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2006/2007

1º ANO
2º SEMESTRE
FARMACOGNOSIA I

Jorge Paulos
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

2 Capítulo 1 – Açúcares Simples |


Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 1 – Açúcares Simples

1. Definição de açúcar
Os glúcidos são compostos orgânicos de grande importância na Natureza, resultantes do
metabolismo primário dos vegetais, cujo nome foi proposto em 1923 para englobar as oses (alcoóis poli-
hidroxilados com uma função carbonilo) e os holósidos (glúcidos que por hidrólise originam só oses), mas
que depois passa a incluir outros derivados das oses.

Hidrato de carbono foi uma designação inicial dada aos constituintes dos glúcidos, pelo facto de os
elementos mais simples (oses) possuírem hidrogénio e oxigénio nas mesmas proporções que na água, pelo
que se podem representar pela fórmula geral Cn(H2O)n. Esta designação mostrou-se inconveniente, por
compostos pertencentes a outros grupos químicos se poderem incluir nessa fórmula geral, caso do ácido
acético – C2(H2O)2 – do ácido láctico, etc. Acresce, ainda, o facto de várias substâncias se deverem
incluir entre os hidratos de carbono, como os ácidos urónicos, as glucosaminas, etc., mas cuja estrutura
não pode ser representada como é sugerido na definição de hidrato de carbono.

Também se tem dado a este vasto grupo de compostos orgâncios a designação de açúcares, por os
de menor peso molecular serem doces e solúveis na água. Contudo, estas propriedades não são
características da maioria dos compostos, caso, por exemplo, dos amidos e de outros poli-holósidos,
para além de existirem compostos, também de saber doce, como a dulcina e a sacarina, que não
pertencem a este grupo químico.

Uma outra terminologia corrente, usa o termo sacárido para, derivado dele, designar como
monossacáridos as oses e como polissacáridos os compostos cuja molécula possui um número elevado de
oses (maior de 10).

Desta forma, chamaremos AÇÚCARES aos:

Açúcares simples (oses) que são aldeídos ou cetonas poli-hidroxilados de fórmula geral
Cn(H2O)n;
Açúcares complexos (ósidos) que são compostos que por hidrólise libertam oses;
Derivados naturais dos açúcares como os ácidos urónicos, os desoxiaçúcares e os açúcares
aminados.

Conforme se deduz desta definição, as oses podem ser aldoses, se a função álcool primário do
carbono-1 se converter num aldeído, de que é exemplo a glucose ou, em que a função álcool secundário
do carbono-2 se oxidou em cetona, formando uma cetose, caso da frutose.

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2. Representações de Rosanoff

Por convenção, nas representações de Rosanoff não se representam o aldeído (que fica na parte
superior) nem o álcool primário terminal (que fica na parte inferior), nem os hidrogénios. Desta forma,
cada “traço” representado para fora da cadeia representa um hidroxilo.

Com esta representação, consegue entender-se facilmente a génese teórica dos açúcares a partir do
gliceraldeído. É importante notar que nestas representações dos açúcares, os “traços” representam as
orientações espaciais dos hidroxilos, sendo que em qualquer outra estrutura de Química Orgânica, os
“traços” representam metilos.

3. Estereoisomeria

Em estereoisomeria, um carbono quiral é um carbono que está ligado a 4 radicais diferentes.


Prestando atenção ao gliceraldeído, por exemplo, conclui-se que ele apresenta um carbono quiral,
permitindo-lhe existir em duas formas diferentes:

Uma que tem o hidroxilo (OH) no lado direito na estrutura e que, por isso, se chama D-
gliceraldeído.
Outra que tem o hidroxilo no lado esquerdo da estrutura e, por isso, se chama L-gliceraldeído.

Estes isómeros óptimos (enantiómeros) são compostos formados de elementos semelhantes, mas de
fórmulas não sobreponíveis, que se distinguem apenas fisicamente pela acção exercida sobre a luz
polarizada. Existem sempre dois isómeros de um dado composto, dotado de grandes propriedades
gerais idênticas, mas distinguindo-se pelo poder rotatório que é do mesmo valor absoluto, mas de sinal
contrário, daí o uso do termo “enantiómero” que quer dizer contrário. Assim sendo, a relação existente
entre dois enantiómeros é a relação que existe entre um objecto e a sua imagem num espelho plano.

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4. Quadro de Rosanoff

O quadro de Rosanoff pode construir-se


construir a partir do D-gliceraldeído e do L-gliceraldeído.
gliceraldeído. Por adição
de um carbono, obtêm-se
se as tetroses, que têm 2 carbonos quirais, o que, conforme pode observar
observar-se
gera quatro possibilidades. Assim sendo, o número de possibilidades é dado por 2n, sendo n o número de
carbonos quirais da molécula.

Um determinado açúcar será D ou L conforme o hidroxilo mais próximo do álcool primário está
virado para a direita ou para a esquerda, respectivamente. Esta representação é independente da
capacidade de desviar a luz para a direita ou para a esquerda.

No quadro de Rosanoff, os açúcares representados


representados no lado direito são enantiómeros dos que estão
representados no lado esquerdo, e vice-versa.
vice

5. Projecções de Haworth

As projecções de Haworth são representações fechadas dos açúcares, que permitem explicar que
eles não apresentam todas as propriedades
propriedades dos aldeídos, porque o grupo aldeído se encontra
“camuflado”.

Nas representações cíclicas, existe uma convenção para representar os açúcares. Na estrutura de
Fischer, quando um OH está virado para a direita, na projecção de Haworth surge virado p
para baixo e
quando um OH está virado para esquerda, surge virado para cima.

Nestas representações, o OH que indica se o composto representado é α ou β tem de estar virado


para o lado oposto do terminal se for α, ou para o mesmo lado se for β.

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Quando um dos vértices de uma cadeia fechada é um oxigénio e a cadeia fechada apresenta 6 lados,
não é um ciclo hexano mas sim um pirano. Quando a cadeia fechada apresenta apenas 5 vértices porque
ocorreu a formação de uma molécula de água no H do OH do carbono-4, designa-se furano.

Nas formas fechadas, os açúcares D têm o carbono-6 para fora do anel, enquanto as formas L têm
o carbono-6 representado para dentro do anel.

6. Anómeros

A ciclização dos açúcares acarreta a existência de mais um carbono assimétrico para a estrutura do
açúcar (carbono anomérico). Este carbono apresenta duas formas possíveis, α e β, para a disposição do
hidroxilo hemiacetálico, como para a D-glucose, que em solução tem como forma instável o hidrato de
glucose.

A existência dos dois isómeros α-D-glucose ou β-D-glucose explica o fenómeno da mutarrotação das
oses, pois os valores do [α]D são respectivamente de +113º e +19º quando no estado sólido,
estabelecendo-se, em solução, o equilíbrio entre os dois isómeros pela formação de uma mistura
contendo 35,6% de α-D-glucose e 64,4% de β-D-glucose.

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7. Mutarrotação

O fenómeno da mutarrotação foi um dos responsáveis pela descoberta do facto de os açúcares


existirem em forma fechada, e não em forma aberta conforme se pensou durante muito tempo.

Assim, a mutarrotação é uma propriedade característica dos açúcares que consiste na


interconversão das formas α e β (e vice-versa) quando em solução, passando pela forma aberta.

Para o caso concreto da glucose, verifica-se que a forma α tem (quando acaba de ser dissolvida) um
desvio rotatório de +113º, enquanto que a forma β (quando acaba de ser dissolvida) tem um desvio de
+18.7º. Qualquer uma dessas formas, ao fim de algum tempo, em solução, apresenta um desvio de +52º.
Assim, o desvio rotatório final da solução é:

(113º x 0.356) + (18.7º x 0.644) ≈ 52º

O desvio rotatório de cada uma destas formas anoméricas é característico, tal como é
característica a proporção da forma α e β na solução final e daí que o desvio rotatório de uma solução
de açúcar seja útil na sua identificação.

8. Capacidade redutora

A capacidade redutora dos açúcares face ao licor de Fehling é devida à mutarrotação. Conforme
observado, em solução, existe sempre alguma quantidade de forma aberta e é essa quantidade que
reage com o licor de Fehling.

O licor de Fehling é uma mistura complexa que, em termos simplistas, se pode considerar como uma
solução de hidróxido cúprico (II). Durante a reacção, o cobre é reduzido à valência +1, formando o
hidróxido cuproso – CuOH – e o açúcar é oxidado, passando de aldeído a ácido, numa reacção não
observável.

Após aquecimento, evapora uma molécula de água, desidratando o CuOH, que vai passar a óxido
cuproso – Cu2O – que, por sua vez, já é visível uma vez que precipita com coloração vermelho-tijolo.

9. Oses e ósidos

2-O-metilglucopiranose – trata-se de um derivado da glucose e a glucose mantém


todas as propriedades dos açúcares pois essas propriedades são-lhe dadas sobretudo pelo
hidroxilo anomérico que continua livre. O facto de manter as propriedades do açúcar é
revelado no próprio nome do composto que continua a terminar em “ose”. Neste caso,
dizemos que o metanol está ligado à glucose através de uma ligação éter.

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Metilglucopiranósido – o hidroxilo anomérico está ocupado, o que significa que o


composto já não pode abrir (mutarrotação) e por isso é incapaz de, por exemplo, reagir
com o licor de Fehling. O facto de o composto ter perdido as propriedades dos açúcares
simples é evidenciado no próprio nome do composto, que agora já termina em “ósido”.
Não é necessário indicar em que carbono está ligado o metilo uma vez que, sendo um
ósido, a ligação é feita obrigatoriamente, no carbono redutor.

10. Ligação hemiacetálica

A ligação que se estabelece entre o hidroxilo anomérico e a função álcool (ou fenol) de outra
molécula designa-se como ligação osídica ou ligação hemiacetálica.

11. Derivados dos açúcares

Ácidos urónicos – resultam da oxidação do álcool primário das aldoses. Conservam as


propriedades redutoras das oses de onde derivam mas, devido à função ácida, dão sais e ésteres.
Admite-se terem os ácidos urónicos um papel fundamental no aparecimento das pentoses.

Itóis (álcoois dos açúcares) – compostos glucídicos resultantes da redução do grupo carbonilo
das oses. Enquanto que a redução nas cetoses conduz a pares de álcoois distintos, como se pode
verificar com a frutose, na redução das aldoses obtém-se o álcool correspondente. Por exemplo, com a
glucose obtém-se o sorbitol, também designado glucitol.

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Desoxiaçúcares – açúcares que perderam um ou dois átomos de oxigénio da sua constituição.


Por exemplo, a L-ramnose é um 6-desoxiaçúcar porque perdeu oxigénio no carbono 6 (em vez de CH2OH
tem CH3). Por sua vez, a α-D-desoxiribose é um 2-desoxiaçúcar porque perdeu um oxigénio no carbono 2
(falta-lhe o traço no carbono 2 o que significa que falta lá um hidroxilo. Obviamente, porque o carbono
é sempre tetravalente, tem que ter lá um hidrogénio no mesmo sítio só que os hidrogénios não se
representam).

Açúcares metilados – açúcares aos quais se acrescentou um grupo metilo, fazendo com que o
carbono-3 ficasse alquilado por se tratar de um desoxiaçúcar simultaneamente.

12. Utilização em Farmácia dos açúcares e seus derivados

Glucose (dextrose) – prevenção de desidratações intra e extracelulares


Frutose (levulose) – alimentação parenteal, edulcorante
Sorbitol – em perfusão é utilizado na re-hidratação e na nutrição parenteal, é edulcorante,
humectante e reconhecido como E-420
Manitol – edulcorante, E-421
Vitamina C – combate ao escorbuto, aditivo alimentar (E-300) como acidificante, conservante
ou antioxidante.

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10 Capítulo 1 – Açúcares Simples |


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Capítulo 2 – Polissacáridos

1. Mecanismo de polimerização
A polimerização dos açúcares faz-se, obrigatoriamente, entre o hidroxilo proveniente da função
redutora (OH do carbono-1 nas aldoses e OH do carbono-2 nas cetoses) e um outro hidroxilo de outro
açúcar.

O processo de ligação implica a formação de uma ligação hemiacetálica (ou ligação osídica), que é a
designação que se atribui à ligação entre um aldeído (hidratado) e um álcool.

A polimerização exige a presença de enzimas específicas e exige que o açúcar que vai funcionar
como radical esteja activado. Geralmente, o activador é a UDP (uridina difosfato).

2. Mutarrotação de um di-holósido
Os di-holósidos resultam da condensação de duas a dez moléculas de oses com perda das
correspondentes moléculas de água, estabelecendo-se entre cada uma delas uma ligação osídica (α ou
β). Esta ligação é formada in vivo por transferência de um radical osil a partir de um nucleótido-ose
para uma molécula receptora. Assim, pode haver o estabelecimento de uma ligação entre o hidroxilo
hemiacetálico do carbono anomérico de uma ose com:

Um dos hidroxilos de outra ose, formando-se um di-holósido redutor;


O hidroxilo hemiacetálico do carbono anomérico da outra ose, com formação de um di-holósido
não-redutor;
Um dos hidroxilos duma cadeia osídica mais ou menos larga, com formação de um oligo-holósido
ou de um poli-holósido.

No dissacárido representado no ponto anterior, a molécula A perdeu as suas propriedades de


açúcar pois já não pode abrir a sua estrutura. No entanto, a molécula B continua a ter o seu hidroxilo
anomérico livre, pode abrir a sua estrutura, sofrer mutarrotação e funcionar como aldeído.

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No nome dos dissacáridos, temos de especificar a natureza D ou L de cada molécula (neste caso são
ambos D) e temos que indicar, em que local da glucose está ligado o radical existente (neste caso, o
carbono-4). A existência de um oxigénio a seguir ao número 4 indica que a ligação se faz através de um
átomo de oxigénio.

 Enquanto que na galactose se indica que é um açúcar β, na glucose não há essa indicação pois,
graças à mutarrotação, pode ser α ou β.

 Sacarose

A sacarose é o primeiro di-holósido a aparecer na forma livre depois da fotossíntese e constitui


uma reserva temporal de energia para o vegetal.

A sacarose é constituída por uma molécula de glucose (em forma piranósica) e outra de frutose (em
forma furanósica), e resulta da condensação entre os grupos OH do carbono anomérico da glucose (na
posição 1) e do carbono anomérico da frutose (posição 2). A ligação é α para a glucose e β para a
frutose. Consequentemente, a sacarose é um α-D-glucopiranosil-β-D-frutofuranósido, permitidno
concluir que nenhum dos monómeros pode sofrer mutarrotação.

A sacarose é um di-holósido heterogéneo, pode apresentar dois nomes (num considera-se a frutose
como radical e no outro a glucose), é não redutora, não conseguindo reagir com o licor de Fehling e é
muito solúvel na água, libertando glucose e frutose por hidrólise ácida.

12 Capítulo 2 – Polissacáridos |
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3. Formação de gel
Os produtos vegetais referidos neste capítulo são largamente utilizados em indústria farmacêutica
e em indústria alimentar como espessantes.

A propriedades destes compostos formarem soluções coloidais, mais ou menos viscosas, deve-se a
dois factores principais:

Ao facto de serem hidrofílicos (devido ao elevado número de radicais hidroxilo);


Ao facto de terem peso molecular elevado e serem, por isso, insolúveis (ou quase insolúveis).

Para obter uma solução coloidal, é útil dispersar


os polissacáridos em água a uma temperatura
superior à temperatura ambiente e agitar
fortemente. De seguida, ao deixar arrefecer
lentamente (e com a solução em repouso) formam-se
pontes de hidrogénio entre os vários hidroxilos,
estabelecendo uma “rede” em cujos interstícios fica
aprisionada a água (ou a solução).

A maior ou menor viscosidade da solução final depende de vários factores:

Do peso molecular e do grau de ramificação do polímero;


Da natureza da ligação entre os açúcares que influencia a geometria do polímero;
Da natureza homogénea ou heterogénea do polímero: os polímeros homogéneos (como o amido)
formam zonas de junção muito extensas e precipitam, enquanto que os polímeros heterogéneos ficam
dispersos na água e formam soluções mais ou menos viscosas e os polímeros de sequências regulares
interrompidas por zonas heterogéneas formam géis elásticos.

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4. Utilização dos polissacáridos


A afinidade destas moléculas para a água sem, contudo, serem solúveis, permite-lhes vários tipos de
utilização.

Em tecnologia farmacêutica, para além de serem espessantes de soluções e emulsões, são, ainda:

Agregantes (ou ligantes) – pois permitem a compactação das partículas dos princípios activos
em fórmulas farmacêuticas;
Desagregantes – pois, ao chegarem ao contacto dos líquidos do estômago, incham as fórmulas
farmacêuticas facilitando a desagregação;
Diluentes – por darem volume a formas farmacêuticas em que a quantidade de outros
constituintes é diminuta.

Em dietética, podem funcionar como diminuidores do apetite uma vez que, no estômago, incham
fazendo pressão nas paredes e gerando sensação de saciedade – o único polissacárido digerível é o
amido.

Em terapêutica, podem funcionar como:

Antidiarréicos – espessando o conteúdo intestinal;


Laxativos mecânicos – inchando o conteúdo intestinal, pressionam as paredes e estimulam o
peristaltismo;
Emolientes – formando uma camada protectora e amaciadora às superfícies da pele ou das
mucosas.

5. Amido
Os amidos constituem a principal substância de reserva dos vegetais e localizam-se,
preferencialmente, nos grãos de cereais e nas sementes das leguminosas, assim como em órgãos
subterrâneos, nomeadamente, em tubérculos. Podem também ocorrer, normalmente, em pequena
quantidade, em alguns frutos como a bolota ou a banana.

Por vezes, atribuem-se designações diferentes consoante a sua proveniência: amidos aos existentes
nos cereais e féculas aos existentes em órgãos subterrâneos.

Na sua constituição, entra um polímero quase puro de D-glucose (98 a 99%), com quantidades
pequenas de lípidos (0.1 a 0.7%), proteínas (0.05 a 0.5%) e sais minerais (0.05 a 0.3%). A fracção
glucídica é formada por uma mistura de dois poli-holósidos:

A amilose (aproximadamente 20%), constituída por uma cadeia essencialmente linear de


moléculas de glucose com ligações α-(1-4);
A amilopectina (aproximadamente 80%), com uma estrutura ramificada formada por moléculas
de glucose α-(1-4) unidas entre si por pontes α-(1-6).

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 Características microscópicas

O amido é, geralmente, um pó branco, inodoro e insípido, apresentando-se


apresentando se em grãos de diversos
tamanhos (2 a 170 µm) e muitas vezes de forma caracter
característica
ística (esférica, elipsoidal, poliédrica, etc.).
Por vezes, mostra distintas
tintas estrias concêntricas à volta de um ponto escuro, o hilo.. A forma do grão, a
sua dimensão e a localização do hilo variam segundo a espécie considerada, pelo que esses parâmetros
servem para a sua caracterização.

 Utilizações do amido

Os amidos são amplamente


mplamente utilizados, directamente ou depois de transformados. Industrialmente,
na Europa, o amido de batata é o mais usado, enquanto que nos EUA é o de milho. Na área da Farmácia,
são empregues como:

Desagregantes na formulação de comprimidos;


Em forma de mucilagens, como emoliente e protector nas inflamações cutâneas, queimaduras e
outras afecções de pele;
Como antídoto nas intoxicações pelo iodo;
Na obtenção da dextrina, de ciclodextrinas, de polióis (sorbitol) e de outros derivados com
interesse industrial.

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6. Celulose
A celulose encontra-se
se nas paredes celulares das plantas superiores, conferindo
conferindo-lhes rigidez.
Ocorre sob a forma de microfibras, filamentos finíssimos constituídos por cilindros contendo cerca de
quarenta pares de cadeias de celulose.

A celulose
ulose é idêntica nas diferentes espécies, diferindo apenas no grau de polimerização. É um
polímero linear constituído por unidades de D-glucose
D ligadas em β-(1-4).
4). A sequência das moléculas de
glucose encontra-se
se reforçada por pontes de hidrogénio entre o oxigénio do ciclo e o OH da posição 3,
o que confere uma elevada rigidez e consistência à estrutura.

 Propriedades

Insolúvel nos solventes orgânicos usuais, ácidos e álcalis diluídos, a frio;


Não cora pelo iodo;
Solúvel no reagente cupro-amoniacal
amoniacal de Schweizer.
Schwe

 Características microscópicas

A Farmacopeia Portuguesa define a celulose como uma celulose purificada, mecanicamente


desagregada e preparada por tratamento da α-celulose.
celulose. É obtida na forma de polpa, a partir de uma
matéria vegetal fibrosa. Inscreve, também, a celulose microcristalina,, que difere da anterior por a α
α-
celulose ser parcialmente despolimerizada por tratamento com ácidos minerais.

 Derivados da celulose

Muitos dos numerosos grupos hidroxilo da celulose são reactivose podem ser facilmente
eterificadas ou esterificados, pelo que podem ser obtidos derivados com interesse em Farmácia. De um
modo geral, os éteres de celulose são laxativos e usados em curas de emagrecimento, dado que
intremescem consideravelmente com a água, formando soluções coloidais viscosas que aumentam o bolo
fecal. São, também, usados em tecnologia farmacêutica e cosmética, como espessantes e emolientes.

16 Capítulo 2 – Polissacáridos |
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Metilcelulose – R = CH3 - é definida como uma celulose parcialmente O-metilada. Dissolve-se na


água fria, formando uma solução coloidal que turva a temperaturas superiores a 50ºC.
Etilcelulose – R = CH2CH3 - é definida como sendo uma celulose parcialmente O-metilada;
contém, no mínimo, 44% e no máximo 51% de grupos etoxilo (-OC2H5), em relação à substância
seca.
Carboximetilcelulose – R = CH2COOH - sal sódico de celulose parcialmente O-carboximetilada.
É empregue na estabilização de suspensões e no fabrico de comprimidos, inibe o apetite e é
também usada para obter regimes hipocalóricos.

6.1. Algodão
O algodão é um produto proveniente dos pêlos unicelulares, que resultam das células epidérmicas do
tegumento (camada superficial) das sementes do algodoeiro, de diversas espécies do género Gossypium.
São, essencialmente, constituídos por 95 ± 4% celulose com cerca de 2% de substâncias de natureza
lipídica (óleos e resinas), e menores quantidades de proteínas, pectinas e sais minerais.

Cada fibra de algodão é, portanto, um pêlo unicelular que pode atingir 15 a 40 mm de comprimento,
sendo que o algodão cardado em Farmácia é utilizado na protecção de material de vidro quando da sua
esterilização.

6.2. Fibras alimentares


A noção de fibra, inicialmente aplicada à celulose, converteu-se posteriormente na noção de fibra
bruta, permitindo uma evolução do conceito, que conduziu à criação da ideia de fibra alimentar. Estas
incluem os resíduos vegetais resistentes à digestão pelas enzimas do tracto digestivo do Homem,
incluindo tanto as macromoléculas das paredes celulares dos vegetais como certos polissacáridos
intracelulares. Desta forma, não são digeríveis e não são transformadas para serem absorvidas pelo
organismo.

Actualmente, existem a tendência para classificar as fibras alimentares em função da sua


hidrossolubilidade:

Fibras solúveis – incluem os polissacáridos complexos como as pectinas e as hemiceluloses e


ainda outros hidrocolóides susceptíveis de formar dissoluções viscosas ou géis, como as gomas e
mucilagens e vários polissacáridos texturantes (aditivos alimentares).
Fibras insolúveis – incluem a celulose e a lenhina principalmente.

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7. Gomas
As gomas provenientes de exsudatos vegetais caracterizam-se, de um modo geral, por resultarem
de um traumatismo na planta, através de uma incisão, picada de insecto, ataque bacteriano, etc.

A estrutura das gomas é complexa, podendo ser polímeros lineares ou ramificadas, de natureza
ácida, neutra ou básica, contendo ácidos urónicos. As básicas têm pequena importância comercial ao
contrário das outras. Os polímeros ramificados são mais solúveis na água produzindo soluções de maior
viscosidade e formando géis quando em concentrações elevadas.

As gomas têm várias aplicações na tecnologia farmacêutica, como estabilizantes de suspensões, no


fabrico de comprimidos, e também na terapêutica ao serem usados para aumentarem o bolo fecal.

7.1. Goma Arábica


A goma arábica é uma exsudação gomosa, que endurece ao ar,
podendo escorrer naturalmente ou após incisão do tronco e dos
ramos da Acacia senegal (L.) e de outras espécies de Acacia de
origem africana.

É uma pequena árvore espontânea em região subdesértica


africana, do Oceano Atlântico ao Mar Vermelho. As modificações
climáticas têm diminuído a produção da goma pelo que os utilizadores
habituais recorrem, presentemente, a substitutos.

Para a obtenção da goma arábica, são feitas incisões na casca sem atingir o câmbio, recolhendo-se a
goma ao fim de 20 a 30 dias, sendo insípida, inodora e de sabor mucilaginoso depois de humedecida. A
goma bruta contém água (10 a 15%), taninos, enzimas (oxidases e peroxidases), tendo como composto
maioritário um poli-holósido heterogéneo, o ácido arábico, que se encontra sob a forma de sais de
cálcio, potássio e magnésio. Por hidrólise, obtém-se D-galactose (35%), L-arabinose (30%), L-ramnose
(10%) e ácido glucurónico (15%).

O ácido arábico é constituído por uma estrutura central (“coluna dorsal”) de β-D-galactose com
ligações 1-3 substituída por curtas cadeias ou moléculas isoladas de arabinose e por oligo-holósidos
heterogéneos que possuem os compostos referidos acima depois da hidrólise, variando a estrutura com
a espécie vegetal, a origem geográfica e a época de recolha.

A existência de oxidases origina certas reacções cromáticas desta goma. Com efeito, quando se
adiciona à sua solução aquosa, água oxigenada e depois, benzidina ou tintura de guaiaco, aparece cor
azul, pelo que estas reacções são usadas na caracterização desta goma.

A goma arábica é um bom estabilizante de suspensões, com propriedades emulsionantes e sem


toxicidade (E414), mascarando o gosto amargo de certos medicamentos, como excipiente. É também
usada para a encapsulação de amostras. Para além disso, é utilizada como emoliente e antitússica.

18 Capítulo 2 – Polissacáridos |
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7.2. Goma Adraganta


A goma adraganta corresponde a uma
exsudação gomosa, endurecida ao ar, que
escorre naturalmente ou após incisão do
tronco e dos ramos de diversas espécies do
género Astragalus da Ásia Ocidental, das
quais a principal espécie é Astragalus
gummifer. Trata-se
se de um subarbusto
espinhoso de regiões desérticas montanhosas.

A obtenção da goma adraganta é feita,


normalmente, à custa de incisões, de onde exsuda ao fim de poucas horas, pois, ao contrário da goma
arábica, já está pré-formada
formada na planta. De acordo com o tipo de incisão pode ser libertada sob a forma
de fitas largas e achatadas, lacíneas delgadas, ou em massas irregulares (lágrimas), que rapidamente
secam.

Na goma adraganta
aganta predominam dois poli-holósidos heterogéneos, a bassorina ou ácido tragacântico
(60 a 70%) e a tragacantina (30 a 40%) e ainda amido (cerca de 3%), celulose, hemiceluloses e
substâncias minerais para além de água (6%). Não contém oxidases, cuja pesquisa,, em conjunto com a
existência de amido e análise por cromatografia em camada fina das oses, permite a distinção do pó
desta goma do pó da goma arábica.

A bassorina é parcialmente metilada e formada por quatro glúcidos (ácido-D-galacturónico,


(ácido galacturónico, D
D-
galactose, D-xilose e D-fucose)
fucose) com uma cadeia principal de ácidos galacturónicos ligados em 11-4, sendo
a substituição da cadeia por xiloses ou por di-holósidos
di holósidos (fucoxilósidos ou galactoxilósidos). É
precipitável em meio alcoólico, intumescendo em contacto com a água
água para formar um gel.

A goma adraganta é parcialmente solúvel em água, originando soluções de aspecto turvo e viscoso. As
soluções diluídas são muito viscosas, estáveis em meio ácido e ao calor, mas precipita dessas soluções
por adição de acetato neutro de chumbo.

Mais usada em tecnologia farmacêutica do que a goma arábica, pois para a mesma concentração
origina soluções cuja viscosidade é cerca de 90 vezes maior que as de goma arábica. Na terapêutica é
utilizado como laxante, mas de forma diferente da acção
acção laxativa das antraquinonas, pois aqui
interferem mais com as paredes do intestino, o que faz aumentar os movimentos peristálticos e a maior
facilidade em eliminar o bolo fecal.

| Capítulo 2 – Polissacáridos 19
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

7.3. Goma Caraia


A goma caraia corresponde a um exsudato viscoso, que endurece ao ar, proveniente de
espécies do género Sterculia, caso de Sterculia urens e Sterculia tomentosa. Apresenta-se em
fragmentos irregulares, translúcidos, de cor branco-rosada a acastanhada e de odor acético. É muito
pouco solúvel na água, mas intumesce consideravelmente. Forma suspensões muito viscosas,
dependentes da granulometria do pó usado, e que se comportam como géis.

É constituída por uma “coluna vertebral” formada por α-L-ramnose e ácido α-D-galacturónico,
que apresenta ramificações de galactose e de ácido glucurónico e um grau de acetilação de cerca de
8%.

Na terapêutica, utiliza-se em curas de emagrecimento, pois para além de ser laxante não é
absorvida e tira o apetite por aumento de volume a nível do estômago. Substitui com vantagem a goma
adraganta em tecnologia farmacêutica, mas é de preço mais elevado. É muito utilizada sob a forma de
pó micronizado ou em cremes como adesivo para próteses dentárias.

8. Mucilagens de algas
Salvo raras excepções, a matriz celular das algas é glucídica e os poli-holósidos que as constituem
são polímeros capazes de formar géis. Isto deve-se ao facto de as plantas marinhas necessitarem de
mais flexibilidade do que de rigidez, o que não acontece às plantas terrestres.

São produzidas em grandes quantidades anualmente, sendo que Portugal é um dos grandes
produtores. Relativamente ao seu processo extractivo, a digestão das algas é feita em águas
alcalinizadas devido ao seu contéudo em ácidos urónicos. Assim sendo, vai ocorrer reacção entre os dois
compostos e induz-se a formação de sais que são solúveis em água quente.

8.1. Ácido algínico e alginatos


O ácido algínico ocorre sob a forma de sal nas paredes de quase todas as algas. As principais
espécies produtoras são: Laminaria sp., Macrocystis pyrifera, Fucus serratus e Fucus vesiculosus.

O ácido algínico corresponde a um polímero linear formado a partir de dois ácidos urónicos: ácido D-
manurónico e ácido L-gulurónico, unidos por ligações β (1-4). Estes ácidos dispõem-se em blocos
homogéneos e alternados de ácido polimanurónico e de ácido poligulurónico, em proporções variáveis de
acordo com a sua procedência.

O ácido algínico e os alginatos são usados no tratamento de patologias digestivas (acidez gástrica)
associados, por vezes, ao bicarbonato de sódio ou ao hidróxido de alumínio, no tratamento do refluxo
gastro-esofágico e na irritação da mucosa respectiva. São laxantes mecânicos, pelo que se usam no
tratamento da obesidade devido à sensação de saciedade que produzem. Utilizam-se ainda em
cosmética e tecnologia farmacêutica como suspensores e na indústria alimentar como gelados e cremes.

20 Capítulo 2 – Polissacáridos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

8.2. Carrageninas
As carrageninas são mucilagens obtidas de algas vermelhas (Rhodophyceae), principalmente de
Chondrus crispus, Euchema sp. e Gigartina sp.

As carrageninas são constituídas pelas carragenanas, polímeros lineares de D-galactose, altamente


sulfatados, que integram dois tipos de unidades: uma delas é formada por β-D-galactopiranoses com
uniões 1-3 e hemiésteres sulfúricos em posição 2 ou 4, enquanto que a outra é constituída por α-D-
galactopiranose com uniões 1-4 e hemiésteres sulfúricos em posição 2 e/ou 6. Estas últimas unidades
podem ter funções de éter interno entre as posições 3 e 6 (substituídas por 3,6-dianidrogalactose). As
duas diferentes unidades encontram-se altamente alternadas na estrutura linear característica das
carragenanas.

As carrageninas são utilizadas na tecnologia farmacêutica como laxantes mecânicos, devido à sua
capacidade em reter água e aumentar o bolo intestinal e o peristaltismo intestinal e, por isso, também
empregues na obesidade. Protegem a mucosa gástrica e intestinal e têm acção anti-inflamatória. Devido
às suas propriedades geleficantes e estabilizantes são muito usadas na indústria farmacêutica,
alimentar (produtos lácteos e gelados) e cosmética (produtos de higiene).

8.3. Agar-agar (Gelose)


O agar-agar, também denominado gelose, é uma
mucilagem seca extraída de diversas espécies de algas
pertencentes à família das Rodofíceas, principalmente as dos
géneros Gelidium sp. e Gigartina sp., sendo muito abundantes
nos mares, junto às costas dos vários continentes.

É principalmente constituído por um sal cálcico de poli-


holósidos ácidos tipo galactana complexa. Considera-se uma
mistura, dependente da espécie produtora, entre unidades
metiladas, sulfatadas, piruviladas e de 3,6-anidrogalactose.

Internamente, o agar-agar é usado como laxativo, pois ao hidratar-se aumenta de volume


favorecendo o peristaltismo intestinal. Em tecnologia farmacêutica, emprega-se como agente
emulsionante e estabilizador de suspensões. Por fim, é também muito utilizado na indústria alimentar na
elaboração de pós para o fabrico de gelados e pudins.

| Capítulo 2 – Polissacáridos 21
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

9. Mucilagens de plantas superiores


Estas mucilagens de plantas superiores são constituintes celulares normais de certas espécies
localizam-se em formações histológicas especializadas.

9.1. “Goma” de alfarroba


A goma de alfarroba é obtida do endosperma das sementes do fruto da alfarrobeira (Ceratonia
siliqua L.).

Na composição do fruto encontra-se cerca de 13% de frutose, 20% de sacarose, 4% de outras


espécies, 1 a 2% de proteínas, 2 a 3% de pectina e 3% de uma mucilagem. A goma é constituída por uma
galactomanana, um poli-holósido com uma massa molecular de cerca de 310 000, que por hidrólise dá 16
a 20% de D-galactose e 80 a 84% de D-manose.

É empregue em tecnologia farmacêutica como espessante (sobretudo de produtos lácteos – E410) e


estabilizador de suspensões, sendo também usada para evitar o vómito das crianças, uma vez que torna
o conteúdo do estômago mais espesso e em dietas hipocalóricas.

9.2. “Goma” de guar


A goma de guar é obtida do albúmen das sementes de Cyamopsis tetragonolobus (L.).

A goma de guar comercial possui cerca de 86% de uma mucilagem solúvel na água, que pode ser
purificada após solubilização na água e precipitação pelo álcool. É constituída por uma galactomanana
formada por uma cadeia linear de D-manose com ligação β-(1-4) e, alternadamente, com uniões α-(1-6)
de D-galactose.

Esta goma é hoje muito usada na tecnologia farmacêutica como espessante, gelificante e
desagregante no fabrico de comprimidos, devido à sua elevada capacidade em se hidratar. Verificou-se
que a sua administração antes das refeições reduz a concentração da glucose no sangue em diabéticos e
o teor de colesterol no sangue. Também é empregue em curas de emagrecimento, em lubrificação
intestinal em colopatias e obstipação.

10. Polissacarídeos produzidos por microrganismos


Os principais polissacáridos produzidos por microrganismos são os dextranos.

Os dextranos são obtidos pela acção fermentativa de determinadas bactérias dos géneros
Leuconostoc, Lactobacillus e Streptococcus, ricas na enzima dextrano-sucrase, sobre um meio de
cultura contendo sacarose.

22 Capítulo 2 – Polissacáridos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Utiliza a sacarose como substrato, desdobrando-a em glucose e frutose, indo as moléculas de


glucose condensar-se para dar polímeros de peso molecular que podem variar entre centes a vários
milhões.

O poli-holósido formado é constituído por unidades de glucose que estão unidades de glucose que
estão unidas por ligações, principalmente do tipo α-1-6- (cerca de 95%), com poucas ramificações
laterais via 1-2, 1-3 ou 1-4.

Após a fermentação, o poli-holósido é precipitado por adição de álcool, despolimerizado parcialmente


por hidrólise e fraccionado de modo a serem obtidos os dextranos de peso molecular apropriados para
utilização clínica.

Os dextranos são utilizados, por perfusão endovenosa, como sucedâneos do plasma, utilizados em
solução estéril nos estados de choques hemorrágicos, traumáticos, estados tóxico-infecciosos, assim
como em desidratações ou queimaduras graves.

11. Plantas superiores com mucilagens


Numerosas plantas superiores contendo mucilagens de poli-holósidos heterogéneos com ácidos
urónicos são usadas na medicina tradicional, algumas delas inscritas na Farmacopeia Portuguesa VIII.
Na maior parte dos casos, são as sementes, a parte da planta mais rica em mucilagens. São utilizadas,
correntemente, pelas propriedades laxativas, visto aumentarem o volume do bolo fecal e
subsequentemente o peristaltismo intestinal.

11.1. Tília
A tília consiste na inflorescência inteira e seca de Tilia cordata Miller, de T. platyphyllos Scop, de
Tilia x vulgaris ou de uma mistura destas espécies.

Na maior parte dos casos, é utilizada como amaciador e ainda na resolução de problemas menores do
sono.

| Capítulo 2 – Polissacáridos 23
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

11.2. Malva
A malva consiste na flor seca, inteira ou fragmentada, de Malva
sylvestris L. ou das suas variedades cultivadas.

Em via oral, é utilizada no tratamento sintomático de digestões


dolorosas e da tosse, no tratamento sintomático da obstipação. Quanto
ao uso externo, é utilizada como amaciador, antipruriginoso e antálgico
em afecções da cavidade bucal e da faringe.

11.3. Alteia
A alteia consiste na raiz seca, na folha ou na flor de Althæa
officinalis.

As propriedades anti-inflamatórias, emolientes e béquicas são


atribuídas às mucilagens. A alteia é usada na tosse seca, bronquite,
irritação da mucosa do tubo digestivo, gastrites, síndrome do cólon
irritável, obstipação e diarreia. Também é indicado o uso tópico em
queimaduras, abcessos, furúnculos e outros processos inflamatórios
cutâneos.

11.4. Linho
O linho consiste nas sementes de Linum usitatissimum L.

A actividade farmacológica das sementes é, pelas


mucilagens, laxativa e emoliente, pelo óleo gordo é, também,
emoliente e tem propriedades dermatológicas similares às
da vitamina F. Usam-se, internamente, para combater a
obstipação crónica, para cólon irritável ou alterado pelo
abuso de laxativos, em gastrites e diarreias (pelo seu efeito
emoliente e protector) e coadjuvante no tratamento da
obesidade.

11.5. Tanchagens
As tanchagens contêm as sementes e o tegumento de Plantago ovata
(P. ispaghula)

São usadas na obstipação crónica e em doentes em que é desejável


obter fezes moles (fissuras anais, hemorroidal, após cirurgia anal ou
rectal), durante a gravidez, tratamento do intestino irritável, neste
caso mais o tegumento das sementes. Devem-se ingerir sempre com
grandes quantidades de líquidos.

24 Capítulo 2 – Polissacáridos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 3 – Gorduras

Os lípidos são substâncias do metabolismo primário, em que alguma das suas estruturas integrantes
deriva do complexo AGS (Ácido Gordo Sintetase) e que nos organismos vivos cumprem funções de
reserva energética, plástica, de protecção ou revestimento. Caracterizam-se genericamente por serem
substâncias não voláteis, hidrófobas, solúveis nos solventes orgânicos apolares ou pouco polares.
Estruturalmente, são ésteres de ácidos carboxílicos com quatro ou mais átomos de carbono (ácidos
gordos) e de um álcool ou de um poliol, característica que justifica o estudo prévio dos compostos que
estão na sua origem, em particular o dos ácidos gordos naturais.

1. Ácidos gordos naturais


Os ácidos gordos são ácidos carboxílicos de cadeia linear, ramificada ou não, com quatro ou mais
átomos de carbono, sendo raros os que possuem número ímpar de átomos de carbono. Repartem-se por
séries, a dos ácidos gordos saturados, a dos seus homólogos mono-insaturados (série oleica), di-
insaturados (série diénica) ou poli-insaturados (série triénica ou poliénica).

Os ácidos gordos saturados com 12 ou menos átomos de carbono e os insaturados com 16 ou menos
átomos de carbono só em casos raros ocorrem nos lípidos vegetais em quantidades relevantes. O mesmo
se verifica para os ácidos gordos com 20 ou mais átomos de carbono. Assim, cerca de 95% dos que
constituem os lípidos são ácidos com 16 ou 18 átomos de carbono. Dos ácidos gordos das séries
insaturadas, raramente ocorrem os isómeros trans.

O número de átomos de carbono e as insaturações são determinantes para as propriedades físicas


dos ácidos gordos. O ácido butírico (C 4:0) é solúvel na água enquanto o capróico (C 6:0) o é só
parcialmente, sendo os restantes insolúveis na água e apenas solúveis nos solventes orgânicos de
polaridade intermédia ou baixa. O ponto de fusão aumenta com o tamanho da cadeia carbonada, sendo
líquidos os ácidos gordos saturados com menos de dez átomos de carbono. As insaturações e o seu
número diminuem o ponto de fusão.

| Capítulo 3 – Gorduras 25
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

2. Lípidos simples
Os lípidos simples possuem uma composição elementar apenas com carbono, hidrogénio e oxigénio.
Porém, a estrutura dos álcoois esterificados permite ainda classificar os lípidos simples em, pelo menos,
três classes:

Glicéridos – são ésteres de ácidos gordos e do glicerol (ex.: 1,2,3-propanotriol). Desempenham


fundamentalmente a função de reserva energética, acumulando-se sobretudo em células,
tecidos ou órgãos de reserva sob a forma de corpúsculos oleosos. Os triglicéridos
(triacilgliceróis), glicéridos onde os três grupos hidroxilo do glicerol estão esterificados, são os
lípidos mais abundantes na Natureza. Raramente ocorrem diglicéridos ou monoglicéridos que
parecem resultar de hidrólises parciais dos triglicéridos. Os glicéridos em si são designados por
referência aos ácidos gordos constituintes. Os glicéridos simples, os que resultam da
esterificação do glicerol com o mesmo ácido gordo, são designados apondo o sufixo ina ao
restritivo do nome vulgar do ácido; os prefixos mono, di e tri indicam o número de hidroxilos do
glicerol que se encontram esterificados.
Céridos – são lípidos derivados da esterificação de álcoois alifáticos de peso molecular médio e
elevado (álcoois gordos). São os constituintes predominantes das ceras, desempenhando
funções de protecção interna, de revestimento ou de protecção externa de caules, folhas e
sementes vegetais.
Etólidos - tipo particular de céridos, caracterizam-se por a esterificação envolver hidroxilos
substituintes na cadeia de ácidos gordos de estrutura particular. Têm ocorrência restrita a
algumas espécies vegetais onde revestem as folhas e os frutos protegendo-os da desidratação.
Estéridos – resultam da esterificação por ácidos gordos de esteróis, que são álcoois com a
estrutura fundamental do ciclopentano-per-hidrofenantreno. O colesterol é o esterol mais
característico do reino animal, encontrando-se em relativa abundância nas substâncias lipídicas
de origem animal, quer na forma livre, quer sob a forma de estéridos.

3. Corpos gordos
Os designados corpos gordos são misturas homogéneas, onde predominam os lípidos, representando
em geral mais de 90% da sua composição total, e que, por isso, determinam as suas características
particulares com a insolubilidade na água, a solubilidade nos solventes orgânicos apolares e nas soluções
aquosas alcalinas e a densidade relativa inferior à unidade.

Um critério simples para classificar os corpos gordos fundamenta-se no seu estado físico. Assim, é
usual distinguir os óleos, corpos gordos líquidos à temperatura ambiente, as gorduras, de consistência
mole e que fundem abaixo dos 45ºC e que incluem as manteigas, de aspecto butiroso e fusíveis entre 20
e 36ºC, e as ceras, de aspecto duro mas frágil, geralmente fusíveis a temperaturas superiores a 60ºC,
mas amolecendo quando apertadas com pressão.

Mais apropriada, universal e rigorosa é a classificação dos óleos, gorduras e ceras, determinada pela
composição química. Os óleos e gorduras são predominantemente constituídos por glicéridos, enquanto

26 Capítulo 3 – Gorduras |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

nas ceras predominam os céridos. Para a maioria dos corpos gordos a classificação com base no estado
físico e temperatura de fusão concorda com a classificação pela composição química.

 Características físicas

As principais características físicas dos corpos gordos são as seguintes:

Untuosos ao tacto
Mancham o papel
Menos densos que a água
Insolúveis em água
Solúveis nos solventes orgânicos
Originam sabões com soluções alcalinas

 Corpos gordos utilizados em Farmácia

Os principais corpos gordos utilizados em Farmácia são os seguintes:

Cera de abelhas Óleo de de rícino Óleo de colza


Cera de carnaúba Óleo de sésamo Óleo de germe de
Lanolina Óleo de soja trigo
Azeite Óleo de fígado de Óleo de girassol
Óleo de amêndoas bacalhau Óleo de milho
Óleo de amendoim Óleo de algodão

 Controlo de qualidade

O controlo de qualidade é feito através de:

Índice de acidez (acidez livre)


Índice de saponificação
Índice de éster
Índice de iodo
Índice de peróxido
Insaponificável

| Capítulo 3 – Gorduras 27
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

28 Capítulo 3 – Gorduras |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 4 – Quinonas

1. Síntese pela acetil-CoA


Os açúcares são sintetizados no ciclo de Calvin, a partir de CO2, sendo que por
or cada 6 moléculas de
CO2 incorporadas, há 1 molécula de frutose que pode “sair” do ciclo. Desta forma, é no ciclo de Calvin
que se origina a frutose que vai levar à formação de outros açúcares através de várias transformações.
As plantas utilizam acetil-CoA
CoA para fazer ácidos gordos, orcinóis e quinonas.

Todavia, esta acetil-CoA


CoA não serve só para entrar no ciclo de Krebs e fornecer ATP, mas é também
aplicada pelas plantas para construir várias moléculas, através da via de síntese conhecida como via
acetato.. No entanto, o composto utilizado é o ácido malónico (HOOC – CH2 – COO) também ligado à CoA
e daí que a via de síntese seja também chamada de via acetato/malonato.. De qualquer forma, durante a
polimerização, o malonil-CoA
CoA descarboxila (perde o COOH) pelo
pelo que na prática tudo se traduz como se
de facto a polimerização fosse feita apenas com acetil-CoA.
acetil

Os compostos mais abundantes sintetizados nesta via são os ácidos gordos. Nesta síntese, o
activador do acetil não é a CoA mas sim a ACP (Acyl Carrier Protein). Durante a síntese, assiste-se
assiste à
polimerização dos acetilos e, posteriormente, à redução dos grupos cetónicos, ficando penas um
carboxilo no extremo da cadeia. Por este motivo, podemos dizer que, em regra geral, os ácidos gordos
têm um número par de carbonos, são normais (não ramificados) e monocarboxílicos.

| Capítulo 4 – Quinonas 29
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

2. Aromatização via acetato


Na realidade, a acetil-CoA desempenha o papel de starter no processo de aromatização, sendo a
malonil-CoA que se adiciona sobre ela: a descarboxilação acompanha o ataque do carbonilo da acetil-
CoA, tornando o malonil num nucleótido mais eficaz. Esta adição das unidades dicarbonadas não está,
como no caso da formação dos ácidos gordos e dos seus derivados, precedida por uma redução da
função carbonílica: resulta antes da formação de um β-policetoéster muito reactivo devido à presença
simultânea de centros nucleófilos (metilenos) e electrófilos (carbonilos).

Geralmente, ainda que a natureza dos intermediários não tenha sido demonstrada até agora, pensa-
se que a cadeia do β-policetoéster se estabiliza, tanto por ligações de hidrogénio com a enzima como
por quelação parcial da sua forma enólica com iões metálicos ligados à enzima. Neste ponto, pode haver
uma redução parcial de alguns grupos carbonílicos ou uma alquilação de alguns deles.

A estrutura deste β-policetoéster, muito reactivo, é muito favorável às reacções intramoleculares:

Condensação aldólica que dá lugar aos ácidos 2,4-dihidroxi-6-alquilo-benzóicos


Condensação de Claisen que induz a formação de 1-acil-2,4,6-trihidroxibenzeno
Por vezes, a ciclização intramolecular efectua-se por lactonização, devido à existência de
pironas. Esta lactonização pode acompanhar-se de uma condensação aldólica, o que conduz à
formação de cromonas e isocumarinas.

Desta forma, pode concluir-se que a aromatização via “acetato” ocorre com a oxigenação de
carbonos alternados. A diversidade estrutural resulta directamente do número de unidades acetato do
precursor, do modo de ciclização, da identidade do starter e das possíveis transformações secundárias,
como oxidações, reduções, alquilações, reagrupamentos, aberturas de ciclos, osilações, etc.

30 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

3. Classes de quinonas
Entendamos como quinona, qualquer sistema aromático com duas funções cetónicas. Estes
compostos, porque são aromáticos e têm grupos cromóforos apresentam cor, mais ou menos
acentuadamente, conforme o número, natureza e posição desse grupo.

Os compostos quinónicos são formados pela unidade quinónica, 1,4-dicetociclohexa-2,5-dieno (p-


quinona) e, eventualmente, a 1,2-dicetociclo-hexa-3,5-dieno (o-quinona). As quinonas mais vulgares na
Natureza pertencem aos seguintes grupos: benzoquinonas, naftoquinonas, antraquinonas e
naftodiantronas, sendo muitas dessas moléculas dotadas de actividade farmacológica.

Sendo as quinonas resultantes da oxidação dos fenóis, pode encontrar-se esta estrutura em vários
tipos de metabolitos secundários, caso por exemplo de alguns flavonóides-quinonas em que no núcleo B
se dá a oxidação com formação de quinona, o mesmo se passando em numerosos compostos de esqueleto
terpénico.

 Antraquinonas

Os compostos antraquinónicos, também denominados hidroxiantracénicos por serem derivados do


antraceno, são bastantes frequentes na Natureza, encontrando-se dissolvidos no suco celular em
diversos órgãos das plantas, de modo que, quando abundantes, dão tons amarelos ou avermelhados a
essas zonas.

Um exemplo é o ácido carmínico que se trata de um corante solúvel na água de cor púrpura brilhante
extraído das cochonilhas por intermédio de amónia diluída.
OH O CH3
glucose COOH

HO OH
OH O

| Capítulo 4 – Quinonas 31
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Na base dos compostos naturais antraquinónicos encontra-se a dicetona 9,10-antraquinona, que ao


sofrer redução origina um antranol, que em meio alcalino dá a respectiva antrona.

Consideram-se ser os antranóis e as antronas os primeiros compostos que se formam na planta


dando por oxidação as antraquinonas. A redução moderada da antraquinona dá a antra-hidroquinona,
cujo tautómero é a oxantrona. Das antronas podem ser obtidas as correspondentes diantronas, as
quais, ao contrário dos compostos antraquinónicos, já não apresentam acção laxativa.

Todas estas reacções são reversíveis, estando nas plantas a relação entre as formas oxidadas e
as reduzidas, dependente, especialmente, dá epoca do ano (as formas reduzidas mais no começo do
período vegetativo, para depois predominarem as oxidadas). A fácil oxidação das formas reduzidas leva
a que quando se pretendem isolar ou dosear estes constituintes os processos extractivos e de dosagem
têm de ser conduzidos na ausência de luz e do oxigénio.

Nos compostos antraquinónicos, é característica a existência de hidroxilos nos C1 e C8,


substituintes em C3 (metilo, carboxilo e metoxilo) e, por vezes, em C6. Aparecem nas plantas sob a
forma de heterósidos, mas também as respectivas formas aglicónicas.

As oses provenientes da sua hidrólise são geralmente a glucose e a ramnose, raramente a apiose. Os
compostos antracénicos mais vulgares encontram-se sob a forma de mono e diglucósidos, ramnósidos e
gluco-ramnósidos. A maioria dos compostos são O-heterósidos, com a ligação nos hidroxilos presentes
nos C1, C8 ou C6. Os C-heterósidos mais vulgares, de que são exemplos as aloínas, são derivados das
antronas, em que a ligação C-C é em C10.

Os constituintes mais comuns nos fármacos deste grupo são:

Crisofanol ou ácido crisofânico (1,8-di-hidroxi-3-metil-antraquinona), cujo glucósido é a


crisofaneína;
Reína (1,8-di-hidroxi-3-carboxi-antraquinona), que com o respectivo glucósido se encontra,
enre outros fármacos, no ruibarbo e no sene;
Aloé-emodina (1,8-di-hidroxi-3-metilol-antraquinona), que aparece, sob a forma de O-
heterósidos e de C-glucósidos nas folhas de diversas espécies do género Aloe;

32 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Aloína A, um (10-R)-C-glucósido da 1,8-dihidroxi-3-metilol-9-antrona e a aloína B existem


também nos aloés.

4. Glicosilação e dimerização
A glicosilação é o processo que as plantas encontram para tornar um composto hidrosolúvel, como
ocorre no caso dos açúcares hidrossolúveis, por terem vários grupos polares.

Os heterósidos são moléculas que têm um (ou mais) componentes glucídicos e um (ou mais)
componentes não glucídicos. Por exemplo, o amido é um holósido porque contém apenas açúcares. Nos
heterósidos podemos chamar genina (ou aglícona) à componente não açúcar, e nestas moléculas é o
açúcar que está ligado à genina e não o contrário, por isso a ligação faz-se sempre através do hidroxilo
redutor, que acaba sempre por ser atavés do C1 uma vez que são sempre aldoses que aparecem nos
heterósidos.

Habitualmente, o açúcar interveniente é a glucose, mas em casos particulares, podem surgir outros
açúcares. Nestas ligações, faz-se sempre reacção por perda de uma molécula de água.

OH O O-Gluc

R R'
H Gluc
A maioria dos heterósidos existentes na Natureza são O-heterósidos, isto é, a ligação entre a
genina e o açúcar é feita através de um átomo de oxigénio. Isto acontece sempre que o açúcar se foi
ligar a um grupo OH (se tivermos duas moléculas, cada uma delas como um grupo OH e as ligarmos com
perda de água, sobra um oxigénio para fazer a ponte, tal como acontece com os éteres).

No entanto, neste caso de heterósidos não temos ligação éter (porque não são dois álcoois), mas sim
uma ligação hemiacetálica, uma vez que ligamos um álcool e um semi-aldeído (embora o aspecto seja o
mesmo).

Para além destes heterósidos, também existem os C-heterósidos. Neste caso, a ligação dá-se entre
o hidroxilo redutor (do C1) do açúcar e um hidrogénio da genina. Ao tirar uma molécula de água, não
sobra nada a fazer a ponte, isto é, a ligação fica feita entre um carbono da genina e o C1 do açúcar. Nos
compostos antraquinónicos, só é possível fazer C-heterósidos nas antronas, no C10.

| Capítulo 4 – Quinonas 33
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Por sua vez, a dimerização ocorre a partir de duas antronas, fazendo-se um processo mais
específico (e menos frequente na Natureza) que envolve, neste caso, a ligação entre os C10 de duas
antronas. A dimerização pode acontecer entre duas moléculas iguais (e temos dímeros sintéticos) ou
entre duas moléculas diferentes (e temos dímeros assimétricos).
OH O OH

R R
R R

OH O OH

Alguns exemplos de dímeros resultantes deste processo podem ser:

senidinas A e B (reína-antrona + reína-antrona)


senidinas C e D (reína-antrona + aloé-emodina-antrona)
palmidina A (emodina-antrona + aloé-emodina-antrona)
palmidina B (crisofanol-antrona + aloé-emodina-antrona)

5. Hidrólise
A hidrólise é, conforme o nome indica, uma lise (quebra) por introdução de água. Os compostos
antraquinónicos, fazendo parte das quinonas, apresentam as propriedades gerais destas, atrás
referidas. Assim, os heterósidos são compostos cristalinos, corados, não sublimáveis e solúveis na água
e nas soluções hidroalcoólicas. As soluções alcalinas coram de vermelho-alaranjado e são insolúveis nos
solventes orgânicos imiscíveis com a água.

No caso dos heterósidos, podemos considerar a hidrólise como sendo o processo inverso da
glicosilação.

Os O-heterósidos hidrolisam-se num meio ácido e a quente;

OH O O - G lu c OH O OH

+ açúcar

R R' R R'

O O

34 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Os C-heterósidos num meio ácido com FeCl3;

OH O O - glu c OH O OH
+ 2 glucose

R R' R R'
H g lu c O

Os dímeros, em meio neutro, a quente e com FeCl3.

OH O O-glucose
OH O O -glucose O

R R
R
R
R R
R
O
R +
OH O OH

OH O OH

Em particular, os C-heterósidos requerem o FeCl3 por serem mais difíceis de hidrolisar que os O-
heterósidos e, consequentemente, para além de haver hidrólise, também há oxidação do C10 (que tinha
dois hidrogénios e passa a ter uma função cetónica).

Os hidroxilos fenólicos têm propriedades ácidas (ácidos fracos) pelo que podem reagir com
bases fortes, ionizando-se (formando sais)

OH O OH O O O
base

HO CH2OH O CH2OH
O O

Esta reacção tem duas consequências importantes:

a) o composto, que no caso era insolúvel em água, passou à forma sal e, por isso, solúvel em
água.
b) O composto que já era amarelo (aromático com grupos cromóforos como as funções
cetónicas e os hidroxilos) passa a vermelho porque houve um aumento de intensidade
electrónica

6. Extracção de compostos quinónicos


São descritos numerosos métodos de extracção, que são escolhidos tendo em conta o tipo de
compostos antraquinónicos que pretendemos isolar. Em linhas gerais, quando desejamos obter os
compostos antraquinónicos livres, a técnica mais simples consiste em agitar o pó da planta com
clorofórmio ou éter, onde estes compostos se dissolvem, que se forem em quantidade suficiente irão

| Capítulo 4 – Quinonas 35
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

corar de amarelo o solvente. Numa extracção mais completa, o produto vegetal será submetido a uma
extracção contínua em aparelho tipo soxhlet, por um destes solventes.

Por outro lado, os compostos ligados a açúcares, como os O-heterósidos e os C-heterósidos, são
extraídos, aquecendo, sob refluxo, em banho de água à ebulição, a planta, convenientemente dividida,
com álcool etílico de 50º ou de 70º, ou apenas com água. Uma parte alíquota é submetida a uma
hidrólise, à ebulição, por um ácido mineral, libertando-se assim as geninas dos O-heterósidos que podem
ser isoladas por um solvente orgânico. A outra parte da solução extractiva inicial é fervida com um
ácido mineral e cloreto férrico para se dar a hidrólise dos C-heterósidos, seguindo-se a extracção das
geninas por um solvente orgânico, normalmente o éter. O fraccionamento das geninas poderá ser feito
de acordo com o indicado atrás, para o isolamento dos compostos antraquinónicos livres.

7. Reacção de Borntraeger
A reacção de Borntraeger consiste na ionização dos grupos fenólicos, o que leva a um aumento da
densidade electrónica livre que, por sua vez, provoca uma deslocação da cor no sentido dos maiores
comprimentos de onda (do incolor ou amarelo para o vermelho).

A cor vermelha só se atinge quando há dois grupos cetónicos (nunca com as antronas, antranóis ou
dímeros) e quando os hidroxilos nos C1 e C8 (vizinho do grupo cetónico do C9) estão livres.

Para fazer pesquisa de compostos específicos desta família, a única forma é realizar cromatografias
em comparação com padrões. Isto é, se pretendemos saber se uma planta tem, por exemplo, crisaloína,
a solução é realizar uma cromatografia (em placa ou HPLC), em comparação com a substância-padrão.

A reacção de Borntraeger serve apenas para procurar saber se uma planta tem compostos deste
tipo, mas não dá nenhuma informação sobre os compostos concretos que a planta tenha.

OH O OH O O O

OH-

R R' Intensificação de cor R R'


O O

OH O O-açúcar O O O-açúcar

R R' R R'
O O

OH O OH O O O

R R' R R'
H H H H

36 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Em qualquer dos casos há intensificação de cor porque há ionização, mas só no caso do primeiro
exemplo a intensificação de cor chega ao vermelho. Nos dois últimos exemplos a reacção é negativa
(mesmo havendo intensificação de cor)

O mesmo acontece com os dímeros de antronas

OH O OH O O O

R R R R
R R
R R

O O O
OH O OH

Isto significa que os heterósidos precisam de ser hidrolisados e os dímeros precisam de ser
quebrados e oxidados para poderem ser pesquisados.

7.1. Doseamento de antraquinonas laxativas nas plantas


Este doseamento tem por base a reacção de Borntraeger (com formação de produtos corados) e a
medição da intensidade da cor formada. Nestes casos, a base utilizada para fazer a ionização dos
hidroxilos é o acetato de magnésio. Para uma mesma substância, quanto maior a intensidade da cor,
maior a quantidade de substância em solução, segundo a lei de Lambert.

Um exemplo comum praticado em laboratório é o doseamento do amieiro negro. Os antracenósidos


extraem-se a quente com metanol a 70%. Depois de realizar a filtração, uma parte alíquota da
dissolução metanólica é diluída e acidifica, eliminando-se as geninas ocasionalmente presentes, por
extracção com éter de petróleo. De seguida, neutraliza-se, adiciona-se cloreto férrico e depois ácido
clorídrico e realiza-se um refluxo. As antraquinonas livres formadas, extraídas com éter, redissolvem-
se numa dissolução metanólica de acetato de magnésio. Por fim, depois de determinar a absorvância,
calcula-se o conteúdo desejado expresso em glucofrangulósido A, que deve apresentar um teor mínimo
de 7%.

8. Acção farmacológica e utilização prática


Em linhas gerais, os derivados antraquinónicos exercem uma acção laxativa a purgativa conforme a
dose, que se faz sentir entre 10 a 12 horas após a ingestão. Os heterósidos, ao atingirem o cólon, são
hidrolisados pelas enzimas da flora bacteriana, indo as geninas actuar sobre as terminações nervosas
da parede intestinal, com o que diminui a reabsorção da água e se dá uma estimulação do peristaltismo
intestinal.

| Capítulo 4 – Quinonas 37
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Esses efeitos são explicados actualmente pelos seguintes mecanismos:

Libertação ou aumento da síntese da histamina e de outros mediadores capazes de


aumentam a contracção da musculatura lisa do intestino;
Inactivação da bomba de Na+/K+-ATPase e inibição dos canais de cloro, com o que se dá uma
diminuição da reabsorção da água, efeito já comprovado para muitos compostos
antraquinónicos.

Consideram-se as formas antraquinónicas reduzidas (antranóis, diantronas e oxantronas) as de


maior actividade, mas também aquelas que são responsabilizadas pela produção de vómitos e de cólicas
e por via reflexa a congestão dos órgãos abdominais. São estes efeitos secundários que justificam o
facto de não serem usados fármacos recentes para que dê, com a secagem e o envelhecimento, a
oxidação das formas reduzidas dos compostos antraquinónicos.

Os fármacos deste grupo devem ser usados, só, como laxantes ou purgantes, na obstipação
ocasional, antes da realização de exames radiológicos ou endoscópicos e de intervenções cirúrgicas que
exijam um esvaziamento intestinal completo. De um modo geral, estes fármacos devem ser utilizados
apenas por curtos períodos de tempo. Sempre que possível, é conveniente substituir o seu uso por
correcção dos hábitos alimentares e uso de dietas e fármacos que aumentem o bolo fecal.

Têm várias contra-indicações, pelo que não devem ser administrados na oclusão intestinal, nas
doenças inflamatórias do intestino, na apendicite aguda, na gravidez (pelo efeito oxitócico pode induzir
abortos) e na aleitação (ao passar ao leite materno pode provocar diarreias nos lactentes) ou em
crianças com idade inferior a 10 anos. Não devem ser usados concomitantemente com cardiotónicos,
pois a perda de potássio pode potencializar a acção destes, nem com os contraceptivos orais pelo risco
de diminuir a sua absorção a nível intestinal.

Doses excessivas ou hipersensibilidade ao fármaco, podem produzir cólicas intestinais e vómitos,


depêndencia, colite, diarreia, dores abdominais, náuseas e hipocalémia. O uso continuado pode conduzir
à destruição dos plexos nervosos intramurais do cólon, produzindo um intestino grosso atónico sem
haustras, de aspecto tubular semelhante ao da colite ulcerosa crónica.

9. Fármacos com compostos antraquinónicos

9.1. Sene
O sene é o fármaco com derivados antraquinónicos mais usado na terapêutica, empregando-se tanto
as folhas (folíolos) como os frutos (folículos) de diversas espécies do género Cassia. É um subarbusto
perene, nativo da Arábia e da África Oriental, muito cultivado na Índia, na região de Tinnevelly. Assim,
as principais definições de sene são:

38 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Folhas de Cassia senna L. (ou Cassia acutifolia Delile)


Folhas de Cassia angustifolia Vahl
Frutos das mesmas espécies

Os frutos de sene-da-índia ou de sene-de-tinnevelly são


provenientes de Cassia angustifolia Vahl devendo conter, no mínimo,
2.2% de heterósidos hidroxiantracénicos, expressos em senósido B, e os
frutos do sene-de-cartum ou de sene-de-alexandria são provenientes de
Cassia senna L., devendo conter, no mínimo, 3.4% de heterósidos
hidroxiantracénicos, expressos no mesmo constituinte, em ambos os
frutos em relação ao fármaco seco.

Na composição, tanto do sene frutos como do sene folhas,


encontram-se, para além das diantronas-8,8’-diglucósidos (senósidos), os
principais constituintes, crisofanol, aloé-emodina, reína, mucilagens,
flavonóides, resinas e ácidos orgânicos.

Relativamente ao emprego, indica-se para a prisão de ventre, de preparações contendo o


equivalente de 15 a 30 mg de derivados hidroxiantraquinónicos, calculados em senósido B. A dose
correcta será sempre a menor que produza o efeito desejado, sendo que nos idosos se deve usar
metade das doses recomendadas para os adultos.

9.2. Amieiro-negro
O amieiro negro é um arbusto ou pequena árvore da Europa não
mediterrânica e do Nordeste dos EUA. Cresce nas margens dos cursos de
água, em terrenos ácidos e húmidos, sendo espontâneo em Portugal junto
das linhas de água.

O fármaco é constituído pelas cascas inteiras ou fragmentadas, dos


caules e dos ramos de Rhamnus frangula L., devendo conter em média, o
teor de 7.0% de glucofrangulinas (entre 3.0% e 8.0%), expressas em
glucofrangulina A, calculado em relação ao fármaco seco.

Os principais constituintes activos são: o frangulósido A (6-O-a-L-


ramnosilemodina), o frangulósido B (6-O-a-L-apiosilemodina), o
glucofrangulósido A (8-O-glucosil- 6-O-a-L-ramnosilemodina) e o
glucofrangulósido B (8-O-glucosil- 6-O-a-L-apiosilemodina).

O amieiro negro tem emprego colagogo em doses baixas, em doses


maiores, actua como laxante ou purgante, devendo ter sido submetido a
secagem a 100ºC pelo menos durante 1 hora ou envelhecido, por um período
não inferior a um ano, para que se produza a transformação das formas reduzidas dos compostos
antraquinónicos nas formas oxidadas, mais convenientes para a utilização terapêutica. É, ainda, usado
| Capítulo 4 – Quinonas 39
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

na obstipação ocasional, como laxativo ou purgativo, quando é necessária uma evacuação rápida com
fezes brandas, caso de fissuras anais e de hemorroidal.

9.3. Cáscara-sagrada
A cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana D.C. ou Frangula
purshiana D.C.) é uma árvore espontânea da região americana do
oceano Pacífico, desde o Norte dos EUA até à Colômbia, mas
hoje cultivada para a obtenção da casca.

O fármaco seco é constituído pela casca inteira ou


fragmentada do caule e dos ramos, que deve conter entre 6.0%
a 9.0% de heterósidos hidroxiantracénicos, dos quais 60%, no
mínimo, são constituídos por cascarósidos expressos em
cascarósido A.

Os principais derivados antraquinónicos (8.0 a 10.0%) são os


cascarósidos A e B, e em menor quantidade os C e D, formando
dois pares de estereoisómeros que diferem pela parte
aglicónica. Nos cascarósidos A e B, a parte aglicónica é a aloé-
emodina-antrona, enquanto que nos C e D é a crisofanol-antrona.
Possui, ainda, aloínas e antraquinonas livres (crisofanol e emodol). Os taninos, sais minerais e
constituintes amargos fazem parte dos compostos não antracénicos.

Cascarósido A: 8-O-glucosil-10-C-glucosilaloé-emodina-antrona
Cascarósido B: 8-O-glucosil-10-C-glucosilcrisofanol-antrona
Aloína: 10-C-glucosilaloé-emodina-antrona
Crisaloína: 10-C-glucosilcrisofanol-antrona

Relativamente ao emprego, os constituintes antraquinónicos originam acção colagoga e laxante em


doses baixas ou acção purgativa em doses maiores. Para a mesma quantidade de fármaco é mais activo
que o amieiro-negro. Deve usar-se só a casca envelhecida (com mais de um ano) ou após aquecimento a
100ºC. Quando é recente, pode provocar vómitos e espasmos gastrointestinais devido à existência de
compostos em quantidade elevada sob forma reduzida. O uso prolongado de cáscara-sagrada, além de
poder conduzir a deplecção de minerais, nomeadamente provocar hipocalémia, pode originar um cólon
atónico, sem as haustras normais, dilatado, com destruição dos seus plexos nervosos intramurais.

40 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

9.4. Aloés
As plantas designadas por aloés são arbustos vivazes, crescendo em
qualquer tipo de solo, mas melhor adaptados aos leves e arenosos,
originários da Ásia, da África Oriental e do Sul, encontram-se
aclimatados em todo o mundo, embora preferindo clima quente e húmido.

A F.P. VIII inscreve dois tipos de sucos secos, um denominado aloé-


de-barbados, proveniente da espécie Aloe barbadensis Miller e um
outro, o aloé-do-cabo, obtido principalmente de Aloe ferox Miller e dos
seus híbridos, para os quais indica que devem conter, no mínimo,
respectivamente, 28.0 e 18.0% de derivados hidroxiantracénicos,
expressos em barbaloína e calculados em relação ao fármaco seco.

Os derivados hidroxiantracénicos principais são as aloínas A e B, C-


glucósidos cuja mistura é denominada barbaloína e os aloinósidos A e B, que correspondem aos 11-α-
ramnósidos das aloínas, as quais se encontram em maior quantidade no aloé-do-cabo. Possui outros
constituintes no suco seco, sem actividade laxativa, dos quais destacamos os derivados cromónicos, as
aloeresinas B (aloesina), A e C, os flavonóides e os taninos.

Quanto ao emprego, o suco concentrado e seco é um tónico digestivo e colagogo, sendo que em doses
superiores têm acção laxante e purgativa. É útil quando é necessário uma evacuação rápida com fezes
brandas, caso de fissuras anais, no hemorroidal e na obstipação. Não usar, na obstrução
gastrointestinal de qualquer origem, na gravidez, aleitação e em crianças com menos de 10 anos. O aloé-
do-cabo tem indicações terapêuticas semelhantes ao aloé-de-barbados, mas devem usar-se posologias
mais elevadas.

Barbaloína: aloína A + aloína B


Aloína A: (10-R)-10-C-glucosil-aloé-emodina-antrona
Aloína B: (10-S)-10-C-glucosil-aloé-emodina-antrona
Hidroxialoínas: 7-hidroxialoína (Aloe barbadensis) e 5-hidroxialoína (Aloe ferox)

10. Fármacos com quinonas não laxativas

O hipericão é o fármaco constituído pelas sumidades floridas secas, inteiras ou fragmentadas de


Hypericum perforatum L., colhidas durante a floração. Deve conter um teor mínimo de 0.08% de
hipericinas totais, expressas em hipericina no fármaco seco.

O Hypericum perforatum L. é uma planta hérbacea perene, encontrando-se largamente difundida na


Europa, Ásia, África do Norte e nos EUA. Na Europa cresce predominantemente próximo de caminhos,
vales e florestas, tanto na planície como na montanha. Em Portugal, é conhecido pelo nome vernáculo de
Erva-de-São-João, milfurada, e encontra-se praticamente em todo o país.

| Capítulo 4 – Quinonas 41
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Relativamente à sua composição química¸este


¸este fármaco contém um azeite
essencial, triterpenos e esteróis. É rico em compostos fenólicos, como áácidos
caféicos, clorogénicos, proantocianodóis, derivados prenilados do floroglucinol e
flavonóides. Estes últimos são relativamente abundantes (2.0 a 4.0%), sendo
que os constituintes responsáveis pelo suco contido nas folhas e nas flores é
composto principalmente
princ por naftodiantronas:

OH O OH OH O OH

HO CH3 HO CH3
HO CH2R HO CH2R

OH O OH OH O OH

Hipericina, R=H Proto-hipericina, R=H


Pseudo-hipericina, R=OH Protopseudo-hipericina, R=OH

O seu uso medicinal é conhecido deste a antiguidade, sendo-lhe


sendo atribuídas
diversas propriedades medicinais nomeadamente como agente cicatrizante,
diurético, antibiótico, antiviral e efeitos antidepressivos. Nos últimos anos tem
surgido um interesse crescente no uso desta planta e vários extractos hidro
hidro-
alcoólicos têm sido usados na prática clínica convencional pelas suas propriedades antidepressivas.
Estudos clínicos demonstraram a sua acção relativamente ao placebo no tratamento da depressão, com
uma eficácia comparável a moléculas de síntese usadas actualmente e com uma menor incidência de
efeitos adversos.

11. Fármacos com naftoquinonas

A orvalhinha,, também denominada drosera e rorela, que mais se utilizou


foi a Drosera rotundifolia L., uma Droserácea, carnívora e vivaz, espontânea
em terrenos turfosos húmidos e pantanosos do hemisfério setentrional da
Europa, Ásia e América. Devido à intensa utilização que teve, é hoje uma
espécie protegida na Europa, usando--se em sua substituição certas espécies
africanas, como é o caso da D. Madagascariensis D.C.

Os principais constituintes são os derivados de compostos 1,4-


1,4
naftoquinónicos, possuindo, ainda, flavonóides (derivados da quercetina),
ácidos orgânicos, taninos e antocianósidos.
sidos.

A orvalhinha apresenta uma acção espasmolítica, expectorante e mucolítica, pelo que é usada na
tosse espasmódcica e irritativa, bronquites e asma brônquica.

42 Capítulo 4 – Quinonas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 5 – Chiquimatos
imatos

Os compostos fenólicos constituem um amplíssimo conjunto de substâncias


substâncias de difícil definição. O
elemento estrutural fundamental que os caracteriza é a presença de pelo menos um núcleo benzénic
benzénico
que contém no mínimo um grupo hidroxilo, livre ou constituinte de outra função estrutural: éter, éster,
etc.

Na Natureza, a síntese
tese de um determinado núcleo aromático é realizada unicamente pelos vegetais e
pelos microrganismos. Assim, os animais recebem
recebem-nos
nos ou através da sua alimentação ou através de uma
simbiose, para elaborar metabolitos que lhes vão ser indispensáveis e que possuem
possuem este elemento
estrutural (aminoácidos, vitaminas, pigmentos, toxinas, etc.).

1. Via chiquimato
A origem biossintética dos compostos fenólicos deriva essencialmente de duas grandes vias
anabólicas: a via acetato e a via chiquimato.

A via chiquimato tem origem no ácido chiquímico, cuja biossíntese se faz a partir da condensação do
fosfoenolpiruvato com a 4-P-eritrose.
eritrose. Do ácido chiquímico, originam-se
originam se ácidos aromáticos (fenilalanina e
tirosina), que por desaminação dão ácidos cinâmicos e, finalmente, seus derivados mais complexos.

Os principais compostos sintetizados através desta via anabólica são os flavonóides, os taninos, os
fenóis e ácidos fenólicos, as lenhanas, as cumarinas e os salicilatos.

| Capítulo 5 – Chiquimatos 43
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

2. Biossíntese dos chiquimatos


O ciclo de Calvin é o ponto fulcral do ciclo da vida. Nas plantas, inicia-se com o CO2, sendo que um
dos produtos originados é a eritrose-4-fosfato (4-P-eritrose), que, por sua vez, é originada através da
6-P-frutose.

Tendo por base a biossíntese dos chiquimatos, para além da 4-P-eritrose, também vai intervir um
outro composto proveniente da glicólise, o ácido 2-P-enolpirúvico (PEP), que resulta da enolização e da
fosforilação do ácido pirúvico que, por sua vez, é que existe na glicólise. Estes dois compostos juntam-
se e ciclizam, obtendo-se um composto com 7 carbonos não aromáticos e com 3 hidroxilos na posição
oposta àquela em que está situado o radical carboxilo, o ácido chiquímico. Esta última característica vai
condicionar as estruturas de praticamente todas as moléculas sintetizadas pela via chiquimato.

De seguida, o ácido chiquímico recebe mais uma molécula de PEP (fosfoenolpiruvato) e forma o ácido
prefénico, outra das peças fundamentais na síntese dos compostos nesta via.

3. Rede biossintética de ácidos cinâmicos e benzénicos


Os compostos sintetizados pela via chiquimato designam-se fenilpropanóides. Para a síntese dos
primeiros fenilpropanóides, ocorre uma série de diversos passos, sendo que dois deles são
fundamentais:

Descarboxilação do ácido prefénico;


Aromatização do anel hexagonal.

44 Capítulo 5 – Chiquimatos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Os primeiros compostos sintetizados por esta via são, então, o ácido fenilpirúvico e o ácido p-
hidroxifenilpirúvico que, em relação ao ácido pirúvico, apresentam um radical fenilo adicional. Estes
compostos pertencem já à família dos fenilpropanóides, uma vez que apresentam um radical fenilo e,
depois, uma parte da molécula com 3 átomos de carbono (propanóide).

Estes ácidos são α-cetoácidos, isto é, são ácidos que no carbono vizinho (carbono α) da função
principal (que é a função carboxílica) apresentam uma função cetónica. Estes ácidos são os únicos
capazes de fixar azoto através da acção de uma enzima específica, aparecendo a função amina no local
onde estava a função cetónica. Daí que os aminoácidos sejam, de um modo geral, α-aminoácidos.

Os primeiros aminoácidos aromáticos sintetizados pelas plantas, e que todas as plantas têm
capacidade de sintetizar são a fenilalanina e a tirosina:

COOH COOH
HC NH2 HC NH2

CH2 CH2

OH

De seguida, estes aminoácidos podem sofrer uma desaminação oxidativa e originam já compostos
que são tipicamente vegetais: o ácido cinâmico e o ácido p-cumárico.

COOH COOH

OH

| Capítulo 5 – Chiquimatos 45
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Nos compostos desta classe, existem compostos tipicamente vegetais e compostos tipicamente animais.
Entre os compostos animais temos:

A DOPA (di-hidroxifenilalanina) cuja sigla vem de DiOxiPhenylAlanine que relativamente à


fenilalanina tem apenas mais dois hidroxilos (ou mais um do que a tirosina);
A dopamina que resulta da descarboxilação da DOPA;
A adrenalina que resulta da hidroxilação do C2 e metilação da amina da dopamina;
A noradrenalina que resulta da desmetilação da adrenalina.

Parte azul – Lado esquerdo – compostos animais

Parte vermelha – Lado direito – compostos vegetais

Os chiquimatos podem ser hidroxilados pela ordem seguinte:

46 Capítulo 5 – Chiquimatos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

As hidroxilações dão-se primeiro no carbono oposto ao da cadeia carbonada (-para-) e depois nos
carbonos adjacentes a este primeiro carbono (-meta-).

Estes ácidos da coluna da direita (siríngico, vanílico, protocatéquico, parahidroxibenzóico), por


perda de 2 carbonos ficam com 1 carbono só e fazem assim os ácidos benzóicos.

A síntese mais fácil é a que está mais próxima da origem. Quanto mais afastado da origem estiver
um composto, mais difícil é a sua síntese. Um ácido que em termos de biogénese, se aproxima bastante
do ácido chiquímico, é o ácido quínico.

Este ácido esterifica-se com ácidos fenilpropanóides como o ácido caféico (a função de ácido
caféico pode esterificar os OH do ácido quínico). Ácidos obtidos por este tipo de esterificação são
ácidos domogénicos, que com pequenas transformações servem de compostos de defesa às plantas.

| Capítulo 5 – Chiquimatos 47
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

48 Capítulo 5 – Chiquimatos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 6 – Fenóis

Nas plantas, é relativamente pequeno o número de fenóis livres e, destes, só a hidroquinona é o mais
difundido, pois, normalmente, encontram-se sob a forma de heterósidos ou de ésteres, quase sempre
derivados do ácido benzóico ou do ácido cinâmico, onde se inclui o grupo dos fenilpropanóides, de que é
exemplo o ácido cafeico. A presença dos derivados do ácido benzóico e do ácido cinâmico caracteriza,
em fitoquímica, este grupo de compostos com uma certa importância na terapêutica.

1. Estrutura dos principais compostos fenólicos


Os ácidos fenólicos hidroxilados, derivados do ácido benzóico são muito abundantes na Natureza.
Estão representados nos taninos hidrolisáveis, caso do ácido gálhico e do seu dímero, o ácido elágico. O
ácido p-hidroxibenzóico, o ácido o-hidroxibenzóico (ácido salicílico), o ácido vanílico e o ácido siríngico,
são exemplos de outros ácidos fenólicos em C6-C1.

Os derivados do ácido cinâmico, geralmente sob a forma de heterósidos fenilpropanóicos (C6-C3), os


mais difundidos na natureza, são o ácido p-cumárico, o ácido cafeico, o ácido ferúlico e o ácido
sináptico, outros ácidos sob a forma de ésteres vão ser encontrados em diversos fármacos. Assim, os
ésteres de álcoois alifáticos e os ésteres do ácido quínico (caso do ácido clorogénico) são exemplos do
elevado número deste tipo de compostos.

O ácido cafeico surge ligado ao ácido quínico que é um composto quimicamente muito próximo do
ácido chiquímico. O ácido cafeico pode esterificar um ou mais hidroxilos do ácido quínico (formando
ácidos mono ou dicafeioilquínicos), em mais de uma posição.

Por sua vez, os ésteres do álcool benzílico e os ácidos benzóico e cinâmico entram na composição dos
bálsamos que serão estudados no capítulo dos produtos resinosos.

Outra das combinações do ácido cafeico é o ácido rosmarínico, que resulta da combinação do ácido
cafeico com o ácido 3,4-dihidroxifenil-láctico. No entanto, inicialmente este ácido foi isolado da
espécie Rosmarinus officinalis, para mais tarde se ter verificado que surge em todas as espécies da
família das labiadas.

OH
O COOH
HO
O OH

HO

Existe ainda o cafeioiltartárico que é o éster do ácido cafeico com um (ou os dois) hidroxilos do
ácido tartárico. A estrutura representada é a do monocafeioiltartárico.

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Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

O COOH

O
OH
HO HOOC

OH

As labiadas são uma família botânica caracterizada, principalmente, por possuir uma corola de 5
pétalas soldadas (simpétala) das quais as duas superiores formam uma porção que se opõe à inferior,
ficando o conjunto com aspecto de lábios. A esta família pertencem numerosas espécies do nosso
quotidiano, nomeadamente: erva-cidreira, alecrim, várias espécies da hortelã, alfazema, etc.

2. Propriedades físico-químicas, obtenção e análise


Este tipo de compostos fenólicos quando sob a forma de ésteres ou de heterósidos são solúveis na
água e nos solventes orgânicos polares (metanol, etanol), enquanto que sob a forma de ácido são solúveis
nos solventes orgânicos em meio ácido.

Dado que possuem características ácidas, quando tenham o grupo fenol livre, podem ser isolados por
soluções alcalinas, com preferência pelas fracamente básicas para diminuir a sua reactividade química,
pois facilmente se isomerizam (E/Z) e se oxidam.

A presença de grupos fenólicos origina a formação de pontes de hidrogénio, tanto intramoleculares


como intermoleculares, o que explica, neste caso, a sua ligação às proteínas. Formam complexos com os
iões metálicos, facto que explica certas reacções de coloração.

3. Propriedades biológicas e emprego


Estes compostos têm sido estudados em relação à actividade antioxidante e anti-radicalar. As
plantas com derivados salicílicos são principalmente usadas nas manifestações articulares dolorosas e
em estados febris e gripais.

Nos últimos anos, tem-se verificado que muitos ésteres heterosídicos fenilpropanóicos são
inibidores enzimáticos, particularmente da fosfodiesterase, do AMP cíclico e da aldo-reductase,
originando uma certa inibição sobre a formação de hidroperóxidos e de leucotrienos, o que justifica a
acção benéfica de certos fármacos no caso das doenças inflamatórias.

50 Capítulo 6 – Fenóis |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

4. Plantas com fenóis simples

4.1. Uva-ursina
A uva-ursina é o fármaco constituído pela folha inteira ou fragmentada, seca de Arctostaphylos
uva-ursi (L.) Spreng, devendo ter um teor, no mínimo, de 8.0% de derivados hidroquinónicos expressos
em arbutina anidra.

Tem como constituintes activos, a arbutina (ou arbutósido), que predomina, e, em menores
quantidades, metil-arbutina (ou metil-arbutósido), taninos (15 – 20%), flavonóides, triterpenos e outros
compostos vestigiários.

Relativamente às propriedades farmacológicas, este fármaco é utilizado como diurético e anti-


séptico das vias urinárias, mas é também tradicionalmente utilizado como adjuvante das curas de
diurese das infecções urinárias benignas e para favorecer a eliminação renal da água.

5. Plantas com ácidos fenólicos

5.1. Freixo
O fármaco freixo é constituído pelas folhas secas de Fraxinus
excelcior L. ou de Fraxinus oxyphylla M. Bieb., sendo cultivado em
Portugal ao longo dos cursos de água e em vales.

Este fármaco deve ter no fármaco seco, no mínimo, 2.5% de


derivados hidroxicinâmicos totais expressos em ácido clorogénico ou
ácido cafeotânico (produto resultante da condensação do ácido
cafeico e do ácido quínico). HO COOH

HO O
OH
OH O
OH

Os principais constituintes activos das folhas são os derivados


hidroxicinâmicos, os compostos cumarínicos, os flavonóides, os
taninos gálhicos e condensados (cerca de 8%) e as mucilagens.

As folhas do freixo em infusões e cozimentos são utilizadas para facilitar a digestão, a eliminação
renal da água (adjuvante em regimes de emagrecimento) e no tratamento sintomático das
manifestações dolorosas articulares.

| Capítulo 6 – Fenóis 51
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

5.2. Alcachofra
O fármaco alcahofra é constituído pelas folhas radicais, secas,
inteiras ou fragmentadas de Cynara scolymus L.

As folhas possuem como constituintes activos ésteres de ácido


cafeico (ácido clorogénico e ácido 1,5-dicafeil-quínico), lactonas
sesquiterpénicas que lhe dão um gosto amargo e flavonóides.

A alcachofra sempre foi considerada como tendo actividade


colerética e colagoga, sendo utilizada para diminuir o colesterol e os
triglicéridos (no sangue), para favorecer a eliminação renal (na água) e para favorecer a função
digestiva.

5.3. Alecrim
Na medicina popular, usam-se as folhas de alecrim (Rosmarinus officinalis
L.), que deve ter, no mínimo, um teor de 12 mL/kg de óleo essencial (fármaco
seco) e 3% de derivados hidroxicinâmicos, expressos em ácido rosmarínico, no
fármaco seco.

Os constituintes activos das folhas são o óleo essencial, ácidos fenólicos,


ésteres heterosídicos fenilpropanóicos, ésteres do ácido cafeico,
principalmente ácido rosmarínico, diterpenos tricíclicos e diversos flavonóides
de geninas metiladas.

OH
O COOH
HO
O OH

HO

Quanto à sua acção farmacológica, as folhas actuam como colagogo, colerético, diurético,
antioxidante e aromatizante. Por sua vez, o óleo essencial apresenta funções de espasmolítico e
antioxidante.

5.4. Erva-cidreira
O fármaco de erva-cidreira diz respeito às folhas secas de Melissa officinalis L.

Os principais constituintes activos são os derivados hidroxicinâmicos, que segundo a F.P. VIII,
quando expressos em ácido rosmarínico, não devem ser inferiores a 4.0%, sendo o aroma proveniente do

52 Capítulo 6 – Fenóis |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

óleo essencial com cerca de 50.0% dos aldeídos citral e citronelal. Para além disso, contém flavonóides,
ácidos fenólicos e derivados, mucilagens poliurónicas e óleo essencial.

Geralmente, a erva-cidreira é dividida em compostos polares que são relacionados com a infusão e
em compostos apolares que estão relacionados com os óleos essenciais.

Quanto à acção farmacológica, as folhas são utilizadas pelas propriedades sedativas e digestivas,
sob a forma de tisanas.

5.5. Chá-de-java
O fármaco de chá-de-java diz respeito às folhas e extremidades dos caules de
Orthosiphon stamineus.

Os principais constituintes activos são sais de potássio, terpenóides, flavonóides e


derivados do ácido cafeico como o ácido rosmarínico, o ácido litospérmico e os ácidos
cafeioiltratáricos.

Quanto à utilização farmacológica, é utilizado principalmente como diurético e


como digestivo.

| Capítulo 6 – Fenóis 53
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54 Capítulo 6 – Fenóis |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 7 – Lenhanas

As lenhanas designam os compostos cujo esqueleto resulta do estabelecimento de uma união entre
os carbonos β das cadeias laterais de duas unidades derviadas do 1-fenilpropano, isto é, de duas
unidades fenilpropanóicas, com uma ligação obrigatória entre os carbonos 8 de cada uma das moléculas.
Para além desta ligação, poderão ou não, existir outras ligações.

Para além das lenhanas, as plantas fazem também outros compostos aparentados, como as
neolenhanas ou as norlenhanas, mas que não são objecto de estudo.

1. Constituição das lenhanas


A mais vasta representação, quer em distribuição nas espécies vegetais, quer em massa absoluta,
dos fenilpropanóides, na Natureza, é a lenhina.

A lenhina é um polímero de três álcoois: álcool coniferílico, sinápico e p-cumárico, sendo que a
proporção entre estas três moléculas varia de espécie para espécie. Até agora, ainda nenhuma molécula
de lenhina foi devidamente identificada devido ao elevado número de ligações possíveis entre os
monómeros. Muito provavelmente, a molécula faz estruturas em rede, uma vez que é função da lenhina
dar resistência às paredes celulares.

CH2OH CH2OH CH2OH

OMe MeO OMe


OH OH OH
Álcool coniferílico Álcool sinápico Álcool p-cumárico

2. Plantas com lenhanas


As lenhanas são referidas em Farmacognosia devido à existência de um grupo de lenhanas de alto
valor terapêutico, em duas plantas de utilização tradicional: uma americana (Podophylum peltatum) e
outra indiana (Podophylum hexandrum). Estas plantas, ambas do mesmo género – Podophylum – têm
composição química muito semelhante.

Ambas as espécies são tóxicas, mas apesar disso, quando tomados os cuidados devidos, foram
utilizadas pelas populações nativas dos respectivos países de origem.

| Capítulo 7 – Lenhanas 55
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

A espécie Podophylum hexandrum foi utilizada como purgativo, emético (vomitivo), para tratar
ferimentos necrosados e para inibir o crescimento de tumores.

A espécie Podophylum peltatum foi utilizada como modificadora do processo digestivo (para
problemas de estômago e aumentar a salivação). Em doses mais elevadas, era usada para aumentar as
secreções hepáticas e intestinais. Utilizava-se ainda para tratar a hidropisia (edema generalizado
devido à retenção de água nos tecidos e cavidades orgânicas) devido à descarga de água que provocava.

Dada a utilização no tratamento de verrugas, não é difícil admitir a curiosidade despertada nos
investigadores que, obviamente, tentaram encontrar os agentes causadores dessa inibição. Hoje é fácil
entender que se tenham encontrado compostos antineoplásicos.

Na Natureza, existem outras lenhanas também com propriedades antimitóticas. Contudo, a sua
toxicidade impede-lhe a utilização terapêutica. A maior parte das lenhanas encontradas na Natureza
não tem, provavelmente, qualquer interesse para o homem. No entanto, o caso muda de figura quando se
fala de interesse para a própria planta pois acreditamos que se as plantas as fazem é porque precisam
delas, nomeadamente como agentes de defesa.

Geralmente, a parte da planta utilizada consiste na raiz ou no rizoma, com 3 a 6% de resina.


Relativamente ao extracto alcoólico, este é concentrado e precipitada a resina por adição de solução de
ácido clorídrico diluído, seguindo-se lavagem e secagem do precipitado obtido, tendo normalmente um
teor em resina de 2 a 8%. A única diferença existente é que no caso da espécie Podophylum hexandrum,
o teor em resina é de 6 a 12%.

Os principais constituintes da resina pertencem ao grupo das lenhanas, em que o composto em maior
concentração (20%) é a podofilotoxina, encontrando-se os seus componentes, livres e sob a forma de
glucósidos. Os principais componentes desta resina são:

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Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

R3 R2
Podofilotoxina (20%): R1 = CH3 ; R2 = OH ; R3 = H
O
α-Peltatina (5%): R1 = H ; R2 = H ; R3 = OH
O
β-Peltatina (15%): R1 = CH3 ; R2 = H ; R3 = OH
O
Desoxipodofilotoxina: R1 = CH3 ; R2 = H ; R3 = H
O

MeO OMe
OR1

No entanto, para além da podofilotoxina, existem ainda vários derivados deste composto, tais como:
O
Etopósido: R = CH3 R
O
Tenipósido: R =
S
(tienil) O

O
O
O
O
O

MeO OMe
OH

Quanto ao mecanismo de actuação destes compostos, é diferente do mecanismo da podofilotoxina,


pois inibem a topoisomerase II, enzima necessária à replicação do DNA. Para além disso, são utilizados
como antineoplásicos em diversas situações, embora sejam usados em situações um pouco diferentes.

Actualmente, estas plantas são tóxicas: por ingestão, ou mesmo por contacto cutâneo, provocam
inicialmente problemas digestivos e, depois, encefalopatia e neuropatia periférica e toxicidade
hematológica. Em casos graves, provoca sintomas que podem durar vários meses (problemas de
locomoção e sequelas neurológicas diversas) e podem mesmo ser fatais.

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Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

58 Capítulo 7 – Lenhanas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 8 – Flavonóides

Os flavonóides têm inúmeras funções na Natureza e formam um vasto grupo de metabolitos


secundários com actividades biológicas muito diversas.

Os principais compostos fenólicos, onde se integram também os flavonóides, não se encontram livres
na Natureza, mas sob a forma de ésteres ou, mais geralmente, sob a forma de heterósidos. Os
flavonóides são moléculas de baixo peso molecular que se encontram amplamente distribuídas no reino
vegetal, estando presentes em toda a parte aérea das plantas. Todos têm por base a estrutura da
flavona (2-fenil-benzopirona) e incluem um enorme grupo de moléculas que divergem em pequenas
partes da sua estrutura básica.

1. Origem biossintética dos flavonóides


A origem dos flavonóides observa-se com detalhe através das suas estruturas, sendo nítida no caso
das chalconas: ocorre a condensação de um triacetato (anel A) e de um ácido cinâmico (anel B), em que a
ciclização dá origem ao anel pirânico central. Esta hipótese foi confirmada pelo emprego de precursores
marcados e por estudos a nível enzimático, tanto em culturas de tecidos como na planta completa.

Desta forma, conclui-se que o primeiro anel (anel A) é sintetizado via acetato, pela junção de três
moléculas de acetil-CoA, enquanto o resto da molécula é sintetizado com uma molécula de um ácido da
classe dos fenilpropanóides (pode ser o ácido cinâmico, o ácido p-cumárico ou, mais frequentemente, o
ácido cafeico ou outros), e por isso é sintetizado via chiquimato.

Respeitando a ordem biossintética, o primeiro anel é o anel A, o anel B é o que resulta da via
chiquimato e o anel C (que é o último a ser criado e pode até não existir) é o anel central. A numeração
destes compostos não respeita a biossíntese mas faz-se pelas regras convencionais de numeração.
Deste modo, um flavonóide é considerado uma cromona com um radical fenilo (portanto, uma
fenilcromona) e dá-se o número 1 ao heteroátomo seguindo a numeração pelo sentido dos ponteiros do
relógio e numerando, apenas no fim, os átomos de carbono quaternários.

 Os flavonóides são moléculas de biossíntese mista.

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Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Em suma, os flavonóides sintetizam-se nas plantas e participam na fase luminosa da fotossíntese,


durante a qual catalisam o transporte de electrões. A sua formação tem lugar a partir dos aminoácidos
aromáticos fenilalanina e tirosina e também de unidades de acetato. A fenilalanina e a tirosina dão lugar
ao ácido cinâmico e ao ácido p-hidroxicinâmico, que ao condensar-se com unidades de acetato originam a
estrutura cinamoil dos flavonóides.

2. Classificação de flavonóides
Por uma questão de organização, é costume agrupar os flavonóides de acordo com a química do anel
central (anel C).

Flavonas Flavonóis Flavanonas

R = H, apigenina R = H, campferol R = H, naringetina

R = OH, luteolina R = OH, quercetina R = OH, eriodictina

Dihidroflavonóis Flavanóis Flavanodióis

R = H, dihidrocampferina R = H, afzelequina R = H, leucopelargonidina

R = OH, dihidroquercetina R = OH, catequina R = OH, leucocianidina

Chalconas Auronas Antocianidinas

R = H, isoliquiritigenina hispidol R = H, pelargonidina

R = OH, buteína R = OH, cianidina

60 Capítulo 8 – Flavonóides |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Os flavonóides podem ocorrer na forma de genina (aglicona), glicosídica ou como derivados


metilados, como já foi referido. Os flavonóides na forma de genina consistem num anel benzénico (A),
condensação com um anel de 6 membros (B) que, por sua vez, transporta um anel fenílico (C) como
substituintes na posição 2. O anel de 6 membros (B) condensado com o anel benzénico, ou é uma γ-
pirona (flavonóis e flavonas) ou o seu derivado di-hidro. A posição dos substituintes benzénicos divide a
classe destas moléculas em flavonóides (substituição na posição 2) e isoflavonóides (substituição na
posição 3). Os flavonóis diferem das flavonas por possuírem um grupo hidroxilo na posição 3 e ambos
têm uma dupla ligação entre C2 e C3. As catequinas são muito semelhantes aos flavonóis, mas
distinguem-se destes por não possuírem o grupo carbonilo característico no anel C.

Os flavonóides estão muitas vezes hidroxilados nas posições 3, 5, 7, 3’, 4’ e 5’. Quando se formam
heterósidos, a ligação glicosídica está normalmente localizada na posição 3 ou 7 e as oses são
usualmente a L-ramnose, a D-glucose ou di-holósidos de glucose e ramnose.

As antocianinas são os glucósidos hidrossolúveis das antocianidinas e fazem parte dos fenóis com
15 átomos de carbono, conhecidos colectivamente como flavonóides com o típico sistema de anel-A
benzoil, e o anel-B hidroxicinamoil com um sistema de numeração dos carbonos igual a todos os outros
flavonóides.

 Os flavonóides podem surgir na Natureza com os seus hidroxilos intactos. Contudo essa não é a
regra, mas antes a excepção. Assim, se a planta precisa de um composto menos polar, para o poder
armazenar em determinados locais mais apolares, vai fazer a metilação dos hidroxilos e em vez de
existirem radicais OH, passam a existir radicais OMe. Por outro lado, se a planta quer armazenar o
flavonóide numa forma mais polar, acrescenta-lhe açúcares, que vão ter posições preferenciais. Neste
caso, os açúcares podem ligar-se aos flavonóides através de um hidroxilo (formando um O-heterósido –
forma mais frequente) mas pode também ligar-se por uma ligação carbono-carbono (e forma um C-
heterósido). Acontece que os açúcares só fazem ligações carbono-carbono em dois locais: nas posições
6 e/ou 8 do anel A.

3. Absorção dos flavonóides no UV


No geral, todas as moléculas aromáticas têm absorção no UV. O comprimento de onda de absorção
vai aumentando à medida que o sistema se torna mais conjugado, sendo que por isso, uma flavona
absorve num comprimento de onda maior do que a correspondente flavanona. Para além disso, o
comprimento de onda também vai aumentado à medida que vão surgindo mais grupos cromóforos. Neste
caso, um flavonol absorve num maior comprimento de onda que a correspondente flavona e por isso as
flavanas (flavanóis e flavanodióis) absorvem em baixo comprimento de onda (cerca de 280 nm).

O prefixo “flavo” significa, por si só, amarelo, fazendo com que durante muito tempo se pensasse
que os flavonóides eram os responsáveis pelas colorações amarelas na Natureza. No entanto, se tivermo
em conta os espectros de absorção notamos que de facto a maioria dos compostos nem absorve no
visível. Por exemplo, as auronas (cujo nome significa obviamente, cor do ouro), aproximam-se mais dos
compostos corados.
| Capítulo 8 – Flavonóides 61
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Os compostos mais corados da família dos flavonóides são as antocianidinas


antocianidinas, e respectivos
heterósidos denominados de antocianinas. A própria palavra (de origem grega) é formada por duas
partes: anto (que se refere a flor) e ciano (que significa azul). De facto, as antocianinas e
antocianidinas não são apenas responsáveis pelas colorações azuis mas também pelas colorações
vermelhas e todas as intermédias entre o azul e o vermelho.

Por fim, as colorações amarelas da Natureza são geralmente da responsabilidade dos terpenóides
conjugados da família dos carotenóides como o β-caroteno
caroteno da cenoura ou do licopeno do tomate.

4. Funções dos flavonóides na coloração


Conforme foi referido, as antocianinas são os agentes responsáveis pelas colorações do azul ao
vermelho. Isto é, quer nos miosótis,
miosótis quer nas flores veremelhas, quer nas uvas ou nas cerejas, os
responsáveis pelas colorações são sempre os pigmentos antociânicos.

No entanto, as antocianinas,
aninas, quando em laboratório, podem assumir uma coloração azul ou vermelha
dependendo do pH. Estes factos fizeram-nos
fizeram nos pôr a hipótese de que nas células dos vegetais, a
coloração das antocianinas também depende do pH. Isto é, as células das uvas tintas (qu
(que de facto são
azuis) seriam alcalinas enquanto que as células da epiderme de uma maçã vermelha seriam ácidas. De
facto, não é assim.

De facto, a coloração das flores e dos frutos depende da co-pigmentação,, que não é mais do que
dizer que a coloração exibida
da depende do conjunto de pigmentos presentes, depende do arranjo desses
pigmentos e depende da presença de metais.

62 Capítulo 8 – Flavonóides |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Alguns pigmentos antociânicos conhecidos são:

Delfinidina: R1 = OH, R2 = OH
Cianidina: R1 = OH, R2 = H
Petunidina: R1 = OH, R2 = OCH3
Peonidina: R1 = OCH3, R2 = H
Malvidina: R1 = OCH3, R2 = OCH3

coloração observada pigmentos exemplos

branco, marfim, creme flavonas e/ou flavonóis 95% das flores "brancas"
amarelo carotenóides maioria das flores amarelas
flavonóis mais hidroxilados Primula
chalconas ou auronas Dahlia
carotenoides + flavonóis Coreopsis

laranja carotenóides Lilium


antociânicos + auronas Anthirrinum

vermelho cianidina + carotenóides Tulipa

rosa peonidina Peony

azul delfinidina + co-pigmento a maior parte das flores azuis


delfinidina com acilação aromática Gentiana

púrpura escuro delfinidina em altas concentrações tulipas escuras, amores-perfeitos

5. Funções dos flavonóides nas plantas


Os flavonóides não participam na polinização apenas por participarem na coloração visível das flores.
Para além disso, os animais polinizadores não têm todos as mesmas preferências.

Uma das funções que é atribuída aos flavonóides é, conforme já foi referido, a coloração das flores
e dos frutos. De qualquer forma, essa não é de certeza a única função, pois os flavonóides são
abundantes nas folhas verdes e mesmo em outras partes da planta nomeadamente em partes
subterrâneas.

Assim, os investigadores atribuem aos flavonóides a função de defender os tecidos vegetais das
radiações ultravioleta, uma vez que têm a capacidade de absorver bastante no UV. Esta hipótese foi
sobretudo fundamentada no facto de a clorofila (que é uma molécula sensível às radiações) ser
destruída nas plantas que, por mutação genética, não fazem flavonóides.

| Capítulo 8 – Flavonóides 63
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Pontualmente, alguns flavonóides têm demonstrado estar implicados na relação das plantas com os
insectos. Nalguns casos estudados, os flavonóides mostraram funcionar como atractivos de certos
insectos mas noutros casos, os flavonóides exibiram propriedades antinutrientes para os insectos e, por
isso, desincentivando-os de se alimentarem nessas espécies vegetais.

6. Impacto dos flavonóides na biologia dos mamíferos


As principais propriedades biológicas dos flavonóides relativamente aos mamíferos são as seguintes:

Vitamínicos P
Anti-inflamatórios
Anti-alérgicos
Hepatoprotectores
Hipocolesterolemiantes
Diuréticos
Antioxidantes
Inibidores enzimáticos
Antibacterianos
Antivíricos

Estas propriedades não são propriedades gerais dos flavonóides. Trata-se antes, de um conjunto de
propreidades que já foram encontradas e evidenciadas em alguns flavonóides em particular.

Das propriedades citadas, talvez a mais bem estudada, a mais generalizada e a única que na Europa
tem aplicação terapêutica, é a chamada propriedade vitamínica P. De qualquer forma, convém referir
que esta designação foi atribuída aos flavonóides, porque conseguem curar certos sintomas que
aparecem paralelamente ao escorbuto e que não são curados pela administração de vitamina C apenas.

Os flavonóides, incluindo os antocianósidos e também alguns taninos e ainda outras substâncias, são
de facto substâncias (factores) capazes de aumentar a resistência dos capilares sanguíneos e diminuir
a sua permeabilidade (daí a designação de P).

Outras das propriedades mencionadas e bastante estudadas são a inibição enzimática e a anti-
oxidante. Estas propriedades estão estudadas sobretudo in vitro e não in vivo, mas poderão justificar a
sua interferência a nível do processo inflamatório, do sistema imunitário e dos processos em que
sabemos estarem implicados os radicais livres (como sejam a aterosclerose, o envelhecimento e certos
cancros). Estas actividades poderão, também, justificar parte das acções que a tradição costuma
atribuir a algumas plantas que hoje sabemos serem ricas em flavonóides.

64 Capítulo 8 – Flavonóides |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

7. Utilização terapêutica dos flavonóides


Das propriedades biológicas atrás referidas, a única utilizada em terapêutica, é a propriedade
venotónica (ou vasculo-protectora) ou seja, a propriedade vitamínica P. Esta é, de facto, a única
propriedade que, em alguns países, se considera suficientemente comprovada, quer por ensaios de
laboratório, que por observações clínicas (em humanos), para valer a pena a criação de medicamentos
com flavonóides. Para estes medicamentos, foram seleccionados flavonóides que revelaram bons
resultados nos referidos ensaios, isto é, que se mostraram capazes de aumentar a resistência dos vasos
capilares e veias.

O método mais clássico para apreciar a resistência dos capilares consiste em medir a depressão
necessária para provocar a sua rotura. A depressão é obtida por meio de uma ventosa aplicada na pele e
a rotura dos capilares manifesta-se pela formação de petéquias (pequenas manchas vermelhas,
punctiformes ou lenticulares). As situações em que se recomenda a utilização destes medicamentos são
sobretudo os problemas hemorroidários e as varizes mas também os de fragilidade capilar (que
provocam rebentamento dos capilares com aparecimento de raiados vermelhos na pele) e mesmo os de
metrorragias ligeiras (hemorragias uterinas).

IVC (Insuficiência Venosa Crónica) – definida como a incapacidade da manutenção do equilíbrio


entre o fluxo do sangue arterial que chega ao membro inferior e o fluxo venoso que retorna ao coração.
Provoca um aumento da tensão venosa que, quando crónica, leva a alterações de pele e subcutâneas. O
aumento da pressão venosa e do fluxo transmitido das veias profundas para as superficiais,
principalmente pelas veias perfurantes, pode causar varizes (veias dilatadas e nodosas).

8. Flavonóides comercializados
Existem duas principais classes de flavonóides comercializados:

Citroflavonóides – são muito utilizados pelos seus óleos essenciais, sendo também usados como
fontes de pectinas e flavonóides. Estes encontram-se maioritariamente no pericarpo, sobretudo sob a
forma de heterósidos de flavanonas. Estruturalmente, estes heterósidos implicam que dois
ramnoglucósidos se diferenciem: a rutinose e a hesperidose. Todos estes flavonóides podem ser
utilizados individualmente ou em associações várias, sendo que as principais utilizações se encontram
relacionadas com a insuficiência veio-linfática, o tratamento de transtornos funcionais de fragilidade
capilar, o tratamento de sintomas funcionais ligados a crises hemorroidais, etc.

Rutina (ou rutósido) – ainda que seja relativamente abundante na Natureza, apenas um pequeno
número de drogas contém rutina em quantidade suficiente para permitir a sua extracção industrial. A
rutina, individual ou associada, é proposta para ser utilizada em situações semelhantes às descritas
para os citroflavonóides.

| Capítulo 8 – Flavonóides 65
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Alguns medicamentos comercializados com flavonóides são:

Veno-V; Venex – diosmina (5,3’-OH-4’-OMe-7-rutinosilflavona)


Venosmil; Veroven – hidrosmina (diosmina hidroxietilada)
Daflon; Actilan; Cyclo-3 – (5,3’-OH-4’-OMe-7-rutinosilflavanona)
Rutinicê – 5,7,3’,4’-OH-3-rutinosilflavonol
Venoruton – rutina hidroxietilada
Difrarel; Varison – antocianósidos do Mirtilo

9. Plantas medicinais com flavonóides

Macela – Anthemis nobilis


Pirliteiro – Crataegus spp
Calêndula – Calendula spp
Betula spp
Sabugueiro – Sambucus nigra
Mirtilo – Vaccinium myrtillus
Cardo Mariano – Silybum marianum
Ginkgo – Ginkgo biloba
Passiflora – Passiflora incarnata

9.1. Cardo Mariano


O fármaco de cardo mariano diz respeito aos frutos de Silybum marianum L., que pertence à família
das Compostas ou Asteráceas.

Contém entre 20 e 30% de lípidos, proteínas, açúcares e flavonóides: quercetina, taxifolina,


eriodictiol, crisoeriol, etc. Os constituintes responsáveis pela actividade do fármaco são flavolenhanos
que resultaram de uma mistura de produtos de adição de um álcool fenilpropanóico – o álcool
coniferílico – e um 2,3-dihidroflavonol – a taxifolina -. Esta mistura, normalmente chamada silimarina,
representa de 1.5% a 3% do fármaco, sendo que o seu constituinte maioritário é a silibina, um
benzodioxano de mistura 1:1 de dois diestéreoisómeros e os restantes constituintes são a silicristina e
a silidianina.

O CH2OH

HO O OMe
O
Silibina
OH OH
OH O

66 Capítulo 8 – Flavonóides |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Relativamente à acção farmacológica, este fármaco é maioritariamente


utilizado como:

Anti-hepatotóxico, em relação a vários tóxicos, inclusive a faloidina


Inibidor da peroxidação lipídica e anti-radicalar
Estimulante da síntese proteica (auxiliar na recuperação hepática após
dano tóxico)

Para além disso, ainda é utilizado geralmente no tratamento de


hepatopatias agudas e crónicas.

9.2. Ginkgo
O fármaco de ginkgo corresponde à folha seca, inteira ou fragmentada, de Ginkgo biloba L., e tendo
um teor mínimo de 0.5% de flavonóides calculados em heterósidos flavonóides (fármaco seco).

O extracto de ginkgo contém proantocianidinas na forma mais ou menos condensada (dímeros ou


polímeros). Os elementos base destas proantocianidinas são os flavanóis ionizados, a delfinidina e a
cianidina. Os flavonóis existentes no ginkgo são mais de 20, sendo que os mono-, di- e triglucósidos e os
ésteres cumáricos de quercetina gluco-ramnósidos e de campferol gluco-ramnósido estão presentes em
percentagem relativamente elevada. Para além destes flavonóides, o ginkgo ainda contém terpenos na
sua composição.

Actividade Farmacológica:

O ginkgólido B é um inibidor do “Platelet activating factor” (PAF) mediador fosfolipídico


intercelular segregado pelas plaquetas, os leucócitos, os macrófagos e as células endoteliais vasculares.
Este mediador está envolvido em diversos processos: agregação plaquetária, formação de trombos,
reacção inflamatória, alergias, etc. Esta actividade anti-PAF e a dos flavonóides, em particular a sua
actividade anti-radicais livres, pode explicar as numerosas propriedades do extracto de Ginkgo
observadas em animais de laboratório.
Os flavonóides presentes são antioxidantes e antiradicalares.
O extracto mostrou as seguintes capacidades:
Vaso-regulador
Inibidor da agregação plaquetária e eritrocitária
Diminuidor da permeabilidade capilar
Melhorar a irrigação tecidular
Activar o metabolismo de certas células

| Capítulo 8 – Flavonóides 67
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Por comprovação clínica, são atribuídas ao extracto de ginkgo a capacidade de tratar os sintomas
da insuficiência cerebral do idoso (dificuldades de concentração, alterações da memória, confusão,
problemas do humor, falta de energia, cefaleias,…)

Quanto à utilização generalizada, é aplicado em vários casos:

Tratamento corrector dos sintomas da deficiência intelectual do idoso


Tratamento de vertigens e baixas da acuidade auditiva de presumível origem isquémica
Tratamento de problemas retinianos de presumível origem isquémica

68 Capítulo 8 – Flavonóides |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 9 – Cumarinas

Se recordarmos a via chiquimato, um grupo de compostos que são sintetizados logo nos primeiros
passos é o dos ácidos cinâmicos (compostos C6 – C3, isto é, com um grupo fenilo e uma cadeia carbonada
com 3 átomos de carbono).

Mas, tendo em atenção que estes compostos derivam do ácido prefénico, é fácil de entender que
mais abundante será o ácido p-cumárico, uma vez que possui um hidroxilo em posição oposta à cadeia
carbonada, tal como acontece no ácido prefénico.

Os ácidos m-cumárico e o-cumárico também existem na Natureza, mas são mais raros uma vez que
implicam a existência de um conjunto de enzimas que não existem em todas as espécies.

O termo cumarina teve origem no nome vernáculo caribenho cumaru dado à fava-tonka, de cujas
sementes, em 1820, foi extraída a cumarina. Hoje conhecem-se centenas de cumarinas, todas derivadas
do 5,6-benzo-2-pirona (α-cromona) resultantes da existência de substituintes (OH, OCH3, CH3) no anel
benzénico, distinguindo-se nas cumarinas simples as C-preniladas e as O-preniladas.

Derivando das cumarinas simples conhecem-se outros compostos, muitos deles interessando à
terapêutica, tais como as furanocumarinas que contêm um anel furânico, as piranocumarinas lineares e
as piranocumarinas angulares, as cumarinas diméricas de que é exemplo o dicumarol e as
furanocromonas, caso da quelina.

1. Origem biossintética das cumarinas


A biossíntese destes compostos começa com o ácido trans-cinâmico, que é oxidado a ácido o-
cumárico, seguindo-se uma glicosilação. Este heterósido é depois isomerizado para a correspondente
forma cis-, dando origem à cumarina ao se fechar o anel.

As furanocumarinas derivariam das cumarinas simples, na hipótese mais aceite, por adição de uma
cadeia isopentenílica que, após formação de um epóxido por oxidação da dupla ligação dessa cadeia,
daria o anel furânico.

| Capítulo 9 – Cumarinas 69
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

No entanto, para além da via iniciada pelo ácido o-cumárico que vai originar a cumarina em
quantidade reduzida, existe outra via em que participa o ácido 2,4-di-hidroxicumárico que vai dar
origem à umbeliferona, em quantidade muito mais abundante que a cumarina.

Este facto permite concluir que dada a frequência da existência de hidroxilo na posição para,
podemos dizer que é mais abundante a umbeliferona do que a da cumarina pura e simples. Isto é, o ácido
o-cumárico é mais raro que o ácido 2,4-dihidroxicumárico, o que não significa que a síntese da
umbeliferona seja mais fácil.

HO HO O O
HO OH
O

Ácido 2,4-di-hidroxicumárico Umbeliferona

2. Estruturas das cumarinas


Tendo em conta a estrutura apresentada, pode verificar-se que a
posição 7 é a posição oposta à cadeia carbonada. Ou seja, a posição 7
tem, normalmente, um substituinte hidroxilo (que pode ser mais tarde
metoxilado ou glicosilado).

Por outro lado, nos compostos sintetizados via chiquimato, os


substituintes hidroxilo vão surgindo em torno do hidroxilo da posição
inicial, ou seja, neste caso, aparecem primeiro na posição 6 e, posteriormente, aparece o da posição 8.

Muitas das estruturas das cumarinas têm um ou mais radicais isoprénicos. As estruturas
isoprénicas são estruturas de 5 carbonos e uma ramificação no terceiro carbono e podem estar ligadas
ao núcleo cumarínico directamente (por uma ligação carbono-oxigénio ou através de um oxigénio).

70 Capítulo 9 – Cumarinas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Na estrutura da visnadina, da xantiletina e na da obliquina, surge um terceiro anel hexagonal


formado com auxílio desse radical isoprénico, sendo que a visnadina e a xantiletina são piranocumarinas.

Por sua vez, na estrutura da imperatorina, chalepsina e angelicina há um furano anexo ao núcleo
cumarínico, sendo que este anel furânico é também sintetizado com auxílio de uma unidade isoprénica
que entretanto perdeu os três carbonos terminais.

Se a unidade isoprénica (que deu origem ao furano) estava ligada ao carbono 6, há formação de um
furano na mesma linha do núcleo cumarínico e temos furanocumarinas lineares, como por exemplo a
imperatocumarina e a chalepsina. Se a unidade isoprénica (que deu origem ao furano) estava ligada ao
carbono 8, há formação de um furano fazendo um ângulo relativamente ao núcleo cumarínico e temos
furanocumarinas angulares como a angelicina.

3. Plantas caracterizadas pela presença de cumarinas

3.1. Castanheiro-da-Índia
Em fitoterapia, o fármaco de castanheiro-da-Índia refere-se às cascas dos ramos, às folhas e por
vezes às sementes de Aesculus hippocastanum L.

As cascas e as folhas contêm, principalmente, heterósidos de núcleo


cumarina: esculina ou esculósido (6β-D-glucosiloxi-7-hidroxicumarina)
cujo conteúdo se pode elevar de 3 a 4%, esculetina e outras
hidroxicumarinas livres. Identificaram-se ainda a fraxina ou fraxósido,
com ligeira actividade cardíaca, entre outros compostos.

O castanheiro-da-Índia é utilizado no tratamento das perturbações


da circulação venosa, devido às suas propriedades vasoconstritoras nos estados congestivos do sistema
venoso, hemorróidas, varizes, flebites e, por extensão, em situação de hemoptise. Considera-se ter a
escina um contributo mais importante que os compostos hidroxicumarínicos na diminuição da
permeabilidade, na fragilidade capilar e na inibição da actividade da hialuronidase. Em relação a efeitos
tóxicos, considera-se o castanheiro-da-Índia com uma certa acção irritante para o tracto
gastrointestinal devido aos saponósidos, aos quais se reconhecem propriedades hemolíticas, devendo
ser, também, evitado em pacientes com insuficiência renal ou insuficiência hepática pré-existente.

3.2. Meliloto
O fármaco de meliloto consiste na sumidade florida, seca de Melilotus officinalis.

| Capítulo 9 – Cumarinas 71
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

Na sua constituição possui melilotósido,


melilotósido um glucósido do ácido 2-hidroxicinâmico
hidroxicinâmico que
facilmente se hidrolisa, originando, por lactonização, cumarina (0.4 a 1.0% na planta
seca); flavonóides derivados do campferol
mpferol e da quercetina; saponósidos de geninas
triterpénicas pentacíclicas e ainda vários ácidos fenólicos.

A planta tem propriedades anti-edematosas,


edematosas, aumentando os débitos venoso e linfático
e diminuindo a permeabilidade capilar, o que foi verificado por experimentação animal.
Os extractos de meliloto são habitualmente indicados, em associação com a rutina, para
melhorar os sintomas relacionados com a insuficiência veno-linfática.
veno linfática. Também se
utilizam no tratamento de sinais funcionais de crise hemorroidal.

3.3. Pilosela
O fármaco de pilosela consiste na planta inteira de Hieracium pilosella L.

A planta contém, maioritariamente, umbeliferona,, mas também derivados o-


dihidrocinâmicos (2.5%), flavonóides e, nas raízes, inulina.

Geralmente, é utilizada devido à sua


sua actividade bacterioestática no
tratamento da brucelose em medicina veterinária. Actualmente recorre-se
recorre à
pilosela para tratamentos diuréticos e digestivos e para favorecer a eliminação
renal da água.

3.4. Angélica
O fármaco de angélica é constituído pelos rizomas e raízes, inteiros ou fragmentados,
cuidadosamente secos de Angelica archangelica L., especificando que deve ter um teor, no mínimo, de
2.0 mL/kg de óleo essencial no fármaco seco.

Os principais constituintes activos das raízes são o óleo essencial


essencial (com 80 a 90% de
hidrocarbonetos monoterpénicos e de sesquiterpenos), lactonas macrocíclicas, cumarinas simples
(cumarina, umbeliferona e ostol), furanocumarinas lineares e angulares (angelicina, bergapteno,
xantotoxina, isoimperatorina), resina, glúcidos
glúcido diversos e taninos.

Devido à presença de substâncias amargas (lactonas e resina) e do óleo essencial a raiz estimula as
secreções gastrointestinais. A acção sedativa é atribuída à angelicina. Externamente o óleo essencial
tem acção rubefaciente, pelo que é usado, em fricções, no reumatismo.

72 Capítulo 9 – Cumarinas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

4. Aplicações das furanocumarinas em medicina


A capacidade que possuem as furanocumarinas, em particular as lineares do grupo dos psoralenos
(bergapteno e xantotoxina) e nas angulares, por exemplo, como a angelicina, de provocar a
hiperpigmentação cutânea levou os dermatologistas a empregarem estes compostos no tratamento da
psoríase e de outras afecções dermatológicas. Para isso, estas furanocumarinas são administradas per
os, sendo depois os doentes, nas zonas a tratar, irradiados com luz ultravioleta (UV). É a denominada
terapêutica PUVA (psoralenos + UV).

A PUVA tem também dado bons resultados no tratamento da psoríase, com a administração oral de
xantotoxina, antes do tratamento com os UV.

Admite-se que os psoralenos se entrecalem no DNA devido à sua natureza planar, o que facilita ar
reacção de cicloadição, iniciada pelos UV, entre as bases pirimídicas do DNA e o anel furano dos
psoralenos. No geral, os psoralenos são alergizantes, pelo que em condições normais se deve evitar o
seu contacto. Em pessoas sensíveis às plantas que os contêm e, em especial, aos óleos essenciais delas
obtidos, podem originar-se dermatites, por vezes acompanhadas de vesículas que muitas vezes evoluem
para a formação de bolhas volumosas, principalmente quando houve irradiação solar intensa.

5. Furanocumarinas e toxicidade
A relação entre as furanocumarinas e a toxicidade surgiu a partir de uma observação popular, pois
determinadas pessoas que tinham entrado em contacto com algumas espécies vegetais como as folhas
de figueira, a angélica, o aipo, a salsa ou a arruda, apresentavam várias queimaduras na pele exposta.

No entanto, este contacto só surtia em efeitos dermatológicos agravados se tivesse havido


exposição solar prévia da pele. Nestes casos, inicialmente surgia uma pequena dermatite que originava
uma pigmentação posterior.

O passo seguinte era descobrir os compostos envolvidos na origem das queimaduras existentes,
tendo-se chegado à conclusão de que eram as furanocumarinas lineares como a chalepensina e os
compostos do tipo dos psoralenos.

Desta forma, iniciou-se a evolução na terapêutica pela PUVA que pode ser aplicada nestes casos
apresentados acima.

6. Cumarinas e coagulação sanguínea


Na composição do pasto do gado com hemorragias, estava presente o meliloto que contém
melilotósido. No armazenamento prévio do pasto, há a fermentação fúngica devido à presença de fungos
que condicionam este processo, e onde a cumarina obtida a partir dos melilotósidos vai dar origem a
duas cumarinas que se ligam através de uma ponte metilénica (CH2) e com grupos hidroxilos nas
posições menos comuns.

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Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

A partir deste momento, surge a ideia de fabricar anticoagulantes pois há doenças que necessitam
destas substâncias como as tromboses. Tendo em conta o tempo de coagulação, é possível que se
administrem anticoagulantes, sendo que o dicumarol já não é utilizado em tratamentos humanos, mas
sim como raticida, pois quando é administrado em quantidades excessivas, o tempo de coagulação torna-
se demasiado longo e induzem-se hemorragias.

Os actuais análogos comercializados do dicumarol são a varfarina e o acenocumarol, que são


utilizados em tratamentos em pessoas de maior idade. A varfarina é um medicamento de semi-síntese e
o acenocumarol é um medicamento semelhante em estrutura, excepto que possui um grupo NO2 num dos
anéis. As pessoas em tratamento têm de fazer análises sanguíneas para que seja adaptada a dose de
medicamento respectivamente correcta, ou seja, procede-se a um mecanismo de benefício/risco.

74 Capítulo 9 – Cumarinas |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 10 – Salicilatos

Os principais compostos descritos e designados por salicilatos derivam da classe dos ácidos
fenólicos, mais precisamente do ácido salicílico ou ácido o-hidroxibenzóico.

COOH
OH

1. Produtos comercializados

Salicilato de 2-hidroxietilo
Salicilato de colina
Salicilato de dietilamina
Salicilato de fenilpropilo
Salicilato de metilo
Ác. acetilsalicílico
Acetilsalicilato de lisina

Em uso interno, são utilizados como antipiréticos, analgésicos, anti-inflamatórios e antiagregantes


plaquetários. Em uso externo, são usados como analgésicos, anti-inflamatórios, rubefacientes e anti-
reumatismais.

2. Plantas com salicilatos

2.1. Rainha-dos-prados
O fármaco rainha-dos-prados, também conhecido por ulmária, é constituído pelas sumidades
floridas secas, inteiras ou fragmentadas de Spirea ulmaria (Filipendula ulmaria).

Nas sumidades da planta verificou-se a presença de flavonóides sob a forma de heterósidos, tais
como o espireósido (glucósido do quercetol), o rutósido e o hiperósido, de taninos principalmente
hidrolisáveis, heterósidos de saliciliato de metilo e aldeído salicílico e ainda um óleo essencial.

| Capítulo 10 – Salicilatos 75
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

O fármaco deve conter, no mínimo, 1 mL/kg de óleo essencial, identificando no


óleo essencial, por cromatografia em camada fina, o salicilato de metilo e o aldeído
salicílico pela coloração violeta acastanhada que as manchas dão com solução de
cloreto férrico.

Em fitoterapia, são usadas preparações galénicas no tratamento sintomático do


reumatismo, mas também como febrífugos, analgésicos e anti-inflamatórios.

2.2. Salgueiro
No salgueiro, o fármaco é constituído pela casca, seca inteira ou fragmentada dos
ramos jovens ou porções inteiras, secas, dos ramúsculos do ano em curso, de várias
espécies do género Salix incluindo o Salix alba.

Para além dos compostos fenólicos, normalmente sob a forma de heterósidos,


onde predominam os derivados do ácido salicílico (salicilina, ou salicósido, o glucósido
do álcool salicílico) e outros derivados em quantidades vestigiárias, possui
proantocianidóis, taninos e flavonóides dentro dos constituintes farmacologicamente
activos.

As propriedades farmacológicas são muito semelhantes às da rainha-dos-prados,


actuando como febrífugo, analgésico e anti-inflamatório.

2.3. Choupo
No choupo, o fármaco é constituído pelas gemas foliares de Populus
nigra.

O fármaco é maioritariamente constituído por populósidos e por


salicilpopulósidos.

As propriedades farmacológicas são semelhantes às dos dois fármacos


anteriores.

76 Capítulo 10 – Salicilatos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

3. Caso paradigmático da Vanilla planifolia

A vanilla planifolia é um fármaco mais utilizado em indústrias alimentares do que em indútrias


farmacêuticas. O fruto surge sob a forma de cápsulas (“vagens”), isto é, sob o tipo de frutos que abrem
para libertar as sementes que contêm no seu interior. Apenas são colhidos quando estão completamente
maduros (verdes e com cheiro), momento em que são conduzidos para uma fermentação por
processamento. Este mecanismo inclui vários processos químicos que ocorrem sucessivamente. As
principais reacções envolvidas são: a formação de produtos corados e a formação de compostos
odoríferos (vários). Depois de fermentado, o fruto adquire coloração escura pois já não está
incompletamente maduro.

Geralmente, as cápsulas são isentas de aroma.

O composto que fornece cheiro ao fruto é o representado na imagem, que é um composto C6 – C1 e


que contém vanilina, vanilal, aldeído vanílico é aldeído 4-hidroxi-3-metoxibenzóico.

| Capítulo 10 – Salicilatos 77
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

78 Capítulo 10 – Salicilatos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Capítulo 11 – Taninos

Inicialmente, empregou-se o termo “tanino” para substâncias de origem vegetal, utilizadas pelas
suas propriedades de curtir as peles, isto é, capazes de transformar a pele fresca dos animais em
material imputrescível e pouco permeável, estando a sua importância história relacionada com esta
propriedade.

Mais tarde, aplicou-se a definição de Bate-Smith e Swain: “compostos fenólicos hidrossolúveis, com
pesos moleculares entre 500 e 3000, que dão reacções comuns aos fenóis e que precipitam alcalóides,
gelatina e outras proteínas”.

As interacções hidrófobas e as ligações de hidrogénio entre os grupos fenólicos dos taninos e


algumas macromoléculas explicam a adstringência característica dos taninos e a formação de complexos
com as fibras do colagénio da pele, conferindo-lhe resistência à água e ao calor. Porém, a estabilidade
dos complexos formados com a pele só é assegurada por ligações covalentes resultantes da oxidação
dos fenóis a quinonas. As massas moleculares dos taninos também são determinantes na formação e
estabilidade dos complexos; se forem muito elevadas, os taninos não penetram nos espaços
interfibrilhares, mas se forem muito pequenos, o número de ligações formado não é suficiente para
manter a irreversibilidade do complexo.

Esta adstringência é devida à desnaturação das glicoproteínas da saliva fazendo com que ela perca
as suas propriedades lubrificantes. Por isso, os taninos desencorajam-nos de comermos, por exemplo,
os frutos ainda verdes (mais ricos em taninos). À medida que o fruto vai amadurecendo, vai perdendo o
teor em taninos e aumentando, normalmente, o teor em açúcar porque aí é do interesse da planta que o
fruto seja comido para poder dispersar as sementes.

Mesmo relativamente a outros animais, também funcionam como antinutrientes e desencorajantes,


uma vez que precipitam as enzimas digestivas (não esquecer que as enzimas têm uma componente
proteica) dificultando a digestão.

Relativamente a fungos, bactérias e microrganismos em geral, os taninos funcionam do mesmo modo


uma vez que estes microrganismos têm que segregar enzimas para poderem digerir e atacar as plantas.
Por outro lado, o facto de os taninos (que são fenóis) complexarem metais, pode inibir o funcionamento
de enzimas (metaloenzimas) que precisam desses metais para poderem actuar. Por isso se diz que os
taninos são anti-sépticos.

A formação de radicais livres exige, habitualmente, a intervenção de luz que é capaz de provocar a
ruptura de ligações covalentes das moléculas para formação de radicais livres que, depois, se unem de
forma aleatória originando novas moléculas muito complexas.

| Capítulo 11 – Taninos 79
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

1. Utilidade dos taninos para o Homem


Tradicionalmente, os taninos são utilizados como impermeabilizantes das camadas externas (pele e
mucosas), na constrição de pequenos vasos superficiais, como antidiarreicos (porque imobilizam
parcialmente a parede intestinal) e em cosmética como adstringentes e antitranspirantes (anti-
sépticos, porque têm a capacidade de apertar os poros).

As novas perspectivas orientam para o facto de os taninos poderem vir a ser utilizados na
exploração das propriedades antioxidantes na prevenção de doenças em que os radicais livres estão
implicados (cancro, inflamação, etc.)

Porque precipitam as proteínas superficiais da pele e provocam vasoconstrição das arteríolas, podem
ser úteis para proteger a pele queimada contra invasão de microrganismos, evitam a perda de fluidos e
favorecem a regeneração dos tecidos. Um mecanismo semelhante pode justificar o seu uso tradicional
para proteger a mucosa gástrica em caso de úlcera. Por outro lado, ainda o facto de precipitarem as
proteínas, faz deles homeostáticos, em pequenas hemorragias, pois precipitam as proteínas do soro
sanguíneo. Os taninos podem, ainda, funcionar como antídotos em caso de envenenamento por alcalóides
(excepto a morfina) uma vez que os precipitam e impedem a sua passagem à corrente sanguínea.

2. Constituição química dos taninos


Durante muito tempo, quase tudo o que se sabia acerca dos taninos, era que havia uns eu eram
hidrolisáveis por meio ácido (e libertavam ácido gálhico e/ou elágico) e que outros, qundo sujeitos às
mesmas condições laboratoriais davam um precipitado vermelho (a que se chamou vermelho de
flobafeno) e por isso deu-se-lhe o nome de taninos condensados.

Quando os investigadores sujeitavam os taninos a fusão alcalina ou a degradação térmica (que


rompem profundamente a molécula) verificavam, também que os hidrolisáveis libertavam pirogalhol,
enquanto os condensados libertavam pirocatecol e/ou ácido protocatéquico.

3. Classificação de taninos
Nas plantas superiores têm-se distinguido, habitualmente, dois grupos de taninos estruturais e
biogeneticamente diferentes: taninos hidrolisáveis (galhotaninos e elagitaninos) e taninos
condensados.

80 Capítulo 11 – Taninos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

3.1. Taninos hidrolisáveis


Os taninos hidrolisáveis são ésteres de um poliálcool e de ácido gálhico.

Os galhotaninos e elagitaninos são metabolitos de um poliol alifático, central (geralmente a glucose),


esterificado por moléculas de um ácido fenólico. São raros os taninos hidrolisáveis constituídos por
outro poliol que não a glucose

De acordo com a natureza do ácido fenólico, temos:

Taninos gálhicos ou galhotaninos, em que o ácido fenólico é o ácido gálhico;


Taninos elágicos ou elagitaninos, normalmente assim designados, embora de modo impróprio,
nos quais o elemento estrutural é o ácido hexa-hidroxidifénico (HHDF) e/ou os derivados
resultantes da sua oxidação (desidro-hexa-hidroxidifénicos – DHHDF).

Nesta estrutura A (um dos taninos mais simples que existe),


notamos que o poliálcool é a glucose e que esta está ligada a 5
ácidos gálhicos – pentagalhoilglucose.

Nesta estrutura B, notamos que duas das unidades de ácido


gálhico estão unidas por uma ligação carbono-carbono, ao nível
do C2 do anel. Esta ligação não é hidrolisável. Isto significa
que, ao sujeitar a molécula a uma hidrólise, se liberta uma
glucose, 3 ácidos gálhicos e dois ácidos gálhicos que surgem
ligados entre si, formando o ácido hexahidroxidifénico. Este
ácido é instável nas condições do meio reaccional e,
rapidamente, roda sobre si mesmo e estabelece duas ligações
éster entre a função ácido e o hidroxilo fenólico que lhe está mais próximo. A este novo composto
chama-se ácido elágico.

| Capítulo 11 – Taninos 81
Farmacognosia I - 1º Ano - FFUP 2006/2007

No caso da molécula C, as coisas são ainda mais complexas. Por


hidrólise, libertam-se duas glucoses, cinco ácidos gálhicos,
um ácido elágico (parte de baixo da molécula, onde dois ácidos
gálhicos estão ligados por ligação carbono-carbono)e depois há
3 moléculas de ácido gálhico (na zona central da molécula) que
estão ligadas entre si por ligações que não quebram nem em
meio ácido nem em meio alcalino. A primeira molécula (da
esquerda para a direita) está ligada à segunda por uma ligação
éter e a segunda está ligada à terceira por ligação carbono-
carbono. Deste modo, estas 3 moléculas são libertadas em
conjunto.

3.2. Taninos condensados


Proantocianidinas é uma designação alternativa à de taninos condensados, pelo facto de estes
compostos darem origem a antocianidinas, após tratamento, a quente, com um ácido mineral.

Estruturalmente, as proantocianidinas caracterizam-se como olígomeros ou polímeros de catequinas


monoméricas (3-flavanóis) e de leucoantocianidinas (3,4-flavanodióis), que são biosintetizadas pela via
mista do chiquimato – acetato/malonato; a fenilalanina é transformada em ácido trans-cinâmico, e este,
posteriormente hidroxilado a ácido p-cumárico.

A reactividade dos 3,4-flavanodióis promove a condensação entre si ou com os 3-flavanóis. Este


processo conduz à formação de olígomeros ou polímeros designados por proantocianidinas.

3.2.1. Monómeros
As unidades monoméricas estruturais, das proantocianidinas, são maioritariamente do tipo poli-
hidroxi-3-flavanol (são raras as proantocianidinas sem o grupo hidroxilo no carbono 3). A hidroxilação
dos anéis A e B determina a diversidade estrutural dos 3-flavanóis. Predomina a di-hidroxilação nos
dois anéis (5-OH e 7-OH, no anel A e 3’-OH e 4’-OH, no anel B). No entanto, tal como se ilustra na
tabela seguinte, ocorrem outros padrões de hidroxilação.

82 Capítulo 11 – Taninos |
Farmacognosia I – 1º Ano - FFUP 2006/2007

Normalmente, a estereoquímica do carbono 2 é R, originando


ginando as configurações 2R, 3S ou 2R, 3R
(2,3-cis; OH 3-α), esta última na série epi. Os 3-flavanóis
flavanóis podem também ocorrer com a configuração
2S, embora sejam menos frequentes. Neste caso, apõe-se
apõe flavanol, o prefixo ent
ao nome vulgar do 3-flavanol,
(enantio).

3.2.2. Dímeros e polímeros


ímeros
Embora a hidrólise
ólise dos taninos condensados seja difícil,
dif podem sofrê-la,
la, apenas em meio ácido e
nunca em meio alcalino, ao passo que os taninos hidrolis
hidrolisáveis são
ão facilmente hidrolis
hidrolisáveis em meio
alcalino uma vez que todos os ésteres quebram em meio alcalino a quente.

Dímeros – quando os dímeros são


ão sujeitos a meio ácido e aquecimento, háá uma quebra da ligaç
ligação
interflavânica. Nesta quebra, o monómero
ómero que tem o anel C não
não ligado a nenhum outro, liberta
liberta-se dando
origem ao flavanol respectivo. Por sua vez, o monómero
mon que lhe estava ligado liberta-se
se sob a forma de

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carbocatião. Em presença de ar, este carbocatião acaba por oxidar-se e dar origem a uma antocianidina.
Daí que seja comum chamar aos taninos condensados, proantocianidinas.

Polímeros – quando estamos em presença de um polímero e o sujeitamos ao mesmo tratamento em meio


ácido rompe-se apenas a ligação terminal libertando-se o flavanol do extremo (tal como no caso
anterior). Todo o resto da molécula dá o carbocatião da mesma forma mas, como agora não é um
monómero, não dá origem a uma antocianidina. O que acontece é uma reacção química complexa e a
formação de precipitado avermelhado. Daí, a antiga noção de que este tipo de taninos não seria
hidrolisável e por isso receberam a designação de taninos condensados. Esta reacção de precipitação é
ainda mais notória se no meio houver aldeído fórmico (ou formaldeído). Este princípio é a base da
reacção de Stiasny.

4. Reacções diferenciais de taninos


O comportamento em meio ácido a quente (isto é, o comportamento face à hidrólies ácida foi já
explicado anteriormente.

A degradação térmica e a fusão alcalin são técnicas que são praticadas sobre taninos já isolados e
não sobre soluções extractivas e por isso não as praticamos no laboratório. Hoje podemos obter mais e
melhores informações sobre a química estrutural dos taninos por meios mais modernos como a RMN e a
espectrometria de massa. De qualquer forma sabemos que estas técnicas implicavam quebras profundas
na molécula em análise, libertando os seus fragmentos.

Conforme já é do nosso conhecimento, todos os fenóis (ou quase todos) reagem com os sais de
ferro. Por razões mal conhecidas, os taninos gálhicos originam colorações azuis enquanto os taninos
condensados originam colorações esverdeadas. Provavelmente, isto será verdade depois de termos os
taninos devidamente separados uns dos outros. De qualquer forma, a experiência diz-nos que não é uma
reacção muito fiável e quando trabalhamos com um extracto vegetal (que acaba por ter sempre fenóis
de vários tipos) as colorações são muito enganadoras. Estas reacções coradas acabam quase sempre por
ser acompanhadas de precipitação devido à elevada massa molecular dos complexos formados. A química
envolvida nesta complexação é do mesmo tipo que já foi exemplificada para os flavonóides.

As reacções com o formol clorídrico, com a água de bromo e com a solução acética de acetato de
chumbo são reacções empíricas.

Hidrolisáveis Condensados

Aquecimento com ácidos minerais Decompõem-se em substâncias mais Precipitados vermelhos – flabofenos
simples e/ou antocianidinas

Degradação térmica ou fusão Originam pirogalhol Originam pirocatecol e ácido


alcalina protocatéquico

Solução de sais férricos Produtos corados de azul escuro Produtos corados de verde

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Aquecimento com solução de Não precipitam Precipitam


formol clorídrico

Água de bromo Não precipitam Precipitam

Solução acética de acetato de Precipitam Não originam precipitados


chumbo

5. Plantas caracterizadas pela presença de taninos

5.1. Agrimónia
O fármaco de agrimónia é constituído pelas sumidades
floridas secas de Agrimonia eupatoria L., devendo ter, no
mínimo, 2.0% de taninos, expressos em pirogalhol no fármaco
seco.

Na composição do fármaco destacamos a presença de


taninos condensados e elagitaninos, de flavonóides, de
compostos triterpénicos, de constituintes amargos e de
mucilagens. Os taninos explicam a acção adstringente e os
flavonóides a sua acção anti-inflamatória, motivo por que o
fármaco é usado internamente em diarreias e externamente em
inflamações da pele, da boca e faringe.

5.2. Pé-de-leão
O fármaco pé-de-leão é constituído pela parte aérea florida, seca,
inteira ou fragmentada de Alchemilla xanthochlora Rothm, sendo que o
teor deve ser, no mínimo, 7.5% de taninos, expressos em pirogalhol no
fármaco seco.

Para além dos taninos, predominantemente galhotaninos, encontram-


se flavonóides, saponósidos, um constituinte amargo e ácido salicílico
livre e combinado. O pé-de-leão é usado nas diarreias ligeiras não
específicas devido às propriedades adstringentes dos taninos, devendo
os comprimidos e as cápsulas com o pó da planta ter revestimento
entérico para se evitarem irritações na mucosa gástrica; externamente,
em cozimentos a 5%, como cicatrizante e reepitelizante.

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5.3. Salgueirinha
As sumidades floridas secas, inteiras ou fragmentadas de
Lythrum salicaria L. constituem o fármaco salgueirinha. O fármaco
deve ter, no mínimo, 5.0% de taninos, expressos em pirogalhol no
fármaco seco.

Na salgueirinha, os taninos encontram-se sob a forma de


elagitaninos (cerca de 10%) e de taninos condensados. Outros
constituintes dotados de actividade são: C-glucósidos de flavonas (principalmente vitexina e orientina),
antocianinas, mais nas flores, pectinas, mucilagens, ftalidos e um glucósido derivado do ácido salicílico.

A salgueirinha é usada em diarreias e em inflamações intestinas (colites). Externamente, em


inflamações cutâneas e no hemorroidal.

5.4. Hamamélia
O fármaco hamamélia corresponde à folha seca, inteira ou fragmentada,
de Hamamelis virginiana L., com um teor mínimo de 7.0% em taninos,
expressos em pirogalhol.

Os principais constituintes activos são os taninos (normalmente 10.0%).


Predominam os do tipo condensado, ou seja, as proantocianidinas (88.5%).
Também existem taninos hidrolisáveis, os hamamelitaninos (1.5%), para além
do ácido gálhico (10.0%). Ocorre também ácido cafeico, heterósidos
flavónicos e vestígios de óleo essencial.

A presença de taninos no fármaco confere-lhe propriedades


adstringentes e venotrópicas. Os hamamelitaninos inibem a produção de
radicais de anião superóxido. Extractos deste fármaco produzem um efeito vasoconstritor e diminuem
a permeabilidade capilar. Apresentam acção antibacteriana e anti-inflamatória. O fármaco é usado
topicamente em lesões e inflamações da pele e mucosas, nas varizes, hemorróides e como hemostático.
Para uso interno, é indicado no tratamento de insuficiências venosas (varizes, flebites, edemas dos
membros inferiores, hemorróides). É também utilizado, sob a forma de extracto, em preparações
cosméticas, devido às suas propriedades adstringentes.

5.5. Pirliteiro
A monografia do pirliteiro é inscrita como sendo o pseudo-fruto, seco, de Crataegus monogyna Jacq.,
C. laevigata D.C., seus híbridos, ou ainda de uma mistura dos seus pseudo-frutos, com um teor mínimo de
1.0% de procianidinas (expressas em cloreto de cianidina).

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Ocorrem proantocianidinas oligoméricas (2 a


3%) constituídas por unidades de epicatequina.
Existem flavonóides (nas bagas 1% e nas partes
aéreas floridas, 1.5%), maioritariamente o
hiperósido e a rutina, para além de quantidades
menores de O- e C-heterósidos. Ácidos
fenólicos, ácidos triterpénicos pentacíclicos e
fitosteróis, integram também a composição
destes fármacos.

O pirliteiro actua sobre o miocárdio,


provavelmente devido a um sinergismo onde
intervêm vários constituintes do fármaco, principalmente as procianidinas, embora com intervenção
benéfica de flavonóides. Há assim, por estes compostos, contribuição para o aumento da
permeabilidade das membranas celulares do músculo cardíaco, para o cálcio, favorecendo o acréscimo
da força de contracção e o fluxo coronário.

A este fármaco são também atribuídas propriedades sedativas do sistema nervoso central e sistema
nervoso autónomo, mais devidas aos flavonóides. Compensa os desequilíbrios neurovegetativos,
regularizando a tensão arterial e as arritmias. Tem propriedades antioxidantes.

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