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Copyright © 2023 ALBA LUCCAS

Capa: Snake Designer


Revisão: Leticia Tagliatelli

Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,

lugares e acontecimentos descritos são produtos da


imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios

(tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da


autora. A violação dos direitos autorais é crime

estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184


do Código Penal.2018.
Sumário
Sinopse
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4

Capítulo 5
Capítulo 6

Capítulo 7
Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12

Capítulo 13
Capítulo 14

Capítulo 15
Capítulo 16

Capítulo 17
Capítulo 18

Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo

Outras obras
O CEO bilionário esperava sua acompanhante de luxo.
A moça tímida e desastrada foi encontrar com seu novo chefe, mas
estava no endereço errado.

O bilionário Zackary Evenfort comandava o maior império editorial do


Reino Unido e, provavelmente, de toda a Europa, junto com seu primo,

Sebastian, que era como um irmão.


Eles cresceram juntos e confiavam plenamente um no outro, apesar de
serem verdadeiros opostos.
O CEO de 34 anos é um homem totalmente focado na expansão dos
seus negócios.

Não há espaço para romance ou amor em sua vida, após ser traído em
sua própria cama pela mulher por quem era perdidamente apaixonado, na
véspera do casamento.

Após sofrer a maior desilusão da sua vida, o bilionário nunca mais

entregou seu coração. Zackary contratava em uma agência acompanhantes de


luxo quando buscava por satisfação e pagava para ter prazer, pois apenas isso

lhe interessava.
A regra do bilionário Evenfort: apenas uma noite com uma mulher.

Afinal, nunca se apaixonar significava nunca ser traído outra vez.

Erin Richmore era uma jovem de 22 anos, brilhante, recém-formada


em Literatura Inglesa, mas muito desastrada e que não conseguia um

emprego por não ter experiência nenhuma na área. Assim ela dividia seu
tempo entre servir mesas de patins à tarde em um emprego e lavar pratos à
noite em um restaurante depois de passar a manhã entregando currículos e se
submetendo a entrevistas que nunca davam em nada. Até receber uma
indicação de uma professora da universidade para trabalhar na Evenfort
Books Inc, a mais conceituada editora do país, o que seria a realização de seu
maior sonho.

Mas Erin foi alertada que seu futuro chefe era um homem de "hábitos
noturnos e incomuns" e ela teria que se adequar à rotina dele.

Tudo seria perfeito se ela não tivesse recebido o endereço errado, mas
dessa vez não foi culpa da moça que vivia com a cabeça nas nuvens.

O CEO bilionário Zachary Evenfort pensou que a linda moça sentada à

sua frente era a sua acompanhante de luxo daquela noite. Ele só não contava
que a moça inocente e virgem que foi parar no endereço errado, encontraria o

homem certo esperando por ela.

Mocinha virgem.
Bilionário que não acredita no amor.

Um endereço errado.
Um bebê inesperado.
OUÇA NO SPOTIFY
"Ninguém vai te salvar, então saia dessa torre, pule a janela, mate o dragão,
acorde sem o beijo, e avise ao lobo mau que quem manda é você."

Autor desconhecido
SIGA A AUTORA ALBA DE LUCCAS
Aprendi da pior forma possível que, na maioria das vezes, é melhor ter

um inimigo declarado a um falso amigo.

Foi assim que tudo mudou de maneira definitiva.


Viver é como passear sobre um campo minado, contando com a sorte
de não explodir pelos ares.

Mas nunca tive muita sorte.


Aquela era mais uma das incontáveis viagens que fazia anualmente por

causa do trabalho.
Trabalho sempre foi importante e uma das minhas prioridades, mas

não a principal, pelo menos desde que ela entrou em minha vida.
Emily era como um dia ensolarado, trazia alegria e vigor para qualquer

lugar. Quando ela surgia era como se trouxesse a festa consigo.


Assim que coloquei os olhos nela foi como ser atingido por um raio de

um bilhão de volts e meu coração bateu mais forte do que em qualquer outra
ocasião.
Gostava de rememorar como nos conhecemos, afinal a forma com que
ela surgiu não foi nada esquecível, em uma simples tentativa de sair do
estacionamento da universidade.
Sebastian e eu estávamos no processo de concluir nossa especialização
em Finanças, mas nossa vida já era bastante corrida.

— Eu não acredito nessa merda — bufei de raiva ao ver uma moto


parada atrás do meu carro.

Naquele momento, só estava preocupado em voltar para a empresa e


concluir os compromissos da tarde.

Odiava pessoas que não tinham senso e cometiam aquele tipo de delito.
Sem acreditar no que estava acontecendo me apoiei na carroceria da

Land Rover e pensei que poderia simplesmente passar por cima daquela
coisa.

— Porra, Sebastian, precisamos ir embora. Vou tirar essa porcaria


daqui. — Era bem mais jovem e muito menos paciente.

— Isso não é uma porcaria, é uma Harley-Davidson. — Ele parecia


estar impressionado com o bom-gosto do desconhecido e eu apenas rolei os

olhos.
— Eu não teria notado se você não dissesse — respondi com sarcasmo

enquanto ele ainda admirava a moto.


— Acho melhor não tocar nessa belezinha. É um modelo limitado —
Sebastian falou assoviando.
— Que essa porra seja a moto do Maomé, mas não vai me impedir de
cumprir com meus compromissos! — Em uma atitude meio impensada me
aproximei do veículo para removê-lo, ao mesmo tempo, em que Sebastian
tentava me impedir.

— O cara que comprou essa moto deve ser uma pessoa muito foda e
com certeza vai chutar a sua bunda se...

— O cara definitivamente vai chutar a sua bunda se você ousar tocar


na minha moto. — A voz feminina soou atrás de nós não deixando que ele

terminasse a frase.
Quando me virei e me deparei com ela foi como se o mundo tivesse

parado de girar por um segundo e mal soube como reagir.


Foi algo arrebatador, inexplicável.

Ela era bonita, misteriosa, raivosa, tudo ao mesmo tempo.


Emily era um mistério, diferente de tudo que havia visto em minha

vida. Ela se impôs de uma maneira tão forte que nem consegui pensar em
uma resposta, afinal estava sem reação.

— Eu sinto muito, mas você estacionou muito mal — falei em um tom


levemente repreensivo e ela arqueou a sobrancelha.

— Era coisa rápida, não entendo o motivo do drama. — Ela ainda


estava em modo de defesa. — Mas não se preocupem... — Ela nos ofereceu
um sorriso debochado. — Esse é o momento em que vou embora. — Depois
disso ela simplesmente colocou o capacete, subiu na moto e se foi deixando
um rastro de destruição no meu coração.
O semblante de Sebastian estava embasbacado. Ele estava paralisado e
nem sequer tentou disfarçar, enquanto me senti bastante ofendido depois que

ela foi embora, afinal o erro era dela, não era?


— Essa é minha — meu primo falou e fiz uma careta.

— Foda-se, Sebastian, vamos embora.


A vida tratou de nos unir novamente e criar oportunidades para que

aquele relacionamento acontecesse. Éramos fãs de rock e esbarramos em um


show beneficente durante a faculdade. Em certo momento, acabamos nos

trombando e pedindo desculpa, ao mesmo tempo, o que nos levou a rir


daquilo.

Não pude evitar admirar a forma como seus cabelos castanhos


cacheados estavam despenteados e o quanto seu sorriso era gratuito enquanto

seus lábios rosados se curvavam.


— Eu nem acredito! Você de novo! — falei em meio ao barulho com a

expressão de frustração e bom humor, ao mesmo tempo.


Ela riu e parecia ser bem diferente do nosso primeiro encontro.

— Espero que você não queira me expulsar por estar no lugar errado
— ela falou com ironia e só pude rir daquilo.
Em outras festas e eventos nos vimos novamente e conversávamos
quando havia oportunidade, mas o mais intenso foi quando finalmente
ficamos a sós e ela mostrou ser mais do que uma garota rebelde que pilotava
uma Harley-Davidson e ameaçava chutar a bunda de caras em
estacionamentos.

Emily me conquistou tão rápido que nem vi acontecer.


— Tudo bem, você pode ficar com ela — Sebastian falou em um dos

nossos encontros casuais pela universidade.


— Cala a boca! — respondi rindo enquanto empurrava o ombro de Seb

que também estava se divertindo.


Sentia que Emily era a mulher da minha vida e que ficaríamos juntos

para sempre. Até minha família aprovava a relação e minha mãe, apesar de
preferir que encontrasse uma “boa moça escocesa”, como sempre dizia

durante toda minha adolescência, ficou feliz em ver como eu estava bem.
— É claro que poderia ser um pouquinho melhor, mas tudo bem, é

uma boa menina — ela falou com seu “r” enrolado, que, afinal, era um
charme. — Os meus netinhos vão ser tão lindos! — Deu uma piscadela e não

pude deixar de rir.


— Mamãe! Eu definitivamente não penso em ter filhos agora, mas, de

qualquer forma... Acho melhor assim, até porque você sempre será a única
mulher escocesa na minha vida. — Dei um sorriso que ela correspondeu com
uma de suas risadas estrondosas, pois mamãe nunca soube rir discretamente.
A única pessoa que parecia até mais animada do que eu e minha mãe,
era meu primo, Sebastian Evenfort, que além de ter o meu sangue também
tinha a minha confiança.
Ele era meu melhor amigo desde que me entendia por gente.

Sebastian sempre teve um coração enorme e uma das suas maiores


preocupações era encontrar a mulher certa.

Antes de Emily, costumava discutir com Sebastian sobre


relacionamentos e dizer que a mulher certa era apenas uma ilusão, afinal já

tinha perdido as contas de quantas namoradas ele já havia tido.


Aliás, ele era o único homem que conhecia que tinha esse sonho, mas

esse é outro assunto.


O fato era que, depois que aquela mulher tão encantadora entrou em

minha vida, comecei a repensar sobre tudo e a acreditar que às vezes o


destino poderia unir pessoas.

Estava realmente apaixonado e comecei a acreditar em coisas que nem


pensava existir.

Amadurecemos juntos, enquanto me tornava um dos pilares da


Evenfort Books Inc., companhia criada por minha bisavó havia mais de um

século.
Era um orgulho, para mim, continuar com o legado da família ao lado
de Sebastian.
Todo meu tempo livre era dedicado à minha namorada, a número um
em toda e qualquer lista que pudesse fazer.
Emily era a única coisa que enxergava como mais importante do que o
meu trabalho como CEO da Evenfort Books Inc.

Aquilo se tornou estranho e começava a preocupar um pouco o


Sebastian.

Mas, naquele momento, nada poderia me fazer tentar ser mais


comedido com o relacionamento.

Estava completa e irremediavelmente cego de amor.


Os anos se passaram e tinha cada vez mais certeza do que queria, me

casar com Emily da maneira mais tradicional possível.


— Estou muito feliz que você tenha encontrado sua alma gêmea, mas

será que você não está mergulhando muito fundo, Zack? Você não pode
basear todos os seus planos de vida em uma pessoa — Seb falou com um

olhar esquisito que eu já conhecia.


Seb era um pouco sensitivo, mas eu não costumava dar muita atenção,

afinal ele não era nenhum exemplo.


— Disse o homem com menos de trinta anos e dois divórcios —

debochei rolando os olhos e ele respondeu com uma expressão de


descontentamento.
— Um e meio! — corrigiu, levantando um dedo.
Apenas olhei para ele, confuso, mas não quis pedir explicações sobre o
conceito de “meio divórcio”.
Naquela época, ele ainda não havia se casado tantas vezes.
— Ok, ok. Pode ser que eu esteja ficando levemente paranoico com

essa coisa de casamento, mas ainda assim...


Ele bem que tentou continuar, mas estava atrasado para um encontro

com a personagem principal dos meus sonhos e tudo que conseguia sentir era
ansiedade em estar com ela mais uma vez.

Sorri para o meu primo e dei um beijo em sua testa, então ele parou de
falar e apenas me abraçou.

Sempre fomos muito próximos e aprendi com Sebastian a não sentir


nenhum constrangimento em demonstrar o afeto que tínhamos um pelo outro.

Éramos melhores amigos e evidenciar aquilo não nos fazia menos


homens.

— Vai ficar tudo bem, certo? — falei com confiança enquanto o


olhava de perto.

Ele assentiu balançando a cabeça em concordância, mesmo que de


maneira relutante.

Assim o tempo passou...


A paixão tinha urgência e era cheia de vontades e pressa, mas eu queria
que tudo fosse perfeito.
Não demorou até que começasse a planejar o pedido de casamento,
afinal queria que fosse uma surpresa incrível, que marcasse a vida de Emily e
que ela nunca mais esquecesse.
No dia do nosso aniversário de namoro pedi para que ela se arrumasse,

pois, a buscaria para um almoço breve. Eu também me arrumei da melhor


forma possível, embora de maneira informal.

Na realidade, tudo já estava bem planejado e Sebastian havia me


ajudado com tudo, mesmo que ele tivesse implicado com cada detalhe.

— Você tem certeza que é isso que quer fazer? É cafona demais até pra
mim. — Ele fez uma careta e cruzou os braços.

— Não é cafona, ela disse que adora esse tipo de coisa — rebati com
confiança, afinal estava orgulhoso do meu trabalho.

O almoço realmente aconteceu, mas a parte importante vinha depois.


Pedi para que Emily entrasse no carro e informei que tinha uma surpresa.

— Eu não acredito. — Ela sorriu com animação. — Pensei que você


tivesse trabalho até tarde!

— Eu sempre tenho trabalho. — Pisquei para ela através do retrovisor


e recebi como resposta mais um daqueles sorrisos que tanto adorava. — Ah,

vai! Uma mentirinha não mata! — falei em tom de brincadeira e ela cobriu o
rosto com as mãos, chacoalhando a cabeça.
— Vamos lá, qual é a surpresa? — ela questionou inquisitiva quando
saíamos da estrada e seguíamos por um caminho de terra.
Eu já estava dirigindo há mais de quarenta minutos, mas valeria a pena.
— Se é surpresa não posso dizer, dã! — Rolei os olhos.
— Meu Deus, mas tá demorando muito! — ela reclamou enquanto

olhava pela janela e tentava adivinhar para onde estávamos indo.


— Você vai ter que conter essa curiosidade, mocinha — falei enquanto

beliscava a ponta redondinha do seu nariz, que ainda sorria, apesar de parecer
ansiosa.

Era daquela garota que eu gostava e era por ela que havia me
apaixonado.

Eu queria que fôssemos daquele jeito eternamente.


Quando finalmente chegamos na fazenda vi o quanto Emily ficou

impressionada, principalmente, quando fomos direcionados ao campo aberto


onde havia dezenas de balões coloridos.

O lugar era lindo e o céu estava incrivelmente azul.


Emily sorria olhando para todos os lados e seus olhos reluziam.

— Isso é incrível, Zack, nem consigo acreditar. — Seus olhos se


encheram de lágrimas.

Aquele era o jeito dela, sorria e chorava com a mesma facilidade. Era
uma explosão de sentimentos que adorava observar.
— Então quer dizer que você gostou da surpresa? — Sorri enquanto
acariciava a pele macia da sua bochecha.
— Eu adorei! A gente vai mesmo voar em um desses?! — Ela ainda
parecia descrente e acenei com a cabeça de forma positiva. — A não ser que
você fique com medo! — provoquei e ela deu um tapinha de leve na minha

testa.
— De jeito nenhum! — ela falou enquanto pegava o celular e me

entregava.
Eu já sabia o que aquilo queria dizer, uma sessão de fotos.

Mas não me importava, adorava tirar fotos de Emily que era linda,
embora, às vezes, mostrava ser insegura com a aparência.

Eu agachava, rolava no chão, subia em árvores, fazia todo o possível


para ser o melhor fotógrafo que conseguia, ou qualquer outra coisa que ela

me pedisse.
Quando subimos foi estranho.

Entrava em aviões quase todos os dias, mas aquela experiência era


diferente, era muito mais simples, muito mais libertadora.

As nuvens pareciam ter sido desenhadas e voar no meio delas me trazia


uma sensação de estar perto de algo divino.

— Nem acredito que você lembrou disso. Faz tanto tempo... Às vezes,
acho que você nem existe, Zack — ela falou se referindo à conversa que
tivemos pouco depois de nos conhecermos, quando ela me contou que um
dos seus sonhos de infância era voar em um balão enorme e colorido.
— É claro que existo e estou bem aqui, onde quero estar pelo resto da
vida...
— No balão? — ela perguntou de um jeito bobo, o que nos levou a rir.

— Não, bobinha, bem aqui do seu lado, em qualquer lugar, no céu ou


na terra... É, o Seb estava certo, sou meio cafona mesmo — falei ainda de

bom humor e ela me abraçou.


Amava aquele abraço e toda vez que ia para qualquer lugar fazia o

possível para voltar para ele o quanto antes.


O cheiro de Emily lembrava flores em um jardim do subúrbio, suas

roupas tinham um cheirinho de amaciante e os cabelos um aroma doce como


framboesa.

Fechava os olhos e me permitia relaxar enquanto estava ali.


— Você gostou mesmo? — perguntei mais uma vez só para me

certificar.
— Eu amei! — ela pontuou e uniu nossos lábios por um breve

momento, afinal não estávamos sozinhos.


O piloto nos passou rapidamente algumas instruções e informações

sobre as condições favoráveis para o voo já que o dia estava ensolarado e o


vento estável.
Agradecemos o senhor sorridente de barba e cabelos brancos.
Apesar dele se manter bem ao lado, era um profissional discreto, que
quase não fazia notar sua presença.
Foi indicação do Sebastian e eu teria que agradecer novamente ao meu
primo.

Ali tão perto das nuvens tive a sensação de que apenas nós dois
existíamos no mundo e que, a partir dali, poderíamos construir nossa história

juntos.
— Emily, queria te perguntar uma coisa, mas não quero que você se

sinta pressionada. — Finalmente tomei coragem de dizer, ao mesmo tempo, o


olhar dela mudou e sua expressão era de receio. — Bom, eu... — Naquele

momento, havia perdido as palavras, estava tão nervoso com a ideia de fazer
tudo perfeitamente que nem sabia como continuar. — Você se casaria

comigo? — perguntei enquanto retirava a caixinha de veludo com os anéis do


bolso.

Emily arregalou os olhos e passou uns bons segundos me olhando,


impressionada.

As planícies estavam abaixo de nós e era possível observar desenhos


verdes delimitados por linhas marrons, além de rios que pareciam ser apenas

cobras serpenteando.
— Ok, isso já tá ficando esquisito — murmurei baixinho e ela pulou
em mim, o que desestabilizou levemente nosso meio de transporte, mas nada
grave.
— Sim, Zack, sim, sim, sim e sim! — ela falou com empolgação e,
enfim, pude respirar aliviado e feliz, pois iríamos nos casar.
Estava literalmente no céu, mas ainda não sabia que a queda,

meteórica, seria terrível.


Passamos semanas e semanas escolhendo a planta do apartamento

onde viveríamos depois de casados. Quando ele começou a ser preparado


sempre visitávamos o imóvel para saber como estava o andamento da obra e,

quando ele finalmente ficou pronto, nos dedicamos completamente a mobiliar


nossa futura casa.

Estávamos animados, mas com o tempo acabamos atarefados demais e


nem terminamos de escolher a mobília.

A felicidade ainda durou por um tempo, mas aos poucos as coisas


mudaram e notei que Emily se transformou em alguém diferente.

Achei que fosse normal, afinal ela estava amadurecendo, se tornando


uma mulher madura e uma profissional de sucesso. Era difícil conseguir um

lugar na agenda apertada da minha noiva que havia se formado em


engenharia e havia se transformado em uma verdadeira mulher de negócios.

Não passávamos mais tanto tempo juntos, mas sabia que o amor era o
mesmo.
Em um dos últimos jantares que tivemos em família, antes do dia em
que tudo mudou, senti que havia uma aura de constrangimento nos rodeando.
Era o aniversário de casamento dos meus pais e uma oportunidade para que
eles conhecessem meus sogros. O pai de Emily era a única pessoa que
parecia estar contente, afinal ela estava seguindo os passos dele no ramo, algo

que ele sempre se orgulhou.


Minha mãe, que sempre era a pessoa mais animada nos eventos,

parecia estar sem graça e não conseguia entender o motivo.


Havia algo errado que eles não estavam me contando, ou eu não

conseguia enxergar.
Emily passou o jantar inteiro respondendo mensagens no telefone e em

diversas vezes ela se levantou para atender ligações. Quando ela finalmente
resolveu desligar o celular todos já haviam terminado de comer.

— Me desculpem, nem acredito. — Deu uma risada enquanto olhava


para o prato vazio.

Meu pai tinha uma expressão dura no rosto, pois para ele aquele era o
pior tipo de falta de educação, interromper um jantar por causa do telefone.

— Então, meninos, como andam os preparativos para o casamento? —


Era claro que minha mãe precisava trazer aquele assunto mais uma vez à

tona.
— É uma boa pergunta.
Acredito que foi a primeira e última vez em que ouvi meu pai
concordar com minha mãe de maneira tão veemente.
O senhor Evenfort e sua pose tão austera fazia com que qualquer
ocasião parecesse uma reunião de negócios, embora ele tivesse lá seu tipo de
humor de vez em quando.

Sorri e olhei para Emily, mas sua expressão se transformou em um


misto de desânimo e embaraço, então tomei a palavra.

— Mãe, pai, nem estamos pensando nisso agora. A Emily precisa focar
na carreira dela que só está no início, não é, meu amor?

Ela me olhou com um semblante de agradecimento, mas havia alguma


tristeza em sua feição.

Acho que depois de muito pensar naquela situação imaginei que fosse
culpa.

— Se vocês quiserem, a cerimônia poderá ser celebrada na fazenda, a


Emily sempre demonstrou que gosta muito de lá. — Meu pai adorava a

fazenda e sabia que ele adoraria me ver casando lá.


— Isso! Vai ser ótimo, posso começar a pensar nos preparativos se

vocês estiverem sem tempo, porque isso tenho de sobra e... — minha mãe
falou, mas não deixamos o assunto se estender.

Tia Harriet estava inquieta, vendo a forma como eles começaram a


falar sobre um assunto que claramente não nos deixava confortável.
— Eu não acho que vocês devessem pressionar tanto os dois sobre
isso, eles têm muito tempo pela frente. Casamento é coisa séria. Só eles
podem decidir que estão seguros de que o momento certo chegou — ela
pontuou e minha mãe estava prestes a responder.
— Quem quer mais vinho?! — Sebastian falou de repente,

interrompendo de maneira providencial todo aquele interrogatório. — Você


quer mais vinho, minha linda? — ele perguntou para a nova namorada que

havia trazido.
— Claro, querido — ela respondeu e depois disso a conversa seguiu

caminhos menos angustiantes, para nossa felicidade.


Meus pais me alertaram sobre a situação, assim como Sebastian. Eles

diziam que Emily parecia estar estranha, mas, para mim, aquilo não
importava. Sabia que quando tudo se estabilizasse voltaríamos a ser aquele

mesmo casal que passava o tempo inteiro rindo e se divertindo.


Eu não deixaria que nosso relacionamento fosse afetado por uma

pequena crise.
Acredito que se quando é jovem, quando se permite que as emoções

tomem a frente da razão e, principalmente, quando estamos tão apaixonados


ignoramos todos os sinais de que há algo errado em um relacionamento e o

preço a se pagar pode ser caro demais. Que se recuperar exigirá mais do que
apenas jogar na lata de lixo qualquer outra tentativa de confiar seu coração a
outra pessoa, que toda sua fé no amor estará arruinada irremediavelmente, no
meu caso, pelo menos.
Durante aquela viagem de negócios especificamente, decidi que
quando retornasse me tornaria um parceiro melhor, que buscaria formas de
fazer com que o meu relacionamento com Emily recuperasse o brilho.

Talvez, eu também estivesse trabalhando demais, talvez, precisássemos


encontrar o equilíbrio.

Comprei diversos presentes para ela e enviei para sua casa, entre eles
estavam algumas joias, lingeries e perfumes. Queria que ela soubesse que me

lembrava dela.
No final das contas, decidi voltar mais cedo, pois queria ver minha

noiva logo. Tinha pressa em contar tudo que se passava na minha cabeça, que
não deveríamos mais adiar o casamento e começar a planejar tudo o quanto

antes.
Quando cheguei, por algum motivo, decidi ir até o nosso apartamento.

Eu queria olhar para ele e lembrar como havíamos chegado até aquele
momento, queria rememorar o dia em que colocamos os pés ali pela primeira

vez e nos sentimos completos. Queria encontrar motivação e conforto no


lugar onde viveríamos depois do casamento, mas tudo que encontrei foi

destruição.
Abri a porta com delicadeza e respirei fundo, pois mais tarde iria
propor a Emily que fôssemos até ali juntos, que poderíamos continuar de
onde paramos.
Mas quando entrei me deparei com algo que não esperava.
Havia dois móveis em todo apartamento, Emily e eu escolhemos uma
cama king size para o nosso quarto, por motivos óbvios e um amplo sofá para

sala.
A sala estava praticamente vazia, havia o sofá vinho e roupas

espalhadas no chão, mais precisamente a lingerie branca que enviei para


Emily.

Meu cérebro começou a fazer ligações, mas não queria acreditar.


Haveria explicações para aquela situação com toda a certeza.

Não era a mesma lingerie e ela havia esquecido aquelas peças ali na
última vez que visitamos o lugar, era a explicação mais provável.

Infelizmente, a realidade era diferente e mal pude entender quando vi


dois corpos nus que se moviam entregues ao sexo e um deles conhecia muito

bem.
Após alguns movimentos, Emily percebendo a expressão do sujeito,

que olhou diretamente para mim, virou a cabeça em minha direção e nossos
olhos se cruzaram.

Estava vendo aquela cena se desenrolar bem na minha frente e mesmo


assim era como se não fosse real.
Era a minha Emily ali transando com outro homem na nossa cama e
não podia acreditar.
Eu deveria ter percebido.
Era tão estúpido!
Como não notei qual era a fonte daquelas mudanças de

comportamento?
Ela estava fodendo com um jogador de tênis qualquer, conhecido meu

por sinal.
Seu olhar foi se transformando, oscilando de prazer para terror em

questão de segundos.
Um rosto desfigurado pela descoberta, pelo flagrante.

Enquanto, jamais poderia descrever meu semblante, afinal já não podia


responder por mim, era como se estivesse completamente anestesiado,

embora, ao mesmo tempo, sentisse todas as emoções do mundo.


Meu coração se estilhaçou com aquela cena, não só pelo fato dela estar

fazendo sexo com outra pessoa, mas pelo fato de que ela havia me beijado e
dito que sentiria minha falta quando viajei. Pelo fato de que conversávamos

todos os dias pelo telefone e ela dizia que me amava, que queria que eu
voltasse logo.

O cinismo dela me matava.


Tudo doía e não era só no sentido emocional, era como se meu corpo
tivesse sido esmagado por uma rocha do tamanho de um carro.
Estava desolado, confuso e meu coração batia tão forte que chegava a
ser extremamente desconfortável.
Eu quis fugir, quis morrer, queria estar em qualquer lugar que não
fosse ali.

Desejava sentir raiva, ódio, mas só conseguia sentir o vazio, a dor da


perda de um futuro que jamais aconteceria.

O choque daquela visão conseguiu sufocar toda a avalanche de dor,


raiva, tristeza, decepção que me afligiram de uma vez só.

Como a minha vida e todos os planos que tracei nos últimos três anos
para um futuro ao lado da única mulher que amei poderiam desmoronar em

poucos segundos?
Estava tão arrasado que nem sabia o que fazer com todas aquelas

emoções. Estava tão devastado e confuso, afinal nunca havia me sentido tão
humilhado e enganado.

Apenas virei as costas e saí dali.


Fui idiota o suficiente para manter a fidelidade durante todos aqueles

anos, sempre desviando das investidas das mulheres que queriam conhecer
um dos “homens mais gostosos do ano”, pelo menos, para os tabloides

sensacionalistas.
Sebastian e eu havíamos rido tanto daquele título quando promoveram
uma votação online e ficamos empatados em primeiro lugar na enquete entre
as leitoras britânicas.
Mas, naquele momento, não via motivo algum para rir.
Pude ouvir a voz de Emily atrás de mim, gritando, pedindo por uma
conversa, enquanto alguns segundos atrás ela estava transando com um cara

qualquer no quarto do nosso futuro apartamento.


Eu me contive, caminhei como um zumbi e saí sem deixar que ela me

alcançasse. Quando entrei no carro chorei as lágrimas mais amargas da minha


vida e só choraria de novo pela morte dos meus pais, nunca mais por

qualquer mulher.
O desespero tomou conta de mim e não sabia o que fazer, queria ligar

para Seb, mas não estava pronto para lidar com seu gênio espirituoso que
sempre tentava ser otimista e enxergar o copo meio cheio.

Ainda não estava pronto pra falar com ninguém porque não queria ser
consolado e, muito menos, precisava de olhares piedosos sendo direcionados

a mim.
“Não seja um idiota, Zack, o Sebastian vai zombar tanto de você por

causa desse par de chifres”, dizia a mim mesmo tentando achar algum humor
em meio às lágrimas.

Com o coração partido decidi dar um tempo de tudo na minha vida.


Estava muito mal e não sabia lidar com a situação. Quando ficava triste era
Emily que me abraçava e dizia que tudo ficaria bem, mas, naquele instante,
ela era o motivo do meu sofrimento.
Eu queria ser forte, queria manter as aparências, mas era complicado
quando minha estrutura foi abalada.
Aquela era a mulher com quem pretendia passar o resto da minha vida.

Queria ter filhos com ela, adotar um cachorro, comprar uma casa,
viajar pelo mundo, fazer todas as coisas boas que poderiam ser imaginadas,

mas ela já não representava nada de agradável para mim.


Seu rosto só me trazia uma sensação desconfortável, uma vontade

imensa de apagar minhas memórias.


Sabia quem seria a única pessoa com quem poderia contar

completamente, pois me compreenderia. Então dirigi por um bom tempo, sem


pensar demais e sem avisar a ninguém, simplesmente ignorando qualquer

chamado. Estava de luto pela vida que nunca viveria, desacreditado, como se
uma parte muito importante minha tivesse sido arrancada.

Tia Harriet, mãe de Sebastian, foi traída pelo pai dele e quando
descobriu apenas terminou o casamento, o que foi de grande sabedoria, afinal

não seria justo continuar casada apenas porque meu primo tinha quatro anos
na época. Todos sentiram que, depois daquilo, ela se fechou e se tornou uma

pessoa mais discreta ainda. Era para a casa dela que estava indo e fui
recebido por uma expressão confusa em seu rosto já marcado pelo tempo.
— Olá, tia. — Ofereci o melhor sorriso que pude.
Certamente, ela leu em mim, o desgosto e a decepção, afinal,
simplesmente, me puxou pela mão e me ajudou a entrar, sem perguntar nada.
Tia Harriet era uma pessoa muito tranquila e gostava de coisas simples.
Ela morava em uma casa muito confortável, mas afastada do centro da

cidade, em um bairro cercado por árvores e as casas eram bastantes distantes


umas das outras.

De fato, o lugar combinava com ela, pois exalava paz e silêncio.


— Olá, querido — ela falou finalmente, quando a porta já estava

fechada. — É uma visita inesperada, mas muito bem-vinda. Aceita um chá?


Seu talento para agir naturalmente, mesmo em uma situação esquisita,

era o que me fazia sentir tão acolhido perto dela.


Minha tia não me obrigou a falar nada, apenas deu espaço para que me

abrisse no momento que eu quisesse.


Eu me sentei à mesa para observar minha tia, com seu vestido colorido

e lenço azul-bebê, preparar o chá.


Ela sabia como eu gostava e me conhecia tão bem quanto ao seu filho.

— A senhora deve estar achando esquisito que tenha vindo até aqui de
surpresa. Na verdade, peço desculpas por isso. Não é de bom tom e sei como

a senhora detesta falta de educação — falei com solenidade e ela virou a


cabeça para o lado, apenas para me olhar e sorrir.
— Você sabe muito bem que essa é sua casa também. Pode vir sempre.
Você é uma das poucas pessoas na minha lista de visitas — concluiu com
uma piscadela.
— Agradeço por isso... — respondi me sentindo realmente acolhido.
— E-eu acabo de passar por uma experiência desagradável e sabia que a

senhora seria a única pessoa que me entenderia sem me julgar, afinal todos os
outros tentaram me alertar quanto a isso em algum momento e ignorei

completamente — falei cheio de hesitação.


Ela trouxe as xícaras cheias e colocou uma próxima a mim, ao lado um

pote de porcelana com biscoitos caseiros.


— Obrigado, tia — falei simplesmente.

— Então, do que se trata essa experiência ruim?


Seus olhos de sabedoria me fizeram sentir um tantinho bobo por estar

chorando por uma traição, mas sabia que não era sua intenção.
— Emily — falei o nome e a cena voltou a minha mente, então

precisei conter a raiva e as lágrimas que, certamente, viriam.


Minha mente estava cansada.

— Ela terminou com você? — ela perguntou com preocupação.


— Antes fosse — murmurei. — Voltei de viagem mais cedo para fazer

uma surpresa, mas a surpresa foi minha. — Dei um pequeno riso amargo. —
Decidi passar no apartamento que compramos e estávamos mobiliando, mas a
encontrei lá com outro homem. — Finalmente consegui dizer as palavras,
mas o ódio dominava meu peito.
Era muito difícil.
— Meu Deus, isso é um horror! Eu sinto muito, Zack! — ela falou
consternada, enquanto acariciava meu ombro de maneira afetuosa.

— Sim... Estava atordoado e precisava fugir da situação, então apenas


dirigi e acabei chegando aqui...

— Fico feliz em saber o quanto você confia em mim, meu filho. —


Seu sorriso era acolhedor e honesto. — Eu sei o quanto dói.

Ela realmente sabia, mas seguiu em frente e queria saber como faria
aquilo também.

Os pensamentos de que aquilo era só o começo e que ainda sofreria


muito mais não me deixavam em paz, principalmente, porque sabia que

aquela era a verdade.


— Você deve saber que não gosto muito de tocar nesse assunto, mas

me lembro como se fosse ontem quando descobri a traição de Gordon. Estava


em uma cozinha muito diferente dessa, de uma casa muito maior, você deve

se lembrar, afinal você e Sebastian brincaram muito naquela casa.


— Sim, é claro que me lembro, costumávamos correr pelo jardim e

irritar todo mundo com nossas brincadeiras agressivas.


Ela riu um pouco com a lembrança e não pude deixar de sorrir junto,
afinal tivemos uma boa infância.
Eu me recordava perfeitamente da mansão da tia Harriet, aquele lugar
estava cheio de lembranças e, por isso, ela decidiu se mudar para uma casa
menor, completamente diferente.
— Algo me disse para ir até à sala de piano naquele momento e foi aí

que o vi beijando a professora de Seb. Foi como se precisasse descobrir e


provavelmente foi como aconteceu com você. Às vezes, precisamos enfrentar

nossos maiores medos para amadurecer, Zack. Acho que viemos para esse
mundo a fim de aprender alguma coisa. Sei que nesse momento é difícil

enxergar isso, mas agora você vai descobrir sua força, vai descobrir que
consegue fazer tudo sozinho.

Eu não conseguia imaginar tia Harriet com medo ou sendo uma pessoa
frágil e confesso que era interessante ouvi-la falar sobre seu outro lado, o que

ela não gostava de mostrar para as pessoas. Aquelas palavras ficariam


comigo para sempre e lembraria delas como um bom ensinamento.

Quando me sentisse incapaz a voz dela iria soar dentro da minha


cabeça, me ajudando a seguir.

— Isso era realmente necessário? — perguntei um tanto desanimado.


— Talvez. Como você mesmo disse, várias pessoas te alertaram quanto

a isso, mas você não escutou. Você precisava enxergar com seus olhos a
situação — ela explicou de forma calma, como uma mãe bondosa.
— E como a senhora... Bom, como a senhora descobriu isso? Que
conseguia continuar por conta e que não precisava de ninguém? — perguntei
como um calouro que tirava dúvida com um instrutor.
— Bom, preciso de muitas pessoas. Preciso do meu filho, preciso de
você, preciso até da chata da sua mãe — ela falou de forma que me arrancou

um pequeno riso. — Mas agora sei quem são as pessoas certas e sei que
quando as pessoas nos machucam não precisamos mais ficar perto delas.

Você acha que não fui criticada? Muitos disseram que estava sendo infantil
de me divorciar por um pequeno deslize, diziam para que criasse o filho que

ele teve fora do casamento, acredita? — ela falou com certa irritação na voz e
não era para menos.

Sabia que aquele caso havia resultado em um filho e que, por isso,
após se divorciar de tia Harriet, Gordon havia casado com a outra mulher.

Mas não sabia que minha tia teve que lidar com comentários tão
desagradáveis.

— Isso é uma imbecilidade sem tamanho — falei com revolta.


— Mas ouvia isso o tempo inteiro, que estava sendo precipitada, que

meu filho ficaria sem pai. Pois bem, meu filho ainda tem pai, um grande filho
da puta, mas tem — ela falou usando seu linguajar nada ortodoxo, fazendo

sinal da cruz em seguida e pedindo perdão em silêncio.


— Tia, a senhora é uma das pessoas mais corajosas que conheço. Não
é como se a senhora fosse igual às outras pessoas, nem que eu chegasse perto
da sua força.
— Não fale assim, mocinho. — Ela acariciou meu rosto com
delicadeza e olhou em meus olhos. — Não estou dizendo que vai ser fácil, ou
que não vai doer, mas... No final, você vai conseguir tudo, meu filho.

Seu sorriso me acalmou naquele instante.


— Sofri muito, tive que me mudar apenas para não lembrar mais da

casa em que tive meus anos mais felizes, ou era o que acreditava, até
descobrir que estava dormindo com o inimigo. Várias vezes pensei em ceder

e voltar àquela vida, pois sentia falta de Gordon, mas felizmente resisti.
Encontrei uma paz tão grande que não quis pensar mais em me unir com

ninguém.
— Acho que o Seb iria gostar de ter um padrasto — falei de um jeito

bem-humorado e ela deu um tapinha no meu ombro.


— Não mesmo, nem sonhando. Eu sou tão feliz com a minha casa

pequena, com meus poucos funcionários, com as minhas plantas, com meu
clube do livro e com minhas missas dominicais, que nem posso sequer

imaginar um homem estragando tudo isso.


Naquele momento, precisei rir de verdade, tia Harriet também era

engraçada quando queria e a amava muito por seu jeito.


Ela estava certa.
Iria ser muito difícil, mas com o passar do tempo descobri que era
plenamente capaz de superar, nem que para aquilo precisasse mudar
completamente minha forma de ser e foi o que fiz. Encontrei maneiras de me
desvencilhar da dor e me distrair do que havia me decepcionado.
Nunca mais falei com Emily, por mais que ela me ligasse

insistentemente, até o ponto de ter que mudar meu número. Também lotou
minha caixa de e-mails e assediou todos os meus amigos e familiares em

busca de algum contato.


Para mim, ela estava morta.

Foi quando enterrei também o ingênuo e tolo Zackary Evenfort que


acreditava no amor e tinha sonhos de construir uma família, e decidi seguir

meu caminho sozinho.


Nunca mais meu coração seria refém de uma mulher, fiz aquela

promessa para mim mesmo.


Uma noite apenas era o que elas teriam de mim e nada mais.
Às vezes, o despertador funcionava como um carrasco, terrível e

impiedoso. Sem nem perceber uma das mãos rastejou até o celular ao lado da

cama e derrubou tudo que estava sobre a mesa de cabeceira, então, o barulho
dos livros, canetas, embalagens usadas, batons e papéis caindo foi o
suficiente para me fazer despertar.

“CARAMBA, NÃO POSSO ME ATRASAR!”, meu cérebro gritou


naquela manhã e me pus de pé, sem nem pensar duas vezes, mesmo que

cambaleante.
Samantha estava desmaiada na cama ao lado da minha, tanto que sua

boca estava aberta.


Ela nem sequer foi afetada pelo barulho irritante do celular

despertando.
— Sam, você precisa acordar e se levantar também — falei enquanto a

sacudia de leve e retirava alguns fios dos seus cabelos negros do rosto.
Minha melhor amiga apenas balbuciou algo ininteligível e escondeu a
cabeça debaixo do travesseiro.
Caso perdido!
Ela voltou para o mundo dos sonhos.
Rolei os olhos e desisti, indo direto para o banheiro, caso tivesse sorte
não haveria fila e...

— Bom dia, baby — Amanda falou com um sorriso que correspondi


muito menos animada do que ela.

— Não vai me dizer que o Nathan... — falei enquanto olhava para a


expressão da nossa companheira de quarto, que estava simplesmente parada

na frente da porta como se esperasse algo.


— Sim, ele acabou de sair e estou esperando o local ficar menos

insalubre antes de entrar — ela reclamou enquanto apontava para o cômodo.


— A não ser que você tenha algum daqueles trajes de proteção, sabe? Para

evitar contato com a radiação.


— Não é possível! — reclamei mais para mim mesma. — Bom, vou

ter que encarar essa.


— É sério? — ela questionou impressionada.

— Seríssimo — concordei.
Geralmente, colocava o despertador um pouco mais cedo apenas para

evitar todo o drama do banheiro, afinal não era fácil ter que compartilhar o
espaço com mais cinco pessoas, mas como sempre estava muito cansada
acabava me perdendo na função soneca em vez de me levantar da cama logo.
— Boa sorte para você então, querida. — Amanda direcionou os
braços para a entrada, como um gesto de gentileza e só pude fazer uma careta
enquanto prendia a respiração.
Aquele seria um dia bom, estava sentindo.

Recém-formada, sem bolsa de estudos e sem o alojamento do campus,


as coisas haviam ficado um pouco complicadas, mas até as dificuldades

funcionavam como uma espécie de motivação, afinal nada era tão difícil a
ponto de ser impossível.

Sabia que conseguiria alavancar minha carreira, que teria


reconhecimento e um belo futuro, mas, naquele momento, precisava correr

para entregar currículos, depois servir clientes e lavar alguns pratos.


Minha manhã era sempre uma correria, porque precisava aproveitar as

poucas horas livres antes do trabalho para distribuir currículos por todos os
lugares possíveis, o que nem sempre era uma tarefa fácil, afinal, em certos

lugares, não era sequer recebida, mas ainda assim ia embora com um sorriso,
em busca de outras oportunidades.

O trabalho não era de todo ruim e tinha até amigos no restaurante em


que trabalhava como garçonete.

Óbvio que no começo não foi nada fácil, afinal, como meu pai sempre
falou, parecia ter dois pés esquerdos e o método de serviço do restaurante que
me contratou não facilitava muitas coisas para a minha coordenação motora
precária.
No dia em que a senhora Romanov me entrevistou fiquei morrendo de
medo quando ela me encarou com seus olhos de pedra e um corpo mais firme
do que um caminhão. Ela parecia ver até mesmo a minha alma e não sorriu

nenhuma vez.
Apesar da minha péssima atuação naquele dia não desisti.

— A senhorita sabe andar de patins? — ela perguntou e o “r” de


senhorita parecia ter sido multiplicado por três em sua língua que

originalmente falava russo.


Aquele restaurante era conhecido por sua decoração inspirada na

cultura pop dos anos sessenta, mas esperava que pudesse trabalhar parada,
como caixa ou na cozinha, e não servindo pessoas em um estacionamento,

deslizando de um lado para o outro.


— Sim, senhora. — Tive que responder muito rápido, antes que uma

forte crise de soluços me acometesse.


Aquele era um problema antigo com o qual precisava lidar toda vez.

Mentir sempre foi difícil para mim, e acho que meu cérebro me punia por
aquilo.

Mas, poxa, realmente precisava do emprego!


Então apenas rezei para que ela não perguntasse mais nada sobre o
assunto.
Samantha não me contou sobre aquele detalhe, porque talvez nem
soubesse. Ela me indicou para o emprego, pois também era descendente de
russos e eles tinham sua rede de contatos.
Precisei fazer um treino intensivo com ela durante a única semana que

tive antes de começar a trabalhar.


Sabia ficar em pé em um par de patins, mas sair do lugar com eles de

forma efetiva era mais complicado, o que me gerou umas boas dezenas de
arranhões e hematomas.

— Você vai ter que esconder isso, garota — minha amiga falou
enquanto deslizava os olhos, cheios de julgamento, sobre mim.

— Fala sério, melhorei muito! — falei em minha defesa.


— Como a pessoa mais desastrada do universo pretende encarar esse

tipo de emprego? — Ela parecia estar desesperançosa e apenas balançou a


cabeça em discordância enquanto dei de ombros.

Tinha que dar certo.


A primeira semana no emprego foi horrível e, simplesmente, caí mais

de cinco vezes em um único dia.


Quando estava com a bandeja em mãos fazia de tudo para não derrubar

as coisas, mas acabava me tornando lenta demais.


Tentava ao máximo evitar que um dos meus chefes visse minha
inépcia com os movimentos.
Mas aquilo começou a se tornar cada vez mais difícil, até o ponto em
que um dos meus colegas percebeu minha dificuldade, ou melhor, flagrou
mais um tombo.
Não sabia qual dos irmãos Petrov era aquele, já que eram uma dupla de

gêmeos imigrantes russos que trabalhavam ali.


— Erin, você está bem? — Ele me olhou um tanto aflito enquanto

estendia a mão e sentia meu rosto quente, quase tão quente quanto o joelho
que ralei de novo.

— Claro! Isso nunca... — Soluço. — Nunca acontece — falei rápido,


mas não pude evitar um sorriso nervoso.

Foi assim que nos tornamos amigos.


Os gêmeos Petrov, Igor e Ivan, eram mais do que uma dupla de garotos

ruivos e sardentos que faziam piadas com qualquer bobagem, eles eram
pessoas com corações enormes e me ajudaram a resolver o problema.

Todos os dias, depois dos nossos turnos, eles me ajudavam com os


patins, o que fez com que me tornasse uma expert, ou quase, em pouco

tempo.
Era óbvio que tive que provocar a Samantha com aquilo e dizer que ela

não era uma boa professora, mas o máximo que ela fez foi me mostrar o dedo
do meio e colocar os fones de ouvido estourando, o som estava tão alto que
poderia se ouvir de longe.
Eu adorava aquela garota.
A senhora Romanov também se tornou menos assustadora com a
convivência, na realidade, ela era um doce de pessoa, apenas escondia muito
bem de todo mundo aquilo. Depois fiquei sabendo que vez ou outra ela pedia

para que os gêmeos me ajudassem, por mais que, às vezes, ainda me desse
algumas pequenas broncas.

Claro que nem tudo eram flores, porque sempre havia uma maçã podre
em um cesto. Naquele caso, Sergei Romanov, irmão do meu chefe, era a

peça. Por diversas vezes aquele homem fazia questão de se aproximar de


mim, com propostas indecentes, coisa que me deixava um tanto atordoada.

Felizmente, os gêmeos Petrov estavam sempre por perto e me


protegiam com unhas e dentes.

Certa vez estava voltando com as bandejas, quando vi Sergei de braços


cruzados e encostado em uma parede. Ouvi um assovio quando passei por ele

e, simplesmente, me virei.
A raiva estava estampada no meu rosto com toda certeza.

— Eu vi — ele falou e apertei os olhos, com a irritação tomando conta


do me ser.

— Eu gostaria de saber o que o senhor viu? — questionei enquanto o


encarava.
— Sua calcinha. — Ele mordeu o lábio inferior e meu queixo caiu, ao
mesmo tempo, em que o olhava, estava chocada com aquela audácia. — Mas
preferia ter visto o que tem embaixo dela — pontuou o homem abjeto
enquanto ainda me fitava de um jeito constrangedor.
Por um instante não soube como reagir, pois, me senti invadida e

exposta, mas antes que começasse a gritar ou chorar de raiva, ouvi uma voz
conhecida, era Igor, e me senti grata por seu jeito explosivo naquele dia.

— Espero que você tenha aproveitado a visão, porque depois disso


aqui você não vai ver mais nada. — Com apenas um soco ele derrubou Sergei

e, antes que continuasse, foi contido por pessoas que estavam ali perto.
No final das contas, acabamos todos sentados lado a lado no escritório

da senhora Romanov, como se fôssemos crianças na diretoria, prestes a levar


uma bronca daquelas.

Mas a senhora Romanov era justa e a única pessoa que precisou ouvir
foi Sergei.

— Essa não é a postura de um funcionário de um restaurante com duas


estrelas no guia Michelin — ela pontuou como gostava de fazer sempre. —

Isso não é a postura de um homem. — Ela foi mais enfática ainda. — Peça
perdão para a moça, ou seu pai vai saber disso agora mesmo. Como você

sabe, ele não será tão complacente assim.


— Me desculpe, Erin — ele falou imediatamente, com a cabeça baixa.
Eu não me dei ao trabalho de responder.
— Como você sabe, desculpas são moralmente necessárias, mas não
consertam vasos quebrados, o que chega mais perto disso é a justiça. — Ela
prosseguiu enquanto via o brilho sumir totalmente do rosto de Sergei e
precisei conter uma risada. — Erin, como retratação por essa postura ignóbil

de Sergei, ele fará todo seu trabalho de hoje e você terá uma tarde livre.
— Mas... — Ele tentou dizer, mas tudo que recebeu foi um tapa forte

na testa.
Naquele momento, Igor que não conseguiu deixar de rir, recebendo um

olhar de repreensão, o que o fez parar na hora.


— Sem questionamentos — ela concluiu. — E você, mocinho... —

falou se dirigindo ao irmão Petrov mais esquentadinho. — Vai receber uma


bonificação pela atitude louvável — concluiu e vi a expressão de medo no

rosto do meu amigo se transformar em alegria.


Depois daquele dia passei um bom tempo em paz, livre das investidas

nojentas de Sergei.
Apesar de ter me adaptado bem ao trabalho, ainda era difícil conseguir

me sustentar e ajudar meu pai, que ficou em Bourton o the Water, mesmo que
ele não me pedisse nada e dissesse que seu salário como maquinista era o

suficiente.
Sempre tive uma forte amizade com meu pai, nos entendemos desde
sempre e nos conectamos mais ainda quando minha mãe ficou doente e
faleceu às vésperas da minha mudança para Oxford.
Aqueles foram tempos difíceis e até minha alegria de ter conseguido
uma bolsa integral para a universidade dos sonhos foi um pouco apagada pela
partida da minha mãe, uma mulher incrível e cheia de sonhos.

Eu não gostava de pensar muito sobre o câncer que a levou de mim,


gostava mais de lembrar a forma como ela me ensinou a ser apaixonada por

livros e histórias, e a maneira que me ajudou a construir meu caráter.


Gaia Papadopoulos era a mulher mais fascinante do mundo e adorava

quando ela contava a história de amor dela e do meu pai, que era digna de um
filme.

Mamãe era um tanto rebelde e cheia de coragem, uma mulher de


cabelos e olhos muito escuros, altura mediana e uma personalidade

imparável.
Ela conheceu meu pai quando ele viajou pela bela Santorini, cidade

situada em um pequeno arquipélago impressionante na Grécia.


Eles se apaixonaram logo e compartilhavam o gosto pela literatura,

mas os meus avós não gostaram nada daquilo, afinal meu pai era um
forasteiro. Ele poderia apenas tirar a honra da minha mãe e depois abandoná-

la, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário e o amor deles prosperou
na diversidade.
A jovem Papadopoulos, mais conhecida como “mamãe”, foi enfiada
em um convento pelos pais conservadores.
Em momento algum ela se rendeu e passou toda aquela temporada
falando sobre Callum, o inglês dos olhos azuis com quem ela iria se casar.
Sem contar que ela tinha uma boca muito suja para uma moça, como as

freiras costumavam reclamar.


Durante o inverno, mamãe usou sua lábia para convencer o leiteiro a

entregar cartas ao meu pai. Ela costurou três coletes e ofereceu ao garoto
espinhento, como ela gostava de dizer, assim o contato entre ela e o amor da

sua vida se manteve, até que ela pôde fugir de uma vez.
Depois disso eles nunca mais se separaram e os admirava pela forma

com que se respeitavam e tratavam um ao outro.


Sempre acreditei que um amor, como o dos meus pais, fosse possível,

afinal assistia a eles todos os dias e fiquei surpresa quando descobri que na
“vida real” as coisas não eram bem daquela forma.

De qualquer maneira continuei sonhando enquanto crescia.


Minha mãe era apaixonada pela literatura britânica e sempre me

presenteava com livros, até porque não havia muito que fazer em nossa
pacata cidade.

Adorava me sentar sob as árvores para sonhar com as histórias pelas


quais passeava. Com a ajuda de Jane Austen, Emily Brontë, Virginia Woolf e
tantos outros, minha paixão foi se lapidando e se tornando o meu maior
desejo.
Quando consegui a bolsa de estudos para literatura meus pais pareciam
estarem mais felizes do que eu, embora, infelizmente, mamãe tenha falecido
logo em seguida.

Senti que sua felicidade era verdadeira no dia em que contei a ela, mas
em seu rosto vi também uma pequena tristeza, como se depois daquilo ela

estivesse autorizada a partir.


— Esse amor está no nosso sangue. — Ela sorriu com doçura e

enxerguei em seus olhos aquela mulher cheia de vigor, desbocada e alegre


que cantarolava todas as manhãs, não o corpo frágil e febril que estava à

minha frente. — Enquanto você estiver lendo nossos livros sempre vamos
estar juntas.

Passei a pensar regularmente naqueles momentos quando precisava


encontrar força, o que aconteceu muitas vezes, principalmente, quando tive

que me mudar e começar a viver sozinha.


Era estranho chegar a um mundo cheio de pessoas da minha idade,

viciadas em tecnologia e comida ultraprocessada, enquanto eu soava


levemente “caipira” ao estar ao lado deles.

Foi assustador ver o quanto aquela estrutura era enorme e o quanto


aquele universo era bem maior do que esperava.
Nem sabia por onde começar, mas estava animada, apesar do frio na
barriga.
A dor da perda da minha mãe me assolava constantemente e a saudade
era dolorosa, mas queria fazer com que tudo desse certo.
Aos poucos me adaptei e fiz até amigos naquele lugar.

A universidade foi uma experiência excitante, alegre e um pouquinho


traumatizante, mas não mudaria nada, afinal foi a minha escola para a vida

real.
Meu pai nunca deixou de escrever uma semana sequer, apesar de nos

falarmos pelo telefone sempre, pois era um hábito que cultivamos para nunca
esquecer como ele e minha mãe se mantiveram unidos nos momentos mais

difíceis.
As palavras eram importantes para nós e as valorizávamos.

Sempre contava ao meu pai sobre tudo que acontecia e também sobre o
que aprendia a respeito da cultura da minha mãe, pois fazia questão de me

inscrever em disciplinas eletivas sobre a cultura da Grécia.


Minha empolgação e a parceria com Samantha, que com seu jeito

louco me conquistou, afinal ela lembrava muito minha mãe, fez com que o
progresso não fosse tão complicado.

Consegui me formar com honra e mérito.


Quando saí daquele mundo, que antes parecia enorme, mas se tornava
pequeno para mim, depois de tantas experiências, percebi que as coisas não
eram tão simples e o trabalho no restaurante foi o que me ajudou, embora,
precisei conseguir outro emprego, utilizando o horário da noite.
Era uma rotina cansativa, acordar, distribuir currículos, ser garçonete
de tarde, lavadora de pratos à noite, mas era bom sentir que estava

perseguindo algo, mesmo que esse “algo” estivesse demorando um pouco a


surgir.

Perseverança sempre foi a palavra mais importante do meu vocabulário


e sabia que ela seria recompensada um dia.

“E fui.”
Após mais um dia cansativo, quando cheguei ao apartamento com as

mãos levemente esfoladas por ficar tempo demais dentro da água e em


contato com sabão, Samantha avisou que recebi uma ligação de uma antiga e

querida professora, a senhorita Elena Morris.


— Erin, a senhorita Morris falou que não conseguiu contato com seu

número de jeito nenhum e pediu para que você ligue rapidamente! — Minha
amiga parecia estar exasperada segurando meus ombros para dar mais ênfase

ao recado.
— Eu vou ligar para ela agora! — falei pegando o celular e

constatando que ele descarregou porque era tão velho que a bateria estava
viciada. Bufei de raiva e mostrei o aparelho para Samantha. — Bom, acho
que é tarde demais, posso ligar amanhã.
— Não! Olha só, ela pediu que você retornasse assim que chegasse,
não importava o horário. Toma, pega o meu. — Sam me ofereceu seu celular
caríssimo que recebeu de presente da sua avó e aceitado, porque era uma das
poucas pessoas com quem ela ainda falava na família.

— Ok, deve ser mesmo importante. Obrigada! — Sorri com


empolgação.

Eu não sabia o que aquele telefonema significava, mas imaginei que


fosse alguma coisa muito boa.

Depois de tanto tempo sem uma boa notícia, de me deparar com tantas
portas e semblantes fechados minha intuição estava gritando de forma

positiva e ainda nem sabia como aquela ligação mudaria minha vida
definitivamente.
O excesso de trabalho nunca foi tão bem-vindo em minha vida quanto

nos anos que se seguiram. Estar engajado em minhas atividades foi o motor

que fez com que me reencontrasse e me transformasse no homem que


desejava ser.
Nossa editora era, enormemente, prestigiada e já havíamos publicados

dezenas de obras que receberam incontáveis prêmios, além da republicação


dos maiores clássicos em suas melhores versões.

A Evenfort Books Inc. era o meu grande orgulho e me sentia honrado


por ser parte fundamental de tudo aquilo.

Minha bisavó começou tudo aquilo e, para mim, seria a grande


contribuição que deixaríamos para o mundo de alguma forma. Não era

apenas uma maneira de ganhar dinheiro e riqueza, mas como nossa família se
impunha no mundo, a maneira como viveríamos, mesmo quando não

estivéssemos mais no planeta.


Em um mundo extremamente tecnológico, onde os vídeos curtos eram
privilegiados, nosso desafio era incentivar a leitura e fazer com que as
pessoas voltassem a sentir prazer em desbravar um bom livro, sem perder a
modernidade, sempre encontrando soluções que se enquadrassem nos nossos
tempos.
No final das contas, estava satisfeito com a minha vida, encontrei a

paixão que tanto precisava dentro do meu trabalho, todos os dias, e não sentia
falta de um relacionamento romântico, afinal havia coisas muito mais

importantes do que aquilo.


Sebastian gostava de dizer que eu era casado com os livros, enquanto

ele preferia se casar com mulheres, por mais que nem sempre funcionasse
bem.

— Você já deu uma olhada no novo orçamento de expansão? Acho que


está impecável. Devemos aprovar — falei com uma sensação de entusiasmo;

pois era o tipo de coisa que fazia com que meus olhos brilhassem. — Uma
coisa maravilhosa! Você precisa ver...

— Você precisa ver a sua cara, Zack — Sebastian falou com a feição
engraçada.

— Qual o problema? — respondi em tom de diversão.


— Nenhum, é só que... Parece até que você viu um belo par de pés

delicados. — Ele terminou a frase rindo e apenas balancei a cabeça em


negação.
— Nenhum belo par de pés poderia me deixar tão feliz quanto essa
pilha de papéis para assinar. — Sorri de forma genuína.
Às vezes, era bom ter a total certeza de estar com o coração vazio, pois
era a melhor forma de libertação.
— No final das contas, somos os dois desiludidos.

Às vezes, enquanto estávamos muito atarefados, lendo contratos,


procurando novos autores, analisando manuscritos originais, fechando

negócios milionários, Seb aparecia com umas tiradas filosóficas, como se ali,
do nada, surgisse uma análise muito apurada de nossas vidas.

Apenas levantei os olhos da papelada que estava avaliando e encontrei


uma expressão pensativa no rosto do meu primo.

— Não me olhe assim, você sabe do que estou falando. Pensa bem...
Se me caso tantas vezes é porque não acredito mais em casamento. No fundo,

sei que é isso. Já você não acredita em relacionamentos, só em trocas. Pense.


— Você é engraçado. — Franzi a testa enquanto observava o rosto

cheio de expectativas do meu primo, como se esperasse que reconhecesse sua


genialidade. — Eu acredito nisso aqui — falei enquanto levantava a folha que

estava analisando. — Acredito na amplificação da nossa rede e em como o


nosso negócio vai ser três vezes maior em cinco anos, Sebastian. Isso é

importante: um legado, algo para se orgulhar. Isso aí é besteira. — Apontei


para a aliança na mão esquerda dele.
Claro que meu primo ficou me olhando com cara de bobo, mas estava
de bom humor, afinal teria um encontro mais tarde, naquele mesmo dia.
Não querer me envolver em compromissos românticos, não significava
que deixaria de apreciar todas as coisas boas que pudesse viver com uma
mulher, ao menos o deleite que pudesse experimentar com elas.

Eu não estava buscando por amor, mas por intensidade, por qualquer
coisa que pudesse me distrair enquanto não estava focado na minha vida

profissional.
Não era difícil conseguir o que desejava e, assim, pude descobrir o

tamanho do mundo e a quantidade de prazer que se pode encontrar nele,


apenas procurando nos lugares certos.

Estava efetivamente livre, não precisava me preocupar com dramas


desnecessários ou qualquer coisa que tirasse meu foco do que fosse

significativo.
Aquela era a verdadeira satisfação.

Claro que manter tanta concentração no meu trabalho não me impedia


de buscar algum tipo de diversão. Pagava por encontros com mulheres

bonitas e inteligentes, mas que não perdessem muito tempo tentando me


conhecer, que soubessem qual era o objetivo daquele momento.

Óbvio que era uma ótima oportunidade de relaxar e até ter conversas
interessantes, nada além disso.
Apenas um encontro, era a minha regra, depois disso nunca mais.
Algumas me agradavam mais do que outras, mas nenhuma delas nunca
despertou o desejo de mudar meu pequeno código, por isso era até fácil
manter aquele estilo de vida e nunca teria um relacionamento que
atrapalhasse meu progresso profissional.

Naquela noite, em específico, meus olhos foram presenteados pela


visão de uma das mais belas moças com quem já havia me deparado na vida.

A pele dela era dourada e parecia luzir sob as luminárias amarelas do


restaurante. O vestido vermelho que ela vestia deixava à mostra suas curvas

definidas, seu quadril largo, seios medianos, pescoço longo, rosto esculpido...
Precisei respirar fundo quando a vi e me levantei imediatamente para

mover a cadeira, como um bom cavalheiro.


— Boa noite, senhorita Collins — falei com cortesia e ela me ofereceu

um sorriso tão bonito quanto o restante dela.


— Boa noite, senhor Evenfort, pode me chamar de Daisy, afinal é

assim que meus amigos me chamam. — Com uma piscadela ela me estendeu
a mão para um cumprimento um tanto formal, o que era um jogo divertido

quando se sabia como a noite vai terminar.


— Sendo assim, pode me chamar de Zackary, que é como minha mãe

me registrou. — Sorri, buscando quebrar o gelo com um chiste espirituoso, o


que funcionou bem.
A conversa foi rasa, como sempre.
A moça passou um bom tempo me explicando sobre seus seriados
favoritos e o quanto sua rotina de Skincare era complicada.
Compreendia aquilo, pois deveria ser muito difícil manter tudo no
lugar, afinal ela era um verdadeiro monumento.

Ao final da noite, depois de um jantar leve, estava completamente sem


paciência, queria sair logo daquele ambiente e apenas esquecer tudo.

Felizmente, minha companheira da noite era um tanto perceptiva e foi


a primeira a sugerir.

— O que você acha de irmos para um lugar mais reservado? — ela


pronunciou em uma voz macia, suave como lençóis de seda, e não pude

deixar de concordar.
Contra a parede...
Meu corpo pressionava o corpo de Daisy contra a parede, com nossos

quadris se chocando, enquanto prendia seus braços acima da cabeça. Minhas

mãos firmes estavam em seus pulsos enquanto explorava a pele eriçada do


seu pescoço, arrancando alguns suspiros da minha parceira.
Gostava de ter tudo bem planejado, mas adorava, principalmente, me
deixar levar pelo calor do momento.
Minha boca voltou para a dela com a língua se adiantando para
explorar o espaço com perícia, lentamente. O calor se espalhando para todas
as regiões dos nossos corpos, sem poder ignorar em momento algum a forma

como nossos quadris estavam colados.


Aquela mulher era de tirar o fôlego e queria que ela se sentisse da
mesma maneira.

Um espaço agradável é o segredo para uma noite orgástica, foi algo


que aprendi logo.

Quando se prepara o ambiente o sucesso é quase garantido e fazer com

que uma mulher se sinta desejada é a fórmula perfeita para que ela faça seu
parceiro gozar.
Mas, naquele dia, o ambiente não fez tanta diferença, na verdade,

ignoramos completamente o champanhe e as velas aromáticas que mandei


preparar.

Tudo o que queríamos era contato, fricção, toques incontroláveis.


Sem afastar nossos corpos, levei a mulher de pele dourada até o

batente da janela, fazendo com que ela se sentasse sobre ele.


— Zackary, você não perde tempo — ela gemeu em uma voz sensual e

só pude oferecer a ela um sorriso safado, ao mesmo tempo, em que


recuperávamos um pouco nosso fôlego.
— Eu não desperdiçaria um segundo com uma gostosa igual a você...
— É mesmo? — Ela mordeu o lábio inferior enquanto entrelaçava os
dedos em meus cabelos, pressionando para baixo, fazendo com que minha
cabeça descesse um nível, encontrando seu colo adorável.
Desci o tecido decote da minha dama com as mãos, encontrando um

par de seios macios e uma pele ávida por ser acariciada.


Logo minha boca estava ocupada demais em devorar seu mamilo

direito e não podia responder.


Os gemidos que fugiam da sua garganta foram um indício de que

estava indo bem, enquanto a língua, lentamente se movia em círculos em um


movimento metódico e contínuo.

Daisy pareceu aprovar e aquilo se mostrava pela forma com que ela
jogava sua cabeça para trás, em seguida pegando uma das minhas mãos e

colocando entre suas pernas.


Sem calcinha...

Ela estava sem calcinha.


Aquela constatação me matou de vez e deixou meu pau mais duro do

que já estava.
Mas aquele era só o começo e precisava me controlar um pouco.

— Que delícia! — falei quando, finalmente, afastei os lábios do seu


mamilo, para então tocar aquela umidade tão convidativa.
Era quente e suave.
Ela suspirou por um segundo enquanto massageava seu clitóris.
— Isso é maravilhoso...
Suas unhas deixavam longas marcas em minhas costas e aquilo era
irresistível.

Sua respiração estava em choque com a minha, enquanto mal


podíamos coordenar nossos corpos.

Fiz com que ela ansiasse, antecipasse os movimentos, desejasse...


Mas, em seguida, quebrei suas expectativas da forma mais positiva

quanto possível.
Permiti que meu corpo se movesse rápido, fazendo com que meu rosto

estivesse entre suas pernas, para então mordiscar uma de suas coxas.
Podia sentir o cheiro da sua excitação, enquanto sua lascívia começava

a transbordar pela parte interna de uma de suas pernas em uma gota


transparente.

O tesão e a tensão tomavam conta de mim, fazendo com que em um


impulso devorasse aquela boceta linda de maneira voraz.

Gostava de tudo, o sabor, a textura e a forma com que ela se contorcia


contra minha boca, rebolando de maneira inquieta, como se seu corpo fosse

entrar em ebulição. Gostava de olhar para ela e vê-la se movendo, aos poucos
perdendo completamente o controle sobre si mesma, deixando que seus
instintos mais primitivos domassem suas ações, fodendo como se fosse a
última coisa em sua vida.
Permiti que a língua a saboreasse sem pressa, enquanto ela se retorcia,
se contorcendo de maneira irrefreável.
Sabia o que vinha em seguida, um orgasmo poderoso que faria com

que cada terminação nervosa em seu corpo entrasse em combustão.


Não me permiti parar, enquanto ela se desfazia e suas pernas

enfraqueciam. Agarrei suas coxas, tomando todo o seu mel sem pensar duas
vezes.

Era por essa razão que sempre pedia exames, exigindo que minhas
acompanhantes fossem completamente saudáveis, porque gostava de me

lambuzar e tomar até a última gota do licor delas.


Daisy estava completamente sem fôlego e estava satisfeito, porque sei

que nada é melhor do que um orgasmo, para atingir mais orgasmos ainda.
Tomo seu corpo entre os braços e carrego a dama até a cama, onde ela

se deitou sôfrega, mas com um olhar intenso, ainda cheio de desejo.


Ela me puxou pela gola, mudou nossas posições, montando o meu

corpo.
A iniciativa que me fez quase explodir de tesão.

Podia sentir o calor entre as pernas dela.


— Você é tão gostoso... Eu quero retribuir — ela falou me ajudando a
arrancar a blusa e depois abrir o zíper da minha calça.
Seus lábios macios eram tentadores, mas, naquele momento, queria
estar no controle, então impedi que ela arrancasse minha última peça de
roupa.
— Shhi... — Toquei sua boca com delicadeza. — É disso que preciso

— falei enquanto puxava seus quadris, pressionando sobre os meus.


Aquela proximidade me deixando enlouquecido.

Ela se movia como se cada movimento fosse ensaiado para me matar


de tesão e prazer.

Rebolando devagar, precisamente, enquanto meu pau implorava por


algum alívio, embora, gostasse do anseio, de me privar até o último momento

e, no final, sentir o prazer mais intenso possível.


Quando já não podia aguentar mais fiz com que mudássemos de

posição, me colocando sobre seu corpo. Ela puxou uma das minhas mãos,
chupando meu dedo médio de forma sensual, sem pudor algum.

Seus olhos fechados enquanto fazia o ato foi o que me tirou do sério.
Logo penetrei sua doce boceta de forma cuidadosa, finalmente,

sentindo seu interior apertado, pressionando os lábios contra os seus enquanto


um som arfante escapava da sua boca. Fiz com que ela se deitasse de bruços,

movendo os fios dos seus cabelos longos para o lado, deslizando a boca por
sua nuca, o que lhe arrancou alguns suspiros.
Ela não demorou em se colocar de quatro e não pude evitar em
espalmar sua bunda de maneira bruta, fazendo com que ela gemesse mais alto
ainda, esfregando seu corpo em mim.
Finalmente, me livrei da última peça que usava, deixando meu membro
livre para roçar naquele traseiro macio. Logo peguei um preservativo,

colocando com perícia e, em seguida, penetrando de uma vez aquela boceta


tão apertada.

Apertava a cintura daquela mulher, mordiscava suas costas e seus


ombros, segurava seus cabelos com força e não parava de me mover por

nenhum segundo em um frenesi intenso. Ela investia contra mim e nossos


movimentos se tornaram ritmados, em uma foda completamente selvagem e

harmoniosa.
Não me contive mais enquanto agarrava os fios longos daquela

maravilha de mulher.
Estávamos suados, sem fôlego algum, nos movendo cada vez mais

rápido, perdendo o controle completamente, até sentir o sexo da minha


parceira se retesar ao redor do meu membro, fazendo com que gozasse

imediatamente, quase que, ao mesmo tempo, que ela.


Sei que valeu a pena ser paciente e permitir que aquela sensação

indominável me possuísse, enquanto meu corpo se tornava relaxado após o


ápice do prazer. Permiti que meu corpo parasse por alguns segundos antes de
continuar, porque sabia que aquele era só a rodada inicial da nossa primeira e
última noite.
•••
Aquela mulher era linda, charmosa, sua pele era macia como camurça
e seus olhos sensuais como os de uma corça, mas ainda assim eu não sentia

nada depois.
Queria me punir por ser tão apático com as mulheres.

No momento do sexo havia tudo, tensão, desejo, adrenalina, mas


depois do orgasmo era como se eu fosse uma sacola plástica vazia de

emoções.
Entre às nove da noite e às sete da manhã seguinte meu nome estava na

agenda dela e aquilo era o suficiente para mim.


A noite era uma amante ávida, a única capaz de me compreender e

acolher. Era ali, na escuridão, que me sentia protegido.


Não havia nada que pudesse me atingir, como se todos os problemas

fossem apenas uma sombra que não me alcançaria de forma alguma.


Observava o corpo nu da minha última amante repousar sobre a cama

do hotel enquanto fumava um cigarro lentamente.


No momento em que a excitação se dissipava só conseguia pensar no

trabalho. Estava completamente obcecado com a expansão da Evenfort


Books Inc. e aquela era a única coisa que passava pela minha cabeça.
Talvez, não fosse saudável que o único momento em que não pensasse
sobre o trabalho fosse quando estava dormindo ou fodendo, mas era o que me
deixava mais perto da realidade, o que me impedia de pensar em coisas
negativas. Focar no trabalho foi o que me puxou de volta para a vida quando
as coisas estiveram ruins e era muito grato por aquilo.

Mas aquele não era o momento de pensar naquelas coisas, eu estava


bem, ou pelo menos achava que estava e meu método estava funcionando.

Levantei da cama cuidadosamente e recolhi as poucas coisas, como


carteira, celular, chaves. Deixei um envelope com uma gorda quantia sobre a

mesa de cabeceira e uma gorjeta também.


Esperava que ela gostasse.

Quando saí senti certo alívio em saber que aquela seria a primeira e
última vez que veria aquela mulher.

Por mais gostosa que ela fosse.


Entrei no carro e estava pronto para voltar para a minha vida, sozinho,

como sempre, e aquilo até que me agradava bastante.


A senhorita Morris era uma das pessoas mais doces com quem cruzei

durante meu tempo na universidade. Ela estava sempre de um lado para o

outro com seus terninhos de cores neutras e óculos de armação redonda.


Seu jeito compreensivo e calmo fazia todas as pessoas suspirarem e a
encararem como um exemplo.

Além de professora, a senhorita Morris era chefe do Departamento de


Orientação Estudantil, onde ela se dedicava a ajudar em diversas esferas,

auxiliando os mais novos e direcionando os mais velhos.


Para minha sorte, nos tornamos amigas e ela começou a me tratar

como uma filha.


Ela foi uma das primeiras pessoas para quem contei sobre a minha mãe

e foi ela quem me apoiou, pois, aguentar a pressão do primeiro período na


faculdade depois de perder uma das pessoas mais importantes da minha vida

foi terrível.
Foi como se ela se tornasse a figura adulta que me confortava naquele
ambiente tão selvagem, então quando a via chegar com seu um metro e
sessenta de altura e sua pasta marrom, já me sentia menos sozinha no mundo.
No instante em que Sam me contou sobre a ligação pressenti que seria
algo importante, algo positivo, pois, havia pessoas que só entravam em
contato para trazerem coisas boas e aquele era o caso.

— Boa noite, senhorita Morris! — falei sem disfarçar a empolgação.


Não me importava qual era o assunto que ela queria tratar, estaria feliz

em conversar com ela, afinal já fazia um bom tempo que não nos falávamos.
— Boa noite, querida Erin, como você está?

Ela era sempre simpática e atenciosa, e sua voz transmitia conforto.


— Estou ótima, feliz em falar com você! — Tentei retribuir todo

aquele afeto. — Como você está? O campus continua cheio de calouros


enlouquecidos e veteranos desesperados? — perguntei de bom humor.

— Haha! Sim, como sempre. Estou bem também, obrigada por


perguntar. Aliás, me desculpe por pedir para que você me ligasse assim

correndo.
— Sem problema algum. Você sabe que estou sempre disponível para

os meus amigos. — Sorri.


— Ah, Erin! Você faz falta naquele lugar, sabia? Eu me lembro de

você ajudando cada pessoa perdida naquele auditório. Não é todo dia que os
novatos dão essa sorte, enfim, vou parar de tagarelar e ir direto ao ponto.
Naquele instante, minha respiração ficou suspensa, era estranho, mas
tinha uma sensação esquisita sobre aquela conversa. Não uma sensação
desagradável, mas algo que era capaz de acalmar meu peito e me fazer me
sentir mais tranquila, enquanto meu coração batia ligeiramente mais forte.
— Bom, soube de uma vaga...

Tive que me conter para não gritar e sair pulando pela sala.
Meus companheiros de apartamento me olhavam com interesse e

ignorei a curiosidade na expressão deles, quando me viram arregalar os olhos.


— Não é algo definitivo, mas quem garante que não venha a ser?

Senti um pouco de empolgação no seu timbre de voz e mal conseguia


escutar suas palavras, porque já estava fora de mim.

Sabia que algo vindo da senhorita Morris não poderia ser negativo.
— Se trata de uma oportunidade como revisora de textos, o que acha?

É uma ótima forma de começar sua carreira e aprimorar seu currículo.


Um pequeno intervalo de silêncio se seguiu e nem notei.

— Erin, você ainda tá aí? — Ela pareceu estar apreensiva com minha
mudez.

— Sim! Claro! — Acabei soando estridente demais e respirei para


acalmar meus impulsos. — É só que... Eu nem sei como agradecer, eu...

— Não agradeça ainda, mocinha, preciso deixar algumas pequenas


instruções para garantir que tudo saia da maneira que planejamos. O lugar
para onde estou te mandando é bem grande e você vai ter oportunidades de
desenvolver sua carreira por lá se tudo der certo.
Eu me contive imediatamente e fui para o quarto, pois os outros
moradores já haviam perdido completamente o interesse na minha conversa e
começavam a fazer barulho demais.

— É claro, estou anotando tudo! — falei enquanto, de um jeito


desajeitado, pegava um bloco de papel na escrivaninha no canto do quarto.

Precisei escavar um pouco para alcançar o objeto, afinal todas as


roupas de Samantha estavam ali emaranhadas e bufei com aquilo, afinal fazia

semanas que pedia para que ela arrumasse toda aquela bagunça incontrolável!
— Prontinho — concluí, me sentando na beirada da cama, preparada para

ouvir atentamente.
— Estou te indicando para trabalhar diretamente com os peixes

grandes da empresa Evenfort Books Inc. Bom, para começar posso dizer que
o Evenfort é um homem meio excêntrico.

A senhorita Elena Morris jamais seria indelicada, mas percebi que ela
queria dizer que meu futuro chefe era um doido de pedra.

Dei de ombros para a informação, pois saberia como lidar com


qualquer pessoa para realizar meus objetivos.

— Mas muito inteligente e intrigante.


A continuação me fez pensar que talvez ela tivesse uma quedinha pelo
tal Evenfort, mas aquilo era apenas um pequeno devaneio da minha cabeça
jovem, principalmente, porque a senhorita Morris nunca falou sobre ter
qualquer tipo de relacionamento, sendo uma solteira convicta.
— Excêntrico, porém, inteligente e intrigante. Anotado — falei de
maneira rígida e ela riu um pouco.

— Não precisa levar cada coisa que digo ao pé da letra, apenas tenha
em mente que ele tem algumas manias que podem parecer serem esquisitas,

como trocar o dia pela noite. Mas não se deixe desanimar com isso, apenas
seja observadora e mantenha seus ouvidos funcionando.

“Aprenda tudo o que puder com ele, pois com certeza isso vai
transformar sua percepção e alavancar sua carreira, pode ter certeza!

“Ah, claro!
“Não encha o homem de perguntas, seja discreta, mas sei que nem

preciso te dizer isso.


“No final das contas, seja você mesma e esse emprego vai ser seu.

“Quem sabe você não acabe em uma vaga de editora assistente quando
o período terminar?

“Vá lá e impressione essa gente!”


— Mais uma vez, obrigada! — conclui com um suspiro.

— Não me agradeça, apenas pegue esse trabalho. Aliás, vou entrar em


contato de novo para deixar os detalhes, tudo bem? Vou pedir para que eles
agendem uma entrevista.
— Perfeito! Vou esperar ansiosamente.
— Eu sei, sei.
Seu tom era divertido, pois, ela me conhecia e sabia o quanto certos
assuntos me despertavam uma aflição gigantesca, que só me abandonaria

quando estivessem concluídos e aquele era o caso.


— Posso ligar para esse número mesmo?

— Claro! Tenho tido alguns problemas técnicos com meu celular, mas
a Sam pode me passar qualquer recado, caso não estejamos perto uma da

outra quando me ligar.


Da última vez em que havíamos conversado percebi que a senhorita

Morris havia ficado extremamente preocupada com minha situação. Ela não
queria que me desdobrasse em dois empregos que nada tinham a ver com a

minha área. No fim daquela conversa anterior, ela prometeu que, se soubesse
de algo, seria a primeira pessoa a quem ela indicaria e ela cumpriu sua

palavra.
Eu não poderia estar mais feliz quando nos despedimos.

Sam estava na porta querendo saber do que se tratava, então,


finalmente pude pular como já queria fazer havia alguns minutos, saltitando e

segurando os ombros da minha amiga, que tentava se manter de pé.


— Fala logo, o que era?!
Ela era a pessoa mais curiosa do mundo em certas ocasiões.
— Emprego! Um emprego! Temporário, mas é um emprego! Em uma
editora! Meu Deus! Eu nem acredito!
— É sério, sério mesmo? — Ela abriu bem os olhos enquanto absorvia
a notícia e em seguida começou a pular comigo também.

Aquele era um dos melhores dias da minha vida e estava em êxtase.


•••

Nem toda notícia boa implicaria em coisas fáceis e naquele momento


estava tendo uma enorme dificuldade.

Não tinha ideia de como iria contar para a senhora Romanov e para os
gêmeos que iria embora. Sentiria falta dos meus amigos e até do jeito

rabugento dela, mas ficaria contente em não ter mais que usar aquele
uniforme e me arriscar em cima daqueles patins perigosos.

O metrô seguia seu ritmo constante e minha cabeça estava cheia de


pensamentos.

Respirei fundo e fechei os olhos, finalmente, a coisa iria começar a dar


certo, tinha certeza.

Fiquei tentada a contar a novidade ao meu pai por carta, pois podia
imaginar o quanto ele ficaria emocionado em ler aquelas palavras no papel.

Eu quase podia ver o rosto dele perplexo, enquanto, aos poucos, as lágrimas
encheriam seus olhos e a emoção deixaria seu coração quentinho. Só que, de
forma alguma, teria paciência, então tive que ligar para ele imediatamente,
mesmo que soubesse que o estaria acordando.
— Alô — ele falou, assim que atendeu, um pouquinho sonolento,
porque tinha o costume de dormir bem cedo, ao contrário da minha mãe.
— Papai, eu consegui um emprego! — exclamei e recebi um pequeno

silêncio em resposta.
Podia imaginar a expressão dele, como se ele estivesse bem ali na

minha frente.
— Erin, nem acredito! Um emprego?

Sua voz expressava toda sua alegria e aquilo me fez sorrir sem parar,
tanto que meu rosto começava a ficar desconfortável de tanto sustentar aquele

semblante.
— Eu sabia, minha filha! Eu sabia que seria logo! — ele exclamou de

um jeito satisfeito.
— Estou nas nuvens... — falei com suavidade, já me imaginando com

uma bela carreira.


Talvez, exagerasse um pouquinho nos sonhos, mas aquela era a forma

que sempre encontrei para lidar com qualquer adversidade.


Sonhar.

— Por favor, conte para minha tia, ela vai surtar! — falei com um
sorriso enorme.
Estava mais alegre ainda porque sabia que, se recebesse um salário
justo, poderia fazer a festa de aniversário que tanto queria para o meu pai. Ele
iria fazer seus sessenta anos e aquilo era algo a se comemorar. Odiava a ideia
de depender da ajuda dele, queria, na verdade, fazer algo por ele.
Naquela noite, mal pude pregar os olhos, estava muito ansiosa e foi

difícil me concentrar em tudo que precisava fazer, sabendo que em breve


estaria alçando outros voos.

Era satisfatório e desesperador.


Ao chegar a casa dei de cara com minha amiga, que parecia estar um

tanto inquieta. Ela me lançou um olhar bastante afetado e não entendi nada.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei com estranheza e ela se

levantou para vir até mim.


— Elena Morris ligou de novo, ela me passou a data e endereço da sua

entrevista. — Sam mordia o lábio como se estivesse bastante atormentada.


Era o pouco que tínhamos em comum em certos momentos, ficávamos

nervosas com facilidade.


— Isso é ótimo, não é? — Queria ficar feliz e propor uma

comemoração, mas sua expressão me confundia.


— Meu Deus! Como vou te deixar apresentável em um dia?! — ela

falou espalmando o rosto com as mãos e fiz uma careta.


— Fala sério, Samantha! — reclamei, sabendo que ela não gostava de
ser chamada por seu nome inteiro. — Você acha que não dou conta? É claro
que dou conta! — falei empolgada. — Nem acredito. — Saí, quase como se
flutuasse, até o quarto. — Acho que vou comprar uma pizza para nós em
comemoração, o que acha?
— Guarde suas moedinhas, minha amiga, amanhã vamos às compras

— ela falou com seriedade. — Ah, liga para a sua chefe e diz que amanhã vai
estar com dor de barriga. Ou melhor, por que não pede logo demissão?

— Sam, você sabe que não posso mentir! Como vou pedir demissão?
Ainda nem fui contratada.

— Não pode ou não consegue? — Ela rolou os olhos, impaciente. —


Eu tô cansada de ter que fazer tudo que é importante — minha amiga falou

insatisfeita.
No dia seguinte, simplesmente, me obrigou a deixar que ela ligasse

para a senhora Romanov e falasse que eu não estava bem.


Fiquei desesperada enquanto a ouvia, tão naturalmente, inventar uma

história e até exagerar bastante.


Nunca havia me sentido tão culpada e foi muito doloroso aceitar

aquilo, mas acabei me dando por vencida ao pensar que precisava mesmo me
preparar para aquela entrevista.

— Quanto você tem de dinheiro? — ela questionou depois de resolver


o primeiro problema.
— Uns cinquenta, talvez — falei sem me lembrar muito bem quanto
havia conseguido economizar nos últimos meses.
— Porra, Erin! — Sam parecia estar exasperada.
— Acho que dá para comprar alguma coisa... — respondi de maneira
singela.

Nunca gastei muito com roupas, afinal tinha coisas mais importantes,
como o aluguel.

— Você já pesquisou sobre o lugar onde está indo trabalhar? Eu joguei


no Google e... Você não pode ir assim. — Ela apontou para minhas roupas e

fiz uma careta. — Sem ofensas. — Ela emendou. — Só tem uma solução pra
isso... — falou com um semblante reflexivo.

— Não, você não vai — pontuei com firmeza.


— Não tem jeito, Erin. — Ela fitou meus olhos. — Vou precisar

recorrer ao...
— Cartão da Vovó — completei a frase e ela aquiesceu com um gesto

mínimo. — Então, ele existe mesmo?


— Sim, mas prometi a mim mesma nunca mais usar dinheiro nenhum

que viesse da minha família.


Sam vinha de uma família russa cheia de histórias e de dinheiro. O

problema era a origem de todo aquele dinheiro, que tinha a fama de estar bem
manchado de sangue relacionado à máfia. A única pessoa com quem ela
ainda mantinha contato era com sua avó paterna, que era como uma mãe para
ela e também era a única pessoa de quem ela aceitava presentes e dinheiro,
mas só em caso de última necessidade.
Durante a faculdade, houve boatos onde diziam que Samantha tinha
um cartão ilimitado, dado por sua avó, com o qual promovia enormes festas e

pagava bebidas para todo mundo.


Ela não confirmou o boato e nunca quis dar detalhes sobre aquilo nem

para mim, sua melhor amiga!


Naquele momento, começava a perceber que as teorias da conspiração

dos outros amigos não eram só teorias pelo visto.


— Você não precisa fazer isso, sabe? Eu não preciso de roupas caras.

— Erin, você é linda, mas não é só sobre isso. Se você quer entrar
nesse mundo vai ter que me escutar.

Eu realmente precisaria escutar e assim o fiz.


Começamos a peregrinar por diversas lojas, mas não foi fácil encontrar

algo que atendesse às exigências da minha amiga, era como se ela tivesse
algo muito específico em mente.

Estava nervosa só em imaginar que alguém do meu trabalho surgisse


do nada e descobrisse que menti para faltar.

— Aí digo que te levei ao médico — Sam pontuou e suspirei


impaciente.
— Você tem mesmo resposta pra tudo — murmurei e ela sorriu com
um ar de arrogância que, honestamente, me divertia.
— Ali! Aquela loja é ótima! — Ela apontou.
Vi que era uma daquelas lojas caríssimas, que só mulheres esguias e de
saltos altos entravam, automaticamente me senti travada.

— Lá é caro demais! — falei tentando impedir que ela continuasse


andando, mas, em vez disso, ela seguiu e ainda me puxou.

Quando percebi estávamos em um hall enorme estéril e neutro, com


manequins de silhuetas finíssimas e araras inoxidáveis. Havia também um

sofá sinuoso e marrom que ficava perto da entrada para o conforto dos
clientes.

Antes que adentrássemos muito mais e começássemos a procurar algo,


uma mulher que deveria ter por volta de um metro e setenta e cinco, e cabelos

mais brilhantes do que o Sol, nos abordou com um sorriso esquisito,


enquanto mantinha uma pose de vendedora. Ela deixou que seus olhos nos

percorressem de alto a baixo, rapidamente, para, enfim, nos encarar.


— Olá, queridas, acredito que estejam procurando a B&B, não é

verdade?
A mulher mostrava em seu timbre arrogância e tudo que pude notar foi

a maneira como Sam começava a ficar vermelha.


Deixaria aquilo passar, mas ela não, definitivamente não.
A vendedora esnobe estava nos indicando a loja de departamentos que
vendia as roupas mais baratas naquela região, como se não fôssemos clientes
em potencial para aquele lugar.
Eu sabia que Samantha iria surtar e só consegui pensar na maneira com
que nós duas nos conhecemos. Estava tão empolgada com a faculdade e, em

minha ingenuidade, achei que seria de bom tom comprar refrigerante para
minha colega de quarto e eu. Imaginei que seríamos melhores amigas e que

iríamos nos dar muito bem, mas não foi bem o que aconteceu.
Meu jeito desastrado fez com que, na realidade, tudo que pudesse

proporcionar naquele primeiro encontro fosse um banho de refrigerante em


cima da blusa de grife da minha colega de quarto e até mesmo em seu rosto,

que, por coincidência era filha de um dos funcionários mais importantes da


reitoria.

Megan ficou furiosa enquanto seu rímel escorria por suas bochechas.
Jamais pensei que alguém seria capaz de proferir tantas ofensas para

uma pessoa desconhecida. Não estava acostumada a encontrar com aquele


tipo de pessoa, tão mimada e voluntariosa, por isso apenas fiquei olhando

chocada, enquanto os garotos riam da situação e, principalmente, do chilique


dela.

— Mil perdões, por favor, me deixa ajudar a limpar! Eu prometo que


lavo suas roupas! — falei desesperada.
— FORA! — ela gritou e meus olhos se encheram de lágrimas, afinal
ninguém jamais havia gritado comigo daquela forma em minha vida.
Eu queria ser como minha mãe, queria fazer algo, mas fiquei sem
reação.
— Quero você fora das minhas vistas, sua caipira! Agora mesmo!

Volta pra roça de onde você veio!


— Megan, você não tem vergonha de praticar bullying com essa

garota? Você não vê que ela tá chorando? — A garota surgiu do nada e, de


repente, estava discutindo com a outra apenas para me defender.

— ESSA COISA RIDÍCULA APARECEU NA MINHA FRENTE SÓ


PRA ESTRAGAR MEU DIA! — ela berrou.

— A única coisa ridícula nesse lugar é você! Ela só tentou ser gentil!
— Foda-se! Eu não preciso da gentileza de nenhuma jeca cafona!

As palavras de Megan começaram a transformar meu nervosismo em


raiva.

Como ela podia dizer aquele tipo de coisa para alguém?


— Foda-se você, sua escrota! Você acha que o cargo do seu pai vai

impedir sua expulsão? — a garota que me defendia falou.


— Do que você tá falando, querrridinha? — Megan falou prolongando

o “r”, como se imitasse o sotaque russo. — Vai mandar seus parentes


mafiosos me matarem?
— Ah, não, sua filha da puta! — a garota respondeu com ódio pegando
um jarro de água que estava sobre uma mesa e despejando sobre a cabeça de
Megan que começou a gritar de raiva.
— SE VOCÊ ESTÁ TÃO PREOCUPADA COM ESSA COISA
CAFONA PODE LEVAR PRA VOCÊ! — a patricinha gritou uma última

vez.
Foi o que Samantha fez, simplesmente identificou quais eram as

minhas malas e saiu carregando para seu quarto, enquanto eu mal conseguia
computar tantos acontecimentos.

— Meu nome é Sam — ela falou enquanto caminhava. — Não vai me


ajudar a carregar suas tralhas? Vamos!

Nunca mais nos separamos depois daquele dia fatídico e ganhei uma
melhor amiga mais próxima do que uma irmã. Ela era facilmente irritável,

desbocada e impaciente, mas com o maior coração que já conheci.


Dentro daquela loja chique, recebendo arrogância daquela funcionária

pude ver aquela Samantha irritada e indignada, como no momento em que


nos vimos pela primeira vez.

Se as pessoas a conhecessem, iriam evitar despertar aquele monstro.


— O que você disse? — ela perguntou para a vendedora que ainda nos

encarava.
— Sam, vamos só continuar nossas compras — falei baixinho, mas ela
ainda encarava a mulher de forma colérica.
— Olha aqui... Valery. — Minha melhor amiga parou apenas para ler o
nome da mulher em seu crachá e depois lhe ofereceu um sorriso que mais
parecia uma careta. — Estou dentro dessa loja de propósito. Sei muito bem
onde fica a B&B e você deve saber também. — Seu olhar era irônico. —

Agora pode, por favor, ajudar minha amiga aqui a encontrar algo adequado,
feminino e profissional? — Apesar de ainda estar metralhando a vendedora

com os olhos, ela se controlou e se comportou muito bem.


Aquilo me deixava mais aliviada, pois não queria estar envolvida numa

briga no meio de uma loja.


— É claro, senhoras. — A mulher tentou disfarçar, mas sua expressão

era de pavor e logo ela começou a caminhar. — Poderiam me acompanhar


por gentileza?

— Muito bem — sussurrei para Sam e belisquei sua mão.


— Muito bem é o cacete! Estava prestes a mandar essa palhaça enfiar

um desses manequins bem no meio do...


— Sam! — Belisquei seu braço e ela resmungou.

No fundo, queria rir daquela situação, afinal aquele jeito nervosinho


dela sempre me transportava para mais perto da minha mãe, que era da

mesma maneira.
Respirei com calma, sabendo que aquele seria um longo dia, mas, no
final, valeria a pena.
Pelo menos era o que esperava.
— A companhia da sua família é líder no mercado editorial na Europa.

Sabemos que a Evenfort Books é vencedora de inúmeras premiações e que

agora está em processo de expansão na América do Norte...


Ouvia a voz do entrevistador através dos fones de ouvido que haviam
disponibilizado para mim, mas eu permanecia do outro lado do vidro,

enquanto Sebastian respondia às perguntas de maneira bastante expressiva.


Meu primo sempre foi bom com as palavras e bastante extrovertido,

diferente de mim. No fim, era como se fôssemos duas faces de uma mesma
moeda e nos completávamos de uma maneira singular.

Brent Carter, meu assistente, parecia levemente entediado com aquele


nosso compromisso matinal, afinal estava acostumado a estar correndo de um

lado para o outro em reuniões e eventos. Uma entrevista em um podcast


famoso não era algo muito comum para nós, mas aceitávamos que aquele era

o futuro e estaríamos nele.


Aquele tipo de convite me deixava completamente reflexivo, pois a
minha geração conheceu o rádio, mas, naquele momento, tudo que fazíamos
tinha a ver com as redes, com a internet e informação distribuída em
segundos para o mundo inteiro. Estávamos preocupados em acompanhar o
nosso tempo, mas sem abandonar o legado.
Consideramos que seria importante incluir aquele tipo de compromisso

em nossa agenda, afinal gostaríamos de ter um diálogo direto com os mais


jovens, que as novas gerações entendessem a importância dos livros. Era uma

espécie de marketing humanizado que se tornou indispensável no século


XXI.

— Como isso tudo surgiu? Pode contar um pouco sobre a história dos
Evenfort? — o entrevistador, um homem jovem, questionava meu primo, que

mantinha sua postura confortável de sempre.


— Nossa família é composta de mulheres fortes, voltadas ao

empreendedorismo. Tudo começou por causa de uma delas: nossa querida


bisavó, Charlotte Evenfort. É fato que nossa bisavó era uma mulher à frente

do seu tempo. Imagine só, uma mulher empreendedora no século XIX. É algo
curioso de se observar e uma história importante para nosso trabalho hoje.

— Realmente parece uma história fascinante — o rapaz falou,


demonstrando séria admiração.

— Sim. Tudo começou apenas com uma sala apertada e a produção de


alguns exemplares de clássicos. A forma com que o negócio se expandiu é
impressionante e é fruto de um trabalho intenso da família inteira. A Evenfort
Books Inc. é uma empresa predominantemente familiar.
Sebastian gostava de pontuar aquela parte e era um bom argumento
quando nos desentendíamos.
— Tudo aconteceu de maneira extremamente lenta, aos poucos

pequenos escritórios editoriais foram criados, até os anos cinquenta, onde a


Evenfort Books Inc. começou a realmente crescer e se tornar um nome

conhecido. Nada foi fácil e cada etapa teve que ser vivida, então com bases
tão fortes, sinto que é mais fácil vencer os momentos de crise.

— Falando em crises, você concorda que o mercado editorial tem


passado por uma crise, devido ao excesso de conteúdo de consumo rápido na

internet? — O entrevistador, com enorme sagacidade, emendou a pergunta e


balancei a cabeça em concordância, aplaudindo a esperteza dele.

— É inegável que o mercado editorial tem passado por crises durante


as últimas décadas e não culpo somente a internet, afinal ela é só um

instrumento. Acredito que a vida das pessoas se tornou muito mais corrida e é
um privilégio ter tempo para uma leitura calma. É preocupante, mas, ao

mesmo tempo, nos alerta para os sintomas de certos problemas que


precisamos enfrentar como sociedade. Bom, esse é o homem falando, agora,

como representante de uma empresa, digo que temos empregado diversas


estratégias que mantém o comércio aquecido.
— Quais as estratégias têm obtido mais sucesso? — ele questionou,
como se fosse uma máquina de fazer perguntas.
— Essa — Sebastian falou com um sorriso bem-humorado, sendo
correspondido pelo entrevistador. — Dialogar com nosso público, mostrar
que por trás da marca existem pessoas interessadas nas opiniões dele.

Antigamente, as pessoas tinham a ideia de que os gestores de grandes marcas


eram seres inatingíveis, homens engravatados que andavam de um lado para

o outro com maletas, mas pelo que você percebeu, Robert, não trouxe
nenhuma maleta.

Mais uma vez meu primo usou uma sacada inteligente para fazer graça,
como aquele veículo de comunicação permitia e até pedia.

Os dois riram e percebi o quanto aquilo faria com que os ouvintes se


sentissem mais próximos dele, consequentemente, da nossa editora.

— É verdade, pessoal, Sebastian Evenfort não trouxe maleta alguma!


— o rapaz pontuou de maneira bem-humorada, antes do seguimento da

conversa.
— Outra estratégia que se torna importante nos dias de hoje é o

trabalho com crossmedia. Isso é indispensável.


— Poderia explicar para o nosso público um pouco mais sobre o

termo?
— Com toda certeza. Crossmedia nada mais é quando utilizamos mais
de uma plataforma para o mesmo produto. No nosso caso, não é porque
produzimos livros físicos que deixaremos de ofertar o mesmo produto de
forma digital. Isso faz com que nosso público tenha facilidade no acesso ao
item desejado.
— Isso faz todo sentido, ainda mais quando tratamos de tecnologia.

Você contou um pouco sobre a história da sua bisavó e da editora. Com


certeza o grupo Evenfort Books Inc. precisou superar muitas dificuldades

para se estabelecer e se tornar a cabeça do mercado. Na sua opinião, qual é a


maior dificuldade para os dias de hoje?

— Hum... — Meu primo parou alguns segundos, refletindo sobre a


pergunta.

Naquele momento, agradecia o fato dele pegar noventa e nove das


entrevistas, enquanto eu trabalhava apenas como apoio.

— Bom, acredito que as dificuldades atuais nem se comparam com o


que minha bisavó enfrentou, é óbvio, mas, pra mim, o mais difícil é

acompanhar o excesso de dinamismo atual. É claro que é desafiador,


excitante e nos mantém ligados, mas às vezes causa certa insegurança. O

mercado editorial, às vezes, pode ser lento para se adequar às novas


realidades, por isso estamos sempre tentando nos antecipar.

— Para você, Sebastian, qual é a melhor parte do seu trabalho?


— Cada vez que publicamos um livro, seja um clássico ou algo novo,
estamos contribuindo para a manutenção de um pedaço da nossa história, da
nossa cultura. Gerir um negócio e observar o crescimento dele é muito
satisfatório, mas nada é mais satisfatório do que saber que existe mais do que
números, que existem pessoas por trás daquilo e que oferecemos um produto
de excelência para elas. Produtos que impactam suas vidas de maneira

positiva.
Sebastian muitas vezes me impressionava com sua lábia. Ele sabia para

que público estava se dirigindo e que se aproximar dele era a maneira mais
eficaz de atrair essas pessoas. Atrair público também atraía patrocínio, o

olhar de outras grandes empresas, tornava o produto popular e nos tornava


interessantes.

— Acredito que muitos dos nossos ouvintes não entendam exatamente


como funciona uma editora, você poderia contar um pouco sobre isso para

nós?
— Bom, nem todas as editoras funcionam da mesma maneira, mas, no

nosso caso, há uma enorme preocupação com a seleção das nossas obras, o
que fazemos no máximo duas vezes ao ano, embora, o volume de

manuscritos originais recebidos seja bem grande. Eu acredito que a escolha


das obras a serem publicadas é a parte mais importante, principalmente,

porque é mais arriscada. Felizmente, geralmente fico fora dessa etapa,


embora, minha opinião seja solicitada algumas vezes — ele explicou com um
pequeno riso. — Meu trabalho aparece muito mais depois que a obra já está
revisada e pronta para a diagramação. Junto com a minha equipe construímos
o conceito e o plano de divulgação.
— Parece divertido — Robert Turner, o entrevistador comentou, e seus
olhos demonstravam interesse.

Sempre me admirava a maneira com que Sebastian sabia se fazer


ouvir, mesmo quando se tratava de assuntos que poderiam ser chatos para a

maioria das pessoas.


— Definitivamente é. Marketing é mágica. — Seu tom era de um

gracejo leve.
A expressão do meu primo era brilhante, porque ele realmente amava o

que fazia, assim como eu, mas meu trabalho não era tão interessante para a
maioria do público, afinal ninguém gostaria de escutar sobre como os

gráficos de expansão que construía, junto ao meu assistente, ficavam bonitos.


— Falando em diversão... O CEO da Evenfort Books Inc. tem tempo

para uma vida fora do escritório?


Mais uma vez me senti satisfeito de não ser o alvo daquelas perguntas.

Claro que aquele tipo de abordagem sempre ocorria quando estávamos


falando para mídias mais jovens e, felizmente, para Sebastian, lidar com

qualquer mídia era moleza.


— Nem tanto, na realidade, às vezes, durmo por lá.
A fala de Sebastian mais uma vez tirou uma risada do entrevistador
que mal sabia que aquilo estava longe de ser ironia, porque Sebastian
definitivamente era um morcego e só conseguia ser produtivo realmente no
horário da noite. Na realidade, Sebastian era a pessoa que menos dormia no
mundo e estava sempre desperto como se estivesse tudo bem.

— Passo oitenta por cento do meu tempo trabalhando e dezenove por


cento pensando em trabalho, no um por cento de tempo que me sobra gosto

de fazer coisas comuns como caminhadas, leituras... — ele falou com ênfase.
— Ouvir música, tomar chá, coisas simples, mas que em uma rotina tão

corrida acaba fazendo falta as vezes.


— Muito bem — o entrevistador falou com simpatia, criando uma

ponte para a continuidade do programa. — Sebastian, como você se sente


sabendo que a sua editora está presente no último Global 50?

Vi meu primo respirar fundo após ouvir aquelas palavras. Aquele era o
ranking que nomeava as maiores companhias editoriais do mundo e ficamos

muito felizes quando vimos nosso nome entre as cinco primeiras colocações.
— É emocionante ver nosso trabalho sendo reconhecido. É como

perceber que um filho cresceu o suficiente para se virar sozinho e viajar por
aí. Acho que é mais ou menos isso. Não é como se nos sentássemos e

ficássemos observando troféus, é mais como se tivéssemos a oportunidade de


refletir no motivo pelo qual fazemos isso e manter a motivação.
O podcast ainda continuou por algum tempo e Sebastian respondeu às
perguntas com toda sua astúcia, nos levando para o final de mais um evento
bem-sucedido. Gostava daquelas pequenas coisas, as coisas simples que
faziam com que nos aproximássemos mais das pessoas para quem nosso
trabalho se dirigia.

Caminhávamos pelos corredores lisos do estúdio e nos dirigimos para


o estacionamento. Como estava morrendo de fome, porque saí sem sequer

tomar café da manhã, dispensei meu assistente, que voltaria logo para nosso
escritório, enquanto meu primo e eu poderíamos perder um tempinho falando

sobre a vida.
— Acho que estamos em um time perfeito para o brunch — falei com

um olhar sugestivo que Sebastian compreendeu na mesma hora.


Com certeza ele também estava faminto.

Não demorou muito para que chegássemos até nossa cafeteria favorita.
Era um lugar despretensioso, mas com o melhor cardápio do Reino Unido e

eu colocaria minha mão no fogo por aquilo.


Aqueles eram alguns dos nossos momentos favoritos, onde

escolhíamos uma mesa qualquer e passávamos todo o tempo que tivéssemos


disponível conversando.

— Você acha que fui bem? Acha que depois disso os preços das nossas
ações vão disparar? — Sebastian perguntou com um sorriso bobo e não pude
deixar de rir também.
— Você sempre vai bem, Seb. Na verdade, fico me questionando como
você consegue. Eu ficaria travado se alguém me perguntasse qualquer coisa
que não estivesse esperando — falei com honestidade e ele deu de ombros.
— São muitos anos de prática, né?

Seu tom era meio debochado, meio altivo, cem por cento Sebastian
Evenfort.

— Você deveria começar a mostrar esse rostinho bonito por aí também


— ele falou dando uns tapinhas na minha bochecha e rolei os olhos.

Às vezes, meu primo me tirava a paciência, mas gostava da forma com


que sua personalidade alternava entre a de uma criança de onze anos e um

velho de oitenta.
— Não, obrigado. É pra isso que te pago — falei entrando na

brincadeira.
— Pois então quero um aumento — ele pontuou e nós dois rimos.

Naquele momento, parte da nossa refeição já estava sendo servida,


uma pequena bandeja de frutas, outra com croissants, meu chá com leite e o

café expresso de Sebastian.


— Não sei como você consegue beber isso! É amargo que nem tinta —

reclamei enquanto sorvia o líquido da minha xícara, com a satisfação de não


estar tomando café.
— Não sei como você consegue viver sem isso. Café é o elixir dos
deuses — ele complementou e se sentou de maneira mais folgada na cadeira,
como se só ali pudesse relaxar.
Entendia como ele se sentia, porque era difícil se acalmar depois de
cumprir certas obrigações. O excesso de responsabilidade, às vezes, criava

uma tensão que se prendia em cada um dos nossos músculos.


— Acho que deveríamos tirar uma folga as vezes, sabe? Sair pra

pescar, fazer coisas de gente normal.


Sebastian estava se dando o prazer de fumar um cigarro e me ofereceu

seu maço, onde peguei um, apesar de ter o meu.


Compartilhar as coisas, mesmo que sem a real necessidade, nos unia.

Naqueles momentos, parava para respirar de verdade e pensar no


quanto não tínhamos tempo.

— Eu não preciso de café — murmurei com o cigarro entre os lábios.


— Nem de folga.

Ele me lançou aquela velha expressão repreensiva.


— É sério, se puder fazer isso aqui pelo menos uma vez na semana...

— Apontei para nós dois e para a mesa cheia de delícias gastronômicas. —


Vou ser completamente feliz.

Ele sorriu.
— Eu não sei você, mas acho que o ócio é muito importante dentro do
processo criativo e sou a porra de um artista, Zackary! — Sebastian falou
com uma expressão séria, mas não pude deixar de rir.
Era tão bom estar longe do trabalho por alguns minutos e me dar ao
luxo de ouvir aquelas besteiras de maneira descompromissada.
— O problema é que a gente não encontra espaço pra isso. Às vezes,

acabo divagando... — Ele balançou a cabeça parecendo estar pensativo.


— Logo você vai se casar de novo e ter menos tempo ainda, relaxa,

irmão. — Dei uma palmada acolhedora no ombro do meu primo.


Ele tragou o cigarro, prendeu a fumaça e sorriu.

— Aliás, quando vai tirar essa aliança? Acho que ela já superou. —
Apontei mais uma vez para a joia no dedo dele.

Aquele tipo de símbolo me incomodava, embora jamais admitisse para


qualquer pessoa e evitasse pensar sobre o assunto.

— Qual é o problema? Foi caro, então vou usar. Quer saber? — ele
falou em um tom de voz baixo e, com um gesto de mão, me chamou mais

perto. — As mulheres adoram isso, é um ímã de mulheres!


— É sério? — Uma expressão de estranheza se formou em meu rosto

sem minha permissão.


— Seríssimo, elas adoram saber que alguém quis aquela peça, que não

é um brinquedo cheio de poeira largado na prateleira, sabe? Por que você


acha que todo mundo corre atrás de edições limitadas de livros? Zack, é tudo
questão de marketing — ele falou como se me ensinasse uma importante
lição de vida e tudo que pude fazer foi assentir.
— Você é mesmo um gênio — falei sem ironia e ele levantou as
sobrancelhas.
Passamos ali um bom tempo jogando conversa fora e, principalmente,

nos alimentando. Comer coisas apetitosas sempre melhorava meu humor em


níveis estratosféricos e me dava ânimo para continuar meu dia.

Depois de satisfeitos, fomos para o escritório e seguimos com nossas


agendas de maneira normal.

A entrevista da manhã havia deixado Sebastian mais animado e era


perceptível. Eu também estava gostando daquela nova fase da nossa empresa,

com uma cara mais jovem e acessível.


No início, tinha muito medo de que qualquer coisa pudesse afetar a

imagem da nossa empresa de maneira negativa, mas aos poucos aprendemos


a lidar com a mídia e a usá-la a nosso favor.

Aquela era uma grande vitória.


Terminadas minhas obrigações naquele dia queria muito voltar para

casa e simplesmente dormir. Diferente de Sebastian, gostava muito de dormir


e ficar em casa me fazia muito bem.

Mas tinha um encontro marcado com uma acompanhante e não gostava


de descumprir meus compromissos, por mais que fossem relacionados ao
lazer.
Sebastian e eu descemos juntos, mas iríamos para lugares diferentes.
Ele continuaria trabalhando enquanto eu iria parar um pouco.
— Enquanto saio para fazer uma entrevista você vai se divertir. Isso é
injusto! — meu primo esbravejou enquanto esperávamos o elevador.

— Terminei o que tinha que fazer e estou livre. — Dei de ombros.


— Um dia você vai ter que parar com isso. Você precisa ir ao mercado,

ao metrô, sei lá, passear no parque, esbarrar com uma linda moça, conversar
com ela, rir de bobagens e tudo mais... Não isso... Essa coisa que você faz é

tão mecânica, não é possível que o sexo seja bom.


— Isso tudo que você disse... — Sacudi a cabeça com as imagens

mentais. — É bem específico. Isso tudo que você disse posso fazer sem a
menor intenção de encontrar uma pessoa, na realidade, acho uma perda de

tempo, sinceramente. Eu não tenho tempo para isso.


— Não é assim que se encontra o amor verdadeiro, Zack. — Ele

parecia estar sério, mas apenas lancei a ele um olhar irônico.


— Você está certo, mas, felizmente, não estou procurando o amor

verdadeiro, Sebastian Evenfort — falei com prepotência, sem saber que


poderia estar completamente errado em minha afirmação. — Tenha um bom

final de tarde. — Acenei antes de deixá-lo ali sozinho e seguir para o meu
próximo compromisso.
Samantha claramente sabia o que estava fazendo quando me tirou de

casa naquele dia e tive certeza daquilo quando me vi no espelho.

Ela teve uma criação diferente da minha, sabia como se portar e como
se vestir de forma elegante.
O senso estético da minha melhor amiga sempre foi de dar inveja.

Além de todo o ar de mistério que minha amiga russa exalava, ela


também tinha a habilidade de combinar as peças mais improváveis e fazer

com que funcionasse perfeitamente.


— Pareço estar chique — comentei enquanto me analisava refletida

naquele enorme espelho e era observada pela vendedora esnobe, que para seu
azar teve que aturar os olhares e indiretas de Sam por várias horas, enquanto

escolhíamos o que levar.


O conjunto de tweed quadriculado bege e cinza era a perfeição. O corte

era bem ajustado com a gola arredondada e a saia tinha o comprimento


perfeito para não me deixar parecendo uma senhorinha beata, mantendo o
aspecto profissional. A blusa branca sob o terninho possuía um laço que
deixava o visual mais delicado e os sapatos, que pareciam ser de boneca,
completavam todo aquele ar profissional, sem parecer formal demais.
— Agora você precisa agir chique — ela respondeu com uma pontinha
de deboche e sorri.

Era difícil, pois sabia que no momento em que tentasse dar um passo,
com aqueles saltos, seria quase minha sentença de morte. Era ótimo ficar

parada sobre eles, me fazia sentir bonita e confiante, mas caminhar com eles
me assustava.

— Vamos lá, uma hora você vai ter que tentar... — Sam pediu com
certa delicadeza, talvez por observar o medo em meu rosto. — Se você

conseguiu andar de patins radicalmente durante vários meses, isso vai ser
moleza. — Ela me incentivou, mas sabia que não era nenhuma moleza.

— Ah, Sam! Vamos tentar algo mais baixo? Por favor! — implorei,
mas ela era impassível e segurou meu braço.

— Vamos lá! Quero um olhar envolvente, sexy, postura elegante e


energia de mulher gostosa exalando desse corpinho magro.

Rolei os olhos com suas palavras.


Sam sempre me tirava do sério com seu jeito doido, completamente

oposto do meu, que apesar de gostar de conversar com as pessoas, preferia


não chamar atenção, ser sempre bem discreta.
— Não quero ter energia de mulher gostosa, quero ter energia de
mulher competente, séria, bem nerd, se possível — retruquei quase ofendida.
— Não! Que tédio! Vamos lá, mostra essa caminhada pra mim, rápido!
— ela falou de forma mandona, pois estava ficando impaciente.
— Okay! Okay! — Tentei dar o primeiro passo e foi quase um

sucesso, se não tivesse me desestabilizado um pouco ao firmar um dos pés e


cambaleasse um tantinho para a direita.

— Tudo bem, você tá conseguindo — ela falou como se estivesse


tentando ensinar uma criança de cinco anos a andar de bicicleta.

Aquilo era patético, mas decidi dar uma chance.


Não estava segura que conseguiria fazer aquilo, afinal o salto mais alto

que já havia usado tinha no máximo uns quatro centímetros.


— Samantha, eu... — falei antes de sair caminhando por conta, de uma

vez só, como se o impulso fosse necessário. Sorri com minha nova
habilidade, embora meus calcanhares fraquejassem de vez em quando. —

Olha só! — exclamei enquanto desfilava meio desajeitada pelo provador.


Apesar de me sentir estúpida havia uma sensação empolgante tomando

conta de mim, como aquela que sentimos antes dos nossos aniversários
quando somos crianças, como se tudo fosse, de repente, se transformasse, por

causa de um dia especial.


— Você é boa! — Samantha finalmente sorriu, depois de tantas horas
de mau humor.
Chegava a ser engraçado ver como ela me tratava, como se precisasse
me proteger do mundo.
Depois que a primeira etapa estava concluía foi o momento para as
instruções. Precisei me conter para não pegar um bloco para anotar tudo,

afinal era uma das minhas manias mais irremovíveis.


— Você precisa parecer confiante, sem ser arrogante. Não desvie o

olhar do seu chefe quando ele estiver falando, mas sem ficar encarando de
um jeito esquisito, apenas... Apenas tenha senso.

— Às vezes me sinto levemente ofendida quando você começa a


falar... — falei em um tom falsamente zangado e ela colocou o braço sobre

meus ombros rindo.


— Perdão, amiga, só quero ver o seu sucesso — ela falou erguendo o

dedo indicador, como se estivesse fazendo uma palestra.


— Certo... — falei baixinho, conformada, nervosa e impaciente. —

Não sei se consigo. — Um golpe de insegurança me atingiu, afinal jamais


havia chegado naquele ponto, portanto, meu otimismo, sempre tão forte,

começava a fraquejar, embora soubesse que não poderia me dar aquele luxo.
— É claro que consegue! — Samantha falou com tanta certeza em sua

voz que era como uma injeção de ânimo.


Ela era sempre sincera comigo, por isso era tão importante ouvir dela
aquele tipo de coisa.
— Olha só pra mim. — Ela segurou meus ombros e sorriu para mim.
— Eu já tô completamente orgulhosa e você ainda nem fez essa entrevista.
Sabe por quê? Porque sei que você vai arrasar e deixar qualquer velho rico
embasbacado, confia em mim!

Não pude conter um riso com aquelas declarações tão motivadoras.


— É sério, use seus truques.

— Que truques? Você enlouqueceu — falei um tanto confusa.


— Ah! Não se faça de boba! Seus truques. Como quando você tropeça

levemente nos pés e derruba tudo de uma prateleira, ou como você arranja
briga com alguma patricinha escrota por derrubar refrigerante nela...

Não pude deixar de rir com a memória.


— Ou quando você troca o nome das pessoas ou queima as torradas...

Bom, não era bem sobre isso que queria falar, mas, enfim... — Ela se
interrompeu e nós duas rimos mais ainda. — Seja você mesma, mas

confiante.
— Eu vou fazer o meu melhor, pode deixar. — Balancei a cabeça

enquanto repassava as coisas que ela falou.


Bom, havia muitas pessoas que gostavam de mim, exatamente daquela

maneira, e era boa no que fazia.


“Isso, Erin, um pouco de autorreconhecimento não mata ninguém”,
refleti.
O restante do dia passou com tranquilidade e, em vez de me torturar de
ansiedade, decidi me distrair com meus romances favoritos, viajando um
pouco no mundo imaginário em que gostava de viajar.
Quando me dei conta já estava em minha cama, usando meu pijama e

rezando para que tudo funcionasse bem.


Não era tão religiosa assim, mas sabia que era um bom momento para

apelar para os seres celestiais.


Depois de relaxar um pouco e pensar que minha mãe me acompanharia

de alguma forma, consegui dormir.


•••

O dia seguinte chegou com seus novos problemas. Levei tanto tempo
me arrumando, preocupada em estar apresentável, que acabei em cima da

hora.
Saí sem checar se o celular tinha carga suficiente, o que ele jamais

tinha e logo...
Estava perdida e era tudo culpa de Samantha e seus garranchos

horríveis!
Na rua bufava de raiva enquanto tentava encontrar o tal endereço, sem

perceber que aquele lugar não existia, pelo menos não naquele bairro.
Mafor Street n.º 9011, era o que dizia no papel que ela havia deixado
colado na geladeira embaixo do ímã dos Backstreet Boys.
Estranhamente, ela era louca por aquela banda, que foi um fenômeno
quando ela era praticamente bebê, mas não a julgava, pois, eu era fã de
autoras de séculos passados.
Implicávamos uma com a outra por causa daquelas coisas, mas a

paixão dela também tinha origem em sua família. Além da sua avó, também
tinha uma tia com que ela tinha contato de vez em quando. Essa tia de

Samantha era como ela, quase que renegada por todos por não concordar com
as coisas problemáticas do clã.

Resolvi pedir informação e fui corrigida por um senhor muito


desconfiado. Ele abaixou a cabeça coberta de fios brancos, parecidos com

algodão, para ler melhor o papel e mesmo de óculos pareceu ter alguma
dificuldade.

— Tem certeza que não está procurando por Major Street? — o senhor
questionou, como se me chamasse de estúpida com o olhar. — Você deveria

dar uma olhadinha no Maps.


Aquele comentário me ofendeu mais ainda, apesar de saber que minha

relação com a tecnologia era realmente tosca.


— Oh, obrigada. — Sorri com gratidão, enquanto me punia

mentalmente por manter um celular tão velho e que descarregava o tempo


inteiro, sempre quando mais precisava dele.
Olhei para o fino relógio de pulso dourado, uma pequena herança da
minha mãe que só usava em ocasiões especiais e vi que estava quase
atrasada. Aquilo era inadmissível para mim, ainda mais em uma entrevista de
emprego.
Sonhei tanto com uma oportunidade como aquela e jamais poderia

perdê-la por um erro tão bobo.


Caminhei com um pouco mais de rapidez, até avistar o lugar suntuoso.

Pelo visto, era um restaurante, clube, ou sabe lá que tipo de estabelecimento,


mas definitivamente não era uma editora.

Com cuidado me aproximei da entrada e me deparei com uma


recepcionista gentil, que me ofereceu um sorriso cortês e polido. Respirei

fundo antes de falar qualquer coisa, pois precisava me concentrar e ter foco.
— Boa tarde, tenho um encontro com o senhor Evenfort — falei

simplesmente, mas a minha cabeça já começava a martelar.


“Como assim um encontro, Erin?

Isso soou muito mal. Você deveria ter usado a palavra entrevista.
Entrevista.”

— Ah, é claro! — A mulher que utilizava um coque bem preso no alto


da cabeça e tinha os lábios pintados de um vermelho berrante sorriu com

mais simpatia ainda.


Seu olhar recaiu sobre mim, de forma estranha, como se soubesse de
algo que eu não sabia, o que foi bem esquisito, mas decidi ignorar.
— A senhorita pode me acompanhar?
— Sim, obrigada — respondi de pronto e segui aquela moça.
Meu peito estava rígido, enquanto tudo que fazia era me concentrar no
coque perfeitamente enrolado no topo da cabeça daquela mulher tão esguia.

“Energia de mulher gostosa”.


A voz de Sam começava a se fazer presente nos meus pensamentos

enquanto eu entrava em completo desespero.


Por que as bobagens que ela me dizia resolveram me atormentar

naquele exato momento?


Era tão complicado controlar minhas divagações até que...

Foi como se o céu se desmanchasse, ou melhor, como se o chão


sumisse sob meus pés. Aquilo não poderia ser possível, deveria haver algum

erro.
Jamais imaginei que o tal senhor Evenfort fosse um homem feio ou

pouco atraente, apenas imaginei que ele seria um tipo de “espécime” mais
madura, na altura dos seus cinquenta e tantos, já com cabelos e barbas

grisalhas, talvez até uma barriguinha avantajada.


Tudo que não esperava era encontrar aquele homem.

Tentei não demonstrar espanto, não olhar como uma idiota, mas já
estava fazendo aquilo e quase tropecei na cadeira sem motivo algum, quando
meu olhar tocou o dele.
— Boa tarde, senhor Evenfort, sua companhia chegou.
A voz da recepcionista parecia estar distante, como se fosse parte de
outra realidade, um universo paralelo, porque tudo que conseguia enxergar
estava bem ali na frente.

Ele realmente existia?


A barba rala e desleixada emoldurava um maxilar mais reto do que

uma régua, seus lábios eram finos e rosados, enquanto seus olhos eram
indecifráveis e quase divertidos enquanto me observava tão atrapalhada.

A realidade era que estava fascinada por aquela imagem, porque


acreditava ser um pecado muito grande toda a beleza do mundo ter sido dada

para apenas uma pessoa, logo a pessoa que estava a minha frente.
Estava razoavelmente segura quando saí de casa com aquelas roupas e

estava bem-arrumada, mas quando vi aquele deus grego...


Sim, um deus grego, não soube como reagir.

Ah, ele era Apolo em carne e osso. Um Apolo em todo seu esplendor,
coberto por sobretudo cinza, blusa de algodão e calças confortáveis.

Todas as minhas certezas caíram por terra e nem podia piscar, pois,
estava hipnotizada por algum tipo de mágica.

Era desesperador tentar sair daquele transe, mas continuar perdida no


rosto daquele homem, daquele deus.
Foi difícil falar e foi difícil entender o que estava acontecendo ao meu
redor, porque o mundo simplesmente parou.
Estava começando tão mal, havia ruborizado, meu coração não se
continha e uma gota de suor gelado começava a se formar na minha testa.
Não, aquilo não podia estar acontecendo de maneira alguma.

“Seja profissional, Erin. Seja profissional.”


Ele foi extremamente gentil e se levantou para puxar a cadeira para

mim, dizendo um “boa tarde” tão baixo que só eu poderia escutar. Sua voz
era rouca e máscula, mas, ao mesmo tempo, era gentil.

Sua colônia...
Meu Deus, sua colônia era tão suave e se misturava com um leve

aroma de nicotina.
Seu cheiro estava impregnado em mim, impregnado sem minha

permissão.
Sem querer, mesmo que por breves segundos, fechei os olhos, pois foi

como se aquela fragrância me envolvesse e se instalasse em mim. O leve


calor do senhor Evenfort ao meu lado, a sua presença...

Estava completamente atordoada e confusa, pior ainda, aquele era só o


início e ainda precisaria falar com ele.

— O-obrigada. — Tentei falar, retomando os eixos antes que aquele


homem tão enigmático começasse a achar que eu estava tendo algum tipo de
surto e mandasse chamar uma ambulância.
Mas a palavra era somente um sopro fugindo dos meus lábios.
Quando achei que finalmente poderia me aquietar, olhar para frente e
ter uma entrevista normal, uma das minhas mãos, sem que eu notasse, foi em
direção a taça transparente que estava sobre a mesa, fazendo com que ela, em

sua delicadeza cristalina, se quebrasse.


Poderia enterrar a cabeça no chão naquele mesmo momento.

Às vezes, eu dizia que era como as pessoas ambidestras, mas ao


contrário, porque era igualmente inapta com as duas mãos e aquilo estava se

provando bem ali, na pior hora.


— Perdão, eu...

Tudo aconteceu tão rápido, tanto que a recepcionista nem sequer havia
saído dali.

— Não se preocupe, senhorita — ela falou com simpatia enquanto


chamava outra funcionária para limpar a bagunça que fiz.

Sem pensar muito, afinal pensar nunca foi meu forte em situações
como aquela, tentei recolher os cacos, mas antes que adquirisse um enorme

corte senti duas mãos gentilmente afastarem as minhas daquele perigo


iminente.

— Cuidado.
A voz dele era simples, gentil e divertida, tudo ao mesmo tempo.
Provavelmente, já havia me tornado uma ótima atração naquele lugar junto
com meu jeito atrapalhado.
Ele me tocou e aquilo foi como um choque, depois era como se aquele
pequeno momento tivesse ficado grudado em minha pele, como se o toque
dele estivesse irrevogavelmente colado em minha derme.

Quando ele finalmente se sentou na sua cadeira me revelou um sorriso


alinhado e branco.

Não o branco artificial que se vê na TV nos dias atuais, mas um sorriso


genuinamente perfeito e natural.

Eu não sabia explicar, mas meu corpo estava gritando com aquele
simples sorriso, onde havia alguma malícia e diversão.

Ele era jovem para ser o gestor de algo tão grande, tanto que por um
segundo me questionei como seria ter tamanha responsabilidade com aquela

idade.
Era estranho e minhas mãos estavam frias.

Tentei, com todas as minhas forças, repassar todos os conselhos de


Sam, mas era difícil controlar meus ímpetos, porque talvez estivesse na

minha cara toda a dúvida que me dominava, enquanto meus olhos desejavam
avidamente percorrer cada detalhe do homem parado à minha frente, apenas

como um tipo de deleite.


Aquele lugar era extremamente informal, informal até demais, o que
me deixava preocupada, pois sempre me dei melhor em ambientes contidos,
silenciosos e pintados de cores neutras.
Mas aquele era só mais um desafio que precisaria superar.
— Boa tarde. — Finalmente consegui falar de uma vez só, com
confiança, sem abaixar a cabeça. Sem a velha mania de olhar para baixo

quando estava envergonhada.


Respirei fundo após proferir a simples oração, deixando bem claro o

quanto o caminho foi custoso até chegar naquele momento tão simplório.
— Espero não ter me atrasado ou tê-lo assustado com minha falta de

jeito — falei de maneira espontânea, tentando soar leve e manter o bom


humor para quebrar todo o constrangimento que me assolava.

— De forma alguma, senhorita... ? — Sua voz denunciava um tom de


pergunta.

— Erin Richmore — pontuei com firmeza, como se precisasse lembrar


a mim mesma meu nome.

— Erin — ele repetiu apenas meu primeiro nome.


Era fato que aqueles fonemas soavam muito mais arrebatadores

quando proferidos por ele.


— Se me permitir, gostaria de saber um pouco mais sobre você — o

senhor Evenfort falou de maneira simples e analítica, transformando aquele


primeiro momento de simpatia em algo mais, algo que não podia enxergar em
seus olhos pequenos e afiados.
— É claro, senhor Evenfort, é pra isso que estamos aqui.
— Estamos aqui há pouquíssimo tempo e tempo é algo muito precioso
para se desperdiçar — ele falou ainda com os olhos fixos em mim, mas em
uma postura relaxada. — Por isso, gostaria de começar essa conversa com

uma pergunta simples.


Sua feição demonstrava interesse e ele parecia enxergar profundamente

através dos meus pensamentos, enquanto rezava para que aquilo fosse só
mais uma das minhas paranoias.

Engoli em seco com a pergunta que ele me fez a seguir, algo que me
desestruturou sem ao menos estar ali por mais de dez minutos. Talvez fosse

uma das perguntas mais difíceis que já tinha ouvido em toda minha vida e
não esperava ouvir em uma entrevista de emprego.

— Quem é de fato Erin Richmore?


Quando a recepcionista anunciou que minha companhia havia

chegado, jamais imaginei o que me esperava. Não havia visto uma foto

sequer da acompanhante, o que me fez ter uma das maiores surpresas da


minha vida.
Quando pus meus olhos sobre aquela mulher, jamais imaginei que ela

seria a pessoa que vinha ao meu encontro. Demorei algum tempo para
perceber, mas, realmente, ela estava sendo encaminhada para a minha mesa.

Meus pensamentos ficaram suspensos e a densidade do ar parecia estar


aumentada. Minha visão passeava nos cabelos dourados presos

displicentemente planejado e nos seus olhos tão azuis como um céu luminoso
de outono.

Aqueles foram os segundos mais confusos e arrebatadores de toda a


minha vida.

Tentei compreender, mas não havia explicação.


Prestei atenção enquanto a moça timidamente se aproximava e sua
postura era diferente, como se ela fosse uma pessoa real, não um protótipo
criado para agradar a todos. Aquilo me puxou imediatamente para toda a cena
que se desenrolava.
Tentei ser cortês apesar do meu choque inicial, então me levantei para
puxar a cadeira para aquela jovem tão contida e tudo que ela conseguiu fazer

foi responder de maneira tímida. Parecia muito complicado para ela se


comunicar comigo e o pouco que falamos me trouxe uma sensação

engraçada, como se as peças do quebra-cabeças não se encaixassem.


Quando ela me olhou, finalmente, instalada e preparada para começar

um diálogo, senti uma aura leve partir da sua expressão, porque seu sorriso
era gentil e despretensioso, como se ela não desejasse chegar a lugar algum

com aquilo.
Mas, por que diabos era tão tentador?

Aquilo era parte de um jogo?


Uma estratégia de sedução?

Ela se chamava Erin Richmore e tinha belas mãos, um belo maxilar e


cabelos cor de ouro reluzente. Embora, não parecesse, de forma alguma,

saber como usar todos aqueles atributos de forma efetiva, pois se portava
como se nem compreendesse o tamanho da sua beleza e charme, quase como

um diamante não lapidado.


O conjunto da cena com a maneira desajeitada que ela movia suas
mãos, seu olhar perdido e tímido, seu sorriso adocicado...
Tudo tornava o momento mais peculiar.
— Quem é de fato Erin Richmore? — perguntei de maneira direta,
pois queria provocar alguma reação e era instigante me deparar com aquele
tipo de mistério, um mistério genuíno, não forjado para criar um clima

sexual.
Estava definitivamente confuso e encantado.

— É-é uma pergunta complicada, senhor Evenfort. A ideia de ser algo


é muito complexa. — Ela parecia estar realmente reflexiva, ao mesmo em

que tentava organizar as palavras. — A verdade é que somos a junção de um


milhão de fragmentos de atitudes, desejos, frustrações, conhecimentos,

memórias... E outras coisas.


O jeito formal com que ela montava aquele pensamento profundo de

uma forma simples fazia com que ouvisse com atenção, até com certa
fascinação.

— Eu acho que, no meu caso, existe a junção de uma mãe louca... —


Um pequeno sorriso se formou em seus lábios. — No melhor dos sentidos,

que me transmitiu a paixão pelos livros e de um pai, que, apesar de não ter
estudado muito, compartilhava do mesmo.

Não pude deixar de observar, curioso, a maneira com que ela falava
sobre aquele assunto, porque a maioria das minhas companhias evitava trazer
meu trabalho para a mesa, mas a forma natural com que ela falava aquilo não
parecia soar como um truque para tentar conquistar minha graça e sim,
apenas algo que ela diria normalmente.
Aquilo me desestabilizou.
— Acho que se pudesse resumir, diria que sou a pessoa apaixonada por

histórias reais e fictícias, a pessoa que adora analisar narrativas e que se perde
em mundos imaginários. — Ela olhou diretamente em meus olhos, como se

sua confiança ficasse revigorada ao falar sobre aquele assunto tão caro.
Era perceptível todo o ardor que a consumia ao tratar daquilo.

Fiquei feliz em ter recebido aquelas informações logo nos primeiros


minutos da nossa conversa. Havia uma coisa interessante que Sebastian

sempre dizia, se algo não capta sua atenção nos primeiros trinta segundos,
dificilmente irá conseguir depois.

E ela captou, ou melhor, roubou toda minha atenção desde que


apareceu ali. Estava completamente absorvido pela situação, curioso pelo

próximo ato, como se estivesse em uma partida de pôquer com o jogador


mais hábil em seus blefes, como se eu não soubesse que direção tomar.

Não pude evitar um sorriso, mínimo, quase inexistente, no canto dos


lábios e ela pareceu um pouco tensa ao perceber, mas não era aquilo que eu

desejava.
Na verdade, faria qualquer coisa para deixar aquela mulher
confortável, para que ela se sentisse bem em me contar tudo sobre ela e me
revelar alguns segredos também.
Mas lá estava aquela figura tão resplandecente, tão inquieta, tão
silenciosa, esperando, como se precisasse aguardar minha próxima pergunta,
como se não pudesse simplesmente seguir com aquele diálogo por conta e

aquilo me deixava perplexo.


— Embora você não tenha perguntado — falei com um sorriso que

oscilava entre simpático e complacente. — Concordo com sua declaração,


exceto que não precisamos ser o que a vida fez de nós para sempre. Acho que

é importante perceber até onde essas influências estão nos transformando...


— Bom, não acho que seja algo definitivo, mas algo feito através de

escolhas. Acho que decidi abraçar as influências que considero positivas —


ela falou com clareza.

Seu rosto era uma lagoa clara.


— Isso é ótimo, Erin. Às vezes a vida não é tão gentil... Espero que

você não a deixe te pegar pelo meio do caminho.


Sobre o que estava falando, afinal?

Aquilo começava soar pessoal demais e gostaria de não ter dito.


— Você parece assustado com a ideia de não prever as coisas... — Ela

se interrompeu antes que continuasse a falar, tomando um longo gole da sua


taça com água, disfarçando com um sorriso sem graça.
Talvez, ela também estivesse arrependida das suas palavras.
— Se tem algo que não estou agora é assustado. — Tentei dar a volta
por cima com um gracejo galanteador, enquanto a observava diretamente,
fazendo-a ruborizar um pouco.
Aquela atitude também não me pareceu correta, mas era exatamente

como ela falava, estava preocupado em não saber o que viria depois,
precisava manter tudo sob controle sempre, por isso gostava tanto de

trabalhar com números.


— Bom, isso é um privilégio que não tenho acesso. Estou sempre com

medo de acabar morrendo acidentalmente. Você viu o que fiz com aquela
taça? — Ela sorriu e me fez rir também.

Seu comentário foi tão espontâneo e natural que imediatamente fez


com que me sentisse estranho.

As pessoas que passavam pela minha vida sempre tinham a mania


persistente de mostrarem apenas suas fachadas, elas eram um pouco

parecidas comigo e tentavam moldar seus comportamentos para receberem as


reações que desejavam, mas, Erin...

Gostava da forma com que ela não calculava tanto as palavras, a forma
com que ela parecia tímida, mas, ao mesmo tempo, cheia de verdade.

Aquilo era encantador.


— Não se culpe, essas coisas acontecem. — Tentei usar um tom de
voz reconfortante e manter aquele clima leve na conversa. — Você comentou
sobre seus pais... Sua família é daqui?
— Na verdade, não. Morávamos em Bourton on the Water, embora
meu pai seja inglês e minha mãe tenha nascido na Grécia — ela pontuou
orgulhosamente e não pude evitar minha surpresa.

— Impressionante. Isso sim, é um fato bastante inesperado. —


Balancei a cabeça de maneira positiva, esperando ouvir mais.

— Sim, é por isso que domino o idioma grego, minha mãe me ensinou.
É claro que não é tão bom quanto o de uma pessoa que pratica sempre, afinal

nunca conheci muitas pessoas que falassem o idioma, mas acabei fazendo
alguns amigos gregos e...

Aquele era seu campo e ela parecia estar definitivamente à vontade,


falando sem se preocupar com quem estava ouvindo.

— Espera aí, — interrompi gentilmente para mostrar minha admiração.


— Você fala grego? Isso é mesmo interessante. — Sorri de forma simpática e

ela não pôde evitar uma risada suave.


Era uma coincidência enorme que a Evenfort Books Inc. estivesse

trabalhando em um projeto de origem grega e aquela mulher tivesse afinidade


com aquilo, mas talvez aquelas coisas realmente acontecessem de vez em

quando.
— Essa é a reação da maioria das pessoas quando ouvem isso. Sim, eu
falo. Na verdade, não é tão difícil assim, não era como se eu tivesse muito
que fazer na minha cidade natal. — Ela deu de ombros de forma autêntica,
não era como se precisasse fingir que suas origens eram mais interessantes ou
coisa do tipo. — Minha mãe, às vezes, passava o dia inteiro falando somente
em grego comigo, era complicado, mas tive que aprender pra entender tudo.

Seu sorriso era cativante e nem sabia como responder aquilo.


— Deve ter sido interessante crescer em um ambiente multicultural,

parece algo muito... Enriquecedor. — Parei por alguns segundos para


procurar a palavra certa.

Ela assentiu balançando a cabeça e o ato carregado de ingenuidade


atingindo diretamente todos os meus sentidos.

— Mas que educação a minha... Você gostaria de pedir algo? Sei que é
um horário incomum para refeições... Tarde para o chá, talvez cedo para o

jantar...
— Agradeço, mas não estou com fome — ela respondeu de forma

educada e olhei para o cardápio pensativo.


— Bom, o que você acha de um drinque? — sugeri de forma

desprendida.
— Eu aceitaria, vamos ver... — Ela observou o cardápio com seus

olhos bonitos e seus lábios rosados se curvando em um sorriso discreto. —


Cuba libre, sem álcool — pontuou e não pude deixar de extrair certo humor
daquela situação.
— Eu imaginei que você não tomasse álcool... — Na realidade, minha
afirmação soava mais como um blefe.
— Eu pareço ser tão óbvia assim, senhor Evenfort? — Ela me ofereceu
um sorriso branco e reluzente.

A beleza do seu rosto naquela expressão tão sincera era magnifica, de


tirar o fôlego e precisei me vigiar para não ficar simplesmente olhando para

ela como um idiota.


— Por favor, se vamos... Fazer isso... — falei um pouco sem graça.

Que diabos estava acontecendo comigo?


— Você pode me chamar de Zackary. É o meu nome — soei estúpido

e mais uma vez me arrependi, mas precisava começar a aceitar meus erros,
mesmo que fosse devagar.

Seu olhar ainda era delicado e ela concordou.


— Está certo, Zackary.

Meu nome naqueles lábios corados soava muito bem e imaginei que
gostaria de ouvir em outro tipo de situação.

Bebi um pouco de álcool, mas nada que atrapalhasse a manutenção da


minha completa lucidez, apenas me senti um pouco mais descontraído, o que

a simples presença dela já havia me proporcionado antes.


A forma como conversamos, como se fôssemos velhos conhecidos, era
impressionante e cada vez mais me recusava a acreditar no que estava
acontecendo.
Nunca antes falei tanto e sobre tantos assuntos com uma
acompanhante, jamais havia perguntado tanto sobre detalhes de suas vidas.
Jamais havia me interessado antes.

Chegava a ser doloroso pensar que seria apenas uma vez e que, como
uma estrela cadente, aquele encontro seria único.

O pensamento era inédito, porque nunca havia lamentado a ideia de me


encontrar com alguém apenas uma vez, mas, naquele instante, o sentimento

havia me afligido.
Sacudi os pensamentos, pois sabia que havia uma razão para aquela

decisão. Eu já havia me encantado por uma mulher antes e aquilo só me


trouxe problemas.

Viver sozinho sempre foi simples e indolor.


De qualquer forma, acreditava que aquela mulher era simplesmente

apaixonante demais para ser levada direto para um quarto de hotel. Queria
fazer algo diferente com ela, que aquelas horas se estendessem um pouco

mais, respirar ao menos um pouco mais do mesmo ar que ela. Então, decidi
mudar um pouco o script.

— Erin — falei de repente, como se aproveitasse uma oportunidade e


talvez fosse aquilo mesmo.
Ela direcionou seus olhos tão grandes e brilhantes em minha direção.
— Eu sei que talvez não soe completamente profissional, mas decidi
não ficar com tanto medo de não prever os acontecimentos... — Sorri de
maneira sugestiva e ela pareceu interessada no que eu tinha a falar. — O que
você acha de darmos uma volta? Continuarmos nossa conversa ao ar livre?

Lembrando que você não é obrigada e que isso não muda nada no nosso...
Trato.

Ela ergueu uma sobrancelha e pareceu estar um pouco confusa, então


pensou por alguns instantes e temi que ela realmente respondesse “não”, que

decidisse que aquilo não era para ela e que preferiria voltar para casa.
Mas a resposta dela me surpreendeu por ser tão simples e direta.

— S-sim. — Havia uma hesitação em seu tom de voz, mas não havia
dúvida na forma com que ela me olhava.

Ela estava sendo honesta e não estava fazendo aquilo apenas por ser
contratada.

— Admito que é inesperado, mas confesso que achei uma boa ideia. —
Ela desviou seu olhar do meu e vi seu rosto corar adoravelmente. — Sim —

Erin repetiu, como se assinasse embaixo da sua declaração e seu rosto era
radiante.

•••
As luzes amareladas que enfeitavam aquela noite tornavam tudo ainda
mais mágico, enquanto debruçados sobre o parapeito da ponte observávamos
o brilho refletir sobre a água. Aquela era, de fato, uma cena pitoresca e se
alguém tivesse me dito mais cedo que estaria ali, naquele instante, teria dito
que a pessoa estava louca.
Era um pensamento bobo, mas decidi compartilhar.

— É estranho estar aqui agora — falei com simplicidade.


— Não é um passeio tão incomum.

Seu tom de voz foi quase jocoso e sorri com aquilo.


— Pra mim, talvez seja — concluí com honestidade.

Não estava buscando ali algum arremedo de romantismo ou qualquer


bobagem, estava apenas tentando ter um momento agradável de maneira

espontânea e aquilo já era muito para mim.


A mão delicada de Erin estava adornada de um anel dourado, fino e

gracioso como seus dedos longos.


Era como se tudo nela tivesse sido meticulosamente planejado por

algum deus caprichoso e era uma maravilha de se observar.


Ela mexia os dedos sobre a superfície rochosa da mureta e os meus

descansavam ao lado deles com as extremidades de nossas mãos se tocando


de maneira quase despretensiosa, se não fosse pelo choque por todo meu

corpo quando nossas peles entravam em contato.


Precisei lutar para não me afastar, porque era intrigante demais,
devastador.
Aquilo era incomum e me deixava incomodado, afinal estava
acostumado a agir com frieza na maioria das situações, nunca me deixando
afetar por sentimentos desnecessários.
Mas, aquele momento, era inexplicável e não perdi tempo tentando

compreender, afinal seria apenas por uma noite.


Decidi fazer um movimento, por mais que aquilo exigisse coragem.

Quando me virei para ela nossos olhos se encontraram, como se nossas


mentes estivessem sincronizadas. Não sorrimos, apenas nos encaramos e o

magnetismo entre nossos corpos nos aproximou. Passaria um bom tempo ali,
mergulhado naquele azul, mas foi ela quem se aproximou, tocando nossos

lábios de forma tão superficial e delicada que mal pude acreditar. Com a
mesma rapidez que aquilo aconteceu ela se afastou com os olhos arregalados.

— Perdão, não deve...


Sob as luzes quentes da ponte, através do vento gelado da cidade,

nossos lábios se tocaram pela primeira vez. Havia calma, não voracidade,
mas, ao mesmo tempo, era intenso e cheio de desejo. A conexão foi imediata

e ansiei provar cada pedacinho daquele corpo. Era como uma necessidade,
não simples lascívia.

Aquilo só poderia ser um sonho.


O choque das nossas respirações, o perfume de baunilha que ela usava,
o calor dos nossos corpos finalmente quebrando toda aquela distância.
Não havia dinheiro que pudesse pagar por aquilo e eu não poderia ser
tão sortudo.
— Quero que essa noite seja nossa — sussurrei contra seus lábios. —
Mas depois disso você deve saber que... Nunca mais.

— Entendo. — Seu olhar estava completamente perdido no meu, mas


podia perceber que ela compreendia a situação.

Tive medo, mais uma vez, que ela fosse embora.


— Mas tudo bem, prometo agir com profissionalismo, não pretendo

jamais citar essa noite algum dia. — Ela não gaguejou ou hesitou, apenas
parecia ser sincera.

Deveria me sentir tranquilizado por suas palavras, mas me senti um


completo estúpido por jogar fora aquela possibilidade de algo maior por

apenas uma noite.


Só que não poderia conter aquele desejo, talvez se tivéssemos nos

conhecido em outra situação...


Mas, naquele momento, não havia tempo para lamentar, afinal já havia

quebrado protocolos demais.


•••

O clima que se formava naquela noite era diferente de qualquer coisa


que tivesse experimentado durante toda minha vida, era ardente, encorpado e
luminoso. O quarto era abafado, como se estivéssemos em uma sala pequena,
com nossos corpos amontoados, mas era mais do que isso, era a precipitação
diante de um grande acontecimento.
Como aquilo poderia ser um grande acontecimento?
Como poderia me sentir atordoado mais uma vez, depois de tanto

tempo me sentindo seguro?


Era assustador e instigante.

Ela era pecaminosamente bonita, poderia ter saído das páginas de uma
revista ou de um sonho cheio de luxúria. Parecia errado chegar muito perto,

mas, ao mesmo tempo, impossível não se fazer.


— A verdade é que não tenho muita experiência. — Ela olhou para

baixo com uma expressão desconsertada e seu rosto estava em um tom


rosado vívido.

Parecia uma verdade difícil de admitir, mas não tornava a coisa menos
excitante.

Suas palavras me trouxeram estranheza, afinal aquilo não era comum,


não para as mulheres que eu convidava para aquele tipo de encontro. Nunca

exigi mulheres inexperientes, virgens ou qualquer coisa assim.


Por que ela estava ali?

Por que havia decidido trabalhar naquele tipo de coisa sem experiência
alguma?
— Tudo bem. — Minha voz saiu grave e toquei seu rosto com
delicadeza, puxando seu queixo para encarar mais uma vez seus olhos azuis.
Um pequeno sorriso dançou em seus lábios.
Erin era agradável de se observar, assim como tocar.
Naquele instante, tive a certeza que se me fosse dada a escolha,

terminaria meus dias trancado em um quarto com aquela mulher.


Tudo tinha acontecido rápido demais e minha cabeça estava girando. A

gama de emoções que me atingiu me derrubou como uma onda e estava

sendo esmagada por toda aquela confusão mental.


Quando cheguei em casa quase fui morta por Sam, que disse ter
perdido sua preciosa noite de sono, porque não havia voltado na noite

anterior. Ela realmente estava com os olhos vermelhos e com o semblante


preocupado.

— Achei que você tinha morrido! — ela esbravejava e tudo que podia
fazer era rir, mas era um riso nervoso de quem nem acreditava no que havia

feito. — Onde você estava até agora? — ela exigiu saber e rolei os olhos,
afinal ela estava mesmo parecendo com a minha mãe.

— Por favor, não conta para ninguém — falei baixo enquanto trancava
a porta do nosso quarto.

Ela me lançou um olhar angustiado e curioso, me puxando para me


sentar ao seu lado em seu colchão. Precisei respirar fundo e tentar me
recompor um pouco antes de dizer as palavras.
— Bom, eu... Conheci esse cara e... — Tentava começar, mas
simplesmente não sabia como descrever aquela situação problemática.
— Você saiu com um cara? — Ela arregalou os olhos sem entender. —
Espera! Você tinha a porra de um encontro e nem me disse? Não brinca! —

Minha amiga parecia estar ofendida com aquilo e não me deixava explicar
que eu nem sequer sabia que teria um encontro.

— Eu fui pra entrevista de emprego e cheguei em cima da hora por


culpa dos seus garranchos.

Ela deu de ombros para minha reclamação.


— É sério, Samantha, você deveria fazer um curso de caligrafia...

— Não muda de assunto — Sam me interrompeu.


Um momento de silêncio constrangedor se seguiu antes que pudesse

dizer qualquer coisa.


— Eu teria avisado que não voltaria para casa, se meu celular não

tivesse morrido no meio da tarde. — Suspirei. — Olha, não fala nada antes de
me explicar, por favor.

Ela concordou com um breve menear de cabeça.


Estava prestes a detalhar todos os acontecimentos, mas tudo que pude

fazer foi esconder meu rosto entre as mãos e deixar que a frase saísse
abafada.
— Eu dormi com meu chefe!
— O quê?! — Ela quase gritou e levantei o rosto, cobrindo sua boca
com uma das mãos.
— Shhi! Você vai acordar todo mundo — reclamei, mas ela
permanecia com os olhos bem abertos, como se tivesse visto a morte.

— Erin, o que diabos foi isso?! — ela falou em uma espécie de “grito”
sussurrado quando libertei seus lábios.

— Conversamos tanto, Sam! Ele era tão gentil e quando quebrei a taça
ele me ajudou imediatamente... — falei enquanto me atropelava com as

palavras e Samantha ouvia incrédula.


— Espera! Você quebrou uma taça? — Ela gargalhou e mais uma vez

implorei para que ela não fosse escandalosa como de costume.


— Sim, quebrei — falei com o rosto corado.

— Então você dormiu com seu chefe? Eu nem acredito nisso. — Ela
riu para mim. — Essa é a coisa mais estúpida que já vi uma pessoa fazer, mas

ainda assim tô orgulhosa. Era disso que estava falando quando falei que tinha
seus truques... Eu sabia! — falou de maneira convencida e eu apenas sacudi a

cabeça, rindo de tudo.


— Bom, no final das contas saímos e conversamos um pouco mais,

então ele me fez a proposta de passarmos a noite juntos e eu aceitei, disse que
isso não afetaria nossa relação profissional. Ele me fez prometer que seria
coisa de uma noite só, o que achei ótimo. — Dei de ombros, tentando parecer
natural enquanto contava toda aquela situação, mas a realidade era que estava
morta de vergonha de verbalizar o ocorrido.
— Erin, quem é esse homem tão maravilhoso que te fez desistir do
celibato? — ela perguntou em um tom que oscilava entre debochado e

deslumbrado.
— Bom, não posso negar que ele é mesmo maravilhoso... — Não pude

me impedir de devanear um pouco com o rosto daquele homem e com as


coisas que o corpo dele era capaz de fazer.

Ele era perfeito demais para existir e a forma como foi cuidadoso
durante todo o tempo me deixou ainda mais desestabilizada.

— Ele é lindo e gentil. — Suspirei desesperançosa. — Pode ser que


agora ele não me contrate, afinal isso não foi muito profissional da minha

parte e teríamos que nos ver todos os dias — murmurei desanimada.


— Me desculpa por não fazer muitos comentários, mas é que essa era a

última coisa que esperaria ouvir de você aqui hoje, Erin. Fiquei a noite inteira
imaginando que você foi assaltada e precisou dormir em um posto de

gasolina, ou que perdeu sua bolsa e não teve como voltar... Qualquer coisa
menos isso!

— É, eu sei. Eu também não esperaria isso de mim. — Respirei fundo


e sorri para minha melhor amiga que correspondeu.
Ela estava finalmente menos chocada e mais empolgada.
— Você é muito louca... — Ela ainda balançava a cabeça em
descrença. — Mas como foi? Qual o tamanho do...? — ela me perguntava
com curiosidade e meu rosto estava mais quente que um vulcão.
— Bom, não tenho muitas referências comparativas, mas... Era um

bom tamanho. — Quase me engasguei com minha saliva quando terminei de


falar e nós duas nos perdíamos nos nossos pequenos surtos.

— Então foi horrível? Doeu muito? Eu quero detalhes! — Ela parecia


estar faminta por informações e eu estava terrivelmente envergonhada.

— Não, não foi horrível. Foi um pouco incômodo no começo, mas ele
foi tão gentil e me fez relaxar, que passou rápido — expliquei enquanto

relembrava aquelas pequenas coisas que faziam com que a minha pele se
arrepiasse.

Depois de um enorme interrogatório finalmente Samantha me libertou


e pôde finalmente dormir, dizendo que só tinha três horas de sono por minha

culpa.
Não acreditava no que havia feito e estava sorrindo sob a água quente

do chuveiro após a bronca de Sam.


Por mais que a água escorresse por minha pele sensível, ativando

pontos de ardência que antes nem sabia que existiam, o cheiro dele estava
impregnado em mim, suave e amadeirado.
O cheiro de nicotina e colônia me envolviam enquanto os olhos se
fechavam.
Permiti que meus braços envolvessem meu corpo, criando uma linha
de proteção sobre minha cintura, causando arrepios intensos. Estava pisando
em nuvens, sem encontrar uma explicação racional para tudo, pensando que

quando saí de casa jamais imaginaria que algo como aquilo aconteceria.
Quando me deitei na cama finalmente pude relaxar, mas minha cabeça

ainda estava cheia de pensamentos e culpa. A culpa vinha devagar, porque


ainda estava imersa na sensação doce dos momentos que tive com ele. Ainda

não estava pronta para encarar aquilo de vez e me punir mentalmente, só


queria deslizar por aquelas lembranças bem devagar e repassar cada segundo.

Foi exatamente o que fiz enquanto deixava a mente se perder em uma


bolha agradável.

Tudo começou quando, em um ato impensado, toquei seus lábios com


os meus. Aquela foi a atitude mais descuidada que já havia tomado em toda

minha vida, mas não pude evitar, porque me sentia hipnotizada, como se não
tivesse escolha, senão me aproximar.

A forma intensa com que ele correspondeu tirou todas as minhas


dúvidas e fez com que me entregasse também.

Ele era meu chefe, um completo desconhecido.


Aqueles pensamentos aceleravam meu coração, então decidia mais
uma vez deixar para surtar no dia seguinte, porque queria aproveitar enquanto
seu toque ainda estava fresco em minha pele.
Após aquele beijo que tirou toda a minha consciência e prudência, não
achei estranho que ele dissesse que aquilo só poderia ocorrer por uma noite,
afinal nosso relacionamento deveria ser estritamente profissional. Sabia

perfeitamente, mas ele precisava se assegurar da minha compreensão e do


meu sigilo.

O lugar para onde ele me levou depois era diferente de todos em que já
havia estado, era um hotel de luxo, sendo que o melhor em que já havia

estado na vida era de três estrelas. Contive minha respiração enquanto ele
fazia o check-in, pois estava nervosa e meu estômago se dobrava em nós.

“O que estou fazendo?”, era o pensamento mais recorrente em minha


cabeça, mas em momento algum pensei em desistir ou recuar, como se meu

corpo implorasse para que fôssemos rapidamente, para que não tivesse mais
como me arrepender.

Felizmente, havia encarado a depilação recentemente e o pensamento


me confortou um pouco.

Não evitei o riso, mas só em pensamento.


O quarto era espetacular, não havia uma só coisa fora do tom. A cama

era enorme e parecia ser macia, mas todas aquelas observações formavam
apenas uma maneira de tentar me distrair do que estava prestes a acontecer.
Não demorou para que a porta fosse fechada e que lábios habilidosos
se colassem aos meus mais uma vez.
Sua barba roçava em meu rosto e seu cheiro me envolvia. O fôlego me
faltava enquanto tentava acompanhar tudo aquilo.
Eram muitas novidades para apenas um dia.

Ele ainda parecia ser dócil e gentil, como se estivesse me dando espaço
para desistir, embora, eu não quisesse aquilo.

Sem pensar muito acabei revelando que era um pouco inexperiente,


porque não teria coragem de dizer que jamais havia ido tão longe com

alguém.
Mas também sabia que não poderia disfarçar que não era uma exímia

conhecedora das artes da sedução.


Ele tocou meu rosto e fez com que o encarasse, confirmando que tudo

estava bem e que poderia ficar tranquila.


Seu rosto me causava um conforto inexplicável, como se já o

conhecesse, embora, tivesse certeza de que era apenas uma impressão.


— Eu só preciso ter certeza de que você quer isso — ele murmurou de

uma maneira penetrante.


Sua voz se espalhava por todo meu sistema e só conseguia manter os

olhos fechados para sentir melhor toda a insensatez que me dominava.


Já que estava ali decidi me entregar ao momento e, me colocando
quase na ponta dos pés, tive coragem de segurar o casaco que ele usava para
alcançar seus lábios com os meus. Por mais que não tivesse muita noção do
que fazer em seguida, tinha certeza que ele tinha.
Ele compreendeu minha resposta e retribuiu me beijando com
voracidade. Sua língua invadiu minha boca e massageou a minha, mordendo

e chupando meu lábio inferior. Nossos corpos lutavam para se dividir entre
tantas ações e logo ele estava arrancando o casaco, enquanto eu apenas

amassava sua blusa social branca, me agarrando ao tecido, como se


dependesse daquilo para viver. Depois foi a vez do meu casaco e aquilo era

estranho, pois jamais havia me despido na frente de um homem e pensava se


seria capaz fazer aquilo realmente.

Apesar de alguns temores, a forma com que Zackary agia me


confortava e acalmava qualquer precipitação que me atingisse. Ele me tomou

em seus braços fortes, segurando minha cintura com firmeza, me mantendo


no lugar enquanto meu corpo tremia. Sua boca ainda explorava a minha e sua

barba macia tocava meu rosto, enquanto suas mãos começavam a puxar a
camisa que vestia, tirando de dentro da saia e invadindo por baixo. Ele tocava

minha pele com a ponta dos dedos, me arrancando um suspiro incontrolável.


Quando se tornou impossível respirar, ele passou a dar atenção ao meu

pescoço com seus lábios, mordendo e beijando a região até que ela ficasse
sensível. Aquilo somado ao aperto gostoso na minha cintura estava me
tirando de órbita e me deixando completamente desalinhada.
Tudo em que podia me concentrar era naquela mistura de toques,
arrepios e murmúrios, enquanto, delicadamente, ele soltava meus cabelos,
antes presos em um penteado simples.
— Venha comigo.

Sua voz era rouca e profunda.


Com certa cautela, sendo cuidadoso, muito mais do que eu esperava,

ele fez com que me deitasse naquela superfície mais suave do que plumas,
para em seguida brincar com os botões da sua camisa. Ele desabotoava a peça

lentamente, como se quisesse me observar enquanto o olhava de forma


atenta.

Logo seu torso estava completamente desnudo.


Permiti que minha mão passeasse por seu peito, sentindo seus pelos

finos e a definição bem-marcada dos seus músculos. Seu corpo era bonito,
perfeitamente desenhado, mas nada era mais bonito do que o olhar que ele

me lançava e que fazia com que me sentisse aquecida em todos os sentidos.


Nunca havia visto alguém tão fisicamente perfeito e tudo só

corroborava com minha ideia de que tudo aquilo poderia ser fruto da minha
imaginação fértil.

Ele não se conteve e se colocou a desabotoar a minha camisa, não tão


devagar. Na verdade, um tanto ansioso e assim que ela estava completamente
aberta, expondo minha barriga nua, ele, simplesmente, se abaixou para roçar
seus lábios ali de maneira quase metódica.
Beijava toda a superfície da minha pele, como se quisesse ativar cada
ponto sensível em mim, o que funcionou perfeitamente, afinal a sensação era
de ter cada pedacinho da minha carne ligada a um milhão de minúsculos fios,

espalhando eletricidade de forma expansiva.


Era enlouquecedor.

A potente combinação de hormônios, a ambientação perfeita e um


homem delicioso fazia com que fosse impossível resistir a tudo aquilo.

Era tentador em todos os sentidos, embora minha timidez fosse


sufocante.

Ele parecia estar preocupado em manter a calma e aquilo me instigava


mais ainda, porque sempre evitei me aprofundar em relacionamentos por

temer não ser tratada com respeito e apesar de nos conhecermos havia apenas
algumas horas era perfeitamente perceptível que ele estava interessado no

meu prazer e bem-estar.


Aos poucos as minhas peças de roupas foram se perdendo e contive o

ímpeto de tentar me cobrir com as mãos, permitindo que ele me visse sob a
luz fraca e amarelada de uma única luminária, que era muito mais útil para

criar sombras do que para tornar a visão clara.


O olhar de fascinação que ele lançava para meu corpo era diferente dos
que recebia de homens com pensamentos pervertidos pelas ruas.
Ele parecia me admirar, ao mesmo tempo, parecia mostrar o quanto era
bonita.
Ele parecia ser honesto.
— Você é maravilhosa. — De repente seu nariz estava afundado no

vão entre meu pescoço e ombros, explorando meus cabelos de maneira


intensa.

Arquejei por um segundo com aquele movimento inesperado.


— Oh... — Foi tudo que escapou por entre meus lábios.

Ele desceu sua língua desenhando a pele do meu colo, provocando


pequenos arrepios, pelo menos até alcançar um dos meus mamilos e rodeá-lo

com cuidado, arrancando um gemido alto, enquanto ele endurecia sob sua
língua.

— Acho que você é bem sensível aqui — ele sussurrou e aquilo me


deixou ainda mais inquieta, mas em um bom sentido.

Zackary puxou uma das minhas mãos, colocando-a sobre seus cabelos,
me incentivando a participar, o que fiz sem pensar muito, puxando seu corpo

contra o meu de forma visceral.


Ele parecia gostar daquilo, pois podia perceber a vibração que

escapava pelo fundo da sua garganta.


— Ah, Erin! — ele falou em uma mudança repentina, mudando o alvo
da sua língua, indo diretamente para o ponto entre minhas pernas sem aviso
prévio.
Não era agressivo ou precipitado e ele sabia exatamente o que estava
fazendo.
Como sabia!

Aquela estava entre as melhores sensações que meu corpo havia


experimentado em toda minha existência.

De repente, só podia me concentrar naquele pequeno órgão vibrante,


mas a sensação se espalhava por cada milímetro da minha pele, causando

choques incontroláveis enquanto tentava não gritar, embora os gemidos já


não pedissem permissão.

Os olhos se fecharam com força e mordi o lábio com tanta intensidade


que poderia sangrar.

Sua língua rodeava meu clitóris vez após vez, de forma incansável. Ele
estava me saboreando e eu podia perceber. Finalmente, entendi o motivo de

tantas mulheres gostarem daquele tipo de contato.


Era muito diferente de apenas se tocar com os dedos, era suave, úmido

e quente.
Quanto mais ele investia de forma dedicada naquele ponto, mais sentia

como se meus membros fossem derreter. Demorou tão pouco, mas tão pouco
para que um formigamento terrível começasse a se espalhar por toda a
superfície que me sentia envergonhada. Era diferente de qualquer outra coisa
que já tivesse conhecido, como uma onda vinda do fundo da minha coluna, se
derramando por todo o resto, enquanto tentava me agarrar a qualquer vestígio
de sanidade.
A região entre minhas pernas estava cada vez mais uma úmida e uma

pressão forte me tomou desde as mais recônditas profundezas.


Aquilo era gozar.

Sem ter a menor consciência do que fazia agarrava seus cabelos curtos,
enquanto seu rosto permanecia afundado entre minhas coxas naquela dança

luxuriosa.
Quando finalmente meu corpo se permitiu levar por aquele

relaxamento, minhas costas se enterraram no colchão macio enquanto tentava


recuperar meu fôlego e alguns gemidos ainda fugiam entre meus lábios.

Mas ele não me deu trégua e quando notei sua boca estava sobre a
minha.

— Seu gosto é delicioso, sinta — ele sussurrava enquanto intercalava


beijos em minha boca, ainda aberta, por causa do peito ofegante, e queixo.

Aquilo era intenso.


— Você fica ainda mais linda assim. — Sua voz estava tomada por

desejo, enquanto seus dedos afastavam as mechas de cabelos úmidos que


caíam por meu rosto.
Tentei ser proativa, colocando as mãos no cós da sua calça, mas ele
simplesmente tomou meus pulsos de forma firme, porém, gentil, levando
meus braços sobre minha cabeça. A ação fez com que meu corpo inteiro se
arrepiasse e meu ventre se contorcesse.
Ele era dominador e sensual, ao mesmo tempo, em que era

deliciosamente afável.
— Devagar, querida. — Ele mordiscou meu queixo e o seu perfume

mais uma vez tomou conta de mim.


Eu me sentia exposta, crua, mas estava adorando aquilo, porque era

amedrontador e novo.
Ele me libertou, mas não sem antes me provocar mais um pouco com

beijos em meus mamilos e nas partes laterais do meu corpo, sempre fazendo
com que me contorcesse com a tensão.

Quando, finalmente, suas mãos se afastaram, Zackary se livrou sozinho


das últimas peças que usava.

Assim que dei por mim, percebi que ele estava totalmente nu.
Era a primeira vez em toda minha vida que um homem se despia na

minha frente e nunca havia me interessado por aquilo, pelo menos não até
aquele instante. Ele tinha músculos tonificados, mas, ao mesmo tempo, suas

formas eram suaves.


Eu o observei sem pudor e nem poderia disfarçar o quanto estava
impressionada, principalmente, quando meus olhos alcançaram a visão do
local entre suas pernas. Seu membro estava tão endurecido e seu tamanho era
tão impressionante, que tudo que pude fazer foi liberar um pequeno ofegar
delicado, o que pareceu deixá-lo ainda mais instigado.
Estava excitada mais uma vez, apesar do orgasmo recente.

Aquele homem, aquela tensão, tudo criava a situação perfeita para que
minha pele se inflamasse progressivamente.

Eu o puxei para mim e ele me beijou com doçura, diferente dos outros
beijos tão ardentes que trocamos, embora, a intensidade ainda estivesse ali.

Era como se ele tivesse levado bem a sério a parte em que falei que não
possuía muita experiência e quisesse tornar tudo agradável.

Uma das suas mãos mantinha minha cintura bem presa, enquanto a
outra começava a se aventurar entre minhas pernas, acariciando minhas

coxas, desenhando padrões, aquecendo meu interior, fazendo com que meu
quadril se projetasse para frente. Um dedo seu me penetrava devagar,

arrancando um gemido alto contra sua boca.


Nossas respirações estavam ofegantes, perdidas.

— Nossa, como quero você! — ele falou ao pé do meu ouvido


enquanto me punia mentalmente por não conseguir verbalizar tudo que estava

sentindo.
Eu só conseguia emitir gemidos fortes e altos.
— Você também quer?
Havia um convite impresso naquela pergunta, era provocador, lascivo,
além de um pedido de permissão.
— S-sim... Por favor... — Foi tudo que pude murmurar
miseravelmente, mas foi o suficiente para a ação dele.

Zackary se esticou sobre a cama e pegou o pacote de preservativo na


gaveta do móvel de cabeceira.

Estava realmente acontecendo.


Ele era ágil em vestir a proteção e o observava ansiando, desejando,

apesar de estar levemente assustada.


— Tudo bem... — ele ainda falava naquele tom de voz calmante. —

Você só precisa relaxar, nada mais.


Ele me guiava com seu tom sedutor e nossos olhos queimavam

enquanto nos encarávamos.


Não havia como voltar atrás e eu imaginava que aquilo poderia mudar

minha vida, afinal nunca havia me entregado daquela forma. Tentei apenas
seguir seu conselho e relaxar minha pélvis e pernas enquanto ele se

aproximava. Nossos sexos entrando em contato direto pela primeira vez, os


sons fugindo dos nossos lábios ainda mais incompreensíveis. Suas mãos

ergueram meus joelhos, deixando o caminho livre e, em seguida, me


rasgando lentamente.
Deixei que a cabeça caísse para trás mais uma vez...
“Relaxar, relaxar...”
Uma dor fina me afligia, mas nada que fosse impossível de se suportar.
Ele era realmente grande e o espaço ali era limitado, mas também era
cuidadoso e experiente, fazendo com que aos poucos conseguisse deslizar,

até estar totalmente dentro de mim.


Nossos corpos estavam se conectando por completo.

Seu rosto estava se contorcendo de prazer e uma espécie de rugido


ecoava dele.

Precisei de alguns instantes para me acostumar enquanto ele tentava


diminuir meu desconforto acariciando meu corpo, apertando meus quadris,

beijando meus lábios devagar.


— Eu só vou continuar quando você estiver pronta — ele falou

baixinho, contornando meus lábios com seu indicador.


Permiti que meus músculos se tornassem menos rígidos, percebendo

que aquilo facilitava e muito toda aquela operação.


— Você pode... — Foi tudo que pude dizer em um sussurro.

Ele apenas o fez devagar, sem nenhuma pressa, apenas se


movimentando lentamente.

Aos poucos, com aquela repetição cuidadosa, meu corpo começava a


se acostumar com a nova sensação de me sentir tão preenchida, então a
velocidade se tornava um pouco maior, enquanto meus quadris começavam a
se mexer e investíamos um contra o outro em sintonia, até o puro êxtase.
Aquilo era bom.
Não havia mais coerência em meus pensamentos, apenas nossos corpos
suados e em completa sintonia, como se aqueles movimentos tivessem sido

ensaiados.
Devagar, começava a gostar daquilo, embora soubesse que ele não

estava me dando nem metade da sua potência, exatamente por ser muito
cauteloso e aquilo, de alguma forma, só me excitava mais.

Ele puxou uma das minhas mãos, sussurrando para que me tocasse, o
que obedeci imediatamente naquela confusão de peles e gemidos.

Eu teria vergonha, afinal nunca havia me tocado na frente de ninguém


e tinha dificuldades até em fazer quando estava sozinha, mas ali não me

importava nada.
Foi assim que cheguei ao segundo orgasmo da noite, forte e potente.

A forma como ele estava encaixado em mim e a forma como eu me


estimulava fazia com que meu corpo se retorcesse completamente e me

enrijecesse, enquanto meu ventre parecia torcer.


Ele encontrou seu ápice logo em seguida, enquanto eu me retraía ao

seu redor.
Com um som gutural ele se esvaziou em mim, me deixando
completamente vulnerável.
Seu corpo estava sobre o meu enquanto ele se apoiava em um
cotovelo, mas deixava que seu rosto repousava em minha barriga.
Sexo era mesmo uma coisa impressionante, ou talvez aquele homem
fosse.

— Isso foi... — Ele não achou as palavras. — Espero não ter


machucado você.

As palavras ficaram soltas no ar e no silêncio do quarto.


— Não... Foi ótimo... — murmurei com honestidade, fechando os

olhos, deixando que nossas respirações se acalmassem, enquanto enrolava


meus dedos em seus cabelos.

Estava convencida que nunca havia me sentido tão relaxada em toda


minha vida e talvez fosse verdade. Meu corpo estava mais mole do que

gelatina e minha cabeça estava nas nuvens.


— Eu até faria de novo. — Deixei as palavras escaparem, embora, elas

tenham deixado meu rosto mais corado do que já estava depois de todo
aquele exercício.

Ele levantou a cabeça e me olhou curioso, interessado.


Havia algo naquele olhar que era divertido.

Ele tocou meus cabelos e meus lábios mais uma vez.


— Acho que eu também. — Havia um sorriso completo no seu rosto,
algo agradável, safado e simpático.
Em seguida, Zackary se moveu, indo se deitar de forma mais
apropriada naquela cama enorme. Quando ele estava bem instalado e parecia
estar confortável, me chamou com uma das mãos, me indicando suas coxas e
entendi imediatamente o que ele estava sugerindo, não demorando a me

colocar sobre ele com cada um dos joelhos em suas laterais.


— Com uma mulher tão gostosa assim é difícil não querer de novo em

um período curto de tempo. — Ele me analisou e me puxou de uma vez só


pelo quadril, fazendo com que nossas pelves se chocassem.

O movimento era quase natural e me pus a rebolar, esfregando nossos


sexos, fazendo com que ele endurecesse de novo em pouco tempo, o que me

deixava um tanto vaidosa e acredito que causasse o mesmo efeito nele.


Aquela nova posição era mais confortável e tinha o controle. Ele

agarrava meus seios e mordia meus lábios, meus ombros enquanto estava
embriagada e imersa em todas aquelas sensações.

Eu jamais imaginaria que meu corpo fosse capaz de me proporcionar


tanto.

Ali estávamos mais uma vez, mas não queríamos parar.


Depois de mais um orgasmo, mesmo exaustos, nos beijávamos e

tocávamos, até que estivéssemos excitados mais uma vez, como se não
quiséssemos que aquilo acabasse, porque sabíamos que não haveria uma
repetição daquela noite.
Nossa sincronia era impressionante e na terceira vez Zackary me
agarrou pelos quadris, me prensando sobre uma das paredes daquele enorme
quarto. Seus braços eram fortes e ele me mantinha segura sobre eles,
enquanto se movia rápido e forte, incansável.

Nossas respirações estavam entrecortadas até atingir o ápice.


Era difícil conter, por mais que nossos músculos já estivessem

esgotados.
Quando nos separamos devagar, ele me ajudou a ficar de pé com

delicadeza e fez um trabalho rápido em se livrar do preservativo, mas algo


estranho permeava seu olhar e o fitei por um momento.

— Tudo bem, é claro. — Ele sorriu de maneira cúmplice e me beijou


mais uma vez.

Resolvi não questionar mais e apenas aproveitar aquele momento,


afinal nos restavam poucas horas e a madrugada avançava. Seguimos nos

tocando, experimentando nossos corpos durante todo aquele tempo, pelo


menos até o momento de cairmos irremediavelmente exaustos lado a lado.

Permiti que minha respiração se desacelerasse aos poucos enquanto


meu corpo relaxava no colchão macio. Eu mal podia crer, mas estava cansada

demais para refletir enquanto ele me puxava com seus braços fortes e me
ajeitava sobre seu peito.
Meus olhos se fecharam vagarosamente, mesmo contra minha vontade
e adormeci.
•••
Quando abri os olhos, um pouco assustada, o quarto ainda estava
escuro, mas podia ver através das minúsculas brechas das cortinas um pouco

de luz, então me levantei, pois, precisava ir embora imediatamente.


Em cima da mesa de cabeceira havia um envelope com meu nome e

quando abri fiquei em choque, pois havia uma quantia absurda de dinheiro
que me recusei a contar.

Apenas ignorando aquilo me vesti rapidamente e me retirei com toda


pressa.

Só me senti mais tranquila quando estava do lado de fora, acenando


para um táxi.

Eu não sabia nem que horas eram, pois, meu celular já havia morrido
desde o dia anterior.

A única realidade era que estava ferrada, afinal ele ainda seria meu
chefe, isso se fosse contratada.
Aquela noite foi diferente de tudo que já havia experimentado durante

o período romanticamente conturbado em minha vida. A forma como aquela

mulher e eu havíamos compreendido um ao outro, apesar de nunca termos


nos visto antes, era inexplicável e me sentia mais afetado do que gostaria.
Eu tinha praticamente certeza de que, provavelmente, ela nunca havia

experimentado sexo casual, talvez não tivesse experimentado nem mesmo o


sexo, o que me deixava totalmente confuso, porque não era comum aquele

tipo de comportamento nas mulheres com quem me encontrava. Em sua


maioria, elas eram, no mínimo, experts no assunto, às vezes até me ensinando

algumas coisas interessantes.


Erin não era daquele jeito típico, porque ela carregava em si uma

ingenuidade inédita, algo com que nunca havia me deparado.


Cada toque que compartilhamos, cada beijo, cada suspiro...

Tudo parecia ser muito natural, orgânico, como se fôssemos amantes


de longa data.
Pela primeira vez tive que admitir que era uma pena o fato de que
nunca mais a veria.
Uma verdadeira pena.
Entretanto, apesar de toda aquela aura de fascínio, algo havia me
deixado preocupado, uma das camisinhas havia estourado na noite anterior.

Eu não disse nada na hora, pois não queria transformar aquela noite em
um momento tenso, deixando para falar sobre o assunto na manhã seguinte.

Eu convidaria a moça para um café da manhã e então conversaria com


ela sobre os métodos contraceptivos que ela usava, assim poderíamos ficar

tranquilos, embora, tivesse certeza de que ninguém se candidataria para


aquele tipo de trabalho sem tomar alguma espécie de precaução.

Eu aproveitaria a oportunidade para perguntar coisas sobre ela, para


entender um pouco mais as circunstâncias que criaram o nosso encontro, mas

só depois que a deixasse dormir bem, afinal seu rosto era sereno e tranquilo
quando ela se deitou em meu peito, fazendo com que eu relaxasse também.

Mas, infelizmente, as coisas não aconteceram como planejava, pois,


para minha surpresa, ela não estava lá quando acordei, entretanto, o envelope

com o dinheiro que havia deixado sobre a mesa de cabeceira, estava intocado.
Ela saiu da mesma forma misteriosa que chegou, me deixando cheio de

questões não respondidas e com pensamentos que não saíam da minha


cabeça.
•••
Na editora fui recebido por Sebastian que cuspia marimbondos e
parecia ter sido atacado por alguns, afinal seu rosto estava tão vermelho que
não parecia ser normal.
— Para que você tem celular se não serve pra nada? Se estivesse

morrendo e precisasse de você para me salvar, meu velório já estaria sendo


preparado! — meu primo reclamava sem parar, sendo dramático como só ele

sabia ser.
— Por que isso tudo, Seb? — questionei de forma descontraída, logo

depositando um beijo no seu rosto, que praticamente rosnou, me fazendo rir


da situação.

Nossos humores eram tão opostos que chegava a ser cômico.


Peguei o celular, que havia deixado no silencioso, e fui checar as

notificações. Havia pelo menos umas cinco chamadas perdidas e diversas


mensagens, pelas quais passei os olhos, lendo rapidamente.

“Acho que não estou bem, Zack.”


“Você pode vir aqui?”

“Você sabe que odeio hospitais e agradeceria sua companhia.”


“Filho da puta, cadê você?”

— O que houve? — perguntei com os olhos arregalados, afinal a


palavra “hospital”, na maioria das vezes, não estava relacionada com
acontecimentos felizes.
— Ah! Agora você se importa? Tive uma crise alérgica horrível, mas
estou ótimo agora, muito obrigado! — ele pontuou com irritação.
— Menos mal. — Sorri quando a preocupação se esvaiu.
— Menos mal, seu puto? — Ele me xingou mais uma vez.

— Tudo acabou bem, não foi? — Continuei com minha expressão


facial amena.

— Zackary, você tá bem? Usou droga ou alguma coisa? Parece que


você tá chapado...

— Estou ótimo — respondi rolando os olhos. — Mas adoraria ter umas


boas horas de sono.

— Entendi. Você estava fodendo enquanto eu quase morria, seu idiota.


— Ele chegou à conclusão com um olhar impaciente, então bufou.

Sabia que iria demorar um pouquinho a superar aquela situação, mas


logo seu jeito voltaria ao normal, afinal o conhecia desde sempre e era

sempre assim.
— Diz o que posso fazer pra melhorar esse seu humor do cão — falei

tentando ser afetuoso, embora, não fosse o suficiente para desarmar


completamente aquela fortaleza de acidez matinal.

— Diga para minha assistente ligar para a moça que eu iria entrevistar
ontem e perguntar se ela tem disponibilidade para vir hoje. Agora foda-se a
entrevista, realmente, precisamos de mais gente falando grego nessa equipe,
porra! Eu não posso ser o único, né, maninho? Afinal todo mundo não
consegue compreender absolutamente nada do que falo!
Sebastian estava definitivamente em um dia ruim e decidi não
provocar, apenas acatando as ordens sem questionar.

— Ok? Peça que ninguém me interrompa.


Naquele momento, ele me empurrava, de uma forma não tão gentil,

para fora da sala.


— Sim, capitão! — falei em uma imitação não muito boa de uma fala

formal e me retirei às pressas.


Meu primo precisava mesmo relaxar, porque ele estava começando a

parecer louco, mas aquele era um problema que não poderia ser resolvido de
imediato.

Parei por um momento e bati à porta da assistente dele. Era uma


mulher meio ranzinza e exageradamente perfeccionista com o trabalho, não

muito tolerante com erros, até pior do que Sebastian, que era dócil na mesma
proporção em que era alucinado. O jeito dela era bom e ruim, e me assustava

um pouquinho, mas proporcionava trabalho de excelência.


— Bom dia, Mildred. — Sorri, mas não poderia dizer que ela

correspondeu, porque, na realidade, desconfiava que seu rosto não era


configurado para cumprir aquele tipo de ação. — Seb pediu para chamar
aquela moça que ele iria entrevistar ontem, disse que vai dispensar a
entrevista, porque temos pressa, o que é verdade — falei tentando lembrar a
mim mesmo, pois meu senso de urgência havia derretido depois daquela
noite tão...
Estarrecedora.

— Sim, senhor, imediatamente — ela respondeu em uma postura quase


militar.

Então pude deixá-la em paz, para então afundar em meu escritório e


me sentir, pelo menos por alguns minutos, como o Zack que costumava ser...

Um que experimentava as coisas de maneira mais intensa e que não se


afastava de qualquer coisa que não fosse relacionada ao trabalho.

Era esquisito, pois uma sensação estranha havia se alojado em meu


estômago e não poderia definir o que se tratava.

Na verdade, nem gostaria daquilo.


Estava pensativo, com a cabeça perdida em lembranças aleatórias,

como se alguma coisa tivesse sido desarmada dentro das minhas estruturas.
Desde que havia me decepcionado no amor, minha vida havia mudado

completamente e não sabia o que era fazer algo de maneira completamente


espontânea, como se precisasse manter tudo sob controle para não sofrer mais

uma vez.
Mas naquela noite tudo foi diferente e o rosto daquela mulher não saía
da minha mente.
Relembrei diversas vezes a forma como me senti quando nossas mãos
se tocaram em um gesto tão simples e inocente, mas que tirou meu fôlego.
Talvez, até mais do que todas as noites de sexo, porque ali me vi em um
momento de exposição, como se tivesse sido flagrado por mim mesmo,

deixando de lado meu roteiro previsível.


O sexo, para mim, havia se tornado uma distração, mas, naquela noite,

não só na escuridão daquele quarto, como em todos os momentos, havia


trocado com outra pessoa, havia compartilhado e recebido algo.

Não era como se só estivesse adquirindo a diversão pela qual paguei.


Sacudi a cabeça, pensando que tudo aquilo era estupidez, mas não

pude tirar da minha mente que só poderia comparar aqueles poucos


momentos aos dias que passava na fazenda dos meus pais.

Sebastian e eu passávamos nossas férias em meio aos animais,


plantações e cenários bucólicos do interior, onde nos perdíamos nos enormes

campos verdes, escalávamos árvores e pulávamos em qualquer corpo d’água


que encontrássemos, nós não tínhamos medo de absolutamente nada.

Crescemos conhecendo também o que era uma vida longe dos centros
urbanos, diferente de muitas crianças.

Apesar de gostarmos das nossas vivências mundanas, também


apreciávamos imensamente o cheiro da relva e o silêncio da natureza.
Uma das minhas coisas favoritas era cuidar dos cavalos e às vezes
apenas caminhar com um deles.
Aquele era um dos hobbies que deixei de praticar havia algum tempo
devido ao excesso de trabalho.
Mas aquelas conversas, aqueles olhares, aqueles sorrisos haviam me

lembrado do quanto era bom apenas sair por aí.


No meu aniversário de vinte e sete anos havia ganhado do meu pai um

alazão escuro que se chamava Eros.


— Hoje você vai adquirir uma nova responsabilidade — meu pai falou

com sua voz um pouco debilitada, pois sua saúde já estava bem frágil.
O potrinho era belíssimo e seu pelo castanho-avermelhado reluzia.

Sorri, pois, era estranho como ele falava daquela “responsabilidade”,


como se eu já não fosse um dos líderes de uma empresa enorme.

Para mim, um potrinho não parecia ser algo complicado de se lidar ou


mais difícil do que tudo que já fazia.

Mas para o meu pai aquilo era grande.


— Acho que posso lidar com um cavalo bebê — falei com bom humor.

Mas meu pai manteve sua postura séria, porque ele era assim, tinha a
carapaça mais dura do que aço e um coração mais doce do que açúcar.

— Não é só um cavalo bebê, como você mesmo disse.


Sorri mais uma vez, pois adorava observar o jeito dele.
Éramos tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, tão amigos.
— Ele vai ser seu companheiro a partir de agora.
Naquele momento, não entendi muito bem o que ele queria dizer, mas
depois do seu velório a compreensão veio de uma vez...
Meu pai já sabia o que iria acontecer em breve.

— É um presente espetacular, posso dizer — falei enquanto observava


aquele animal e imaginava como ele iria se desenvolver no futuro.

— Você precisa cuidar bem dele, precisa olhar para as necessidades


dele. Não terceirize isso, afinal ele é seu companheiro.

O olhar do meu pai era distante e pensativo, poderia dizer até que
emocionado.

Aquilo era bonito de olhar, meu pai se mostrando vulnerável pelo


menos uma vez.

— Entendo — respondi com afeto.


Suas palavras também traziam as memórias da forma como ele e

minha mãe haviam me educado. Meu pai, por mais sério que fosse, sempre
esteve por perto, sempre queria ouvir minhas opiniões, sempre cuidava de

mim. Então, deveria cuidar daquele pequeno animal do mesmo jeito, assim
teríamos um laço inquebrável.

— Ele se chama Eros — meu pai pontuou com satisfação.


— É um nome poderoso para um bebê. — Sorri.
— É o que queremos que ele se torne. — Meu pai finalmente me
ofereceu um sorriso.
Havia orgulho, compreensão, amor e tudo mais naquele gesto tão
pequeno, então jamais me esqueci daquele sorriso.
— Sabe, apesar de você já ser um homem, sempre vou lembrar de você

assim. — Ele apontou com seu indicador para o potrinho.


Era um dos poucos momentos humorísticos do meu pai.

Não que ele não gostasse de piadas, ou não soubesse se divertir, ele só
era bastante específico com aquelas coisas.

Sorrimos juntos, mas nem me lembrava que um dia fui uma criança,
apenas me preocupava com o homem que me tornei e nas responsabilidades

que carregava.
Então, cuidei de Eros desde quando era apenas um pequeno potro

adorável. Com ele, aprendi o que era confiança e como era entrar em
comunhão com outros seres.

Eros não era só um animal, era também um amigo afável e conversava


com ele.

Naquele instante, perdido nas memórias, lamentei por não estar


retribuindo tudo que ele já me proporcionou, pois, quando meu pai morreu

foi ele quem me trouxe conforto e fez com que me sentisse conectado ao
homem que tanto admirava e sentia falta.
Era como se aqueles pequenos desvios de rota cometidos na noite
passada me trouxessem mais uma vez o vislumbre do que era a liberdade que
sentia enquanto cavalgava na fazenda dos meus pais, sentindo o vento
ricochetear contra mim, sem me preocupar com um destino certo, apenas
seguindo meus instintos.

Suspirei e bati de leve, com a palma da mão, na mesa de madeira à


minha frente.

Não tinha tempo para todos aqueles devaneios, mas era bom não estar
com o coração congelado pelo menos uma vez, embora, estivesse um tanto

resistente quanto àquilo.


Precisava cumprir minhas obrigações e já havia pedido um bom chá

para começar o dia.


Logo minha secretária apareceu com um copo em mãos e o calor

daquela bebida aconchegante fez com que me sentisse pronto para deixar de
lado meus devaneios e cuidar das tarefas profissionais.

•••
Quando o horário do almoço chegou, decidi checar meu primo para

saber se ele já havia me perdoado e se podíamos ser amigos de novo. Estava


um tantinho preocupado, mas aquilo não durou muito, graças ao humor

levemente estável do meu adorado, Seb.


A expressão de Sebastian, felizmente, já havia melhorado.
Ele era assim.
Naquele momento, ele estava conversando com Beverly, nossa
revisora-chefe, sobre o encontro que teve com Helena Deméter e como foi
parar no hospital por causa do molho de camarão, sobre o qual não foi
informado, em seu prato.

— Adivinha só, liguei para o Zack várias vezes e ele simplesmente me


ignorou — ele debochou.

Percebi que aquilo era só uma pequena provocação e que ele não
estava mais com raiva.

— Ah, mas o Zackary é muito ocupado — Beverly falou de um jeito


bem-humorado.

Ela tinha os cabelos pintados de vermelho e um rosto divertido, que


sempre dava a impressão de conforto para as pessoas.

— Ocupado, Bev? Você acha mesmo? Eu faço tudo aqui, ok?


Os dois riram e fingi uma expressão indignada.

— Por quanto tempo vou ter que ouvir isso? — perguntei enquanto me
aproximava e jogava um braço sobre os ombros dele de maneira fraterna.

— Pelo menos durante mais duas encarnações, mas pelo menos você
não ficou enrolando para sair pro almoço, estou morrendo de fome.

Aquela era uma frase que dizíamos muito e compartilhávamos


bastante, porque fome era o que tínhamos o tempo inteiro.
Nosso apetite desesperava nossas mães, mesmo quando ainda éramos
crianças.
— Bom, vou me certificar de que não tenha nenhum tipo de camarão
no prato, irmão. — Sorri, dando um tapinha na cabeça dele.

O almoço foi tranquilo e meu primo me contou sobre a grande


maravilha que iríamos traduzir.

Helena Deméter era impressionante, já havia deslanchado como um

fenômeno na Grécia e seríamos responsáveis por trazer a ela o sucesso


mundial com seus romances contemporâneos.
Estávamos empolgados depois de um leilão, enormemente, disputado

para conseguir os direitos sobre aquelas obras e discorrer sobre aqueles


assuntos conseguiu tirar o foco da minha mente das coisas pessoais.

Era maravilhoso comentar com meu primo sobre a incrível equipe que
estávamos montando.

Ele falou que ficou chateado por ter desmarcado com a moça que seria
nossa tradutora, uma jovem fluente em grego, mas que tinha um bom

pressentimento relacionado a ela, por isso havia dispensado a entrevista,


apenas para caminharmos com nosso enorme e dispendioso projeto.
Quando voltamos Mildred estava esperando ansiosa e, provavelmente
irritada, pois nos atrasamos uns cinco minutos.
— A moça que você mandou chamar já chegou, assim como os outros
membros da equipe já estão prontos para a reunião geral.
Aquela reunião seria importante, pois os cursos do projeto seriam

especificados para as pessoas que estavam chegando, então Sebastian e


Beverly tomariam a frente. Meu primo foi se encontrar com Bev e

cumprimentar as pessoas, mas quando estava na minha sala recebi mais uma
visita dele.

— Você não quer conhecer a equipe? — Seb se voltou para mim e fiz
uma careta.

Eu não era do tipo que recebia as pessoas, por mais que gostasse de
conversar, além de ter inúmeros compromissos, mas ainda assim aceitei o

convite, pois aquele seria um divisor de águas na história da nossa empresa,


então era importante participar.

A sala de reunião tinha rostos novos e estava feliz em imaginar como


aquele frescor iria beneficiar nosso trabalho.

— Estou empolgado — falei em um volume de voz baixo, perto de


Sebastian, enquanto esperávamos Bev chegar com o restante da equipe.

— Eu nem sei descrever como estou, mas, sei lá, sinto taquicardia —
Sebastian falou com um sorriso largo.
Aquele projeto era a realização de um sonho para nós e era o momento
de mergulhar de cabeça, finalmente.
Senti, naquele instante, que poderia me dedicar ao trabalho,
esquecendo meus anseios pessoais e, até mesmo, deixando de lado qualquer
frustração ou pensamentos que me afligisse.

Seríamos apenas nós realizando aquela empreitada de forma dedicada,


sem olhar para os lados, sem distrações. Pelo menos foi o que pensei por um

instante, mas não era o que o destino reservava.


Vi uma mulher saindo do banheiro da sala de reuniões quando ergui os

olhos.
Seus olhos eram azuis como o oceano e a expressão que encontrei

neles foi de enorme pavor e confusão. Quis sorrir e não pude evitar que o
canto dos meus lábios se recurvassem discretamente. Meu coração batia forte

com a surpresa e as palmas das minhas mãos se tornaram pegajosas.


Era ela.

Na minha mente as lembranças começaram a se organizar e a fazer


sentido, enquanto buscava explicações. A minha acompanhante da noite

passada era fluente em grego e foi se encontrar com um senhor Evenfort, mas
por alguma piada do universo aquele era o senhor Evenfort errado.

Entendi imediatamente o motivo daquela mulher não se parecer em


nada com as outras que já havia contratado, até porque ela não era uma
acompanhante, ela era a moça de que tanto Sebastian falava e que
complementaria a equipe de tradução.
Quis dar um soco na minha própria cara ao me dar conta de todos os
indícios que passaram despercebidos por mim e no enorme equívoco que eu
havia cometido.

Me senti um completo idiota!


Puta merda!

Aquilo era errado de tantas maneiras, que nem queria pensar a respeito.
O rosto de Erin mudou de cor algumas vezes e me questionei se

deveria oferecer um copo d’água.


Respirei fundo. Precisava pensar racionalmente.

Aquele, definitivamente, seria um dia interessante.


MOMENTOS ANTES...

Mesmo estando encantada por aquela noite, tanto é que repassava cada

detalhe mentalmente, estava muito preocupada com a ideia de perder a


oportunidade de emprego logo de cara.
Tive medo de que uma das coisas mais importantes para mim, tivesse

escapado por um pequeno deslize.


Suspirei enquanto analisava meu rosto no espelho.

Eu me sentia diferente em saber que aquele homem olhou para mim,


apesar das imperfeições que muitas vezes eu teimava em aumentar.

Era agradável saber que alguém me desejava.


Aquele era um tipo de sonho que demoraria a despertar, então apenas

tentei seguir com a vida de maneira normal, pelo menos até saber que não
perdi minha oportunidade.

Fiquei muito feliz quando recebi a ligação e fui chamada às pressas


para ir à editora, por mais que não compreendesse a parte em que me
disseram que não fiz a entrevista, pois teve que ser desmarcada.
Eu participei de uma, não?
Meu rosto corava toda vez que lembrava daquela entrevista.
— Tentamos entrar em contato para informar que o senhor Evenfort
teve um imprevisto, mas não conseguimos e pedimos desculpa por qualquer

contratempo. Aguardamos você hoje mesmo se for possível — falou uma voz
feminina, desprovida de alguma emoção específica, apenas calma e com uma

dicção de dar inveja.


— É claro, a hora que vocês informarem. — Tentei não soar muito

desesperada, mas não me importei muito em esconder aquilo e ignorei


qualquer informação desencontrada na declaração daquela pessoa.

— Então, a aguardaremos para o horário da tarde.


De qualquer maneira me preparei para estar lá o mais rápido possível,

por mais que a ideia de ter dormido com meu chefe antes mesmo de ser
contratada soasse horrível. Precisava respirar fundo e fingir que aquilo jamais

havia acontecido, embora, não aconteceu como planejei dentro da minha


cabeça.

A sede da Evenfort Books Inc. era moderna e clássica, ao mesmo


tempo. O lugar era espaçoso e a decoração consistia principalmente na

exibição de alguns volumes das primeiras tiragens produzidas pelo grupo.


Fiquei encantada ao ver como um ambiente podia manter uma
sensação de assepsia e, ao mesmo tempo, de conforto, pois as poltronas eram
de couro e vários detalhes do ambiente eram de madeira avermelhada.
A recepcionista era uma mulher de uns cinquenta e poucos anos, sua
pele era de um marrom dourado, e seu sorriso bonito era alegre. Logo ela
indicou para onde eu deveria ir, me entregando um crachá com apenas uma

palavra escrita, “visitante”.


Não foi difícil achar o lugar certo.

Felizmente, meu radar estava bem ligado, apesar de não ter dormido
quase nada.

A pessoa que me recebeu em uma sala de reuniões se chamava


Beverly, gostava de ser chamada pelo primeiro nome e logo descobri que ela

era minha chefe.


Bom, pelo menos depois do senhor Evenfort.

Meu rosto se perdia em quentura quando apenas pensava no nome que


estava escrito por toda parte naquele prédio de poucos andares.

— Erin, fiquei muito feliz em saber que você viria!


Beverly era simpática, seu rosto era acolhedor e não pude deixar de

notar que ela esperava um bebê.


— Você vai ser uma das peças-chave no projeto que estamos

encabeçando agora.
Não podia conter minha animação em ouvir aquelas palavras e ouvia
com interesse tudo que ela falava, por um momento esquecendo as coisas que
me preocupavam.
— Helena Deméter é grega e o grande nome atual da literatura. Espero
que a nossa equipe consiga fazer jus ao trabalho dela através de uma tradução
e adaptação impecável. Muito mais importante do que traduzir palavras,

nosso trabalho maior será traduzir ideias e sentimentos. Isso é algo que
sempre digo para os novos membros da equipe, nosso trabalho é traduzir

ideias! — ela reforçou e senti um frio na barriga por saber que faria parte de
algo tão importante. — Como você deve ter percebido, vou ter que tirar

licença maternidade em breve. — Beverly sorriu enquanto apontava para a


barriga. — Espero treinar todos vocês muito bem antes disso, temos algumas

semanas ainda. Ah, veja só! O nosso querido chefe, carismático e alérgico a
camarões. — Ela caminhou até um homem que se aproximava.

O homem era muito bonito. Seu rosto era bem desenhado e sua barba
curta era propositalmente desalinhada.

A primeira coisa que ele fez ao nos ver foi sorrir e imaginava que ele
fosse uma pessoa importante.

— Erin, esse é o seu novo chefe, Sebastian Evenfort. Como vou me


retirar em breve, é com ele que você vai tratar diretamente. Ele é responsável

por tudo que está relacionado com a imagem da editora, além de ser um
Evenfort, claramente. — Ela sorriu com simpatia e tudo que pude fazer foi
me desesperar.
Uma sensação esquisita subiu até meu estômago e, simplesmente, não
sabia como reagir. Estendi a mão para cumprimentá-lo, mas estava tremendo
demais e os dois perceberam.
— Tudo bem com você, Erin? — Sebastian Evenfort perguntou com

preocupação, enquanto eu olhava para todos os lados, até ver uma placa de
banheiro.

Estava desesperada demais, porque pior do que vomitar no seu


primeiro dia de trabalho, era vomitar na frente do seu chefe e dono da

empresa.
Levei um tempo praticamente abraçada ao vaso sanitário enquanto

Beverly, do lado de fora, tentava me acalmar e queria saber como eu estava.


Estava mortificada.

Primeiro, achava que havia dormido com meu chefe, mas o homem
com quem estive na noite passada definitivamente não era aquele. Segundo,

já estava passando vergonha sem nem mesmo conhecer meus colegas.


Não saía da minha cabeça o que eles iriam pensar de mim e demorei

um pouco para me recompor. Beverly me acalmou e disse que não precisava


me preocupar, porque o nervosismo muitas vezes acabava causando aquele

tipo de reação. Pedi desculpas e ela simplesmente tentava me consolar.


Ela me deixou sozinha e gastei alguns minutos adquirindo coragem
para sair daquele lugar.
Quando finalmente estava fora fui bombardeada pela visão de Zackary.
Era ele mesmo e ele também era um Evenfort, mas não o Evenfort que
eu deveria ter encontrado no dia anterior.
Seus olhos se fixaram nos meus e precisei me controlar para não deixar

que o enjoo me atacasse mais uma vez.


Eu não iria vomitar de novo...

Não, de forma alguma.


Achava que estaria pronta para ver Zackary de novo quando fosse o

momento, mas não estava. Ver aquele homem foi quase como ser atropelada
por um ônibus de dois andares e tudo que queria era sair correndo, ou

esconder o rosto bem longe da luz do dia.


Sebastian Evenfort acenou de forma efusiva, ele parecia estar

empolgado e eu...
Bem, eu não sabia o que sentir ou como agir, então apenas me

aproximei da maneira mais natural que pude.


— Você tá bem?

Já era a segunda vez no dia que meu verdadeiro chefe perguntava


aquilo e sorri da maneira mais convincente possível.

— Sim, bem melhor — falei com tranquilidade, tentado não gaguejar.


— Bom, esse é meu primo, Zackary Evenfort, mas ele é quase como
um irmão, meu braço direito e minha sombra também.
Eu já havia percebido que Sebastian era o tipo de pessoa agradável e
que tentava fazer com que os novos se sentissem à vontade.
A imagem que havia criado dele em minha mente era completamente
diferente e surpresas não faltavam para mim, naquele dia tão intenso.

— Na verdade, diria que ele é minha sombra — Zackary falou e


também não estava pronta para ouvir a voz dele, principalmente para a forma

com que ele agia como se nada tivesse acontecido.


Talvez, ele estivesse acostumado com aquele tipo de situação.

— Zack, essa é a Erin, a moça fluente em grego de quem falei —


Sebastian comentou com animação.

Apertei a mão de Zackary, pelo menos tentei, porque quando nossas


peles se chocaram o mundo inteiro pareceu desaparecer e meu corpo inteiro

ficou dormente.
Minha mente estava me levando para lugares que não poderia ir

naquele momento, como aquele quarto escuro, nossas respirações ofegantes,


suas mãos em meu quadril...

Meu Deus, aquilo iria ser uma tortura!


— Isso sim, é uma raridade. — Ele sorriu com simpatia. — Estranho,

parece até que já nos conhecemos, você já trabalhou aqui?


Aquilo só podia ser brincadeira e não pude deixar de rir, nervosa.
— Não, acho que é impressão sua. — Eu me obriguei a responder
enquanto via certa diversão em seu olhar.
— Não assuste a moça — Sebastian falou enquanto se dirigia a mim.
— Enquanto esperamos a Bev, podia ir te mostrando as nossas instalações.
— Nada disso! — Beverly chegava com algumas pessoas. — Nada de

adiar mais essa reunião. Daqui a pouco essa criança vai nascer e não vou
conseguir treinar essa equipe — ela falou e rimos. — Eu não quero que meu

bebê nasça nessa editora.


— Mas não seria incrível? Ele iria nascer no lugar que você mais ama

no mundo. — Sebastian seguiu com aquela brincadeira.


— O lugar que mais amo no mundo é o spa que frequento, querido —

ela completou com desdém e rimos mais uma vez.


Fiquei feliz por aquele quebra de tensão e apenas arranjei um lugar

para me sentar, logo cumprimentando meus futuros colegas, embora, não


conseguisse prestar atenção em mais nada ao redor além de Zackary Evenfort

que estava ao lado do primo. Ele parecia ser impassível e na luz natural do
dia seu rosto era ainda mais bonito.

Eu me perguntava o que ele estaria pensando, mas, no fundo, não


queria saber.

Com muito esforço pude sobreviver àquela reunião, tentando prestar


toda a atenção possível sobre a forma como nossa equipe de oito pessoas iria
trabalhar com aquele projeto enorme. Estava empolgada mais uma vez, mas,
vez ou outra, sem querer, meu olhar repousava sobre o de Zackary, que
parecia um tanto contemplativo e não falou muito durante a reunião.
Quando tudo terminou, Sebastian se propôs a responder todas as
nossas dúvidas, mas alguns dos meus colegas foram mais rápidos e o

cercaram, me deixando para trás, com o rosto um tanto confuso.


— Erin, você pode ir até minha sala daqui a pouco? Preciso conversar

com você pessoalmente — Beverly falou com um sorriso.


— É claro — respondi mais calma enquanto juntava os blocos de notas

e canetas.
— Perfeito, fica aqui em frente e tem meu nome nela. — Seu sorriso

era contagiante. — Te espero lá, temos muito a falar.


Tentei ser a mais rápida quanto possível quando ela saiu, guardando

minhas canetas de todas as cores e as lapiseiras que carregava.


Samantha sempre reclamava da forma com que eu andava cheia de

“tralhas”, como ela chamava.


Antes que pegasse a última peça vi dedos longos que a alcançaram

antes de mim e quando levantei os olhos o vi. Zackary estava ali, parado a
minha frente, me olhando de maneira intensa, como se pudesse entrar em

meus pensamentos e meu coração parecia estar sendo esmagado por punhos
impiedosos. O constrangimento era palpável de ambas as partes, mas estava
tentando continuar de pé, apesar do tremor nas pernas.
— Posso falar com você primeiro?
Minha respiração ficou suspensa, enquanto tentava simplesmente
pronunciar uma frase, mas havia esquecido como dizer qualquer coisa.
— É c-claro — falei finalmente.
Eu, definitivamente, cometi um erro e aquilo foi de uma imprudência

inédita na minha vida.

Mas, apesar do choque inicial, não estava arrependido e me sentia


satisfeito por rever aquela mulher.
Eu, definitivamente, estava feliz em saber que ela não estava perdida

no meio de milhões de pessoas que se tornaram apenas ilustres desconhecidas


em minha vida.

Quando nossos olhos se encontraram foi como se já soubesse que


aquilo precisava acontecer, como se fosse um encontro predestinado e eu só

tivesse que esperar.


Erin parecia estar nervosa enquanto olhava para baixo e parecia

analisar os acontecimentos da rua pela ampla janela. Nosso prédio era antigo
e possuía poucos andares, o que criava a impressão de um lugar mais

intimista.
Eu tinha a convidado para visitar meu escritório brevemente.
— Eu quero pedir desculpas — falei com simplicidade e então ela
desviou o olhar para mim.
Era estranho observar aquela jovem sob a luz do dia, era tão diferente e
tão formal.
— Bom, especificamente pedir desculpas por ter fingido que não nos

conhecíamos — pontuei.
Ela moveu a cabeça em concordância e seu rosto era compreensivo.

— Não era algo que não esperasse. — Ela mordeu o lábio inferior e
sua postura ainda era de inquietude. — Acho que talvez seja mesmo melhor

assim.
Seu rosto, de repente, estava corado, o que era adorável.

As imagens da noite passada ainda eram vívidas na minha mente,


principalmente, porque não queria esquecer. As horas que passamos juntos

foram tão agradáveis que gostaria de sempre poder revisitar, apenas para me
sentir bem de novo e de novo.

— Gostaria de dizer mais uma vez que sou profissional e que nunca
comentaria sobre a noite de ontem com ninguém. — Ela parecia estar

preocupada em se mostrar confiável, mas aquilo era bastante desnecessário,


porque, por mais estranho que pudesse soar, eu já confiava nela.

— Eu sei, Erin. Eu só não quero que você se sinta desconfortável com


a minha presença, porque, por mais que você vá passar a maior parte do
tempo com meu primo, ainda vamos ser colegas de trabalho. — Suspirei
pensativo.
— Sim, senhor, aquilo tudo foi de uma insensatez sem tamanho e
jamais deveria ter agido de uma forma tão impensada, isso não é do meu
feitio, eu... — Começou a falar, mas parecia não saber como terminar, então a

interrompi gentilmente.
— Não precisa me chamar de senhor, acho esse tipo de título

desnecessário. — Dei um sorriso honesto. — E devemos arcar com esse erro


juntos, afinal foi um crime cometido em conjunto, não foi? — Tentei acalmá-

la com um pouco de bom humor, o que pareceu funcionar.


— Obrigada — ela falou com simplicidade e mais uma vez aquele

sorriso tímido brincou nos lábios rosados de Erin.


Tudo que ela fazia era de uma graça sem tamanho e eu poderia olhar

para ela por horas a fio, tinha certeza.


— Não vou mais te prender aqui. Saiba que fico à disposição para

qualquer necessidade, não hesite em me chamar. — Sorri para ela entregando


um dos meus cartões.

Ela olhou para o objeto, depois para mim, antes de guardar na bolsa.
— Está bem. — Sua resposta foi comedida e logo foi embora.

Era como se aquela sala tivesse ficado mais fria com a ausência de
Erin, como se, nos poucos segundos em que ela esteve ali tudo tivesse ficado
mais iluminado e acolhedor.
Suspirei pensando que aquilo não iria acabar bem de jeito nenhum. Ela
mal foi embora e eu já estava pensando em como seria quando ela estivesse
de volta.
Não aquilo não iria dar certo.

•••
A minha cabeça não me deixava em paz e Carter, meu assistente, havia

chamado minha atenção algumas vezes, coisa que não era comum, afinal
sempre fui um tanto rígido com meu trabalho.

Na realidade, estava pensativo, porque todas as minhas certezas


estavam sendo invalidadas lentamente e meus pensamentos estavam fora de

controle.
Minha mãe estava ligando, me chamando para um almoço no final de

semana, eu precisava construir gráficos e mais gráficos, além de repensar a


estrutura das filiais do Canadá, lugar para onde precisaria viajar em breve.

Eram tantas obrigações e trabalho, mas nem aquilo conseguia impedir


que meu cérebro voltasse vez após vez para a noite anterior.

Era um homem responsável, sempre sabendo em que lugar colocar as


coisas, nunca sequer pensando sobre assuntos pessoais enquanto cumpria

minhas tarefas profissionais, mas era como se não pudesse controlar.


— Você já foi mais discreto — Sebastian pontuou com diversão
quando tiramos uma pausa para fumar e me fiz de desentendido.
Felizmente, naquele momento, ele já era um novo homem e havia
deixado de lado a carranca matinal.
— Do que você tá falando? — perguntei enquanto, debruçado no
parapeito da janela do seu escritório, olhávamos para baixo.

— Você não parava de secar a minha tradutora.


Ele trouxe à tona o que imaginei que tivesse disfarçado muito bem.

Mas era Sebastian, ele me conhecia, éramos como irmãos, na verdade,


éramos mais do que aquilo, éramos melhores amigos.

— Seb, nem sei o que dizer, foi involuntário. Ela é muito bonita. —
Tentei disfarçar, dando de ombros.

— Zackary, por favor. — Ele rolou os olhos.


Meu primo só me chamava pelo nome quando queria me provocar de

alguma maneira, o que ele estava fazendo naquele instante.


— E aquela conversinha de “te conheço de algum lugar”? — Ele

alterou o tom de voz propositalmente.


— Eu não falei desse jeito... — protestei.

— Sério, me fala a verdade antes que tenha que arrancar de você — ele
ameaçou e sacudi a cabeça em desaprovação.

— Eu posso ou não ter tido um encontro com aquela mulher ontem —


confessei, afinal nunca seria capaz de esconder algo de Sebastian, era
basicamente impossível.
Ele me olhou com um sorriso impagável no rosto e rimos, mas eu
estava mesmo constrangido.
— C-como? — Meu primo me olhava esperando uma explicação.
— Bom, acho que tudo não passou de um engano. Ela iria te encontrar

no restaurante ali perto, mas acabou chegando ao lugar errado e como nós
dois somos Evenfort a situação estava criada. — Tentei simplificar ao

máximo.
— Puta merda, faz todo sentido! — Ele continuava rindo, como se

aquela história fosse a coisa mais fascinante do mundo. — Mas já vou


avisando que não vou transferir aquela garota só porque você cometeu essa

sandice... Preciso de uma tradutora competente e as pessoas que falam grego


estão escassas no mercado. — Ele começou a falar e aquilo me deixou

ofendido.
— Você enlouqueceu, Seb? Eu não te pediria uma bobagem dessas. Às

vezes parece que você nem me conhece — bufei irritado e ele tentou
amenizar a situação.

— Desculpa, mas é que você pareceu mesmo estar afetado pela


presença dela. Alguém que não te conheça bem não notaria, mas percebi a

mudança no seu comportamento.


Naqueles momentos, tinha certeza que era um livro aberto para ele.
— Esse projeto vai ser intenso e não quero que nada tire o nosso foco,
entendeu? — Ele parecia estar preocupado e não gostava daquela versão do
meu primo.
— Eu não vou perder o foco, Sebastian — falei enquanto o encarava,
tentando convencê-lo. — Você me conhece, cara! Sabe qual é o meu trato

com as mulheres. — Tentei amenizar com um fraco sorriso.


— Eu só me questiono como você não percebeu. O perfil daquela

moça é completamente diferente de todas as suas companhias em geral. —


Ele estava indignado.

— Bom, assumo que talvez tenha tentado evitar esse pensamento, mas
acabei enredado na conversa e, quando percebi, já estava preso na situação.

— Suspirei enquanto buscava formas de justificar tudo aquilo para mim


mesmo.

— Preso na situação? — Sebastian estava preocupado e aquilo era


perceptível em sua expressão. — Olha, sei que sempre digo que você precisa

encontrar alguém de verdade e abandonar essa vida de relacionamentos de


plástico. Pelo amor de Deus! Seus olhinhos precisavam brilhar exatamente

para a minha tradutora?! — Havia um tom de revolta em suas palavras e não


pude deixar de rir.

— Prometo que tudo foi um acidente e que não vou deixar a situação
atrapalhar nosso progresso. — Tentei soar o mais sério possível em minha
declaração, mas ele não parecia estar convencido ainda.
— Certo... Um pobre inocente esse meu primo. Agora, se você me der
licença, preciso trabalhar — ele falou dando um tapinha afetuoso no meu
ombro. — Você, por favor, não faça merda.
Sebastian me olhou nos olhos mais uma vez e assenti, mesmo que

impaciente.
— Relaxa, ok? — pedi de novo.

— Você é impressionante, Zack! De todas as mulheres do mundo... A


minha tradutora! — Ele continuava indignado. — Mantenha essas suas

mãozinhas imundas longe dela, afinal não quero nenhuma jovenzinha


suspirando por esses corredores por culpa do meu primo Don Juan. Imagine

só, ela ter seu coração partido e não conseguir cumprir suas obrigações!
— Sebastian, não diga idiotices, por favor! — Eu já estava quase

implorando. — Foi só uma noite, eu juro! — Já estava se tornando difícil ter


que repetir aquilo.

— Você me parecia estar encantado com ela... — Ele me expôs e


fiquei constrangido. — Não me diz que tá apaixonado. Amor à primeira

vista?
Naquele momento, sabia que ele só estava me zoando e minha

paciência estava acabando.


— A única pessoa apaixonada aqui é você — acusei. — Pela Mildred!
— falei de maneira enfática, fazendo com que ele risse muito.
— Isso não posso negar, ela é a mulher da minha vida — ele falou me
fazendo rir também.
Pobre Mildred!
Precisava aturar o humor bobo de Sebastian todo santo dia, depois de

ter passado anos trabalhando para o meu pai que era quase tão sério quanto
ela. Quando era apenas um adolescente tinha muito medo dela, afinal acho

que nunca a vi sorrindo.


Já Sebastian infernizava os dias dela antes de sequer começar a

trabalhar e Mildred havia se tornado a secretária dele porque nossos pais


tinham medo que ele, com seu coração emocionado, acabasse se apaixonando

por uma funcionária.


No final das contas, acho que ele realmente não conseguiria viver sem

a nossa querida e mal-humorada Mildred.


— Você não disse que precisava trabalhar? — reclamei.

— Eu só preciso ter certeza de que nada vai atrapalhar o andamento do


meu projeto...

— Do nosso projeto — corrigi. — Se você quer saber, eu já tenho até


outro encontro marcado para a noite de hoje. — Tentei usar o argumento

como um curinga na manga e ele me olhou desconfiado. — Isso é só pra você


ter certeza que o que aconteceu ontem significou tão pouco quanto qualquer
outro encontro, acredite!
Nem eu acreditava no que estava falando, mas precisava repetir até que
se tornasse verdade.
— Presta atenção, hein, garotão? Estou de olho em você. — Ele me
mostrou uma expressão desafiadora e logo em seguida saiu.

Respirei fundo admitindo finalmente que as coisas estavam mesmo


bagunçadas na minha vida.

•••
Agradeci aos céus quando o dia de trabalho terminou e pude arrumar

minhas coisas apenas para ir embora. Diferente de Sebastian, moderninho e


entendedor das novas mídias, eu sim, carregava uma pasta cheia de

documentos.
Bati à porta do escritório do meu primo para saber se ele iria embora,

ou se iria continuar, assim podia me despedir, então ele me pediu para entrar
e, ao lado dele, estava Erin. Senti minha respiração falhar levemente e me

repreendi internamente por aquela reação.


— Perdão, não queria atrapalhar — falei um tanto sem graça e ela

olhou para baixo, não me encarando diretamente.


— Que atrapalhar que nada, já estamos indo embora. Eu não quis

assustar a Erin com um turno noturno logo no primeiro dia, então vamos
seguir o modelo tradicional hoje, não é mesmo? — Ele sorriu para ela que
concordou.
Sabia que aquilo não ia durar muito, porque sempre quando estávamos
no fervor do trabalho Sebastian começava a trocar os dias pelas noites, afinal
sempre se sentiu mais produtivo assim, apesar de eu nunca compreender
aquilo.

— Você pode nos dar uma carona, Zack? — meu primo pediu e não
sabia aonde ele queria chegar com aquilo.

— Aconteceu alguma coisa com seu carro? — questionei muito


desconfiado.

— É, parece que é um probleminha no motor. — Ele não sabia nem


mentir e lancei a ele um olhar mortal. — Acabei descobrindo que a Erin vai

para o mesmo lado que a gente e podemos ir todos juntos hoje. — O sorriso
dele era descarado, mas a moça não parecia estar confortável.

— Não é necessário... — Ela tentou falar, mas Sebastian nem permitiu.


— Eu insisto! — ele falou e concluí que ele insistia em oferecer uma

carona para sua funcionária no meu carro.


— Claro, isso é perfeito — falei sem deixar que a ironia da frase

transparecesse em minha voz.


Sebastian sabia perfeitamente que eu não iria para casa depois do

trabalho, eu mesmo havia dito que teria um encontro, mesmo assim ele
decidiu me testar e eu, para não ser rude, concordei.
Já acomodados no carro, me sentia esquisito, pois era a segunda vez
que levava Erin para algum lugar e era estranho não nos sentirmos à vontade
para conversar, quando na noite passada tudo parecia ter sido tão simples.
Aquilo era tudo culpa de Sebastian, afinal ele nunca daria ponto sem
nó e sabia exatamente o que estava fazendo quando insistiu em nos colocar

em um carro juntos.
— Erin, quase não tivemos tempo pra conversar sobre você, mas agora

podemos, afinal não estamos mais no trabalho. — Sebastian era sempre um


tanto receptivo. — De onde você veio?

— Literalmente eu vim de Bourton on the Water. — Ela sorriu


docemente e esperava uma expressão confusa dele, perguntando que lugar era

aquele.
— Não brinca! É uma das cidadezinhas mais gostosas que já conheci

— ele respondeu e não pude evitar um olhar de surpresa ao perceber que ele
realmente conhecia aquele lugar que eu jamais ouvi falar até a noite anterior,

quando conversei com Erin.


— Sim! O clima é tão agradável e bucólico! — ela falou encantada.

Ótimo, eles já estavam virando melhores amigos.


— Sinto saudade das construções feitas de tijolos de pedras, dos lagos

com os patinhos e as pontes baixíssimas.


Seu olhar saudoso era de causar tristeza e concluí que ela, realmente,
deveria amar muito aquele lugar.
— Na verdade, nem sei como fomos parar lá, mas minha ex-esposa e
eu nos perdemos durante uma viagem para Portishead. Ela adorava viajar de
carro e ir conhecendo o caminho. Foi uma surpresa incrível quando
encontramos Bourton, era lindo demais. Tinha até um museu... O nome era...

— Museu Cotswold Motoring — ela completou e ele assentiu com


empolgação.

— Isso mesmo! Uma maravilha!


— É um dos poucos pontos turísticos existentes. — Erin sorriu de

maneira afável.
Sua admiração era perceptível.

— Eu me lembro até de observar as ovelhinhas pastando, uma coisa


adorável. O Zack e eu também tivemos uma infância meio rural, sabe?

— É mesmo? — ela perguntou com interesse, me olhando pelo


retrovisor.

— Sim, meu tio, pai dele... — Sebastian apontou para mim. — Tinha
uma fazenda, onde passávamos o dia inteiro rolando na lama e era muito

divertido. Não era, Zack?


— Sim, era. — Foi difícil disfarçar aquele momento de

constrangimento e os momentos que passamos ali, enquanto meu primo


conversava alegremente com Erin, foram de uma tortura sem tamanho. —
Era uma vida mais simples — falei sem muita convicção nas palavras.
— Eu concordo — Erin falou, para minha surpresa. — Acho que esse
tipo de vida tão simples é o que me tornou a pessoa que sou hoje. Passava
muito tempo lendo e aquela cidade era tão pacata que me inspirava e escrevia
também. Não acontecia muita coisa por lá, então eu inventava.

O sorriso que ela exibiu era tão bonito, tão despretensioso.


Cada vez que ela revelava um pouco mais sobre si, me deixava mais

curioso. Talvez, Sebastian estivesse correto com toda aquela coisa de


“conhecer pessoas reais”.

Movi a cabeça de um lado para o outro, bem lentamente, como se


dissesse “não” para mim mesmo. Eu já havia me prejudicado demais por ser

ingênuo, assim como meu primo, com seus dois casamentos fracassados.
Eu não queria me deixar levar por aquelas ideias irracionais.

Após deixar a moça em seu endereço Sebastian me ofereceu um


sorriso meio constrangido. Eu tive que ir para a outra ponta da cidade,

porque, diferente do que ele havia dito, a casa dela não ficava na mesma
direção que os nossos apartamentos.

— O que foi isso? — questionei enquanto o GPS me indicava onde


fazer o retorno.

— Precisava saber se você estava mentindo.


— Como assim? — Estava confuso. — Por sua culpa vou perder o
encontro!
— Quem se importa? — Ele deu de ombros. — Isso era mais
importante. Eu queria saber como você reagiria quando estivesse com ela,
para saber se você cumpriria sua promessa de manter uma distância
profissional.

— Conseguiu se convencer? — perguntei com incredulidade.


— Agora estou mais preocupado ainda. — Ele balançou a cabeça em

negação, mas eu não queria conversar mais.


O dia foi atípico e não tinha vontade alguma de discutir, então só me

restava esperar para saber como as coisas iriam fluir dali para frente.
Tudo o que menos queria era passar aquela noite sozinho, afinal não

estava com a cabeça em perfeito estado, mas ainda assim desisti de qualquer
programa depois de ter perdido o horário para o encontro. Eu poderia ligar e

conseguir outro a qualquer momento, mas já estava desanimado demais,


então apenas dirigi para casa após deixar Sebastian na sua casa.

Eu teria que ficar só com a minha companhia e lidar com meus


pensamentos, logo seria uma longa noite.
Conversar com Zackary sobre a noite que passamos juntos tornou a

coisa mais real ainda, mas, felizmente, consegui me portar de forma

adequada, pelo menos na maior parte do tempo. Ele foi gentil e me assegurou
que tudo estava bem, que nada daquela confusão iria me prejudicar e senti
veracidade em suas palavras, por mais que ainda estivesse um pouco

assustada.
Focar no meu trabalho foi o que me ajudou a manter a mente no lugar

e não deixar que aquele desvio de percurso me afetasse mais do que o


necessário.

Beverly me recebeu em sua sala e conversamos por um bom tempo.


Ela era muito empolgada com o trabalho e aquilo era contagiante.

— Como Sebastian bem disse durante a reunião, nosso projeto gira em


torno da obra de Helena Deméter. Você já ouviu falar dela?

— Infelizmente não. — Fui honesta, afinal mentir não era algo que
poderia fazer nem se quisesse. — Por causa do excesso de trabalho nos
últimos meses, confesso que não tive muito tempo para me inteirar sobre o
mercado literário da Grécia, por mais que seja uma área de grande interesse.
— Ah, sim, você também fez cursos extracurriculares sobre a cultura
grega. De onde veio toda essa paixão? — ela perguntou impressionada.
Sorri, afinal aquela era minha história de vida e ficava sempre alegre

em compartilhar, porque era assim que o legado da minha mãe permaneceria.


— Minha mãe veio da Grécia e desde que me entendo por gente ela

falava sobre o lugar onde nasceu. Minha mãe era muito apaixonada e foi lá
que ela e meu pai, que é inglês, se conheceram — contei com um brilho no

olhar.
Meu coração sempre parecia se aquecer quando falava sobre aquelas

coisas.
— Acabei me apaixonando também. É como se pudesse me conectar

com ela, ainda mais depois que ela faleceu — expliquei com clareza,
trazendo um olhar de pesar para Beverly.

— Eu sinto muito — ela falou brevemente.


— Obrigada. No começo foi muito difícil, mas hoje o que mais sinto é

saudade. Ela sempre falava sobre como os gregos encaravam a morte, como
para eles eram uma espécie de passagem, por isso havia tantos rituais para

garantir a paz do outro lado. Sempre ficava impressionada com a variedade


de crenças e mitos sobre os quais ela conversava comigo. No final das contas,
me convenci de que tudo é possível, talvez, realmente, não seja o fim de tudo
e isso me anima. — Naquele momento, finalizei com um sorriso e minha
chefe parecia estar bastante encantada, o que me deixou satisfeita.
Sempre fui extremamente tímida, mas quando começava a falar sobre
algo que amava era difícil me calar, por mais que nunca me metesse em

conversas sem ser requisitada.


— Nossa! Isso é mesmo muito impressionante, me fale mais sobre a

sua mãe. — Ela estava mesmo interessada. — Isso com certeza vai nos ajudar
nesse projeto, afinal precisamos entender Helena, não só traduzi-la.

— Minha mãe era filha de pais conservadores e acabou presa em um


convento por se apaixonar por meu pai, acredita? — Sorri com diversão. —

Ela tinha uma alma intrépida, era corajosa e um pouquinho tempestuosa.


Imagine que ela fazia uma espécie de escambo para conseguir entregar suas

cartas ao meu pai.


“Ela não tinha medo de nada e nada conseguia ficar entre ela e os seus

objetivos.
“Apesar de tudo isso, ela era a mulher mais doce e cuidadosa que

conheci, sempre fazendo com que eu e meu pai nos sentíssemos amados.”
— Acho que isso definitivamente vai ajudar, afinal todo o material de

Helena é sobre isso, entende? Mulheres fortes que são capazes de mudar o
seu destino. São muitos livros e esse é o fio que prende todas as histórias.
Nossas heroínas, dentro das suas fraquezas, são poderosas.
Suas palavras me encantaram, afinal era o tipo de pessoa com quem
sempre me identifiquei. Sempre conheci mulheres que eram subestimadas,
mas que, quando tinham oportunidade, mostravam o quanto eram grandiosas.
Era como eu gostaria de ser, assim como foi minha mãe.

— O nosso primeiro estudo vai partir da leitura dos livros em seu


idioma original, porque precisamos entender a essência de tudo. Eu não sou

fluente em grego, muito menos o Sebastian, por isso vou precisar que você,
Milo e Violet nos guiem durante esse percurso. Eles também têm vivências

relacionadas à cultura grega, mas só você realmente viveu com uma pessoa
grega e, ainda melhor, uma mulher grega! A sua percepção será essencial

dentro desse processo.


— Agradeço muito pela confiança. A minha mãe iria ficar louca com

isso, você não tem ideia — comentei de maneira espontânea e ela pareceu
compreender perfeitamente.

Eu sentia que aquela era uma responsabilidade muito grande, mas, ao


mesmo tempo, me sentia lisonjeada e um carinho enorme crescia por aquele

trabalho que nem havia começado ainda.


Depois de conversar mais um pouco com Beverly, finalmente fui

direcionada para a sala de Sebastian, onde ele me explicou mais sobre a


Evenfort Books Inc. e suas origens, o que também foi esclarecedor, afinal
toda aquela empresa foi originada por uma mulher.
— Minha avó sempre falava sobre a minha bisavó que, como disse
antes, começou com tudo isso. Ela sempre comentava que ela não era o tipo
de pessoa que você gostaria de pegar em um dia ruim. Ela era destemida e
criou os filhos de forma bem rígida — ele explicava com bom humor. —

Queria ter tido a oportunidade de trocar umas palavrinhas com ela. — Ele
suspirou ainda sorrindo.

Logo Sebastian bateu na mesa levemente com as duas mãos, como se


finalizasse um assunto e começava a procurar alguma coisa em suas gavetas.

— Bom... Acredito que a Bev pediu que você fizesse uma leitura das
obras de uma maneira geral, para depois começarmos as traduções de

maneira individual. Eu quero que a leitura desses livros, para os nossos


clientes, não tenha perdas, você entende?

Assenti balançando a cabeça.


— Quero chegar o mais perto possível da ideia original, por isso não se

apresse, certo? Aliás, você prefere ler em papel ou arquivo digital? — ele
questionou, curioso.

— Papel de verdade — falei um pouco envergonhada e Sebastian se


levantou, me deixando um pouquinho preocupada, pelo menos até ele

estender sua mão e apertar a minha, para em seguida se sentar novamente.


— Temos isso em comum, Erin — ele falou e sorrimos com a
constatação. — Então, hoje você vai levar peso embora, mas não se
preocupe, te dou uma carona — meu chefe falou enquanto o observava
separar vários volumes encadernados e colocar em cima da mesa.
Realmente, era bastante coisa.
— Esse é o seu dever de casa, okay? Não se preocupe, porque isso

conta como home office e você vai ser remunerada. — Ele sorriu e fiquei
extremamente contente com aquilo.

Na verdade, tudo ali me deixava contente, porque em um só emprego


receberia praticamente o dobro do que recebia trabalhando em dois, além de

estar próxima de algo que amava e faria até de graça.


Tudo estava muito bem e a tarde passou voando, pelo menos até

Zackary chegar na sala de Sebastian, pois, pelo visto, o turno estava


acabando.

Meu coração disparou ao vê-lo por perto, mas tentei agir naturalmente.
Por algum motivo estranho, Sebastian Evenfort pediu para que o primo

nos levasse em casa, o que, para mim, não fazia muito sentido e tentei
recusar, afinal achei que ele teria como me levar, já que havia oferecido.

A última coisa que gostaria era de representar algum transtorno.


Caminhamos para o estacionamento e Zackary até mesmo carregou os

volumes encadernados para mim, como um verdadeiro cavalheiro. A forma


natural com que ele fez aquilo me deixou um pouco caída, mas nem deve ter
percebido, pois, ele era gentil de uma forma espontânea.
De qualquer forma, tudo correu relativamente bem e tive a
oportunidade de conversar um pouco com os dois durante a viagem, por mais
envergonhada que pudesse me sentir.
Quando cheguei em casa fui pega por um adorável evento.

— SURPRESA! — Todos gritaram e correram em minha direção para


um abraço grupal.

— Espera! Mas hoje nem é meu aniversário! — falei impressionada


enquanto olhava para aquela decoração cheia de bexigas brancas e rosas de

papel crepom.
Sempre falava com Samantha o quanto achava bonitas as rosas brancas

e o lugar estava cheio delas, o que era muito fofo, mas também cômico, afinal
eram rosas de mentirinha.

Aquilo era tudo tão doce e atencioso da parte deles, que me senti
emocionada. Outra característica sobre mim, sempre foi essa, sou uma

manteiga derretida. Era complicado segurar as lágrimas quando alguém me


tratava bem ou mal.

Nunca pude evitar.


— Agora que você trabalha em uma das maiores editoras do mundo —

Nathan falou passando os braços por meus ombros. — Vai me levar


finalmente para um encontro, não é?
— Talvez, se você merecer! — Sorri, o empurrando de brincadeira.
— Espero que você goste de bolo de abacaxi — Tommy falou com um
sorriso.
— Se não gostar pode deixar comigo, porque eu gosto — Damian
completou.

— Vocês não têm vergonha? — Amanda reclamou rolando os olhos.


Todos os moradores do apartamento, finalmente, estavam juntos, o que

não acontecia muitas vezes durante a semana.


Aquilo era trabalho de Samantha com toda a certeza.

Nathan também era recém-formado e o mais velho do grupo. Ele


trabalhava com computação e era um gênio. Damian e Tommy eram

melhores amigos e estavam terminando de cursar a faculdade de


comunicação. Já Amanda era filha da dona do apartamento e trabalhava como

designer em uma rede de televisão.


— Tenho certeza que isso é obra sua, Sam! — falei quando,

finalmente, vi minha amiga parada, apenas observando minha reação.


Seu rosto a denunciava.

— Você se esforçou tanto por isso, então achei que merecia uma
comemoração — ela falava enquanto se aproximava para me dar um daqueles

abraços bem apertados.


Às vezes, ficava me questionando o que fiz de tão bom para merecer
Samantha na minha vida, afinal, desde que nos conhecemos, ela tomou o
posto de meu anjo da guarda. Sem ela com certeza não teria alcançado nada
do que havia sonhado.
Mais uma vez estava ali me emocionando.
— Nem começa com essas frescuras, a intenção é festejar, não chorar!

— ela reclamou, dando um tapinha não tão fraco na minha cabeça.


— Ah! Vocês fazem uma surpresa dessas assim tão linda e não querem

que me emocione? — falei enquanto todos riam antes de mais um abraço


grupal.

Quando fui morar fora do campus fiquei muito preocupada sobre como
seria minha vida tendo que me virar como uma adulta, mas a companhia

daquelas pessoas me deixou muito mais calma. No começo, pensei que só


teria a companhia de Samantha como sempre, mas, felizmente, acabamos nos

tornando uma família.


Com certeza aquela entraria para o meu ranking de melhores semanas

de toda uma vida.


Depois de comermos e bebermos, além de conversarmos por horas

enquanto contava todos os detalhes do meu novo trabalho, finalmente, decidi


descansar. Aquele foi um dia muito intenso e, praticamente, não havia

dormido na noite anterior.


Quando me lembrei daquilo sorri.
Aos poucos, estava me acostumando com a ideia de que podia guardar
aquela noite como uma memória bonita e que não precisava me envergonhar.
Sabia que Samantha estava louca para me encher de perguntas, mas ela
não ousou falar nada na frente dos outros.
Mas quando fui para o quarto, era óbvio que ela me seguiria.

— E aí? Como foi com o seu chefe? Foi muito constrangedor? — Ela
fechou a porta atrás de si e começou a perguntar, quase sussurrando as

palavras.
— Foi tranquilo, mas também foi constrangedor. Eu sobrevivi. — Dei

de ombros.
— Eu quero detalhes — ela insistiu, mas estava tão cansada que era até

difícil formular alguma coisa.


— Eu vomitei na frente dos meus chefes. — Sorri com um pouco de

ironia e Sam me olhou em desespero.


— Meu Deus! — Ela cobriu o rosto, transtornada. — Você vomitou na

frente do bonitão?
— Certo. A verdade é que o homem que conheci não era o homem

com quem deveria me encontrar... Apesar dos dois pertencerem à mesma


família e serem bonitões. — Tentei explicar da melhor maneira que consegui.

— Como assim?! — ela me interrompeu, com seu rosto em choque.


— Bom, mais uma vez isso foi mérito dos seus garranchos.
Samantha me encarava sem entender.
— Eu fui para o endereço errado e encontrei o senhor Evenfort errado.
— Eu não acredito! — Seu rosto era a visão da incredulidade.
— Aquele era o primo dele — falei com timidez e a lembrança do
rosto de Zackary invadindo meus pensamentos.

— Você dormiu com o primo do seu chefe? — ela questionou em um


volume nada baixo e coloquei o dedo indicador sobre meus lábios, em um

gesto de silêncio.
— Eu perdi a entrevista, mas o outro senhor Evenfort também não

pôde ir...
— Eu não tô entendendo mais nada. — Ela realmente parecia não

compreender e eu estava sem cabeça para explicar.


— Prometo que conto tudo depois, mas agora tenho trabalho — falei

enquanto sacudia um dos volumes encadernados.


— Você é muito chata! — ela reclamou e me deixou rindo sozinha de

sua irritação.
Tomei um banho quente e relaxante, para então me dedicar à leitura

daquelas obras. Estava cansada, mas não queria perder a oportunidade de


conhecer aquele trabalho tão importante, além de estar muito curiosa sobre

Helena Deméter, afinal ouvi falar dela o dia inteiro.


Decidi pesquisar sobre a autora antes de começar a ler os livros e,
finalmente, tive um vislumbre da aparência dela, o que me causou uma
grande comoção. Levei um bom tempo correndo os olhos sobre os traços
daquele rosto e me perguntando de onde vinha aquela sensação de que já nos
conhecíamos, embora aquilo fosse impossível.
Decidi ler até pegar no sono, o que não demorou muito porque ler em

grego era um pouco mais cansativo do que ler no meu idioma nativo.
Aquele seria um trabalho complexo, mas muito satisfatório.

Na manhã seguinte, acordei mais cedo do que precisava, afinal estava


muito ansiosa. A casa estava em silêncio total e todos ainda estavam

dormindo. Decidi me arrumar mais cedo e dar uma caminhada pelo pequeno
parque ali perto, embora, não fosse o lugar mais seguro de todos os tempos,

era agradável pela manhã.


Fiquei um tanto pensativa sobre Helena Deméter, afinal, desde que

ouvi as palavras de Beverly me senti entusiasmada para conhecer mais sobre


ela. Outra coisa havia me deixado pensativa, o rosto dela era tão bonito e não

era nada estranho. Talvez, estivesse relacionado com o fato dela ser grega,
mas não podia ser apenas aquilo.

De qualquer maneira, muitas coisas haviam acontecido nas últimas


quarenta e oito horas, e minha cabeça estava cheia.

Naquela manhã, a parte mais difícil foi finalmente me demitir dos


meus dois empregos e saber que não veria mais a senhora Romanov e os
gêmeos Petrov todos os dias.
Mas eles ficaram muito felizes em saber do meu novo trabalho.
— Espero que você tenha muito sucesso, muito mesmo! — a senhora
Romanov falou.
Pela primeira vez em todos aqueles meses, vi aquela matrona um

pouquinho derretida e aquilo me deixava muito feliz.


— Agradeço muito por tudo que a senhora fez por mim, não teria

conseguido sem essa ajuda — falei com toda a honestidade e do fundo do


coração.

— Sou eu quem agradeço. Agora os clientes vão embora de vez, afinal


só me restaram esses inúteis — ela falou com rispidez, apontando para os

gêmeos Petrov, me fazendo rir.


— Que nada! Eles são ótimos. — Sorri com doçura.

Eu também sentiria a falta deles e nunca esqueceria a maneira com que


eles me acolheram no momento mais complicado da minha vida. Sorria ao

me recordar e ainda carregava as cicatrizes de todas as quedas de patins.


Quando saí de lá e fui em direção ao transporte para o meu segundo dia

trabalho, senti como se a vida estivesse finalmente começando, como se antes


tudo não tivesse passado de um treino e só naquele momento as engrenagens

começassem a girar.
Meu pai estava tão orgulhoso de mim e ele sempre teve confiança de
que eu realizaria qualquer sonho que fosse capaz de sonhar.
Sabia que ele estava certo, ele sempre estava, e a intuição dele era a
melhor do mundo. Ele era capaz de compreender meus sentimentos e de me
apoiar em tudo que decidia fazer, nunca me julgando.
Eu também sabia que minha mãe estaria satisfeita, onde quer que

estivesse.
Aquele era um sonho que sonhamos juntas e realizaria por nós duas.

Senti saudade do abraço dela e dos dias que passávamos na cozinha


enquanto ela tentava me ensinar suas receitas, mas sabia que, no fundo, ela

sempre estaria por perto.


Sabia que as coisas não seriam fáceis e que teria muito que fazer se

quisesse provar meu valor, mas estava disposta e o mais importante de tudo,
estava imensamente feliz.
Diferente...

Estava me sentindo diferente. Pelo menos, era o mais próximo de

descrever a sensação que naquele dia tomou conta de mim.


Havia anos que pensava ter encontrado uma estabilidade emocional
invejável, entretanto, lá estava eu tendo que lidar com um frio no topo do

estômago, que só havia me acometido em raras ocasiões.


Trabalhar todos os dias, fosse viajando ou indo na Evenfort Books Inc,

era o que me motivava, mas, naquele instante, outra força estava me puxando
e sabia daquilo. Precisei admitir para mim mesmo que estava ansioso para

reencontrar a mulher que permeava meus pensamentos.


Tinha medo de estar interessado demais, ao mesmo tempo, em que só

queria mais uma oportunidade de passar um tempo com ela.


Antes de entrar no elevador já havia distribuído quase uma dúzia de

‘bons-dias’, mas, ao me esconder naquela caixa de metal, o gelo que afligia


minhas entranhas voltou. Tentei culpar os átomos vibrantes que compunham
meu corpo pelo sintoma desagradável, negando o inevitável.
Mais alguns desejos de bom dia no andar em que desci e pude
finalmente entrar em minha sala.
Diferente, era tudo diferente.
Parecia que não tinha permissão para andar por minha empresa, pois

estava levemente assustado com a possibilidade de um encontro para o qual


não estava preparado.

Depois de um tempo a aflição foi substituída por ansiedade e resolvi


admitir para mim mesmo que gostaria de rever Erin.

Sabia que nos daríamos bem trabalhando juntos, apesar de nossas áreas
serem tão distintas e queria saber mais sobre ela, sobre sua vida.

Aquilo não poderia ser errado, poderia?


Não pude evitar a lembrança de quando conheci Emily e, comparando

as duas coisas, percebi que não havia semelhança alguma, afinal a paixão que
senti por minha ex-noiva foi avassaladora, como se estivesse cego.

Mas com um pouco de reflexão, muito tempo depois, notei que havia
me apaixonado não por quem ela era, mas por uma ideia enganosa que eu

mesmo criei.
Não, eu não estava “apaixonado”, como Sebastian havia acusado,

estava tendo contato com uma pessoa verdadeira depois de muito tempo
mantendo uma distância segura de qualquer ser humano no universo. Erin
quebrou uma barreira muito forte que me mantinha afastado de tudo, que
fazia com que meu coração não pudesse mais ser partido. Ela fez com que,
pela primeira vez em muito tempo, estivesse interessado em conhecer
alguém.
Queria e podia me aproximar, não havia pecado algum, afinal éramos

adultos.
Decidi ser simpático e pedir para que minha secretária trouxesse dois

chás com leite.


Logo a senhorita Allen, sempre um tanto eficiente, chegou com o meu

pedido.
Eu iria até à sala da equipe de redação, iria perguntar como as coisas

estavam indo, se nossa nova revisora temporária se sentiu bem recebida, mas
quando cheguei lá me deparei com o vazio.

Curioso, me aproximei da sala de Beverly e bati à porta, então ela me


mandou entrar.

— Bom dia! — Mais uma vez soou a frase mais repetida em todas as
manhãs, era quase como um mantra.

Bev estava reluzente em sua blusa azul-marinho, que contrastava com


seus cachos vermelhos.

— Temos um caso estranho de desaparecimento da equipe de redação.


— Sorri para ela
— Ah, Zack! Você não olhou as mensagens?
Não, nunca olhava as mensagens, era um defeito terrível.
— Parece que o Seb modificou o horário da equipe. Acho que ele se
empolgou com o trabalho ontem e decidiu que iria voltar ao seu horário
tradicional, ou seja, o noturno.

— Fala sério... — bufei com impaciência.


Eu havia me programado, como um bobo, de oferecer chá para nossa

nova funcionária a fim de puxar assunto, mas tudo foi por água a baixo.
— Você parece desapontado. — Ela constatou de forma bem-

humorada.
— Porque estou. Já estava me acostumando com a versão diurna do

meu primo, mas agora sou eu que vou ter que dar um jeito de me comunicar
com ele. Estava bom demais para ser verdade! — falei uma última vez, antes

de me despedir dela e ir até minha sala.


Talvez aquele fosse um sinal para que mantivesse uma distância segura

e resolvi acatar, afinal as coisas não estavam se encaminhando da maneira


que deveriam e se tudo estava dando tão certo nos últimos tempos era porque

eu respeitava minhas regras.


Os limites foram estabelecidos e manteria as coisas daquela forma.

Decidi marcar um encontro para aquela noite, porque não queria cair
na tentação de ficar até tarde no trabalho por motivos que nem gostaria de
admitir para mim mesmo.
Durante o dia resolvi que precisava manter o foco no trabalho e foi o
que manteve minha mente no lugar.
Depois de algumas horas, era como se tudo estivesse normal de novo,
como se nunca tivesse desviado da minha rota, pelo menos até lembrar de

que as coisas poderiam ser melhores do que eram.


Meu dia anterior foi acima da média, mas aquele estava sendo apenas

enfadonho. Poderia simplesmente riscar aquelas horas da minha biografia e


não faria muita falta.

Quando a noite chegou, fiz meu percurso habitual e me preparei para


mais um encontro, mais uma fuga das minhas obrigações diárias, um

momento para esquecer de todo o resto.


Confesso que me senti tentado a esperar Sebastian chegar, mas não fiz,

apenas saindo, como de costume.


Aquele era o restaurante de sempre, com a iluminação e mesas de

sempre. Eu já conhecia até os funcionários e as pessoas que frequentavam o


lugar, então, por que tudo parecia tão estranho?

Estava plenamente consciente de toda ambientação ao redor, como se


cada um dos elementos que compunham o cenário se apresentasse de maneira

vívida.
A mulher que veio ao meu encontro naquele dia era tão bonita quanto
qualquer uma com quem já tivesse me deparado. Seus cabelos eram tão bem
cuidados quanto sua pele que era tão resplandecente e seu sorriso perfeito,
mas, ao mesmo tempo, não sabia muito bem como agir, como se tivesse
esquecido alguma parte importante do meu manual.
Os olhos dela pareciam tão vazios e suas risadas desproporcionais tão

ensaiadas, que não entendia como me enfiei em uma situação daquela.


Talvez, tivesse passado tanto tempo com meu coração congelado que

nem sabia mais o que era desejar algo de verdade.


— Meu nome é Jennifer Brown, é um prazer conhecê-lo. — O olhar da

moça caiu sobre mim e era sugestivo.


Era completamente diferente do que experimentei naquele dia atípico.

Como não notei as divergências entre as posturas?


Como pude ser tão desatento?

Aquilo era patético, definitivamente.


Só naquele instante, encarando a expressão frívola de Jennifer Brown,

cujo rosto nunca mais veria após aquela noite, percebi que estava o tempo
inteiro fugindo de mim mesmo.

— Eu queria agradecer muito por ter vindo, mas esqueci que tinha
outro compromisso nesse mesmo horário — falei depois de uma longa pausa

para reflexão, analisando o relógio em meu pulso, como se estivesse


interessado no que os ponteiros tinham a dizer.
A mulher, parada a minha frente, tinha um olhar confuso, talvez até um
pouco impaciente, como se eu tivesse feito com que ela perdesse seu tempo.
— É sério, agradeço muito. — Sorri enquanto discretamente arrastava
o envelope com o dinheiro sobre a mesa.
Era com aquilo que estava gastando meu dinheiro nos últimos anos.

Mais uma vez me senti tolo com a percepção.


Queria mudar de ares, fazer alguma coisa diferente, deixar de lado todo

o teatro que montei para tornar minha vida suportável, então decidi aceitar o
convite para o almoço no final de semana.

Certamente, minha mãe ficaria feliz e me distrairia com uma tonelada


de declarações absurdas.

Durante a semana Sebastian desapareceu completamente e me isolei


com meu trabalho.

Quanto mais mergulhávamos em um projeto, menos nos falávamos,


porque ele se tornava completamente inacessível, indisponível até para

assuntos do coração, o que era bom também. Pelo menos até o encontro de
família, para o qual nos dirigimos juntos.

Estávamos indo para a fazenda do meu pai.


— Eu nem acredito que você ainda está aqui, achei que tivesse sido

engolido por um daqueles livros e agora estivesse vivendo no mundo da


imaginação.
— Você sabe que preciso de imersão para trabalhar bem. Às vezes
posso acabar exagerando.
Com certeza ele estava exagerando e as marcas escuras ao redor dos
seus olhos denunciavam aquilo.
— Como a equipe está lidando, digo, com o fato de você ser meio

louco? — perguntei meio receoso, mas tentando manter o clima leve.


Meu primo sorriu com a minha colocação.

— Eles estão ótimos, muita produtividade, ótimas ideias. Você sabe,


carne nova no pedaço. Estão cheios de vigor, cheios de sonhos, nem sabem

que o mercado editorial vai sugar a alma deles — Seb concluiu com uma boa
risada que acompanhei.

— Não é para tanto. Você sabe que ama o que faz, mas até eu tenho
tido mais senso nos últimos tempos, afinal nenhum dos dois está precisando

de um afastamento por burnout. — Naquele momento, estava realmente


falando sério, enquanto ele não tirava os olhos da estrada.

— Estou descansando, olha só. — Ele sorriu enquanto meneava a


cabeça, como se apontasse para o cenário ao redor. — Vamos passar um dia

em família, não é uma maravilha?


Sua expressão era um pouco debochada, como sempre.

— Sebastian, você é impossível — murmurei e rimos.


O caminho parecia muito mais curto quando conversávamos, afinal
conhecíamos bem os assuntos um do outro, estávamos em uma sintonia única
que só uma amizade de longa data poderia proporcionar.
Queria perguntar de Erin, afinal estava me corroendo por dentro sem
saber notícias dela, mas não quis dar motivos para que meu primo começasse
com suas provocações.

Quando nos aproximávamos daquele lugar tão carregado de memórias


eu já podia sentir minha mente mais tranquila, como se o simples fato de

estar ali pudesse me carregar para uma nova dimensão de relaxamento.


Gostava daquele lugar como se tivesse uma conexão de outras vidas

com ele.
Desde que meu pai faleceu minha mãe praticamente foi morar na

fazenda, porque lá se sentia muito melhor, apesar de ficar um pouco distante


de nós. Ela falava que o ar de lá era mais puro e que gostava de fazer suas

coisas, além de ver o alimento crescer e cuidar dos animais.


A tia Harriet também sempre ia para lá passar um tempo com ela e se

faziam companhia, como boas amigas que viviam em pé de guerra.


Sempre me questionava como meu pai e minha mãe, mesmo sendo tão

diferentes, conseguiram continuar casados por tanto tempo, mas ficava


explicado quando percebia que minha mãe era diferente de todo mundo e a

personalidade mais próxima dela era a de Sebastian, o filho que nasceu da


sua irmã, o que era cômico.
A primeira coisa que fiz ao chegar ao local foi passar um tempo com
Eros, percebi o quanto ele sentia minha falta e eu também sentia muito por
não dar toda a atenção que ele merecia e escovar sua crina diariamente.
Não pude passar muito tempo cavalgando, mas o pouco que aproveitei
com ele fez com que me sentisse um novo homem, pronto para qualquer

coisa.
Passaria o dia inteiro com meu alazão, mas tinha uma mãe que também

precisava da minha atenção, por isso não podia gastar todo o meu dia com
ele, deveria deixar aquilo para outro momento, no futuro.

Chegando na cozinha tive que parar para observar a paisagem que era
emoldurada pela ampla janela de madeira.

Aquele lugar parecia ter saído de uma pintura belíssima.


— Zack, por que você não para de ficar aí olhando para o nada e vem

me ajudar aqui?
Uma das maiores felicidades da minha mãe era cozinhar para os

almoços em família. Ela e tia Harriet sempre se dedicavam muito, por mais
que brigassem na maior parte do tempo.

Quando menos esperava, já estava lavando a louça e arrumando a


cozinha. Depois gastava um bom tempo higienizando e picando os legumes,

embora minha progenitora querida nunca estivesse satisfeita com o formato


que eu conseguia alcançar.
Eram desiguais demais para o senso estético e culinário dela.
— Não, meu filho, me dá isso aqui. — Ela tomava a faca das minhas
mãos e me dava qualquer outra tarefa.
— É por isso que nem toco nisso — Sebastian falou tomando um gole
do café enquanto observava nosso trabalho.

— Você não toca nisso, porque é preguiçoso igualzinho ao seu pai —


tia Harriet falou zangada e meu primo riu da declaração, porque ele adorava

tirar a paciência das pessoas.


— Não é para tanto, não é? Quando ela diz que pareço meu pai é

porque realmente está com raiva. Não precisa me ofender, mãe! — Sebastian
falou, em tom de brincadeira, se dirigindo a mim.

Aquele era um fato conhecido de todos, quando tia Harriet falava que
qualquer pessoa tinha semelhança com o tio Gordon, que raramente

participou de algum dos nossos Natais em família, era porque queria que a
pessoa se sentisse mal.

— Se você ajudasse, ela não diria essas coisas — pontuei dando de


ombros, mas meu primo não dava a mínima, como sempre.

— Nada disso, jamais me arriscaria a estragar a refeição preparada por


essas senhoras maravilhosas e... Bom, por você, né, Zack?

Era quase no meio da tarde que o almoço ficava pronto, mas pelo
menos a conversa era colocada em dia.
O dia estava agradável, nem quente demais, nem frio demais, uma
temperatura amena que fazia com que qualquer cenário se tornasse mais
agradável, enquanto estávamos ali bem colocados dentro daquele espaço
bucólico, sereno.
O som dos pássaros e o farfalhar das folhas nas árvores compunham a

trilha sonora mais encantadora que poderíamos desejar.


Entendia o motivo de minha mãe passar quase todos os seus dias

naquele lugar, talvez, fizesse o mesmo quando me aposentasse, quando


decidisse deixar a vida corrida da metrópole para me entregar aos encantos da

natureza.
— Olha que loucura, nós quatro aqui. Uma viúva, dois divorciados e

um solteirão.
Sebastian cortou meus pensamentos sobre um futuro pacífico com

aquele comentário bobo e, óbvio, que minha mãe riu.


— Será que nossa família está destinada à solidão? — Ele suspirou

com falsa resignação e apenas balancei a cabeça.


— Como solidão, se estamos todos juntos aqui? — Tia Harriet

corrigiu.
— Verdade! E nem me venha com essa conversa de viuvez, porque

ainda penso em me casar — minha mãe falou e arregalei os olhos.


— Como assim, senhora Evenfort? — perguntei com certa indignação
e ela correspondeu ao meu olhar.
Meu pai partiu havia mais de seis anos, mas eu ainda não conseguia
pensar em minha mãe arranjando um padrasto para mim, naquela altura da
vida.
— Eu não morri, meu filho — ela falou enquanto dava tapinhas

carinhosos na minha bochecha. — A vida é curta, pecado é não viver — ela


completou e não podia deixar de lado a sabedoria daquelas palavras. —

Inclusive ainda estou esperando pelos meus netos.


— Não, pelo amor de Deus, Olivia! — Tia Harriet protestou. — Esses

meninos mal sabem se cuidar, quanto mais criar um bebê!


Eu não sabia se agradecia pela intervenção ou se me sentia ofendido,

então acabei optando pela primeira opção.


— Minha mãe tem um ponto, tia Olivia — Sebastian concordou com a

colocação. — Mesmo assim você deveria arranjar uma namorada para o


Zack, porque duvido que ele consiga sozinho.

— Vocês têm algo contra mim? — perguntei em protesto.


— Poderia apresentar uma bela moça da minha igreja, ela tem os

cabelos de fogo e anda como uma corça, tão elegante, esbelta. Ah, e os avós
dela são escoceses! — minha mãe falou, me ignorando completamente,

enquanto pensava no meu futuro casamento e Sebastian se divertia com a


minha miséria.
Quando voltamos para casa estávamos com as energias recarregadas,
como se tivéssemos encontrado a fonte da juventude.
Aquele era o poder de passar o tempo com a nossa pequena e simpática
família.
Tínhamos nossos problemas, mas também éramos cheios de planos e

sonhos. Alimentávamos as esperanças uns dos outros com as bobagens e


conselhos que dividíamos.

Eu não trocaria aqueles pequenos momentos por nada.


A voz da minha mãe me acompanharia sempre que me sentisse

covarde.
“Pecado é não viver”.

Ela estava certa em não se fechar para o mundo apenas porque tinha
passado por algum sofrimento, afinal todos temos dificuldades em menor ou

maior grau.
Talvez, devesse ser mais espontâneo, talvez, devesse me reencontrar.

Segunda-feira não marquei nenhum encontro com uma acompanhante,


tampouco fui embora cedo. Separei alguns relatórios sobre o nosso processo

de expansão para dividir com meu primo e, então, com uma boa desculpa
para oferecer um café para a equipe que trabalhava tarde da noite, apareci no

recinto, finalmente, encontrando aqueles olhos pelos quais procurei em todos


os lugares na última semana.
Erin estava fascinante usando óculos de leitura, através dos quais eu
acreditava até mesmo poder desvendar o seu olhar.
Ela era encantadora, como uma cerejeira coberta de neve no inverno.
O magnetismo que havia entre nós dois era inegável.
Estava cansado de resistir, indo até ela, mesmo sem saber como aquilo

acabaria.
Poucos dias se passaram da mesma forma que as folhas ressecavam,

ficavam douradas e caíam das árvores, de maneira gradual, suave, gentil e

luminosa.
A vida nunca me pareceu tão boa e estava encantada com tudo que
estava aprendendo.

Era bem verdade que meu chefe tinha costumes curiosos e que ele
queria mergulhar naquelas histórias, porque só assim conseguiria criar a

publicidade adequada. Ele precisava da equipe o tempo inteiro, porque queria


a tradução mais próxima quanto possível das intenções da autora.

Não era um trabalho fácil, principalmente, quando acabávamos na


madrugada lendo e relendo trechos, tentando compreender passagens

específicas dentro de contextos próprios.


Felizmente, a minha equipe era completamente dedicada, o que

tornava o trabalho menos exaustivo.


Samantha fazia um ótimo trabalho em me manter vestida
adequadamente para a empresa. Ela dizia que a roupa era o nosso melhor
cartão de visita e que uma boa aparência era essencial para alcançar qualquer
tipo de cargo. Já eu, que nunca dei muito valor para roupas, tinha certa
dificuldade de me acostumar com aquela nova persona.
— Eu nem acredito que criei essa belezinha — minha melhor amiga

falava enquanto eu experimentava algumas roupas que ela havia escolhido.


Eu não queria que ela gastasse mais dinheiro comigo, então ela apenas

me ajudava a selecionar peças de brechós, assim como ela fazia para si


mesma.

— Não seja convencida, eu também estou tendo que me esforçar


bastante. Você não fica impressionada com meus saltos? — falei com um

tom de orgulho e ela riu.


— Eu fico mesmo impressionada com isso e espero que continue

assim.
Seu rosto era cheio de alegria desde que consegui o trabalho e sabia o

quanto ela estava feliz por mim.


Quando comprávamos aquelas roupas tão bonitas, mas que já haviam

sido usadas, eu me sentia muito menos culpada pelo excesso de consumo. No


final das contas, toda aquela jornada em busca de uma imagem melhor

também me ajudou a melhorar minha autoestima e ganhar mais confiança.


Estava abismada e completamente apaixonada pela obra de Helena
Deméter. Era, realmente, tocante a forma como ela descrevia as heroínas das
suas histórias, como se aquelas mulheres pudessem ser qualquer pessoa em
nossa vida, como uma amiga, mãe ou irmã.
Cada vez que terminava de ler um trecho de qualquer um daqueles
livros, por mais que estivéssemos focados ainda no primeiro volume, eu me

sentia como se estivesse inserida naquele universo, como se estivesse cercada


pelo mundo sonhado por Helena.

Sempre pensava no quanto minha mãe amaria aquela coleção e ficaria


completamente realizada de finalmente assistir uma autora com origens

parecidas com as dela sendo um sucesso tão grande.


Meu pai escreveu uma carta na semana anterior, como de costume, e

enviou a cópia de uma foto antiga de nossa família. Coloquei aquele pequeno
objeto no meu nicho na sala da equipe de redação, ao lado da folha com a

bela caligrafia do meu pai.


“Minha pequena,

está fazendo um tremendo frio por aqui. Acho estranho esse clima fora
de época e isso atrapalha bastante o despertar pela manhã, mal posso

esperar pela aposentadoria!”


Poderia imaginá-lo dizendo aquelas palavras com uma risada no final.

“Preciso dizer novamente que estou muito feliz pela sua nova
conquista. Eu tinha certeza que não iria demorar até que você conseguisse se
aproximar das coisas que almeja. Sabemos que será uma longa caminhada,
mas conte comigo para acompanhá-la durante o percurso.
Estava mexendo numas coisas velhas e empoeiradas, e encontrei uma
resma de fotos bem antigas.
Essa era uma das mais bonitas, por isso fiz uma cópia, e espero que

você venha ver o restante comigo em breve.


Não lembro mais qualquer novidade que possa contar, afinal, você

sabe, não acontece muita coisa por aqui. Caso me lembre de algo, entrarei
em contato por aquele aparelho moderno, o telefone.”

Não pude deixar de sorrir enquanto o imaginava, em seu tom de voz


rouca e grave, pronunciando todas aquelas palavras.

“Com amor,
Papai.”

Ele sempre assinava da mesma forma, me arrancando uma expressão


de genuína felicidade em todas as vezes.

As cartas eram curtas e respondia da mesma maneira, ainda assim era o


combustível que precisava para seguir com minhas aspirações.

Não vi mais nem a sombra de Zackary Evenfort, como se ele tivesse


desaparecido com o vento, mas a realidade era apenas que trabalhávamos em

turnos opostos. Aquele fato me trazia um grande alívio e, aos poucos, podia
deixar de lado aquela imprudência que cometi, pelo menos achei que poderia.
Já passava das dez da noite e já estava com sono, porque estava
acostumada a dormir cedo, como uma criança. A expressão de Sebastian se
acendeu de alegria ao ver o primo, porque talvez eles também não estivessem
tendo tanto contato quanto gostariam.
— O que o meu irmão faz aqui? — Sebastian se levantou para dar um

abraço em Zackary e este entregou a ele um pequeno engradado com quatro


copos de papel.

— Vim ver como anda a equipe noturna. — Ele sorriu enquanto


acenava para os meus colegas, Milo e Violet, parando seu olhar sobre mim,

por alguns segundos. — Não sei do que vocês gostam, mas acho que um
pouquinho de chá é sempre uma boa pedida — ele falou com gentileza.

— É óbvio que eu preferia café, mas não vou reclamar, afinal você está
sendo legal comigo. — Sebastian deu um soco de brincadeira no braço de

Zackary, que ainda parecia meio distante. — Acho que isso significa uma
pausa, não é mesmo?

— Agradeço o chá, eu adoro. — Violet era cheia de olhos para o primo


do nosso chefe e aquilo parecia ser engraçado.

No final das contas, quem não olharia para ele?


Era o tipo de presença imponente e que chamava atenção de qualquer

forma.
— Senhor Evenfort, vou me retirar por um segundo então. — Eu me
dirigi a ele, temendo lançar o olhar sobre Zackary, como se aquele pequeno
contato pudesse provocar uma reação elétrica em meu corpo, o que sabia que
era a maior possibilidade.
— Fique à vontade, Erin. — Ele sorriu simpático e me dirigi para a
saída. — Essa menina trabalha muito.

Ainda o ouvi dizer ao longe enquanto me afastava.


Fui até o banheiro e passei um bom tempo parada dentro de uma das

cabines, apenas para me recuperar. Meu coração perdeu completamente o


compasso com aquela visita inesperada, era como se meu peito não pudesse

segurar meus batimentos e até a minhas artérias pulsavam com fúria.


Eu não sabia como prosseguir e esperava que ele já tivesse partido

quando voltasse para a sala. Lavei o rosto de maneira delicada, deixando que
a água fria me ajudasse a voltar para o meu lugar, mas, ao mesmo tempo, não

entendia o motivo de me sentir daquela forma.


Talvez fosse pelo meu envolvimento nada ortodoxo com um dos meus

chefes, ou talvez fosse pelo fato de que a beleza dele era intimidadora.
O homem já havia superado aquele deslize, mas ainda não conseguia

agir normalmente quando ele estava por perto.


Respirei fundo, como minha mãe me ensinou quando era pequena. Ela

sempre dizia que a melhor solução nas situações difíceis, era se concentrar no
primordial, deixar que o ar entrasse, fazendo seu trabalho, e depois fosse
embora, levando as ansiedades junto com ele.
Minha mão tocou a maçaneta com hesitação e saí sem pensar muito,
ajeitando a blusa social branca e alinhando a saia azul, mas quando ergui o
rosto tive a visão que perturbou cada pedacinho do meu cérebro.
Eu não havia sequer tido coragem de olhar com atenção quando ele

chegou até a sala, mas naquele momento era impossível não ver. Ele usava
um casaco pesado cinza e sobre ele uma camiseta preta. Sua calça era de

moletom e seu relógio dourado contrastava com o visual despojado.


Ele poderia se vestir daquela forma que continuaria parecendo

elegante e ainda teria um ar de beleza inalcançável.


Zackary Evenfort nem parecia de verdade, mas ele era e o sorriso em

seu rosto era real. Olhei para trás de maneira instintiva, como se esperasse
que ele não estivesse se dirigindo a mim, mas ele continuou me encarando de

maneira despreocupada.
Aquela não era a primeira vez em minha vida que desejava sair

correndo de um lugar e com certeza não seria a última.


— Boa noite. — Foi tudo que consegui dizer, mas minha voz era um

arremedo de si mesma.
— Como estão sendo as coisas com meu primo? Espero que ele não

esteja te fazendo trabalhar mais do que é sua obrigação — ele falou com
simpatia, de um jeito natural, enquanto eu ficava me perguntando como faria
para continuar com aquela conversa, mesmo que meu corpo se recusasse a
reagir de uma forma socialmente aceitável.
— Não, de maneira alguma. — Fiz o melhor que pude, mas não
consegui pensar em nada muito interessante para responder.
Ele ficou algum tempo em silêncio, olhou para o chão por alguns

segundos, até que finalmente começou a falar, por mais que tivesse muita
dificuldade em compreender qualquer coisa que deixasse seus lábios.

— Você me acompanharia por alguns minutos? O Seb pediu um


intervalo...

A proposta veio de maneira quase tímida e meus olhos se abriram


diante daquilo.

Eu não esperava.
— Eu não acho que possa, preciso continuar com o trecho que

estávamos analisando, porque vai fazer parte das peças publicitárias e... —
Comecei a falar desenfreadamente, mas ele me interrompeu muito

delicadamente.
— Prometo que não vamos demorar nadinha, só queria te mostrar algo

— ele prometeu de forma solene e não me senti em posição de negar.


Por maior que fosse meu nervosismo estava completamente atraída por

aquele homem, era impossível apenas dizer não.


— Tudo bem, mas preciso voltar logo — concordei finalmente,
enquanto um sorriso pequeno moldava meus lábios.
Zackary me guiou até o elevador de serviço e eu estava bastante
curiosa sobre onde estávamos indo. Ele apertou o botão de um andar que não
existia no elevador social, era um nível acima. Quando saímos não demorou
muito para que fossemos recepcionados por um céu de veludo azul-marinho,

cheio de estrelas e algumas poucas nuvens.


Estávamos no último andar, mais precisamente na cobertura.

O prédio não era muito alto, mas era alto o suficiente para que estar ali
se tornasse uma experiência deslumbrante.

O vento frio atingiu meu rosto e abracei meu corpo de maneira


automática.

Eu me perguntava o motivo de estar sendo levada até ali, queria saber


o motivo de Zackary ainda ter interesse em minha companhia apesar de tudo,

mas ainda não tinha respostas para aqueles questionamentos.


Senti uma peça de roupa pesada ser deixada com serenidade sobre

meus ombros e quando finalmente tive coragem de olhar para ele foi como
mergulhar em um universo que só nós dois conhecíamos.

— Muito obrigada. Esse lugar é encantador de noite. — Sorri com


satisfação.

Era aquele tipo de cenário que queria encontrar nos livros, tão
profundo e tão etéreo, absorvendo os protagonistas em panorama atraente e
arrebatador.
A forma com que os olhos de Zackary me esquadrinhavam não
chegava a ser desagradável ou constrangedora, era como se ele estivesse
prestando atenção em mim, como se quisesse realmente me ouvir e aquilo era
raro.

— Venha comigo — ele me chamou e logo estávamos próximos da


beirada, encarando o mundo abaixo e acima de nós.

O sono havia abandonado meu corpo quando ele apareceu de surpresa


e ainda estava bastante confusa com aquilo, pois aquele não era o turno em

que ele costumava trabalhar.


— Acho que já estivemos assim antes. — O sorriso em seu rosto era

pequeno e agradável enquanto seu olhar tocava o horizonte.


Era verdade que já havíamos nos encontrado daquela maneira. Nossos

corpos debruçados sobre um parapeito, enquanto nossas mãos repousavam


lado a lado, compartilhando o calor de forma sutil.

— Cheguei a pensar que nunca mais teríamos uma conversa direta —


pontuei com veracidade.

Eu não sabia mentir, nem conseguia conter certas declarações.


— Eu sei, eu também. — Ele assentiu com uma expressão reflexiva.

— Se me permite a pergunta, por que você está aqui agora? — Eu


realmente precisava entender, nem que fosse um pouco, o que estava
acontecendo.
Zackary até ali era uma figura completamente sedutora e interessante,
mas também misteriosa, embora, em seu olhar, pudesse decifrar muitas
coisas.
— Você quer a resposta educada ou a resposta sincera? — o homem ao

meu lado perguntou bem-humorado, com suas sobrancelhas se arqueando


para completar sua expressão.

— A resposta sincera, é claro — pedi enquanto finalmente conseguia


olhar para ele diretamente, me perdendo em seu brilho que era realçado pela

lua sobre nós.


— Eu queria conversar com você — ele falou com tanta simplicidade e

sem adendos, que continuei sem compreender.


— Sobre o quê? — perguntei um pouco preocupada.

— Sobre nada. Sobre tudo. — Ele deu de ombros e seu rosto parecia
estar reflexivo.

— Bom, eu... Pensei que o nosso incidente nos impedisse disso. —


Meu rosto estava em chamas quando terminei a frase e me arrependi de

imediato de ter dito aquilo, me sentindo um tanto estúpida.


Zackary sorriu e tive medo de parecer boba na frente dele.

— Erin, veja bem... — Seu corpo se virou para mim, enquanto


aspirava o perfume que seu casaco, ainda aquecida pelo calor dele, exalava.
— Não existem tantas pessoas interessantes no mundo quanto você pensa.
— Preciso discordar disso, pois acho que todas as pessoas têm alguma
coisa de interessante. — Sorri com o pensamento.
Meu pai sempre falava que todo homem tem pelo menos uma boa
história para contar, basta apenas saber como puxar dele.

— Okay, talvez o seu pensamento esteja certo... Mas, para mim, você é
especialmente interessante, doce e tem essa forma afetuosa de lidar com tudo

ao seu redor.
— Bom, não sei o que dizer... — falei baixinho enquanto sentia todo

meu corpo formigar.


Aquela proximidade entre nós dois não era saudável para o meu

coração já debilitado pelo excesso de esforço.


— Eu não deixaria de passar um tempo com você por causa de alguma

regrinha idiota. — Ele deu de ombros.


Aquele Zackary era completamente diferente do que conheci, pois, ele

parecia estar muito mais vivo, cheio de motivação e até a forma com que seus
olhos faiscavam era diferente.

— Eu não entendo — murmurei olhando para os pés.


Os sapatos de salto alto me deixavam mais elegante, mas, ao mesmo

tempo, atrapalhavam o equilíbrio e ainda tinha a voz de Sam me afligindo,


como sempre.
“Energia de mulher gostosa.”
Eu tinha tanta vergonha quando ela começava a falar aquelas coisas,
mas era o que me fazia acordar para a vida de vez em quando.
— Como não, Erin? Eu só acho que deveríamos nos conhecer melhor.
— Ele foi simples e direto.

Um redemoinho bagunçava minha barriga, enquanto tentava explicar


para mim mesma que aquele homem estava demonstrando interesse em mim.

“Aquele homem.”
— Sua regra é bem clara — citei sem me envergonhar e ele mais uma

vez sorriu, como se aprovasse minhas palavras. — Eu não sei se isso é


apropriado... — Tentei dizer, mas não tive muito tempo, pois meus lábios

foram tomados pelos dele.


Demorei uns bons segundos para processar aquele movimento, para

acompanhar a passagem da boca daquele homem junto a minha. Fiquei


paralisada e a forma com que ele segurou minha cintura apenas me deixou

ainda mais perdida em toda a cena.


Era Zackary Evenfort e ele estava realmente me beijando!

Ele havia me procurado, estava tirando meu fôlego, devorando


qualquer sanidade que ainda existia em mim. Tudo que pude fazer foi me

entregar ao seu calor, a sua respiração tão descompassada quanto a minha.


Estava no paraíso e com medo de que precisasse descer da nuvem a
qualquer momento. Enquanto ele me tocava, dominando meus lábios com
devoção, era como se o tempo estivesse completamente parado, como se o
mundo do lado de fora não existisse, até mesmo como se aquela multidão de
estrelas não estivesse nos assistindo.
Não sei quanto tempo aquele beijo durou, mas foi o suficiente para

abalar qualquer estrutura que pudesse estar mantendo até ali.


Quando ele se afastou já não me lembrava muito bem como respirar,

então nos olhamos de maneira profunda e era como se disséssemos tudo


através daquele silêncio, através daquela conexão que precisaríamos admitir

em algum momento.
Sem querer fui transportada por aquela noite que dividimos, não fazia

muito tempo e ainda estava bem viva na minha memória, como uma
lembrança especial, uma lembrança repleta de sons, cheiros e cores.

Zackary parecia estar pensativo enquanto ainda mantínhamos aquela


curta distância e o seu polegar acariciava minha bochecha com gentileza

fazendo com que arrepios percorressem todo meu corpo, até ele depositar um
último beijo em meus lábios, tão rápido, superficial, carinhoso...

Eu não queria que acabasse daquela forma, por mais que fosse contra
todos os meus princípios. A culpa me atingia de certa forma, mas a presença

daquele homem me consumia com muita força e estava sempre indo em


direção a ele.
— É o que sempre falo na minha cabeça, mas, afinal, regras existem
para serem quebradas, não é mesmo? — ele falou com um sorriso
convincente, enquanto tentava sustentar meu peso sobre as pernas.
Os olhos de Erin estavam fixos nos meus e seu rosto era uma pintura
sob a fraca luz noturna. Podia sentir a energia flamejante que transitava entre

nós, como se todas as estrelas de todas as galáxias nos iluminassem.

Um momento de silêncio pairou sobre nós dois depois que, em um


momento de insanidade, decidi quebrar minha regra.
A expressão no rosto dela era cheia de dúvida, mas um fervor

incontrolável havia me levado até ali e não tinha a intenção de voltar atrás.
Havia uma tempestade acontecendo nos meus pensamentos desde o

retorno da fazenda no dia anterior. Sabia que precisava fazer algo e não foi
tão simples assim adquirir coragem, porque aquilo era diferente de tudo que

vivi por um bom tempo.


Por anos, levei uma vida de relacionamentos superficiais, mas, naquele

instante, estava repensando tudo e imaginei que poderia pelo menos tentar
conhecer uma pessoa. Estava totalmente perdido naquelas ponderações,

mergulhado até o último fio de cabelo em apreensão.


Um frio estranho permeava meu interior, recobrindo cada milímetro de
todas as minhas estruturas, já abaladas.
Não era comum que me sentisse inseguro, sempre tentava estar um
passo à frente de tudo, mas não ali. Aquilo era novo e assustador, mas, ao
mesmo tempo, era instigante.
Não sabia o que esperar de Erin e aquilo me matava.

— Erin, desde a noite em que te conheci, pensei muito sobre você.


Fazia muito tempo que não me entregava ao imprevisto daquela forma, como

se pela primeira vez, em muitos anos, pudesse ser eu mesmo. Eu não quero
que se sinta pressionada de jeito nenhum, só queria dizer que talvez a gente

pudesse passar algum tempo juntos... — Acabei por me interromper antes


que falasse mais ainda.

Estava nervoso e aquilo fazia com que tagarelasse.


Ela estava pensativa e seu rosto era um enigma completo.

Eu não estava acostumado com aquele bombardeio de emoções, por


isso apenas me concentrei em manter a postura centrada, por mais que não

fosse meu estado de espírito atual.


— Senhor Evenfort... — Ela pareceu ponderar, mas o tom formal de

suas palavras me desanimou. — Eu não posso. Eu sei que cometemos um


erro, mas não pode ocorrer mais uma vez. Isso não é certo e esse trabalho é

muito importante pra mim. Eu nem sei o que faria se perdesse essa
oportunidade. Eu sinto muito. — Seu olhar era quase desesperado, assim
como eu também começava a sentir certa aflição. — Aquela noite foi
realmente especial. — Suas bochechas adquiriram certo tom avermelhado,
enquanto um sorriso perdido decorava suas faces. — Mas preciso dizer que,
na verdade, algumas regras precisam ser mantidas, para nossa proteção. —
Ela suspirou cansada.

A magia do beijo se esvaía, ao mesmo tempo, em que via qualquer


oportunidade de transformar aquele sentimento em qualquer coisa mais

sólida, ou de ao menos tentar fazer algo do tipo.


Ela estava completamente certa e eu estava cometendo uma

imprudência. Ela estava sendo perfeitamente razoável em suas colocações,


mas a realidade era que aquilo pouco me importava. Claro que meu trabalho

era minha vida e jamais pretendi misturar aqueles assuntos, entretanto,


também nunca pretendi cruzar com aquela mulher que me provocava os mais

estranhos impulsos, que fazia com que questionasse tudo em que acreditava.
— Você tem namorado ou alguma coisa do tipo? — perguntei embora

tivesse me arrependido depois, porque aquilo poderia soar ofensivo para ela.
— É claro que não, eu só... O senhor é um homem gentil, mas não

poderia arriscar tanto, por mais que seja difícil. — Ela sorriu mais uma vez,
um sorriso quase imperceptível, enquanto desviava o olhar para seus pés mais

uma vez.
— Você não precisa me chamar de senhor, Erin. — Tentei, mas ela
balançou a cabeça levemente.
— Eu acho mesmo, que é melhor assim. — Seu rosto denunciava certo
pesar, mas claramente ela estava decidida, tão decidida que em momento
algum pareceu hesitar. — Boa noite, senhor Evenfort, preciso voltar para a
sala — ela concluiu em um tom institucional e se retirou tão rápido quanto

surgiu em minha vida.


Eu apenas assisti enquanto Erin se deslocava e a observei enquanto ela

saía do meu campo de visão.


Era devastador levar o primeiro fora em anos.

Sorri, sem humor algum para mim mesmo, com aquela novidade.
“Patético, Zackary!”

Percebi que passei tanto tempo em uma bolha, preocupado apenas em


me preservar do mundo, evitando os arranhões que meu coração poderia

sofrer por causa da decepção, que já nem sabia mais me portar quando
precisava encarar pessoas de verdade, pessoas que não estavam por perto só

por causa de algum tipo de remuneração.


Aquilo tudo era muito maior do que eu mesmo.

Nem sequer recordava o quanto aquela coisa era complicada, mas não
permitiria que aquilo tirasse a minha motivação, porque a forma com que me

sentia era tão diferente que sabia que poderia valer a pena.
Resolvi continuar visitando Sebastian no turno da noite de vez em
quando, enquanto dava algumas desculpas, afinal não queria parecer algum
tipo de stalker. Vez ou outra esbarrava com Erin, que parecia ficar mais
bonita a cada dia que passava, mas ela continuava na defensiva, sempre
agindo de maneira bastante formal na maioria das vezes.
Enquanto meu trabalho estava muito adiantado, a equipe que apoiava

Sebastian no projeto precisava trabalhar cada dia mais pesado, quanto mais a
data de lançamento programada se aproximava.

Meu primo parecia estar enlouquecendo e o via muito pouco, exceto


pelas vezes que fui visitá-lo em seu turno da noite.

Depois de muita frustração, principalmente, porque não conseguia ver


como solucionar meu problema com Erin, decidi encontrar Sebastian de

manhã, que era o horário em que ele ia embora na maioria das vezes, porque
quando eu chegava, ele estava indo para casa.

— Seb, o que você faria se, supostamente, quisesse convencer uma


mulher a te dar uma chance? — Estava hesitante em fazer a pergunta, mas era

muito ruim não ter com quem conversar sobre aquele assunto, por mais que
pudesse parecer bobagem.

— Qual o nome dessa “suposta” mulher? — Ele fez aspas no ar,


dobrando os dedos indicadores e médios das suas mãos.

— Se existisse um nome não seria suposição — menti, enquanto


apoiava o queixo em uma das mãos e esperava alguma resposta.
— Você anda esquisito, Zackary. Ficando até tarde aqui, aparecendo
de surpresa na minha sala, evitando seus pequenos encontros. O que está
acontecendo, senhor Evenfort? — A postura de Sebastian era inquisitiva.
— Você poderia apenas responder minha pergunta, em vez de
questionar? Isso é muito chato mesmo — reclamei e ele rolou os olhos,

impaciente.
Bocejei longamente e cobri o rosto com as mãos.

Estava exausto.
Meu pequeno plano não estava funcionando muito bem.

— Algumas pessoas não são noturnas e tudo bem — Sebastian falou


dando de ombros.

Já passava das seis da manhã e tinha madrugado apenas para encontrar


com meu primo no horário que ele costumava terminar seu expediente.

— Como a sua equipe? Aquela que você obriga a ficar aqui até tarde
da noite? — falei ainda sonolento.

— Que absurdo! Pagamos adicional noturno por isso. — Ele parecia


estar indignado.

— Dinheiro não resolve tudo — comentei enquanto meus olhos se


fechavam contra minha vontade.

— Você acha que estou sendo desagradável? Uma pessoa ruim? —


Meu primo estava definitivamente preocupado e com minhocas na cabeça,
mas, no fundo, eu estava mesmo com raiva do fato dele ter tirado Erin do
meu alcance.
— Não uma pessoa ruim, uma pessoa horrível! — confirmei e ele fez
um gesto de chateação.
— Você está brincando comigo, não é? — ele bufou e relaxou na

cadeira. — Bom... — ele murmurou pensativo. — Esse assunto deve ser


mesmo importante se você chegou tão cedo para isso.

— É claro que cheguei cedo! Eu não vejo mais você.


— Ah, meu irmãozinho, você não vive mesmo sem mim, né? — Ele

tinha um tom de convencimento e foi a minha vez de rolar os olhos. — Eu


fico feliz que você tenha vindo, assim podemos tomar um ótimo café da

manhã enquanto te conto todos os meus segredos. — Sebastian estendeu uma


mão para me ajudar a levantar e fomos caminhando enquanto ele continuava

suas divagações.
Não demoramos muito para chegar até a “nossa” cafeteria e sermos

servidos com a mesma fartura costumeira. Meu primo só decidiu realmente


me responder quando já estava com seu café em mãos.

Ele não funcionava sem o seu “elixir”.


— Sabe, se você precisa convencer uma mulher a te dar uma chance é

porque ela não gosta tanto assim de você. Eu nunca precisei fazer isso,
porque elas caem matando em cima de mim.
Precisei rir com aquela revelação fenomenal, pois sabia que ele falava
aquelas coisas para melhorar meu humor.
— Não seja ridículo — falei ainda rindo.
— É sério! Meu charme é infalível.
— Claro que é — concordei com uma pontada de ironia. — Agora, por

favor, só me diz alguma coisa útil — quase implorei. — Imagine que é


possível que essa mulher goste de você sim, mas que ela tenha receio por

causa de fatores externos e não queira sequer dar uma oportunidade.


— Que tipos de fatores externos são esses? Família, religião? Depende

muito. Acho que é importante mostrar que essa possível aproximação vai ser
mais benéfica do que prejudicial. Você precisa mostrar que é um adendo na

vida dela, sabe?


— Faz sentido... — respondi reflexivo, tentando afastar o sono do meu

corpo. — Como alguém tão sensato pode escolher tão mal? — falei com o
objetivo de provocá-lo.

Mas Sebastian não ligava, sempre falou que o coração era seu ponto
fraco.

— A gente não percebe o que há de errado quando gostamos de uma


pessoa. É uma cegueira do bom-senso, parece que a gente enxerga tudo com

uma maquiagem. Uma merda! — Ele suspirou, porque entendia bem daquilo.
Eu também entendia aquele tipo de frustração e cegueira, mas era
estranho pensar que estava tão imerso nas minhas questões atuais que sequer
havia pensado sobre meus medos, o motivo de ter me fechado para os
relacionamentos. Era esquisito, mas só, naquele exato segundo, percebi que
não pensava mais em Emily.
Depois de tantos anos, não sentia mais nada por ela, nem raiva. Era

como se todos aqueles sentimentos que um dia foram tão intensos tivessem
evaporado, como se nunca tivessem existido.

Tentei me lembrar como era estar apaixonado por ela e nada. Tentei
lembrar também como era doloroso pensar sobre ela depois do que

aconteceu, mas, simplesmente, me senti apático sobre aquilo.


Foi uma epifania e tanto.

Esquisito.
Aquela era uma dor que me afetou de uma maneira profunda e era

como se tivesse me apegado ao sentimento negativo, apenas para não


esquecer a lição que aquela situação me ensinou, mas até aquilo começava a

parar de fazer sentido. Talvez, já não fizesse sentido havia muito tempo,
embora só começasse a perceber ali, vendo Sebastian devorar seus croissants.

— Como posso mostrar isso já que essa pessoa não quer que me
aproxime? Ou melhor, o que você faria se a suposta pessoa não quisesse

aproximação? — Eu me corrigi sem graça e ele riu, ao mesmo tempo, em que


me analisava.
— Você pode criar situações e proporcionar esses momentos, mas ficar
aparecendo do nada nem sempre é o suficiente, Zackary — ele falou e senti
meu rosto esquentar.
Sebastian não pensava nem duas vezes antes de me expor.
— Você sabe que no amor e na guerra é preciso ter estratégia, seus

movimentos precisam ser calculados.


Ele realmente falava como quem entendesse do assunto.

Pensando bem, ele estava certo. Cada vez que cruzava com Erin, a
sensação era de que as coisas estavam estranhas. Ela me lançava um olhar

constrangido e eu ficava me perguntando o que poderia dizer apenas para


puxar assunto.

Mas ela estava tão distante, totalmente na defensiva.


Não passávamos mais do que alguns minutos juntos, então, decidi que

precisava realmente fazer algo sobre aquilo.


— Zack, você passou a sua vida inteira se tolhendo, se impedindo de

agir como gostaria. Meu irmão, isso não é bom, sabe? Eu sei que não tenho
as melhores experiências do mundo. — Ele ergueu as mãos, como num breve

gesto de rendição, o que me fez sorrir. — Mas, apesar de todos os meus erros,
pelo menos sei que não deixei de fazer o que sentia. Eu não precisei ficar me

atormentando o tempo inteiro com aquele pensamento de “e se?”.


Ouvir tudo aquilo me deixou pensativo por um bom tempo e levei
praticamente o resto do dia refletindo sobre tudo, além de que estava caindo
de sono, claro. Aquelas incursões que me faziam dormir bem mais tarde e
acordar muito mais cedo, estavam fazendo um mal terrível para o meu
relógio biológico.
Decidi que precisava mesmo abandonar aquele roteiro que repetia

todos os dias e começar a jogar com a sorte. Talvez, pudesse ser surpreendido
de uma forma positiva pela primeira vez e se, no final, tudo desse errado,

ainda poderia dizer que ao menos tentei, em vez de simplesmente me


acovardar com a ideia de que as coisas nem sempre funcionavam como

gostaria.
•••

Na terça-feira decidi fazer uma coisa diferente e, sabendo o horário que


a equipe iria embora, me programei para que funcionasse perfeitamente.

Claro que Sebastian me ajudou com aquilo e me senti bem mais leve depois
de compartilhar meu pequeno “segredo” com alguém.

Deixei um convite para um café da manhã em um restaurante grego e


ao lado do convite um bilhete pedindo para que ela me encontrasse.

O papel era bonito e a diagramação era elegante.


Havia certo nervosismo me corroendo enquanto aguardava na entrada

principal da nossa sede.


Se ela viesse ao meu encontro ficaria muito feliz, mas se ela decidisse
não aparecer iria me conformar.
Os minutos que se passaram pareciam muito mais com horas e
imaginei que tivesse metido os pés pelas mãos, que aquilo talvez fosse um
passo muito grande, que ela talvez ficasse até ofendida com a ideia, mas tudo
desmoronou quando a vi, resplandecente e linda, vindo em minha direção.

Eu me levantei imediatamente do sofá em que estava esperando e me


desgastando em um mar de dúvidas.

Erin sorriu com doçura e parecia estar um pouco tímida.


— Bom dia, achei seu convite. — Ela olhou para mim e depois para

suas mãos, então seus lábios comprimiram em um gesto nervoso. — Queria


agradecer, mas não sei se... — Ela começou, me deixando aflito e preocupado

em não perder a oportunidade.


— Bom dia, Erin. Prometo que isso é completamente profissional —

falei um pouco hesitante e o sorriso que brotou em seu rosto dela foi
impagável.

Completamente profissional.
— Imaginei que um café da manhã grego iria ajudar a entrar ainda

mais na ambientação do nosso projeto atual. — Sorri com uma pontinha de


presunção em meu rosto e a vi corar de uma maneira que não era nem um

pouco saudável para minha saúde mental. — Vai ser perfeito, porque você
está terminando seu turno e vou ter tempo de voltar para o meu. O que acha?
— Procurei soar convincente e ela pareceu se render, pelo menos um pouco.
— Tudo bem, mas não posso demorar muito — ela pontuou e não pude
evitar uma expressão de vitória e empolgação, o que a deixou de bom humor
também.
Aquela coisa de “mudar o roteiro”, às vezes, parecia ser como uma

roleta russa.
O restaurante não era tão longe e me senti levemente tenso durante a

viagem, como se fosse um garoto dirigindo para um primeiro encontro, mas,


ao mesmo tempo, me sentia satisfeito, como se tivesse conseguido um

enorme avanço. Eu teria a oportunidade de conversar com Erin sem tantas


pessoas por perto e poderia simplesmente olhar para ela por um tempo.

A luz da manhã sobre os olhos dela era espetacular, como se toda a


beleza do mundo tivesse sido despejada naquele rosto, como se os raios

solares fossem refletores apenas para enfatizar aquela obra de arte.


— Obrigada por essa gentileza, é muito agradável. — Ela parecia estar

encantada quando finalmente nos instalamos em uma das mesas.


— Sou eu quem agradeço por ter aceitado me acompanhar — falei de

maneira afetuosa, tentando mostrar o quanto estava feliz.


Toda a decoração daquele ambiente era clara e transmitia leveza. O

cardápio tinha uma enorme variedade e fiquei impressionado com todos


aqueles pratos que nunca ouvi falar anteriormente.
— Se não fosse por você, acho que jamais iria parar pra conhecer mais
sobre essa cultura.
Erin parecia estar empolgada enquanto analisava todas as
possibilidades gastronômicas que aquele lugar oferecia e aquilo me deixou
orgulhoso, porque indicava que fiz uma boa escolha.

— Minha nossa, eles têm loukoumades! Minha mãe sempre fazia para
o café. — Seus olhos brilhavam.

— Do que se trata? — perguntei com curiosidade.


— São bolinhos doces, fritos e com uma camada de mel além de

canela ou gergelim no final, coisa simples, mas uma delícia... Ah, café grego!
Quanto tempo... — Ela falou, ainda admirada, e tudo que podia fazer era

observar com encanto.


Passamos um tempo relaxante naquele lugar e, para mim, era

satisfatório apenas estar na companhia daquela garota tão doce, tão única. Ela
comentava sobre o quanto o café era importante para a cultura grega e que

adoraria que alguém fizesse a leitura do seu café, o que me deixou surpreso,
porque não era algo que conhecia.

— Podemos chamar de tasseografia e morro de curiosidade. Eu mal


posso esperar para conhecer a Grécia pessoalmente, são tantas coisas

interessantes. — Ela parecia estar mesmo apaixonada por tudo aquilo.


— Bom, não sei como ler o café, mas acho que consigo perceber
algumas pequenas coisas só de olhar para você — falei de maneira
espirituosa e ela me encarou com uma expressão cheia de expectativas.
O clima entre nós dois era de leveza e descontração.
— E o que você percebe?
Os olhos azuis no belo rosto estavam direcionados para mim.

— Percebo que você tem um futuro brilhante e que... A sua vida está
prestes a mudar — completei de maneira cômica e a fiz rir com minha

previsão fajuta e genérica. — A nossa vida... — murmurei quase sem notar,


enquanto seus olhos caíam sobre a mesa e suas mãos se mexiam levemente.

Ainda não sabia muito bem o que era, mas algo estava acontecendo e
estava contente com aquilo.
Sabia exatamente o que ele estava tentando fazer e aquilo me deixava

completamente perdida. Nunca, durante toda minha vida, um homem havia se

aproximado daquela forma e Zackary estava deixando claro com suas atitudes
que estava empenhado em fazer aquilo.
O café na mesa, as conversas bobas e cheias de sorrisos, a forma com

que ele me olhava por um bom tempo, de um jeito profundo, mas que, ao
mesmo tempo, não era desconfortável. Gostava da maneira com que me

sentia ao estar perto dele, como se a vida fosse simples e as coisas pequenas
fossem incríveis.

Tudo o que queria era aproveitar aquele sentimento, sem que a


preocupação e a culpa viessem me afligir, mas era muito complexo.

Zackary quis experimentar vários pratos do cardápio e fiquei


impressionada com a fome que ele sentia, enquanto meus pensamentos me

levavam, contra minha vontade, para lugares obscuros, onde seu apetite voraz
também se destacava.
Sacudi a cabeça, como se tentasse apagar aquele pensamento, que fazia
com que minha pele se arrepiasse.
— É estranho pagar para consumir esse tipo de comida, porque minha
mãe sempre fazia em casa — falei de maneira despretensiosa, ainda
admirando aquele lugar e tudo ao nosso redor.

O cheiro no ar era como uma viagem nostálgica e era levada


imediatamente para um passado onde meu pai e minha mãe faziam com que

os domingos fossem dias maravilhosos, aconchegantes, felizes. Passava a


manhã inteira assistindo desenhos animados na TV e, quando a tarde

chegava, nos sentávamos à mesa, apenas nós três.


A nossa casa sempre teve apenas três moradores, mas era como se um

exército vivesse ali, porque meus pais sempre preenchiam cada espacinho
com suas personalidades cativantes. Meu pai saía para pescar e voltava feliz

com seus peixes, nós três cozinhávamos juntos ou algo parecido, porque o
que eu fazia na maior parte do tempo era experimentar tudo e perguntar se

ainda iria demorar muito para ficar pronto.


Tudo o que sabia era que aquilo tudo fazia com que me transportasse,

através da memória, para um lugar onde me sentia segura e satisfeita.


— Sua mãe devia mesmo ser uma pessoa interessante — Zackary

comentou.
— É perceptível que era muito apegada a ela — respondi com timidez.
Não queria ser o tipo de pessoa que falava sempre do mesmo assunto,
mas era difícil não comentar sobre aquelas coisas, porque era assim que
mantinha a lembrança dela viva, através dos pequenos momentos em que ela
se fazia presente a cada dia.
— Eu gosto de ouvir sobre sua vida, me parece... — Ele pausou a

frase, como se procurasse a palavra correta. — Acolhedor. — Sua expressão


era solene e sorri de maneira sincera.

Aquela era realmente uma boa palavra.


— Eu também me sinto assim quando falo sobre esse tipo de coisa,

como se fosse uma espécie de cápsula do tempo, entende? — Tentei me


explicar.

— Entendo perfeitamente e também me sinto assim quando vou até à


fazenda, como Sebastian disse naquele dia, passamos boa parte da nossa

infância naquele lugar, então sempre que volto é como se pudesse rever meu
pai, apesar dele ter partido há muitos anos — ele falou com tranquilidade e,

pela primeira vez, o via se abrir de maneira natural.


— Eu sinto muito. — Foi tudo que pude dizer.

— Agradeço, mas já estou naquela fase mais avançada do luto, onde


consigo distinguir melhor as coisas e a tristeza se transforma em saudade.

— Sim, é assim mesmo. — Sorri com a colocação.


Naquela conversa percebi melhor sobre o quanto Zackary era capaz de
ser sensível e que, por trás daquela figura imponente, havia um homem cheio
de sentimentos e que também tinha uma história em seu passado, uma
história que não envolvia apenas sucesso e dinheiro, mas também sofrimentos
e cicatrizes.
— Foi uma luta bem grande para chegar até aqui, mas vamos vivendo

um dia de cada vez, não é verdade? — Foi o que falei, recebendo um sorriso
singelo da parte dele.

— Eu admiro a sua luta, Erin. Você está sempre de cabeça erguida e


nunca reclama, acompanha até o pique do meu primo, o que definitivamente

não é para qualquer pessoa.


Não pude conter meus lábios, que se curvaram em um sorriso, ao ouvir

aquele elogio.
Tudo parecia ser mais leve enquanto passávamos aquele tempo juntos,

como se nos conhecêssemos havia muito tempo, como se precisássemos nos


conhecer mais ainda.

•••
Samantha entrou em um surto completo quando contei o que havia

acontecido. Como sempre ela parecia até mais animada do que eu com as
coisas que aconteciam em minha vida.

— Eu. Não. Acredito! — ela falou cada palavra de maneira pausada,


saboreando o som delas. — Um café da manhã grego! — ela exclamou e em
seguida cobriu a boca, como se abafasse seu riso.
Minha amiga era efusiva e aquilo era contagiante.
— Sim, ele foi tão atencioso e conversamos tanto. — Tentei ser direta
e não soar como uma menininha sonhadora, mas era difícil manter as coisas
impessoais quando tudo que queria era poder imergir nas minhas fantasias.

— Esse cara tá muito na sua — Sam falou com toda a certeza do


universo enquanto tentava me controlar para me manter com os pés no chão.

— Não! Ele só quis ser gentil, eu tenho certeza. Um homem como


aquele nunca iria se interessar por uma garota como eu. Provavelmente, é só

uma coisa física, você sabe. — Suspirei com a constatação.


— Erin, a quem está tentando enganar? Esse homem quer

desesperadamente agradar você.


— Meu Deus, Sam! Como você é iludida! E eu sou a ingênua aqui? —

falei enquanto ria das suas palavras.


— Pensa nos detalhes da situação, ele se aproximou de você na semana

passada e se beijaram! — Pausa para mais um pequeno surto ao lembrar


daquilo. — Depois disso você deu o maior fora nele e agora está dedicado

em te conquistar.
— Não foi um fora e ele não quer me conquistar. Pode ter algo a ver

com ego, eu não sei... — Dei de ombros.


Homens como os Evenfort não deviam ouvir “nãos” com frequência.
— Eu tenho a sensação de que é mais do que isso, afinal vocês já são
conhecidos íntimos.
Sua entonação fez meu rosto corar.
— Então sabemos que não é só por sexo.
— Bom, não sei quais são as reais intenções dele, mas sei que estou

destruída e preciso, urgentemente, dormir — falei enquanto deixava um


bocejo escapar por entre os lábios.

— Você tem trabalhado muito, não é? — ela perguntou com um olhar


de solidariedade.

— Sim, temos muito que fazer ainda, por mais que tudo esteja
correndo muito bem. É complicado lidar com pessoas perfeccionistas — falei

com um pequeno sorriso, pensando em Sebastian.


— Eu não gosto do seu chefe, ele parece um doido — minha amiga

falou com certo rancor, apesar de nem sequer conhecê-lo e apenas ri com
aquilo.

— Ele é uma pessoa muito boa, não é um doido — falei de bom


humor. — Eu também sou perfeccionista e quero que esse livro fique lindo

quando for lançado... Eu vou ficar tão orgulhosa — completei com um olhar
sonhador.

Só de pensar no lançamento daqueles livros já me deixava muito feliz,


pois mal havia começado e aquele já era o trabalho da minha vida.
— Bom, espero que isso seja verdade, porque você é muito boazinha e
tem a tendência a deixar as pessoas te explorarem — ela falou séria, mas eu
sabia que aquilo tudo era só preocupação.
— Nunca estive tão feliz desde que minha mãe me deixou, pode
acreditar — expliquei com cautela e ela balançou a cabeça em concordância.

— Se isso é mesmo verdade, então também estou feliz. Agora vou


deixar você descansar e irei cuidar da minha vida como as pessoas normais

fazem, não os morcegos — ela falou antes de se despedir e me deixar


bocejando mais uma vez.

Quando me deitei fiquei um bom tempo pensando sobre tudo que


aconteceu entre Zackary e eu, porque era estranho o quanto nos

conectávamos tão facilmente, por mais que quase nunca nos víssemos.
Era quase assustador lembrar do beijo, daquela noite fria, o café da

manhã tão agradável e o quanto conversamos. Ele esteve tão perto de mim e
era como se sua marca estivesse impressa na minha pele para nunca mais sair.

•••
Depois daquele dia extremamente agradável, descobri que possuía um

admirador secreto, nem tão secreto assim. Todos os dias, alguma coisa era
deixada sobre minha mesa, geralmente uma flor que parecia ter sido

arrancada de algum canteiro e um bilhete com mensagens simples como:


“tenha um ótimo dia”.
Aquelas pequenas lembranças carinhosas eram extremamente singelas
e faziam meu peito se expandir a cada dia que ia embora depois de um turno
cansativo, aliás, trabalhar no horário da noite era desafiador, até para mim.
Qualquer tipo de conforto era bem-vindo e sempre sorria de um jeito
bobo quando me deparava com aquilo.

Durante a semana as flores continuaram chegando, até que no sábado


de manhã, afinal meu turno da sexta-feira só acabava no dia seguinte, não

havia presente. Aquilo me causou uma leve frustração instantânea, ao mesmo


tempo, em que me punia por saber que não deveria estar esperando por nada

daquilo.
De qualquer maneira, quando fui pegar minha bolsa, vi que, apesar de

não haver flor alguma, havia um envelope com um novo convite. Aquele
convite era para um jantar naquela noite e meu coração disparou ao

compreender o conteúdo.
Eu não sabia o que fazer, porque estava preocupada com meu

emprego, mas, ao mesmo tempo, desejava corresponder com todas as minhas


forças a todas aquelas investidas e me aproximar de alguma forma, mesmo

que fosse só um pouquinho.


Não, não era certo e me convenci de que deveria pôr um fim em tudo

aquilo. Não deveria aceitar convites nem flores, deveria apenas estabelecer
limites rígidos que me impedissem de errar.
Precisei respirar fundo algumas vezes antes de criar coragem. Estava
vivendo meu sonho e não poderia deixar que aquela paixonite, ou o que
fosse, me atrapalhasse ou colocasse tudo em risco. Com as mãos trêmulas,
peguei minhas coisas e me dirigi até o elevador.
Dentro daquele invólucro prateado me senti desprotegida e assustada,

sem saber muito bem como agir.


Bati com delicadeza à porta com meus punhos fracos em contato com a

superfície rígida.
O prédio estava quase vazio, pois era cedo demais.

Pensei sobre o fato de que ele vinha antes do horário apenas para me
fazer pequenos agrados e aquilo fez meu peito afundar mais uma vez, fez

com que tivesse mais certeza ainda de que estaria certa em me afastar.
Ele permitiu que eu entrasse e o fiz.

O rosto de Zackary se iluminou quando me viu, senti que minha


presença o deixou alegre e aquilo também me afetava profundamente, porque

a presença dele também me causava sensações que nem poderia descrever,


porque me desestabilizavam completamente.

— Bom dia, senhor Evenfort — falei de maneira formal, comprimindo


meus lábios com força, por estar nervosa demais.

— Bom dia, Erin, que bom te ver. — Seu sorriso era bonito,
resplandecente.
Ele se levantou e se aproximou já que parei no meio do caminho entre
a porta e sua mesa.
— Espero que tenha gostado do convite.
Zackary parecia estar esperançoso por mim e aquilo era demais para
lidar, ainda mais com a proximidade entre nós dois.

— Eu não sei se devo, senhor... — Tentei me pronunciar, mas ele


tocou meus lábios delicadamente com seu dedo indicador e meu coração se

debateu.
— Por favor, não me chame mais assim — ele insistiu e movi a cabeça

em concordância.
— Tudo bem. — Sorri. — É só que não posso ir jantar com você,

também não posso aceitar flores e bilhetes. Não posso fazer isso.
Não estava me fazendo de difícil, nem queria parecer inalcançável para

conquistá-lo, só estava desesperada e em um conflito que não conseguia


resolver em meus pensamentos.

Era quase doloroso ter que dizer não, era ir completamente contra tudo
que mais desejava, mas precisava.

Seus olhos eram convidativos, mas com minha negativa, ele pareceu
um pouco frustrado, embora não tenha insistido.

— Eu peço perdão, Erin. Eu não pretendo mais... Eu não quero ser


desagradável — ele declarou polidamente e suspirei com meu coração
começando uma corrida desenfreada.
Estava apavorada com a ideia de que ele desistisse, de que nunca mais
tivéssemos qualquer oportunidade de estar tão próximos.
Estava tão dividida, assustada em cometer outro erro, afinal sempre fui
tão centrada, tão organizada, fazendo as coisas da maneira mais correta.

Mas lá estava meu peito queimando e minha cabeça cheia de


pensamentos que não podia controlar...

Querendo apenas que a vida fosse mais simples, querendo ser mais
desprendida e audaciosa.

— Zackary... — chamei, embora a entonação da minha voz soasse um


pouco oscilante. — Por favor, eu...

Não precisei dizer ou justificar minhas palavras, pois ele estava ali,
completamente imerso na nossa atmosfera e tinha quase certeza que poderia

sentir a vibração das nossas respirações pesadas, como se fosse difícil


executar as funções mais simples para um corpo humano.

Estávamos mais perto ainda depois que o chamei. Ele esperava que
falasse algo, mas, simplesmente não sabia o que falar, porque tudo que havia

entre nós dois era aquela aura flamejante, cheia de tensão e apreensão.
Nossos corpos tinham uma sintonia que não poderia ser captada por

alguém de fora, mas que nós dois, com certeza, sentíamos com toda clareza.
Estávamos vibrando na mesma frequência.
— Sim, Erin.
Sua voz era grave, de veludo. Seu rosto era um enigma, seus lábios
estavam tensos e seu maxilar rígido.
Eu não sabia como reagir, como me mover, porque seu perfume estava
me envolvendo mais uma vez. Não pude evitar enquanto meus olhos se

fechavam automaticamente, algo completamente fora dos meus planos. Não


sei se foram segundos ou anos até que os dedos daquele homem, tão mais alto

do que eu, tocasse meu rosto.


O toque era delicado, mas preciso.

Nossas peles em contato criando uma nova onda energética naquele


recinto.

Aquele era seu poder sobre mim, o poder de transformar qualquer


lugar em um espaço quente e apertado demais, de ser magnético e me puxar

para si, fazer com que meu corpo, simplesmente, se movesse, mesmo contra
minha vontade e assim foi.

Quando dei por mim já estava completamente mergulhada naquela


bolha, totalmente fora do mundo real.

De repente, só existiam nós dois no universo.


Ele demorou a acabar de vez com qualquer distância existente, como

se precisasse de permissão para continuar, então dei um passo à frente, como


se consentisse.
Nossas respirações se chocaram e nos mantivemos ali, como se
quiséssemos apenas sentir a presença um do outro.
Tudo ao nosso redor estava silencioso e, de repente, minha cabeça
também estava, porque tudo que meus ouvidos podiam captar era o martelar
frenético do coração desesperado dentro de mim.

Quando nossos lábios se tocaram foi como afundar de vez em um


frenesi, como recuperar uma memória antiga, como expor todas as minhas

fragilidades. Deixei que ele desbravasse minha boca com necessidade e


urgência, enquanto uma das suas mãos segurava meu rosto e a outra minha

cintura.
Aquela experiência era completamente diferente de tudo que já havia

vivido em toda minha vida, porque, pela primeira vez, deixei que meu corpo
tomasse conta das minhas ações, por mais que minha cabeça me mandasse

para a direção contrária.


Estava ali e estava me rendendo.

Apesar de todo o nervosismo, beijar Zackary mais uma vez era como
me reencontrar, de alguma maneira, com uma parte diferente de mim, uma

parte que não tinha medo de seguir o coração e aquilo também me confortava
de alguma forma.

Estava paralisada, mas aos poucos ele estava fazendo com que me
sentisse bem.
Ansiava por mais e sabia que não conseguiria fugir, apesar de tudo,
apesar de ter tentado.
Quando me vi já não estava com vergonha, estava totalmente entregue
àquelas sensações e nossos lábios conectados, aos poucos, nos levavam a nos
aproximar ainda mais em uma massa de calor humano, onde nossos corpos se

pressionavam um contra o outro. Sem saber explicar quando aconteceu,


sentia a superfície da porta de madeira contra minhas costas, enquanto

Zackary me prendia ali.


Aquilo era demais para mim e meu corpo reagia, se comportando como

se estivesse em chamas, como se estivéssemos entrando em combustão. Sua


língua era impetuosa, exigente, mas, ao mesmo tempo, era delicada e

cuidadosa.
Quando estávamos ofegantes, ele se afastou e me olhou nos olhos.

Por um momento foi como se ele estivesse entrando em minha mente,


como se pudesse me ler.

— Não quero que pense que estou te pressionando, ou qualquer coisa


do tipo — ele falou com doçura, ao mesmo tempo, em que acariciava meus

cabelos e me derretia com sua proximidade. — A verdade é que esse seu


sorriso é meu ponto fraco.

Sorri mais uma vez.


— Peço que me desculpe pela insistência ou se fiz com que se sentisse
desconfortável.
— Não. — Foi tudo que pude dizer e ele me lançou um olhar curioso.
— Não? — Sua voz era apenas um sopro.
— Não peça desculpas, não é necessário. — Finalmente, consegui
dizer, enquanto me lançava em seus braços mais uma vez.

Talvez, já estivesse perdida demais para voltar atrás e nem queria


aquilo, então apenas me rendi.
Até o ar parecia mais leve naquela manhã e estava definitivamente de

bom humor.

Quando saí de casa, quase de madrugada, jamais imaginei que seria


recompensado de uma maneira tão próspera.
Desci para comprar meu chá e encontrei algumas pessoas que

chegavam para seus turnos.


Assim que voltei para minha sala, apenas permiti que meu corpo

aproveitasse o calor do copo em minhas mãos, enquanto, aos poucos, minha


mente retornava aos momentos anteriores, antes que Erin fosse embora.

Estava completamente imerso naquelas sensações, completamente


perdido nas minhas memórias.

Algumas semanas atrás jamais cogitaria me distrair daquela maneira,


ou me preocupar com algo que não fosse o trabalho, mas ali estava eu,

totalmente absorto naquela mulher e não me arrependia nem um pouco.


Por mais clichê que parecesse, quando nos beijamos mais uma vez,
senti como se tivesse alcançado um patamar celestial. Era como se tivesse
encontrado algo pela primeira vez, como se fosse a bela visão de uma
paisagem, como se estivéssemos flutuando em nosso mundo.
Aquela semana me deixou inseguro, repensando meus passos e
atitudes, principalmente, por saber que, se fosse seguir à risca os padrões de

ética, jamais faria aquilo.


Mas, infelizmente, ou não, meus sentimentos ultrapassaram qualquer

autocontrole ou norma que eu mesmo impus.


Quantas vozes, dentro da minha cabeça, poderiam gritar para que

voltasse atrás e quantas vezes iria ignorá-las?


As mãos daquela mulher tão linda e doce tocavam meus ombros, não

de forma delicada, mas desesperada, como eu mesmo me sentia. Quando nos


conectávamos daquela maneira era como se pudéssemos nos misturar em um

conglomerado de desejos e impulsividade.


Nossos corpos se tornaram puro calor e fricção.

Felizmente, ela deixou escapar um pouco sua vulnerabilidade e pude


perceber que ela queria aquilo tudo tanto quanto eu, embora, não soubesse

exatamente o que ela estava disposta a me oferecer e, de qualquer forma,


aceitaria de bom grado o que viesse.

A porta era sólida atrás de nós e a pressão do meu corpo sobre o dela
era irresistível. O ambiente estava tão insuportavelmente quente e meus
órgãos se retorciam, como se pudessem explodir dentro do meu torso. Queria
tocá-la em todos os lugares possíveis, mas, ao mesmo tempo, não queria que
ela se assustasse e acabasse se afastando mais uma vez, então permiti que, de
alguma forma, ela ditasse o ritmo, mostrando até onde eu poderia ir.
Segurei sua cintura com firmeza, enquanto com a outra mão tocava seu

rosto, mantendo seus lábios ao meu alcance, invadindo-os com a língua para
acariciar a dela de maneira intensa, mas calculada.

Apenas para sentir com fervor sua textura de veludo e sua umidade
convidativa.

Seu hálito era tão doce e seu perfume invadia meus sentidos, fazendo
com que estivesse completamente dentro da situação, completamente

mergulhado naquela cena.


Ela permitia aqueles toques e me permitia avançar um pouco mais,

sendo um pouco mais incisivo naquela aproximação. Nossos quadris já


estavam se chocando e aquilo era enlouquecedor, principalmente, porque

podia sentir a forma como ela prendia uma das minhas pernas entre suas
coxas, por mais que aquilo fosse dificultado pela saia que ela usava.

Queria chegar mais perto, experimentar aquilo tudo de novo, então


permiti que meus dedos puxassem o tecido da sua blusa, apenas para invadir

com meus dedos frios e sentir sua pele tão delicada e sensível. Com aquele
gesto pude senti-la arfar em meus lábios, sem interromper o beijo.
Permiti que minhas digitais se arrastassem pela extensão da cintura da
mulher mais instigante com quem já tive o prazer de me encontrar.
Um arrepio percorria nossos corpos e era perceptível a energia
viajando por nosso entorno, indo e voltando de um para o outro, cada vez
mais forte, mais incontrolável.

O mais delicioso de tudo era notar que ela realmente queria mais e
que poderia prosseguir com aqueles toques de forma mais livre.

Eu me senti um pouco ansioso, como se precisasse aproveitar bem


aquele tempo, pois tinha medo de que, a qualquer momento, Erin notasse o

que estava fazendo e decidisse apenas desistir.


Nossas bocas ainda travavam aquela batalha, onde não havia

preocupação sobre vencedores, e nossas salivas se misturavam, enquanto


nossos corações bombeavam o sangue com toda a força necessária, como se

precisássemos de uma injeção de adrenalina para aquele momento.


Por mais que temesse uma rejeição mudei meus movimentos, sendo

mais assertivo, então permiti que uma das minhas mãos, a que antes segurava
seu rosto, acariciasse sua perna, subindo lentamente por sua coxa. Um baixo

resmungo, parecido com um gemido, fugiu por seus lábios e tudo que fiz foi
intensificar aquele beijo, ao mesmo tempo, que ainda a tocava levemente.

Sem muito vigor, ela afastou minha mão daquela região, mas só um
pouco, como se lutasse contra si mesma. Por mais que ela tivesse afastado
meu toque, ainda assim sua expressão corporal era contraditória e ela ainda se
pressionava contra mim, causando choques em minha espinha dorsal, fazendo
com que minha respiração se tornasse ofegante.
Queria muito mais do que aquilo, mas, naquele instante, me
contentaria com o choque dos nossos corpos, com os movimentos nada

delicados das nossas bocas dançando daquela maneira tão erótica e sensual.
Todo meu corpo estava despertando, todos os meus sentidos nunca estiveram

tão aguçados.
Era como se estivesse vivo de verdade.

Eu não queria que Erin se assustasse, mas começava a perceber a


forma como meu corpo reagia a ela e não era nada discreto em sua conduta.

— Erin, você é tão incrível — sussurrava contra seu pescoço, em


seguida voltei a beijá-la devagar, apenas para ouvir seus suspiros próximos

ao meu ouvido. — Eu não consegui parar de pensar em você nem por um


segundo — sussurrei antes de tomar seus lábios de forma possessiva mais

uma vez.
— Zackary, eu... — Ela até tentou se afastar um pouco e dizer algo,

mas não levou mais que dois segundos para voltarmos ao mesmo beijo cheio
de ímpeto que iniciamos antes.

Tentei mais uma vez tocá-la, agarrando uma de suas coxas e, naquele
instante, não recebi nenhum tipo de resistência. Nossas caixas torácicas se
moviam para cima e para baixo em uma fúria incontida. Minha mão estava
entre suas pernas e podia sentir a umidade daquela região sob a roupa íntima.
Pelo visto nossa situação não era tão diferente em níveis de excitação.
Aquela constatação me deixava enlouquecido, como se pudesse
explodir só de estar tão perto dela.

Sem pensar muito fiz com que suas pernas se levantassem na altura dos
meus quadris, segurando-a com firmeza, com mais força, enquanto ela se

equilibrava enlaçando meus ombros com certa rigidez.


Não foi com o movimento mais gracioso, na verdade, foi bruto, cheio

de desejo e totalmente inconsequente, que a levei até a minha mesa na parte


em que não havia muitos objetos, derrubando alguns no processo e fazendo

com que ela se sentasse sobre o tampo.


Nossos corpos eram quase febris e ainda nos chocávamos, como se

estivéssemos nos afogando um no outro, mas, para minha infelicidade, fui


afastado.

— Senhor... — Ela começou, mas a interrompi.


— Por favor, Erin — pedi com um olhar de súplica e ela respirou

profundamente. — Me chame só de Zackary.


— I-isso não é certo, estamos na sua sala.

Eu não entendia o motivo do seu afastamento, afinal, o fato de


estarmos na minha sala só tornava tudo ainda mais instigante, mas, pelo visto,
ela ainda não estava à vontade com aquele fato.
— Não é certo ficar mais um dia longe de você — falei ofegante,
contra seus lábios.
Erin fechou seus olhos e pude tocar a pele macia do seu pescoço contra
meus lábios, apenas aproveitando aquela sensação agradável. Sabia que

aquilo tudo era muito instável e que ainda não tínhamos completa
compreensão do que estávamos sentindo, mas ainda assim queria

experimentar.
Não queria deixar que a oportunidade passasse.

Mais uma vez fiz o caminho tortuoso pela coxa daquela mulher
irresistível, o suor começava a porejar em nossos rostos, enquanto seus

cabelos se tornavam selvagens, diferente do que costumava ver em seus


coques tão bem-feitos.

— Eu posso? — sussurrei ao pé do ouvido e ela apenas moveu a


cabeça.

Aquilo era um “sim”.


— Oh... Sim, por favor. — Finalmente ela traduziu em palavras.

Não pude evitar a sombra de um sorriso ao me deparar com sua


concordância.

Meus dedos passeavam naquela região sensível e apenas provocava


sua pele de maneira superficial, então, lentamente afastei a peça íntima que
ela usava, acariciando seu clitóris cuidadosamente enquanto a ouvia arfar e
gemer baixinho, me levando ao delírio aos poucos.
A tensão entre nós dois, a adrenalina, o medo, tudo tornava aquele
cenário ainda mais irresistível. A ideia de que as pessoas começavam a
chegar em suas salas e todo aquele perigo só deixavam meu peito ainda mais

agitado, além de tornar minha calça ainda mais apertada.


— Oh, Erin, você está tão molhada pra mim — murmurei perto do seu

rosto, enquanto sua face se retorcia de prazer.


— Zackary... E se alguém nos ouvir? — ela perguntou, consciente de

que naquele horário as pessoas começavam a chegar para seus turnos.


— Você só precisa ficar quietinha — soprei as palavras em um tom

malicioso e ela sorriu da mesma maneira, apesar de ainda parecer um pouco


preocupada.

Minha mão ainda fazia um trabalho discreto entre suas belas pernas
podia ouvir sua respiração se alterar, ficando ainda menos espaçada. Não

sabia de onde havia surgido, mas a ansiedade por tê-la ali me consumia de
uma maneira praticamente incontrolável.

Com gentileza penetrei sua umidade com um dos meus dedos, não
podendo evitar um baixo gemido ao sentir seu aperto tão abrasador. Tudo

nela me atraia, desde seus baixos suspiros até a forma com que ela afundava
suas mãos em meus cabelos apaixonadamente. Devagar comecei a me
movimentar e logo pude perceber que ela estava pronta.
Tive que me esticar um pouco para alcançar a gaveta da minha mesa,
não que tivesse o costume de transar no trabalho, mas sempre deixava algum
preservativo ali só por garantia.
Mais uma vez devorei os lábios de Erin, aproveitando a doçura do seu

gosto, deixando que nossos corpos se tocassem de maneira frenética.


Suas mãos, para minha surpresa, desciam até o cós da minha calça, se

livrando do meu cinto e depois descendo o zíper. Eu mesmo desci a boxer


preta que usava para libertar meu membro daquele aperto desconfortável.

Naquele instante já me encontrava completamente fora de mim e


éramos uma bagunça de suor e tesão.

Não demorei muito para que posicionasse a camisinha corretamente e a


penetrasse de uma única vez, parando por um instante apenas para deixar que

a sensação me derretesse, mas logo sendo tomado pela fúria luxuriosa que
nos acometia.

Os movimentos que antes eram delicados e controlados se


transformavam em um atrito tempestuoso entre nossos corpos, enquanto se

tornava cada vez mais difícil manter o silêncio dentro daquela sala vazia.
Cobri os lábios da minha bela dama com uma das mãos e ela rolou os olhos

enquanto ainda nos movíamos naquele frenesi eufórico.


Apenas a excitação me controlava, ao mesmo tempo, em que só podia
me concentrar no delicioso aperto da sua carne ao redor do meu sexo, tão
quente, tão íntimo.
A forma com que nos chocávamos fazia com que a mesa se movesse
levemente, mas como o material era pesado não era nada que causasse algum
barulho exagerado.

— Erin, se toque — falei enquanto puxava uma das suas mãos, a


estimulando a tocar seu clitóris para que chegássemos ao clímax ao mesmo

tempo. — Isso, querida, muito bem... — sussurrava enquanto observava as


expressões de prazer em seu rosto tão pecaminosamente bonito.

Estava penando enquanto meu corpo se retorcia em luxúria e minha


pele estava sensível aos comandos que o corpo daquela mulher me transmitia.

A forma com que nos mexíamos era demais para suportar.


Fazia muito tempo que não perdia o controle daquela forma, que não

era sequer capaz de pensar.


O calor, a fricção, a tentação dos lábios rosados entreabertos...

Como previa, não demorou muito tempo para que a sentisse se


contorcer e esconder seu rosto em meu pescoço, invadindo meu olfato com

seu perfume suave. Logo ela estava comprimindo meu sexo com o aperto da
região entre suas pernas, me deixando totalmente desnorteado enquanto

alcançávamos o êxtase quase ao mesmo tempo.


Seu gemido saiu um pouco mais alto, mas ela tinha um autocontrole
melhor do que o meu, então precisei colar nossos lábios para abafar qualquer
som que ousasse escapar da minha garganta.
O beijo era desesperado e marcava aquele ápice tão prazeroso.
Senti meu corpo completamente dormente durante aqueles segundos,
como se minha alma tivesse saído para dar um passeio, como se não

possuísse mais ossos. Precisei me segurar nas bordas da mesa para me manter
de pé, ao mesmo tempo, em que afundávamos nossos rostos nos ombros um

do outro.
“Puta merda!”

Aquilo foi completamente insano.


— Porra, você é linda pra caralho! — Não consegui evitar dizer

enquanto fitava aqueles olhos, um pouco dormentes, e era como mergulhar


em um oceano infinito, onde poderia ficar para sempre. — Me desculpe, mas

não pude evitar. — Sorri mordendo o lábio ao notar a sua expressão ainda
acanhada e sua pele rubra.

Seu sorriso era tímido, enquanto recuperávamos a normalidade de


nossas respirações, o que não parecia ser uma tarefa fácil, já que meus

pulmões pareciam prestes a estourar por causa de toda aquela tensão e


exercício.

Estávamos ali, mas tudo que conseguia pensar era no futuro, nas coisas
que poderíamos fazer juntos e nas coisas que gostaria de mostrar para ela.
Consegui me aproximar dela naqueles poucos minutos, mas não era o
suficiente; queria que ela aceitasse mais do que aquilo.
Ajeitamos nossas posturas, tentando desamassar nossas roupas e ficar
decentes. Nossos olhares ainda se cruzavam com cumplicidade e não poderia
me sentir melhor.

Havia um segredo ali e o compartilhávamos.


Tudo aquilo era excitante e me deixava um pouco eufórico.

— Diga que aceita — pedi, permitindo um sorriso estampar meu rosto,


mas ela ainda parecia em dúvida.

Erin estava tímida e corada, como na maior parte das vezes em que nos
aproximávamos um pouco mais.

Era impressionante o contraste entre sua personalidade doce e a forma


com que ela podia ser quente em outros contextos. Eu nem sequer queria

pensar naquilo, não podia ficar excitado mais uma vez naquela manhã.
— Por favor — insisti com brandura e ela sorriu de volta, suspirando

depois.
— Zackary, não sei se um jantar é uma boa ideia — a doce mulher

falou mordendo fortemente o lábio inferior, como se estivesse com uma


dúvida cruel demais para expor. — Um jantar? E se as pessoas da empresa

souberem sobre isso? O que vão pensar? — Ela estava cheia de inseguranças
e tudo que queria era convencê-la de que aquilo não era um problema.
— Por favor — repeti e ela ainda parecia pensativa. — Prometo que
ninguém vai saber sobre isso. É só uma oportunidade de conversamos mais à
vontade.
— Não é que não queira... — Ela admitiu por fim, arrancando um
sorriso satisfeito dos meus lábios.

— Vamos lá, não pode ser tão difícil — falei com bom humor e o
sorriso iluminado que ela exibiu foi o suficiente. — Apenas diga a palavra...

— Continuei enquanto ela se divertia com minha postura descontraída.


— Eu não sei...

— Sim — falei com a intenção de que ela repetisse.


— Mas... — Ela continuava hesitante.

— Sim...? — Poderia ser insistente quando necessário, principalmente,


depois de perceber que ela também queria aquilo e talvez só precisasse de um

incentivo.
Nossos olhares ainda se chocavam e, por um momento, achei que

poderia me frustrar de novo, mas sua voz soou mais uma vez.
— Sim — finalmente, falou e comemorei brevemente, o que a fez rir.

Cada sorriso que arrancava dela me deixava mais leve, como se fosse a
coisa mais bonita do mundo.

Ainda me sentia confuso com tudo aquilo, como se fosse uma enorme
novidade. Eu tinha a impressão de que precisava aprender tudo de novo,
coisas que havia passado quando era apenas um garoto, pois já não sabia
como era me envolver daquela maneira.
Não de uma forma tão entregue e tão desinteressada.
Minha cabeça estava nas nuvens e todo meu interior estava uma
bagunça, mas precisava admitir, gostava daquela garota.

— A palavra mágica. — Sorri com honestidade. — Então vá pra casa e


descanse, meu anjo. — Não sabia de onde havia saído aquilo, mas apreciei a

forma com que suas bochechas se tornaram avermelhadas com as minhas


palavras. — Hoje à noite nos veremos.

— Okay — ela respondeu com simplicidade. — Bom, eu... Preciso ir


— falou com timidez, ainda tentando arrumar os cabelos e ajeitar as roupas,

por mais que ela já parecesse estar de volta ao prumo.


— Okay — repeti sua resposta.

Um sorriso ainda estava no meu rosto e nossos olhos não sabiam como
se separar.

— Desculpa, eu... — falei, mas nem sequer sabia o que pretendia dizer,
pois, só me perdi mais uma vez naquele mar profundo.

— Até logo. — Ela sorriu e se virou.


Não pude deixar de observá-la enquanto se afastava, porque tudo era

tão perfeito que nem parecia existir.


“Erin...”
Seu nome dançava em minha mente junto aos seus murmúrios sôfregos
e a lembrança da maneira com que ela me tocava.
Aquela mulher era diferente de tudo que já encontrei na minha vida.
Seu sorriso era contagiante e sua inteligência podia causar inveja, além
da beleza que era incontestável...

Precisava de mais, muito mais, e apesar de todas as dúvidas, estava


sinceramente feliz.
Samantha segurava meus cabelos enquanto estava debruçada sobre o

vaso sanitário e colocava para fora todo e qualquer alimento que tivesse

ingerido nas horas anteriores.


Aquilo definitivamente não era normal, como se tivesse engolido um
porco espinho que irritou meu estômago.

Eu me sentia nervosa, porque não podia ficar doente, afinal estava


tendo a oportunidade da minha vida.

Respirei fundo, depois daquela cena horrível e escovei os dentes, me


sentindo fraca após tanto esforço.

Sam me lançou olhos preocupados, mas não queria que ela ficasse
daquele jeito.

— Estou bem. É só um enjoo — reclamei, como se pedisse para que


ela abandonasse aquela careta de piedade que tanto detestava. — Com certeza

algo que comi não me fez bem, sabe? — falei tentando amenizar a situação,
mas me perguntava o que realmente acontecia, já que não era a primeira vez
que me sentia daquela forma nas últimas semanas.
— Nada disso, vamos ao médico — ela insistiu, mas fiz que não,
apenas balançando a cabeça.
— Amiga, obrigada, mas não! — falei com firmeza, mas ela já estava
me arrastando através da porta do banheiro.

— Erin, isso não foi uma pergunta, foi uma afirmação. Você vai trocar
de roupa ou vai assim mesmo?

Minha amiga sabia como ser teimosa quando queria e era quase
impossível lidar com ela.

Bufei um pouco irritada, porque sabia que logo ficaria bem e que não
era para tanto, mas ela não conseguia compreender aquilo. Eu só queria me

deitar em minha cama e dormir o restante do dia, porque estava


extremamente cansada.

Eu me aproximei do colchão e deixei que meu corpo caísse ali quando


Samantha saiu do quarto para fazer algo que não sabia o que era. Fechei os

olhos e me permiti um breve cochilo.


Aquilo era tão agradável e o rosto de Zackary voltava para minha

mente.
Tudo que queria era ficar ali com as minhas memórias.

Quando saí da sala de Zackary Evenfort, estava completamente sem


fôlego, como se meus pés nem pudessem tocar o chão e como se eu fosse
desmaiar a qualquer momento.
Não havia mesmo feito aquilo, havia?
Sim, eu fiz e estava completamente decepcionada com minha postura,
apesar de não conseguir alcançar o arrependimento.
Sorri cobrindo os lábios, ao mesmo tempo, em que me direcionava

para o elevador. Felizmente ainda estava cedo, então não havia muita gente
para me flagrar naquele momento constrangedor.

Mas dentro da minha cabeça era como se cada pessoa que direcionasse
um olhar para mim, soubesse de todos os meus pecados.

— Erin, disse que a gente vai sair.


A voz de Sam me arrancou bruscamente dos meus devaneios e não tive

outra opção que não fosse me levantar e ir, porque ela não desistiria.
Estar em um consultório médico era uma sensação completamente

desagradável e evitava bastante. Todo aquele ambiente me transportava para


os momentos difíceis que vivemos por causa da doença que acometeu minha

mãe. Era sempre doloroso observar tantas pessoas doentes, muitas vezes tão
jovens, além do fato de sempre acabar voltando para casa com notícias

negativas.
Suspirei pesado ao pensar em tudo aquilo.

Era complicado imaginar que, alguns anos atrás, seria minha mãe que
estaria me arrastando para o médico e não a Samantha.
Sentia tanta falta da minha mãe que chegava a doer.
O homem que nos atendeu era idoso e tinha os cabelos grisalhos, além
de uma barba rala. Ele parecia ser simpático e nos recebeu com um sorriso,
logo perguntando o que me levava até ali. Tentei ser específica e me lembrar
do que estava sentindo nas últimas semanas, por mais que não prestasse

muita atenção ao meu corpo.


Expliquei brevemente sobre a fadiga que sentia, também os episódios

de enjoo e vômito, além da sensação de náusea.


— Senhorita Richmore, vou pedir alguns exames para tirar nossas

dúvidas sobre os sintomas — ele falou enquanto fazia algumas anotações,


mas não me esclareceu nada, apenas passou remédio para enjoo.

Quando saímos do consultório estava bastante zangada, não queria ter


perdido minha manhã ali, nem que Samantha estivesse perdendo o sábado

dela por minha culpa.


— Eu disse que isso era completamente desnecessário — bufei e ela

passou o braço pelos meus ombros.


— Relaxa, Erin. — Ela sorriu para mim.

Era assim que Sam agia quando eu ficava nervosa, o que não era tão
comum, afinal ela era a estressada da relação.

Quando voltamos, Samantha analisou a lista de exames que fiz,


pesquisando a intenção de cada um deles na internet, até que ela arregalou os
olhos por um instante.
Eu, que estava cansada, mas não conseguia dormir, apenas a observei,
curiosa.
— Você viu um fantasma? — questionei.
— Eu acabei de pensar uma coisa — ela falou como se descobrisse a

América, com uma expressão de iluminação atingindo seu rosto.


— O quê? Fala logo! — pedi com ansiedade.

— Você e o bonitão usaram camisinha, né? — ela perguntou e minhas


bochechas coraram imediatamente, com meu estômago revirando naquele

enjoo desagradável mais uma vez.


Não sei o motivo, mas minha mente voltou para minha pequena

aventura da manhã, enquanto mal pensava sobre o dia da minha suposta


“entrevista”.

Ainda não havia contado o que aconteceu recentemente e estava com


vergonha demais para contar naquele momento, então apenas me concentrei

na sua pergunta.
— É claro que usamos — pontuei com clareza. — Todas as vezes —

completei apenas para deixar bem delineado.


— Como assim todas as vezes? Ui, ui, temos coisas que não foram

reveladas por aqui — ela provocou e rolei os olhos.


— Não brinca, Samantha! É que aconteceu mais de uma vez naquela
noite... — Mais uma vez o maldito rubor.
Eu detestava aquilo!
— Nossa, então além de bonitão, ele também é tão viril?
Ela queria mesmo me provocar com aqueles comentários ridículos.
Mas não quis me estressar, então apenas joguei o travesseiro que

estava perto de mim, direto no rosto dela, não tão delicadamente.


— Erin, Erin! O que tá acontecendo com você? — Ela ria enquanto

abraçava o travesseiro e eu só queria dormir em paz, afinal não estava muito


bem.

— Eu sei lá, mas estou meio irritada. — Respirei fundo. — Deve ser o
trabalho e essa coisa toda de doença. Eu não quero ficar doente.

Por mais que não me permitisse pensar naquele tipo de coisa, não
podia esquecer, bem lá, no fundo, que minha mãe morreu por causa de um

câncer e que aquele tipo de doença era genético. Infelizmente, meu pai estava
sempre preocupado comigo e eu também me preocupava quando tinha

qualquer sintoma, por mais que tentasse fingir que não me importava e que
minha saúde era de ferro.

— Você não vai ficar, doente, chuchu — ela falou com serenidade e
fiz uma careta. — Olha, te perguntei essa coisa sobre a camisinha, porque o

médico pediu um exame que acabei de descobrir que é de gravidez — Sam


finalizou sua sentença e meu queixo caiu.
Não havia motivos para que desconfiasse daquilo e o médico devia ter
me perguntado.
— Dá uma olhadinha aqui, beta HCG. — Ela apontou para o papel.
— Isso seria impossível, na verdade, estou com medo mesmo de estar
doente. — Respirei profundamente mais uma vez, escondendo o rosto entre

as mãos.
Aquele foi um dia terrível e passei o tempo inteiro deitada, mas não

conseguia dormir. Minha cabeça doía e me sentia nauseada. Claro que


vomitei mais algumas vezes, apesar de ter tomado o remédio que o médico

passou. Sam cuidou de mim, o tempo inteiro e, quando Amanda chegou, ela
também tentou me ajudar, mas não havia muito o que ser feito.

Tinha certeza de que aquilo não passava de uma gastroenterite e que


logo as coisas iriam voltar ao normal. De qualquer maneira, aguardaria os

resultados dos exames que sairiam na segunda-feira.


Tive esperanças e até criei expectativas de que melhoraria até a noite

chegar, mas, na realidade, aquilo não aconteceu. Precisava manter os olhos


fechados, porque toda vez que tentava me mover acabava ficando tonta e o

enjoo piorava.
A parte difícil de tudo foi ter que ligar para Zackary e dizer que não

poderia ir ao jantar. Havia evitado muito me render aos seus encantos, mas,
no final das contas, sabia que não iria resistir àquela aproximação, porque era
inegável a conexão que existia entre nós dois.
Fiquei com medo de que ele achasse que aquilo tudo era apenas uma
desculpa por causa do meu medo de ser demitida, sendo que já havia aceitado
que iria pelo menos dar uma chance ao que fosse lá o que estava acontecendo
entre nós.

Minhas mãos, que já estavam frias pelo meu estado atual de saúde,
também ficaram trêmulas quando digitei o número. Possuía um papel que

recebi no primeiro dia de trabalho, onde Sebastian anotou todos os números


importantes, como o de Zackary e Beverly.

Imaginei que ele não atenderia, afinal era um número desconhecido, de


qualquer forma precisava ao menos tentar me comunicar.

— Para quem você tá ligando, amiga? — Samantha me flagrou e me


senti culpada.

— Bom, eu... — quase gaguejei.


— Eu? — ela insistiu.

— Tinha um jantar marcado com Zackary Evenfort hoje — murmurei


e ela arregalou os olhos.

— Não brinca! Meu Deus! Então quer dizer que você desistiu de se
fazer de difícil? — ela falou com malícia.

— Não estava me fazendo de difícil, você sabe disso!


— É claro que não, afinal você... — Ela se aproximou para falar
baixinho. — Transou com ele na primeira noite, sua safada! — Seu sorriso
era vitorioso e não pude evitar um riso, apesar do meu constrangimento.
— É sério, Sam, estava ligando para ele, mas ele não atendeu e...
Naquele exato momento o telefone começou a vibrar na minha mão,
era o número dele ligando de volta e meu coração disparou imediatamente.

Eu sabia que precisava falar com ele, mas não sabia como fazer aquilo,
então apenas contei até três e...

— Oi, Zackary... — Tentei soar natural, apesar de lembrar com clareza


tudo o que aconteceu naquela manhã.

— Oi, Erin... — Havia um sorriso por trás da sua voz. — Me desculpa,


quando alcancei o celular você desligou.

— Sem problema algum, é só que preciso dar uma notícia meio chata
— falei sem graça e ele continuou em silêncio. — É que estou me sentindo

um pouco mal e, infelizmente, não vou conseguir ir ao jantar hoje — falei


finalmente, mesmo que tenha me atropelado um pouco com as palavras.

— Como assim, você está doente? O que você tem? — Ele parecia
sinceramente preocupado.

— Enjoo, náuseas... Acho que você quase viu um episódio desses


quando cheguei à empresa... — Ri com a memória, felizmente, se tornou

apenas uma memória. — Não tenho me sentido completamente bem nos


últimos tempos, mas acredito que seja só uma virose.
Achei que Zackary havia desligado devido o silêncio sepulcral no
telefone, mas em algum momento pude perceber sua respiração que, por
algum motivo, parecia irregular.
— Zack... Zackary... — falei baixo, esperando uma resposta.
— Erin, por favor, me passe seu endereço. Eu já fui até sua casa

naquele dia, mas com certeza não vou lembrar direito como chegar — ele
falou de uma vez só.

Por um segundo, era como se não existisse mais enjoo, mal-estar,


náuseas, nem nada, porque aquela simples frase me tirou completamente do

eixo.
— C-como assim? — gaguejei confusa.

— Por favor, preciso ver você.


Não estava entendendo absolutamente nada, tampouco queria que ele

viesse.
— Eu realmente não estou me sentindo bem, não ficaria confortável

em receber você desse jeito. — Tentei explicar, mas ele estava obstinado.
— Entendo perfeitamente, mas isso é muito importante.

Havia um tom de urgência em sua voz e aquilo me deixou um pouco


aflita, pois não conseguia entender sua reação, afinal não era nada de mais.

Estava bem e aquilo não podia ser apenas por causa da minha virose.
— Ainda assim, acredito que não esteja em condições de receber você,
não levantei o dia inteiro, desde que voltei da editora, mas acredito que
amanhã estarei melhor e... — Se ele era insistente, precisava ser mais ainda,
mas fui interrompida.
— Erin, sei o quanto estou sendo inconveniente agora e talvez até
irritante, mas, por favor, preciso mesmo falar algo com você e não pode ser

por telefone.
Não tive argumento, afinal também precisava saber o que era tão

importante assim para que ele falasse daquela maneira.


Respirei e mantive o silêncio por alguns segundos.

— Okay, vou te dar meu endereço — falei em tom de derrota e ele


pareceu mais aliviado com a minha resposta positiva.

•••
O olhar zangado de Sam sobre Zackary estava me deixando

constrangida, talvez, até um pouco mais do que o fato de que ele naquele
momento conhecia o lugar simples e entulhado de coisas que dividia com

mais cinco pessoas.


A aura no quarto era pesada e minha amiga já havia direcionado uma

meia dúzia de comentários ácidos ao homem ali parado. Ele parecia querer
conversar comigo com pressa, mas ela não estava permitindo a aproximação.

Estava fraca e não sabia muito bem o que fazer.


— Então, senhor Evenfort, o que o traz aqui? — perguntei, tentando
trazer um clima mais leve para o ambiente.
— Sim, senhor Evenfort, o que o traz aqui? — Sam repetiu em um tom
sugestivo e meu rosto queimava de vergonha.
— É que eu... — ele balbuciou e era estranho vê-lo parecendo estar tão
vulnerável.

Eu só queria que Samantha fosse menos mal-humorada e desconfiada.


— Sam, você pode deixar a gente conversar só por um momento? —

pedi quase em desespero.


— Não acredito que haja algo que o senhor Evenfort precise dizer que

eu não possa saber, não é mesmo?


Sam ainda mantinha aquela postura defensiva e temia pelo meu

emprego, por mais que soubesse que aquela irracionalidade era fruto de sua
preocupação por mim.

— Samantha — falei mais uma vez e ela pareceu ceder, se levantando


em seguida.

— Bom, se precisar de mim, vou estar na sala — ela falou com


seriedade enquanto se retirava, andando lentamente e fechando a porta atrás

de si.
Era cômico e completamente estranho observar a forma como o senhor

Evenfort, um dos meus chefes, estava sentado no banquinho rosa do quarto


que dividia com a minha melhor amiga. Era como se dois eixos
completamente diferentes tivessem sido deslocados para estar no mesmo
lugar, ao mesmo tempo.
— Obrigado. — Ele suspirou aliviado quando ela saiu e não pude
deixar de sorrir, enquanto via o relógio dourado em seu pulso reluzir sob a
lâmpada fraca daquele cômodo. — Sinto muito por ter te importunado, por

ter insistido em estar aqui e tudo mais.


Movi a cabeça em consentimento, pois já estava superando o fato de

que aquelas paredes não pareciam caras o suficiente para que ele estivesse
entre elas.

Suspirei pela milésima vez no dia.


— Eu nem sei como dizer isso, mas...

— Por favor, seja lá o que aconteceu você pode me dizer. — Estava


aflita e não tinha sequer noção do que estava acontecendo.

— Bom, é que... No dia em que ficamos juntos pela primeira vez...


O restaurante caro, a taça quebrada, o primeiro sorriso dele, o cheiro de

nicotina, nossos corpos dentro do quarto, o envelope com dinheiro em cima


da mesa...

Tudo corria dentro da minha mente sem minha permissão, fazendo


com que meu peito ficasse apertado e aquele enjoo retornasse, mas iria me

conter.
— Na terceira vez... — ele prosseguiu. — Houve um acidente com o
preservativo e ele se rompeu.
Suas palavras entraram em meu cérebro, mas não conseguia atribuir
significado a elas, estava dormente e meu corpo formigava.
— Eu não disse imediatamente, porque não queria te preocupar
naquela hora, então conversaria com você sobre isso no café da manhã, mas,

infelizmente, você foi embora. Apesar de ter ficado preocupado com isso
acabei esquecendo ao te ver na editora no dia seguinte. — Zackary tentava

esclarecer gesticulando com o banquinho cor-de-rosa parecendo pequeno


demais para o seu corpo.

— I-isso... Você quer dizer? Você está sugerindo... — Tentei articular


algo, mas não funcionou.

— Acredito que exista a possibilidade de uma gravidez, Erin.


Aquilo não podia estar acontecendo.

O homem com quem transei pela primeira vez em toda minha vida não
poderia ter vindo até meu simples apartamento para sugerir que talvez

estivesse grávida.
Algumas semanas atrás, jamais cogitaria a ideia de fazer sexo casual

com alguém, então quando Zackary Evenfort e eu nos envolvemos naquele,


ou melhor, naqueles pequenos incidentes foi uma grande mudança em minha

vida e me sentia mais corajosa, entretanto, não significava que estava pronta
para a ameaça de uma gravidez.
Quando Samantha disse que o médico pediu aquele exame jamais
considerei aquela possibilidade de maneira real, mas ali estava uma
evidência de que poderia ser sim.
Não queria estar doente, mas também não queria estar grávida!
Nunca pensei em ter filho, pelo menos não até estar com minha

carreira consolidada.
Minhas mãos começaram a tremer e sentia que ia surtar a qualquer

momento.
Tinha tantas coisas para fazer e...

Meu Deus!
O que meu pai iria pensar de mim?

Aquilo não era justo, nunca fui tão inconsequente!


Meu estômago estava borbulhando e minha cabeça estava cheia com

todos aqueles pensamentos inquietantes. Queria sacudir os ombros do


Evenfort e dizer que ele estava louco e que aquilo não podia estar

acontecendo.
Aquilo era tudo culpa dele e estava furiosa!

Mas, por que estava furiosa?


Os hormônios?

Estava mesmo grávida?


Escondi as mãos no rosto e comecei a chorar copiosamente, mas aquilo
não durou por muito tempo, pois logo precisei correr até o banheiro para
vomitar mais uma vez.
“Não, isso não está acontecendo.”
A amiga de Erin, Samantha, definitivamente, não estava satisfeita com
minha presença ali, então o clima não era dos melhores, mas precisava saber

o resultado daquele exame, então insisti para acompanhá-las até o laboratório

na segunda-feira, visto que o médico com quem ela se consultou já havia


pedido o exame de gravidez.
Não queria ser invasivo ou parecer desesperado, mas, a verdade, era

que nem sabia o que estava fazendo. Na realidade, desde que desconfiei da
possibilidade da gravidez de Erin entrei em estado de choque, onde não

conseguia decidir como reagir adequadamente.


Milhões de coisas se passavam na minha cabeça, desde aquilo tudo ser

apenas um alarme falso, até o ponto em que poderia ser pai e que me tornaria
responsável por outro ser humano, o que não me parecia ser a coisa mais fácil

do mundo.
As palavras de tia Harriet me aguilhoavam e não poderia discordar

dela, afinal, realmente mal cuidava de mim mesmo. Havia passado anos da
minha vida embotado, fugindo de emoções complexas, tentando me afogar
em trabalho apenas para esquecer minhas frustrações.
Definitivamente, ainda estava tentando construir melhor minha
maturidade emocional.
O tempo que Erin levou para buscar o envelope com o resultado dos
exames foi bem curto, mas ela não o abriu imediatamente, talvez, ela também

estivesse muito assustada.


Na verdade, aquilo era perceptível.

— Vamos sair? Acho que prefiro abrir esse envelope em um lugar


mais calmo. — Erin suspirou e concordamos com ela.

Saímos em seguida e nos encaminhamos para um pequeno café ali


perto, mas a amiga dela nem chegou a entrar no recinto.

— Vou deixar vocês dois sozinhos, acho que precisam conversar. Vou
dar uma volta e venho te buscar. — Abraçou a doce mulher, que, naquele

momento, parecia estar tão frágil.


— Obrigada, Sam — Erin falou simplesmente.

Aquela tensão retornou quando nos sentamos frente a frente, como se


meus músculos se retorcessem dentro da minha carne.

Era difícil manter as sensações desagradáveis que se espalhavam pelo


meu estômago, como se uma aranha passeasse pelos meus órgãos internos.

— Estou com medo — ela confessou de uma vez.


Não pude evitar tocar suas mãos, como se pudesse acalmá-la de
alguma maneira, como se aquela simples aproximação pudesse nos deixar
mais tranquilos.
Um sorriso pequeno e gentil brotou em seus lábios.
— Eu nunca havia feito isso antes. Você foi o primeiro.
O rosto corado daquela mulher me remetia a todos os momentos que já

havíamos construído juntos.


Ela era o ser mais doce com quem já havia topado pelo mundo e queria

protegê-la.
A noite em que a conheci e a primeira vez que nossos olhos se

cruzaram, tomaram conta da minha mente. Sabia que ela era diferente de tudo
que já havia visto, sabia que ela não era só mais uma pessoa, com quem teria

um relacionamento insignificante de uma noite, e depois iria embora. Em


algum lugar, já deveria saber que ela precisava ficar.

— Imaginei que você fosse inexperiente, mas não havia cogitado ter
sido o primeiro — falei de forma branda, tentando não criar qualquer tipo de

constrangimento, por mais que fosse difícil na atual situação, afinal


estávamos enrolados até o pescoço em dúzias de acontecimentos inesperados.

— Agradeço por ter confiado em mim... Aquela noite foi muito especial. —
Eu nem entendia o motivo de estar dizendo aquilo tudo, mas imaginei que

precisava ser honesto, que precisava que ela soubesse, pelo menos um pouco,
o quanto me fazia bem.
Mais uma vez ela me ofereceu um daqueles seus sorrisos tão inocentes
e era assim que gostava de vê-la, não com um olhar assustado ou temendo
por qualquer coisa.
— Sinto muito que isso esteja acontecendo... — De repente, ela
desabou, escondendo o rosto com as mãos e o esfregando, para logo em

seguida pegar aquele invólucro de papel marrom, onde nossos destinos já


estavam traçados.

Era como se nós dois ainda não estivéssemos preparados para enfrentar
o resultado, por isso aquela demora era bem-vinda, mas, de qualquer forma,

precisávamos encarar o que quer que estivesse ali.


— Vamos lá, estou aqui com você. — Tentei passar um pouco de

confiança, apertando com um pouco mais de intensidade uma de suas mãos e


a soltando em seguida.

— Okay, vamos lá. — Ela finalmente abriu e tirou os papéis de dentro,


havia vários.

Os olhos da cor do oceano percorriam as folhas em busca da


informação que era do nosso interesse e quando ela achou foi como se o

mundo inteiro tivesse parado.


Percebi por sua expressão que era ali que estavam as palavras que

responderiam à questão que tanto nos perturbava naquele instante.


Respirei fundo e era como se a vida passasse em câmera lenta. Tive
tempo de pensar em toda minha família e relembrar o calor dos dedos do meu
pai em meu ombro pela última vez. As noites em que o velho Evenfort
fumava seu charuto ao lado da lareira, enquanto, ao mesmo tempo, me
contava histórias de guerra, também me atingiam em cheio.
Tudo que sabia sobre o conceito de paternidade, pelo menos na prática,

vinha dele, mas estava tão confuso, afinal éramos completamente diferentes.
Eu não tinha a força dele, não tinha aquela capacidade de agir como se

tudo estivesse bem, mesmo que o mundo estivesse queimando.


Eu me sentia fraco, mas não poderia demonstrar, precisava estar ali

tranquilo para Erin.


Erin...

Ela chegou e virou minha vida de cabeça para baixo, mas estava
gostando, estava amando a forma como ela me bagunçou e torcia para que

nunca mais as coisas voltassem a ser como antes, porque era bom.
Respirei mais uma vez e me convenci de que faria tudo certo, não

importando o que acontecesse.


Se fôssemos ter um filho seria o melhor pai do mundo e faria tudo para

que aquela mulher me quisesse na vida dela também, se fosse um alarme


falso também continuaria a tentar provar que seria um adendo para ela, da

forma como Sebastian me aconselhou.


Eu a convidaria para um encontro, faria as coisas à moda antiga, seria
mais sensível, atencioso, faria tudo que pudesse...
Enquanto aquele turbilhão de pensamentos triturava meu cérebro eu
via expressão no seu rosto mudar. Primeiro ela estava em choque, depois as
lágrimas vieram e sabia o que aquilo significava, por mais que tenha me
sentido completamente dormente ao perceber as implicações daquela notícia

em nosso futuro.
— Erin? — perguntei preocupado e ela me olhou com aqueles olhos

azulados em seu rosto brilhando com lágrimas que logo ela secou com o
lenço que ofereci.

— Obrigada — agradeceu fungando.


— Então o resultado? — Eu basicamente já sabia, mas gostaria que ela

me confirmasse.
— Positivo, como eu temia. E-eu preciso falar com meu pai. — Ela

parecia estar atordoada.


Mudei de lugar, passando para a cadeira ao lado dela e a abraçando.

Aquele corpo pequeno entre meus braços trouxe de volta meus


sentidos, porque precisava fazer algo por ela em uma situação tão vulnerável

e não iria desampará-la, assim como meu pai jamais me desamparou. Assim
como ele nunca desamparou minha mãe, apesar de toda e qualquer diferença

de opinião.
— Shh... Calma, você vai falar com ele, ok? Eu te levo até a casa dele,
se você quiser — sussurrei com meu rosto entre seus cabelos com o perfume
doce dos seus fios dourados invadindo meu olfato e me deixando mais
sereno.
— É muito longe, não poderia chegar assim. — Ela suspirou e queria
apenas fazer qualquer coisa que trouxesse conforto a ela.

Eu me virei completamente para ela, tomando suas mãos mais uma


vez, fazendo com que ela me olhasse de maneira direta. Nossas respirações se

chocavam, apesar de ainda estarmos a uma distância de pelo menos um


palmo.

— Só me ouça... Está tudo bem. — Meu tom de voz era suave. —


Estou com você, vamos cuidar de tudo isso juntos, okay? Você não precisa

ficar com medo, a gente vai resolver tudo. Tudo. Eu prometo.


Ela tentou sorrir, mas sabia que ela iria precisar de mais tempo para

digerir tudo aquilo.


Sabia que as coisas não eram tão simples.

Eu só precisava que ela soubesse que estava ali para ela, apesar de
qualquer coisa.

— Muito obrigada, Zackary, significa muito.


Houve um pequeno espaço de silêncio, mas logo ela voltou a falar.

— Acho que preciso descansar um pouco, afinal trabalho hoje à noite.


— Erin, você não precisa trabalhar hoje, passou mal durante o final de
semana e...
— Zackary — chamou seriamente. — Não quero que você me trate
diferente agora, como se não pudesse continuar a cumprir minhas obrigações,
por favor.
Olhei para baixo brevemente, envergonhado e sussurrei um pedido de

desculpas.
— Mesmo que seja complicado, mesmo que... Não estou preparada

para ser mãe, mas vou fazer o possível... — Ela ainda parecia estar muito
frágil.

— Erin, você não precisa se preocupar, vou cuidar desse bebê, vou
tomar conta de tudo. Você não vai precisar se preocupar com nada, eu juro!

Mesmo se ela escolhesse não ser mãe, estava disposto a ficar com o
bebê e jamais a julgaria por aquilo.

— Zackary, vou seguir adiante. Estou com medo, mas sei que vou
conseguir, só preciso de um tempo para digerir a nova informação. Eu sei que

vai dar tudo certo — falou como quem tentava se convencer.


— Eu sei. Não quero passar a impressão errada, só quero que você

fique bem. — Tentei transmitir, através da minha entonação, o sentimento


que me tomava ali.

Estava preocupado e confuso.


— A sua reação já me deixou melhor.
Seu humor parecia mais pacífico e aquilo era bom.
— Não poderia ser diferente — pontuei. — Vou te deixar sozinha,
porque acho que deve querer pensar e conversar com outras pessoas. Mas
saiba que pode me ligar a qualquer momento, okay? Aliás, tenho outro
número, que é um número pessoal, então você pode ligar para ele sempre que

quiser, porque sempre vou atender.


— Perfeito, vou salvar — ela falou enquanto tirava seu aparelho da

bolsa e olhava frustrada para o celular. — Ele morreu, a bateria está meio
ruim. — Ela pareceu estar chateada, mas deu de ombros. — Você pode

anotar em um papel?
— Sem problemas — falei, mas por dentro estava voltando a me sentir

desesperado com a ideia de que ela não tivesse como falar comigo em uma
situação de emergência.

Tudo aquilo me deixava aflito.


Anotei o número em um guardanapo que ela guardou e prometeu

salvar mais tarde. Logo ela me pediu para que ligasse para sua amiga, assim
elas iriam embora juntas.

Claro que ofereci uma carona, mas elas não aceitaram, então tudo que
pude fazer foi pagar um táxi e assistir enquanto Erin ia embora, mas minha

cabeça continuava repleta de pensamentos sobre ela.


“Puta merda, o que aconteceu aqui?”, pensei.
A primeira pessoa para quem contei foi Sebastian. Minha mãe ficaria
furiosa em saber que não foi ela, mas não estava pronto para contar, pois,
sabia que ela iria me bombardear com declarações que não saberia lidar no
momento, já meu amigo, apesar de chocado, foi compreensivo e tentou me
passar um pouco de tranquilidade.

— Isso foi de uma imprudência sem tamanho, mas não é o fim do


mundo — ele falou gesticulando. — Nossa! Eu vou ser tio! Bom, é

praticamente isso. — Ele sorriu e deu de ombros.


O que diabos iríamos fazer?

— Você tem certeza de que o bebê...


— Sim, tenho certeza.

Sabia o que ele ia perguntar, mas estava certo de que aquela criança era
minha, a dúvida nunca ocorreu na minha cabeça, fosse porque Erin me

passava muita confiança, ou simplesmente porque era perceptível o quanto


ela era inexperiente quando ficamos juntos.

— Bom, se você diz isso é porque é verdade. O que pretende fazer


então?

— Eu não sei, Seb. O lugar onde ela vive fica tão longe da Evenfort
Books, ela não tem conforto nenhum naquele lugar. Não quero parecer o tipo

de pessoa crítica, mas ela está grávida agora e lá só tem um banheiro...


— Nossa! Você reparou mesmo em tudo... — Ele parecia estar
admirado e fiquei envergonhado, embora fosse verdade.
Prestei atenção mesmo em tudo, porque queria ajudar Erin, porque me
preocupava com ela.
— Sim — murmurei de cabeça baixa.
Muitos pensamentos me atordoavam e precisava começar a tomar

decisões.
— Preciso de um bom seguro médico para o pré-natal, preciso saber

que tipo de parto ela prefere, preciso saber se ela se sente confortável
trabalhando, afinal ela estava passando mal, talvez seja melhor...

— Calma, calma, garotão! — Sebastian me interrompeu e cocei a


cabeça atordoado, porque estava mesmo ansioso. — Vamos por partes, ok?

Espera a Erin te contatar, aí vocês pensam sobre isso tudo. Não começa a
exagerar para não assustar a moça — ele aconselhou com a sabedoria que

estava me faltando e concordei.


— Certo, mas chega de turnos noturnos — falei com firmeza. — A

Erin é uma pessoa diurna, essa mudança brusca nos horários dela não está
fazendo bem para a saúde.

— A Erin é uma pessoa diurna — ele repetiu, imitando minha voz de


um jeito agudo, extremamente caricato e bufei. — Olha como você tá, Zack!

— Ele gargalhou. — Caído de quatro pela nossa anjinha.


— Mais uma piada e vou embora — ameacei e ele riu de novo, mas
ainda não conseguia ver muito humor nas coisas.
— Certo, certo, não vamos nos estressar. A única coisa que te peço é
que comece pelo começo, nada de enfiar os pés pelas mãos.
Estava disposto a seguir os conselhos dele, mas, ao mesmo tempo,
minha cabeça não saía daquele apartamento. Erin vivia com mais cinco

pessoas, mal tinha espaço para transitar, afinal o lugar era muito pequeno. Ela
passou mal o dia inteiro no sábado e me senti extremamente culpado pela

nossa pequena aventura naquela manhã, como se aquele “esforço” pudesse


ter influenciado em algo.

Passei um bom tempo refletindo sobre tudo, sobre o que meu pai faria
em uma situação como aquela e sabia que ele faria absolutamente tudo que

estivesse ao seu alcance para que as coisas ficassem bem, para que a mulher
que carregasse seu filho ficasse segura, eu tinha certeza.

Então era o que faria também.


Eu não quis incomodar, então esperaria até que ela entrasse em contato

e, caso ela não me ligasse, só conversaríamos no dia seguinte.


Fui até o shopping em busca de um celular novo, que daria a ela de

presente, para que pudéssemos nos contatar de maneira mais efetiva, por mais
que tivesse quase certeza de que ela ficaria um pouco ofendida.

O que poderia fazer?


Precisava me certificar de que tudo seria feito da melhor forma
possível, precisava ser um homem decente.
Suspirei comigo mesmo e não consegui fazer mais nada durante o resto
do dia, pois minha cabeça dava voltas e voltas.
Fazia anos que não me sentia tão perdido daquele jeito. Para me
distrair comecei a pesquisar sobre obstetrícia e caí em um espiral de

informações sobre partos humanizados, partos normais, dificuldades na


gravidez, entre outras coisas.

No final das contas, percebi que só estava criando ainda mais


nervosismo sobre o assunto e decidi que precisava fazer algo.

Erin não me ligou, então precisei entrar em contato, afinal, se não


dissesse o que estava pensando, acabaria em um surto terrível e precisava que

ela concordasse comigo.


Combinamos de nos ver no dia seguinte, quando ela saísse do seu

turno no começo da manhã.


Sebastian me prometeu que aquela seria a última vez que Erin

precisaria trabalhar de madrugada e que ele mudaria os horários para o


conforto dela, mas sem deixar que ela soubesse a razão, pois não queria que

ela ficasse chateada.


Eu a levei até a padaria em que costumava conversar com Sebastian.

Era a primeira vez que ia até lá com qualquer pessoa diferente e aquilo era
muito íntimo, mas não me importava, porque realmente queria que ela
permanecesse na minha vida, queria que nos conhecêssemos de verdade,
ainda mais no momento em que havíamos gerado uma vida em conjunto.
— Eu não quero ser um babaca completo te pressionando ou tentando
te obrigar a fazer algo, mas não conseguiria dormir em paz se pelo menos não
fizesse essa proposta a você. Tudo que peço é que você me escute antes de

responder, por favor — quase implorei e ela pareceu assentir, movendo a


cabeça lentamente.

Demorei um pouco para começar a falar, pois, estava refletindo e


criando coragem, mas logo lancei minhas ideias, esperando que ela

compreendesse.
— Nas vezes em que fui até sua casa, percebi que o apartamento fica

distante da Evenfort Books, percebi também o quanto é pequeno o lugar e,


por favor, me perdoe se isso soa invasivo, eu só estou tentando ser prático.

Meu apartamento é bem grande para uma pessoa só e tenho dois quartos
extras. Pensei muito sobre isso, muito mesmo, e quero que você saiba que

isso não é uma desculpa para controlar sua vida ou qualquer coisa do tipo. Eu
só gostaria que você tivesse o máximo de conforto possível, pelo menos

durante sua gestação, então ficaria muito feliz se... Bom, se você aceitasse
morar comigo. — Fiz a proposta e observei seus lábios se entreabrirem em

uma expressão de choque.


Sabia que estava sendo um pouco impulsivo, mas aquilo era
importante e estava determinado.
Ela tentou dizer algo, mas a impedi com gentileza.
— Por favor, não responda agora. Só vá para casa e durma um pouco,
descanse. Pense. Então, depois que você fizer isso, você pode me dar sua
resposta — pedi e assisti à mulher respirar fundo.

Esperaria o tempo que fosse necessário.


Minha cabeça estava explodindo com tantas informações.

Quando descobri a gravidez foi como se estivesse sendo transportada

para outra dimensão, como se estivesse fora de mim.


Nunca esperei que algo do tipo acontecesse, jamais havia se passado
pela minha cabeça ser mãe àquela altura da vida.

Era uma responsabilidade muito grande, ainda mais quando estava


tentando começar minha carreira profissional.

Passei um bom tempo chorando e sem saber o que fazer, mas


Samantha não saiu do meu lado em momento algum.

Também me senti receosa ao pensar que teria que contar aquilo ao meu
pai e tive medo da sua reação, apesar dele sempre ter sido a pessoa mais

compreensiva do mundo. Não achava que ele iria brigar comigo ou qualquer
coisa do tipo, mas tinha medo de que ele ficasse decepcionado.

Seu aniversário estava chegando e já estava com um bom dinheiro


guardado, visto que aquele foi meu objetivo nos últimos meses.
Não sabia se seria uma boa ideia dar aquela notícia por telefone ou se
deveria esperar até o momento da viagem.
Zackary também contribuiu ainda mais para minhas dúvidas, pois,
simplesmente, pediu para que eu fosse viver com ele durante a minha
gravidez.

Claro que era uma proposta tentadora, afinal a vida não era a coisa
mais simples do mundo, morando longe do trabalho e dividindo um banheiro

com mais cinco pessoas.


Ele também comprou um celular novo para mim e aquilo me deixou

mais preocupada ainda. Não queria nada dele, pois não queria parecer algum
tipo de aproveitadora, por mais que ele tivesse insistido que aquilo era só

para ajudar na comunicação, já que iríamos ter que resolver muitas coisas em
conjunto.

Estava emocionalmente abalada e sem entender quais eram meus


desejos.

Comecei a pesar os prós e contras de qualquer decisão que fosse tomar,


mas continuar morando[MG1] naquele apartamento realmente tinha muito

mais contras.
Era complicado quando alguém pegava a comida que havia preparado

e guardado na geladeira, ou quando alguém ficava tempo demais tomando


banho e estava atrasada, ou então quando havia desentendimentos, mesmo
que pequenos, além da barulheira nos finais de semana.
Estava, realmente, muito propensa a achar a ideia de morar perto do
trabalho e ter um quarto só para mim, a coisa mais maravilhosa de todas.
A forma com que a vida se desenvolvia dentro de mim e fazia com que
meu corpo reagisse também era um bom argumento, afinal lidar com aqueles

enjoos em uma casa cheia, onde nem sempre o vaso sanitário estava
disponível era bem complicado.

Samantha não gostou nada da ideia e falou até que pegaria suas
economias para alugar um apartamento só para nós duas, mas jamais aceitaria

aquilo, afinal ela ganhava muito mal no seu trabalho como assistente de palco
e jamais atrapalharia sua vida por um problema que era só meu.

Decidi adiar a decisão, só fazendo uma escolha depois do aniversário


do meu pai, que seria na quinta-feira, mas comemoraríamos no domingo

quando fosse para lá.


Estava duplamente nervosa, porque era como se a ficha ainda não

tivesse caído, enquanto, ao mesmo tempo, estava ansiosa para ver a pessoa
mais importante da minha vida.

Eu já havia enviado a carta daquela semana para o velho Callum, o


homem dos olhos mais bonitos do mundo, segundo minha mãe.

Era uma opinião que eu jamais poderia discordar.


Aqueles eram os olhos mais belos que conhecia e não por sua cor, mas
porque quando se encontravam com os meus eram capazes de trazer uma paz
inexplicável, me fazendo sentir a pessoa mais segura do mundo.
Decidi que precisava ver meu pai antes de tomar qualquer decisão,
então evitei conversar com Zackary durante o restante daquela semana,
principalmente, porque não queria que os sentimentos que começava a nutrir

por ele me influenciassem.


Sabia que precisava ser racional e que precisava dos conselhos do

homem mais sábio do mundo.


Zackary não me pressionou, apenas se certificando de que estava bem

quando nos encontrávamos, já que nossos horários passaram a se coincidirem


de certa forma.

No primeiro dia em que nos encontramos depois da proposta, fiquei


com medo de que ele fosse pedir uma resposta imediata, mas aquilo não

aconteceu.
— Bom dia, Erin. — Seu sorriso começava a se tornar familiar e

aquilo me trazia um conforto estranho.


— Bom dia, Zackary. — Sorri de volta, enquanto me encaminhava

para a sala onde minha equipe sempre trabalhava.


— Você dormiu bem?

— Perfeitamente, fazia tempo que não tinha uma noite de sono tão boa,
ou melhor, uma noite de sono — falei com bastante ênfase na palavra
“noite”.
Ele assentiu, compreendendo bem o que estava falando.
— Ótimo — ele pontuou satisfeito, sem me cobrar qualquer coisa. —
Quando você quiser conversar vou estar na minha sala, ou naquele número,
ok?

Zackary tinha um rosto gentil e um jeito atencioso que fazia meu


coração derreter, então não foi fácil não dizer simplesmente “sim”, para ele

durante aqueles dias.


Os bilhetes com pequenos agrados continuavam chegando para mim.

Vez ou outra alguém entregava um lanche com alguma pequena mensagem,


ou eu achava uma flor em cima da minha mesa.

Aquelas coisas tão simples me faziam sorrir e desisti de pedir para que
ele parasse, afinal que mal poderia ter?

Iríamos ter um filho juntos e não era como se aquelas gentilezas


fossem menos éticas do que aquela situação.

Samantha viajou comigo no sábado de madrugada, porque, felizmente,


Sebastian permitiu que minha vida voltasse a ser diurna, algo que agradecia

imensamente e melhorou bastante meu humor. Então, depois do meu turno,


com o trabalho da semana indo bem, estava livre para dormir e depois me

dedicar ao homem da minha vida, meu pai.


A viagem para Bourton era um pouco cansativa e vomitei algumas
vezes durante o caminho, mas, aos poucos, aquelas sensações ruins estavam
diminuindo.
A médica com quem me consultei depois de receber o resultado
positivo para a gravidez, disse que aquilo era normal no começo, o que me
deixou mais tranquila, embora meu humor continuasse oscilando.

Quando chegamos à minha pequena cidade, foi como ser bombardeada


por todas as emoções que havia evitado nos últimos tempos. Tudo ali

lembrava minha mãe e meu coração se despedaçou quando relembrei o


buraco que ela deixou com sua partida.

Precisei respirar fundo e me controlar muito bem para não me


desestabilizar completamente.

Felizmente, Sam estava lá para segurar minha mão quando percebeu


que eu estava mal.

Se era difícil para mim, imaginei o quanto era difícil para o meu pai,
vivendo todos os dias na mesma cidade, na mesma casa em que moramos

durante a maior parte de nossas vidas.


Mas aquele não era um momento de tristeza, então, tentei desviar os

pensamentos para a parte positiva de tudo aquilo, para os momentos bons que
tivemos juntos.

Era a primeira vez que Samantha ia até Bourton e queria que ela visse
o quanto aquela cidade era adorável, apesar de não ter muitos pontos
turísticos ou grandes centros comerciais. Fiquei com medo de que ficasse
entediada logo no começo, mas ela estava amando tudo e encantada com a
beleza bucólica do lugar.
Aquele era mesmo um pedacinho do paraíso na Terra.
Demos uma voltinha antes de finalmente encontrar minha verdadeira

casa, talvez, porque ainda não estivesse preparada para encontrar meu pai,
por medo de desabar, mas logo a ansiedade para dar um abraço nele tomou

conta de mim e pedi que fôssemos logo.


Não demorou muito para que nos deparássemos com minha velha casa

cinzenta. Nada mudou, era como se tudo ali tivesse parado no tempo, exceto
pela cor das folhas nas árvores, que mudaram por causa da estação.

Respirei fundo antes de tocar a campainha e sorri com o que estava por
vir.

Já estava tudo preparado e todos os amigos da vila haviam sido


convidados para a festa do meu pai, fiz questão de fazer aquilo por telefone e,

em conjunto com minha tia, irmã dele, que também morava na cidade.
Tudo já estava preparado, pois, enviei o dinheiro para ela e

terminaríamos toda a preparação no sábado.


Quando meu pai, finalmente, nos atendeu me senti como uma criança

de novo, como se todas as minhas preocupações não existissem, como se a


vida fosse simples.
Seu rosto era sereno e aquelas marcas em sua pele, que tanto adorava,
me traziam calma e nostalgia.
Nós nos abraçamos longamente e o cheiro de madeira e palha que meu
pai tinha não mudou nada.
Estar tão perto dele era o significado de estar em casa de verdade.

Ali não havia dor ou medo, só existia nossa pequena família feliz.
— Papai, senti tanto sua falta — falei enxugando as lágrimas, porque

era claro que já estava chorando.


— Eu também, minha pequena.

Meu pai sempre me chamava daquele jeito.


— Não vai me apresentar essa moça bonita? — questionou ao olhar

para Sam e já estava chateada com minha falta de educação.


— É claro! Essa é minha melhor amiga, a Sam — falei enquanto os

apresentava. — Esse homem bonitão aqui se chama Callum, amiga —


completei e os dois sorriram.

Ela estendeu a mão para ele, mas era óbvio que ele a abraçou em vez
de apenas cumprimentar formalmente.

Meu pai era daquela maneira, caloroso, a pessoa mais doce que
conhecia.

Estava enormemente feliz de apenas estar ali.


Minha tia era uma mulher de porte elegante, com uma postura cheia de
fineza. Ela me adorava e me enchia de presentes quando eu era pequena, às
vezes deixando até minha mãe um pouco enciumada, o que me causava
enormes crises de riso, embora, na maior parte do tempo elas se dessem
extremamente bem.
O bom de voltar para minha terra natal era aquela sensação de ser

pequena, de simplesmente relaxar e não ser tão responsável.


Não era apenas uma adulta ali, era a filha e sobrinha de alguém, então

havia quem cuidasse de mim.


— Minha amada sobrinha! — Ela já me esperava com um sorriso

enorme, com seus olhos idênticos aos do meu pai. — Pensei que você fosse
demorar muito, mas ainda bem que você veio logo. Seu pai já estava me

atormentando andando de um lado pro outro! — tia Charlotte falou em um


tom bem-humorado de reclamação e meu pai fez uma careta para ela de um

jeito bobo.
Não importava a idade, eles ainda eram irmãos implicantes e aquilo me

fazia rir.
Eu já havia desejado um feliz aniversário para o meu pai, mas a nossa

comemoração só ocorreria no domingo, embora, ele não soubesse que seria


uma festa de verdade e não só um almoço simples, como havíamos dito.

Minha tia piscou para mim, como se lesse meus pensamentos.


O dia foi muito agradável e contei tudo sobre o meu novo trabalho,
havia até esquecido por um tempo sobre o meu novo “problema”, afinal
havia determinado que só contaria ao meu pai depois da festa dele, pois não
queria estragar o clima com aquela situação estranha.
Bourton continuava tão linda quanto me lembrava.
Meu pai e eu fizemos questão de levar Samantha até os campos e

mostrar o pequeno centro da nossa vila. Passeamos pelas construções antigas


e recolhemos algumas flores pelo caminho.

Até o ar daquele lugar parecia mais puro!


Claro que a cidade ainda era pequena, mas a estrutura havia melhorado

bastante, tendo mais variedade de comércio e restaurantes.


Aquilo me deixava feliz, porque se fosse na época da minha infância,

talvez Sam morresse de tédio.


De noite, depois de jantar em um restaurante pequeno, mas

extremamente aconchegante, voltamos para casa.


Samantha ficou impressionada com meu quarto, dizendo que

conseguia se conectar com minha versão adolescente só de entrar ali.


Claro que aquilo me fez rir, pelo menos até ela me perguntar quando já

estávamos deitadas lado a lado.


— Quando você vai contar? — sussurrou, embora, tivesse certeza que

meu pai não ouviria nossa conversa mesmo estando no cômodo do lado, pois
aquelas paredes eram mesmo espessas.
— Amanhã, depois da festa. — Suspirei e ela assentiu com a cabeça.
— Dá para ver que seu pai te ama mais que tudo, ele não vai ficar com
raiva nem nada — ela ainda falava baixo, mas em um volume mais normal.
— Eu sei disso, só não quero ser uma decepção. — Meus pensamentos
estavam vagos e perdidos.

Demorei a dormir por causa dos pensamentos que me atormentavam,


então decidi dar uma volta pela casa vazia. Quando cheguei na sala vi o

porta-retratos com nossa foto de família e aquilo me fez sorrir. Por um


momento me imaginei no lugar de minha mãe e Zackary no lugar do meu pai.

Acariciei a barriga, finalmente, deixando que a informação se assentasse na


minha mente, tendo a consciência da realidade de maneira mais firme.

Minha vida iria mudar e queria que fosse de forma positiva, não queria
tornar aquilo em um evento traumático.

Sabia que minha mãe estaria me apoiando, onde quer que estivesse.
Quando voltei para o quarto, encontrando Samantha desmaiada como

sempre, enfim consegui dormir, sonhando com minha mãe, meu pai, Zackary
e uma criança.

•••
De manhã, minha tia havia levado meu pai para a feira e enquanto eles

estavam fora Sam e eu arrumamos tudo, espalhando bandeirinhas pelo jardim


e organizando as comidas que minha tia já havia preparado.
Aquele seria um dia perfeito.
As pessoas começaram a chegar no horário que havíamos combinado e
mal podia conter a empolgação.
Quando meu pai voltou, junto com minha tia, foi impagável sua
expressão de surpresa, pois ele jamais esperaria que pudéssemos ter

organizado uma festa daquela à distância.


Ele jamais esperaria que o nosso almoço em família se tornaria um

evento daquele porte.


Todas as pessoas na vila amavam o meu pai, por isso a casa ficou bem

cheia.
Ele quase chorou enquanto todos cantavam a canção de aniversário.

Aquele era o homem que esteve ao meu lado em todos os momentos


importantes da minha vida, sempre me apoiando de maneira incondicional e

não podia estar mais satisfeita em fazê-lo tão alegre naquela ocasião.
— Esse é o dia mais importante da minha vida — falei para ele, dando

um beijo em sua bochecha em seguida.


Meu pai sorriu antes de fazer uma careta.

— Eu não acredito que vocês me enganaram desse jeito, é uma


crueldade para um velho como eu — reclamou, fazendo um falso drama e

rimos com aquilo.


— Se toda crueldade fosse assim, não é, Callum? — tia Charlotte
provocou divertidamente mais uma vez.
Comemos, dançamos, revimos os amigos e nos divertimos por um bom
tempo, mas a festa não iria durar para sempre e aquilo me deixava com um
nó no estômago, pois o momento em que aquela conversa finalmente iria
acontecer estava chegando.

Depois que os convidados se foram, pedi para falar com meu pai antes
de irmos dormir, pois, tinha algo importante para dizer a ele.

Os olhos do velho Callum mudaram um pouco e ele pareceu curioso,


logo pedindo para irmos para a cozinha, onde sempre tínhamos nossas

“reuniões familiares”.
— Papai, tenho uma coisa difícil para contar. — Respirei fundo.

Minhas mãos já estavam tremendo e não me lembrava da última vez


que havia ficado tão nervosa em contar algo para ele, talvez, tivesse sido

quando ganhei a bolsa para a faculdade.


Mas, naquele instante, o que sentia não era uma sensação agradável,

estava realmente com medo do meu futuro.


Estava tão confusa que nem sequer sabia o que seria de mim.

— Meu amor, você sabe que pode falar tudo, absolutamente tudo, pra
mim — ele incentivou, apertando minha mão entre seus dedos de maneira

gentil.
Sorri levemente, apesar de uma lágrima já estar escorrendo pela minha
bochecha. Precisava ser rápida, porque não aguentaria um segundo mais
daquela tensão.
— Pai... Estou grávida — falei de uma vez só e encarei sua expressão
para saber como ele reagiria, por mais que estivesse preocupada.
— Uau! Isso é uma notícia e tanto! — Ele tocou a testa com a palma

da mão e parecia estar um pouco atordoado, mas sorriu levemente, até que
ficou sério mais uma vez. — Esse homem... Ele não se aproveitou de você?

— questionou de maneira grave e me adiantei em negar aquilo.


— Não, é claro que não! Ele é uma pessoa especial que estou

conhecendo e isso... Bom, isso foi um acidente — murmurei envergonhada.


Sabia que aquilo faria meu pai saber que fiz sexo com uma pessoa,

embora, aquilo fosse normal, não estava preparada para aquele tipo de
assunto com minha família, talvez nunca estivesse.

Ele ainda parecia estar atordoado, mas pelo menos voltou a sorrir e
aquilo me deixava mais tranquila.

— Eu vou te ajudar, minha filha, em qualquer coisa, você não precisa


se preocupar, não vai faltar nada ao meu neto — ele assegurou, enquanto meu

peito era preenchido por uma sensação agradável de calor.


Meu pai era a melhor pessoa do mundo.

— Sua mãe e eu não exatamente planejamos quando você veio, mas


demos um jeito e você é essa mulher maravilhosa hoje em dia.
— Papai, muito obrigada! — Foi tudo que consegui dizer antes de
abraçá-lo com força, deixando todos os meus temores de lado.
Se a pessoa mais importante da minha vida estava me apoiando, então
eu ficaria bem.
— Mas não se preocupe com isso. Estou ganhando muito bem no meu

novo trabalho e o pai... Bom, ele tem dinheiro. — Não quis entrar em
detalhes, porque ainda não tinha coragem, mas, no futuro, meu pai conheceria

Zackary com toda certeza. — Eu só queria me certificar de que... De que


você não ficasse decepcionado comigo — falei baixinho e ele acariciou meu

rosto com brandura.


— Eu nunca ficaria decepcionado com você, meu anjo. Você é uma

mulher responsável, mas todos cometemos erros, pequena. — Deu mais um


daqueles sorrisos que me acolhiam amorosamente.

— Mas ainda estou tão perdida... — desabafei, escondendo o rosto


com as mãos. — O pai do bebê quer que eu vá morar na casa dele para ter

mais conforto até o final da gestação, mas não sei se isso seria apropriado,
por mais que seja bem mais perto do trabalho.

— Querida — chamou e esperou que olhasse para ele. — Esse homem


é confiável?

— Sim — respondi de imediato, afinal Zackary havia se mostrado um


homem de caráter quando imediatamente assumiu sua responsabilidade e se
ofereceu para me ajudar de todas as maneiras, mas sem invadir meu espaço.
— Ele é uma ótima pessoa.
— Se você me diz isso, só posso achar que realmente seja melhor estar
num lugar mais confortável, afinal queremos que meu neto fique bem.
Meu coração parecia completamente derretido apenas por ouvir meu

pai dizendo as palavras “meu neto”.


— Acho que você deveria deixar o orgulho de lado e aceitar a

proposta, embora, ainda precise realmente conhecer esse homem.


— Sim, o senhor vai, eu prometo! — Sorri, deixando que a sensação

de tranquilidade completa me alcançasse pela primeira vez naqueles dias.


Estava feliz, totalmente feliz.

Por mais que Zackary e eu não tivéssemos um relacionamento, iria


fazer o melhor para que meu filho ou filha tivesse a nossa presença em sua

vida.
Faria o possível para que tudo funcionasse perfeitamente.
“Eu pensei, a resposta é sim.”

Demorei uns bons segundos para digerir aquela informação, enquanto

um sorriso involuntário se formava em meu rosto.


Ela disse sim!
Passei a semana inteira tenso, imaginando que a qualquer momento

Erin apareceria para dizer que meus planos eram péssimos, mas ela me
surpreendeu com uma mensagem de texto tarde da noite daquele domingo.

Fiquei muito animado com a ideia de dividir um teto com ela, por mais
que não quisesse admitir minhas motivações. Imaginei que nos daríamos

bem, que passaríamos muito tempo conversando e que ela seria uma ótima
companhia.

Eu poderia ser um pai presente desde o início, fazendo a coisa certa, o


que meu pai com certeza aprovaria.

Assim que recebi aquela mensagem comecei a organizar tudo e


pesquisar lojas de decoração e itens para casa. Queria que tudo fosse o mais
agradável possível para ela.
No dia seguinte, pedi para que Erin me acompanhasse no almoço,
assim poderíamos conversar sobre a mudança e acertar os detalhes.
— Muito obrigado por ter aceitado minha proposta, por mais que
pareça loucura tenho certeza que vai ser ótimo para nós dois — falei

enquanto olhava, sorrindo mais do que percebi, para a minha taça de vinho.
Estava, realmente, contente e não conseguia disfarçar aquele

entusiasmo.
— Sou eu quem agradeço por se preocupar. — Ela ainda parecia estar

levemente receosa.
Mas aos poucos as coisas iriam melhorar, tinha certeza.

Faria de tudo o possível para que ela se sentisse segura ao meu lado.
— Como não me preocuparia? — perguntei com honestidade, vendo

seus olhos adquirirem um brilho belíssimo, como se ela finalmente


percebesse que minhas intenções eram puras e que gostava dela de verdade.

— Isso me deixa muito... Envergonhada — ela falou de um jeito


adorável, antes de cair em uma terrível crise de risos, me puxando com seu

bom humor.
— Não fique, você merece muito mais do que isso — concluí,

deixando que um pequeno silêncio agradável tomasse conta dos dois para
uma troca de olhares mais intensa e que era capaz de exprimir os sentimentos
que ainda não sabíamos como externar da forma correta.
Não foi fácil, mas acabei por convencer aquela bela dama a me
acompanhar até meu apartamento depois dos nossos turnos, porque gostaria
que ela conhecesse o lugar antes de se mudar.
Claro que passei o dia me sentindo ansioso, mas quando chegou o

horário de sairmos me senti como uma criança que vai até o parque de
diversões com a garota que gosta na escola.

Erin parecia estar tímida, mas aos poucos estava deixando aquele
desconforto de lado.

— Esse é o seu quarto, mas temos mais um, que podemos arrumar para
o bebê. — Queria impedir que aquele sorriso estúpido continuasse no meu

rosto, mas era praticamente impossível. — Bom, esse apartamento não é tão
grande, porque moro sozinho, mas se você achar melhor posso alugar um

lugar maior, o que acha?


Eu também não sabia o motivo de estar dizendo aquilo e Erin pareceu

notar minha apreensão, rindo em seguida.


— Zackary, é perfeito. Definitivamente, não preciso de mais espaço do

que isso — ela falou de maneira solene e tentei apenas me manter neutro, o
que não estava sendo fácil naquele momento.

— Peguei o portfólio de algumas decoradoras ótimas, gostaria que


você escolhesse o estilo que mais agrada. Enquanto seu quarto não estiver
pronto, você pode dormir no outro, ok? — expliquei nervosamente, mas sem
entender exatamente o motivo.
— Não, por favor! Não preciso de uma decoradora, eu mesma posso
decorar meu quarto, se você não se importar... Na verdade, nunca me
preocupei com essas coisas relacionadas à decoração, porque o importante é

ter onde dormir, não é?


Sabia que talvez ela tivesse tido muitas prioridades durante a vida e

que decoração não era uma delas, então aquilo fez com que me calasse por
alguns momentos, me sentindo culpado pela minha futilidade, mas, ao

mesmo tempo, queria que ela tivesse as melhores experiências possíveis.


— Erin, quero que você tenha tudo, absolutamente tudo, entendeu? —

falei segurando suas mãos, tentando aquecer seus dedos com os meus,
chocando nossos olhares de forma carinhosa.

Seu rosto me trazia paz e poderia olhar para aquela expressão doce por
horas sem me cansar.

— Agradeço de novo, mas realmente não é necessário — ela falou


com sua feição de leveza típica.

— Ok, se você vai se sentir melhor assim, não vou insistir — falei
dando de ombros, caminhando pelo quarto, acenando para que ela me

acompanhasse. — O armário é embutido naquele canto e o banheiro fica


aqui. Podemos mudar algumas coisas também, caso você não goste.
O banheiro tinha um aspecto moderno, nada tradicional, tudo era
redondo ou quadrado, cada peça era simples e servia para uma função
específica; nada ali era desnecessário.
As cores também eram neutras, transitando entre brancos e cinzas.
— Zack, por favor, não quero mudar nada — ela insistiu, ainda de bom

humor, cobrindo o rosto para rir um pouco, mas não pude impedir meu
coração de errar algumas batidas ao ouvi-la me chamar pelo apelido que só

minha família e amigos próximos usavam.


Iriamos nos dar bem, tinha certeza.

— Certo, certo! Não vou mais te importunar com a minha insistência.


Não quero que você vá embora correndo, porque sou chato demais — falei

em um tom de brincadeira e ela apenas sacudiu a cabeça.


— Eu jamais faria isso — respondeu com doçura.

— Então quer dizer que não vai mais fugir de mim? — perguntei, de
repente, sem pensar muito no que estava dizendo e ela me encarou com uma

expressão de incerteza.
— Eu fugi alguma vez? — ela questionou e tudo que pude fazer foi me

perder nos seus olhos, tão profundos quanto o universo, tão luminosos quanto
mil galáxias.

Sem que tivesse percebido já estava próximo demais, porque era o


efeito daquela mulher sobre mim.
Não era como se pudesse conter meu corpo da urgência que era estar
perto dela, de sentir seu calor, de aproveitar a sensação da sua respiração
tocando a minha.
— Você tem se sentido melhor? — perguntei com cautela, mas minha
voz já estava carregada de desejo.

— Muito melhor — Erin respondeu prontamente e não sabia


identificar se aquele era um sinal verde, ou apenas uma resposta neutra para

minha pergunta.
A quietude naquele cômodo era quase opressiva, ao mesmo tempo, em

que nos encarávamos sem conseguir desviar o olhar.


Às vezes um olhar é mais íntimo do que um beijo, embora, não

significasse que dispensaria o beijo dela.


Na realidade, estava ansiando por aqueles lábios desde a última vez

que havia os tocado com os meus.


Não conseguia parar de pensar nem por um segundo sobre tudo que

vivemos até ali; foi tão rápido e intenso.


Queria continuar naquela corrida desgovernada que meu coração

oferecia, queria sentir aquele fogo me consumir de maneira tórrida e não me


importava com mais nada.

Por mais que tentasse me conter por mais tempo, não pude,
simplesmente beijei seus lábios rosados, sentindo a doçura da sua boca.
Era exatamente como me lembrava.
Senti falta da quentura da sua pele, da maciez do corpo contra o meu, a
forma afável com que nos completávamos.
Eu nem sequer podia pensar nas dezenas de corpos que estiveram em
meus braços nos últimos anos, porque Erin roubava todos os meus

pensamentos para ela, somente para ela.


— Senti tanto sua falta — murmurei contra seus lábios, desistindo de

qualquer orgulho que pudesse me acometer.


Eu me aproximei mais uma vez e logo nossas bocas trabalhavam em

sintonia, enquanto minha língua buscava acariciar a dela, primeiramente, de


maneira gentil, depois de forma ávida.

Minhas mãos exploravam o corpo de Erin, como se quisesse fazer com


que aquelas formas tão perfeitas ficassem gravadas na minha memória com

precisão.
Estava mesmo louco por ela e não queria mais negar aquela sensação a

mim mesmo.
Não demorou muito para que minhas mãos segurassem firmemente

seus quadris e a colocasse sobre a bancada do banheiro...


Talvez, gostássemos mesmo daquelas superfícies planas, elas nos

ajudavam bastante naqueles momentos.


Pelo menos foi o pensamento bobo que passou por minha mente
rapidamente, mas não durou muito, pois era incapaz de continuar a pensar em
qualquer coisa, quando nós estávamos tão próximos daquele jeito.
— Zack... — ela arfou enquanto me esforçava para manter nossos
corpos colados naquele novo torpor delicioso.
— Erin... — pronunciei seu nome como se fosse a maior declaração de

todos os tempos, porque, para mim, naquele momento, era a palavra com
mais significado em qualquer vocabulário.

Estávamos impacientes e ávidos por toques, por isso não me demorei,


apenas permitindo que minhas mãos invadissem a sua saia para então me

livrar da sua peça íntima. Pude ouvir um arfar profundo que escapou da sua
garganta, quando apenas me posicionei entre suas pernas.

Deixei que meus olhos se deliciassem por um momento com a visão


daquela mulher tão entregue ao meu contato, tão imersa naquelas sensações.

Seu rosto era uma pintura de prazer, seus lábios cor-de-rosa entreabertos,
enquanto ela jogava a cabeça para trás.

Tudo compondo uma cena perfeita, cheia de erotismo e paixão.


Não pude mais me conter, então, apenas permiti que minha língua

desbravasse seu sexo, ao mesmo tempo, em que ela agarrava meus cabelos
com avidez.

Seu sabor era maravilhoso e tudo que podia fazer era me entregar ao
seu gosto, que já conhecia e que me tornou dependente.
Minha língua se movia com delicadeza, arrancando suspiros da minha
dama, ao mesmo tempo, em que ela se abria mais para mim, demonstrando o
quanto estava gostando daquilo, me deixando a ponto de explodir de
excitação.
Sua intimidade era tão úmida e quente que não conseguia parar de

apenas explorar aquela região. Seus gemidos cada vez mais altos apenas me
instigavam mais, enquanto a degustava incansavelmente.

Tomei seu clitóris entre meus lábios, fazendo com que aquela pequena
parte do seu corpo ficasse ainda mais sensível, arrancando um gemido alto de

sua garganta.
— Oh, Zack... — Era tudo o que dizia.

Aquilo me deixava orgulhoso, pois o aperto dos seus dedos delicados


ficava cada vez mais vigoroso nas mechas dos meus cabelos, ao mesmo

tempo, em que sentia suas pernas me prender entre elas.


Continuei investindo naqueles movimentos da minha língua,

trabalhando de forma circular por um bom tempo, depois apenas


pressionando com mais força.

Precisei abrir os olhos mais uma vez apenas para assistir aquela
expressão de prazer que se desenhava no rosto mais lindo que conheci.

Seu corpo começava a se arquear de maneira aguda e aquilo me fazia


apenas continuar naquela dança incansável em busca do seu êxtase, o que
também não levou muito tempo, pois logo pude sentir que seu orgasmo se
aproximava, principalmente, pela forma com que ela já não podia controlar
os sons que emitia, se contorcendo sobre mim, puxando meus cabelos com
força.
Não parei de aplicar aquele movimento de sucção enquanto ela se

desfazia, tomando todo seu sabor em minha língua, como se fosse a melhor
vitamina existente.

Em seguida, ela me afastou sofregamente, e seu corpo começou a


relaxar acima do meu. Apenas me levantei, peguei uma toalha para secar meu

rosto molhado pelo excesso de fluidos e agarrei a cintura daquela mulher tão
corada.

Ela parecia estar ainda mais bonita com seus cabelos desalinhados e
sua expressão ofegante.

— Isso foi... Uau... — Seu sorriso cansado foi contagiante.


— É porque você é tipo “uau” — comentei com naturalidade e ela

escondeu o rosto em meu peito de um jeito tímido.


Eram aqueles pequenos gestos que me deixavam completamente

indefeso com sua presença.


— Quero fazer uma coisa — ela murmurou, se movimentando e

descendo daquela superfície.


De certa maneira, ela fez com que trocássemos de lugar, ficando na
minha frente.
Seus olhos, sempre tão cristalinos, naquele instante, pareciam muito
mais escurecidos.
Imerso em toda aquela dormência deliciosa, mal pude perceber quais
eram suas intenções, pelo menos até assistir à movimentação de Erin para

ficar de joelhos à minha frente.


O ritmo do meu coração mudou um pouco quando a vi daquela

maneira, algo que jamais esperaria.


Não pude conter o reflexo de, simplesmente, morder o lábio inferior

com força, enquanto ela me olhava de maneira quase faminta.


— E-Erin... Você não precisa fazer isso... — falei, ao mesmo tempo,

em que ela começava a desafivelar o cinto que eu usava.


— Eu sei, mas eu quero. — Sua voz era a própria sensualidade

incorporada.
Não poderia resistir àquela expressão nem se me esforçasse muito. O

desejo que exalava daquela mulher era a vibração mais hipnotizante que já
havia experimentado em toda minha vida.

Os dedos leves da minha parceira não demoraram a se livrarem do


cinto de couro e, em seguida, abrir o zíper da minha calça, para logo depois

abaixar a peça até meus joelhos. Minha roupa íntima ficou exposta e era
possível ver perfeitamente o quanto estava excitado.
Erin parou por alguns segundos, apenas olhando para o volume entre
minhas pernas e aquilo me deixava completamente alucinado.
Tudo que podia fazer era ser expectador daquelas ações tão bem
executadas por aquela mulher tão perfeita. Ela fez com que minha boxer
deslizasse pelas pernas, fazendo com que um gemido de alívio fugisse pela

minha garganta com a libertação do meu membro pulsante.


Não demorou para que ela me tomasse em suas mãos, talvez, para não

permitir que a timidez a impedisse, então, tocou minha extensão, ao mesmo


tempo, em que seus lábios abocanharam minha glande de uma vez só,

arrancando um quase rugido do meu âmago.


Aquilo era pura insanidade e mal podia me controlar.

Era possível perceber que ela não era experiente naquela ação, mas, ao
mesmo tempo, ela era rápida em aprender com as reações do meu corpo,

percebendo como gostava de ser tocado e se demorando naquele tipo de


movimento, apenas para me levar até meu limite.

Sua saliva mantinha meu membro lubrificado, ajudando quando ela


decidiu começar os movimentos de ir e vir com seus lábios ao meu redor.

Precisava me concentrar muito para não me libertar simplesmente, sem nem


ter aproveitado direito tudo aquilo.

Como não podia apenas engolir meu sexo completamente, ela


completava aquele ato com o movimento ágil de suas mãos em minha base.
Seus olhos não saíam do meu rosto, sempre mantendo o contato visual,
tornando tudo ainda mais sujo e delicioso.
Adorava aqueles olhos e não consegui manter as mãos afastadas por
muito tempo, tendo a necessidade de segurar seus cabelos, não para forçar
aquela dinâmica, mas para sentir sua energia, sua destreza.

Meu corpo estava completamente absorto em todas aquelas sensações


que me tomavam sem permissão. Precisava lutar para manter os olhos

abertos, porque precisava olhar para ela, afinal aquele simples ato tornava
tudo mil vezes melhor.

Por mais que tentasse me conter, já sentia minhas bolas se


comprimirem com o orgasmo que estava para chegar.

Erin percebeu e aumentou o ritmo dos movimentos dos seus lábios


vermelhos e molhados, puxando o ar com as bochechas para comprimir ainda

mais meu membro sensível, pulsando em sua boca macia.


Quando estava muito perto do meu ápice, ela relaxou a garganta para

tentar me engolir completamente, algo em que ela teve bastante sucesso


algumas vezes e o que tornou ainda mais impossível de suportar com a

tensão.
Poucos segundos depois, estava sentindo toda minha pele formigar,

enquanto meus órgãos se reviravam no meu interior. O orgasmo veio com


muita força e era como se todas as minhas forças tivessem sido arrancadas de
mim, enquanto minha coluna vertebral parecia nem existir mais e minhas
pernas se tornavam dormentes.
Estava completamente embebido nas teias daquela mulher, era
completamente dela.
Minha dama se levantou para me beijar com toda a paixão e nossos

gostos se misturaram em nossas bocas, no emaranhado de nossas salivas.


Meus pensamentos estavam longe e tudo que era naquele instante, era

um corpo nas mãos dela.


Tomamos um banho juntos, um banho sem segundas intenções, apenas

como uma forma de relaxar. Depois a levei para a casa e terminamos de


conversar sobre algumas questões para a mudança.

Ela disse que não possuía muitas coisas e que não demoraria em se
organizar, o que era verdade, pois em três dias Erin estava se mudando para o

meu apartamento.
Não poderia estar mais contente do que no primeiro dia em que ela

dormiu sob o meu teto. Era como se fosse o início de uma coisa enorme, algo
mais importante até do que qualquer conquista profissional que adquiri

durante minha carreira.


Fazia café da manhã para ela todos os dias e nos dávamos bem.

Não fazíamos sexo o tempo inteiro, embora, às vezes não resistíssemos


à tentação, porque Erin ainda parecia ter amarras relacionadas àquilo.
Mas ficava contente apenas em ter sua companhia.
Não dormíamos no mesmo quarto e nem sempre a levava para o
trabalho, porque ela queria manter a autonomia e eu estava bem com aquilo.
Faríamos as coisas aos poucos, afinal, não era porque estávamos
morando no mesmo lugar, que ela seria obrigada a firmar um compromisso

comigo.
•••

Tudo parecia muito perfeito, pelo menos nas primeiras semanas,


porque às vezes era como se o universo gostasse de aplicar provas nos seres

humanos, simplesmente, porque era divertido de se assistir.


Quando cheguei à Evenfort naquele dia apenas subi direto para o meu

escritório. Havia tomado café da manhã com a mulher que tanto adorava e
que seria a mãe do meu filho.

Mas ela ficou no apartamento, pois iria um pouco mais tarde, então,
cheguei sozinho, bem a tempo de assistir à cena que acabou com o meu dia.

— Quem foi?! — perguntei irritado enquanto invadia a sala de


Sebastian.

Meu primo me recebeu com um olhar confuso, enquanto eu estava


simplesmente furioso.

— O que houve? — ele questionou com preocupação e simplesmente


parei na frente da mesa dele, esfregando a testa com o polegar e o indicador,
como se aquilo pudesse acalmar meu estresse de alguma maneira.
— Precisava de arquitetos e engenheiros pra conversar sobre a
construção das novas sedes internacionais, então alguém do RH
simplesmente contratou a Emily, minha ex-noiva, caso você tenha esquecido.
Aliás, por que diabos ela iria se candidatar para uma vaga na Evenfort?! É

sério, que dia de merda! — reclamei enquanto me acomodava na poltrona


que ficava em frente a ele.

— Porra, irmão, sinto muito. Nunca imaginaria uma coisa dessas. —


Sebastian também parecia estar exasperado. — Eu sinto muito mesmo. —

Ele, realmente, estava chateado e sua solidariedade me tranquilizou um


pouco.

— Isso só pode ser uma maldição, não é possível! — esbravejei. —


Logo quando tudo começa a caminhar na minha vida... — falei enquanto

escondia o rosto nas palmas das mãos.


Não era adepto de surtos emocionais, mas aquela era uma ocasião bem

específica e a situação tinha me deixado desequilibrado, como se meu


passado tivesse me atingido como uma onda agressiva.

Não tinha nada a ver com os sentimentos que um dia nutri por Emily,
mas pelo retorno da sensação de impotência que experimentei quando aquilo

tudo aconteceu no passado.


Eu já havia deixado aquilo tudo para trás, talvez, fosse capaz até
mesmo de perdoar o erro dela, mesmo assim não queria ter que enfrentar
aquilo mais uma vez.
Tudo que mais desejava era desaparecer da face da Terra, mas,
infelizmente, aquela não era uma opção.
— Bom dia!

A voz de Zackary me acordando dos meus devaneios matutinos era

algo com que ainda não havia me acostumado.


Era estranho acordar em um lugar diferente, por mais confortável que
fosse. A parte mais difícil era ficar longe de Samantha, afinal já estava

acostumada com sua companhia todos os dias. No final das contas, tinha
muito com que familiarizar ainda, por mais que Zack fizesse de tudo para me

deixar confortável e aos poucos estávamos construindo certa intimidade.


O cheiro do café da manhã que ele preparava era maravilhoso e

descobri aquela nova faceta do meu “colega”.


Ele era um ótimo cozinheiro.

Aquelas habilidades culinárias eram muito bem-vindas, pois algo que


começava a sentir com muita frequência naqueles dias era fome.

— Bom dia! — respondi finalmente, me aproximando da bancada da


pequena cozinha.
Aquele apartamento era uma graça e gostava da forma com que a sala
e a cozinha eram acopladas, tornando um ambiente único.
Era perfeito, principalmente, quando se queria assistir televisão e, ao
mesmo tempo, conversar com o cozinheiro.
Chegaria um pouco mais tarde naquele dia, então ele saiu na frente, me

deixando sozinha naquele espaço enorme, o que era totalmente estranho,


porque também não estava muito acostumada a passar um tempo sozinha.

Mas aquilo me agradava de certa maneira, apesar da estranheza.


•••

A Evenfort Books Inc. estava em polvorosa naquela manhã e havia


burburinho por toda parte.

Não compreendia o motivo, afinal era normal que equipes de diversos


setores transitassem pelo prédio. Era normal também que equipes novas

chegassem de vez em quando.


Eu mesma vi as novas pessoas, a equipe que foi contratada

recentemente. Havia um grupo com três homens e duas mulheres. Todos


pareciam muito elegantes e profissionais. Uma das mulheres parecia bem

jovem, mas ao que tudo indicava, era a líder dos outros.


Aquele foi o único fato que me chamou atenção, mas, pelo visto,

estava perdendo muita coisa.


Fui caminhando tranquilamente para a sala da equipe de revisão,
tomando cuidado para não deixar meu copo com chá cair no chão, afinal
nunca fui a pessoa mais cuidadosa do mundo.
Mas quando me aproximei de Violet, que trabalhava junto comigo e
Milo nas traduções, vi seu rosto com uma expressão maliciosa.
Violet era tão jovem quanto eu, tinha cabelos escuros que ela mantinha

na altura dos ombros e uma aparência muito mais “profissional” do que a


maioria das pessoas, mas, ao passar mais tempo com ela, descobri que minha

colega era muito mais espirituosa do que certinha.


— O que está acontecendo aqui hoje, hein? Parece que todo mundo

está de segredinhos pelos cantos. As pessoas não param de cochichar! —


falei tentando expor meu descontentamento por, aparentemente, ser a única

que não sabia o que estava acontecendo naquele lugar.


— Você não soube da fofoca mais quente do momento? — minha

colega questionou com empolgação.


— Fofoca? Como assim? — Sempre fui uma pessoa muito desligada,

então sempre acabava perdendo aquele tipo de informação, apesar de ser


bastante curiosa. — Por favor, me conta! — quase implorei enquanto ela ria.

— Bom, essa que chegou agora, você viu? Com o cabelão cacheado e
cara de metida?

Eu havia reparado naquela mulher e ela parecia mesmo ter uma postura
muito confiante, embora, não tenha pensado que ela fosse “metida” por causa
daquilo.
— O que tem ela? — questionei sem entender o que poderia ter de tão
interessante na chegada dela.
— Ela é a noiva infiel do senhor Zackary Evenfort! — ela exclamou
com propriedade e meu coração quase saiu do peito.

Estava perplexa com aquela notícia e não quis acreditar.


— Como assim noiva? Ele tem uma noiva?! — Estava totalmente

atordoada.
— Não! Isso é coisa antiga, já faz um tempão, mas parece que depois

dela, ele nunca mais teve um relacionamento.


Um nó se formou na minha garganta e precisei me controlar para não

entrar em desespero.
Estava morando com Zackary, mas aquilo não significava

absolutamente nada, afinal ele só fez o convite por causa da minha gravidez.
— Mas me conta essa história direito, por favor — pedi, me sentindo

um pouco trêmula, mas me esforçando para manter a postura distante.


— Emily MacConnel. Essa garota é muito rica, é dona de um escritório

de engenharia. O pai dela também é rico. Pelo que soube, ela e o Evenfort se
conheceram na universidade. Ele logo pediu a mão dela em casamento e fazia

juras de amor, mas, no final, só ganhou um par de chifres bem grande. Até
virou notícia em alguns tabloides na época, mas em nenhum jornal de
relevância, então o caso foi abafado — Violet contava como uma repórter
dando uma notícia desimportante, mas o estado da minha cabeça já era
caótico.
— Meu Deus... — murmurei sem saber muito bem como me sentir.
Aquela mulher não era qualquer pessoa.

— Pois é... Não sei como ninguém tinha contado isso ainda a você, é a
informação mais recorrente pelos corredores...

Sabia que nunca havia ouvido aquilo porque gastava meu tempo
trabalhando, não comentando sobre a vida das outras pessoas, mas não seria

necessário dizer em voz alta.


De repente, me senti estúpida, porque havia acreditado que Zackary

Evenfort poderia se interessar por uma mulher como eu.


Como ele iria querer algo comigo se poderia ter uma garota do porte

Emily MacConnel?
Como pude ter me iludido tanto?

Infelizmente, aquela informação me afetou com mais força do que


gostaria.

O resto do dia foi bem complicado e aquilo tudo não saía da minha
cabeça. Estava enlouquecendo e a situação apenas piorou quando o horário

do almoço se aproximou.
Nos últimos dias Zackary sempre me mandava mensagens combinando
de nos encontrarmos, assim sempre comíamos juntos e acreditava que estava
se tornando costume, pelo menos até aquele dia fatídico.
Sebastian libertou a equipe para o intervalo de almoço mais cedo,
porque, segundo ele, teria um almoço importantíssimo com a equipe de
engenharia e arquitetura.

Só de ouvir aquelas palavras senti meu estômago se retorcer em


agonia.

Com certeza Zackary também iria se encontrar com a ex-noiva dele, a


mulher que era tão importante, que fez com que ele se fechasse para

relacionamentos durante anos.


Aquilo me pegou desprevenida e precisei me conter para não chorar.

Esperei que ele me enviasse uma mensagem, com a expectativa de que


conversaria sobre tudo aquilo comigo, mas aquele recado não veio, então,

tive quase certeza que ele estaria no mesmo almoço que Sebastian.
Fiquei muito tempo me punindo mentalmente, porque sabia que não

tínhamos um relacionamento de verdade e que eu não significava nada para


Zackary.

Apenas era a mulher que estava gerando um filho dele, que era o que
importava de verdade para aquele homem.

Não deveria ter me iludido com a ideia de que ele gostava de mim,
além das necessidades físicas.
Por mais que tenha ficado muito insegura, me contive e, depois de
almoçar com Violet e Milo, voltei para o trabalho normalmente, muito mais
estável do que antes.
Não iria me deixar abater por aquela situação.
Se ele planejava voltar com a ex seria um problema único e

exclusivamente deles, não iria me importar, mas...


Claro que não poderia continuar na casa dele e ele iria me pedir para ir

embora.
Deixei que as memórias de nossas manhãs em conjunto me

magoassem, afinal ele era tão doce e preparava o café da manhã todos os
dias. Ele se preocupava com a minha saúde, era carinhoso e me dava flores.

De noite, já havíamos assistido a filmes juntos e passado horas


conversando...

Ele não poderia ser um ator tão bom e estar fingindo sentir algo por
mim.

De qualquer forma, por mais que ele sentisse qualquer coisa em


relação à mim, não conseguia ter segurança de que seria mais forte do que o

que ele nutria por aquela mulher tão bonita e confiante.


Estava perdida, pelo menos até receber uma mensagem dele no meio

da tarde, mas aí a situação apenas piorou.


Ele pediu para que eu fosse até seu escritório e aquilo me causou mais
um ataque de pânico, pois não sabia como deveria agir na frente dele. Mesmo
assim, tomei coragem e fiz o que me foi pedido, logo chegando até a sala que
me enchia de lembranças.
Respirei fundo e bati sobre a superfície amadeirada da porta.
— Entre, por favor.

Sua voz era calma e gentil, nada havia mudado.


— Boa tarde, senhor Evenfort — falei automaticamente, sem nem

perceber o quanto estava sendo formal.


Sempre tive dificuldade em mascarar meus sentimentos.

— Senhor Evenfort? Por acaso você está tentando me seduzir? — ele


falou em um tom que poderia classificar como extremamente sensual.

Mas não me deixaria levar por aquilo mais uma vez, não sem antes
saber o que estava acontecendo ali de verdade.

Zackary se aproximou e simplesmente me beijou. Suas mãos em minha


cintura, seu cheiro de colônia e cigarros invadindo meu olfato, o choque de

seu corpo me fazendo tremer completamente, enquanto minha língua tentava


acompanhar seu ritmo.

Meu Deus, aquilo era enlouquecedor!


Como poderia resistir ao poder daquele homem, se com apenas um

beijo ele era capaz de me tirar de órbita, me fazer esquecer meu nome?
Não sabia como lutar contra aquelas sensações, por isso me entreguei
por um momento àquelas carícias.
Ele parecia necessitado enquanto me tocava, como se precisasse
daquela proximidade tanto quanto eu. Se no começo queria me opor àqueles
movimentos, naquele instante, já estava totalmente perdida em seus braços,
totalmente entregue ao que ele pudesse me oferecer.

— Você é tão linda. — Ele se afastou minimamente para dizer, logo


depois afundando seus dedos em meus cabelos, bagunçando o coque que me

dava tanto trabalho para arrumar todas as manhãs.


Mas apenas não me importava.

Voltou a me beijar avidamente, com nossos corações errando as


batidas, nossos quadris se chocando de um modo frenético, tornando nossa

excitação palpável.
Era impossível lutar contra todo aquele desejo, contra toda aquela

fome que sentíamos um do outro, pelo menos até meu cérebro trazer aquela
imagem de volta.

Uma mulher de cabelos cacheados e nariz pontudo caminhando pela


Evenfort Books Inc., enquanto era seguida por alguém que poderia ser sua

assistente, logo atrás três homens, que pareciam responder a ela, também a
seguiam.

— Zack, preciso voltar para a sala — falei, ainda sem fôlego,


espalmando as mãos no seu peito para afastá-lo.
Tentei sorrir para não mostrar meus sentimentos, mas ele me olhou
com estranheza.
— É só que... Como não pudemos almoçar juntos hoje, achei que
poderíamos tomar um chá. O que você acha? — ele perguntou um pouco
relutante.

Seu rosto corado pela nossa recente “colisão” o deixando mais bonito
do que o normal.

— E-eu... Infelizmente, não vai dar. Tenho muita coisa pra fazer ainda
hoje — falei, tentando não soar como se fosse apenas uma desculpa.

Ele pareceu mesmo ficar decepcionado.


— Ah, certo... Me desculpe então... Por ter feito você vir aqui e... —

Ele colocou as mãos dentro do bolso, me lançando um olhar um pouco sem


graça.

— Não, eu... Foi ótimo! Queria mesmo ver você! — Sorri amarelo.
— Erin, tá tudo bem com você? — Seu olhar era preocupado.

— S-sim, claro, tudo ótimo — falei sem nem mesmo acreditar no que
dizia.

— Por favor, você sabe que pode falar sobre qualquer coisa comigo,
não sabe?

— Eu sei, mas estou... — Um soluço me atingiu em cheio e interrompi


a frase. — Estou... — Mais um soluço. — Estou... — Tentei pela terceira vez,
mas simplesmente não podia continuar.
Maldito tique infernal!
Por que todas as pessoas podiam usar mentiras a seu favor, enquanto
meu corpo fazia questão de me denunciar sempre?
— Preciso ir, Zackary — concluí e ele assentiu, mesmo que não

estivesse convencido.
— Hoje te levo pra casa? — Seu olhar quase implorava por uma

resposta positiva, mas não podia lidar com aquilo.


— Na verdade, combinei de dormir com a Sam hoje, sabe como é, né?

Ela já está morrendo de saudade. — Tive que me concentrar muito para não
liberar um soluço enquanto expelia aquela pequena mentirinha, porque,

mesmo que não tivesse combinado com minha amiga, era lá mesmo que eu
iria dormir.

— Ah, tudo bem. — Ele estava definitivamente decepcionado, mas


não estava confortável em ficar perto dele.

Não naquele momento.


Quando cheguei no apartamento dos meus antigos colegas, fui recebida

com muito entusiasmo e compramos até uma pizza para jantarmos juntos.
Amanda contava sobre sua semana atarefada, enquanto Damian e Tommy

conversavam sobre quadrinhos e Nathan tentava explicar algo sobre


programação para Sam, que estava boiando no assunto.
Eu os observava e imaginava que a vida deles, pelo menos até ali,
parecia ser bem mais simples do que a minha. Fiquei me perguntando se
preferia meus dias de garçonete e os tombos naquele estacionamento, ou
aquela sensação dolorosa de insegurança que me tomou naquele dia.
Foi complicado comparar, pois, amava meu trabalho na Evenfort,

embora aquela fosse uma situação especificamente difícil.


Não quis contar sobre o aparecimento repentino da ex-noiva do meu

chefe que era também pai da criança que eu estava esperando.


Era como se não tivesse cabeça para ouvir conselhos, só queria ficar

quieta e deixar que a vida se resolvesse por conta própria.


No final da noite, me preparava para dormir na antiga cama no quarto

que naquele momento era apenas de Sam.


Minha coluna já estava se acostumando com o colchão caro na casa de

Zackary, mas ainda assim aquela cama velha fazia com que me sentisse mais
segura.

— Ainda bem que você veio, porque precisava te entregar isso. — Sam
me estendeu a mão com uma sacola de papel e me lembrei do presente do

meu pai.
Ele me entregou aquele álbum de fotografias com as cópias das fotos

mais icônicas do arquivo da minha mãe e esqueci totalmente por causa da


mudança corrida para o apartamento de Zackary.
— Muito obrigada, Sam! Como pude esquecer isso! — falei mais para
mim mesma, enquanto folheava aquele belo exemplar com capa de couro
marrom.
Queria olhar calmamente cada uma daquelas fotos, talvez, aquilo me
trouxesse um pouco mais de paz de espírito.

— Você se importa de deixar a luz acesa mais um pouco? — pedi para


minha melhor amiga e ela deu de ombros.

— Você sabe que nada me impede de dormir.


Nós duas rimos e ela, simplesmente, afundou no colchão, enquanto

permaneci ali com aquele bloco de fotos em mãos.


Havia todo tipo de registro ali, inclusive algumas fotos raríssimas do

casamento dos meus pais. Eles não tinham câmera fotográfica e o dinheiro
faltava naquele tempo, então só havia duas fotografias e estava contente que

meu pai tivesse lembrado de colocá-las ali.


Olhar para aquelas imagens me trouxe muito conforto e a sensação de

que nenhum problema era grande demais, comparado com tudo que já
havíamos passado.

Eu sobrevivi, mesmo depois que a mulher que mais amava ficou


doente e se foi, então aquele pequeno episódio não iria me desestabilizar

totalmente.
Algumas fotos estavam borradas e outras bem nítidas. Havia registro
até dos avós da minha mãe, meus bisavós.
Meu pai fez questão de transcrever na parte de trás das cópias todas as
anotações das fotos originais.
No final do álbum, havia a foto de um casal com um bebê e aqueles
traços não me eram nada estranhos. A mulher tinha os mesmos olhos escuros

da minha mãe e sabia que não era a primeira vez que encontrava aquele rosto.
Atrás da fotografia, especificamente, havia uma anotação mais longa.

“Essa foi a única foto que encontrei da sua mãe com seus avós, porque
quando nos mudamos para a Inglaterra ela fez questão de se desfazer de

todas, pois estava com muita raiva. Nem sei como essa sobreviveu. Sua mãe
era terrível!”

Aquele pequeno recadinho do meu pai me fez rir bastante. Minha mãe
era mesmo uma pessoa rancorosa, embora, não a culpasse por aquilo, afinal

seus pais tornaram as coisas bem difíceis para ela.


Fiquei um bom tempo apenas correndo os olhos sobre aquela

superfície, tentando decifrar as expressões dos meus avós e, ao mesmo


tempo, me derretendo pela fofura da imagem de minha mãe quando era

apenas um bebê.
Sabia que havia muito mais por trás daquela simples foto, apenas não

sabia o quê.
Dormi pensando em seus rostos, desejando fortemente que pudesse
sonhar com eles.
Sonhei com Helena Deméter em vez disso e acordei mais confusa do
que antes.
Mesmo que o despertador ainda nem tivesse tocado, não pude voltar a
dormir.

Algo estava me afligindo, como se estivesse deixando alguma coisa


importante passar despercebida, mas o que poderia ser?

Talvez, tivesse me identificado tanto com Helena, porque suas


histórias me remetiam ao tipo de pessoa que minha mãe era, uma mulher

decidida, disposta a fazer qualquer coisa para alcançar seus sonhos. Já a


minha avó, pelo menos o que minha mãe dizia, era uma pessoa rígida, sempre

preocupada com as aparências, assim como meu avô, que parecia detestar a
tudo e todos.

Minha mãe tinha muito rancor dos acontecimentos entre ela e sua
família, o que fazia com que evitasse falar muito sobre tudo aquilo comigo,

como se fosse uma mágoa tão grande que não pudesse suportar.
Eu até perguntava, mas era difícil arrancar algo daquela mulher tão

teimosa.
“Ah, mamãe!”

Sacudi a cabeça com um sorriso ao pensar nela.


De qualquer maneira, aquela foto e aquele sonho despertaram minha
curiosidade, o que foi bom, pois havia me tirado daquele espiral dramático
sobre o retorno da ex-noiva de Zackary. Havia outra coisa mais importante
para pensar naquele momento e não iria descansar enquanto não encaixasse
as peças daquele quebra-cabeças.
Tentei evitar aquele encontro ao longo da semana, mas sabia que em

algum momento aquela assombração apareceria para me encontrar. Quase

implorei para que Sebastian me ajudasse a me manter longe dela, mas não
parecia ser possível e o destino não queria colaborar.
Em um daqueles dias meu primo caiu doente, embora, soubesse que

aquilo iria acontecer, afinal ele só trabalhava e se alimentava muito mal.


Eu mesmo o havia alertado diversas vezes, mas ele simplesmente não

me escutava e naquele momento as consequências nos alcançavam.


— É só uma gripe, mas vou ter que trabalhar de casa, porque não posso

passar isso para as outras pessoas. — Sua frase foi fechada com um espirro
agressivo do outro lado da linha, que me fez expor uma careta sem nem

perceber.
— É, eu concordo — falei mal-humorado. — Espero que depois disso

você passe a se cuidar melhor, afinal os livros não vão ficar perfeitos como
você quer, se estiver passando mal — ameacei e ele ficou em silêncio,
finalmente, engolindo sua teimosia.
— Eu sei, eu sei... — ele concordou com a voz fanha e decidi que não
iria mais torturá-lo com minhas broncas.
— Por favor, descansa, ok? — pedi com minha melhor entonação de
irmão mais velho.

— Eu prometo — ele respondeu antes de nos despedirmos.


Claro que estava preocupado com a saúde do meu primo, mas também

estava apavorado com a ideia de que precisaria tratar com Emily em algum
momento, já que ele não estava ali para dar a autorização final sobre os

projetos do setor dela, algo que havia delegado para ele, já que não queria vê-
la.

Era como um filme de terror onde o assassino persegue sua vítima. O


assassino era o meu passado e eu era sua vítima, embora, soubesse que não

poderia mais me manter daquela forma, que precisava enfrentar aquilo tudo
de uma vez.

Tentei evitar qualquer coisa que me remetesse àquele evento tão


traumático e tudo estava voltando de uma vez só, não pelos motivos que

imaginaria, pois, não tinha nada a ver com a forma com que meu coração foi
partido na época, mas com a minha falta de capacidade de encarar meus

medos.
Para piorar a situação, Erin me tratou de uma forma estranha no dia
anterior e continuava me evitando.
Claro que alguém já deveria ter ido correndo contar para ela sobre
quem aquela mulher, supostamente nova, era.
Precisava conversar com ela também, mas não estava em condições
psicológicas, pois tinha medo de acabar colocando a perder todas as

conquistas dos últimos tempos.


Passei o dia inteiro tenso, porque tinha uma reunião marcada com

Emily no horário da tarde. Ela viria apresentar os projetos e orçamentos, seria


algo meramente formal, pois Sebastian já havia verificado tudo, então bastava

que eu assinasse os papéis e era tudo que faria, pois, não desejava me
estender.

Felizmente, quando o horário chegou, ela, simplesmente, não apareceu.


Eu já estava tenso e enlouquecendo, mas ela apenas não apareceu e

respirei aliviado. Felizmente, Emily teve um pouco de dignidade em não dar


as caras, pelo menos, pensei assim na primeira meia hora, até que...

— A senhorita MacConnel — minha secretária anunciou através da


nossa linha particular.

Antes de responder precisei respirar fundo.


Não queria aquilo, estava contente com a ideia de nunca mais cruzar

com aquela mulher na vida, mas, antes de tudo, precisava ser profissional.
— Ela está atrasada — falei mal-humorado. — Mas mande entrar.
Ver Emily tão perto foi como dar de cara com minha vida pregressa,
mas a parte interessante era que não doía mais, só era absurdamente
constrangedor, como se expusesse todas as vezes que fui ingênuo demais.
Emily parou no tempo, pois seu rosto arredondado e cachos castanhos
bem-definidos continuavam ali.

Ela destoava do ambiente corporativo com seu estilo arrojado e aquilo


era um diferencial.

Não poderia negar que ela era uma pessoa instigante, mas diferente da
forma que imaginei, aquilo não mais me afetava.

Foi intrigante e satisfatório perceber que finalmente havia superado.


Ela tinha alguns papéis em mãos quando entrou na sala e os colocou

sobre a minha mesa.


Emily não disse uma palavra sequer, como se fosse complicado se

dirigir a mim, como se ela estivesse envergonhada.


— Boa tarde, Emily — falei, pois, não fazia sentido fingir que não a

conhecia quando havíamos passado anos dividindo uma intimidade que


jamais havia experimentado antes.

— Boa tarde, Zackary. Era esquisito ouvir sua voz, porque não me
lembrava, mas quando se tornou algo real foi como se as memórias

voltassem.
Muito estranho.
Era como se ela fosse qualquer outra pessoa no mundo, quase uma
estranha, por mais que tivesse tantas informações sobre ela.
Assinei tudo sem questionar, pois, só queria que aquele episódio de
constrangimento acabasse, que não precisássemos mais trocar uma palavra
sequer pelo restante das nossas existências.

— Não foi fácil criar coragem para vir até aqui e sabia que estava
jogando com a sorte, mas precisava, ainda mais depois de tudo... — Ela

começou a falar e meu coração disparou com o susto.


Aquilo era mesmo constrangedor.

— Depois de tudo que fiz. Eu não consegui ficar em paz nos últimos
anos, pensando no quanto te magoei, em como joguei tudo fora por puro ego.

— Seus olhos lacrimejavam e eu só queria estar em qualquer lugar, menos


ali.

Precisei respirar fundo para me recompor, mas ela parecia firme em


suas palavras.

O que mais me incomodava era a honestidade que podia sentir


naquelas sentenças.

Passei um bom tempo acreditando que Emily era uma pessoa horrível e
sem caráter, então era doloroso perceber que ela era só um ser humano como

qualquer outro, com suas qualidades e defeitos.


Apesar do que fez comigo ela ainda era só uma mulher.
— Emily... Olha só... — Tentei dizer que aquilo era passado e que não
me importava mais, mas fui interrompido abruptamente.
— Não, por favor, só me escuta.
Como seu tom de voz era de pura instabilidade apenas me calei, afinal
nem sabia o que dizer.

— Eu nem consegui dormir depois de tudo. Eu te liguei, fui atrás da


sua família, dos seus amigos. Nunca esperei que você me perdoasse, mas

precisava de uma oportunidade para estar cara a cara com você, de falar com
você e não sabia que demoraria tantos anos, mas tive que aproveitar. — Ela

se calou, deixando que o corpo caísse pesado na poltrona que ficava perto da
minha mesa.

Ainda sem saber o que fazer, apenas me levantei em um movimento


furtivo, me aproximando do filtro que ficava nos fundos da sala, enchendo

um copo d’água e entregando para ela.


A expressão de Emily era de pura confusão e vulnerabilidade quando

ofereci um copo d’água, mas ela aceitou prontamente com suas mãos
trêmulas.

— Obrigada — falou em um sussurro. — Eu não queria parecer uma


doida desequilibrada vindo até aqui.

Eu me lembrava dela, de uma garota impetuosa que me xingou no


estacionamento da universidade, da garota doce que me abraçou nos
momentos difíceis tornando as coisas mais fáceis quando eu ficava mal. Eu
conhecia os aspectos da sua personalidade e sabia que ela foi boa para mim,
por bastante tempo, aquela foi a razão também de ter sofrido tanto quando
percebi que ela se transformou.
Mas, naquele momento, eu estava bem, não doía mais e era capaz de

saber que existia uma parte boa em tudo que vivemos sem me torturar por
aquilo, sem achar que nunca mais seria feliz só porque ela me machucou.

Voltei para a minha cadeira confortável e passei um bom tempo apenas


pensando sobre tudo.

Era complicado lidar com o que estava acontecendo ali.


— Tudo bem, acho que talvez precisássemos de um fechamento real

para esse ciclo. — Eu me permiti sorrir, mesmo que sem humor algum, pela
primeira vez durante aquela conversa. — Nós dois erramos, não somos

perfeitos. — Dei de ombros ao pensar sobre o peso das minhas palavras. —


Mas fomos felizes enquanto pudemos ser. — Eu me senti extremamente

maduro ao admitir aquilo.


— E-eu acho que merecíamos uma nova chance, sabe? Fomos felizes a

maior parte do tempo e sei que o que fiz estragou tudo, mas quero
compensar...

— Não, Emily, nem tenta, por favor. Eu consegui me recuperar, estou


bem agora. Na realidade, amo uma pessoa, quer dizer, amo duas. — Sorri
com honestidade ao relembrar o sorriso doce de Erin e o quanto estávamos
fazendo com que aquela relação evoluísse nos últimos tempos. — É sério,
estou muito bem agora — concluí, enquanto deixava que aquela informação
inundasse meu peito.
Sim, estava bem, finalmente.

— Como assim você ama duas pessoas? — ela questionou levemente


confusa e sorri.

— Bom, eu e minha... — Eu não sabia qual era meu status de


relacionamento com Erin, então parei um pouco, antes de continuar. — Eu e

minha parceira vamos ter um bebê.


O olhar de Emily mudou naquele momento, havia uma luz de

esclarecimento em seu rosto e ela sacudiu a cabeça em compreensão.


— Entendo. — Ela olhava para as mãos. — Eu nunca imaginaria que...

Eu... Me desculpe. — Mais uma vez ela falou e eu sorri, como se quisesse
mostrar que tudo estava bem. — Eu só quero que você saiba que me

arrependi amargamente... De todas as minhas escolhas. — Ela terminou de


falar enquanto enxugava os olhos.

— Se você precisava ouvir de mim, que está tudo bem, então saiba que
está, porque encontrei uma forma de ser feliz de novo e espero que você

também encontre — pronunciei com toda a minha honestidade.


Eu já não a odiava, desprezava ou sentia qualquer rancor, era apenas
indiferente ao que ela havia feito, já não era relevante.
— Obrigada, Zackary, isso significa muito para mim — Emily
concluiu antes de se levantar, ajeitar a roupa e sair finalmente.
Apesar de ter relutado tanto em ter aquele encontro, foi bom
finalmente dar de cara com o que me apavorou tanto, pois sabia que deixei

aquela fase para trás e que podia mergulhar de cabeça na minha nova vida.
Depois de algum tempo, recebi mais um chamado da minha secretária,

mas a pessoa que pediu para falar comigo não era quem eu estava esperando,
por mais que tenha ficado muito feliz com aquela visita. Logo ela estava ali,

perto de mim e resolveu dizer tudo de uma vez:


— Eu ouvi parte da sua conversa com sua ex-noiva agora pouco e peço

desculpas por isso, não tenho direito de invadir sua privacidade.


O olhar duro no rosto de Erin, algo tão incomum, me deixou

preocupado que ela tivesse entendido as coisas da maneira errada.


Meu coração estava completamente descontrolado e estava aflito, pois

não queria correr o risco de perder a coisa que mais trazia felicidade para
minha vida nos últimos tempos, que no caso era ela. Pensei em começar a

falar e explicar que as coisas não eram bem assim, mas entenderia se ela
estivesse chateada e insegura.

— Me desculpe, juro que não sabia que ela seria contratada pela
Evenfort. Acho que ela fez de propósito, porque queria ter uma chance de
falar comigo. Eu não falei com você antes, porque fiquei com medo. —
Suspirei, desistindo de qualquer explicação.
Erin era sensata e sabia que deixaria que contasse minha versão da
história quando fosse o momento certo.
— Eu imaginei. — A doce mulher, parada em minha frente, me

ofereceu um meio sorriso.


Havia muita complexidade na sua postura, como se ela estivesse

pensativa, se decidindo sobre algo, mas suas palavras seguintes me


surpreenderam.

— É verdade o que você disse? Aquilo sobre amar uma pessoa? —


Seu rosto parecia estar iluminado e aquele meio sorriso se tornou um

sorriso inteiro, por mais que se mostrasse ainda inseguro.


Naquele momento, foi como se todas as minhas preocupações se

acalmassem, como se meu peito ficasse aquecido. Respirei fundo, estava


aliviado que ela soubesse sobre meus sentimentos por ela.

— Sim, é a mais pura verdade. Eu não consigo parar de pensar nisso.


Você virou minha vida de cabeça para baixo, Erin, imaginei que nunca mais

fosse ser capaz de amar alguém e do nada você simplesmente chutou a porta
do meu coração.

Sorrimos com minha expressão e me aproximei para segurar suas


mãos.
— Pensei em fazer isso de uma maneira mais planejada, mais bonita,
mas... Eu não quero perder mais um segundo sendo um idiota covarde,
então... Erin, você aceita namorar comigo? Tipo, oficialmente?
Confesso que não me imaginava dizendo aquelas palavras, ou fazendo
aquele tipo de proposta, nem em um milhão de anos. Sempre pensei que iria

morrer sozinho e que aquilo seria ótimo, mas ali me encontrava plenamente
disposto a dividir a caminhada com outra pessoa, abandonando todos os meus

medos apenas para me jogar naquele sentimento tão avassalador.


— Tipo, oficialmente? — ela repetiu com incredulidade o que acabei

de dizer e nós dois estávamos rindo juntos mais uma vez.


Aquilo era estranho, porque os dois estavam nervosos e era palpável.

Eu me senti mais uma vez como aquele garoto cheio de expectativas


que um dia fui.

— Sim, mas só se você quiser — concordei enquanto me aproximava


dela, mas fui surpreendido quando ela me beijou de maneira intensa.

Demorei alguns segundos para entender que a mulher da minha vida


estava em meus braços e que me amava da mesma forma que eu, que ela me

correspondia e estava disposta a viver aquilo tudo também.


Aquele foi o beijo mais profundo que já havia recebido e nele podia

perceber todo nosso desespero, toda a vivacidade do que permeava nossos


pensamentos. Tudo que havíamos tentado evitar em algum momento, mas
que naquele momento havia nos tomado completamente.
— Hey, ainda estamos na sua sala — ela falou com cautela e sorri de
canto.
— Eu tenho uma ideia — falei com um sorriso maroto.
— Como assim?

Erin estava desconfiada, mas me seguiu quando tomei sua mão pelos
corredores da Evenfort Books Inc.

— Onde você está me levando, Zack?


Gostava de ouvir quando ela me chamava pelo meu apelido e aquilo

me deixava ainda mais estimulado a seguir com meu plano.


Caminhamos por alguns minutos e felizmente conhecia os caminhos

menos frequentados, assim podendo evitar encontros desagradáveis com


outros funcionários.

— Espera... O armário da limpeza? — ela perguntou com um olhar


desafiador.

— Vai me dizer que quer esperar até chegar em casa ou ir pra qualquer
outro lugar? — falei de maneira provocante e ela rolou os olhos.

Eu nem percebi, mas logo estávamos nos atracando naquele espaço


minúsculo, expondo todo nosso desejo um para o outro, descontando nossa

excitação naqueles toques irrefreáveis.


Estávamos cansados de reprimir nossos desejos um pelo outro e sabia
o quanto ela gostava daquela sensação de aventura.
Erin passava o tempo inteiro tentando ser perfeita, o que era, mas ela
também tinha outras facetas e se atraía pela aventura. Ela era uma amante
apaixonada, cheia de vigor e com um pouco mais de experiências seria capaz
de quase qualquer coisa.

O único som que podíamos escutar eram os estalos de nossos beijos


trocados com uma dose generosa de saliva, ao mesmo tempo, em que minha

camisa social branca era completamente amassada e a saia que ela usava
escorregava para cima dos seus quadris.

Não conseguíamos manter nossas mãos longe um do corpo do outro.


Às vezes, um movimento mais abrupto acabava por derrubar alguns

materiais de limpeza, ou algumas vassouras, mas nada poderia nos parar.


— Você tem certeza de quem ninguém passa por aqui nesse horário?

— ela sussurrou arfante, enquanto agarrava sua cintura, pressionando seu


corpo contra a porta, friccionando nossos quadris, fazendo com que o contato

de nossos sexos mesmo que sob a roupa, aumentasse ainda mais a


temperatura naquela caixa apertada.

— Não tenho certeza, mas vamos torcer — respondi, tentando manter


meu tom sedutor.

Ela me olhou com certa indignação, mas sabia que não iria desistir da
nossa pequena façanha.
Tomei seu queixo em minhas mãos para colar seus lábios nos meus de
novo, tornando aquele beijo mais urgente, enquanto pedia passagem com a
língua, acariciando a dela com pressa, como se o mundo estivesse prestes a
acabar.
Aquele beijo se transformava em uma bomba-relógio que explodia em

toques cada vez mais ousados.


Para minha surpresa, ela tomou a iniciativa de tocar o volume em

minha calça, desafivelando meu cinto e acariciando o local sobre o tecido.


Não se contentando com aquilo e puxou o zíper em seguida, invadindo

minha cueca para me tocar diretamente.


Claro que aquele simples toque era suficiente para me tirar da

racionalidade e tornar minha mente um emaranhado de sensações


indescritíveis.

Erin se mostrava uma amante cada vez mais ousada e aquilo me


instigava, sem dúvidas. Para ajudá-la, simplesmente abaixei as peças de

roupas e ela pôde me tocar com liberdade, deixando que sua mão fosse e
voltasse na extensão do meu membro, me deixando cada vez mais rígido,

como se aquilo fosse possível.


— E-eu quero você, Zack — ela sussurrou entre ofegos, fazendo com

que cada pelo do meu corpo se arrepiasse.


— Você não acha que é um problema, por causa do bebê e...
— Está tudo bem, ok? Estou ótima... Só quero você... — falou
cochichando, me interrompendo.
— Como você me quer, Erin? — Minha voz era o reflexo de todo o
meu tesão.
— Em mim. Eu quero você em mim — ela pediu de uma vez, fazendo

com que eu agisse sem parar para pensar muito sobre o que fazia.
Eu apenas retirei a peça íntima que ela usava e segurei seu quadril,

para que pudesse ficar entre suas pernas, ainda contra a superfície sólida da
porta daquele pequeno cômodo.

— Por favor, só faz! — a mulher mais deliciosamente irresistível do


mundo pediu e apenas obedeci.

Claro que quando acordamos naquela manhã não esperávamos


terminar o dia dentro do almoxarifado fodendo com toda nossa potência, mas

estava acontecendo e era maravilhoso.


Eu a penetrei de uma só vez e seu gemido foi enlouquecedor.

Investia lentamente no início e aos poucos ia ganhando velocidade,


diminuindo nossa capacidade de conter nossos gemidos.

Aquilo era muito para nós dois, a escuridão da saleta, os nossos cheiros
misturados, nossos corpos imprensados contra aquela porta, enquanto

investia contra ela movimentos despudorados.


Não iríamos suportar por muito tempo e logo percebi que o corpo de
Erin estava se contorcendo com seus músculos comprimindo meu sexo de
forma arrebatadora.
Seu orgasmo veio com força, como um baque poderoso. Seus lábios se
entreabriram, enquanto ela fazia todo o esforço do mundo para não gritar e
arqueava sua coluna em seu êxtase.

Não demorou para que o mesmo frenesi se apossasse de mim e fizesse


com que me derramasse em um ápice incontrolável.

Tomei os lábios da minha linda parceira para abafar os ruídos que


minha garganta insistia em liberar, mesmo que contra minha vontade.

Aquilo foi totalmente insano e estava destruído, sem impedir que meu
corpo caísse pesado contra o dela por alguns segundos.

Nossas respirações fortes ricocheteavam uma na outra.


Não era adepto de rapidinhas, mas aquela foi a melhor da minha vida,

afinal tudo o que fazia com Erin funcionava mil vezes melhor do que seria
com qualquer outra pessoa.

Eu tinha a plena certeza de que estava totalmente à mercê dela.


— Isso foi... Intenso — falei enquanto me afastava delicadamente e a

ajudava a se pôr de pé.


— Muito — ela falou com timidez e sorri, pois, podia imaginar sua

expressão, por mais que estivéssemos em uma sala escura.


— Acho que temos que voltar antes que alguém dê por nossa falta —
falei em um tom de cumplicidade e ela riu baixinho.
— Tudo bem, só preciso de cinco minutos para me recompor. — Sua
entonação era cheia de bom humor e estávamos realmente felizes.
Terminamos aquela nossa pequena sessão libidinosa com um beijo
casto e saímos como se nada tivesse acontecido.

O pensamento que me atingiu enquanto caminhávamos foi apenas um,


“a vida é mesmo ótima”.
Ter resolvido meus problemas com Zackary me deixou muito mais

aliviada, sabendo que ele não tinha intenção alguma de voltar com sua ex-

noiva e, naquele momento, estava no papel de sua namorada oficial.


Mas apesar de estar muito feliz com minha vida atual, algo que remetia
ao passado ainda estava me atormentando, a foto dos meus avós.

Sabia que aquela foto não era um simples registro e ficava me


questionando o motivo do rosto jovem da minha avó não sair da minha

mente, como se quisesse me dizer algo importante. Mesmo sem saber o


motivo, decidi mostrar aquela foto para Sebastian, assim que retornou de seu

breve afastamento para se tratar de um resfriado, pois ele sempre tinha bons
conselhos para oferecer, além de ser a pessoa que tinha maior contato com

Helena Deméter.
Quando entreguei a fotografia a ele, depois que todos saíram para o

almoço, ficando apenas nós dois, ele examinou com cautela, mas não
demorou nem trinta segundos para tomar uma conclusão.
— Essa é uma foto de Helena Deméter quando era jovem, é claro —
ele falou como se fosse simples e meu rosto se contorceu.
A escritora que, para mim, era tão misteriosa e que só vi em fotos, e
minha avó eram a mesma pessoa?
Aquilo era impossível e talvez, fossem apenas pessoas parecidas.

— Isso é impossível, porque essa é a foto dos meus avós com minha
mãe quando era apenas um bebê.

Após ouvir a frase o rosto de Sebastian se torceu em uma careta


curiosa.

— Seus avós?! — Ele estava mesmo surpreso.


Ficamos em um silêncio reflexivo por um bom tempo e meu coração

estava acelerado, pois, o nervosismo me consumia. Não queria criar histórias


em minha cabeça, ainda mais histórias que não eram nada realistas.

Claro que aquilo não podia significar o que meus pensamentos estavam
sugerindo.

— Quais são as chances de você ser neta de Helena Deméter? — O


sorriso que surgiu no rosto de Sebastian era cintilante.

Por uns bons segundos, ficamos nos encarando, mas não sabia o que
fazer ou pensar.

Aquilo não fazia o menor sentido!


Como seria possível?!
Como o mundo poderia ser tão pequeno?
Concluí que sua sugestão era uma loucura, algo simplesmente
impossível.
— Qual é o nome da sua avó? — ele questionou com uma expressão
investigativa.

— Posso ser honesta? Eu não me lembro. Era praticamente um assunto


proibido na minha casa, porque minha mãe guardava um rancor enorme dos

pais. Lembra quando te falei que ela foi parar em um convento por se
apaixonar pelo meu pai? Acho que ela nunca se recuperou totalmente daquele

trauma.
Sim, ele também sabia da minha história, pois contei a ele em uma de

nossas muitas conversas.


— Como poderia esquecer uma história tão miraculosa? — Ele sorriu

levemente e anuí com um movimento de cabeça.


— Mas tenho como descobrir, afinal tenho quase certeza que meu pai

sabe mais sobre isso.


— De qualquer forma, podemos começar com algo simples, como a

comparação dos sobrenomes de vocês. Por exemplo, seu nome completo é...?
— Bom, talvez faça algum sentido... — murmurei. — Erin Deméter

Richmore Papadopoulos. Temos o “Deméter” em comum, que é um nome


que tinha muita importância para minha mãe por causa do seu significado e
história.
— Interessante, vamos pesquisar sobre isso... — Sebastian falou
enquanto digitava algo em seu notebook. — Helena Floros é o nome de
registro, Deméter é uma espécie de pseudônimo, mas parece que em algum
momento da vida ela fez uma alteração no nome, retirando o sobrenome do

marido, voltando para o registro de solteira.


— Isso é mesmo curioso — falei me sentindo perdida, porque aquela

história me parecia ser a cada momento mais confusa.


Sebastian também estava pensativo, como se estivesse se perguntando

de que maneira poderia resolver aquele problema.


Estava prestes a dizer que aquilo tudo era uma bobagem e que ele não

deveria estar perdendo seu tempo do almoço com minhas conspirações, mas
ele se manifestou antes.

— Tenho uma ideia! Helena está muito ocupada no momento por


causa da pré-divulgação da versão traduzida dos seus livros, além das

atividades relacionadas ao lançamento simultâneo do novo livro em quarenta


países, em que nós também estamos trabalhando. Seria difícil conseguir um

encontro com ela, até mesmo virtual, mas sei com quem posso falar.
Seu semblante parecia estar esperançoso.

— Quem seria essa pessoa? — perguntei, por mais que estivesse


receosa.
— Kelly Talbot, a agente dela. Ela é uma pessoa gentil, além de ser
acessível. Tenho praticamente certeza que ela vai falar com você, nem que
seja por ligação.
O sorriso de Sebastian estava cheio de expectativas, mas meu coração
estava martelando no peito.

Ficaria feliz em encontrar a pessoa que tanto magoou minha mãe, caso
realmente fosse ela?

Não seria algum tipo de traição, principalmente, se ela não tivesse


mudado nadinha?

A aflição me atingiu mais uma vez e sabia que aquela era uma situação
complicada.

Quase pedi para que meu chefe deixasse tudo aquilo de lado, pois era
apenas bobagem da minha cabeça.

Porém, meu coração não permitiu e precisava encontrar uma resposta


para aquela pergunta que martelava na minha cabeça.

Mais uma vez, o momento em que vi a foto de Helena na internet e


percebi que ela me lembrava alguém, voltou para a minha mente. Aquilo

aconteceu no meu primeiro dia de trabalho, que, naquele momento, parecia


estar muito distante com tantos acontecimentos que se desdobraram.

Acariciei a barriga, pensando que eram muitas mudanças para uma pessoa só,
mas, de qualquer forma, minha vida nunca foi tranquila mesmo.
•••
Naquela noite, dormi nos braços de Zackary pela primeira vez. Era um
contato calmo e singelo, nada que remetesse a qualquer investida maliciosa.
Estávamos esgotados e parecia que a simples ação de adormecer um ao lado
do outro ajudaria a recarregar nossas baterias. Aquela proximidade me

acalmou bastante, pois durante o dia apenas o rosto de Helena Deméter


permanecia em minha mente.

A ansiedade começou a me corroer quando percebi que poderia


descobrir a verdade mais rápido do que imaginava, mas só contaria para ele

depois que a situação estivesse consumada. Pedi até mesmo para que
Sebastian não comentasse sobre aquilo com ninguém.

Antes, naquele mesmo dia, liguei para o meu pai e descobri através
dele que o sobrenome de minha avó era Papadopoulos, assim como da minha

mãe e ele nunca ouviu nenhuma menção ao sobrenome Floros. Mesmo assim,
sabendo que Helena mudou de sobrenome em algum momento da vida, não

podia descartar ainda a ideia que ela fosse minha avó.


Quando acordei foi como se todas as minhas ansiedades tivessem

retornado. Estava sozinha e estranhei aquele apartamento novo, como se


estivesse em outra dimensão.

O contato do chão frio contra meus pés nus causou um arrepio quando
decidi me levantar e ir até à cozinha.
Zack já havia saído, mas não sem deixar um recado e um vaso com
flores frescas no balcão.
“Você estava dormindo como um anjo e não tive coragem de
acordá-la. Descanse!”
Rolei os olhos, porque estava mesmo atrasada. Eu já havia dito que

não queria ser tratada com privilégios só por causa do nosso relacionamento.
De qualquer forma, não estava com raiva, apenas sabia que precisaríamos

conversar melhor em breve.


Ao chegar à Evenfort Books fui recebida por um Sebastian muito

eufórico. Ele estava mesmo animado com aquela história e fiquei mais
otimista só de visualizar sua expressão.

— Eu consegui, Erin! — Foi o seu “bom dia” e sorri com sua


animação.

— O que você conseguiu? — Arqueei uma sobrancelha sem perceber.


— Kelly Talbot vai estar no país no final de semana e ela aceitou

almoçar com você no sábado.


Aquela declaração fez com que todo o meu corpo se tornasse dormente

e, ao mesmo tempo, meu estômago revirasse.


Era uma reviravolta e tanto na minha vida.

Eu quis vomitar mais uma vez e não sabia se era por causa da gravidez,
ou apenas por causa do nervosismo.
Sebastian percebendo minha situação, ofereceu um copo d’água e,
depois de respirar um pouco, consegui voltar a ser produtiva, tentando manter
a cabeça afastada daquele final de semana.
Zack também me ajudou com certa distração, me convencendo a dar
uma de nossas escapadas pelas saletas daquele prédio, o que foi

extremamente bem-vindo, apesar de me fazer corar toda vez que passava ao


lado de qualquer pessoa ali dentro e me perguntava se alguém sabia daquilo.

Ri comigo mesma enquanto voltava ao trabalho.


Estava um pouco mais desalinhada, mas também mais bem-humorada.

A semana se arrastou, ao mesmo tempo, em que tentava me manter


racional em relação àquele encontro. Não deveria esperar que existisse uma

espécie de final feliz para uma história tão cheia de nuances, afinal a vida real
não era assim, por mais que meus pais tenham me feito acreditar em relações

muito mais bonitas e cheias de afeto.


Quando finalmente aquele dia chegou, apenas disse para Zackary que

precisava resolver um problema e que quando voltasse contaria sobre o que


se tratava. Ele não questionou e sabia que aquilo demandou muito esforço da

sua parte, pois ele era uma pessoa extremamente curiosa.


Eu o admirei por ser tão compreensivo.

O restaurante onde ela marcou o encontro era muito simples e discreto,


nada luxuoso, provavelmente, para não chamar atenção.
Quando avistei a mulher mais uma vez o meu controle emocional foi
por água abaixo.
Aquilo era mesmo real.
Kelly deveria estar na faixa dos quarenta anos e tinha uma aparência
poderosa. Seus cabelos eram volumosos e seu rosto era confortável de se

observar. Seus gestos eram confiantes e seu olhar era acolhedor.


Ela se levantou para me receber e eu não estava atrasada, na realidade,

ela se adiantou um pouco.


— Boa tarde! Eu não te deixei esperando, não é? — perguntei com um

sorriso, ficando nervosa com a possibilidade.


— Olá, Erin! É claro que não, também acabei de chegar. — Ela

correspondeu ao meu sorriso simpaticamente e respirei aliviada.


— Muito obrigada por vir, isso significa muito — afirmei com

sinceridade.
— Nunca perderia a oportunidade de conversar com a neta de Helena.

Ela é uma das pessoas mais importantes na minha vida, não só profissional,
mas pessoal, afinal somos grandes amigas — a mulher concluiu e só pude me

atentar a primeira informação que ela jogou em meu colo.


“Nunca perderia a oportunidade de conversar com a neta de Helena.”

Suas palavras ecoavam em minha mente em um looping infinito, como


se eu tivesse perdido o chão, como se naquele momento tivesse o peso de
uma pena sendo jogada de um lado para o outro pelo vento.
— V-você tem certeza de que ela é mesmo minha avó? — perguntei
com receio.
— Por favor, vamos nos sentar, afinal tenho muito que dizer, por mais
que nem tudo vá ser fácil. — Ela suspirou com resignação, mas não quis tirar

conclusões precipitadas, afinal minha cabeça já estava a mil.


Quando nos sentamos, ela me lançou um longo olhar, como se

buscasse delinear algo sobre minha aparência em sua mente, mas não me
detive aquilo, pois tinha certeza que ela também estava curiosa sobre mim.

— Sobre a sua pergunta... — Ela entrelaçou os dedos sobre a mesa. —


Sim, eu tenho certeza de que ela é sua avó. Seu nome, o nome da sua mãe, os

registros... Se você encontrasse a certidão de nascimento da sua mãe, veria


que o nome do seu avô está lá, assim como o nome de casada de Helena. É

tudo muito claro, não há dúvidas.


Deixei que o ar entrasse lentamente pelas narinas, tentando oxigenar o

corpo todo. Precisava ser racional e descobrir quais eram as coisas “difíceis”
que ela tinha a me dizer.

— Então quer dizer que... — Comecei a falar, mas tive que me conter,
pois, nem sabia como continuar a frase.

Depois de alguns segundos silenciosos, Kelly decidiu falar de uma vez.


— Ela sabia de tudo, ela descobriu antes mesmo da sua mãe falecer.
Observei que seu rosto tinha uma expressão sombria. Ela parecia estar
genuinamente triste e eu nem sabia como me sentir, porque sequer havia
absorvido aquela informação.
— Helena preferiu manter distância da filha, simplesmente, porque não
a perdoou por ter fugido. Ela me contou sobre isso, na realidade, entendo o

lado dela, apesar de saber que deve ser muito doloroso para você.
— Então, ela sempre soube de nós? — perguntei enquanto sentia uma

onda de fragilidade me acertar o peito.


Por que me importava tanto?

Não era como se esperasse encontrar minha avó algum dia, então, por
que a possibilidade perdida doía?

— Infelizmente, Helena ficou muito magoada com o que a filha fez e


se recusa ter qualquer contato com a família. Eu sinto muito, mas ela jamais

teve interesse em encontrar sua mãe ou qualquer pessoa relacionada a ela.


Seu olhar era de tristeza e sabia que não devia ser fácil para ela dar

aquele tipo de notícia para a neta da escritora que ela agenciava, mas não era
culpa dela.

— Insisti tanto para que ela viesse hoje, para que vocês se
conhecessem... Mas ela está irredutível. — A mulher olhava nervosamente

para as mãos.
Entendia o seu lado, afinal aquele não era o tipo de notícia que alguém
gostaria de dar.
— Entendo e sinto muito por ter feito você vir até aqui... — Tentei
dizer enquanto sentia aquela espécie de luto atravessar meu peito.
Eu iria me recuperar rápido, afinal vivi minha vida inteira sem ela e
não iria me matar naquele momento.

— Não, por favor, esse encontro foi importante, porque preciso


explicar os motivos dela. Sua avó tem uma história muito bonita de superação

e não a julgo por seus traumas. Tivemos a oportunidade de conversar sobre


isso em detalhes e, talvez, se você me escutar, a perdoe por essa atitude

radical.
— Tudo bem, estou escutando. — Eu já estava lá mesmo.

Comecei a me sentir apática depois do choque, como se tivesse levado


um balde de água fria e minha pele formigasse.

— Seu avô era uma pessoa cruel, ele violentou sua avó de todas as
maneiras possíveis e ela viveu um inferno nas mãos dele.

“Durante aquele período, ela fez de tudo para manter sua mãe
protegida das ações horríveis daquele homem.

“Por mais que ela não quisesse mandar Gaia para o convento, ela
achou melhor, pois seria mais fácil que a menina ficasse longe das situações

abusivas que ela vivenciava em casa.”


Suas palavras me levaram mais uma vez a um espiral de emoções
dolorosas, afinal minha avó tinha sua história também.
Eu não estava com raiva dela, apenas decepcionada que as coisas
acabassem daquela maneira.
— Foi por causa disso que sua avó se fechou em um mundo
imaginário, onde suas personagens eram livres e plenamente capazes de se

reerguer sozinhas, assim como ela fez, quando finalmente se separou do seu
avô.

“Foi uma vitória e tanto para ela, uma virada na vida.


“Ela já era praticamente uma mulher idosa e conseguiu se libertar.

“Quando a encontrei, ela se sentiu muito feliz por finalmente alguém


ter enxergado seu potencial.”

— Entendo... Isso é mesmo muito bonito e dá muito mais sentido a


todas as histórias dela que tenho lido. — Senti que algumas lágrimas

começavam a se formar em meus olhos.


Aquilo tudo era tão emocionante e não sabia como suportar, ainda mais

com os hormônios descontrolados da gravidez.


— Sim... Mas infelizmente aquela dor deixou marcas. Foi como se ela

culpasse sua mãe por ter fugido, por tê-la abandonado nos momentos mais
difíceis. Não parece ter muito sentido para pessoas que nunca passaram por

situações assim, mas talvez faça para ela.


Respirei profundamente para tentar me colocar no lugar de minha avó
e, realmente, poderia fazer sentido para uma pessoa que nunca passou por
tantos traumas. Nunca a julgaria, assim como não julgaria minha mãe por ter
escapado. Elas fizeram o que era necessário para sobreviver e eu nunca teria
que sofrer como elas, pois, graças à minha mãe, nasci em um ambiente muito
mais tranquilo.

Tinha uma avó que não queria ter contato comigo e jamais a forçaria a
fazer aquilo.

Fiquei contente em saber que ela estava vivendo uma vida boa, por
mais que aquela vida tivesse chegado com atraso.

Sorri, mais para mim mesma, pensando que aquele era o nosso final
feliz, por mais que talvez nunca nos reuníssemos como família.

— Eu agradeço muito, Kelly. O que você fez por mim, hoje foi muito
importante. Agora sei mais sobre as minhas origens. Isso tudo me deixa

muito pensativa sobre nossas heranças, afinal minha avó também é amante da
literatura. Essa é uma paixão de família e sei que isso sempre vai nos manter

unidas, mesmo que nunca nos encontremos fisicamente.


A senhorita Talbot também parecia estar emocionada com minhas

palavras.
Aquela mulher parecia ser uma boa pessoa e estava satisfeita em saber

que ela estaria ao lado da minha avó, por mais que eu não pudesse estar.
— Eu poderia pedir um último favor? — Mais uma vez sorri
singelamente e ela assentiu de forma silenciosa.
Peguei o objeto leve e já meio amassado em minha bolsa. Dentro do
envelope havia uma cópia da foto em que ela segurava minha mãe, ainda
bebê.
Sim, escrevi uma carta para minha avó, como fazia com meu pai,

durante uma das noites de insônia naquela semana tão aflitiva.


— Você poderia entregar isso a ela?

— Sem dúvida alguma. — Seus olhos brilharam com a minha ação e


ela guardou o envelope.

Talvez, ela mudasse de ideia ao ler minhas palavras, ou talvez não. De


qualquer maneira, sabia que ao menos tinha tentado.
Depois da surpresa inicial, tentei de todas as formas possíveis fazer

com que Erin concordasse em me deixar conversar pessoalmente com Helena

Deméter. Talvez, a ajudasse a enxergar com mais clareza sobre toda aquela
situação, talvez, aquilo tirasse a expressão triste do rosto da mulher da minha
vida.

Depois daquele encontro com a agente da mulher que descobrirmos ser


sua avó, uma sombra de melancolia abateu Erin, apesar dela não tentar

demonstrar.
Sabia que as coisas não ficariam daquela forma para sempre e que,

eventualmente, ela superaria, mas, ainda assim, era doloroso olhar para
aquela expressão abatida em seu rosto, sem poder fazer algo para ajudar.

Apesar daquele desvio de percurso continuamos com nossa vida


tranquila, cada dia mais próximos, nos conhecendo melhor e nos preparando

para receber nossa filha.


Sim, teríamos uma menina e aquilo não poderia me deixar mais feliz.
O projeto de expansão da Evenfort Books Inc. continuava se
desenvolvendo de maneira tranquila, assim como o trabalho da equipe de
redação e tradução da obra de Helena Deméter. Sebastian estava mais
sossegado e até tirou uns dias de folga.
Já não era mais tão desagradável trabalhar com Emily, que não me

abordou mais para falar sobre nosso antigo relacionamento, depois que contei
sobre Erin.

Tudo estava bem e me sentia satisfeito comigo mesmo, pois em um


curto período encarei meus maiores temores e superei os problemas que só

existiam na minha cabeça.


Claro que aquilo jamais teria acontecido sem a ajuda da mulher que

revirou meu mundo completamente.


Tudo o que queria era ter uma forma de mostrar o quanto ela

significava para mim, então decidi encomendar um presente especial e


entregar quando ela menos esperasse.

Algumas boas semanas se passaram desde a descoberta do parentesco


entre Erin e Helena Deméter, e minha namorada parecia estar mais animada,

então, um certo dia, depois de uma reunião geral exaustiva, decidi que era o
momento de dizer o que tanto desejava.

O livro era bastante luxuoso, possuía uma capa marrom de couro


macio, as páginas eram de papel pólen e o cheiro era maravilhoso, pois
escolhi até a fragrância que ele possuiria.
Era algo que remetia ao verde refrescante e as notas amadeiradas das
árvores.
Deixei o objeto sobre a cama do nosso quarto quando saímos naquela
manhã, porque naquele momento dormíamos no mesmo cômodo.

Quando voltamos e ela foi até o quarto para pegar peças de roupa para
se trocar, deu de cara com aquele objeto de grande valor sentimental.

Sabia que o impacto de joias, perfumes e lingeries caras não teria o


mesmo impacto que aquele objeto totalmente pensado somente para ela.

Deixei que alguns minutos se passassem e o apartamento estava em


silêncio total. Quando me aproximei do quarto, parei encostado no batente da

porta, apenas para observar sua reação com o livro no colo. Ela cobria a boca
com uma das mãos e já deveria ter lido as únicas frases escritas na primeira e

segunda página.
Αυτή είναι η αρχή της ιστορίας μας

(Este é o começo da nossa história.)


Θέλεις να με παντρευτείς

(Você quer se casar comigo?)


Seu rosto se moveu em minha direção, lentamente, e seus olhos

estavam cintilando sob a luz fraca do quarto. Precisei tirar uma foto, pois
mostraria para nossa filha quando fosse mais velha o dia em que pedi a mãe
dela em casamento.
A expressão de Erin se modificou ao me ver registrar a imagem e sorri,
pois, estava feliz.
— Onde assino para aceitar? — ela questionou com doçura.
— Não precisa assinar, apenas pegue isso — falei enquanto caminhava

em sua direção e me ajoelhava na sua frente, em seguida, abrindo a caixinha


de camurça preta.

— Meu Deus! Dessa vez, você me pegou mesmo, não foi?


Seu bom-humor era tangível e dei de ombros.

Erin passou um tempo olhando para mim, depois para o anel com uma
discreta pedra de diamante.

Sabia que ela não aceitaria usar nada que fosse mais chamativo do que
aquilo, então fui comedido em minha escolha.

— Você tem certeza do que está fazendo? Pensei que não quisesse se
casar, depois que...

Claro que contei a ela o que aconteceu entre Emily e eu, o que,
felizmente, só nos aproximou mais.

— Erin, nada me faria mais feliz do que passar o resto da minha vida
com você, não que precisássemos de um casamento para isso, sinceramente, a

parte burocrática é o de menos. O que quero mesmo é simbolizar o quanto


gosto de você de alguma forma, porque sinto que posso acabar explodindo
com um sentimento tão forte dentro de mim.
Ela não pôde deixar de me observar com doçura.
— É claro que sim. Eu amo você, Zack. — Um sorriso profundo se
traçou naquele rosto tão delicado e gracioso.
— Eu também amo você, infinitamente — concluí com toda a certeza

que possuía em minha alma.


•••

Conhecer Bourton on the Water foi como fazer uma viagem pela vida
de Erin. Era como se fosse uma nostalgia de algo que nem sequer fazia parte

das minhas lembranças, mas das dela. Aquele lugar parecia ter sido tirado de
um livro de contos de fadas e, finalmente, entendi o porquê da minha noiva

ser tão apaixonada por aquela pequena vila.


Quando conheci o pai de Erin foi assustador, afinal não ficava tão

nervoso desde que a pedi em casamento e naquele momento precisava falar


com a pessoa viva mais importante na vida dela, depois da nossa filha, que

ainda estava em seu ventre.


Mas, ao contrário do que esperava, Callum não era nada ameaçador,

era um doce de pessoa, assim como a mulher da minha vida.


— Então, você é o moço que anda fazendo minha menininha suspirar?

— ele perguntou, me fazendo sentir o rosto esquentar imediatamente.


Aquelas sensações novas eram bobas, mas agradáveis.
— Papai! — Erin o repreendeu sorrindo e dei de ombros da maneira
mais bem-humorada que pude.
— Espero que sim. Espero que realmente seja eu. — Olhei para o rosto
dela que parecia estar cada dia mais bonito.
Aquele encontro acabou por se tornar um dos mais simples e leves da

minha vida, entre conversas e memórias daquele vilarejo.


Minha mãe e minha tia se apaixonaram por Erin à primeira vista, assim

como minha noiva também se apaixonou pelas duas e pela fazenda, claro.
Cozinhei para minha noiva, junto com tia Harriet e minha mãe, no dia

de nossa primeira visita. Foi um almoço e tanto, pois estávamos todos


reunidos e fiz questão que o pai dela participasse, assim a família ficaria

completa.
Eu já havia contado tudo sobre Erin para as mulheres da minha vida,

mas minha mãe fazia questão de repetir cada detalhe para tia Harriet e
pontuar as partes que eram mais interessantes para ela.

— Você sabia que ela é metade grega? — mamãe perguntou enquanto


minha tia rolava os olhos.

— Sim, tia, a senhora repetiu isso umas três vezes. — Sebastian sorriu
com simpatia, mas levou um beliscão da minha mãe e rimos dele.

— Não é uma moça escocesa, mas é até mais bonita do que algumas
que conheço.
— Mamãe, por favor, apenas não — implorei, embora soubesse que
ela não iria parar tão cedo. — Me perdoa, amor! — sussurrei ao pé do ouvido
de Erin, que riu baixinho. — Você acha que seu pai vai sobreviver o
deixarmos aqui com essa doida? — cochichei para ela, de bom-humor.
— Claro que vai, ele já passou por coisas piores — ela cochichou de

volta.
— Queridos, vou apresentar a cavalariça para a Erin, pois chegou um

momento extremamente importante, ela vai conhecer o Eros — falei com


satisfação e Sebastian apenas me lançou um olhar fulminante.

— Pois vou com vocês. Não pensem que vocês vão sair por aí
namorando, sozinhos — ele reclamou, já se levantando.

Erin apenas ria e os mais velhos ficaram completamente indiferentes.


Enquanto caminhávamos pela fazenda, ouvindo os barulhos da mata e

observando os animais de todo tipo que se espalhavam pela extensão do


lugar, Sebastian ainda falava na minha cabeça.

— Eu não acredito que vocês iam me abandonar com a tia Olivia!


— E eu não acredito que você está me perseguindo. Será que você não

percebe quando está sobrando, priminho? — falei com certa ironia e a


resposta foi um soco, não tão leve, no meu ombro. — Seu... Seu... É melhor

você correr! — falei enquanto me preparava para derrubar Sebastian, que se


adiantou, fugindo em disparada.
Ele sempre foi um corredor melhor do que eu, além de um melhor
escalador, apesar de estar um pouco fora de forma.
De qualquer maneira, não consegui alcançá-lo, embora não tenha me
dado por vencido e aquela perseguição tenha durado um bom tempo, pelo
menos até nós dois cairmos no meio da pastagem, completamente esbaforidos

e com as roupas sujas.


— Você é impossível, Zack, parece uma criança! Olha lá sua noiva te

olhando — ele falou em tom de repreensão.


Tudo que pude fazer foi levantar o corpo, apoiando os cotovelos atrás

de mim para erguer os olhos e encontrar uma Erin risonha, sentada sob uma
árvore.

Ela parecia estar feliz e aquilo me fez sorrir também.


— Olha quem fala! Como se não fosse você que tivesse começado...

Anda! Vamos nos levantar, preciso apresentar Eros para a minha noiva.
— Preciso apresentar meu potrinho para minha noiva. — Ele fez uma

suposta imitação minha, com um tom de voz bobo.


— Depois sou a criança — reclamei mais uma vez antes de me

levantar e, finalmente, fazer o que falei antes.


A confirmação de que Erin era minha alma gêmea veio quando Eros,

que muitas vezes podia ser temperamental, aprovou o nosso casamento.


Como sabia daquilo?
Eros ofereceu a cabeça para que ela acariciasse sua crina, assim que
chegamos. Ele sentiu que ela era uma boa pessoa e só confirmou o que já
sabia.
— Espero que nossa filha possa ter uma infância como a minha, aqui
nessa fazenda — falei com satisfação e ela assentiu prontamente.

— Eu adoraria isso. Acho que nada me deixaria mais feliz, na verdade.


Naquele instante, soube que teríamos uma vida maravilhosa, juntos.

•••
Passei longos anos de minha vida pensando que era mais simples viver

sozinho. Depois de ter me decepcionado tanto com um relacionamento, tive


medo de que jamais valesse a pena me aproximar de alguém, mas estava

enganado.
Olhar para toda aquela decoração com ornamentos trançados de

madeira e flores cor-de-rosa, vermelhas e brancas, fazia com que minha


mente desse várias voltas, como se pudesse viajar por todo o percurso que me

levou até ali.


O receio me fez ficar congelado por tanto tempo, mas o sorriso de Erin

derreteu qualquer resquício gelado que houvesse em meu coração.


Não estava com medo de me machucar, não mais, e só queria

aproveitar aquele momento tão perfeito.


Demorou uns bons meses para que a barriga de Erin aparecesse, mas,
quando a data do casamento chegou, ela já era uma das grávidas mais lindas
do planeta e a presença da nossa filha era completamente aparente.
Finalmente, realizaria o sonho do meu pai que era casar seu único filho
na fazenda que ele tanto amou.
Minha mãe ficou extremamente feliz em ajudar na organização, algo

que também deixou Erin satisfeita, pois ela estava absorta demais no projeto
de tradução da obra de Helena Deméter para conseguir pensar sobre a

organização do nosso enlace.


Claro que nem tudo eram flores e que Sebastian e Samantha, como

padrinhos, não se deram muito bem, causando alguns atritos que precisamos
intervir algumas vezes.

Mas, no final das contas, eles até que ficaram bem um do lado do
outro, o que ajudou na composição visual do evento mais importante de

nossas vidas.
Em homenagem ao meu pai e a mãe de Erin, posicionamos quadros

com fotos dos dois, próximos ao altar.


A presença deles era muito importante para nós, mesmo que em

memória.
Havia poucos convidados, mas todas as pessoas que eram importantes

para nós dois estavam presentes. Tínhamos mais em comum do que poderia
parecer e concordávamos com a maioria das ideias um do outro, embora, de
vez em quando, tivéssemos alguns desentendimentos, mas nada que não fosse
facilmente contornado.
Quando a orquestra começou a tocar a música escolhida para a entrada
da noiva, sabia que era o momento da minha vida. Sabia que tudo seria
diferente, porque aquele seria o início das nossas vidas como um casal,

oficialmente juntos.
Minha mãe se debulhava em lágrimas, enquanto tia Harriet fingia

tranquilidade. Sebastian tinha um olhar cintilante, mas ele estava segurando


bem a emoção, ao contrário de mim, que mal podia sentir meu rosto,

enquanto meu coração batia mais forte do que em qualquer outra ocasião em
minha vida.

Logo, pude vislumbrar o anjo que surgiu em minha vida havia tão
pouco tempo, mas que mudou absolutamente tudo sobre minha forma de ver

as coisas.
O vestido dela tinha um modelo romântico e simples, com mangas

longas de renda e solto na parte da barriga, deixando sua forma bem evidente.
O rosto de Erin nunca esteve mais radiante e podia ver em seu olhar as

emoções que compartilhávamos.


Estávamos imensamente felizes.

Assim que o pai dela me entregou sua mão, foi quando a ficha caiu de
que estávamos mesmo fazendo aquilo e que não havia nenhum tipo de
arrependimento.
— Quando olhei em seus olhos pela primeira vez, soube que aquele
não era um encontro comum e não estava errado. — Fui o primeiro a
declamar os votos e estava muito nervoso, apesar de ter ensaiado
exaustivamente. — Erin, amo você e amo quem me torno quando estou ao

seu lado. Eu não quero apenas sonhar, quero dividir cada sonho com você,
para o resto das nossas vidas. Quero passar todos os dias ao seu lado, assim

como todas as noites, eternamente.


— Zack, você é a pessoa mais encantadora que já conheci e agradeço

por me deixar ajudar a revelar essa parte tão doce do seu coração. Obrigada
por me amar e por me deixar amar você.

Não podíamos desviar nossos olhares nem se quiséssemos, como se


estivéssemos mergulhados um no outro.

— Eu prometo continuar ao seu lado todos os dias e todas as noites,


eternamente. S'agapó.

Aquela era uma das poucas frases que entendia em grego, porque
significava “eu te amo”.

— S'agapó — respondi, ao mesmo tempo, em que sorríamos com afeto


um para o outro.

Levei os lábios até a barriga da minha noiva, sentindo a conexão entre


nós três naquele momento.
Quando trocamos as alianças foi como se o mundo inteiro tivesse
parado para nós dois e, por um momento, esqueci que estávamos em público,
na frente de tantas pessoas, então o celebrante autorizou nosso primeiro beijo
como marido e mulher, e era como se estivéssemos sozinhos, como se o
mundo fosse nosso.

Não saberia descrever como era o “depois”, porque nunca havia me


sentido daquela forma, como se minha alma tivesse passado por um processo

de iluminação que não conhecia.


A festa foi só o complemento de toda aquela transição de vida tão

esperada por todos nós. Minha mãe não poderia estar mais radiante, afinal
seu filho era um homem casado e logo teria um bebê.

Não havia nada mais que ela pudesse querer.


Bom, na verdade, havia algo que ela queria e percebi quando chegou o

momento em que Erin iria arremessar seu buquê de flores.


Enquanto aquele objeto voava pelo pequeno salão, vi quando minha

mãe pulou, como se sua vida dependesse daquilo, para pegá-lo. Até aquele
instante, não tinha noção do quanto ela queria se casar, mas não pude deixar

de rir.
Infelizmente, apesar de todo seu esforço, minha querida mãe não

conseguiu pegar o buquê, na realidade, não passou nem perto, porque ele foi
parar do lado oposto do espaço, afinal Erin nunca teve uma coordenação
motora das melhores.
O pequeno arranjo de flores delicadas acabou batendo na cabeça de
Sebastian que estava escondido em um dos cantos daquele lugar.
— EU NÃO ACREDITO NISSO! — ele gritou sacudindo as flores e
todos riram. — Depois vocês me criticam, mas isso me persegue! — Meu

primo balançava o buquê e as moças que tentaram apanhá-lo olhavam com


frustração para a cena. — Tia, pegue, é seu! — ele falou enquanto entregava

as flores para minha mãe, que ficou menos chateada.


— Que generoso, dando a vez para outra pessoa, priminho — falei

enquanto ríamos juntos.


Já com seu buquê em mãos, observei minha mãe voltar para a mesa da

família, se sentando ao lado de Callum, começando uma conversa bastante


efusiva. Ele sorria para ela de uma maneira diferente e uma pontada de

ciúme surgiu no meu estômago.


Nada que incomodasse mais do que uma picada de mosquito, o que

não significava que não fosse estranho.


Erin também pareceu notar e sorrimos de maneira cúmplice um para o

outro.
Depois daquele momento, nos poucos instantes em que consegui

pensar em algo, fiquei refletindo sobre tudo que nos levou até ali e me
perguntei se mudaria algo, mas não havia qualquer coisa que pudesse ser
alterada, porque era nossa história.
Aquele definitivamente era nosso “felizes para sempre” e não
conseguiria desejar nada mais.
Estava plenamente feliz e era grata por cada pequena coisa que

alcancei.

Naquele momento, tinha minha sala e estava orgulhosa de saber que


conquistei a efetivação na Evenfort Books Inc. por mérito meu e trabalho
duro, embora, soubesse que logo teria que parar, porque o nascimento da

minha filha se aproximava.


Aquele era um dia como qualquer outro e todos os dias eram bons, até

os que eram mais estressantes, porque, no final, ainda tinha as pessoas que
amava e sabia que sempre teria, até mesmo as que já havia partido, como

minha mãe.
Nada seria capaz de me entristecer, nada tiraria meu foco das coisas

boas.
Mas, por mais que estivesse plenamente satisfeita, a vida ainda podia

me surpreender positivamente e foi o que aconteceu naquele dia


especificamente.
Meus pés estavam inchados e caminhava lentamente. Minhas costas
doíam e meus seios começavam a vazar leite. Estava mais próximo do que
nunca o parto e estava ansiosa para que a pequena viesse logo ao mundo, pois
queria conhecê-la logo.
— He-Helena. — Foi tudo que consegui dizer, ou melhor, gaguejar, ao

encarar aquela figura tão nova e, ao mesmo tempo, tão conhecida.


Ela estava materializada na minha frente e era tão diferente dos meus

pensamentos, tão palpável, tão grande!


Naquele instante, algo mudou dentro de mim, como se eu tivesse

encontrado a saída de um labirinto.


O rosto de Helena era rígido, mas, ao mesmo tempo, afável, assim

como Gaia, minha mãe. Ela era diferente do que imaginei, mas todas as
marcas que o tempo deixou em sua pele não diminuíam em nada sua beleza.

— Sim, sou eu, sua avó, Helena. — Seu sorriso era vivo e meu peito se
agitava com sua presença. — Eu li sua carta — ela pontuou com alegria.

Eu me permiti a sorrir também, pois ela me escutou, ela decidiu nos


dar uma chance e aquilo, para mim, era uma grande conquista.

— Queria pedir desculpas por ter demorado tanto, minha querida.


— Entendo que você não quisesse ter contato comigo, afinal sou um

lembrete de todos os seus traumas e...


— Foi isso que ela disse a você? — Helena perguntou solenemente e
assenti, em silêncio. — Isso nunca foi verdade, meu anjo. — Sua expressão
era de pura decepção. — Eu nunca imaginei que Kelly trairia minha
confiança dessa maneira, mas o destino tinha um objetivo diferente para nós.
— Como ela traiu sua confiança?
Imaginei que aquilo tivesse relação com meu encontro com a agente,

que minha nunca avó soube sobre ele e aquilo fez com que uma sensação de
perplexidade me atingisse.

— Ela não pretendia me entregar sua carta e tenho certeza do motivo,


minha herança. Éramos amigas próximas e parte da minha fortuna seria dela

quando eu morresse, por isso uma nova herdeira não seria de interesse para o
egoísmo dela. — O olhar da minha avó era triste, mas, ao mesmo tempo, ela

parecia estar satisfeita. — Felizmente descobri a verdade antes que fosse


tarde demais e não pretendo morrer tão cedo, não antes de conhecer minha

bisneta.
— Então você soube? Como descobriu? — perguntei acariciando a

barriga, que estava escondida atrás da mesa, mas, pelo visto, a informação já
chegou até ela.

— É claro! Kelly não disse nada sobre o encontro de vocês, mas um


dia, como que numa jogada do destino, decidi ir até o apartamento dela, aqui

no Centro mesmo, pois precisávamos resolver algumas questões sobre as


sessões de autógrafos que irão ocorrer em breve. Ela me chamou até o seu
escritório pessoal e bem em cima da mesa estava o envelope com meu nome!
— O rosto da minha avó era uma incógnita, pois se modificava entre uma
expressão de revolta, tristeza e esclarecimento. — Tentei não demonstrar que
vi o envelope, então, quando ela saiu para ir até à cozinha, eu, simplesmente,
guardei o papel sem dizer nada. Quando li a carta entrei em contato com

Sebastian imediatamente e perguntei quando poderia vir te visitar, pois,


queria fazer uma surpresa. — Ela sorriu e eu também, apesar da raiva que

estava sentindo daquela mulher que acreditei ser uma boa pessoa.
— Eu agradeço muito por ter vindo... Sinto muito por não ter insistido

mais, mas Kelly Talbot foi extremamente convincente. Ela também mentiu
pra mim, dizendo que a senhora sabia sobre minha existência e que encontrou

minha mãe mesmo antes dela falecer, mas não quis falar conosco —
lamentei.

O rosto da minha avó era de pura dor com minhas palavras, mas
quando nossos olhos se tocaram mais uma vez, quando enxergamos uma

através da outra, sua expressão se suavizou e ela respirou fundo, continuando


nossa conversa logo depois.

— Não agradeça, nem se desculpe, minha querida, essa é a coisa mais


importante que já me aconteceu. Me diga, florzinha, como você descobriu

nosso parentesco?
Seu olhar era curioso e enigmático, inclusive parecia bastante com o da
minha mãe.
— Bom, quando vi sua foto na internet pela primeira vez tive a
sensação de que já conhecia seu rosto, como se fosse familiar, mas não dei
atenção para aquela sensação e, simplesmente, segui com a minha vida.
Tantas coisas aconteceram que nem tive tempo de refletir sobre o assunto,

pelo menos até o aniversário do meu pai. Viajei para minha cidade natal a fim
de me encontrar com meu pai e fazer uma festa, então, ele me entregou

algumas fotos que minha mãe guardava e entre elas estava essa que lhe dei.
— Sorri de forma serena com o pensamento.

— Você me reconheceu nessa foto tão antiga? Eu mudei bastante! —


Ela riu e parecia estar quase descrente daquela informação.

— Fiquei confusa, mas Sebastian me ajudou a acreditar que não estava


completamente louca. Ele disse que tinha certeza de que era a senhora.

— Ele é mesmo um menino de ouro, com uma boa intuição... —


Helena falou pensativa e continuou: — Eu fiz de tudo para encontrar sua

mãe, Erin, mas recebi a notícia de que ela faleceu. Kelly me enganou de uma
maneira terrível, apenas por interesses monetários. Eu já entrei com um

processo contra ela, porque é o mínimo que poderia fazer. Eu queria tanto ter
estado ao lado de Gaia nesses momentos tão difíceis e isso doeu tanto...

— Eu consigo imaginar, mas também não foi sua culpa...


— A maior parte da culpa foi do meu ex-marido, mas me arrependi
muito de não ter tomado uma atitude antes, por não ter me imposto. Eu queria
tanto voltar no tempo! Eu mesma teria fugido com sua mãe!
— Eu sei, mas precisamos focar no que podemos fazer agora... —
Tentei ser racional, por mais que fosse difícil lidar com a dor.
Eu me senti estúpida por ter sido enganada e um sentimento de revolta

me acossava, pois, poderia ter me reunido com minha avó havia muito mais
tempo, se não fosse pela ganância de Kelly Talbot.

Mas de que adiantaria remoer aquilo naquele momento?


Felizmente, as medidas legais já haviam sido tomadas.

Tentei deixar o assunto sobre a agente literária criminosa de lado,


buscando trazer leveza para nossa conversa mais uma vez.

— Outra coisa que me chamou atenção foi seu pseudônimo, porque


meu segundo nome é Deméter — comentei com entusiasmo.

— Isso é algo que marcou muito, pois Gaia não esqueceu — minha
avó falou com um olhar nostálgico, fitando as mãos enrugadas.

Ela era uma imagem de força e imponência, mas também deixava


transparecer sua dor.

— Quando sua mãe era só uma menina, costumava passar horas


contando histórias a ela que adorava aquilo. Uma das histórias favoritas dela

era a da deusa Deméter... Alguma vez ela falou com você sobre isso?
Seu rosto era esperançoso e ela pareceu ficar muito alegre quando
assenti com serenidade.
— Sim, minha mãe já me contou algumas vezes, mas admito que não
parecia ser fácil para ela falar sobre isso — falei com honestidade, mesmo
sabendo que aquilo traria uma espécie de tristeza para minha avó, pois
precisava que ela soubesse a verdade, ainda mais depois de tanta

desonestidade atrapalhar nossas vidas.


— Imagino o quanto isso devia ser doloroso, mas fico feliz que ela

tenha dito mesmo assim. Passávamos horas e horas imaginando a imensidão


do poder de Deméter, enquanto eu explicava o quanto ela era importante, por

ser a deusa da agricultura, o que, no final das contas, a tornava quase como a
deusa da fertilidade e da vida.

Helena parecia estar extremamente emocionada com aquelas


recordações e eu não a julgava por aquilo, afinal também me sentia da mesma

maneira.
— Quando sua mãe fugiu confesso que não aceitei bem e achei que ela

tivesse sido raptada, como Perséfone. — A velha senhora sorriu com um


humor entristecido.

Imediatamente, eu me lembrei de toda a história: Deméter era a deusa


da agricultura e Perséfone era sua filha. Certo dia, Hades, o deus do

submundo, foi atingido por uma flecha de Eros e se apaixonou pela bela
Perséfone, então, ele a raptou.
O rapto da filha fez com que Deméter ficasse completamente desolada
e deixasse seu trabalho de lado, causando ruína e fome para o povo.
A situação era tão terrível que Zeus decidiu intervir e exigiu que Hades
devolvesse Perséfone, mas nem tudo era tão simples, pois o deus do
submundo havia feito com que ela comesse um grão de romã, o que impedia

seu retorno.
No final das contas, foi feito um trato entre a deusa da agricultura e o

deus do submundo: Perséfone passaria um período do ano com Hades e outro


com a mãe.

Era esquisito recordar e, ao mesmo tempo, traçar vários paralelos entre


as histórias da minha mãe e da minha avó, pois elas foram afastadas por

muito tempo. A parte triste era que não havia como fazer um acordo com
Hades para passar um dia a mais que fosse com minha mãe e aquilo destruía

meu coração.
— Eu sinto muito mesmo que você não pôde se despedir... — falei em

um tom de voz desanimado, quase sem saber como pronunciar as palavras.


— Bom, de uma forma ou de outra, me despedi, mesmo sem saber.

Um dia, perdi o sono, estava deitada e, de repente, abri os olhos sem motivo.
Depois daquele clique não consegui mais descansar, então peguei um bloco

de notas, porque ainda tenho mania de escrever à mão. — Ela sorriu. —


Comecei um novo conto naquela madrugada, era sobre uma mulher que tinha
uma filha adolescente. Por causa das mudanças com o desenvolvimento da
filha, havia muitos desentendimentos e elas se afastaram.
“No final, elas conseguiam se reconectar, encontrando um equilíbrio.
“Eu não pensei em Gaia enquanto escrevia, mas quando voltei para
dentro de casa vi um pássaro na sala e o pobrezinho estava desesperado, sem

saber como sair, do cômodo.


“Passei uns bons minutos pensando em como o ajudaria a sair dali,

mas não soube o que fazer, então apenas sentei no sofá e observei, frustrada
por não poder ajudar o bichinho.”

Helena fez uma pausa longa naquele instante, como se visualizasse a


cena antes de prosseguir, e seus olhos faiscavam.

— Quando me distraí, o pássaro simplesmente posou bem na minha


cabeça e, apesar do susto, consegui ficar parada.

“Acredita que ele não saiu enquanto não voltei para o lado de fora?
“Imagina só um pássaro fazendo meus cabelos de poleiro!”

Ela gargalhou e ofereci a ela um riso tímido.


— Então ele saiu voando, completamente livre. Chorei depois que ele

sumiu da minha vista, sem nem entender as razões. Só compreendi quando


Kelly me trouxe a notícia, um dia depois.”

Meus olhos ardiam com o acúmulo das lágrimas que eu insistia em


conter. Estava tão feliz em conhecer minha avó e estava tão triste por minha
mãe não estar ali.
— Aquilo doeu muito, principalmente, por saber que perdi todas as
minhas chances, mas depois fiquei em paz, porque sabia que ela estava livre,
assim como o passarinho — Helena completou com uma expressão pacífica.
Respirei fundo e limpei os olhos para garantir que nenhuma lágrima

seria derramada.
— Obrigada por me contar isso, yayá. — As palavras saíram

naturalmente, sem que pudesse conter e não me arrependi, principalmente, ao


ver o quanto seu rosto se iluminou com o tratamento que direcionei a ela, a

chamando de vovó.
— Sou eu quem agradeço por você escutar.

A nossa conexão era inquebrável e naquele segundo tive certeza


daquilo.

•••
A venda das versões traduzidas para inglês da primeira trilogia escrita

por minha avó, Helena Deméter, foi um enorme sucesso e nosso trabalho de
tradução foi ostensivamente elogiado.

Eu jamais havia me sentido tão privilegiada e realizada em tão pouco


tempo.

Era maravilhoso sentir o quanto meu papel foi importante para aquela
conquista.
Aquela sessão de autógrafos era especial, pois minha avó decidiu
anunciar o novo livro que sairia para a próxima estação. O livro seria
inspirado na nossa história e teria nossa família como referência.
Eu não podia estar mais feliz, não poderia nem sequer pensar em
alguma coisa que pudesse melhorar em minha vida, pois tinha absolutamente

tudo.
— Há algo sobre todas as minhas heroínas, que é um laço que também

existe entre todas as mulheres que conheci no mundo, nenhuma delas começa
a história pronta. É isso mesmo. — O sorriso dela era doce e confiante. —

Todas precisam passar por percursos difíceis antes de aprender as lições mais
importantes.

“É óbvio que isso não é uma maneira de tentar romantizar o


sofrimento, de maneira alguma, até porque, se pudesse escolher, jamais

sofreria ou deixaria minha família sofrer.


“É algo diferente, tem relação com aprender a valorizar a estrada e

entender que cada pedacinho dela é o que nos compõe.


“Se minha estrada não tivesse sido tão longa talvez não tivesse me

guiado até minha neta, que hoje está aqui comigo e, talvez, eu também não
teria a oportunidade de conhecer minha bisneta que logo nascerá.”

Naquele momento as lágrimas já rolavam fartas pelo meu rosto e


Zackary me abraçava, acolhendo minha emoção com seu calor aconchegante.
— É aquela moça bonita ali. Bonita não, linda. — Ela apontou para
mim e as pessoas me olharam com sorrisos agradáveis, enquanto eu com
certeza ficava completamente vermelha.
Logo ela continuou com suas palavras e pude me recuperar daqueles
segundos de timidez.

Minha menina parecia estar fazendo contorcionismo dentro da minha


barriga e cada dia estava mais ansiosa para vir ao mundo.

Eu também estava ansiosa e não poderia negar.


Zackary me abraçou mais uma vez e beijou meus lábios com doçura.

— Eu mal posso esperar para levar essa pequena para cavalgar no Eros
— ele falou baixinho e fiz uma careta.

Nossa filha sequer nasceu e Zack já estava pensando em esportes.


— Pode ser que ela não goste de equitação — falei como uma maneira

de provocação e ele sacudiu a cabeça, reprovando minha frase.


— Ela é minha filha, é impossível que não goste — ele falou com

presunção e fiz uma careta de desdém. — Olha só, vai começar a sessão de
autógrafos. — Ele apontou para onde minha avó estava.

— Acho que preciso entrar na fila — falei com um sorriso.


— De jeito nenhum, você é prioridade, afinal, segundo o médico nossa

filha pode nascer a qualquer momento.


— Isso é verdade. — Dei de ombros e, com a benção de minha avó,
que acenou para mim, fui a primeira a receber a assinatura em meus
exemplares.
Eu nem sequer podia conter tanto orgulho em meu peito.
Olhei para aquela mulher tão forte, um dos meus maiores exemplos de
vida, e não soube o que dizer, então nos abraçamos. Aquele abraço era o

suficiente para mostrar tudo que sentíamos, todo o amor que ficou guardado
durante aqueles anos e não pudemos demonstrar antes.

— Vovó, acho que escolhi o nome da sua bisneta. — Sorri e ela me


olhou com um brilho curioso em seu rosto.

— Não brinca! — Seu tom era de empolgação pura.


— Hera, a deusa das mulheres, o que você acha? — Esperei que ela

respondesse, mas ela apenas me olhou, emocionada.


— Acho absolutamente perfeito — ela concluiu e me ofereceu mais

um abraço caloroso.
— S'agapó — minha avó falou enquanto ainda estava em seus braços.

— S'agapó — respondi de imediato, sentindo meu peito queimar,


preenchido de todas as coisas boas do mundo.

Sempre sentiria falta da minha mãe, a ausência dela sempre seria um


buraco impreenchível em meu coração, mas, naquele momento, entendia,

mais do que nunca, que tudo que ela viveu não foi em vão. Graças a ela,
minha vida era maravilhosa, estava realizando cada um dos sonhos que
sonhamos juntas e aquele era apenas o começo do meu final feliz.
SIGA A AUTORA ALBA DE LUCCAS
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O PAI DO MEU FILHO É O MEU CHEFE:

SÉRIE IRMÃOS O´DONNELL - LIVRO 1


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"Eu vou matar o meu chefe! Isso mesmo, irei matá-lo, mas antes,

preciso salvá-lo."
MEREDITH BYRNE convive diariamente com um homem lindo,
inteligente, sedutor e...Que a deixa maluca: seu chefe, NOAH O

´DONNEL. Eles não se dão bem, mas precisaram aprender a tolerar um ao


outro.

Por vezes, Meredith se vê forçada a apagar incêndios causados por seu


chefe que parece ter satisfação pessoal em arruinar sua paz de espírito. A

moça de vinte e nove anos jamais teria aceitado aquele emprego, se não fosse
um pedido feito pelo CEO da Petrolífera O' Donnel, um amigo muito

querido.
Mas ela foi alertada que nenhuma assistente durou mais do que algumas
semanas trabalhando com Noah, porque ou elas acabavam se demitindo ou na
cama dele.
Uma coisa que Meredith não pode negar é que o miserável do seu chefe
é lindo e gostoso de morrer. Uma verdadeira tentação de quase um metro e
noventa de músculos e charme.

E o pior, Noah O'Donnel sabe muito bem disso.


Mas por trás desse estereótipo de bilionário devasso que troca de

conquista como se troca de camisa, ele esconde uma grande dor. Noah foi
traído pela mulher que mais amou na vida e mascara as cicatrizes dessa

grande decepção não permitindo que mulher nenhuma se aproxime o bastante


para se tornar importante em sua vida. A exceção é sua assistente

intrometida que parece dedicar cada minuto de sua existência para agir
como sua babá. E o pior é que ele não pode demiti-la.

Meredith é muito competente e a única pessoa em que ele confia


cegamente, apesar de jamais dizer isso a ela. Além de ser a mulher mais

determinada, pragmática e proativa que conhece.


Sua assistente é linda e parece nem se dar conta do quanto é prazeroso

para Noah vê-la todas as manhãs, reclamando de algo que ele fez ou que
deveria ter feito e não fez.

E teve aquela noite em que ele bebeu demais...


Depois eles estavam nus...
Mas Noah jamais imaginou que Meredith desejava ser mãe e que sua
assistente optou por uma inseminação artificial para realizar seu sonho,
muito menos que ele é o pai do seu bebê.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar
inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo

calão e conduta inadequada de personagens.


AVISO: Este é o livro 1 da Série Irmãos O´Donnell e o próximo livro

contará a história do irmão mais velho JEREMY. Todos os livros da série


poderão ser lidos separadamente, pois se tratam de histórias independentes.
O CEO QUE NÃO PODIA SER PAI
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Contrato de apenas receber prazer oral.
CEO que é abandonado pela esposa ao ficar impotente.
Clichê chefe e estagiária.
AGE GAP.
Mocinha virgem que engravida do chefe.
Gravidez muito inesperada.
O CEO bilionário ALEC DONOVAN tinha tudo que um homem

poderia desejar: sorte no amor e sucesso nos negócios. Vivia um


casamento feliz com a esposa perfeita, mas uma tragédia mudou todos os

seus planos e sonhos de ter uma família grande. Ser pai era o que ele mais
desejava. Ele se tornou um homem recluso após sofrer um acidente que
mutilou seu corpo terrivelmente ao tentar salvar a vida mulher que amava.

Ele foi abandonado pela esposa e viu seu mundo desmoronar. Sua vida
perfeita ruiu. Alec Donovan havia ficado impotente e os médicos disseram

que ele, muito provavelmente, não poderia mais ser pai e que nunca mais
teria uma ereção. E foi assim por cinco longos anos, ele nunca mais sentiu

desejo ou pôde dar prazer a uma mulher. Até o CEO conhecer Lila.
LILA HARRISON não teve uma vida fácil.Fugiu para bem longe de

um padrasto abusivo e de uma mãe que nunca demonstrou amor para estudar
e ter um futuro diferente do que diziam que ela teria. Foi assim que ela se
tornou a melhor amiga da sobrinha de Alec Donovan, além de ser estagiária
em sua empresa, mas o CEO não sabia disso quando se envolveu em uma
briga na noite em que se conheceram. Ele só queria protegê-la daqueles
homens.
Lila era virgem, mas não era boba. Sabia que nunca tinha

experimentado antes o desejo que sentia pelo tio de sua melhor amiga Mas,
quando o CEO bilionário Alec Donovan revela seu segredo, ele também lhe

faz uma proposta.


Um contrato é assinado entre o CEO e a jovem 17 anos mais

nova que aceita a proposta dele de apenas receber prazer oral e nada mais.

“Vou te dar prazer apenas com a minha boca.


Mas, quando o corpo de Alec desperta de tesão por Lila, ele realiza o

maior sonho de sua vida. O CEO, que não podia ser pai, engravida a jovem
que o fez acreditar que poderia ter a chance de amar e ser feliz outra vez.
UM BILIONÁRIO APAIXONADO POR MIM
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Ela conheceu primeiro o irmão mais novo, mas foi o CEO Connor

Samuel Marshall que se apaixonou perdidamente pela menina órfã e


inocente que dividia o quarto na faculdade com seu irmão.

Sou a Mary Ann ou ANNIE como prefiro que me chamem. Gosto das
coisas simples e crescer sem meus pais me ensinou desde muito cedo a cuidar

de mim mesma, assim como lutar pelo que é importante para mim. Estar no

controle e planejar meu futuro sempre me trouxeram segurança, mas o caos


na minha vida começou quando me mudaram de alojamento na Universidade
de Chicago e fui conhecer minha nova colega de quarto, Aiden.

Só que para minha surpresa, quem me esperava não era uma garota.
Posso afirmar que quando conheci o lindo e presunçoso Aiden o inferno na

minha vida começou.


Eu consegui lidar muito bem com o fato dele ser insuportável e

ridiculamente bonito, mas o fato dele não ter o menor senso de pudor com o
próprio corpo, enquanto andava pelado na minha frente, isso é demais para

qualquer um.
Admito que dividir o quarto com esse estranho promíscuo e que
adorava me provocar foi uma verdadeira provação.
Mas não foi Aiden quem virou meu mundo de cabeça para baixo.
Ele tem um irmão mais velho e foi quando o conheci que soube que minha
vida nunca mais seria a mesma.
Quando meu colega de quarto libertino ficou gravemente doente

descobri que Aiden é irmão de CONNOR SAMUEL MARSHALL, CEO da


empresa de energia renovável de maior referência no mundo, a Energy

Company Marshall, lugar onde sonho trabalhar um dia.


Ele seria um verdadeiro príncipe encantado se eu acreditasse em contos

de fadas e para provar minha teoria, ele me tratou como um lixo por não ter
pedido ajuda antes da situação do irmão se agravar.

Mas o que jamais imaginava era que meu destino e o de Connor se


tornariam um só.

Eu jamais imaginava que aquele bilionário me diria estar apaixonado e


tudo parecia um sonho até descobrir que ele escondia um segredo...

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UM BEBÊ DE HERANÇA PARA O CEO
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Um CEO arrogante e insuportável.


Uma jovem camareira que não leva desaforo pra casa.
Uma bebê que precisa de uma família.

INSUPORTÁVEL...
EGOCÊNTRICO...

ARROGANTE.
Descrições perfeitas do CEO ROBERTO RODRIGUEZ MENDER.

Para ele só existe um jeito das coisas serem feitas, o jeito dele.
Um homem que fundamentou sua vida em sua inteligência e tino comercial, e
foi muito bem-sucedido em sua empreitada. Ele cultua seu patrimônio e vive

sozinho em uma imensa mansão por escolha própria.


A vida de Roberto muda quando descobre que herdou a tutela de Flor, a bebê

do seu primo e melhor e único amigo desde a infância, após a morte dele e da
sua esposa.

ELLEN SOUZA é uma jovem camareira que ama surfar e vive cada
dia em sua plenitude.

Uma certa manhã depois de surfar na praia de Santos, indo para o


trabalho, ela se depara com um homem com o pneu furado no meio do nada e
sem sinal de celular para pedir um reboque, mas bastou ele abrir a boca para
que ela se arrependesse de ter parado para ajudá-lo.
Ela troca o pneu e deixa para trás o homem mais insuportável e esnobe
que já teve o desprazer de conhecer.
Mas a vida reuniria Roberto e Ellen novamente...

após uma armação ela é acusada de um crime que não cometeu e vê o


ricaço esnobe como única alternativa para sair detrás das grades.

Ela precisa dele...


Ele não gosta de dever favores a ninguém e vê na moça orgulhosa e

atrevida a resposta para lidar com o inesperado presente que recebeu.


Quando um homem que só pensa em si recebe como herança uma bebê

de poucos meses, ele tem a chance de reavaliar sua existência vazia e sem
propósito, ainda mais com a ajuda da nova babá que mostra a ele que se

tornar pai da noite para o dia foi a melhor coisa que poderia acontecer em
toda sua vida.

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IMPOSSÍVEL NÃO TE QUERER
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Quem está casado há algum tempo já pensou pelo menos uma vez na
vida em como seria voltar a ser solteiro e poder fazer tudo que dá na telha

sem dar satisfações a ninguém, mas e quando os solteiros começam a

pensar em como deve ser compartilhar a vida com alguém?


Essa foi a grande ideia que rendeu o primeiro milhão de dólares
para Tasha Alexander.

Depois de ser abandonada pelo noivo, que se casou com sua irmã, ela

aposta cada centavo que recebeu de herança de uma tia-avó na criação de um


ousado negócio online diferente de tudo que já se ouviu falar.

O site, 14 Dias Casados, garante uma experiência de duas semanas


ao lado de um perfil extremamente compatível com você. Duas semanas de

lua de mel e cumplicidade que você jamais vai esquecer.


E foi assim que pouco mais de dois anos depois de uma ideia que

parecia absurda, Tasha garantiu a tão sonhada independência e todas as


vantagens que vem com ela.

Quando Bruce Mackenzie completou 38 anos, ele recebeu do irmão


um pacote cinco estrelas para o Havaí por duas semanas com direito a uma
acompanhante, mas era culpa da sua filha, Julie, ele estar parado em frente ao
balcão do check-in daquela companhia aérea esperando por uma completa
estranha que ele nunca viu uma foto sequer.
A menina de 13 anos é o centro do seu universo e sua melhor amiga, e
foi graças a ela que ele conseguiu suportar a perda do grande amor da sua

vida.
Julie fez com que o pai prometesse, mas o plano de Bruce era apenas

se desculpar com a moça pela armação da sua filha e reembolsar a estranha


por suas despesas.

Mas isso foi antes de ver aquela ruiva de olhos verdes...


Foi antes de Bruce ver Tasha Alexander pela primeira vez.

Mas o que Bruce nem imagina é que Tasha não é exatamente a


mulher que ele deveria encontrar para uma lua de mel romântica no Havaí

por duas semanas.


ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de

dezoito anos. Contém cenas de sexo explícito, palavras de baixo calão e


conduta inadequada de personagens.

Série Irmãos Mackenzie - Livro 1. Cada livro da série pode ser lido
separadamente, mas pode conter spoilers do anterior.. O próximo livro será

de Matthew Mackenzie.
UM MAFIOSO APAIXONADO POR MIM
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Uma jovem de 19 anos que vive trancada. Maya só podia sair de casa
para ir à missa. Ela nunca esteve a sós com um homem, mas quando
descobriu que a obrigariam a se casar com um mafioso, um completo
estranho, Maya fugiu para bem longe de sua gaiola de ouro. Petrus é um

homem da lei que a resgata ANTES QUE ELA SEJA VENDIDA.


PETRUS MARGRAVE, não nasceu com esse nome, renasceu com

ele.
Um homem de poucas palavras, preocupado em fazer o bem na pequena

cidade onde vive no interior do Alabama. Um advogado que protege a lei e os

que precisam que a justiça seja feita.


Mesmo não acreditando em Deus, se confessa toda semana e o padre é

o único que conhece seus segredos mais obscuros.


Um homem que faz de tudo para viver sem nenhum envolvimento com

a máfia italiana que comanda Nova Iorque, manipula a política e até mesmo o
mercado de ações. Ele evita qualquer conexão com a vida criminosa que é

associada ao seu nascimento.


Mas como é possível fugir de quem você é?

Ele sempre soube o que significa ser filho do Capo Santori. E, por isso,
lutou para conseguir uma saída. Mas a que preço?
Petrus não espera perdão pelo que fez, porque sabe que não o merece.
MAYA FANTINI é filha bastarda do maior traficante de armas do
Leste Europeu. Sua mãe morreu dias após seu nascimento e ela cresceu sob a
tutela do pai, mas sem o amor da família que a viu crescer. A menina cresceu
isolada do mundo sem ter permissão para sair da mansão, exceto para ir à

missa e sempre acompanhada.


Sua madrasta dizia que um dia ela teria uma utilidade e que retornaria

todo investimento feito nela. Maya recebeu aulas com tutores em casa, foi
criada para ser uma esposa obediente e servil um dia. Falava fluentemente

quatro idiomas. Aprendeu a tocar violino e a música se tornou sua válvula de


escape. Sonhava em conhecer o mundo, mas tinha cada passo de sua vida

controlado pela sua madrasta.


Contudo, a jovem de dezenove anos não se conformou com o destino

que escolheram para ela. Maya seria obrigada a se casar com um homem que
nunca viu. Um criminoso, como seu pai.

Um dia, quando tem chance, ela agarra a oportunidade e foge para a


América. Porém, a inocente garota em uma terra estranha confia em quem

não deveria e vai parar em um porão onde se encontram moças que serão
vendidas ou iniciadas na prostituição.

Maya vê Petrus Margrave pela primeira vez quando ele a salva do seu
pior pesadelo. Em um primeiro instante, ela tem medo, pois não sabe em
quem confiar.
E se ele fizer parte de tudo aquilo?
Mas quando aquele desconhecido a carrega em seus braços e faz de
tudo para garantir o seu bem-estar, Maya entende que Petrus jamais fará
mal algum a ela.

ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de


dezoito anos. Contém gatilhos, palavras de baixo calão, sexo explícito e

conduta inadequada de personagens.


O CEO VIÚVO E A FUTURA MÃE DE SEU BEBÊ
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Ele não sabia que era pai.
Oliver Giordano não fazia ideia que sua falecida esposa arranjou

uma barriga de aluguel para dar a ele um filho.


Melissa sabia que iria falecer e que o marido ficaria sozinho,

completamente sozinho, pois ela era sua única família.


Seu marido tinha poucos amigos e foi quando ela tomou uma decisão

muito difícil, mas necessária.

Ela não poderia contar ao marido que não concordaria com algo assim.
Nunca.

Jamais mesmo.
Ela contratou sem que Oliver soubesse uma barriga de aluguel para dar

a ele o que ela não poderia mais dar. Não apenas um herdeiro para o império
que o sobrenome Giordano traz, mas um filho a quem amar.

Quando Melissa conheceu a gentil professora de jardim de infância, Isis,


soube que tomou a decisão certa.

Oliver Giordano não entendeu quando uma moça com um bebê recém-
nascido no colo chegou em sua empresa com uma carta detalhada de sua
esposa lhe contando o que ela planejou para o futuro dele.
Primeiro ele não acreditou depois ficou em choque, mas ao ver o bebê
tudo mudou. O sofrimento diário de Oliver, de se levantar todos os dias para
uma vida vazia, muda de repente.
Algo que ele nunca imaginou ser possível acontece, Oliver teria uma

família novamente.
Mas a criança precisa de uma mãe e até nisso, Melissa pensou.

Agora Oliver Giordano está de casamento “quase” marcado com a futura mãe
de seu bebê e ela nem sabe disso.

Tudo que Oliver sabe é que seu filho e Ísis trouxeram luz e amor para
vida solitária e vazia.

O CEO bilionário se surpreende ao perceber como aos poucos aquela


doce e linda jovem ganha espaço em sua vida e o atrai de um jeito que o

perturba demais, mas ela o aceitaria como marido?


E ele seria capaz de fazê-la feliz?

[MG1]Se não, parece que o contra é ela ir morar no apto do Zack

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