácter de mero
adiantamento por conta do imposto que será devido a final. Cria-se uma conta corrente entre o contribuinte e
a AT, o contribuinte vai sofrendo retenções na fonte que são meros adiantamentos ou pagamento por conta:
quer dizer que o contribuinte está a pagar imposto, através da substituição suporta imposto, que não resulta
de liquidação definitiva, pois o imposto não está ainda liquidado → a retenção na fonte não tem carácter
definitivo, tem carácter provisório, tem natureza de adiantamento → retenção na fonte por conta do imposto
devido a final. Isto pode gerar o direito a que o contribuinte seja reembolsado → fez os adiantamentos por
conta do imposto, o acerto de contas tem de ser feito nalgum momento, percebendo-se que adiantou imposto
que afinal não deve, tem direito a ser reembolsado das quantias que adiantou indevidamente. Os rendimentos
do trabalho (ex. da sociedade X) são exemplos de substituição parcial. A aplicação das taxas de retenção e a
entrega das quantias retidas constitui um simples mecanismo de adiantamento por conta de uma dívida de
imposto que só se torna certa, líquida e exigível uma vez terminado o período tributável.
99º e 101º/1 CIRS: adiantamento por conta, configuram casos de substituição parcial; nas taxas do 99º e 101º/1
temos retenções construídas em termos diferentes do 101º/2.
Para as categorias A e H, as retenções são feitas de acordo com tabelas de retenção na fonte: estas tabelas
ponderam o nível de rendimento e a situação pessoal e familiar do sujeito passivo que está a sofrer retenção na fonte
→ são tabelas personalizadas. Duas pessoas com o mesmo valor salarial podem sofrer taxas de tributação diferentes
consoante a sua situação pessoal e familiar, por ex., aquele que não tem dependentes, pelo mesmo rendimento, vai
pagar mais imposto do que aquele que tem dependentes. Em face das retenções na fonte das categorias A e H, as
pessoas, se não tiverem mais rendimentos, poderão não ter imposto a pagar e poderão até ter imposto a receber
(reembolso). A lei procura aproximar a situação provisória (retenção provisória) daquele que vai ser o imposto a pagar
em termos definitivos no fim do ano.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Para os rendimentos das categorias B e F - 101º/1, o legislador não configurou a retenção nos mesmos termos:
temos taxas fixas ou proporcionais de retenção, por ex. para a maior parte das situações, para os rendimentos
principais da categoria B a taxa é de 25% (ainda que haja retenção mais baixa em certos rendimentos); para a categoria
F a taxa de retenção também é de 25%. Quer a retenção esteja a incidir sobre rendimento de 1000, 10.000 ou
1.000.000. Risco de desajustamento elevado em relação à situação final de pagamento do imposto. A taxa, para além
de proporcional/fixa, não pondera quaisquer custos e incide sobre rendimentos brutos. Ex: advogado em início de
carreira sofre taxas de 25%. Nos rendimentos da categoria B e F, não há pessoalização nem ponderação dos custos
a suportar pelo titular dos rendimentos.

Responsabilidade nos casos de substituição fiscal - 28º LGT: nas situações em que a lei cria uma relação
de substituição fiscal e impõe à entidade pagadora de rendimentos uma obrigação de retenção + uma obrigação de
entrega dos montantes retidos, configurando-a como devedor do imposto, como resolvemos os problemas emergentes
de algo correr mal e de a entidade empregadora ter retido os 200 ou os 280 e não ter feito chegar as quantias aos
cofres do Estado, ou seja, houve retenção, mas não houve entrega dos montantes à AT → casos em que, apesar de
a lei impor obrigação de retenção, a entidade pagadora do imposto não retém ou retém defeituosamente.
A falha pode estar na obrigação de retenção ou na obrigação de entrega → regimes diferentes. O 28º tem em conta
que a substituição não é sempre igual, ponderando a diferença entre substituição parcial e substituição total.
 28º/1: vale para as situações em que houve retenção na fonte, mas não houve entrega dos montantes retidos.
Ex: A suportou a retenção que tinha de suportar, mas X ou Y não entregaram os montantes ao Estado. A lei
pergunta se o contribuinte suportou ou não o imposto que tinha de suportar, o titular da capacidade contributiva
ficou ou não onerado → o responsável pelas quantias retidas e não entregues ao Estado é o substituto; o
substituído fica desonerado de qualquer responsabilidade. O substituído não recebeu nada a mais do que aquilo
que nos termos da lei deveria receber; o responsável é só o substituto. Ex: entidade patronal efetua as retenções
na fonte de IRS sobre os salários dos seus trabalhadores sem proceder depois à sua entrega ao Estado.
 28º/2: vale para as situações em que não houve retenção ou a retenção foi inferior à imposta por lei, e a retenção
tinha a natureza de adiantamento por conta (substituição parcial). Ex: X entregou 1000 a A e não 800, ou
entregou-lhe 900 e entregou 100 ao Estado. Nestas situações, o responsável em primeira linha pelas quantias
não retidas (em termos absolutos ou a diferença entre o que devia ter sido retido e o que foi) é o substituído/
contribuinte, porque recebeu indevidamente montantes que deveriam ter sido retidos. O substituto responde, a
título subsidiário, por essas quantias, isto é, o substituto fica como garante do cumprimento da obrigação pelo
substituído → foi a entidade que desrespeitou a norma que impunha o dever de reter e, ao desrespeitar, deve
ficar colocado em situação de responsabilidade subsidiária. Ex: não tendo A forma de pagar o imposto relativo à
retenção que devia ter sido feita, será o substituto a suportar as retenções que devia ter feito. Para além disso, o
substituto fica sempre obrigado ao pagamento de juros compensatórios. Se a retenção tinha natureza de
adiantamento por conta, responde pelas quantias não retidas o substituído; o substituto fica responsável a título
subsidiário → em qualquer caso, o substituto fica com a obrigação de pagar os juros compensatórios. O
contribuinte recebeu mais do que devia, a capacidade contributiva está no substituído. Ex: entidade patronal falha
na retenção do IRS sobre os salários de um trabalhador → é este quem responde a título primário pelo imposto
e só a título subsidiário a entidade.
 28º/3: não houve retenção ou foi inferior, mas a retenção tem carácter definitivo (substituição total). Nos restantes
casos: casos em que a retenção tem natureza definitiva. Quando a substituição é total, a solução é a inversa do
28º/2: responde pelas quantias não retidas o substituto; o substituído fica como responsável a título subsidiário.
Todo o regime da responsabilidade fiscal em caso de substituição obedece a uma ideia de chamar a responder
por um imposto que deveria ter chegado aos cofres do Estado e não chegou aquele em cuja esfera patrimonial
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

estão as quantias que deveriam ter chegado aos cofres do Estado. O substituído já sofreu a retenção, o montante
de imposto a pagar já saiu, ficou desonerado. Por ser substituição total, a AT nem tem contacto com os
contribuintes → rendimentos protegidos pelo sigilo bancário. Para tutelar as expectativas do substituído, por uma
situação que é tipicamente de substituição total, o titular dos rendimentos, quando os recebe, deve poder contar
que o imposto já está pago → a capacidade contributiva ainda está no titular dos rendimentos, mas quem tem de
responder em 1ª linha é o substituto (banco). Ex: banco falha na retenção do IRS sobre os juros pagos a um
cliente → é o banco que responde a título primário pelo imposto e só a título subsidiário o cliente.

As regras sobre a responsabilidade em caso de substituição tributária mostram-se condizentes com o princípio da
igualdade tributária. Quando a retenção foi bem feita e falha a entrega da prestação tributária (28º/1), a capacidade
contributiva do substituído encontra-se já onerada com o imposto, não se podendo admitir que ele venha ser
responsabilizado pela entrega em falta, sobre a qual não possui qualquer capacidade de influência. Nestes casos, a
única solução condizente com o princípio da capacidade contributiva estará em responsabilizar exclusivamente o
substituto pelo imposto, desonerando o substituído de qualquer responsabilidade pelo respetivo pagamento.
Nas hipóteses de retenção por conta do imposto devido a final (28º/2), faz sentido que seja o substituído a
responder em primeira linha pelo imposto, pois a falha na retenção resulta num reforço indevido da sua capacidade
contributiva, que o imposto pretende em última análise onerar. A responsabilização do substituto dá-se apenas a título
subsidiário, na medida em que o substituído não seja capaz de satisfazer a prestação, e explica-se porque desrespeitou
a obrigação de retenção a que estava vinculado, concorrendo desse modo para o incumprimento.
Nas hipóteses de retenção definitiva (28º/3), o legislador vê-se obrigado a sacrificar pontualmente o princípio da
capacidade contributiva a razões de praticabilidade. A falha na retenção gera um reforço indevido da força económica
do contribuinte substituído, mas mostra-se impraticável responsabilizá-lo em primeira linha pelo imposto → a retenção
a título definitivo materializa-se através da aplicação de taxas liberatórias que oneram rendimentos de não residentes
ou rendimentos de capitais, relativamente aos quais a responsabilização do contribuinte substituído se mostra difícil,
por razões de distância ou de direito ligadas ao sigilo bancário. Assim, o substituído apenas a título subsidiário é
responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente
o foram, cabendo a responsabilidade primária ao substituto.

Substituição sem retenção/dissociada da retenção na fonte: apesar de a LGT só referir a substituição tributária
associada à retenção na fonte, acontece por vezes a lei chamar a satisfazer a prestação tributária outra pessoa que
não o contribuinte direto, sem que no entanto se verifique a retenção na fonte. Há substituição sem retenção na fonte
nos casos em que o substituto é credor do contribuinte substituído, obrigando-o a lei, em primeiro lugar, a cobrar o
tributo juntamente com os valores que tenha a haver do contribuinte substituído, e depois a entregar esse tributo ao
Estado. Dá-se um fenómeno de substituição, porque o Estado não exige o tributo diretamente do contribuinte direto
que preenche as normas de incidência, mas de outra pessoa que, pela sua capacidade de organização, está mais bem
habilitada ao cumprimento desses deveres e faculta uma gestão mais eficaz da receita tributária. A diferença é que, na
substituição com retenção, o substituto é a fonte dos rendimentos do contribuinte; ao passo que na substituição sem
retenção, o contribuinte é a fonte dos rendimentos do substituto. A substituição tributária sem retenção decompõe-se
em duas obrigações: obrigação de cobrança + obrigação de entrega. O legislador recorre a esta técnica de
intermediação em particular nas taxas e contribuições. Ex: contribuição para o audiovisual → o substituído é o
consumidor de eletricidade, o substituto é a empresa comercializadora e distribuidora de eletricidade, que tem a
obrigação de cobrar a contribuição para o audiovisual juntamente com o preço da eletricidade e de, posteriormente, a
entregar ao Estado.

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

As regras de responsabilidade previstas no 28º LGT não são aplicáveis à substituição dissociada da retenção na
fonte, em virtude do princípio da legalidade e do princípio da igualdade tributária. Nas hipóteses de falta de entrega,
devemos responsabilizar exclusivamente o substituto pelo tributo, desonerando inteiramente o substituído. Nas
hipóteses de falta de cobrança, devemos responsabilizar o substituído pelo tributo, desonerando o substituto de
qualquer responsabilidade, desde que tenha empregue na tarefa da cobrança a diligência que dele se espera.

Responsabilidade fiscal por dívidas alheias: este instituto surgiu (em meados do séc. passado)
essencialmente com uma função de garantia do cumprimento das obrigações fiscais; foi sofrendo mutações de regime.
A finalidade, no regime em vigor, não é a única → podemos retirar de alguns casos uma finalidade que vai para além
da estrita garantia. A responsabilidade fiscal surge como uma espécie de fiança legal: o legislador tem a finalidade de
colocar, ao lado do património do devedor, outros patrimónios a responder pelas obrigações fiscais (pelo dever primário
ou principal de prestação). O responsável surge obrigado ao cumprimento da prestação tributária na medida em que o
contribuinte direto não se mostra capaz de a satisfazer e porque o responsável, em virtude das suas funções, se
encontra em posição de influenciar o seu comportamento ou na incumbência de o fiscalizar de algum modo. O
responsável tributário garante com o seu património o cumprimento da prestação tributária na medida em que da sua
atuação depende a declaração desse facto ou a preservação do património do contribuinte direto. 22º/2 LGT.
A única fonte de responsabilidade fiscal é a lei: só há responsabilidade fiscal nos casos e termos previstos na lei.
Definição: a responsabilidade fiscal é um instituto em que a lei chama ao cumprimento da obrigação de imposto um
terceiro, alheio à constituição do vínculo tributário, mas com conexão com o sujeito ou com o objeto da relação de
imposto. O terceiro não era originariamente sujeito passivo do imposto, mas é chamado ao cumprimento da obrigação
porque se verifica, em relação a ele, uma das conexões para permitir esse chamamento. Surge numa fase patológica
da relação de imposto: os terceiros respondem quando o devedor originário/responsável não cumpriu com a obrigação
de imposto.
 A responsabilidade por dívidas fiscais alheias é, em princípio, subsidiária – 22º/4 LGT → instituto que apenas
pode funcionar em situações de incumprimento das obrigações fiscais; decorrido o prazo de cumprimento das
obrigações, a AT instaura processo de execução fiscal perante o devedor e, no âmbito do processo, verificando-
se que o devedor originário não tem bens para o pagamento do imposto ou os bens são insuficientes para o
cumprimento da obrigação fiscal, a AT pode acionar os responsáveis a título subsidiário ou os indicados pela
lei como responsáveis fiscais pelas dívidas desse mesmo devedor originário. É preciso que primeiro tenha sido
executado o responsável originário.
 A responsabilidade opera por reversão do processo de execução fiscal contra o responsável tributário – 23º/1
e 2 LGT e 153º CPPT. Verificando-se a falta ou insuficiência de bens do devedor originário, o processo sofre
modificação subjetiva; através de despacho de reversão (ato administrativo), o processo de execução fiscal
passa a ser contra os terceiros, que têm de pagar ou nomear bens à penhora.
 Estando em causa matéria de incidência subjetiva, a responsabilidade tributária encontra-se abrangida pela
reserva de lei parlamentar, a par da substituição – 8º/2-b) LGT.
 24º/1 – caso mais importante de responsabilidade fiscal: regime mais gravoso de responsabilidade fiscal por
dívidas alheias; responsabilidade dos titulares do órgão de administração das sociedades comerciais, outras
pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados: o objetivo fundamental deste art. é criar responsáveis/
patrimónios para responder pelas obrigações fiscais das sociedades comerciais, de outras pessoas coletivas
ou de outras entidades que, para efeitos fiscais, são equiparadas a pessoas coletivas. A responsabilização
subsidiária dos gestores explica-se pela relação que há entre as suas funções, o cumprimento das obrigações
tributárias das empresas e a preservação do património empresarial capaz de as satisfazer. A constituição de
sociedade ou outras pessoas coletivas determina o surgimento de personalidade jurídica e correspondente

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

autonomia patrimonial → gera problemas, há limitação da responsabilidade. Ex: sociedade por quotas X –
constituída por quatro sócios, capital social de 200.000; sócios em partes iguais; se as entradas estiverem todas
realizadas, se X tiver dívida de IRC no valor de 150.000 → quem responde pela dívida é a própria sociedade,
os sócios limitam a responsabilidade ao valor das entradas ou, não tendo um dos sócios entrado com a
totalidade, por ex. 25.000, houve diferimento de 25.000. Para efeitos fiscais, isto é um problema grande, porque
as sociedades podem gerar obrigações de imposto e não há ninguém que responda pelas dívidas, só o
património social. O 24º/1 surge nas situações em que há limitação da responsabilidade por constituição de
sociedade, fazendo com que existam outros patrimónios a responder pelas obrigações fiscais cuja titularidade
está na pessoa coletiva → fá-lo escolhendo conexões relevantes com a sociedade.
A conexão relevante não é a qualidade de sócio: a lei chama as pessoas não por serem sócios, mas
sim pela qualidade de serem titulares do órgão de administração → o sócio é chamado na medida em que,
além de sócio, seja gerente ou administrador.
“São responsáveis os administradores, diretores e gerentes das pessoas coletivas e outras entidades
fiscalmente equiparadas” → administradores e gerentes de direito: que tenham sido designados e tenham
aceitado essa designação. Mas o 24º/1 permite responsabilizar também aqueles que exercem, ainda que
somente de facto, funções de administração – designados pela doutrina e jurisprudência de administradores
e gerentes de facto.
Sob o ponto de vista subjetivo, o 24º/1 chama a responder terceiros alheios à constituição do vínculo
tributário, gerentes ou administradores com conexão temporal relevante referente à dívida de imposto. A
conexão temporal relevante entre o período de exercício das funções de gerente/administrador é
fundamental; o 24º/1 estrutura dois tipos diferentes de responsabilidade, com características diferenciadas,
a partir da conexão temporal que a lei escolhe:
a) No que diz respeito a tributos cujo facto gerador tenha ocorrido durante o período de exercício do
cargo de um gestor ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste, as pessoas
que são chamadas sejam chamadas porque foi por culpa sua que a sociedade ou pessoa coletiva
ficou impossibilitada de cumprir as obrigações fiscais. Isto quer dizer que o ónus da prova cabe à
AT; esta, para poder chamar os gerentes ou administradores, tem de demonstrar que foi por culpa
dessas pessoas que se criou a situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações fiscais
→ tem de demonstrar que foi por ato culposo do gestor que o património da empresa se tornou
insuficiente para a satisfação da dívida. Ex: gestor em funções até final de 2011 e é
responsabilizado pelo IRC respeitante a esse ano, ainda que a falta de pagamento ocorra apenas
em maio de 2012.
b) Quando o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária tenha terminado no período do
exercício do seu cargo, os gerentes/administradores respondem salvo se provarem que a falta de
cumprimento da obrigação não lhes é imputável: o ónus da prova está invertido, o administrador/
gerente responde a não ser que afaste a responsabilidade → presunção de culpa, que implica a
inversão do ónus da prova. Porque a lei presume a culpa dos gerentes/administradores, é a eles
que cabe provar que não têm culpa, dispensando-se a AT de qualquer esforço probatório. O ónus
da prova cabe aos gerentes/administradores que o eram quando terminou o prazo legal para
pagamento ou entrega do imposto; há coincidência entre o período de exercício do cargo e o
momento em que terminou o prazo para pagar as quantias devidas, respondem com base na
presunção de culpa → era a eles que cabia o dever de promover o cumprimento da obrigação de
imposto. É irrelevante o momento em que se gera a obrigação tributária, podendo verificar-se

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

mesmo antes de iniciado o período em que o gestor exerce funções, sendo o critério de
responsabilização o do término do prazo para o pagamento.

A AT prefere usar a b) quando quer chamar terceiros ao cumprimento das obrigações fiscais alheias nestas
circunstâncias. A AT, a partir do registo comercial, determina quais os gerentes com conexão temporal, e fundamenta
o despacho de reversão em relação a todos: alguns poderão responder pela a).
24º/1: atribui relevância, para estabelecer a conexão entre os terceiros e a dívida de imposto, ao intervalo temporal
que diz respeito à produção do facto gerador do imposto, e ao próprio momento em que a obrigação de imposto deve
ser cumprida, estruturando estes dois regimes diferentes de responsabilidade em função da maior ou menor
intensidade de conexão. Ex: IRC devia ter sido pago em 2017, prazo terminou a 30 de julho de 2017, diz respeito a
lucros gerados no período de tributação de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2016 (em que eram gerentes A e B) –
quando o imposto não foi pago, os gerentes C e D (em 2017) respondem com base na b), e A e B que eram gerentes
enquanto foi gerado o imposto são também responsáveis pela a).
A severidade do regime de responsabilidade dos gestores de empresas previsto na LGT, recorrendo em certos
casos a uma inversão do ónus da prova contra o responsável que pode resultar numa tributação alheia à capacidade
contributiva, apenas se pode justificar no plano constitucional em função do elevado risco de incumprimento das
obrigações tributárias por parte das empresas e do efeito preventivo que possui a responsabilização dos respetivos
gestores.
Em relação ao 24º/1, saber se a norma só pode ser utilizada para chamar os responsáveis pelo pagamento de
impostos, ou também ao cumprimento de contribuições ou taxas devidas. Porque, textualmente, as alíneas a) e b)
referem-se a dívidas tributárias: obrigação emergente de tributo que pode ser imposto, taxa e contribuição financeira.
Este regime foi criado como regime de cumprimento das obrigações fiscais, mas o texto do 24º/1 é um argumento no
sentido de a norma poder ser usada também para garantir o pagamento de taxas e contribuições financeiras.

 24º/2: responsabilidade dos titulares do órgão de fiscalização e dos revisores oficiais de conta → ónus da
prova sobre a AT, e pressupondo que foi o incumprimento dos seus deveres de fiscalização que determinou
o incumprimento das obrigações fiscais.
 24º/3: responsabilidade dos técnicos oficiais de contas, desde que o incumprimento dos seus deveres
profissionais tenha determinado a situação de incumprimento.

Outros casos de responsabilidade:


> 25º: responsabilidade do titular de estabelecimento individual de responsabilidade limitada;
> 26º: responsabilidade dos liquidatários das sociedades;
> 27º: responsabilidade dos gestores de bens ou direitos de não residentes.

➢ O objeto
30º LGT: objeto da relação jurídica tributária. O conteúdo essencial da relação jurídica tributária é constituído pela
obrigação principal (31º/1 LGT) de efetuar o pagamento do tributo público (taxa, contribuição ou imposto) e por
obrigações acessórias (31º/2 LGT) que visam acautelar o cumprimento da primeira. É em torno da obrigação principal
que gira a relação tributária; a obrigação principal é indisponível, no sentido que a sua redução ou extinção escapa à
disponibilidade da administração, permitindo a lei o perdão ou reescalonamento no tempo da dívida fiscal só
excecionalmente – 42º LGT, 196º CPPT; escapa também à disponibilidade da administração a concessão de perdões
fiscais. Ex. obrigações acessórias: apresentar declaração periódica de rendimentos (57º CIRS), obrigação de proceder
à retenção na fonte do imposto a que estão vinculadas as entidades pagadoras de rendimentos (99º e 101º CIRS).
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Juros compensatórios – 35º LGT: devidos em virtude de um atraso que prejudica a própria liquidação; função
ressarcitória; falha imputável ao sujeito passivo; calculados à taxa de 4% ao ano.
Juros de mora – 44º LGT: devidos em virtude de atraso no pagamento de uma dívida tributária tornada já certa,
líquida e exigível, assente em liquidação administrativa ou na autoliquidação do próprio contribuinte; falha imputável ao
sujeito passivo.
Juros indemnizatórios – 43º LGT: juros devidos pela administração ao sujeito passivo, com vista a ressarci-lo pelo
pagamento do tributo indevido; pressupõem erro imputável aos serviços; taxa de 4% ao ano.

➢ O facto
Constituição e alteração: 36º/1 LGT – a obrigação tributária nasce pela mera concretização de um pressuposto
legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte → este modo de
constituição da relação tributária verifica-se quanto a todas as categorias de tributos públicos (taxas, contribuições ou
impostos). O pressuposto legal de que depende o nascimento da obrigação tributária é geralmente formado por um
comportamento voluntário do contribuinte, seja a angariação de rendimento, a realização de despesa, a aquisição de
património ou o aproveitamento de serviço público; uma vez concretizado o facto previsto na lei, logo se forma a
obrigação tributária, ex lege, cujo conteúdo e validade são alheios à vontade da administração ou do contribuinte.
Exceção: 36º/5 LGT → contratos fiscais: relação jurídica tributária que tem como fonte a vontade das partes.
36º/2 e 3 LGT: princípio da indisponibilidade da obrigação tributária.

Sucessão/transmissão fiscal - 29º/3 + /1 LGT: marcada pelas características associadas à natureza pública da
relação jurídica de imposto → a relação de imposto tem natureza pública, tem fonte na lei, não há espaço para a
manifestação da vontade das partes na modelação da relação jurídica, isso traduz-se: os créditos de imposto não
podem ser transmitidos inter vivos; não podem ser cedidos; não pode haver qualquer tipo de transmissão de créditos
fiscais, a não ser nos casos que a lei preveja. Em rigor, quando a lei prevê situações em que é possível a cessão de
créditos ou a transmissão inter vivos, são leis que vêm autorizar um condicionalismo próprio – não têm as
características de abstração… que têm as normas fiscais..
Quanto às obrigações fiscais/de imposto, pelo lado passivo, estas transmitem-se por morte (transmissão mortis
causa) → intransmissibilidade inter vivos dos créditos, mas transmissibilidade por morte. Tal decorre da LGT – 29º/2:
mesmo que a liquidação do imposto ainda não tenha ocorrido; transmitem-se por morte aos herdeiros, no âmbito da
sucessão universal → implica um apuramento dos bens da herança, mas também um apuramento das dívidas: ninguém
é obrigado a aceitar a herança, ou pode aceitar a herança a benefício de inventário, isto é, deixando claro que não
responde pelas dívidas fiscais na medida em que ultrapassem o valor dos bens fiscais (só respondem pelos encargos
os bens inventariados). A sucessão em matéria fiscal tem estas consequências: na sucessão por morte, aqueles que
sucedem à pessoa que morre e ficam obrigados às obrigações fiscais daquele que morreu e aceitam a herança a título
de inventário, pode ocorrer que afinal não recebam nada, porque todos os bens afetos servem para pagar as dívidas
fiscais → não há responsabilidade para lá dos bens deixados. Valem aqui as regras do 2071º CC. Aceitando a herança
pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não pode exceder o valor dos bens herdados,
incumbindo neste caso ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para satisfação dos
encargos.

Sub-rogação fiscal - 41º LGT: /1 – o pagamento do imposto pode ser realizado pelo próprio devedor ou por um
terceiro (abre-se espaço para autonomia, qualquer 3º pode apresentar-se para cumprir obrigação fiscal que não é sua)
→ aquilo que satisfaz o interesse do credor Estado é obter o cumprimento, que se traduz na entrega de uma certa

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

quantia em dinheiro; tanto faz que seja o devedor ou um 3º a pagar. Por princípio, é excluída a transmissão da obrigação
tributária pelo lado ativo → a sub-rogação nos direitos da AT é uma exceção a este princípio.
41º/2: o 3º que cumpre obrigação fiscal que não é sua só fica sub-rogado nos direitos da AT, na posição que a AT
tinha sobre o devedor, nos termos deste artigo. Pressupostos da sub-rogação:
> A sub-rogação só é admitida quando o prazo para pagamento voluntário do imposto já terminou;
> verificando-se que o devedor está em situação de incumprimento, os 3ºs podem surgir mas só ficam sub-
rogados se previamente requererem a declaração de sub-rogação e se tiverem obtido autorização do
devedor para a sub-rogação OU se provarem ter interesse legítimo no cumprimento da obrigação.
Verificados estes pressupostos, o 3º que pagou o imposto fica sub-rogado na posição do credor (AT) e com as
garantias associadas/inerentes a essa mesma posição. 91º e 92º CPPT; em conformidade com a lei, o sub-rogado
pode requerer a instauração ou prosseguimento da execução fiscal para cobrar do executado o que por ele tiver pago,
salvo tratar-se de 2ª sub-rogação.
Quando um 3º vai cumprir obrigação fiscal que não é sua, não fica automaticamente sub-rogado na posição do
credor; ao cumprir a obrigação, o cumprimento libera o devedor da mesma obrigação; o pagamento tem efeito extintivo
→ se for antes do prazo terminar, não há sub-rogação.
Provar interesse legítimo é possível nas situações em que o imposto diz respeito a imóvel de que o 3º é
arrendatário ou que usa como comodatário para o exercício da sua atividade profissional; situação de compropriedade
ou contitularidade, quando há direitos reais menores → o 3º tem direitos que mostram interesse legítimo e, se o devedor
não cumprir e a situação de incumprimento persistir, o processo de execução fiscal poderá levar a que determinados
bens sejam executados e poderão obrigar, por ex., que o 3º fique comproprietário de outra pessoa.

Extinção – 40º LGT: a obrigação fiscal pode extinguir-se não apenas pelo pagamento, a lei admite outras formas
de extinção para lá do pagamento estrito da obrigação. O pagamento em prestações é admitido a título excecional (42º
LGT); princípio de que o pagamento em prestações só é admitido no âmbito da execução fiscal (196º CPPT). Outras
formas para extinção das obrigações fiscais: compensação (40º/2 LGT, 853º CC → 89º, 90º, 90º-A CPPT), dação em
cumprimento (40º/2 LGT e 87º CPPT) e prescrição (48º LGT). A caducidade não se reporta à obrigação tributária mas
antes ao direito à liquidação de que a administração é titular (45º LGT).

Garantia – 50º LGT: o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários. Processo de
execução fiscal (148º CPPT): mecanismo próprio da AT para exigir coativamente as dívidas tributárias dos
contribuintes. O 50º/2 LGT consagra ainda garantias especiais.

IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares


O legislador, em matéria de tributação do rendimento das pessoas singulares, não é completamente livre nas suas
opções, porque a CRP condiciona-as através de três imperativos fundamentais – 104º/1: o imposto sobre o rendimento
pessoal será único, progressivo e terá em conta as necessidades e rendimentos do agregado familiar. O CIRS surgiu
em 1989, na sequência da reforma fiscal dos anos 80, em virtude da qual ocorreram alterações profundas em matéria
de tributação. Em 1984 e 85 entrou em vigor o IVA, por transposição de diretiva comunitária. Nessa altura, foi
constituída comissão de reforma dos impostos sobre o rendimento e sobre o património. O que se pretendia, ao nível
da tributação das pessoas singulares, era adequar o sistema fiscal a estes imperativos, em particular à unicidade e
progressividade. O sistema anterior a 1989 combinava seis impostos cedulares/parcelares com um “imposto
complementar”, que era um imposto de sobreposição. Os seis impostos visavam tributar as diferentes cédulas/fontes
de obtenção de rendimento definidas pelo legislador:
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

- Imposto profissional;
- Contribuição industrial: rendimentos comerciais e industriais;
- Contribuição predial: tributava os rendimentos dos prédios arrendados, e tributava os prédios não arrendados
presumindo o que produziriam caso estivessem no mercado de arrendamento;
- Mais-valias imobiliárias;
- Imposto sobre a indústria agrícola.
Estes impostos eram cedulares porque tinham sido criados com lógica de impostos reais → o sistema era muito
complexo, visto os impostos serem autónomos, com regras próprias de apuramento e prazos de liquidação e
pagamento. O imposto complementar era um imposto de sobreposição: depois de pagos os impostos todos sobre os
rendimentos já tributados, incidia um novo imposto que procurava pessoalizar a tributação → eram aqui ponderadas
as despesas pessoais e familiares socialmente relevantes, surgindo a progressividade. O imposto complementar surgiu
quando a doutrina começou a defender a tributação pessoal. Ao longo do tempo, alguns dos impostos cedulares e que
eram reais, aplicando tributação isolada por aplicação de taxas proporcionais, foram recebendo elementos de
pessoalização, especialmente o imposto sobre o trabalho dependente e independente. E, a partir de 1976, passou a
haver o problema de falta de compatibilidade com os imperativos constitucionais.
O IRS surge para substituir este sistema complexo, com o objetivo de constituir um imposto único e progressivo e
que tem em conta o agregado familiar.
O IRS dever ser um imposto único significa que: a teleologia desta norma constitucional é a de que deve existir
apenas um imposto a tributar os rendimentos das pessoas singulares, todos os seus rendimentos devem ser tributados
segundo um imposto. Por outro lado, a unicidade quer dizer que esse imposto único deve tratar de modo unitário os
mesmos rendimentos, ou seja, tratá-los da mesma forma. O CIRS prevê várias categorias de rendimentos: a 1ª crítica
apontada ao IRS quando o código foi publicado foi que ele violava a lógica de unicidade → o IRS está estruturado
partindo de categorias de rendimentos, que são tipificadas tendo em conta que os rendimentos têm fontes diferentes,
natureza diferente, modos de perceção diferentes, e que a obtenção de cada tipo de rendimentos exige do contribuinte
que este incorra em custos que podem ser diferenciados em função da diferente natureza dos rendimentos. É
impraticável um tratamento absolutamente unitário dos vários rendimentos → por isso, o legislador construiu o imposto
de IRS em duas fases diferentes:
(1) fase analítica: os rendimentos são tipificados; trata cada tipo/fonte de rendimento de acordo com as suas
características próprias, em que as diferentes categorias nos surgem isoladas, enquadradas em
compartimentos e com tratamento estanque; e, para cada categoria, o legislador prevê regras próprias.
Nesta fase encontramos um conjunto de normas que tipifica as diferentes categorias de rendimentos + um
conjunto de normas que regula o modo de apuramento do rendimento líquido em cada uma das categorias.
(2) fase sintética: só depois do tratamento analítico dos rendimentos, eles ficam em condições de ser tratados
em termos unitários. Alguma doutrina disse que era inadmissível que o IRS previsse categorias diferentes.
A partir do momento do apuramento do imposto, entramos na fase sintética, e esquecemos as categorias,
porque as especificidades já foram tidas em conta na fase anterior, os rendimentos vão ser sujeitos a
tratamento unitário.

Norma de incidência real do IRS – 1º: incide sobre os rendimentos obtidos em cada ano pelas pessoas
singulares, descritos nas categorias seguintes. Categorias previstas no CIRS: A, B, E, F, G, H → falta C e D; hoje,
temos seis categorias de rendimentos, em 1999 apresentava 9 (C+D+I) → o que aconteceu foi que, em 2000, houve
uma mini-reforma da tributação do rendimento das pessoas singulares, que se traduziu no desaparecimento de duas
categorias (vamos perceber no estudo da B, porque incorporou as categorias C e D). B – rendimentos empresariais e
profissionais; C – comerciais e industriais; D – agrícolas → em 2000, o legislador retomou uma solução inicialmente

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

proposta pela comissão de reforma dos anos 80, e queria agregar a tributação dos rendimentos do trabalho
independente e empresariais e agrícolas, pois considerava que havia organização de tipo empresarial no trabalho
independente. O CIRS procura sintonizar-se com os dados do direito comercial; a comissão de reforma tentou agregar
C e D, mas a proposta inicial (anteprojeto do CIRS) foi muito criticada pelas ordens profissionais → fizeram pressão
para que a categoria B ficasse separada da C e D, porque consideravam que os profissionais liberais não deviam ficar
misturados com os comerciais e agrícolas. Então, o legislador cedeu; mas percebeu depois que tal permitia distorções.
Em 2000, a B passou a ser supercategoria, porque absorveu as outras categorias, indo contra a orientação do direito
comercial. O legislador introduziu o regime de apuramento de rendimentos por presunção e contrariou um dos
princípios da tributação – o princípio da tributação de rendimentos efetivos.
A categoria I desapareceu (chamava-se outros rendimentos), sendo que era categoria residual: na I, estavam
rendimentos que hoje estão na G. A G sofreu reforma significativa: era a categoria das mais-valias e passou a ser dos
incrementos patrimoniais e, dentro destes, destaca-se como subtipo mais relevante as mais-valias. A maior parte dos
rendimentos da I (jogos, apostas, concursos) saíram do âmbito de sujeição do IRS, para passarem a ser tributados
através do imposto de selo → gerou discussão; não faz sentido retirar do âmbito do IRS rendimentos, ainda que com
carácter extraordinário, tendo em conta a lógica do conceito amplo de rendimento, que procura tributar de acordo com
a capacidade contributiva. A categoria I funcionava por aplicação de taxas liberatórias (de 35%) → em 2000, o legislador
incorporou estes rendimentos no imposto de selo. Do ponto de vista da filosofia do imposto, tal não faz sentido, porque
o rendimento é único; em termos práticos, são tributados de acordo com a mesma taxa de tributação.
B e G são supercategorias: agregaram rendimentos que pertenciam a outras categorias.
A- rendimentos do trabalho dependente
B- rendimentos empresariais e profissionais
E- rendimentos de capitais
F- rendimentos prediais
G- incrementos patrimoniais
H- pensões

Modo de apuramento do imposto a pagar – estrutura/sistematização: o IRS tem estrutura diferente consoante
o sujeito passivo seja residente ou não residente.
Norma de incidência pessoal – 13º/1: o imposto incide sobre as pessoas que residem em território português e
sobre as que não residem, mas obtêm rendimentos em território português. O âmbito de sujeição ao imposto é
diferente:
> âmbito de sujeição ilimitado para os residentes, tributando com pretensão pessoalizante – 15º/1 CIRS→ para
os residentes, o IRS é um imposto pessoal. Os imperativos que decorrem do 104º/1 CRP dirigem-se à
tributação dos residentes;
> a tributação dos não residentes em matéria de IRS não respeita os imperativos do 104º/1 e não tem de o fazer
→ tributação com âmbito de sujeição limitado - 15º/2 CIRS. Em relação aos não residentes, o IRS é um
imposto real, que tributa cada concreta manifestação de capacidade contributiva, abstraindo da situação
pessoal e familiar do sujeito passivo. As taxas de tributação dos não residentes são taxas proporcionais.

O IRS não separa claramente a tributação dos residentes e dos não residentes; do ponto de vista da
sistematização, a diferença entre tributação dos residentes e dos não residentes não está bem determinada. A
estrutura-regra do IRS corresponde à tributação de residentes; quando tributa não residentes, a estrutura não é a
mesma → um residente em Espanha que venha três vezes a Portugal ao longo de um ano, se for pago isoladamente
por cada uma delas na medida em que obtenha rendimento através de retenção na fonte, o imposto terá carácter de
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

definitivamente pago; se for pago uma vez pelas três prestações, é como se viesse a território português apenas uma
vez. O processo de apuramento do imposto vale para a tributação dos residentes.

Fases do imposto:
1. Fase analítica: começa com a qualificação dos rendimentos; em IRS, qualificar rendimentos = enquadrar os
rendimentos obtidos nas diferentes categorias previstas. A partir da identificação das situações de obtenção
de rendimento, faz-se a subsunção das situações aos tipos legais que correspondem às diferentes categorias.
A qualificação é feita a partir das normas de incidência real – 1º; 2º-11º: delimitação positiva da incidência real
do imposto → dizem sobre o que é que o imposto incide, o que recortam os diferentes tipos/categorias. 2º→A,
3º→B, 5º→E, 8º→F, 9º→incrementos patrimoniais, 10º→mais-valias, 11º→pensões. O que se vê nesta
fase é quais os factos que geram obrigação de pagar imposto. O 10º, que recorta as mais-valias, é
completamente diferente do 2º: o legislador quer fechar o sistema, só quer tributar determinados rendimentos,
conteúdo preciso, tipo fechado → nos exames, há situações que olhamos e parece mais-valia, mas porque
sabemos que o legislador não quis tributar todas, temos de ir ver se se enquadra na tributação (no caso de a
mais-valia ser difícil de detetar, o legislador escolhe não a tributar para não haver injustiças).
12º - delimitação negativa de incidência: depois de os 2º-11º nos terem dito que rendimentos podem ser tributados
em IRS. Há rendimentos que seriam facilmente enquadráveis em alguma das categorias dos 2º-11º, mas que a lei
considera que não devem ser tributados → o 12º prevê os desagravamentos estruturais: rendimentos que a lei assume
e, mesmo que correspondam a rendimentos previstos no código, a lei não quer tributar esses rendimentos. Em termos
sistemáticos e de organização, as sucessivas alterações fizeram com que, por ex., no 2º exista também delimitação
negativa.
Uma vez enquadrado/qualificado o rendimento, cada categoria apresenta regras próprias de apuramento do
rendimento líquido de cada categoria → o apuramento faz-se categoria a categoria; significa que também aqui temos
diferenças significativas nas diferentes categorias. Princípio da capacidade contributiva na sua manifestação do
princípio do rendimento líquido que justifica o apuramento do rendimento líquido: traduz-se, na prática, na realização
de deduções específicas, que correspondem aos custos suportados pelo sujeito passivo para a obtenção dos
rendimentos. Ex: se A tiver um imóvel e receber 10.000 de rendas/ano (=rendimento bruto que resulta do contrato de
arrendamento) e, por força de tempestade, o telhado do imóvel ficar danificado, e o proprietário tiver de o substituir,
essa despesa terá de ser suportada pelo proprietário para manter a fonte de rendimento (contrato de arrendamento)
→ não podemos tributar os 10.000 e não ponderar as despesas → faz-se ainda dentro da fase analítica. As deduções
específicas surgem nos 25º-54º. 2º→25º; 3º→28º-39º; 8º→41º; 9º→42º-51º. O legislador assume que as pensões
resultam de trabalho passado e das contribuições realizadas durante a vida de trabalhador.
Na fase analítica, chegamos ao rendimento líquido de cada categoria.

2. Fase sintética: englobamento dos rendimentos (22º/1) = soma dos rendimentos líquidos das várias
categorias. 22º/3 – exceções/desvios ao englobamento: 71º (taxas liberatórias) e 72º (taxas especiais); faz-se
a síntese dos rendimentos já tratados em termos específicos; para obter o rendimento global líquido, ou
rendimento total.
O rendimento global líquido resulta do englobamento e de uma soma que, na lógica de um imposto único e
progressivo, seria uma soma algébrica de rendimentos. Ex: A tem na categoria A 20.000 de rendimento
líquido, na categoria G 10.000, mas na categoria B tem -15.000 → a some algébrica é o rendimento líquido
de A = 20.000+(-15.000)+10.000=15.000 → capacidade contributiva do A; esta soma algébrica implicaria
uma comunicabilidade entre categorias. Contudo, o 55º CIRS estabelece como regra a incomunicabilidade;
a soma não é algébrica. Quando fazemos a síntese, só se soma para efeitos de tributação o que é positivo,

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o negativo é isolado → a solução da incomunicabilidade leva a que tenhamos no IRS sujeitos passivos que
são tributados por níveis de rendimento que não correspondem à capacidade contributiva total.
A lei manda aplicar aos resultados negativos o reporte de perdas ou de prejuízos: o que este reporte
significa é que, para efeitos de tributação do ano de 2018, o imposto vai considerar que A tem 30.000 de
rendimento, os 15.000 negativos vão ser isolados, ficar ‘presos’ na categoria B e vão ser dedutíveis →
dedutibilidade das perdas ou prejuízos nos anos seguintes, mas dentro da mesma categoria. Se o mesmo
A, em 2019, na categoria B, tiver rendimento líquido positivo, por ex. igual a 20.000, a estes subtraem-se
os 15.000 de prejuízo/perda que ele tinha suportado no ano anterior. O que a lei faz no regime de
incomunicabilidade com reporte gera falta de sintonia. Se no ano a seguir, o resultado voltar a ser negativo,
volta-se a isolar, há reporte para a frente → mal haja resultados positivos na categoria B, por ex. em 2019
obteve 5000, no final terá 0, porque deduziu ao resultado positivo a perda do ano anterior.
O 55º é uma matéria sensível, tem de estar articulado com o IRC; estabelece prazos diferentes:
- Categoria B - 12 anos: prazo longo, é assim porque está assim no CIRC – 55º/1-a);
- Categoria F - 6 anos: 55º/1-b);
- Categoria G - 5 anos: 55º/1-c);
- Mais-valias mobiliárias – 5 anos com condição: o sujeito passivo tem de optar pelo englobamento -
55º/1-d).
Se passarem, por ex., 6 anos na categoria F e A nunca tiver resultados positivos, perde o direito ao reporte; se de
2019 a 2024 não tem resultado positivo, o direito ao reporte caduca ao fim de 6 anos, a partir de 2024 não pode reportar
a perda de 2018, para cada um dos resultados negativos começa a contar um prazo de reporte → para 2019, será
2025. O regime da incomunicabilidade com reporte é um desvio ao carácter unitário do imposto, porque é um desvio
ao englobamento de rendimentos → o englobamento não é efetivo, não se traduz em soma algébrica, mas apenas no
somatório dos resultados positivos; os resultados negativos continuam na lógica de estanque. Tal implica alguma
artificialidade na tributação.

71º - taxas liberatórias: praticamente todos os rendimentos da categoria E (rendimentos de capital);


72º - taxas especiais: rendimentos da categoria G, em particular mais-valias mobiliárias (72º/1-c)) e rendimentos
da categoria F (rendimentos prediais – 72º/1-e)).

28% de tributação, taxas proporcionais: os rendimentos não são englobados, não são somados às restantes
categorias; a não ser que o titular exerça a opção pelo englobamento de rendimentos - 71º/6 e 72º/8 → 22º/3. Esta
opção pelo englobamento faz-se na declaração anual de rendimentos. Historicamente, eram exceções, hoje são
categorias inteiras sujeitas a regimes.
Uma vez apurado o rendimento global líquido, este é hoje igual ao rendimento coletável. Entre 1982 e 2002, não
era assim, o 56º previa abatimentos/deduções ao rendimento global líquido para se apurar o verdadeiro nível de
capacidade contributiva; antes de se apurar o rendimento coletável, eram consideradas as despesas de saúde,
educação, encargos com lares… → eram relevantes para apurar o rendimento a tributar, medir a capacidade
contributiva. Hoje, o rendimento global líquido = rendimento coletável. O rendimento coletável é sujeito à aplicação
das taxas progressivas previstas no 68º; da aplicação das taxas ao rendimento coletável resulta a coleta. A lei prevê
ainda que à coleta possam ser feitas deduções à coleta previstas nos 78º ss; só depois de feitas as deduções à coleta
temos a coleta final ou imposto a pagar (ou eventualmente imposto a receber).

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Margarida Vasconcelos 2018/2019

Fase sintética: englobamento = soma dos rendimentos líquidos das várias categorias = rendimento global líquido
(rendimento líquido total) = rendimento coletável (matéria coletável) x taxas progressivas (68º) = coleta – deduções à
coleta.

O englobamento está sujeito a desvios:


• Incomunicabilidade entre resultados positivos e negativos obtidos nas diferentes categorias → 55º - reporte de
perdas/prejuízos: os resultados negativos obtidos numa categoria são isolados nessa categoria e são
dedutíveis aos resultados positivos que venham a surgir na mesma categoria nos anos seguintes. Conforme o
tipo de rendimento, as categorias, o número de anos para os quais pode ser feito o reporte é diferenciado;
• Exceções ao englobamento – 22º/3: não são englobados os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias 71º e os
rendimentos sujeitos a taxas especiais 72º. Quanto aos residentes, temos como rendimentos sujeitos a taxas
liberatórias os rendimentos da categoria E (capitais); e sujeitos a taxas especiais os rendimentos da categoria
G (mais-valias mobiliárias) e categoria F (rendimentos prediais). Quer as taxas liberatórias quer as especiais
são taxas proporcionais, de 28%. Sob o ponto de vista do seu funcionamento, funcionam em termos diferentes:
> Taxas liberatórias: funcionam por retenção na fonte com carácter definitivo e com efeito liberatório triplo;
> Taxas especiais: a única diferença que têm em relação aos restantes rendimentos é que não têm de ser
englobados → os rendimentos sujeitos a taxas especiais têm de ser declarados na declaração anual de
rendimentos (como os restantes rendimentos), apenas estão sujeitos a uma taxa especial por ser
proporcional, no momento da liquidação da obrigação de imposto relativas aos restantes rendimentos.

Não confundir rendimentos sujeitos a taxas liberatórias com rendimentos sujeitos a taxas especiais; os
rendimentos sujeitos ao regime excecional têm em comum não seguirem as regras gerais de apuramento do imposto
a pagar, ou seja, não vão a englobamento. Nos rendimentos sujeitos a taxas especiais, a coleta em termos finais resulta
da coleta geral que resulta da aplicação das taxas progressivas à matéria coletável, a que se soma a coleta especial
que resulta da aplicação da taxa especial aos rendimentos → coleta final = coleta geral + coleta especial.
As taxas liberatórias e as taxas especiais têm em comum: taxa 28%, não são sujeitas a englobamento a não ser
por opção do titular, e quanto ao resto são diferentes – nas taxas especiais há apenas liberação do englobamento.
Mesmo que, na categoria F ou G, o rendimento tenha sofrido retenção na fonte, ela tem natureza de adiantamento por
conta.
Porque existem estes regimes excecionais de sujeição a taxas liberatórias e taxas especiais? Estes regimes
contrariam radicalmente o 104º/1 CRP – como os compatibilizamos com este artigo → os rendimentos não entram na
fase sintética, são retirados do englobamento, e só voltam a ser relevantes na fase final do apuramento do imposto. As
taxas liberatórias e especiais, ao constituírem um desvio/exceção às taxas gerais e ao englobamento de rendimentos,
estão em conflito com os imperativos constitucionais de unicidade e progressividade: há parcelas significativas de
rendimento que ficam fora da unicidade (não vão a englobamento) e progressividade (porque são aplicadas taxas
proporcionais). Razões:
 Havia rendimentos de capitais que, pelas suas próprias características, exigiam um cuidado particular por parte
do legislador:
- Juros de depósitos bancários = rendimentos de capital 5º CIRS – 71º: resultam da entrega de determinadas
quantias às instituições financeiras e, por essa entrega/disponibilização de quantias pecuniárias, as
instituições financeiras remuneram a disponibilidade mediante o pagamento do imposto. Em Portugal,
existe sigilo bancário: o legislador fiscal teve de compatibilizar a necessidade de tributar rendimentos de
capitais com a circunstância de o sistema financeiro português ser de sigilo → acredita-se que o
levantamento do sigilo bancário levaria a uma fuga de rendimentos de capitais para fora do país. O
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

legislador em matéria estritamente fiscal cedeu e criou uma taxa liberatória para tributar os juros. Há
retenção na fonte com carácter definitivo, a substituição total foi um mecanismo que o legislador encontrou
para conseguir tributar os rendimentos e manter o sigilo bancário → a AT não chega a estar em contacto
com o titular dos rendimentos. A razão que levou o legislador a criar taxa proporcional para tributar juros
foi esta.
- Dividendos = lucros distribuídos pelas sociedades aos sócios: os dividendos pagos aos titulares de ações
de sociedades anónimas apresentavam dificuldade em termos de tributação → havia ações nominativas e
ações ao portador: de acordo com o regime das ações ao portador em 1989 e anos subsequentes, elas
eram caracterizadas pelo anonimato, elas circulavam de mão em mão e quem era o titular dos direitos que
o título de crédito mencionava era aquele que tivesse o título na mão. Para conseguir tributar os lucros
distribuídos aos acionistas que não estavam identificados, porque no momento em que os lucros eram
distribuídos não tinham de estar identificados, o legislador fiscal decidiu que os dividendos eram pagos
através de taxa liberatória. No momento da distribuição, a pessoa singular não tem de estar identificada,
porque o rendimento sofre retenção na fonte com carácter definitivo.

Foi por estas duas razões: anonimato + sigilo bancário que o legislador criou as taxas liberatórias.
Havia sociedades anónimas que, ao distribuir lucros, uma parte dos rendimentos tinham de ficar sujeitos a regime
de taxa liberatória. Se os lucros distribuídos a titulares de ações nominativas não sofressem retenção na fonte, tal
configuraria um regime discriminatório. Então, para criar um regime homogéneo, também para os dividendos
distribuídos aos titulares de ações nominativas foi criado um regime de taxas liberatórias.
De 1989 até hoje, percebeu-se que os lucros distribuídos pelas outras sociedades, designadamente por quotas,
estavam a ser discriminados relativamente aos lucros distribuídos por sociedades anónimas → passados 5 anos, o
legislador colocou também como sujeitos a taxas liberatórias quaisquer lucros distribuídos, fosse por sociedades
anónimas ou por quotas.
Inicialmente, o 71º previa a aplicação de taxas liberatórias apenas aos juros bancários; no 1º ano de vigência do
código, o legislador alargou para outras modalidades de rendimentos bancários → hoje, praticamente todos os
rendimentos previstos nas várias alíneas do 5º/2 foram sendo aplicados ao 71º.
As taxas especiais eram de 10%, ou seja, mais baixas do que a 1ª taxa de tributação nas tabelas progressivas. A
taxa de 10% foi criada para incidir sobre as mais-valias mobiliárias: em 1989, Portugal tinha acabado de passar pelo
crash da bolsa de valores e pelo 25 de abril. O legislador decidiu criar esta taxa especial com carácter temporário,
como um benefício fiscal a um determinado tipo de investimento, o investimento no mercado de capitais. Então, o CIRS
trouxe esta taxa especial: 10% das mais-valias geradas com a alienação onerosa de ações, obrigações, e outras
participações sociais. Hoje, isto corresponde ao 10º/1-b): partes sociais e outros valores mobiliários. Este regime surgiu
por causa das ações cotadas nas bolsas no mercado primário e secundário; mas esta taxa manteve-se em vigor até
há poucos anos → hoje, a taxa é de 28% - 72º. Estando criado este regime excecional, o legislador foi-no usando para
situações completamente diferentes da inicial: hoje, encontramos no 72º/1-e) a tributação dos rendimentos prediais.
Ainda antes do CIRS entrar em vigor, uma parte significativa da doutrina começou a dizer que as taxas liberatórias
e as taxas especiais violavam a CRP e a questão chegou ao TCnal: este arranjou um problema processual adjetivo
para não ter de decidir e não decidiu. O legislador, para mitigar este problema, afirmou que, do ponto de vista do
contribuinte titular de rendimentos, ele está protegido, pois pode escolher se quer ficar sujeito ao regime excecional de
tributação ou ao regime geral de tributação: a unicidade e progressividade, enquanto mecanismos que protegem cada
sujeito passivo individualmente, estão garantidas – se o contribuinte ficar sujeito a taxa liberatória ou a taxa especial,
a lei dá-lhe opção pelo englobamento e sujeição da totalidade dos rendimentos à aplicação de taxas progressivas. O
104º/1 CRP pretendia que o sistema de tributação das pessoas singulares fosse construído de modo unitário e com

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aplicação de taxas progressivas – o legislador encontrou a solução: para não ser inconstitucional, nenhum contribuinte
pode ficar prejudicado por estes regimes. 71º/6 e 72º/8 = opção pelo englobamento; na declaração anual de
rendimentos, o titular de rendimentos sujeitos a aplicação de taxa liberatória foi substituído em termos totais, ficando
totalmente liberado, mas nos termos do 71º/6 pode optar por englobar esses rendimentos; o imposto já está pago,
dispensava a declaração, mas o titular pode, querendo, englobar. O titular de rendimentos sujeitos a taxas especiais,
na declaração anual, pode exercer a opção pelo englobamento; não exercendo a opção, eles ficarão sujeitos à taxa
especial.
Quando o rendimento é pago, se a lei prevê a taxa liberatória, ela é aplicada; a partir de abril do ano seguinte ao
ano em que o rendimento foi obtido, o titular pode declarar a opção pelo englobamento. No caso dos juros, traduz-se
num levantamento do sigilo bancário por opção do titular.
O titular de vários rendimentos de taxas liberatórias tem de exercer opção transversal, não pode haver
segmentação → ex: se quer englobar uma renda, tem de englobar todas. 22º/5 CIRS: englobar todos os rendimentos
do mesmo tipo. Quando há opção pelo englobamento, tal significa que rendimentos que estariam, em princípio, fora do
englobamento, porque já definitivamente tributados ou que seriam sujeitos a taxa proporcional, por opção do seu titular
vão ser somados ao regime-regra de determinação do IRS.

O titular de rendimentos sujeitos a taxas liberatórias, tendo a retenção na fonte carácter definitivo, quer englobar
– como será ponderado? Quando há opção pelo englobamento de rendimentos que tinham sido sujeitos a taxa
liberatória, a retenção na fonte a título liberatório e definitivo muda de natureza: converte-se numa retenção na fonte
com a natureza de pagamento por conta – 71º/7: feita a opção pelo englobamento, a retenção efetuada tem a natureza
de pagamento por conta do imposto devido a título final → a retenção é como se fosse um simples adiantamento por
conta. Esta retenção na fonte vai funcionar como dedução à coleta nos termos do 78º/2; o montante que tinha retenção
com carácter definitivo deixa de ter essa natureza, é adiantamento por conta, era imposto já pago e agora é a título de
adiantamento, vai ser tido em conta nas deduções à coleta. 71º/6 → 71º/7 → 78º/2.
No apuramento do imposto, uma vez aplicadas as taxas progressivas, teríamos o imposto a pagar → no IRS não
é assim, temos deduções à coleta – 78º/1 e 2: 78º/1 → 78º-A ss; 78º/3 – modo como articulamos o conjunto de
deduções tipificadas no 78º/1.
O 78º/1 prevê tipos de deduções:
a) Deduções pessoalizantes;
b) Despesas gerais familiares: procuram de modo indireto a exclusão de tributação do mínimo existencial, por um
lado, e por outro, realizar o controlo cruzado entre os diferentes contribuintes. A partir de 2015, essas despesas
tornaram-se relevantes, essencialmente para permitir o controlo cruzado: se beneficio de dedução, peço fatura
– g); a dedução é pessoalizante.
c), d), h) Importâncias relativas às despesas de saúde, educação, lares: despesas que identificamos como
socialmente relevantes;
j) Dedução com a finalidade de atenuar ou eliminar a dupla tributação internacional: temos uma medida unilateral –
o estado português foi dos primeiros estados a consagrar medida unilateral que visa eliminar ou atenuar a dupla
tributação internacional: método da imputação ordinária ou limitada → mesmo quando o estado português não tem
convenção com o país origem de rendimentos, o estado português prevê a medida unilateral – 81º.

78º/2 – são dedutíveis à coleta os pagamentos por conta e as importâncias retidas na fonte que tenham a natureza
de adiantamento por conta. O art. diz-nos que se deduzem àquilo que seria o imposto a pagar as importâncias que já
tenham sido pagas a título de adiantamento por conta; as retenções na fonte que correspondem a situações de
substituição parcial são tidas em conta; ao que seria imposto a pagar subtrai-se o imposto que já foi pago.

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É pelo 78º/2 que surgem as situações de reembolso de IRS: porque o 78º/3, que se destina a regular o modo
como as deduções são realizadas, diz-nos que as deduções previstas nos nºs anteriores são realizadas pela
ordem neles prevista; vamos pela alíneas, e pode acontecer que no âmbito do 78º/1 se chegue a nº negativo (é
como se fosse 0): as deduções pessoalizantes não podem ultrapassar o quantitativo da coleta. Só no 78º/2 podem
originar reembolso. Quando o titular de rendimentos foi tributado com taxa liberatória de 28%, e opta pelo
englobamento, a retenção na fonte que tinha sofrido com carácter definitivo passa a retenção na fonte com
natureza de adiantamento por conta, e o 78º/3 pode permitir o reembolso de IRS.
Ex: coleta = 2000; as deduções feitas nos termos do 78º/1 todas somadas davam 2500; isto daria -500; do
78º/3 decorre que vamos considerar o -500 = 0; 78º/2 se as retenções na fonte que a pessoa sofreu ao longo
do período de tributação em causa foram iguais a 3000, estes vão ser integralmente subtraídos a 0 = -3000 →
quer dizer que o contribuinte será reembolsado em + 3000.
Ex2: deduções à coleta pessoalizantes = 1500; coleta 500; retenções na fonte 3000; 500-3000=-2500; 3000-
500=2500 reembolso. As deduções pessoalizantes são deduzidas àquilo que seria imposto a pagar. O imposto
não prevê reembolso pela dedução de despesas pessoalizantes. Deduções à coleta pelas retenções na fonte
que têm natureza de pagamento/adiantamento por conta.

Categorias do IRS, sob o ponto de vista da qualificação dos rendimentos → como é que a lei tipifica cada uma
das categorias de rendimentos, qual a filosofia que presidiu a esta tipificação → as opções legislativas foram
diferenciadas em relação às diferentes categorias; ainda que exista um princípio-base do CIRS – tributação de
rendimentos efetivamente obtidos → princípio da tributação do rendimento líquido. Estes princípios, apesar de serem
os mesmos, têm tradução diferenciada nas várias categorias. Em algumas categorias, quer-se abranger todas as
formas possíveis de obter o rendimento (A); enquanto que, noutras categorias, a opção foi de limitar a tributação a
alguns tipos de manifestação de capacidade contributiva (G).
Há rendimentos sujeitos a regimes excecionais dentro do IRS: algumas destas categorias, porque dizem respeito
a rendimentos não englobáveis, têm um regime próprio de tributação.
Normas de incidência real = 1º → 2º-11º (+ 12º)

➢ Categoria A – rendimentos do trabalho dependente


A categoria A surge-nos descrita como a categoria dos rendimentos do trabalho dependente; são tributados nesta
categoria os rendimentos que são descritos de modo exaustivo no 2º. A filosofia subjacente à tipificação destes
rendimentos é uma filosofia de abrangência total: a lei quer tributar todas as formas possíveis de remunerar a prestação
de trabalho em regime de subordinação jurídica, mas também todas as formas conhecidas de atribuir benefícios em
conexão com a prestação de trabalho. Na categoria A - 2º, encontramos a previsão de rendimentos que são obtidos
em razão da prestação de trabalho no âmbito de um contrato individual de trabalho ou equiparado. Esta abrangência
traduz-se na circunstância de o 2º ser uma das normas mais extensas do CIRS: o legislador teve preocupação de
descrever de modo exaustivo aquilo que quer tributar.
2º/1: prestação de trabalho no regime de subordinação jurídica ao abrigo de contrato individual de trabalho; todos
os rendimentos são tributados. São tributados os rendimentos auferidos pela prestação de trabalho (incluindo os
rendimentos em espécie – 24º) e os rendimentos auferidos em razão da prestação de trabalho: o conceito de
rendimento de trabalho dependente é mais amplo do que o conceito de retribuição → tributa-se na categoria A não
apenas o que é considerado retribuição, não apenas o que remunera a prestação de trabalho, mas todas as vantagens
de carácter económico de que o trabalhador seja beneficiário e que tenham conexão com o seu trabalho.
> 2º/1 – consideram-se os rendimentos de trabalho dependente…

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> 2º/2 – ordenados, salários, vencimentos, … → enumeração exemplificativa dos rendimentos que se
consideram remunerar a prestação de trabalho.
> Consideram-se ainda rendimentos de trabalho dependente:
- rendimentos que visem atribuir vantagens conexas com a relação de trabalho – “em razão da
prestação de trabalho” → a abrangência da categoria A é tal que a lei quer tributar vantagens
proporcionadas ao trabalhador não apenas pela sua entidade empregadora mas também por
terceiros. Ex: gorjetas, gratificações – 2º/2 e 2º/3-g);
- 2º/3 – situações em que temos rendimentos em espécie: não são pagos em dinheiro mas traduzem-
se, por ex., na entidade empregadora colocar à disposição do trabalhador um imóvel, automóvel
para usar ao fim-de-semana; os rendimentos em espécie são rendimentos auferidos pela prestação
de trabalho; prestações diferentes de dinheiro mas que se entende serem vantagens de conteúdo
económico que têm de ser tributadas → valores de mercado dos bens. Ex: quando o rendimento em
espécie significa a entidade empregadora colocar à disposição um imóvel → é preciso quantificar a
vantagem económica em que o direito a utilizar o imóvel se traduz, a lei diz o valor de mercado do
imóvel no arrendamento. Conceitos determinados cujo conteúdo faz apelo às regras da experiência.

Modo de apuramento do rendimento líquido na categoria A:


As deduções específicas estão previstas no 25º: o princípio do rendimento líquido obriga a lei a prever que, ao
rendimento bruto, sejam subtraídas as despesas que traduzem custos realizados/suportados pelo titular de
rendimentos para a obtenção dos rendimentos brutos.
O apuramento do rendimento líquido obedece a esta fórmula: RL = RB – deduções específicas.
Na lógica do CIRS, aos rendimentos do trabalho dependente poderíamos deduzir apenas os custos que o
trabalhador tem de suportar para obter esses mesmos rendimentos → não é isto que acontece; verificamos que as
deduções específicas aqui previstas aos rendimentos de trabalho dependente traduzem uma intenção expressa da lei
de beneficiar os rendimentos de trabalho dependente, não todos, mas aqueles que a lei considera necessitados de
proteção. O 25º consagra discriminação qualitativa a favor dos rendimentos de trabalho dependente, pensada para
favorecer os rendimentos de trabalho dependente, designadamente em relação aos rendimentos de capitais. No
preâmbulo, assume-se que não se quer tratar os rendimentos de trabalho dependente de forma neutra: o regime de
apuramento do rendimento líquido na categoria A apoia-se na discriminação qualitativa a favor destes rendimentos;
essa discriminação atinge apenas os rendimentos que a lei considera médios-baixos ou muito baixos.
Custos estritamente conexos com a prestação de trabalho, com a obtenção de rendimento de trabalho: a entidade
empregadora tem o dever de colocar à disposição do trabalhador todos os meios que ele precisa para trabalhar. O
trabalhador, quando chega ao posto de trabalho, já tem o posto preparado para trabalhar. Os rendimentos de trabalho
dependente não têm propriamente custos, a não ser o custo que os trabalhadores teriam sempre de suportar e a lei
teria sempre de o deduzir → esse custo é a realização de contribuições obrigatórias para a segurança social – à
exceção dos novos trabalhadores e pessoas que estiveram desempregadas por muito tempo. As contribuições para a
segurança social, do ponto de vista do trabalhador, são um custo que ele tem de suportar. No regime geral,
correspondem a 11% - custo que o trabalhador suporta sempre. Há também quotizações sindicais que o trabalhador
suporta; e quando o tipo de atividade desenvolvida pelo trabalhador implica quotas para a ordem profissional, também
vão ser consideradas custos para a prestação de trabalho. A lei reconhece estes custos. Mas o 25º não nos diz isto;
apresenta-nos uma dedução que se organiza nos seguintes termos:
 25º/1-a): aos rendimentos brutos (valor anual) do trabalho dependente é dedutível o valor de 4104 euros, até
à concorrência dos próprios rendimentos brutos. Durante muito tempo, estava aqui uma fórmula de cálculo de
um valor que remetia para o valor do salário mínimo anual ou do valor do indexante de apoios sociais → isto
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

significa que ao valor do rendimento bruto deduz-se um quantitativo sempre igual, independentemente do valor
do próprio rendimento bruto. Deste modo a lei estrutura o rendimento mais favorável – ex: A (r.b.) = 3000, B =
10.000, C = 20.000, D = 50.000 → cada um deles auferiu nível de rendimento bruto diferente; a dedução
específica que cada um deles tem direito a fazer é: A – 11% de 3000=330; B – 10.000x11%=1100; C -
20.000x11%= 2200; D – 50.000x11%=5500.
 Até à concorrência dos rendimentos brutos = a lei isenta de tributação todos os rendimentos de trabalho
dependente que não ultrapassem 4104€, portanto a dedução específica de A é igual a -3000 e o rendimento
líquido é igual a 0 → isenção, a lei não quer que o rendimento seja tributado; os rendimentos de trabalho que
a lei considera muito baixos (não ultrapassem 4104€) estão isentos. A só suportou custos de 330, mas a lei
permite deduzir 3000. Quando o valor dos rendimentos não ultrapassa 4104€, a dedução será igual ao valor
do rendimento bruto auferido.
B pode deduzir -4104, cerca de 41% do rendimento bruto de B fica excluído de tributação.
C – a dedução específica prevista na lei é -4104 → à medida que o rendimento vai aumentando, sendo a dedução
específica a mesma, ela é mais vantajosa para o trabalhador que auferiu menos; C suportou para a Segurança
Social o dobro do que B, mas deduzem o mesmo.
D – nível de rendimentos médio-alto; a lei considera que o trabalhador já não precisa de proteção, de ser
discriminado favoravelmente; D suporta o custo de 5500, D vai sim fazer a dedução específica nos termos do
25º/2 → a dedução faz-se pelo valor total das contribuições: D tem direito a deduzir como dedução específica
ao seu rendimento bruto os custos que suportou para obter esse rendimento = -5500.

Estas situações justificam-se pela discriminação qualitativa. Os rendimentos do trabalho são rendimentos que não
se multiplicam por si próprios, a fonte é o próprio titular de rendimentos; a fonte inevitavelmente vai desaparecer por
força de situações de incapacidade ou pelo decurso do tempo. A lei quer tratar mais favoravelmente para permitir ao
trabalhador a constituição de um fundo de reserva que lhe permita fazer face a situações de incapacidade de trabalho
ou decurso do tempo, doença, acidente → incentivo à poupança → este é o objetivo subjacente. O 25º não pretende
beneficiar todos os trabalhadores, apenas aqueles cujos rendimentos não ultrapassem em termos brutos 37700€ (que
x11%=cerca de 4104).
25º/2: quando as contribuições para a segurança social forem superiores ao valor fixado no 25º/1-a), a dedução
faz-se pelo valor ou corresponde ao valor dessas contribuições.
Então, na categoria A, as deduções específicas pode corresponder ao montante do rendimento bruto, a 4104€ ou
ao montante suportado pelo trabalhador para as contribuições da SS.

➢ Categoria B – rendimentos empresariais e profissionais


3º CIRS – norma que descreve os rendimentos desta categoria. Ela agrega rendimentos que, na versão originária
do código, correspondiam a 3 categorias de rendimentos: B, C e D. O facto de esta ser uma supercategoria que agrega
rendimentos de fontes diferentes gera complexidade no seu regime → o resultado final é que, apesar de termos uma
agregação numa só categoria de rendimentos tão diferentes, esses rendimentos continuam a sofrer tratamento
diferenciado – a agregação numa só categoria não conduz a homogeneidade de tratamento. O modo de tipificar os
rendimentos é tecnicamente muito mais aberto.
 3º/1-a): rendimentos empresariais = resultantes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial,
agrícola, silvícola ou pecuária → cláusula geral. No que diz respeito aos rendimentos comerciais e industriais
(mais relevantes), são rendimentos resultantes do exercício das atividades que, à luz do direito comercial,
sejam consideradas atividades comerciais e industriais. 4º: completa o 3º/1-a); o 4º/1 diz-nos
designadamente → cláusula geral com enumeração exemplificativa dos rendimentos que se consideram
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

comerciais e industriais: todos os que à luz do direito comercial sejam de considerar como tal e
designadamente os que estão listados no 4º/1: compra e venda, fabricação (atividades de transformação),
têxtil, explorações mineiras, transportes, construção civil, urbanísticas, atividades hoteleiras, agências de
viagens, artesanato, agrícolas e pecuárias,… → aparece-nos na lista de exemplos atividades que
consideraríamos, à luz do direito comercial, como atividades comerciais; mas aparece-nos também o
artesanato, pesca, indústria mineira → coloca dúvidas sobre a sua comercialidade intrínseca. O legislador
fiscal quis, ao colocar estas atividades como uma enumeração exemplificativa daquelas que integram o
direito comercial, dizer que está na categoria B como atividade empresarial tudo aquilo que à luz do direito
comercial é considerado comercial, mas que para termos fiscais se consideram também comerciais, ainda
que no direito comercial não sejam consideradas como tal, outras atividades. Nesta categoria, o legislador
quis-se afastar da concetualização própria dos ramos de direito comercial, dizendo que, mesmo que no
direito comercial determinada atividade não seja considerada comercial, para efeitos fiscais considera-se.
 3º/1-b): rendimentos profissionais = resultantes do exercício por conta própria, em nome individual, de uma
atividade de prestação de serviços → cláusula geral. O que é o exercício por conta própria de atividade de
prestação de serviços? Toda a prestação de serviços em regime independente; atividades que constam da
lista anexa ao 151º, que chamamos de carácter científico, artístico, ou técnico. Para além dessas, podem
surgir outras atividades que sejam tributadas como atividades que geram rendimentos profissionais.
 3º/1-c): rendimentos profissionais = resultantes de direitos da propriedade intelectual ou industrial, quando
auferidos pelo seu titular originário → direitos de autor e direitos conexos, patentes. Se os direitos de autor
forem cedidos, havendo um terceiro a receber direitos de autor dos quais não seja o titular originário,
podemos ter rendimentos que são de capitais ou mais-valias → não é o titular originário que está a retirar
benefícios. Os direitos de autor da propriedade intelectual ou industrial têm benefícios fiscais: são tributados
em IRS pela metade do valor; a retenção na fonte é feita a taxa mais baixa do que a taxa geral.

Categoria mais complexa em termos do apuramento do rendimento líquido: os dois regimes típicos de
apuramento do rendimento líquido são – 28º/1, 2 e 3:
1. Regime simplificado: resulta do 28º/2 que este regime só pode ser aplicável aos titulares de rendimentos
empresariais e profissionais que, quando iniciam a sua atividade, prevejam não ultrapassar um volume global
de faturação superior a 200.000 ou não tenham ultrapassado nos dois exercícios anteriores esse valor – 28º/6.
2. Regime da contabilidade: se ultrapassar o valor supra, torna-se no regime da contabilidade. Este é imperativo
nas situações em que no início da atividade vai ser ultrapassado o volume de faturação/o quantitativo de
200.000/ano (em rendimentos brutos).

O regime da contabilidade pode funcionar como regime opcional se o montante ilíquido de rendimentos da
categoria B não ultrapassar os 200.000; não exercendo o titular dos rendimentos a opção na declaração de
rendimentos, ficará no regime simplificado. O regime da contabilidade tem regras que implicam ponderação plurianual.
Ex: computador é comprado em 2018, mas é um bem duradouro, por isso no ano em que é comprado apenas será
contabilizado um quarto do preço, porque a lei fixa para a duração de um bem duradouro o período de quatro anos →
complexidade. Pode acontecer que se salte de um regime para o outro, tornando-se mais difícil a AT fiscalizar.
O que distingue os dois regimes?
> O regime da contabilidade é um regime de apuramento real do rendimento líquido; o rendimento líquido é igual
ao lucro resultante do exercício da atividade, e este lucro é apurado segundo as regras do CIRC, de acordo com
a remissão contida no 32º CIRS, então o lucro = proveitos – custos (com correções) → lógica de apuramento
do lucro. Quando o regime é da contabilidade, o que é considerado como custo tem de ter suporte documental.
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

As regras contabilísticas procuram espelhar a realidade. Este regime é complexo, próprio do IRC → paralelismo
entre IRS e IRC: o mesmo tipo de atividade comercial e industrial pode ser exercida em nome individual por
pessoa singular (o comerciante), mas o mesmo tipo de atividade pode ser exercido mediante a constituição de
pessoa coletiva. As sociedades comerciais são tributadas no âmbito do IRC. A organização das contas da
atividade empresarial ou profissional exige a intervenção de um técnico oficial de contas: implica que o titular de
rendimentos tenha de pagar a um técnico. No regime da contabilidade, o apuramento é feito em concreto: os
titulares dos rendimentos podem deduzir os custos que estão documentados.
> Em 2000, o legislador decidiu criar o regime simplificado: na versão originária do código só havia o regime da
contabilidade para apuramento do rendimento líquido. A lei introduziu o regime simplificado como método mais
simples de apuramento do rendimento líquido – para evitar o regime da contabilidade quando os rendimentos são
inferiores em termos brutos a 200.000 → criou um regime de apuramento com base em presunções - 104º/2 CRP
(tributação das empresas em termos reais): alguma doutrina disse que o regime era inconstitucional, que não se
podia apurar o rendimento com base em presunções; então o legislador disse que o regime simplificado é
opcional, e quem não o quer pode passar para o regime da contabilidade. As presunções não podem ser ilididas,
por isso o comerciante pode escolher o regime da contabilidade, quando ele não seja obrigatório.
O apuramento do rendimento líquido é feito pela aplicação ao rendimento bruto de coeficientes previstos no 31º/1,
que são determinados a partir da estrutura de custos típica de cada atividade. Diz-se que estes coeficientes se
baseiam em indicadores objetivos das diferentes atividades: significa que os coeficientes são determinados pela
lei e diferenciados em função da estrutura de custos fixos de cada atividade. Encontramos no 31º/1 coeficientes
díspares, porque são adaptados à atividade. Os coeficientes revelam uma presunção de custos. No regime
simplificado, o regime de apuramento é por presunções: regime de apuramento feito em abstrato ou regime de
apuramento a forfait (Rui Morais):
- 31º/1-a): coeficientes de 0,15 sobre as vendas e sobre os rendimentos das atividades hoteleiras e similares,
exceto alojamento local quando exercido na modalidade de moradia ou apartamento (o hostel é equivalente
às atividades hoteleiras); 0,15 x vendas de mercadorias ou proveitos (=rendimento bruto) → o
rendimento líquido é apurado por aplicação ao rendimento bruto de um coeficiente de 0,15. Ex: A exerce
atividade em nome individual de venda de produtos de higiene, fruta, bolachas (mercearia) → A faturou
100.000 (rendimento bruto), o rendimento líquido = 0,15 x 100.000 = 15.000.
- 31º/1-b): se o A, em vez de merceeiro, for advogado ou exercer outra atividade constante da lista anexa
ao 151º (prestação de serviços), aplicamos aos 100.000 um coeficiente de 0,75.
0,75 x volume de prestação de serviços (100.000=RB) = 75.000 (RL).
Os coeficientes não podem ser iguais para as diferentes atividades porque elas têm custos diferentes (indicadores
objetivos destas matérias): o merceeiro revende mercadorias que comprou; tem os custos que gastou na compra das
mercadorias, gasta em pessoal, eletricidade,… Se a atividade corresponder ao exercício de profissão liberal, o que é
preponderante é o próprio trabalho prestado, implica custos com o escritório, energia, computadores, … → mas esses
custos não são de mercadorias compradas para revenda; o que os coeficientes nos dão é a margem de lucro típica de
cada atividade; quando um merceeiro fatura 100.000, só 15.000 são lucros → 0,15 é a margem de lucro típico; quando
um advogado/arquiteto/engenheiro … fatura 100.000, a sua margem de lucro é 75.000. Subjacentes a estes
coeficientes estão presunções de custos: quando o coeficiente é de 0,75, a lei presume que 25% do volume de
faturação são custos. Na prática, o A pode ter muito menos custos do que os correspondentes a 85%/25%, portanto o
regime simplificado é melhor; se os custos forem maiores, pode ter vantagem no regime de contabilidade. No regime
simplificado, os custos não precisam de ser documentados. No regime de contabilidade, o titular dos rendimentos não
se submete às presunções do regime simplificado, deste modo estas não são absolutas porque ele pode optar pelo
regime da contabilidade.
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Margarida Vasconcelos 2018/2019

- 31º/1-c): 0,35.
- 31º/13 → só para os rendimentos profissionais (31º/1-b) e c)) veio exigir que, para que o titular de
rendimentos profissionais possa beneficiar destes coeficientes, ele tenha de apresentar despesas relativas
ao exercício da atividade, e despesas que permitem que o coeficiente seja inferior; o essencial é que a AT
chegou à conclusão de que os titulares de rendimentos profissionais estavam a beneficiar excessivamente
do regime, não suportavam custos correspondentes à presunção. A lei disse que os titulares de
rendimentos profissionais, para beneficiarem do regime simplificado, têm de comprovar custos → o regime
simplificado transformou-se num regime híbrido, entre o simplificado e o da contabilidade. O 31º/13º, com
as consequências de complexização e hibridização, está em vigor; manteve-se para o OE de 2019. O
regime simplificado é simplificado para os rendimentos empresariais e híbrido para os rendimentos
profissionais.
Em rigor, para os rendimentos profissionais, quando haja apenas uma fonte de rendimentos, quando as prestações
de serviços sejam realizadas a favor de uma única entidade, o 28º/8 prevê a possibilidade de o titular de rendimentos
profissionais optar pelo apuramento do seu rendimento líquido segundo as regras da categoria A → os titulares de
rendimentos profissionais que não sejam obrigados à contabilidade, podem estar em 3 regimes: regime simplificado,
regime da contabilidade ou categoria A.
Em algumas situações, temos coeficientes de 0,95 e de 1 → todo o rendimento bruto é rendimento líquido; quando
é de 0,95, presumem-se custos de 5%.

Temos um elemento a acrescentar à categoria B – 3º/2 consagra o princípio da atração ou descaracterização


de rendimentos de outras categorias: quando os rendimentos de capitais (E), prediais (F) ou mais-valias (G) sejam
imputáveis ao exercício de atividades empresariais ou profissionais, sofrem descaracterização, não são qualificados
como rendimentos dessas categorias, são atraídos para a B como simples proveitos; os custos inerentes entram
também na B, com o direito à dedução dos custos.

Regime trazido pela reforma de 2015: quando os diferentes rendimentos previstos nas diferentes categorias são
obtidos no âmbito de um agregado familiar, a lei diz que, em princípio, esses rendimentos são tributados em separado
na titularidade de cada um dos sujeitos passivos – 13º/2: consagra um regime de tributação separada dos membros
do agregado familiar. Porque a tradição era de tributação conjunta, o art. prevê a opção pela tributação conjunta, nas
situações em que existe agregado familiar → a opção pela tributação conjunta significa que vai ser preciso somar os
rendimentos líquidos das diferentes categorias obtidos pelos vários membros do agregado familiar. No englobamento,
quando somamos rendimentos de várias pessoas, tal teria um efeito de acumulação de rendimentos de vários titulares,
com o disparar das taxas de tributação → para resolver o problema, o 69º consagra o quociente familiar/conjugal:
traduz-se na divisão da totalidade dos rendimentos do agregado familiar por 2 para aplicação das taxas de tributação
do 68º e multiplicação por 2 para encontrar o valor total do imposto, que corresponde à coleta→ mecanismo
neutralizador do efeito negativo da progressividade do 68º.

➢ Categoria E – rendimentos de capitais


Categoria simples – tipificação no 5º:
> 5º/1 – cláusula geral;
> 5º/2 – densificação da cláusula geral e enumeração que, na verdade, corresponde a todas as formas
conhecidas de obtenção de rendimentos de capitais. As alíneas do 5º/2 identificam como rendimentos de
capitais os juros (a)-g)) e dividendos (h)).

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> Alínea p): o legislador corre atrás da realidade, acrescenta ou altera alíneas. No meio do elenco, a p) é um
corpo estranho: até esta, cada uma das alíneas descreve de forma taxativa um subtipo de rendimento de
capital, descrição que procura caracterizar uma realidade conhecida. A doutrina disse que a alínea p) era
inconstitucional, que o legislador não pode utilizar conceitos indeterminados demasiado amplos. A AT
nunca usou a alínea p) para tributar.

Em termos de apuramento do rendimento líquido, a regra da categoria E, com poucas exceções é RL = RB


→ não há deduções específicas a fazer aos rendimentos de capitais, todos os custos estão já ponderados. Quando o
banco me entrega 1000 de juros, as despesas bancárias já estão ponderadas, o rendimento bruto é líquido, o titular
dos rendimentos não suporta custos para a sua obtenção.
Hoje, os rendimentos da categoria E estão, em regra, sujeitos a taxas liberatórias, de acordo com a previsão do
71º, que são taxas proporcionais = 28% (para os residentes); funcionam por retenção na fonte com carácter definitivo
(efeito liberatório total), ainda que com opção pelo englobamento - 71º/6. Quando os rendimentos de capitais sujeitos
a taxas liberatórias são levados ao englobamento por opção do titular → a opção pelo englobamento não altera a
retenção na fonte que o rendimento já sofreu, mas o titular dos rendimentos pode optar por englobar. Consequências
típicas da opção pelo englobamento:
- 22º/5: o que é levado ao englobamento é, em regra, o valor do rendimento bruto → se os juros que eram
devidos eram de 1000, sofreram retenção na fonte de 280 e o titular só recebeu 720, o que tem de ser
englobado é os 1000 → porque são rendimento bruto, o rendimento que o banco/sociedade paga/distribui ao
sujeito passivo;
- É preciso englobar todo o rendimento da mesma categoria: quando se opta pelo englobamento, tem de se
englobar todos os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias ou a taxas especiais. Não posso, se tiver juros
pagos por um banco e dividendos distribuídos por sociedade, optar por englobar os rendimentos do banco e
não os da sociedade → todos os rendimentos da mesma categoria têm de ser englobados;
- 71º/7: a retenção na fonte já suportada com carácter definitivo converte-se em retenção na fonte a título de
adiantamento por conta, o que faz nascer deduções à coleta nos termos do 78º/2. É por esta razão que os
1000 têm de ser englobados, porque a retenção na fonte suportada é considerada como dedução na fase final
de apuramento;
- Consequência adicional no caso de dividendos: quando estão em causa dividendos, de acordo com o 40º-A ,
que foram distribuídos por sociedade residente a sujeito passivo considerado residente, os dividendos são
englobados apenas em 50% do seu valor. Ex: pessoa singular tem direito a dividendo de 1000, já sofreu
retenção na fonte de 280, se optar pelo englobamento não engloba 1000, mas apenas 500 – solução do 40º-
A. Razão de ser/ratio deste art.: mecanismo previsto no CIRS para atenuação da dupla tributação económica
entre o IRC e o IRS → o lucro gerado no seio da sociedade é tributado na titularidade da sociedade em IRC,
uma parte desses lucros, quando distribuída aos sócios, é tributada em IRS; o sujeito passivo é diferente →
não há identidade do sujeito, mas há identidade do objeto, do período de tributação e do título de tributação →
há dupla tributação económica, mas não jurídica. 50% do rendimento obtido fica isento de tributação,
neutraliza-se a retenção na fonte sofrida e tributa-se apenas 50%.

➢ Categoria F – rendimentos prediais

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8º: o que se considera como rendimento predial para tributação de IRS. Os conceitos de renda e de prédio são
diferentes daqueles que encontramos no direito civil. 8º/2: nas alíneas apresenta os diferentes rendimentos
considerados como prediais:
 Conceito de renda – 8º/2: a renda tem um sentido amplo, que se estende a outros rendimentos que estejam
em conexão com a obtenção de rendimentos prediais. Numa situação em que temos contrato misto de
arrendamento com prestação de serviços, o legislador fiscal seguiu o regime que atribuiríamos a este contrato
misto no âmbito do direito civil; as importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e ao recheio do imóvel
são consideradas renda;
 Conceito de prédio – 8º/4: prédio é, à luz do direito civil, um imóvel; são imóveis, para efeitos fiscais, não
apenas os imóveis, mas os móveis instalados/assentes no mesmo local por um período superior a 12 meses.
Ex: roulotte → se for arrendada, gera rendimento predial. Do mesmo modo, por interpretação extensiva, a
embarcação atracada no mesmo local por período superior a 12 meses, se for alugada, o rendimento é
tributado em IRS e fica sujeito a IMI.
A categoria F sofreu alteração de regime na reforma de 2015: decorre do 8º/1 → os rendimentos prediais podem
ficar sujeitos às regras próprias da categoria F, mas o 8º/1-parte final prevê a opção pela empresarialização dos
rendimentos prediais. Isto é, permite ao titular dos rendimentos optar pela tributação dos rendimentos prediais no
âmbito da categoria B; no âmbito desta categoria, estes rendimentos surgem-nos no 4º/1-n); o 4º/5 diz-nos como se
exerce esta opção: na declaração de início de atividade para o exercício de atividade empresarial. A atividade é a
mesma, mas o sujeito passivo pode optar pela tributação no âmbito da categoria B ou F.

As regras próprias de apuramento do rendimento líquido da categoria F sofreram alteração radical em 2015:
a norma que prevê as deduções específicas aos rendimentos prediais é o 41º - mudança de paradigma no apuramento
do rendimento. Até 2015, a lei previa apenas que fossem deduzidas as despesas de manutenção e conservação do
imóvel, despesas de condomínio e o IMI respeitante ao imóvel que gera rendas tributáveis no âmbito da categoria.
Hoje, o 41º/1 consagra uma cláusula geral de dedutibilidade dos custos suportados para obtenção dos rendimentos
prediais; o legislador abriu a norma que prevê as deduções específicas. Neste sentido, os custos documentados
suportados pelo titular do rendimento para obtenção do rendimento bruto são dedutíveis, com exceções – a parte final
do 41º/1 consagra exceções: não são dedutíveis os encargos financeiros (os juros não são custos para obtenção das
rendas), as depreciações do imóvel (imóvel é bem duradouro, bem que está sujeito a depreciação; há um determinado
valor levado a custos pela construção – divide-se o custo pelos anos que a construção durar), os custos com mobiliário,
equipamento ou decoração → é anómalo, porque, para efeitos de arrendamento, se com a cedência de imóvel for
cedida a utilização de decoração, tal é dedutível.
41º/5: o IMI dedutível no âmbito da categoria F, apenas é dedutível se disser respeito a prédios que gerem
rendimentos prediais → a nota de liquidação do IMI é uma só, se uma pessoa tiver vários imóveis, recebe apenas um
valor de imposto. Ex: se uma pessoa tem 5 imóveis e apenas um está arrendado, não pode deduzir às rendas todo o
IMI, apenas o IMI referente ao imóvel arrendado.
41º/7: inovador, trazido pela reforma de 2015; refere-se apenas a despesas com obras de manutenção e
conservação. Diz-nos que são dedutíveis as despesas de manutenção e conservação realizadas nos 24 meses
anteriores, desde que entre a realização das obras e o período de tributação em que são geradas as rendas, o imóvel
não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento. Para fazer as obras, acontecia que o imóvel não podia
estar arrendado; implica um intervalo temporal que o imóvel não está a gerar rendimento; implica que a despesa é
realizada num ano e o imóvel, quando colocado no mercado de arrendamento, surja num período de tributação
diferente; portanto, se as obras foram realizadas em 2017 e nesse ano o imóvel não produziu rendas, se não tivesse
esta norma não poderia deduzir as obras; o 41º/7 permitiu quebrar as barreiras dos períodos de tributação e que, num
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período de tributação, possam ser consideradas despesas suportadas com os dois períodos de tributação anteriores,
desde que o imóvel não seja utilizado para outro fim diferente do arrendamento. Ex: se eu, proprietária do imóvel, o
habitei antes de o arrendar, depois das obras, não poderei deduzir as despesas. Esta é uma lógica de reporte.
Os rendimentos prediais tributados segundo as regras da categoria F estão sujeitos a taxa especial prevista no
72º/1-e) de 28% → taxa autónoma, aplicada no momento da liquidação do imposto, taxa efetiva de tributação dos
rendimentos; não funciona por retenção na fonte; taxa proporcional; dispensa o englobamento – mas o 72º/8 atribui ao
titular dos rendimentos a opção pelo englobamento.
Se o titular de rendimentos prediais optar pela empresarialização – 4º/1-n): os rendimentos passam a ser
qualificados como rendimentos da categoria B por opção → o apuramento do rendimento líquido segue as regras da
categoria B:
• Normalmente quem opta pela empresarialização, para beneficiar completamente, opta pelo regime da
contabilidade: porque neste é possível deduzir os custos que, de acordo com o 41º/1, não podem ser deduzidos.
• Se optar pelo regime simplificado (havendo opção pela empresarialização), o coeficiente é de 0,95 (31º/1-d)),
ao resultado positivo de rendimentos prediais → 0,95 x resultado positivo de rendimentos prediais = 31º/4
→ os 0,95 não vão incidir sobre o valor bruto das rendas, mas sobre o rendimento líquido apurado nos termos
do 41º; é o rendimento líquido apurado de acordo com a F, que tem o nome de resultado positivo de rendimentos
prediais, que será sujeito a 0,95. 0,95 x (resultado positivo = rendimento líquido apurado segundo as
regras da categoria F – 41º): é de englobamento obrigatório (31º/3) e aplicação de taxas progressivas (68º).
Se o regime for simplificado, as despesas concretamente suportadas pelo sujeito passivo são, em princípio,
irrelevantes e o apuramento é feito com base em coeficientes. A solução que o legislador encontrou foi aplicar
o coeficiente sobre o rendimento líquido apurado → as despesas, apesar do regime ser simplificado, são
relevantes porque estão dentro do cálculo do resultado positivo dos rendimentos prediais.

Os rendimentos prediais podem então ser tributados:


(1) Categoria F com taxa especial;
(2) Categoria F com opção pelo englobamento;
(3) Categoria B com regime de contabilidade ou regime simplificado → sempre com englobamento obrigatório.

A opção do 4º/5 pela empresarialização tem consequências reflexas muito relevantes, não adequadamente
tratadas pela lei. Quando um proprietário do imóvel opta pela empresarialização dos rendimentos prediais, isto significa
que o imóvel passa a ter estatuto de bem afeto à atividade empresarial – há uma circular administrativa que diz que o
imóvel passa a ser considerado imóvel que integra o ativo imobilizado da empresa do titular do imóvel. Consequência:
a afetação de bens da esfera particular à atividade empresarial é facto gerador de mais-valias (10º/1-a)). A mais-valia
não é logo tributada, ela só é tributada quando ocorrer a posterior alienação onerosa dos bens em causa → a mais-
valia fica suspensa e a correspondente tributação é diferida até à ocorrência de um destes factos (10º/3-b)). A
desafetação do imóvel da atividade empresarial para regresso à atividade particular é uma exceção (10º/3-b) parte
final): a ocorrência deste tipo de desafetação não faz cessar a suspensão da tributação da mais-valia relativa ao
primeiro momento (o da afetação do bem do património particular à atividade empresarial e profissional), enquanto o
imóvel habitacional restituído ao património particular se mantiver afeto à obtenção de rendimentos da categoria F.
Uma transferência do imóvel do património empresarial para o património particular do empresário constitui uma
mais-valia, tributável no âmbito da categoria B, nos termos do 3º/2-c) → não se trata de uma mais-valia suspensa (ao
contrário do que sucedia na transferência do imóvel do património particular para o património empresarial do seu
titular).

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➢ Categoria G – incrementos patrimoniais


9º - sofreu alterações relevantes em 2000; considerada uma supercategoria, porque agregou as mais-valias
(anterior G) e rendimentos da categoria I. Temos incrementos patrimoniais no 9º:
 as indemnizações que não visam apenas compensar danos emergentes podem gerar incrementos patrimoniais
(9º/1-b));
 manifestações de fortuna que não são compatíveis com os rendimentos que declara (9º/1-d));
 o subtipo dominante dentro da categoria G são as mais-valias – 9º/1-a), com descrição exaustiva no 10º/1 →
rendimentos mais relevantes no âmbito da categoria G. As mais-valias correspondem aos “wind fall gains” –
adoção do conceito de rendimento-acréscimo no princípio da capacidade contributiva: o IRS quer tributar todo
o acréscimo verificado na esfera da pessoa singular. As mais-valias são ganhos resultantes de um acréscimo
inesperado e fortuito no valor dos bens; ganhos que não resultam da intervenção do titular, do seu esforço, mas
traduzem-se em ganho de poder aquisitivo. O CIRS adotou um conceito de rendimento amplo = rendimento-
acréscimo: o IRS visa tributar os aumentos de poder aquisitivo, não apenas os rendimentos provenientes/
resultantes da participação do seu titular no processo produtivo, mas também quaisquer acréscimos
patrimoniais que se traduzam num aumento de poder aquisitivo. O legislador optou por tributar as mais-valias
como rendimento. A categoria G é aquela que contém uma enumeração taxativa e apresentada com carácter
típico fechado dos rendimentos tributáveis a título de mais-valias – 10º/1:
> O legislador assumiu que não queria tributar todas as mais-valias, mas apenas as mais frequentes,
relevantes e mais facilmente detetáveis; há muitas mais-valias que não são tributadas no IRS → a
finalidade do legislador é completamente diferente da que preside à categoria A; na categoria G há seleção
das mais-valias de acordo com este critério;
> O legislador quer tributar apenas as mais-valias realizadas, seguindo o princípio geral do IRS – o princípio
da tributação de rendimentos efetivos: traduz-se na não tributação das mais-valias latentes. Se, por ex., o
bem sofreu aumento de valor, o simples aumento de valor do bem não pode ser tributado em IRS → mais-
valia latente. Noutras ordens jurídicas, não se consagra o princípio da realização → não encontramos no
10º este princípio escrito; quando lemos as suas diferentes alíneas, na descrição daquilo que é o facto
gerador de mais-valias, temos os ganhos resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis,
alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, os ganhos provenientes da cessão
onerosa de arrendamento ou outras posições contratuais relativas a imóveis (ex: cessão de posição
contratual em contrato-promessa) → o que temos aqui são atos de alienação onerosa, que geram
rendimentos, é aqui que encontramos a evidência que o legislador consagrou o princípio da realização. O
simples ganho latente não é passível de tributação de acordo com a nossa lei.
> O princípio da realização tem efeitos negativos:
(1) Efeito de concentração/brunching effect: um imóvel foi comprado há 15 anos por 100 e é vendido
hoje por 200, esta alienação onerosa é facto gerador de mais-valia; supondo que esta corresponde
a 100, o aumento de valor do imóvel que se traduz num ganho, esta mais-valia não foi gerada
toda no ano em que a mais-valia se realiza; mas porque ela se realiza neste ano, a mais-valia
gerada ao longo de vários anos, por força do princípio da realização, vai concentrar-se toda num
ano. Como o nosso sistema é de taxas progressivas, o efeito de concentração associado à
progressividade das taxas que caracteriza o IRS vai traduzir-se em carga tributária muito forte
nestes ganhos que foram gerados ao longo de vários anos. Num imposto progressivo, a taxa, no
ano em que a realização acontece, tende a disparar (a ser, anormalmente, mais elevada); ou seja,
o sujeito passivo pagará mais imposto que aquele que pagaria se a tributação acontecesse
anualmente, à medida que a mais-valia foi gerada.
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(2) Efeito de imobilização/lock in effect: efeito económico de contração do mercado → se gerar mais-
valia passível de tributação, ela vai-se concentrar, isto leva a que os titulares de bens que geram
mais-valias se retraiam. Sabendo que vão ser sujeitos a uma tributação elevada no momento da
realização (que o preço obtido, líquido de imposto, resultará porventura inferior ao pretendido), os
sujeitos passivos tendem a não alienar os bens, mesmo que não lhes sejam úteis, com todo o
desperdício que, em termos económicos e sociais, assim se gera

O legislador vai tentar mitigar este duplo efeito negativo: são estes efeitos negativos que justificam o regime de
tributação mais favorável para as mais-valias imobiliárias.

Modo de apuramento do rendimento líquido nesta categoria: apuramento da mais-valia ou ganho → o


valor de realização (produto da alienação – 44º, corresponde por ex. ao preço pelo qual o imóvel foi vendido), não é a
mais-valia, é só o produto do facto gerador de mais-valia, que temos de determinar se corresponde a ganho. Ao valor
de realização subtrai-se o valor de aquisição (valor pelo qual adquiri o bem):
 O bem pode ter sido adquirido a título oneroso (46º) ou gratuito (45º):
- se foi adquirido a título gratuito, não posso pôr valor 0: o valor de aquisição dos bens adquiridos a
título gratuito é determinado sobre o imposto que incidiu sobre a transmissão gratuita ou que teria
incidido se esta estivesse sujeita ao imposto sobre transmissão gratuita (neste momento, é o
imposto de selo que isenta as transmissões gratuitas entre pais e filhos).
O valor da aquisição está sujeito a correção monetária sempre que entre a aquisição e a alienação tenham ocorrido
mais de 24 meses - 50º. Corrigir monetariamente o valor de aquisição, através de coeficientes de atualização – ex:
100.000 gastos há 20 anos – quanto valem hoje, efeito da valorização da moeda; a correção monetária pondera a
(des)valorização da moeda quando estamos a falar de bens adquiridos há mais de 24 meses.

MV = valor da realização – [(valor da aquisição 45º, 46º x correção monetária 50º) + despesas com a
alienação + despesas com a aquisição do bem + encargos de valorização do imóvel 51º]

Se entre a aquisição e a alienação o proprietário fez obras que não se destinam apenas a conservar o bem, mas
a aumentar o seu valor (ex: construção de garagem, piscina) estas despesas são despesas que determinam um
aumento de valor do imóvel, diferencial, resultante de um investimento do seu titular → o valor do investimento tem de
poder ser deduzido ao valor de realização - 51º.

Uma vez apurado o rendimento líquido, as mais-valias têm regimes de tributação diferenciados, conforme sejam:
a) imobiliárias ou sigam o regime das imobiliárias - 10º/1-a): englobamento obrigatório apenas em 50% do valor
da mais-valia – 43º/2 → legislador tenta compensar os efeitos negativos da concentração quanto às mais-
valias imobiliárias, determinando que sejam tributadas apenas por metade do valor;
b) mobiliárias - 10º/1-b): taxa especial, segundo o 72º/1-c), de 28%, dispensando o englobamento → taxa
proporcional; o 72º/8 prevê a opção pelo englobamento.
43º/3: as mais-valias de vendas de microempresas só são levadas à tributação em 50% do valor (= rendimento
líquido da categoria G que é levado a tributação). 72º/1-c) → 72º/8 → 22º/3: direito potestativo de base legal
em que o contribuinte é tributado a taxa fixa mas pode optar pelo englobamento.

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➢ Categoria H – pensões
11º: visa tributar as pensões enquanto prestações sociais, mas incorpora também como rendimentos tributáveis
em IRS as pensões de alimentos (de acordo ou judicial).
Regime de apuramento do rendimento líquido da categoria G: 53º → paralelo ao da categoria A; a ideia
do legislador é de que as pensões são na maior parte das situações resultado de trabalho prestado no passado.

➢ Englobamento – 22º CIRS


Os rendimentos de trabalho (A, B, H) são sempre obrigatoriamente englobados: juntos para aplicar taxa
progressiva. Os outros rendimentos, em princípio, são sujeitos a taxa fixa (71º, 72º) ou englobamento → ficam de fora
os rendimentos de mais-valias de imóveis (43º/2).

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