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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ

PROGRAMA DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR


Rua Álvaro Mendes, 2294 - Centro - CEP nº 64000-060 – Teresina – PI

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 151/2014


REF. F.A. Nº 0114-000.453-6
RECLAMADO: ELETROBRÁS DISTRIBUIÇÃO DO PIAUÍ
RECLAMANTE: EDIMAR RODRIGUES SEPULVEDA

PARECER
I. RELATÓRIO
Trata-se de processo administrativo instaurado, nos termos da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor), bem como do art. 33 e seguintes do Decreto Federal nº
2.181/97, pelo Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), órgão integrante do
Ministério Público do Estado do Piauí, visando apurar indício de perpetração infrativa às
relações de consumo por parte do fornecedor ELETROBRÁS DISTRIBUIÇÃO DO PIAUÍ.
O Consumidor, no dia 16/01/14, principiou reclamação, por intermédio da ficha
de atendimento supra (fls. 03), alegando, por intermédio de sua procuradora, que, no dia
19/04/13, ocorreu uma queda de energia na área onde reside, ocasionando a queima de quatro
aparelhos elétricos, sendo que somente dois deles foram recuperados. Citou que a Televisão e o
Vídeo Game não foram reparados. Assinalou que entrou com recurso junto à ELETROBRÁS e
à ANEEL, a fim de solicitar a indenização, todavia, apesar de seguir todos os trâmites legais,
não obteve êxito. Posto isso, com amparo no Código de Defesa do Consumidor, requereu o
ressarcimento dos valores dos citados itens, conforme documentos juntados aos autos.
Juntada de documentos pelo autor (fls. 04/13).
Na audiência conciliatória ocorrida no dia 05/02/14 (fls. 14/15), o autor
ratificou os termos da inicial. Por sua vez, o reclamado averbou que o pleito de ressarcimento
por danos elétricos fora indeferido, por inexistir na data da ocorrência (dia 06/09/13 das 19:00
horas às 19:30 horas) pertubação de energia. Em réplica, o autor assim se manifestou:
Discordou do posicionamento da empresa, porquanto a oscilação de
energia ocorreu no dia 20/04/13 às 01:00 horas da madrugada, de
modo que na semana posterior se dirigiu ao posto de atendimento,
todavia o funcionário não formalização a reclamação, sob a alegação
da existência de débito. Assinalou que, em meados de maio de 2013,
após regularização o débito, novamente se dirigiu à empresa, sendo
que o empregado apenas lhe orientou a buscar os orçamentos.
Ademais, mencionou que, em razão da demora na emissão dos

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orçamentos, procurou a empresa, de sorte que neste ato que houve a
formalização da reclamação. Solicitou a efetivação do ressarcimento
dos valores dos produtos, porquanto os laudos são unânimes em
mencionar que o problema fora ocasionado por descarga de energia.
A seu turno, o PROCON/MP-PI requisitou da ELETROBRÁS informações
acerca de eventual oscilação de energia no dia 20/04/13 às 01 horas da madrugada, bem como,
em todo caso, a apresentação de documento técnico pericial comprobatória de sua arguição.
Remarcou-se novo encontro para o dia 13/02/14. Nesta audiência, conforme fls.
16/17, o representante da empresa reiterou não possuir proposta de acordo.
Constatou-se, inclusive, pelo Ilustre Conciliador que o demandado não
comprovou a inexistência de registro de “pane”, tampouco juntou o documento técnico pericial
solicitado na audiência anterior.
Diante da impossibilidade de composição amigável, o autor foi orientado a
buscar o Poder Judiciário. Sua arguição em face da ELETROBRÁS fora classificada como
Fundamentada Não Atendida. Determinou-se a instauração do Processo Administrativo nº
151/2014 (fls. 18).
Regularmente notificada, a concessionária apensou defesa intempestiva, a qual
será analisada em homenagem aos princípios do contraditório e ampla defesa. Em resguardo,
conforme fls. 19/27, limitou-se a sustentar que não houve oscilação de energia no local,
rompendo o nexo causal entre o dano e o ato ilícito. Requereu então o arquivamento do feito.
Empós, vieram os autos conclusos para análise.
II. DA FUNDAMENTAÇÃO
Antes de se adentrar nos fatos propriamente ditos, alguns pontos devem ser
esclarecidos quando o assunto é o respeito aos Direitos dos Consumidores. Pois então, passamos
à sua análise.
A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, estabelece normas de proteção e
defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso
XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas disposições transitórias, sendo
um sistema autônomo dentro do quadro Constitucional, que incide em toda relação que puder
ser caracterizada como de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, como lei principiológica, pressupõe a
vulnerabilidade do consumidor, partindo da premissa de que ele, por ser a parte econômica,
jurídica e tecnicamente mais fraca nas relações de consumo, encontra-se normalmente em
posição de inferioridade perante o fornecedor, conforme se depreende da leitura de seu art. 4º,
inciso I, in verbis:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por
objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito

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à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado
de consumo. (grifos acrescidos)
Neste diapasão, sedimenta o Professor RIZZATTO NUNES:
O inciso I do art.4º reconhece: o consumidor é vulnerável.
Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia
garantida na Constituição Federal. Significa que o consumidor é a
parte mais fraca na relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa
fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem
técnica e outro de cunho econômico1.
A Insigne Professora CLÁUDIA LIMA MARQUES, por sua vez, ensina que
esta vulnerabilidade se perfaz em três tipos: técnica, jurídica e econômica.
Na vulnerabilidade técnica o comprador não possui conhecimentos
específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais fa-
cilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua
utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços.”2 (grifado)
Outro, portanto, não é o entendimento da Jurisprudência pátria:
O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabili-
dade do Consumidor, mecanismos que visa a garantir igualdade formal
material aos sujeitos da relação jurídica de consumo. (STJ – Resp.
586.316/MG) (grifei)
Inscritas estas breves considerações, insta passar para o caso em análise. Toda a
problemática do presente processo administrativo consiste em analisar a comprovação da
existência de oscilação de energia que ocasionou danos elétricos aos itens citados na inicial,
bem como a respectiva responsabilidade da concessionária de energia elétrica ELETROBRÁS
pela reparação pelos danos.

Preliminarmente, cabe esclarecer que todo o procedimento para “ressarcimento


de danos elétricos” encontra-se visível no Capítulo XVI, que contém este mesmo nome, da
Resolução nº 414/2010 da Agência de Energia Elétrica.

Lamentavelmente, a própria ELETROBRÁS desrespeita, em alguns aspectos, o


ato normativo oriundo de sua Agência Reguladora, ocasionando prejuízos aos consumidores.

Ora, a ELETROBRÁS negou-se inicialmente a receber o pedido de


ressarcimento de danos elétricos, primeiramente alegando a existência de débito, e
posteriormente requisitando a apresentação de orçamentos, contrariando o disposto no §4º do
art. 204 da Resolução nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica, in verbis:

NUNES, Rizzatto. Curso de Direto do Consumidor. 4. Ed. Saraiva: São Paulo, 2009, p. 129.
2
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. Revista dos Tribunais. 3.
ed, p. 148/149.

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§ 4º A distribuidora, em nenhuma hipótese, pode negar-se a receber
pedido de ressarcimento de dano elétrico efetuado por titular, ou
representante legal, de unidade consumidora citada no art. 203.
Vale dizer, a concessionária aparentemente impõe, para abertura do processo,
condições não previstas no art. 204 da indigitada Resolução, de forma a dificultar o exercício
dos direitos dos clientes.

Imiscuindo-se mais na análise do tema, tem-se por perfeitamente aplicável o


parágrafo onze, do art. 206 da supracitada resolução. Segundo ele, é facultada à concessionária
solicitar dos consumidores dois laudos e orçamentos de oficinas não credenciadas ou um laudo
e orçamento de oficina credenciada.

Entrementes, quando há denominada opção, a confirmação de dano de origem


elétrica no laudo gera, por si só, a obrigação de ressarcir, exceto nos seguintes casos: (i)
laudo indicar que a fonte de alimentação não está danificada; (ii) o equipamento está em
pleno funcionamento; (iii) distribuidora comprovar fraude na emissão do laudo.

Veja-se o inteiro teor dos dispositivos aludidos:


§ 11. A distribuidora pode solicitar do consumidor, no máximo, dois
laudos e orçamentos de oficina não credenciada ou um laudo e
orçamento de oficina credenciada, sem que isso represente
compromisso em ressarcir, observando que:
II – a confirmação pelo laudo solicitado que o dano tem origem
elétrica, por si só, gera obrigação de ressarcir, exceto se o mesmo
também indicar que a fonte de alimentação elétrica não está danificada
ou que o equipamento está em pleno funcionamento, ou ainda se a
distribuidora comprovar que houve fraude na emissão do laudo.
(grifou-se)
Assim, considerando que houve a requisição de apresentação de dois laudos por
parte da ELETROBRÁS, bem como que o laudo técnico da analise da Televisão constatou
descarga elétrica queimando a placa (fls. 10) e que o laudo técnico da análise do Vídeo-Game
verificou aparelho em curto devido a grande incidência de tensão (queda de energia) (fls. 09),
é dever do reclamado ressarcir o consumidor de seus custos, posto que não provado o
enquadramento nas exceções previstas.

Doutro tanto, cumpre consignar que a mera apresentação de folha de papel


(fls. 05), contendo em modelo padrão resposta de indeferimento do pleito sob alegação de
inexistir pertubação no sistema elétrico capaz de afetar a unidade consumidora, não merece
guarida neste Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor.

Embora não se desconheça que o inciso I, do art. 210 da Resolução nº


414/2010 da ANEEL exima a responsabilidade de ressarcir quando provado a inexistência

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do nexo causal, igualmente não se olvida que esta prova deve se dar através de documentos
robustos, embasados em análise técnicas e pericias da inexistência da oscilação de energia.

In casu, o demandado não cumpriu o ônus que lhe incumbe, de sorte que
desrespeito a determinação do PROCON-PI de apresentar “documento técnico pericial de
sua arguição”.

Aplica-se, mesmo que por analogia, o constante no art. 333, inciso II, do
Código de Processo Civil, cujo teor segue abaixo:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:


I - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Por fim, insta consignar o seguinte julgado:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ENERGIA
ELÉTRICA. OSCILAÇÃO NO FORNECIMENTO DO
SERVIÇO. QUEIMA DE APARELHOS. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. DEVER DE COMPROVAR A EXCLUDENTE
DE RESPONSABILIDADE NÃO CUMPRIDO. ANÁLISES DOS
APARELHOS DANIFICADOS QUE COMPROVAM OS
PREJUIZOS CAUSADOS POR DEFICIÊNCIA DO SERVIÇO
PÚBLICO. FARTA COMPROVAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS.
SENTENÇA MANTIDA. O autor comprovou fartamente com os
orçamentos juntados às fls. 08-18 o nexo causal entre as avarias
causadas aos seus aparelhos eletro-eletrônicos e a oscilação no
fornecimento de energia elétrica; ademais, as fotos juntadas às fls. 31-
34 denotam que, no dia do incidente, os vizinhos do demandante
também amargaram perdas decorrentes da falha na prestação do
serviço. O fato de não constar no sistema da recorrente qualquer
evento relevante sobre interrupção no fornecimento de energia
elétrica no dia assinalado pelo autor apenas denota, tendo em vista o
que informou a ré durante o curso processual, que os danos
emergiram de situações previsíveis, responsabilizáveis. Assim,
conclui-se pela falha na prestação do serviço. (TJ-RS - Recurso Cível:
71004411310 RS , Relator: Luís Francisco Franco, Data de
Julgamento: 13/06/2013, Terceira Turma Recursal Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 17/06/2013)
III. CONCLUSÃO

Ante o exposto, por estar convicto da responsabilidade do reclamado no


ressarcimento dos danos elétricos causados aos equipamentos em testilha, opino de aplicação
de multa ao reclamado Eletrobrás Distribuição do Piauí, por especial infração aos arts. 14, 22
e 35 do Código de Defesa do Consumidor, e aos arts. 204, §4º e 206, §11º, da Resolução nº
414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica.

É o parecer. À apreciação superior. Teresina, 08 de Abril de 2014.


ANTONIO LIMA BACELAR JÚNIOR
Técnico Ministerial – Mat. 107
PROCON/MP-PI

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RECLAMADO: ELETROBRÁS DISTRIBUIÇÃO DO PIAUÍ
RECLAMANTE: EDIMAR RODRIGUES SEPULVEDA

DECISÃO

Analisando-se com percuciência e acuidade os autos em apreço, verifica-se


indubitável infração ao arts. 14, 22 e 35, da Lei nº 8.078/90 e aos arts. 204, §4º e 206, §11º da
Resolução nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica, perpetrada pelo fornecedor
Eletrobras Distribuição do Piauí, razão pela qual acolho o parecer emitido pelo M.D. Técnico
Ministerial, impondo-se, pois, a correspondente aplicação de multa, a qual passo a dosar.
Passo, pois, a aplicar a sanção administrativa, sendo observados os critérios
estatuídos pelos artigos 24 a 28 do Decreto 2.181/97, que dispõe sobre os critérios de fixação
dos valores das penas de multa por infração ao Código de Defesa do Consumidor.

A fixação dos valores das multas nas infrações ao Código de Defesa do


Consumidor dentro dos limites legais (art. 57, parágrafo único da Lei nº 8.078, de 11/09/90),
será feito de acordo com a gravidade da infração, vantagem auferida e condição econômica do
fornecedor.

Fixo a multa base no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao fornecedor


Eletrobras Distribuição do Piauí.

Considerando a inexistência de circunstância atenuante contida no art. 25, do


Decreto 2.181/97. Considerando a existência de 01 (uma) circunstância agravante contida no
art. 26, inciso IV, do Decreto 2181/97, por ter deixado o infrator, tendo conhecimento do ato
lesivo, de tomar as providências para evitar ou mitigar suas consequências. Aumento o quantum
da obrigação em ½ (um meio) para cada agravante, convertendo-se no montante de R$
15.000,00 (quinze mil reais).

Pelo exposto, em face do fornecedor Eletrobrás Distribuição do Piauí torno


a multa fixa e definitiva no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Para aplicação da pena de multa, observou-se o disposto no art. 24, I e II do
Decreto 2.181/97.

Posto isso, determino:

- A notificação do fornecedor infrator Eletrobrás Distribuição do Piauí, na


forma legal, para recolher, à conta nº 1.588-9, agência nº 0029, operação 06, Caixa Econômica
Federal, em nome do Ministério Público do Estado do Piauí, o valor da multa arbitrada,
correspondente a R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a ser aplicada com redutor de 50% para
pagamento sem recurso e no prazo deste, ou apresentar recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, a
contar de sua notificação, na forma dos arts. 22, §3º e 24, da Lei Complementar Estadual nº
036/2004;

- Na ausência de recurso ou após o seu improvimento, caso o valor da multa não


tenha sido pago no prazo de 30 (trinta) dias, a inscrição dos débitos em dívida ativa pelo
PROCON Estadual, para posterior cobrança, com juros, correção monetária e os demais
acréscimos legais, na forma do caput do artigo 55 do Decreto 2181/97;

- Após o trânsito em julgado desta decisão, a inscrição do nome do infrator no


cadastro de Fornecedores do PROCON Estadual, nos termos do caput do art. 44 da Lei 8.078/90
e inciso II do art. 58 do Decreto 2.181/97.

Teresina-PI, 08 de Abril de 2014.

Dr. CLEANDRO ALVES DE MOURA


Promotor de Justiça
Coordenador Geral do PROCON/MP-PI

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