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Direito Fiscal

Exame em 18/01/2018

RESPONDA A CADA UM DOS GRUPOS EM FOLHAS SEPARADAS

Duração da prova: 2h 30m

I (5 valores)

A Assembleia Municipal do Porto aprovou a criação de uma Taxa de Proteção Civil destinada a
remunerar os serviços assegurados pelo Município nos domínios da proteção civil, do combate
aos incêndios, da garantia da segurança de pessoas e bens, da prevenção de riscos e da
formação de funcionários e da comunidade em geral.
A base de incidência anual é uma percentagem de 0,05% sobre o valor patrimonial tributário
dos imóveis e os sujeitos passivos são os proprietários dos imóveis localizados no Município.
a) Como qualifica este tributo?
O tributo é uma prestação patrimonial, tipicamente pecuniária (quantia monetária ou em
dinheiro), a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas e tem
uma finalidade imediata – a angariação de receitas, utilizada no proveito do Estado.
A doutrina tem ensaiado uma distinção tricotómica de tributo (cf. Ac. TC n.º 539/2015):
impostos, taxas e contribuições.
Classicamente, a doutrina defendia uma distinção dicotómica de tributo, identificando no
universo dos tributos apenas os impostos e as taxas, apontando como principal característica
dos impostos a sua estrutura unilateral – o imposto é pago sem que se possa exigir do Estado
uma qualquer contraprestação específica, tendo em vista a satisfação das despesas gerais do
Estado – e das taxas a existência de um sinalagma material – a taxa é paga assente no
pressuposto de uma contraprestação específica.
No enunciado refere-se que a Assembleia Municipal do Porto aprovou a criação de uma Taxa
de Proteção Civil destinada a remunerar um conjunto de serviços a ser prestados pelo
Município em diversos domínios.
Para que seja uma taxa é necessário que esteja em causa um tributo caracterizado pela
bilateralidade perfeita ou um tributo comutativo, o que significa que tem que ser possível
identificar uma contraprestação específica que se pode traduzir numa prestação de um bem ou
serviço público (bem tecnicamente semipúblico – bem que economicamente se chama
exclusivo ou que proporciona uma utilidade individual ou individualizável), na utilização de um
bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento de
particulares – art. 4º/2, LGT. Esta contraprestação tem que ser efetiva ou presumivelmente
aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo. Acontece que no presente caso não é possível
identificar uma contraprestação específica que o sujeito passivo possa efetiva ou
presumivelmente aproveitar ou ter provocado e que justifique o pagamento de uma taxa. Não
havendo uma contraprestação específica, este tributo não pode ser uma taxa, não passando no
primeiro nível de análise do controlo jurídico-constitucional da taxa ou no primeiro teste de
bilateralidade em sentido estrito – a existência de um sinalagma. Não sendo o tributo
comutativo, há de estar situado num outro plano: ou é um imposto ou é uma contribuição.
Para que seja um imposto é necessário que esteja em causa um tributo caraterizado pela
unilateralidade ou tributo comutativo, o que significa que tem de ser o seu pagamento exigido
com vista à angariação de receita para fazer face às necessidades públicas gerais do Estado e,
por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais (cf. Ac.
do TC n.º 539/2015).
Para que seja uma contribuição é necessário que esteja em causa um tributo de caráter ou
natureza grupal, havendo um benefício difuso ou vantagem reflexo, ou sendo o seu pagamento
exigido por estar em causa uma atividade maior desgaste ou despesa provocado em bens
públicos (que não se conseguem individualizar). No presente caso, não parece ser possível
identificar um benefício difuso que os habitantes do município do Porto em específico
usufruam e que justifique que esse grupo de pessoas em específico tenha que pagar uma
contribuição.
Não estando em causa uma contribuição, só parece poder estar em causa um imposto.
Para ser uma taxa tem que ser um tributo caracterizado pela bilateralidade perfeita ou
um tributo comutativo, o que significa que tem que ser possível identificar uma
contraprestação especifica que se pode traduzir na prestação de um bem ou de serviço
público (bem tecnicamente semipúblico – bem que economicamente que se chama
exclusivo ou um bem que proporciona uma utilidade individual ou individualizável),
utilização de um bem do domínio público remoção
– O titular tem que beneficiar ou provocar uma prestação da administração pública deste
tipo. Não é possível identificar uma prestação efetiva que seja realizada a favor do
proprietários justamente a justificar o pagamento de uma taxa. Também não é possível
identificar uma prestação presumida. Não uma contraprestação específica, logo não é
uma taxa (não passa no primeiro teste da bilateralidade em sentido estrito). O tributo
não é comutativo e, portanto, há de estar situado num outro plano: ou é um imposto ou
é uma contribuição.
– É um imposto se for um tributo caracterizado pela unilateralidade.
– As contribuições têm um caráter ou natureza grupal, um benefício difuso ou vantagem
reflexa, ou atividade de maior desgaste ou despesa provocada em bens públicos (que
não se conseguem individualizar). Será que estaremos perante uma contribuição
financeira em que estes proprietários dos imóveis tenham benefícios difusos com
fundamento grupal? Não.
– Portanto, o que temos aqui é um tributo unilateral – um imposto. A criação deste
imposto padece de uma inconstitucionalidade orgânica (art. 165º/1, i), CRP).
b) A Associação Nacional de Proprietários considera que o tributo é de constitucionalidade
duvidosa. Que fundamentos poderão ser invocados para sustentar tal tomada de posição?
– É um imposto
– A matéria é a criação em sentido estrito.
– Competência legislativa da AR – art. 165º/1, i), CRP

II (4 valores)
No dia 1 de janeiro de 2014 entrou em vigor uma Lei da Assembleia da República que criou um
imposto adicional ao IRC (5% sobre a coleta de IRC), a incidir apenas sobre as sociedades
comerciais que tivessem um volume de vendas anual superior a 10 milhões de euros.
Tendo-se suscitado dúvidas sobre se o referido imposto incidiria também sobre os grupos de
sociedades que de modo agregado ultrapassassem o referido volume anual de vendas de 10
milhões de euros, a Assembleia da República aprovou e publicou uma Lei, com início de
vigência em 7 de Julho de 2016, que acrescentou as seguintes disposições à redação inicial:
“(i) Existindo um grupo de sociedades, considerado como tal segundo a lei comercial, para o
cômputo do volume de vendas superior a 10 milhões de euros será considerada a soma dos
valores anuais de vendas de todas as sociedade que compõem o grupo.
(ii) O disposto na alínea anterior aplica-se a partir do exercício fiscal de 2014.”
Estas disposições legais foram justificadas com a necessidade de obtenção de receitas fiscais
motivada pela crise soberana nacional.
a) Pode o adicional ser aplicado aos grupos de sociedades em relação aos anos de 2014 e
2015?
O adicional é um imposto acessório (em contraposição aos impostos principais) que incide
sobre a coleta do imposto principal, que corresponde à matéria efetiva de imposto a pagar. Os
impostos acessórios são uma espécie de impostos-filhos que vão depender dos impostos
principais e suas vicissitudes: à partida, o destino dos impostos acessórios seguirá o destino dos
impostos principais; a sua
existência depende de um imposto principal, que é, neste caso, o IRC.
O adicional não pode ser aplicado aos grupos de sociedades em relação aos anos de 2014 e
2015. Com efeito, o IRS, imposto principal de depende o adicional aqui em causa na sua
existência, é um imposto periódico, isto é, um imposto cujo facto gerador se prolonga no
tempo, gerando sobre o contribuinte a obrigação de pagar o imposto com regularidade – o IRC
incide sobre o rendimento angariado pelos sujeitos passivos ao longo do ano, tendendo por
natureza a prolongar-se no tempo. O facto gerador tributário é um facto complexo, composto
por um conjunto de factos geradores que ocorrem durante o período de tributação, findo o
qual estarão sujeitos a tributação. Incidem sobre manifestações de riqueza periódicas e
constantes. Os impostos periódicos levantam problemas no que toca à aplicação da lei fiscal no
tempo.
Com efeito, o artigo 103º/3, CRP, consagra um princípio de proibição da criação de impostos
retroativos, sendo que a criação de um adicional ao IRC que se reportasse a factos geradores
tributários já consumados ou plenamente formados, como é o caso da coleta do IRC a pagar
nos anos de 2014 e 2015, é proibida. Trata-se de uma retroatividade autêntica e que o TC veio
já esclarecer estar abrangida pelo âmbito da proibição constitucional referida.
b) E ao exercício de 2016?
Relativamente ao exercício de 2016, já não estaria em causa uma situação de retroatividade,
na medida em que a lei fiscal nova aplicar-se-ia a factos posteriores ao seu início de vigência.
Não obstante, e tratando-se de um adicional ao IRC, poderia colocar-se a hipótese de uma
situação de Retrospetividade: quando a lei nova tributa factos ocorridos depois da sua
entrada em vigor, mas que assentam em expectativas que o contribuinte criou antes da sua
entrada em vigor. Para o grupo de sociedades que já existia e não contava com a criação de
um adicional ao IRC poderá equacionar-se essa hipótese. Este princípio, porque tem um
caráter subjetivo, aplica-se subsidiariamente, a situações em que não haverá retroatividade
ou em que haja Retrospetividade. Para que a lei nova seja admissível à luz do princípio da
proteção da confiança, é necessário que passe quatro testes: i) o contribuinte confiou na
manutenção do regime, ii) o contribuinte tinha razões legítimas para acreditar que esse
regime manter-se-ia em vigor, iii) o contribuinte fez planos de vida com base nessas
expectativas, iv) o interesse público não prevalece sobre nenhum dos interesses invocados
ou não justifica que seja abalada a confiança do contribuinte desta forma. Este teste convoca
o princípio da proporcionalidade. Se a presente situação passasse todos estes testes, poder-
se-ia admitir a proibição da aplicação da lei fiscal aos factos a ocorrer no ano de 2016 por
violação do princípio da proteção da confiança.

III (5 valores)
Em 2017, os únicos rendimentos de X, pessoa singular residente em Portugal, foram os juros de
um depósito bancário a prazo (em que ficou acordado entre X e o Banco o pagamento de uma
taxa de juro de 10% para um capital investido de 100.000 euros).
– Rendimento de capital da categoria E – art. 5º/2, b), CIRS
– Matéria coletável: 10.000€
– Coleta: 2.800€ (28% de 10.000€)
– Opção pelo englobamento: 7.092€ x 14,5% = 1028€; 10.000€ - 7.091€ x 23% = 1.697,
07€ (< 2.800€)
– Rendimento liquido: 8.302,93€ (1.697,07 € x 28º, CIRS)
– Não se aplicaria aqui a norma sobre o mínimo de existência, porque não está em causa
rendimento predominantemente originado em trabalho dependente (art. 70º/1, CIRS)
a) Indique quais as vantagens da substituição tributária?
b) Suponha que o Banco pagou a X a totalidade dos juros acordados (10.000 euros) não tendo
sido entregue nada ao Estado. A quem poderá ser exigido o pagamento do imposto em dívida
relativamente aos referidos rendimentos? Justifique a resposta.

IV (6 valores)
1. Z, pessoa singular, solteiro, maior e residente fiscal em Portugal, é proprietário de dois
imóveis arrendados a terceiros. O imóvel A foi arrendado em 2017 e gerou no mesmo ano
rendas no valor de 50.000 euros, todas pagas pelo arrendatário. O imóvel B gerou em 2017
rendas de 5.000 euros, mas o arrendatário não procedeu ao pagamento, encontrando-se
ainda em mora.
No início do ano de 2017, Z realizou pequenas obras de conservação no imóvel B, no valor de
1.000 euros.
No ano de 2016, uma vez que o imóvel A estava muito degradado e Z projetava já arrendá-lo,
investiu nas seguintes despesas: 1) 20.000 euros, para colocar um telhado novo, porque o
anterior estava totalmente degradado; 2) 5.000 euros, para compra de eletrodomésticos; 3)
10.000 euros, para pinturas das salas e dos quartos, 4) 2.000 euros de juros pagos pelo
empréstimo bancário que contraiu para suportar as despesas anteriores (gastos de natureza
financeira).
Justificando todas as respostas, responda às seguintes perguntas:
a) Em que categoria serão tributados os rendimentos referidos e qual o valor bruto a
considerar?
– Rendimentos da Categoria F – norma de incidência: art. 8º/2, a), CIRS |
– Rendimentos da Categoria B – opção pela tributação segundo as regras da categoria B:
opção pelo regime simplificado ou pelo regime da contabilidade organizada
L À partida, se os rendimentos tivessem sido obtidos os mesmos rendimentos, ele
poderia ter optado pelo regime simplificado (art. 28º/2, CIRS)
– Imóvel A: 50.000€; Imóvel B: 5.000€ > 55.000€
b) Como se apura o rendimento coletável de Z em relação ao ano de 2017?
2016
– Despesas: 20.000€ + 10.000€ = 30.000€
– No regime simplificado, o rendimento positivo será equivalente ao rendimento líquido
– No regime de contabilidade organizada, todas as despesas podem ser consideradas,
desde que sejam suscetíveis de manutenção da fonte produtora e, portanto, todas as
despesas no valor de 37.000€ seriam aqui consideradas
2017
– Despesas: 1.000€ em obras de conservação
– Imóvel A: 50.000€
– Imóvel B: 5.000€ - na categoria B: basta que o crédito se tenha gerado = 55.000€
(contrariamente à categoria F, em que teria de ser efetuado o pagamento = 50.000€)
– Se se optasse pela tributação em sede de categoria F, seriam considerados todas as
despesas efetuadas nos dois anos (art. 41º/7, CIRS)
– Tributação segundo as regras da categoria B: uma vez que no ano de 2016 ele não teve
qualquer lucro, ele poderá deduzir o resultado líquido apurado nesse ano relativamente
ao rendimento auferido no ano de 2017 (art. 55º/1, a), CIRS)
c) Como seria tributado esse rendimento em 2017?
– Tributação segundo as regras da categoria F: taxa especial de 28% (art. 72º/1, e), CIRS)
– Tributação segundo as regras da categoria B: obrigatoriamente sujeito a englobamento
– art. 22º, CIRS

2. No âmbito do IRS, como distingue taxas liberatórias de taxas especiais?


– Possibilidade de a taxa liberatória revestir a natureza de pagamento por conta, caso em
que a retenção já não será liberatória

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