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Comer emocional pt2 Ed.

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20 de setembro de 2021
COMER EMOCIONAL Emoções negativas tem dois papeis
principais: favorecer o consumo alimentar e
Como explicado na edição anterior, as
facilitar o processo de condicionamento.
ferramentas de regulação emocional são
várias, algumas surgindo antes da formação Primeiro, percebemos que indivíduos

da emoção, e outras depois; algumas são “comedores emocionais” tem mais

benéficas/adaptativas, e outras expectativa e vontade de hiperpalatáveis

deletérias/mal-adaptativas. quando emotivos, e segundo, o processo de


condicionamento entre estímulo e resposta
Neste sentido, o consumo de alimentos
acontece mais facilmente durante a
hiperpalatáveis pode ser uma estratégia de
experiência de uma emoção negativa.
regulação emocional, uma vez que é capaz
de atenuar a valência de emoções negativas: Em resumo, as emoções negativas tem a

o indivíduo percebe aquela emoção como função de apresentar ao indivíduo o

menos negativa. consumo de alimentos palatáveis como


solução. Com a repetição deste
Nesta mesma linha, podemos entender que
comportamento a emoção se torna o
o comer emocional é simplesmente uma
estímulo condicionado, e a ingestão de
ferramenta de controle? Que o consumo de
alimentos, a resposta.
hiperpalatáveis se dá para amenizar uma
emoção ou sentimento desagradável? O condicionamento estímulo>resposta faz
com que, em situações futuras, quando
Não é tão simples.
experienciando uma emoção negativa, o
Embora realmente exista um papel dos indivíduo busque alimentos palatáveis não
alimentos na atenuação de emoções pela emoção em si, mas por ter aprendido a
negativas, não é este o motivo do comer reagir desta maneira.
emocional se perpetuar como um
Concluindo, o comer emocional não é fruto
comportamento estabelecido.
da emoção per se mas de como o indivíduo
aprendeu a lidar com emoções negativas.

APRENDIZADO
CONSEQUÊNCIAS Apenas perceber algo como positivo ou
negativo recebe o nome de afeto, e pode
Ainda conforme a edição passada, algumas
elicitar respostas de evitação ou
ferramentas de controle emocional
aproximação. Ao contrário, as emoções são
promovem o bem estar por facilitar as
específicas e direcionadas pela cognição
relações interpessoais e limitar a valência
(tristeza, raiva, ansiedade). Embora o afeto
negativa das emoções, fazendo com que o
negativo possa promover maior
indivíduo as percebam como “menos ruins”.
receptividade ao alimento, as emoções
Por outro lado, outras ferramentas de específicas, desencadeiam a resposta de
controle dificultam a resolução de consumo exagerado e predileção por
problemas e exacerbam o potencial negativo hiperpalatáveis. Vários autores relacionam
das situações. O consumo de emoções negativas (tristeza, ansiedade,
hiperpalatáveis se encaixa neste segundo estresse) ao comer emocional.
grupo.
Isto não se aplica a todos os indivíduos,
O consumo exagerado de hiperpalatáveis, sendo que alguns não apresentam alteração
na maior parte das ocasiões, destoa das no consumo e escolhas alimentares quando
normas sociais (o que acreditamos que seja sobre a influência de emoções mais
aprovado pela maioria das pessoas) sendo intensas. Aos indivíduos mais propensos a
considerado algo negativo. O fato de que este comportamento, damos o nome de
determinado indivíduo necessite (ou "comedores emocionais".
acredite nisto) do alimento para atenuar
Embora a ciência relacione mais
emoções negativas, pode desencadear
frequentemente o comer emocional a
sensação de incapacidade e frustração,
emoções negativas, há indícios de que os
exacerbando ainda mais a emoção que
comedores emocionais podem também
buscava resolver.
responder de maneira semelhante após
emoções consideradas positivas.

EMOÇÕES Há indícios ainda que o comer emocional


pode ser específico para uma emoção, então
determinado indivíduo pode aumentar o formar) ainda na infância, quando a
consumo alimentar e a predileção por regulação emocional da criança depende
alimentos mais palatáveis em resposta à (pelo menos em parte) da ação do cuidador,
ansiedade, e não à tristeza, por exemplo. que pode oferecer recompensas e punições
baseados na alimentação.
A especificidade pode inclusive ir além, com
o comer emocional se manifestando apenas Podemos ainda salientar que a resolução
quando a emoção é vivenciada em contexto para o comer emocional pode acontecer de
específico. Isto aconteceria, pois, a duas maneiras: evitando que o indivíduo
expressão das emoções é modulada pelas vivencie emoções negativas com
normas sociais e pelo social modelling intensidade suficiente para o hiperconsumo
(quando o indivíduo ajusta a quantidade ou desacoplando a emoção em questão do
ingerida de acordo com a quantidade consumo alimentar. Uma das fermentas
ingerida pelos outros membros do círculo para tal é a terapia de exposição a pistas (cue
social). exposure therapy), mas isto já é assunto
para uma edição futura.
Um indivíduo pode apresentar resposta
hiperfágica quando sente tristeza em casa,
por exemplo, mas não na faculdade.
REFERÊNCIAS
Esta interação entre indivíduo e ambiente
Evers, Catharine, F. Marijn Stok, and Denise TD
desencadeando ou não o comer emocional de Ridder. "Feeding your feelings: Emotion
pode justificar o fato de que o regulation strategies and emotional eating."
Personality and social psychology bulletin 36.6
comportamento do comer emocional não é (2010): 792-804.
observado em todos os estudos, uma vez que Bongers, Peggy, and Anita Jansen. "Emotional
eating and Pavlovian learning: evidence for
embora o comedor emocional seja o mesmo,
conditioned appetitive responding to negative
o ambiente de laboratório pode não elicitar emotional states." Cognition and Emotion 31.2
(2017): 284-297.
tal resposta
Bongers, Peggy, et al. "Emotional eating and
Pavlovian learning: does negative mood
Há algum indício ainda que este
facilitate appetitive conditioning?." Appetite 89
condicionamento aconteça (ou comece a se (2015): 226-236.
Mocaiber, Izabela, et al. "Neurobiologia da
regulação emocional: implicações para a terapia
cognitivo-comportamental." Psicologia em
estudo 13 (2008): 531-538.

van den Akker, Karolien, Ghislaine Schyns, and


Anita Jansen. "Learned overeating: applying
principles of pavlovian conditioning to explain
and treat overeating." Current addiction reports
5.2 (2018): 223-231.

Schyns, Ghislaine, et al. "Cue exposure therapy


reduces overeating of exposed and non-exposed
foods in obese adolescents." Journal of Behavior
Therapy and Experimental Psychiatry 58
(2018): 68-77.

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