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Capa
Kel Costa
Revisão
Kel Costa e Damas Assessoria
Diagramação
Kel Costa
LIVRO ÚNICO
Algumas pessoas não sabem, mas iniciei meu caminho como escritora
lá em 2008 quando comecei a escrever fanfics. Alguns dos meus trabalhos
publicados, como Um Show de Bola e a série The Colt’s Secret, eram fanfics
dessa época que adaptei para livros. Portanto, vale avisar que PROCURA-
SE UMA BABÁ também foi uma fanfic que finalizei em 2012 e, agora,
estou trazendo para vocês.
A história é a mesma de nove anos atrás, porém, adaptada com a troca
dos nomes dos personagens e uma boa revisão no texto. Ele não chegou a ser
reescrito por inteiro, porque meu objetivo aqui é justamente entregar para o
leitor algo que foi escrito pela Kel de tanto tempo atrás. Foi muito bom poder
revisitar a história e ver como a pegada da comédia já era existente em mim
naquela época, eu só aprimorei com o tempo.
Espero que gostem da história de Bruna, Benjamin e Sophia, e se
divirtam com essa comédia romântica levinha, extremamente clichê e
despretensiosa.
Eu nunca fui muito boa com crianças para lidar pessoalmente com elas,
são frágeis demais e exigem o dobro de cuidado que um adulto necessita. Foi
por isso que não dei muita bola para uma amiga minha que me aconselhou a
trabalhar como babá, quando ouviu meu discurso sobre precisar de grana e
querer mudar minha vida. Eu não tinha me formado ainda na faculdade de
Administração, porque precisei trancar a matrícula por não ter como pagar as
mensalidades depois que a clínica onde eu trabalhava como recepcionista
fechou. Resumindo, estava ferrada! Precisava muito de algo novo, mas cuidar
de criança era o tipo de emprego que eu nunca teria, pois não me sentia
responsável o suficiente para tomar conta do filho de outra pessoa, quando
mal sabia tomar conta de mim!
— Um brinde à viagem da Bruna! — gritou uma das pessoas bêbadas
presente na minha festa de despedida, sete meses depois. Não sabia quem era,
mas a essa altura do campeonato, também já não importava muito.
Voltei a pensar no passado, mais precisamente no dia em que ri na cara
da minha amiga Malu, quando me sugeriu o trabalho. Passados alguns meses,
eu me flagrei navegando em sites sobre o assunto e acabei realmente me
interessando. Descobri o sistema de au pair, que consistia em ser babá em
outro país, morando na casa da família em questão. Apesar de não ser o
emprego mais emocionante do mundo, eu teria hospedagem gratuita em
qualquer lugar do mundo que escolhesse como destino. Estava com vinte e
três anos e nada me prendia no Brasil, nem mesmo meus pais que pouco se
importavam comigo. Essa sim era uma boa forma de mudar de vida!
Bastava me cadastrar num site especializado e procurar por famílias
que estivessem em busca de uma profissional com determinadas
qualificações. E foi assim que tudo aconteceu. Num momento de insanidade e
muita coragem, resolvi fazer um cadastro e alguns dias depois comecei a
receber e-mails. Um deles era de um homem chamado Benjamin Reed.
Era um homem de vinte e sete anos, vivia nos Estados Unidos com
Sophia, sua filha de oito anos, era educado e sucinto em suas mensagens e me
deixou interessada na proposta. Parecia um homem normal, diferente de
alguns dos perfis que me enviaram e-mails desde que me cadastrei. As
informações contidas na página de Benjamin mostravam que a au pair que
fosse trabalhar para ele não teria nenhuma outra responsabilidade além dos
cuidados com a criança, mas tinha me chamado a atenção o fato de ele ser
viúvo, sendo tão novo.
— Ei! — Recebi um beijo de Malu no rosto. — Animada para a
viagem?
— Um pouco. Não sei... Estou tensa, sem saber o que esperar. A
despedida também está me deixando ansiosa.
Convencer meus pais não foi tarefa difícil porque eles estavam longe de
serem os melhores do mundo. Se eu ficasse sumida de casa por uma semana,
talvez então pudessem perceber minha ausência. Ou não. Minha mãe passava
seus dias mais preocupada em paquerar o vizinho quando meu pai não estava
em casa. E o corno, bem... ele realmente não devia se importar com isso, já
que fazia o mesmo – com a mulher do vizinho – quando minha mãe não
estava em casa. Eu? Ah, eu apenas me divertia e ficava na janela do meu
quarto filmando as sacanagens deles para quando precisasse de conteúdo para
alguma chantagem. Infelizmente, esse dia nunca chegou e todas aquelas
horas de filmagens foram em vão. Meu pai quase me agradeceu por eu estar
prestes a sair de casa, pois assim teria uma boca a menos para alimentar. O
dinheiro que ele ganhava era pouco para arcar com as despesas da família e
com o motel dos finais de semana.
— Você tem que prometer pegar um gringo por lá, ok?
— Prometo fazer o melhor possível, mas realmente não estou indo para
outro país com o objetivo de me casar.
— Quem falou em casar? — Malu fez uma careta. — Estava me
referindo apenas a conhecer o tamanho de outras culturas.
Por tamanho, eu sabia exatamente a que ela se referia e não tinha nada
a ver com questões culturais. Considerando que Malu estava um pouco
alegre, nós poderíamos passar horas tendo aquela conversa e eu sabia que
sentiria saudade dela. Sempre fui uma pessoa bastante desapegada, mas
estava me preparando para me afogar em lágrimas quando visse alguma foto
da turma toda junta. Meus amigos eram a única parte boa da minha vida.
Quando chegou o dia da viagem, os ânimos estavam renovados e eu,
muito animada. Estava indo para um lugar diferente morar com pessoas que
não conhecia e que podiam ser insuportáveis? Sim, mas tentava não pensar
no lado negativo do cenário, porque também podia ser uma experiência
incrível. Benjamin era viúvo, o que significa que eu não teria nenhuma
madame de nariz em pé seguindo meus passos pela casa e com ciúmes do
marido. Além disso, ele era rico. Muito rico. Morava em Malibu, na
Califórnia, e pela foto que eu vi da casa, era aquele tipo de mansão que fica
de frente para a praia. Para uma carioca que ama o mar, não há nada melhor
que isso.
— Bem-vindos ao Aeroporto Internacional de Los Angeles! — disse a
mulher no alto-falante.
Eu agradeci por todos os anos da minha adolescência em que fiquei
vendo filmes e seriados sem legenda para me forçar a aprender inglês
sozinha. Quando cresci mais um pouco, consegui trabalhar e pagar um curso
de idiomas com bolsa de cinquenta por cento, mas ele serviu apenas para
aprimoramento.
Respirei fundo e saí com minha bagagem, procurando pelo meu futuro
patrão, que me buscaria no aeroporto. O desembarque estava lotado, muita
gente parecia tão perdida quanto eu, que não sabia se cuidava para não passar
com o carrinho das bagagens por cima do pé de alguém ou observava aquelas
plaquinhas onde escreviam o nome de quem estava sendo aguardado.
Finalmente, numa dessas placas, eu vi o meu nome.
— Olá! — Apressei-me em cumprimentar o homem que não podia ser
meu chefe, porque não se parecia em nada com Sophia.
— Boa tarde, senhorita Brito. Sou Theo e trabalho na empresa do Sr.
Reed. Ele pediu que a buscasse hoje.
— Prazer, Theo — falei e sorri quando ele pegou o carrinho. —
Obrigada.
O homem me indicou uma direção que nos levou direto ao
estacionamento e não me surpreendi quando vi o carro preto chique, porque
já estava preparada para aquelas coisas bonitas de rico. Esperei que o
motorista simpático guardasse minha bagagem e logo seguimos viagem.
— O Senhor Reed pediu que eu me desculpasse em nome dele. Ele
gostaria de ter vindo pessoalmente, mas o trabalho sempre toma todo seu
tempo.
— O que exatamente o Sr. Reed faz?
— Bolsa de valores — respondeu, sucinto.
Logo entendi o motivo da ausência do meu novo patrão. A pessoa que
trabalha com investimentos nunca tem tempo para nada e acaba morrendo
cedo de tanto estresse acumulado. Dava dinheiro, mas dava estresse na
mesma proporção.
Durante o caminho eu acabei pedindo para Theo desligar o ar-
condicionado e abaixei o vidro da janela. A paisagem era maravilhosa com
todas aquelas mansões que a gente só via em filme e que eu ainda custava a
acreditar que estava vendo pessoalmente. Queria conhecer os lugares, a
cidade, a rotina de todos, e também ansiava em chegar e conhecer Sophia.
— O Sr. Reed... Ele se dá bem com a filha, certo?
— Sim, muito bem. Ele é louco pela Sophia. — Vi Theo sorrir pelo
espelho retrovisor. — Sabe, eles ficaram mais unidos depois do que
aconteceu...
Ele provavelmente estava se referindo à morte da Sra. Reed. Minha
língua coçou para perguntar como tinha sido, mas Theo parecia ter
adivinhado.
— Câncer no pulmão — explicou. — Faleceu há dois anos.
— Que triste.
— Foi bastante. A menina Sophia entrou em choque e hoje ela é meio
arredia com as pessoas. É um custo para o Sr. Reed fazê-la falar.
Como assim? Ninguém tinha me informado sobre esse pequeno
probleminha. Ela não... falava? Como iríamos nos comunicar? Por mímica?
Nem preciso dizer que entrei em pânico, né? Eu estava num país
desconhecido, falando uma língua que não dominava totalmente, cuidando de
um ser humano com o qual nunca tive experiência e ainda por cima, teria que
praticar linguagem de sinais!
— Mas Sophia é um doce, fique tranquila.
Eu tinha quase certeza de que Theo era médium. Ou pelo menos lia o
pensamento dos outros. Só consegui devolver o sorriso que ele dirigia a mim,
sentindo meu coração acelerado, com medo de ter me colocado numa
enrascada. Eu não queria lidar com uma criança traumatizada, não tinha
qualificação para isso.
O carro diminuiu de velocidade e quando percebi, estacionamos diante
de uma residência linda, toda branca que me lembrava casa de boneca,
daquele tipo muito tradicional e clássica.
— Chegamos, senhorita — avisou Theo, como se não fosse óbvio. —
Logo levarei toda a sua bagagem. Fique à vontade enquanto isso.
— Obrigada.
Eu saí do carro, olhando em volta, maravilhada com o lugar e o clima
gostoso. Seria fácil demais morar naquele luxo e eu ainda receberia por isso,
era inacreditável que pudesse existir algo tão bom assim.
Entrei em casa, babando pelos móveis e pela decoração da residência
luxuosa e logo meus olhos encontraram uma menina sentada num degrau da
escada. Ela segurava uma boneca, deixando a pobre criatura com a cabeça
para baixo.
— Oi. — Acenei e sorri para ela. — Tão bonita assim, só pode ser a
Sophia.
Eu achava o quê? Que a menina se jogaria nos meus braços? Sophia
apenas se levantou e subiu correndo, deixando que todos escutassem o
barulho de alguma porta batendo com força no andar superior. Fiquei parada
ali na frente da escada, balançando minhas mãos e assobiando. Grande
começo, Bruna!
A porta atrás de mim se fechou quando Theo entrou com minhas malas
e ele sorriu, passando a mão pela cabeça.
— Já viu Sophia?
— Sim, eu vi.
— Ela fugiu, né? — Assenti, frustrada.
Apertei a mão que ele esticou para mim ao se despedir, com força
demais em meus dedinhos e, quando me vi sozinha na sala, minhas pernas
começaram a tremer. Será que eu era a única adulta naquela casa e seria
deixada a sós, antes mesmo de receber um manual de instruções sobre a
criança?
Respirei fundo, contei até dez, ajeitei o cabelo atrás das orelhas e decidi
fazer um reconhecimento pela residência. Comecei pela grande sala de estar,
com sofás de suede cinza e tapetes felpudos. Reparei na estante com vários
porta-retratos e em quase todas as fotografias era possível ver a família
reunida. Sophia sempre sorridente e idêntica a uma mulher presente nas fotos,
que provavelmente era sua mãe, com cabelo castanho iluminado, olhos
escuros e um... Puta que pariu! Aquele era o Sr. Reed? O meu chefe? Olhei as
outras fotos e identifiquei o mesmo homem em todas. Eu trabalharia para um
homem que parece avatar de livros eróticos?
— Boa tarde.
Dei um pulo com a voz atrás de mim e encarei uma mulher na faixa dos
cinquenta anos. Ela vestia um avental preto e usava uma touca na cabeça,
então presumi que fosse cozinheira.
— Oi, boa tarde. — Sorri, esticando minha mão. — Sou Bruna, a au
pair.
— Sim, eu sei. — A mulher me cumprimentou sem tocar em mim. —
Sou Abigail, a governanta e cozinheira. O Sr. Reed me avisou apenas ontem
sobre a sua chegada e me deixou responsável em fazer as recomendações
mais importantes.
Ela falava rápido demais e eu quase tive uma síncope de tão nervosa
que estava, sofrendo para acompanhar e entender tudo o que tinha dito. Não
era tão fluente a esse ponto e sabia que as primeiras semanas seriam de muita
luta para entender e me fazer ser entendida por todos.
— O Sr. Reed... — pigarreei, sem graça. — Ele por acaso é esse da
foto?
— O próprio.
Por Deus, eu não posso ter nascido assim tão sortuda. Posso?
Fiquei mais um tempinho admirando as fotografias e notei no final, que
o Sr. Reed só tinha fotos com a esposa. Só que de acordo com o Theo, ele
estava viúvo há dois anos, então isso devia significar que ainda estava de luto
ou que não tinha se envolvido com ninguém ao ponto de tirar novas fotos.
— Posso levá-la para conhecer a casa? — perguntou Abigail. — Ainda
tenho algumas coisas para fazer na cozinha.
— Oh sim, claro. Me desculpe, só estou empolgada com tudo isso.
Ela não deu nenhum sorriso, não podia dizer que era uma pessoa muito
simpática. Eu nem a julgava, afinal, tinha acabado de me conhecer e não
esperava que me tratasse como uma amiga. Torcia que isso acontecesse em
algum momento, claro, porque acho que seria interessante ter um bom
relacionamento com os funcionários, mas tudo no seu devido tempo.
Segui Abigail pela residência, ouvindo atentamente a informação sobre
cada cômodo. Nunca na vida achei que passaria por algo do tipo, precisando
decorar onde ficava cada coisa, já que no Brasil eu morava numa casa de dois
quartos, com uma única sala onde ficava o sofá, a televisão e a mesa de três
lugares — a quarta cadeira não existia porque não cabia no espaço. Subimos
para o segundo andar e fui guiada até aquele que seria o meu quarto. Fiquei
espantada com o tamanho dele e a decoração aconchegante em tons de cinza
e branco, quando na verdade, estava esperando que me colocassem num
quartinho simples de empregada.
— Onde fica o quarto de Sophia? — perguntei para a Abigail.
— Duas portas depois do seu.
— Obrigada. Eu irei até lá daqui a pouco. — Encolhi os ombros e sorri.
— Acho que ela não gostou de mim.
A mulher estalou a língua e balançou a cabeça como se eu estivesse
enganada.
— Sophia é Sophia.
Muito acolhedor e explicativo. Assenti, tentando entender o que
significava aquela resposta. Sabia que não seria uma adaptação fácil,
compreendia tudo pelo qual a criança passou. Câncer era uma doença que
desgastava não só a pessoa enferma, mas todos os familiares, e o final não era
nada bonito. Por mais que eu e meus pais não fôssemos um exemplo de
família unida, não conseguia sequer pensar como teria sido se eu tivesse
perdido minha mãe com a idade de Sophia. Seria devastador.
— O Sr. Reed sempre promete chegar em casa por volta das 18 horas,
mas na maioria das vezes ele se atrasa. Não conte com isso.
— Desculpa — pedi, sem graça. — Não entendi a última frase. Poderia
repetir?
A mulher me encarou por alguns segundos e eu tenho certeza que a vi
suspirar.
— Eu disse para não contar que ele chegue na hora que avisou.
— Ah! Certo, obrigada.
— Ele pediu também para que você me dissesse o que gosta ou não de
comer — disse ela, dessa vez muito devagar, quase soletrando cada palavra.
— Já que sou eu quem cozinho, é bom saber de uma vez.
Eu me senti estranha com aquilo. Estava acostumada a ouvir de minha
mãe coisas do tipo “não reclama e come porque é o que nós temos” e então,
de repente, tinha uma pessoa preocupada com o que eu gostava de comer.
— Acho que gosto de tudo — respondi com sinceridade. — Exceto
alguns legumes.
Ela saiu do quarto sem se despedir, me deixando a sós. Procurei
desfazer minhas malas para aproveitar a empolgação e quando terminei de
colocar tudo nos seus devidos lugares, respirei fundo e fui em direção ao
amplo corredor. Parei em frente àquela porta branca com frisos em tons de
rosa e bati levemente. Sophia não respondeu, mas mesmo assim eu abri e dei
uma olhada para dentro do quarto. A menina estava sentada no chão, sobre
um tapete felpudo branco e olhava fixamente para um brinquedo.
— Posso entrar?
Perguntei e esperei por uma resposta, mas então a minha ficha caiu e
lembrei que eu era a babá. Uma criança de oito anos não podia mandar em
mim e eu precisaria impor minha presença. Certo? Ah, meu Deus, espero que
esteja raciocinando do jeito certo...
Como Sophia não respondeu, eu entrei e fechei a porta, aproximando-
me dela. A menina estava sentada diante de um jogo de xícaras de plástico,
mas não do tipo que eu brincava quando era criança. Esse era todo de
acrílico, muito chique, com desenhos em dourado. Parei para observar
enquanto ela fingia tomar o chá e pensei se Sophia ainda tinha idade para
brincar com aquilo. Não me lembrava quantos anos eu tinha quando fazia
exatamente a mesma coisa.
— Nossa, estou com vontade de tomar um chá... — murmurei,
sentando-me e apoiando as mãos nas coxas ao dobrar minhas pernas da
mesma forma que as da menina.
Peguei uma das xícaras, morrendo de medo que Sophia começasse a
gritar para me expulsar de seu quarto.
— Posso tomar um pouco? — perguntei com a voz mais doce que
consegui fazer.
Ao contrário do que pensei, a criança não fez nada a não ser levantar os
olhos para mim e balançar uma vez a cabeça. Ela disse sim! E eu nem
esperava sua próxima reação, pois pareceu ter se empolgado e começou a
arrumar no pires uma massinha cor de chocolate, que logo me serviu.
— Isso é para mim? — perguntei, sem saber se ela esperava mesmo
que eu comesse. — Você quer que eu... coma?
A menina balançou a cabeça. Ah, que gracinha. Mas não como mesmo!
Para meu desespero, ela arrancou um pedaço da gororoba e o levou até a
boca.
— Não! Não pode comer isso! — Eu quase me joguei em cima da
criança para evitar a desgraça e segurei sua mão.
Pensei logo na desgraça que seria se ela sofresse intoxicação alimentar
logo no meu primeiro dia. Consegui afastar sua mão da boca sem precisar
empregar força no gesto, mas percebi que eu estava sendo feita de palhaça
quando ela começou a gargalhar bem na minha cara.
— Ela te pegou, né? Sophia sempre faz isso com todo mundo.
Entrei em pânico quando olhei na direção da porta e vi meu chefe
encostado nela, afrouxando a gravata. Tratei de levantar e ajeitar o cabelo,
enquanto ele entrava no quarto com toda aquela potência máxima. Olhos
muito verdes, cabelo escuro, rosto másculo e quadrado e ombros largos.
Sophia parecia nem ser a mesma criança que eu conhecera há poucas
horas, pois ela levantou e saiu correndo até o pai, que agachou um pouco para
pegá-la no colo. Eles com certeza ficavam lindos juntos.
— Como foi seu dia, princesa? Foi bom? — Ela balançou a cabeça e
sorriu para ele. — Termine de brincar então, enquanto o papai toma um
banho, ok?
O Sr. Reed a colocou no chão novamente, mas antes deu-lhe um beijo
na testa. Sophia voltou para sua xícara e ele me olhou, fazendo um gesto com
a cabeça na direção da porta, para que eu o acompanhasse.
— Por favor, Senhorita Brito.
Eu iria sem esforço algum atrás dele, pois Benjamin Reed era ainda
mais bonito pessoalmente. Estava nas nuvens, encantada, porque não
costumava ver homem bonito tão de perto. Até de costas ele era imponente e
se eu continuasse desse jeito, seria demitida por justa causa em menos de
uma semana.
Nós saímos do quarto de Sophia e o segui pelo corredor, em direção à
última porta, que talvez fosse o quarto dele.
— Fez boa viagem?
— Sim, eu fiz.
— O que achou de Sophia? — perguntou ao virar de frente para mim,
encarando-me de forma curiosa.
— Eu não conversei com ela e o senhor já deve saber, mas...
— Não precisa me chamar assim. Apenas Benjamin basta.
Meu sorriso saiu um pouco sem graça, mas balancei a cabeça para
mostrar que tinha entendido.
— Não chamarei mais.
— Ótimo. E sim, Sophia tem dificuldade de se comunicar desde que
minha esposa, Sarah, faleceu. O psicólogo diz que é um método de proteção,
como um escudo. Ela se fecha no casulo dela e se acha segura ali dentro.
— Entendi e não me surpreendo. Deve ter sido muito difícil passar por
tudo ainda tão nova. Mas ela me pareceu uma criança muito tranquila, eu
nem vi a hora passar enquanto estava no quarto.
Benjamin sorriu e pareceu muito orgulhoso com o que tinha acabado de
ouvir sobre a filha. Então, ele passou a mão pelos cabelos e meus olhos muito
ágeis seguiram o movimento com afinco, observando cada mínimo detalhe.
Cheguei a sentir os joelhos ficarem bambos e a boca secar enquanto meu
cérebro processava a informação sobre o quanto meu chefe era altamente
beijável.
— Bruna?
— Oi! — respondi, assustada, como se ele pudesse adivinhar o que eu
estava pensando.
— Eu disse que nos vemos mais tarde, no jantar.
Pisquei e balancei a cabeça, ou melhor, sacudi, chocada por mal ter
passado quinze minutos diante do homem e já estar passando vexame. Dei
um sorriso sem graça e me retirei para meu quarto, com vontade de bater a
cabeça na parede. Precisava causar uma boa primeira impressão, não ficar
parecendo alguém que precisa de babá tanto quanto a filha dele.
Como ninguém me falou exatamente qual era o horário em que o jantar
seria servido, resolvi descer logo após tomar um banho e me arrumar de um
jeito sóbrio. A fragrância de algum molho de ervas invadiu minhas narinas
assim que passei pela sala de jantar, mas me dirigi direto até onde vi que o Sr.
Reed e Sophia estavam. Encontrei pai e filha deitados no sofá, enquanto meu
chefe lia um livro infantil para a criança.
— Boa noite — cumprimentei, controlando a vontade de ajeitar o
cabelo. — Precisam de alguma coisa?
— Está tudo bem, Bruna — respondeu ele. — Obrigado. O jantar será
servido a qualquer momento.
— Sim, tudo bem. Eu estarei na cozinha se precisarem de mim.
— Não, jante conosco — pediu o homem, me pegando de surpresa. —
Sempre preferi que nossas au pairs se sentissem como se fossem da família.
Encarei os dois sem demonstrar o choque que senti e ambos sorriram
para mim. Quem recusaria um pedido que nem esse? Eu me sentei na
poltrona no canto da sala e fingi estar muito ocupada com meu celular, para
não demonstrar que estava muito sem graça por ter sido incluída na mesa da
família.
Durante o jantar eu permaneci em silêncio e sem saber o que conversar
até que o celular do meu patrão tocou e ele atendeu, falando comigo ao
mesmo tempo e muito rápido.
— Desculpe... — pedi, querendo me enfiar embaixo da mesa. — Eu
não entendi.
Eu tinha colocado em meu perfil do site que não falava um inglês tão
fluente e torci para que ele não tivesse achado que aquilo era só brincadeira.
Eu realmente boiava com algumas expressões ou quando falavam rápido
demais. Sr. Reed... ou Benjamin, como ele prefere, me olhou e franziu a testa
ao mesmo tempo em que se levantava da cadeira.
— Só pedi licença para atender essa ligação. Já volto.
Dei um sorriso forçado por me sentir uma idiota. Como era possível eu
não ter entendido uma frase tão banal? Seria preciso ficar mais atenta para
não dar outro mole como aquele. Balancei a cabeça ao falar sozinha por
pensamentos e depois notei a forma como Sophia ficou acompanhando os
movimentos do pai enquanto ele saía da sala de jantar. Foi visível a expressão
frustrada que se formou no rostinho dela conforme ele se afastava e eu pensei
em algo para distrair a criança.
— Sophia, você já fez montanha de arroz? — perguntei.
A menina me olhou sem entender e eu comecei a brincar com minha
comida, ciente de que ela estava curiosa. Segundos depois Sophia começou a
me imitar, colocando o arroz empilhado de um lado do prato, até que a
cozinheira apareceu na sala.
— O que você está fazendo? Ensinando-a a brincar com a comida?
— É! — respondi, aumentando minha montanha. — Legal, não?
— Não.
Levantei os olhos para a mulher, que me encarava como se fizesse parte
de um esquadrão de fuzilamento. Larguei meu garfo rapidinho e abaixei a
mão de Sophia para que fizesse o mesmo. Abigail logo saiu da sala e eu torci
para que já tivesse dado a hora do fim de seu expediente.
— Ela é sempre tão simpática assim? — perguntei, sussurrando no
ouvido de Sophia, que riu e balançou a cabeça afirmativamente.
Quando eu soltei sua mão, ela voltou a fazer o montinho do jeito que eu
tinha mostrado. Alisei o cabelo macio dela, igual os adultos costumam fazer
com as crianças e me senti a verdadeira adulta. Talvez eu pudesse mesmo ser
uma boa babá, podia ser um talento que tinha ficado escondido até agora.
Fazia eu me sentir importante...
— Sophia, não brinque com a comida. — Ouvi a voz de Benjamin atrás
de nós.
Porra, até ele? Baixei novamente a mão da menina quando o pai dela
voltou para seu lugar e sorri para ele.
— Ela inventou de ficar fazendo isso — menti, revirando os olhos. —
Mania de criança mesmo, não é? Uma fofa!
Ah, meu Deus, que Sophia me perdoasse. Ou raspasse minha cabeça.
Mas não podia confessar ao patrão que tinha me conhecido naquele dia, que a
ideia da montanha de arroz partiu de mim. Aproveitei que Benjamin não
estava nos olhando e sorri para a menina. Será que ela entendia linguagem
labial? Arrisquei e mexi minha boca dizendo que aquele seria o nosso
segredo.
— Então, Bruna, pretende fazer algum curso na cidade? — perguntou o
Sr. Reed. — Gostaria que me informasse o quanto antes para que possamos
montar sua rotina com a Sophia, ok?
— Sim, claro. Amanhã mesmo eu devo sair para resolver isso.
Benjamin assentiu com um sorriso simpático e eu voltei a comer. Em
minha ficha no site de au pairs eu tinha deixado especificado o desejo de
fazer um curso de inglês avançado nos meus horários livres, então precisaria
dar continuidade ao processo que eu já tinha iniciado ainda no Brasil.
Como Sophia mais enrolava do que comia e eu tinha colocado pouca
coisa no prato, por vergonha de parecer muito esfomeada, fui a primeira a
terminar. Não tinha o costume de fazer refeições na mesa com minha família,
então não sabia se era educado me levantar, portanto, fiquei em silêncio,
encarando os talheres e pensando se deveria pegar o celular à mesa.
— Bruna? — Benjamin me chamou.
— Sim?
Aqueles olhos não deviam encarar ninguém tão profundamente.
Deixava qualquer mulher tonta.
— Se já terminou não precisa ficar aqui — disse ele. — Quando eu
estiver em casa, Sophia estará aos meus cuidados, não se preocupe.
Feliz por ter sido dispensada, pedi licença e me retirei, indo direto para
meu quarto, terminar minhas arrumações. Precisava admitir que acabei
pensando em Sophia diversas vezes, sem saber se ela estava mesmo sob o
olhar do pai ou se ele já estava novamente com o celular pendurado na orelha
enquanto a criança se afogava na piscina. Que por sinal, era divina.
Já era bem tarde quando saí do quarto, de banho tomado e com vontade
de me enfiar dentro de um pijama confortável e me jogar na cama. A viagem
e o dia tinham sido cansativos, mas antes de fazer isso, resolvi ir até a
cozinha para beber água. Quando estava voltando, ao passar pela sala, dei de
cara com meu patrão, apenas de sunga, com uma toalha branca ao redor do
pescoço.
Pensa rápido, pensa rápido! Pensa, pensa! Uau, que abdômen!
— Eu... Eu... — pigarreei. — Sede!
Pior impossível. Benjamin me observou, franzindo a testa e
considerando ter contratado uma maluca para tomar conta da filha.
— O quê?
— Eu tive água! — respondi com pressa. — Quer dizer, eu tive sede.
Isso... E vim beber água.
Eu tinha dois segundos para dar o fora dali antes que piorasse ainda
mais a minha situação e acabasse olhando para onde não devia olhar. Passei
pelo meu patrão, sem olhar nem mesmo para o lado e subi a escada, sentindo
o coração acelerado.
Aquele era apenas o primeiro dia e eu me sentia abobalhada toda vez
que encarava a beleza daquele homem. Como sobreviveria pelos próximos
meses? E o que diabos ele estava fazendo de sunga tão tarde? O relógio de
cabeceira mostrava que era quase meia-noite. Será que ele gostava de nadar
de noite? Talvez para relaxar na piscina enorme e de águas iluminadas?
Sentei-me na cama e peguei o papel com os horários de Sophia na
escola, decorando enquanto o sono não chegava.
Sabe quando você está dormindo e sente que tem alguém por perto
observando? Eu não sabia explicar direito, mas tive essa impressão, que acho
que foi justamente o que me fez acordar. Quando abri meus olhos, vi Sophia
sentada bem ao meu lado.
— Sophia? Como você entrou aqui? — perguntei e ela apontou para a
porta. Oh, jura?
Enquanto a menina me olhava esperando por alguma reação minha, eu
procurei pelo despertador e quase torci o pé com o pulo que dei da cama.
Como era possível ter perdido a hora no primeiro dia que levaria Sophia para
a escola?
Saí tropeçando em meus próprios pés e peguei a folha com o horário
dela que eu tinha deixado em cima da mesinha. Eu tinha menos de meia hora
para me arrumar, alimentar a criança e chegar sã e salva na porta do colégio.
— Sophia, vá se arrumar! — pedi. — Nós estamos atrasadas!
Era sacanagem de minha parte falar aquilo para ela, pois a única
atrasada ali era eu, mas foi preciso apressá-la daquele jeito. A pimpolha saiu
em silêncio do quarto e foi fazer o que eu mandei, conseguindo estar pronta
antes de mim. Eu ainda nem tinha escovado os dentes e penteado os cabelos,
mas podia deixar isso para depois.
Cheguei que nem um furacão na cozinha, procurando algo para dar de
comer à criança, já que não vi Abigail por perto. Não sabia ainda como era a
rotina alimentar de Sophia, então abri direto a geladeira para olhar o que tinha
disponível.
— Você gosta de leite? Quem não gosta de leite? — Sorri para ela. —
Vamos tomar leite então!
Na pressa, peguei a primeira coisa que vi pela frente, ou seja,
improvisei a bebida numa taça de cristal. Esperava pelo menos que ninguém
ficasse sabendo da minha enrolação, mas eu não queria mesmo que ela
chegasse atrasada no meu primeiro dia. Sophia bebeu o leite enquanto eu
segurava suas duas mãos para evitar que deixasse a taça cair e finalmente
quando terminou — foi meio lenta, devo dizer — eu a fiz levantar rapidinho
e a tirei de casa.
Ainda olhei para um dos carros que estava parado na garagem e me
amaldiçoei por nunca ter tirado a maldita carteira de motorista. Se eu tivesse
feito isso, não precisaria ir a pé com Sophia para a escola, que até ficava
razoavelmente perto — se não fosse o fato de estarmos atrasadas.
— Me diz, Sophia... Você acha que seu pai ficaria chateado se eu
pegasse o carro?
Ela balançou a cabeça negativamente. Criança é tudo inocente mesmo,
né? E eu juro que realmente cogitei a hipótese de sair dirigindo sem
habilitação, mas não achava que seria liberada facilmente se a polícia me
parasse. Portanto, ajeitei a roupa da menina e sorri para ela.
— Sabia que lá onde eu cresci as crianças costumam apostar corrida
para ver quem é mais rápido e chega primeiro na escola? — Ajeitei a mochila
dela em seus ombros e peguei a lancheira para carregar. — Então... Força
nessas canelas, Sophia!
Um dia eu seria castigada por tudo aquilo, com certeza! Peguei na mão
da menina e comecei a correr pela calçada arborizada, torcendo para que ela
fosse uma criança resistente. A lancheira fazia barulho e sacudia enquanto
corríamos como duas malucas e, por incrível que pareça, eu parecia mais
cansada do que ela quando chegamos na esquina do complexo escolar.
— Oh meu pai! — gemi, com as mãos nos joelhos. — Estou morrendo!
Sophia me abanou enquanto eu tentava não desmaiar, recuperando meu
fôlego e sentindo o coração acelerado. Quando me senti mais disposta, eu me
despedi dela e esperei até que entrasse num dos prédios e acenasse para mim.
Procurei me recompor quando percebi alguns olhares assustados por
parte de outras mulheres. Provavelmente deviam estar pensando por que eu
sequer tinha penteado o cabelo antes de sair de casa. Ou talvez fosse pelo
meu rosto que devia estar vermelho como um pimentão depois de toda aquela
atividade física. Minha aparência devia estar algo de outro mundo mesmo.
— Ei, você está bem?
— Claro!
Sorri para o rapaz moreno que parecia preocupado comigo — ou com o
bem-estar das pessoas ao nosso redor. Ele era um pouco mais alto do que eu e
tinha cabelos pretos arrepiados. Bonito, mas daquele jeito que também parece
um pouco entediante.
— Parecia que você estava prestes a desmaiar — comentou ele,
prendendo o riso e estreitando os olhos para mim.
— Sério? Que nada! — Abanei a mão, fingindo naturalidade. — Estava
apenas exercitando meus joelhos. Flexioná-los faz bem para as articulações.
— Entendo — respondeu, dessa vez sem conseguir evitar rir.
Quem ele achava que era para achar graça de mim? Einstein? O moço
prodígio esticou a mão para me cumprimentar e eu retribuí o gesto
educadamente.
— Sou Joseph, dou aulas aqui. Você é...?
— Bruna — respondi.
E parei aí mesmo. Nada de dizer meu sobrenome. O cara era
professor... Já bastava ficar babando pelo meu chefe, não precisava também
me interessar por um dos funcionários do colégio de Sophia.
Encarei Joseph, esperando que ele se tocasse que devia ir dar suas aulas
e parar de me secar. Ele, no entanto, não parecia ter notado a minha intenção
e continuou falando.
— Não tem sobrenome? — insistiu justamente no assunto que eu tentei
evitar.
— Tenho sim! — Abri um sorriso bem exagerado e ele pigarreou um
pouco sem graça.
— Ok, Bruna. Espero que fique bem... Você está realmente muito
vermelha.
Lógico que eu estava! Maldita corrida! Passei a mão em meus cabelos
para tentar domar o ninho de passarinho e parei numa posição meio sexy.
Pelo menos eu esperava que fosse.
— Minha pele é muito delicada, então quando me exponho muito ao
sol, fico desse jeito.
O professor continuou me encarando e me deixando nervosa, porque
não podia negar que ele era bonito. Quando eu percebi que já começava a
ficar constrangedor demais para nós dois, estiquei minha mão para acabar
com aquilo logo.
— Tenho que ir — avisei. — Foi um prazer, Joseph.
— Igualmente. — Ele apertou com força suficiente para mostrar sua
masculinidade.
Saí rápido da situação embaraçosa e voltei para casa, caminhando
devagar dessa vez e aproveitando o ventinho da rua arborizada. Era realmente
muito vantajoso que Sophia estudasse tão perto de casa, uma região muito
bem localizada, provavelmente reduto apenas de famílias muito ricas. Teria
sido uma manhã tranquila se eu não tivesse me atrasado e precisado correr
pelas ruas.
Ao chegar em casa, percebi que não tinha muito o que fazer por lá
enquanto Sophia estivesse no colégio. A empregada carrancuda que devia ter
chegado enquanto eu estava fora, não ia muito com a minha cara, então nem
adiantava tentar fazer amizade com ela. Enrolei bastante em meu quarto,
arrumando o armário umas três vezes só para que as horas passassem mais
rápido. Quando já não aguentava mais ficar trancada ali, resolvi descer e
socializar um pouco e encontrei Abigail na cozinha.
— Bom dia — disse ao me aproximar. — Como você está hoje?
Ela estava de costas para mim, lavando louça na pia e se virou
rapidamente para me olhar com sua cara azeda.
— Quer alguma coisa? — perguntou.
— Nada específico. — Encolhi os ombros e suspirei. — O que tem de
bom para fazer pelo bairro?
— Não tenho tempo para lazer.
Curta e grossa, ela voltou sua atenção para a louça e me deixou ali,
embasbacada. Agradeci com um sorriso silencioso e dei alguns passos para
trás até estar longe o suficiente da cozinheira, sua cara de psicopata não me
agradava. Ao voltar para a sala de estar, bati os olhos numa foto de Sophia
dentro da piscina e senti o estalo em minha mente. Não havia cláusula
nenhuma sobre não poder usar a piscina da residência. Aliás, eu sabia
perfeitamente que quando Sophia não estivesse em casa, sob os meus
cuidados, eu podia fazer o que quisesse para passar o tempo. Usufruir da
piscina devia estar incluído nisso, certo? Sabia que a cozinheira ranzinza não
iria me responder caso eu perguntasse, então subi para o quarto e peguei um
dos biquínis que tive a brilhante ideia de colocar na mala. Não era um modelo
comportado para os padrões americanos, mas... quem se importa? Não tinha
ninguém em casa para ver minha bunda, além de Abigail.
— Vai sair? — perguntou a simpatia em pessoa quando me viu
descendo a escada apenas com uma saída de praia cobrindo o biquíni.
— Vou tomar um banho de piscina. Estou com tempo livre.
— Vai querer que chame quando o almoço estiver pronto?
Meu Deus, por que aquela mulher só me olhava daquele jeito estranho
como se quisesse me afogar?
— Por favor, me chame — pedi, sorrindo para evitar ser assassinada.
— Não vou ficar gritando — avisou quando passei por ela.
Talvez o azedume não fosse apenas direcionado a mim, talvez ela fosse
uma pessoa naturalmente carrancuda. Lembraria de começar a reparar em sua
interação com Sophia e o Sr. Reed. E também tentaria descobrir se minha
adorável e simpática amiga cozinheira tinha algum namorado. Se ela fosse
solteira, podia ser uma boa ideia encontrar uma pessoa bacana para
transformá-la em alguém mais feliz.
Cheguei na parte externa que ficava atrás da casa e exibia uma
estonteante e atraente piscina de água azul cristalina. O calor que estava
fazendo só me dava mais vontade de entrar ali dentro e virar peixe. Tirei a
roupa e pulei na água gelada, que parecia percorrer todos os meus músculos e
fazê-los relaxar. O bairro era tranquilo e a casa silenciosa, o que me
proporcionava uma calmaria perfeita.
Depois de nadar um pouco, deitei na beira da piscina, sobre a pedra
molhada e fechei os olhos por um momento. Talvez tenha dormido, não sabia
ao certo, mas quando acordei, o sol já tinha mudado de posição e eu sentia o
cheiro inebriante da comida. Abigail com certeza já devia ter preparado o
almoço há tempos e não me chamou. Se dependesse dela, eu provavelmente
teria dormido ali na piscina até a hora do jantar.
— O almoço está servido...
Meu susto com a voz masculina atrás de mim foi tão grande que rolei
para o lado e caí na piscina, bebendo um pouco d’água e sentindo mais um
pouco entrar pelo nariz. Quando voltei à tona, pude ver o rosto do meu
patrão, agachado com uma expressão preocupada. O que diabos ele estava
fazendo em casa?
— Você está bem? — perguntou.
O Sr. Reed esticou uma mão e eu a segurei sem pensar duas vezes.
Estava chocada demais para raciocinar. Ele me puxou — oh Deus, ele era
forte — com facilidade para fora da água e por um breve momento eu desejei
que seu corpo fosse a toalha.
— Estou... — respondi, um pouco sem fôlego.
— Não quis assustá-la, me desculpe.
Um total cavalheiro, Benjamin buscou minha toalha sobre a
espreguiçadeira e me entregou, virando-se de lado enquanto eu me enrolava
nela. Não que eu estivesse reclamando por ele ter me olhado rapidamente dos
pés à cabeça antes de fazer isso.
— Eu estou só... — pigarreei. — É... Esperando Sophia sair do colégio.
Meu patrão meio que ignorou o que eu disse e saiu caminhando em
direção ao interior da casa, deixando-me um pouco preocupada. Será que
estava com raiva por eu ter usado a piscina em pleno dia de semana? Eu seria
demitida? Porque mal tinha acabado de chegar e meus pais provavelmente
estavam comemorando por finalmente terem a casa só para eles.
— Não precisa dar explicações, Bruna — explicou o Sr. Reed assim
que eu o alcancei. — O seu tempo é livre quando minha filha não estiver em
casa. E toda a propriedade é para ser usada sem cerimônia, afinal, ela será sua
moradia durante o tempo que estiver conosco.
Eu me sentia uma tola com ele falando daquele jeito, como se
precisasse explicar tudo para uma criança conseguir entender. Era fato que
Sophia devia ser mais perspicaz do que eu, mas a culpa também era do
inglês, lógico! Eles falavam rápido demais e eu custava um pouco para
acompanhar e manter o raciocínio. Queria ser daquelas pessoas que pensam
rápido, mas não era. Meu patrão ainda ficou me olhando por alguns
segundos, esperando provavelmente que eu dissesse alguma coisa e nada
aconteceu. Quando ele arqueou uma sobrancelha, foi que a luz na minha
cabeça piscou.
— Sim, tudo bem — declarei.
Consenti e balancei a cabeça positivamente, concordando com as
palavras dele.
— Fico feliz que tenha compreendido. Você deve realmente se sentir
confortável enquanto estiver morando aqui.
— Eu ficarei confortável — respondi, sorrindo. — Ou melhor, eu já me
sinto confortável. Mais do que isso, só ficando pelada. — Ri alto, mas
percebi que tinha dito aquilo em voz alta e tossi. — O que não seria uma boa
ideia, claro.
Baixei o rosto, querendo me enfiar no primeiro ralo que encontrasse no
caminho, e passei pelo meu chefe para subir a escada e vestir alguma coisa
decente.
— Bruna — chamou ele e me fez virar para olhar. — Sophia cooperou
para ir ao colégio hoje?
— Sim! Ela é uma ótima menina!
— Ela tomou café da manhã? — perguntou, franzindo a testa. —
Sophia é péssima para se alimentar logo que acorda e fica fazendo charme.
Eu tive muita sorte com ela então, porque tudo correu perfeitamente
bem. Pensei, sorrindo e agradecendo a menina ter gostado de mim.
— Estou dizendo, ela é ótima! Tomou todo o leite que dei e pareceu
adorar.
Parei por aí, pois de repente, não tive muita certeza se apenas o leite era
o suficiente para um café da manhã de uma criança. Achei melhor deixar o
Sr. Reed imaginar o restante.
— Jura? — Ele franziu a testa de novo. — Sophia detesta o leite de
amêndoas. Parece que só por não poder tomar o de vaca, ela justamente é
louca por ele.
Um minuto de silêncio para que meu cérebro pudesse trabalhar
rapidinho. O que ele estava dizendo? Tinham dois tipos de leite na geladeira?
Tentei me recordar do momento em que desci e peguei o leite para a criança.
Eu estava com sono, mal tinha tirado as remelas dos olhos e... Cacete. Quem
estava preocupada agora era eu. Por que ela não podia tomar leite de vaca?
Qual o problema com o leite? Qual? Eu estava suando? Acho que senti gotas
de suor escorrerem pela minha bunda.
Dei meu sorriso mais amarelo para meu patrão e o interroguei só por
curiosidade.
— Se não se importa de me explicar, poderia dizer qual o problema de
Sophia com o leite?
— Ela tem alergia à proteína do leite.
— Alergia?
Como eu faria para sair correndo antes que ele me matasse? Eu
precisava conferir se tinha dado o leite certo para a menina e precisava fazer
isso com urgência. Fui andando de costas e meu patrão me seguia,
caminhando na minha direção como se quisesse muito me contar
detalhadamente o caso alérgico da filha. Ele não tinha mais nada para fazer?
— Desde que Sophia nasceu tem alergia. A pele dela começa a coçar,
ficar vermelha e cheia de bolotas, como se fossem mordidas de mosquito.
— Sério?
— Sim. Custamos a descobrir a alergia... — disse ele, com pesar. —
Ela sofreu bastante até descobrirmos.
Acho que quem sofreria dessa vez seria eu, quando percebessem o que
tinha feito e me expulsassem daquela casa. Para minha sorte, o celular dele
tocou e com isso eu aproveitei para sumir mais rápido do que uma bala de
canhão. Sei que entrei correndo na cozinha e ignorei os olhares de Abigail.
— Está molhando o piso — reclamou ela.
— Cadê o leite?
Meu desespero era grande e parecia que o leite estava se escondendo.
Eu já podia ouvir a voz de Benjamin por perto, falando no celular e nada de
achar a caixa da porra do leite. Quando finalmente a encontrei naquela
geladeira enorme, quase desmaiei. Era de vaca!
— Bruna? — Ouvi o Sr. Reed me chamar.
Fui pega no flagra, com a caixa do leite assassino na mão e a porta da
geladeira aberta. Isso sem contar a poça d’água que meus cabelos ensopados
formaram no chão.
— A conversa toda me deu vontade de tomar leite — menti, tremendo
dos pés à cabeça, pensando numa saída.
A solução foi levar a caixa à boca e beber direto ali mesmo, como se a
vontade precisasse ser saciada naquele instante. Dei longos goles enquanto
via meu patrão e a empregada me olharem como se eu fosse louca, mas no
fundo só conseguia pensar em Sophia e no fato de que precisava correr até o
colégio.
— Se gosta tanto de leite, mandarei que comprem mais desse — disse o
meu pobre chefe, com suas melhores intenções.
— Obrigada — respondi quando soltei a caixa vazia e controlei uma
vontade enorme de arrotar.
Desconversei, dizendo que iria tomar um banho e subi para o quarto, na
esperança de que Benjamin saísse logo de casa e não voltasse tão cedo. Eu
precisava averiguar se Sophia ainda estava viva. Calcei um tênis — para
poder correr mais rápido — e assim que ouvi o som de motor de carro, saí de
casa. Quando cheguei no colégio, fui procurar pela sala de aula da menina e
ao chegar lá descobri que ela estava na enfermaria.
— Sophia!
Encontrei a criança deitada num dos leitos do local, com o rosto
vermelho e todo cheio de bolinhas. A enfermeira da escola veio falar comigo,
talvez sem imaginar que a culpada daquele estado tenebroso era eu.
— Sophia está melhorando. Como ela está nessa fase de não falar,
escreveu uma cartinha e pediu que não avisássemos em sua casa porque o Sr.
Reed está numa reunião importante. — A enfermeira passou a mão pelos
cabelos da menina, sorrindo. — Como conhecemos o histórico dela e Sophia
nos contou sobre o leite, achamos melhor apenas deixá-la descansar e
administrar o antialérgico.
Ainda estava atônita e precisei me esforçar ao máximo para
compreender tudo que a enfermeira tinha dito. Quando nos deixou a sós, eu
me virei e encarei Sophia, que sorriu para mim. Ainda bem que tive a
brilhante ideia de trazer alguns itens de maquiagem na bolsa, pois teria que
fazer um bom trabalho de camuflagem antes de entrar com ela em casa.
— Ah, querida, me desculpe por isso — pedi, agachando-me diante
dela e tocando seus joelhos. — Nossa, eu sou muito desastrada. Não sabia
sobre a alergia porque não parei para ler toda a cartilha de informações que
me entregaram sobre você.
— Tá bom.
— Vamos ter que esconder esse episódio do seu pai. Que tal um
segredinho nosso, hein?
— Não vou contar sobre o leite — disse ela, fazendo meu coração
acelerar.
— Leite? — Arregalei os olhos e sorri. — Que leite?
Talvez se eu negasse até a morte, ela se convencesse de que a culpa não
tinha sido minha. Poderia dar certo.
— O leite que você me deu — respondeu a pestinha com um sorriso
diabólico. — Eu só posso tomar o de amêndoas.
— Querida, mas foi o de amêndoas que eu te dei. Você deve estar se
confundindo.
— Hum... — Ela fingiu pensar e sorriu. — Não. Você me deu o
comum. O gosto é diferente.
Tive vontade de sacudir seus ombros e perguntar por que então ela
tomou o diabo do leite, se sabia diferenciar os gostos, mas como Sophia não
estava com uma aparência muito boa, achei melhor deixá-la quieta.
— Não importa de quem foi a culpa. Você está bem, não está?
— Aham — respondeu balançando a cabeça várias vezes e depois
começou a coçar os locais com pequenas manchas avermelhadas na pele. —
Nós vamos pra casa agora?
— Claro! Que tal se tomarmos um sorvete pelo caminho?
— Só se for sorvete feito com leite especial...
Droga! Isso era complicado demais para minha cabeça. Eu mal sabia
onde tinha uma sorveteria por ali, quanto mais uma sorveteria que trabalhasse
com leite de origem vegetal.
— Vamos tomar um refrigerante então. — Sorri, encontrando a
solução.
Depois de assinar um papel que a enfermeira me deu, confirmando que
a criança tinha sido devidamente amparada no colégio, nós fomos embora.
Não precisamos correr desta vez, então eu finalmente pude tentar trocar
algumas palavras legais com Sophia enquanto apreciávamos a caminhada.
— Então, é melhor você me deixar ciente de todas as suas alergias. Eu
não sei se sobrevivo a mais um susto desses...
— Leite e camarão!
Camarão também? Isso sim era motivo de pena. Camarão era tão
gostoso, imagina não poder apreciar seu sabor tão marcante, como devia ser
triste. Para não insistir nas coisas ruins, mudei logo de assunto, comecei a
perguntar sobre as comidas que ela mais gostava e Sophia desandou a
tagarelar sobre um monte de coisa.
Quando chegamos no início da rua onde ela morava, decidi parar e
abrir meu kit de primeiros socorros, que no caso era apenas a minha bolsinha
com maquiagem. Fui muito sagaz em pegar isso na pressa antes de sair de
casa.
— Sophia, como o seu rosto está um pouco estranho, vou passar um
produtinho em você, para ficar bem bonita. — Pisquei para ela, que sorriu. —
Quando entrarmos em casa, vá direto para o seu quarto, combinado?
— Aham!
Espalhei um pouco de corretivo pelos pontos mais críticos de seu rosto
e passei também um pouco de base. Sabia que não era certo passar
maquiagem em criança e que, provavelmente, minha vaga no céu já tinha
sido cancelada, mas logo que eu subisse para o quarto dela, ajudaria a tirar
tudo. Pelo que Sophia tinha dito, aquelas manchas não demorariam muito
para sumir, então eu estava realmente confiando na menina e torcendo para
Benjamin não estar em casa.
Graças a Deus, tudo tinha dado muito certo. Eu não fui processada,
nem demitida, nem assassinada. Perto da hora do jantar, eu já estava mais
aliviada por Sophia ter melhorado totalmente. Parecia mágica, mas as
manchas tinham sumido por completo como se nunca tivessem aparecido.
— Vamos descer? — perguntei ao terminar de arrumá-la como me
pediu, com um vestido lindo que a fazia parecer uma boneca.
— Acha que meu pai vai gostar? — perguntou ela, dando uma
rodadinha com os olhos brilhantes.
— Claro que sim! Por que ele não gostaria de ver como a filha está
linda?
— Foi o papai que me deu esse vestido.
Toquei a cabeça de Sophia, percebendo o quanto ela conseguia ser fofa.
Parecia que eles não tinham muito tempo juntos porque o Sr. Reed trabalhava
demais, mas isso não atrapalhava de fato a bela relação entre pai e filha.
— Ele vai ficar muito feliz em vê-la com o presente — respondi,
pegando do bolso o meu celular que começou a tocar e atendi antes mesmo
de ver o nome na tela. — Oi!
— Bruna?
— Sim, eu.
— É Benjamin quem está falando. Estou ligando para avisar que não
estarei em casa a tempo de jantar, então certifique-se de que Sophia coma
direito e preciso também que coloque-a para dormir.
Lancei um olhar para a menina, que me observava com atenção e
expectativa. Depois de tanta empolgação, ela com certeza não ficaria feliz
quando eu desse a notícia. Estava claro nos olhinhos brilhantes da criança,
que a espera pelo pai era quase como uma espera pelo Papai Noel.
— Ah... Sim, claro — pigarreei para tentar não demonstrar meu
descontentamento. — Cuidarei de tudo, Sr. Reed.
— Eu não sei que horas vou chegar, mas pode me ligar se for preciso,
ok?
— Certo.
Ele desligou sem nem ao menos se despedir e tive que ir atrás de
Sophia, que já estava sentada no degrau da escada, com os cotovelos
apoiados nos joelhos e as mãos segurando o queixo. Ela sorriu quando me
aproximei e eu torci o nariz, me sentindo infeliz por precisar ser a portadora
de más notícias.
— Acho que seremos apenas nós duas hoje — avisei.
— E meu pai!
— Não, querida. Seu pai não vai vir jantar esta noite. — Passei por ela
e me ajoelhei, segurando suas mãos. — Ele precisou ficar para trabalhar um
pouco mais.
Sophia franziu a testa e o sorriso se desfez quando correu os olhos pela
roupa que tinha escolhido. Antes que eu me levantasse para sugerir que
fôssemos logo para o andar inferior, Sophia se levantou e correu para o
quarto, batendo a porta e trancando-a por dentro.
— Sophia! — Bati na madeira, assustada por vê-la daquele jeito. —
Abra a porta!
— Não quero comer.
Encostei minha testa na porta, chateada. Eu queria comer, estava
morrendo de fome e fui educada o bastante para esperar pelo dono da casa,
que não chegaria tão cedo. Benjamin Reed tinha acabado de perder todos os
poucos pontos que acumulara comigo desde que o conheci. Ele era rico, era o
dono da empresa, qual a dificuldade em sair no horário para jantar ao lado da
filhinha?
Sentei-me na porta do quarto de Sophia e fiquei cantando músicas
brasileiras até que ela se cansasse da minha voz e viesse implorar para que eu
parasse. Mas comecei a me sentir tensa e cansada conforme o tempo foi
passando e nada da menina dar sinal de vida.
— Sophia... Socorro... — fingi, utilizando de toda a minha veia
artística. — Não estou... me sentindo bem...
Fiz a voz mais dolorosa que existia e comecei a respirar bem ofegante.
Eu estava tão entregue àquele papel que realmente me sentia mal. Ou talvez
eu estivesse atuando tão bem justamente por me sentir péssima. Enfim, não
importava tanto. O principal aconteceu, pois não deu mais do que dois
minutos para que a porta fosse aberta devagar.
— Te peguei! — gritei e joguei meu corpo com toda força para dentro
do quarto dela e agarrei aquelas perninhas finas. Sophia caiu junto comigo e
não estava me olhando com uma cara muito satisfeita. — Desculpe, precisei
fazer isso já que você estava me ignorando.
Ela levantou com tamanha desenvoltura e pulou por cima do meu corpo
caído no chão, passando pela porta e correndo pelo corredor do segundo
andar. Lógico que o tempo que gastei para me levantar, foi justamente o
tempo que ela teve para ir até o quarto do pai... e se trancar lá dentro. Sério,
para que existia chaves naquela casa?
Depois de escrever um bilhete de rendição e passa-lo por baixo da
porta, minha única opção era ficar ali até que ela finalmente saísse. O
problema todo foi eu ter dormido e não ter visto o patrão chegar.
Abri os olhos, ainda tonta de sono, quando um dedo me cutucou e
depois uma mão balançou meu ombro. A imagem que ia se formando na
minha frente era nada mais nada menos do que do homem mais perfeito que
eu conhecia e que, coincidentemente, era quem pagava o meu salário.
— O que aconteceu para estar dormindo na porta do meu quarto? —
perguntou com toda a educação que alguém poderia ter ao encontrar uma
moribunda cochilando no chão.
Não tinha sido a minha intenção pegar no sono e ser surpreendida
daquele jeito. Quem visse a cena sem saber da história completa, poderia
achar que eu estava esperando para dormir abraçadinha com meu chefe. O
que não era verdade. Apenas nos meus sonhos.
Benjamin me estendeu a mão e eu a aceitei, levantando-me e
recuperando o que ainda havia de orgulho.
— Eu peguei no sono — murmurei, ajeitando o cabelo metade para
dentro do elástico e metade para fora. — Me desculpe, isso não acontecerá de
novo.
— Está tudo bem?
— Mais ou menos. — Encolhi meus ombros, sentindo-me muito
frustrada. — Sophia se trancou no seu quarto quando soube que o senhor não
viria jantar. Ela estava bem animada com isso, sabe? Até colocou um vestido
novo.
— Eu lamento...
O homem fez uma cara de quem realmente lamentava e eu me culpei
por ter pensado tão mal daquele lindo exemplar masculino. Afastei-me da
porta para que o dono do quarto pudesse entrar e ele a abriu lentamente.
— Eu cuido dela agora, obrigado — avisou ao se virar mais uma vez
para mim.
— Acho que deve ficar ciente de que ela não quis comer. Uma pena,
pois estava super animada hoje, nós conversamos tanto... Ela até me contou
sobre suas alergias e...
— O que foi que você disse? — perguntou Benjamin ao me
interromper com os olhos estreitos para cima de mim.
Ah, droga. Por que eu toquei no assunto da alergia mesmo? Ele poderia
desconfiar de alguma coisa para que o tema tivesse sido abordado entre nós
duas e eu sorri para tentar disfarçar.
— Eu falei? — fingi desentendimento. — O quê?
— Bruna, o que quis dizer com “ter conversado” com Sophia?
— Ah, nós conversamos. Coisas simples, nada demais, nenhum assunto
de vida e morte. Fico feliz que ela pareça à vontade comigo, sua filha é um
amor.
— Sophia não fala — declarou Benjamin, curto e grosso.
Devo ter passado os próximos vinte segundos apenas encarando o
homem à minha frente, enquanto sentia as engrenagens do meu cérebro
funcionarem a todo vapor. Lentamente, fui me recordando de algumas coisas,
inclusive do fato de que a menina realmente não falava. Ou pelo menos tinha
sido isso que foi informado a mim.
Talvez, só talvez, eu tenha me esquecido completamente desse
problema. Com o nervosismo causado pelo processo alérgico eu nem me dei
conta de que tínhamos conversado o dia inteiro.
— Pois é... — Tossi, chocada por ser eu a dar a notícia. O rosto de
Benjamin estava tão pálido quanto os gringos que chegavam em praias
cariocas. — Ela... falou.
— E você esqueceu de me contar isso?
— Eu queria que fosse surpresa — menti.
O quarto estava escuro e Sophia dormia tranquilamente na cama
quando ele entrou correndo e acendeu a luz na cara da garota. Tão delicado.
Um bom pai.
— Sophia! Acorde!
Ela olhou para nós dois, ainda sonolenta, e fez uma careta triste assim
que percebeu que ele estava de volta. Meu patrão acariciou os cabelos da
menina e a beijou na testa.
— Querida, fale comigo — pediu. — Bruna disse que você estava
falando, é verdade?
Como assim? Benjamin duvidava da minha palavra? Não que eu fosse
muito sincera, mas ele não sabia disso. Não tinha motivo para duvidar.
Sophia olhou para o pai primeiro e depois para mim. Custava ela dizer
logo alguma coisa — qualquer coisa — antes que o homem infartasse bem ali
na minha frente? Esperamos por algum som e a criança continuou calada, até
que se levantou da cama e saiu andando pelo quarto.
— Não parece que ela voltou a falar — resmungou o homem.
— Ela voltou, eu garanto. Tenho certeza que isso é por estar chateada
com o senhor.
Ele me olhou com cara de cachorro abandonado — que eu subitamente
tive vontade de adotar — e suspirou. Sophia saiu do quarto e eu não soube
como reagir diante daquilo. Me sentia a campeã do concurso de mentiras.
— Eu estou falando a verdade — insisti, enquanto andava de costas até
a saída. — Hoje ela conversou normalmente comigo.
— Tudo bem. Tentaremos novamente amanhã. — Ele se sentou na
cama e esfregou o rosto, aparentemente cansado. — Pode ir dormir, Bruna.
Saí do quarto sem ter o que discutir, mas ao invés de ir para o meu, fui
até o de Sophia e encontrei-a sentada na cama, balançando as pernas no ar.
Um sorriso triste apareceu em seu rosto quando cheguei.
— Por que não falou nada, Sophia? Seu pai agora pensa que eu sou
mentirosa.
Ela deu de ombros e se deitou, puxando o edredom para se cobrir. Eu
não sabia se ficava com raiva ou com pena de Benjamin Reed. Talvez, no
momento, a raiva se sobressaísse um pouco mais, visto que era culpa dele a
menina ter se entristecido e decidido não abrir mais a boca.
Passei a semana toda tentando fazer com que Sophia falasse
novamente, pelo menos comigo. Tinha feito uma promessa silenciosa de que
se ela resolvesse abrir a boca, eu ficaria bem quieta e não sairia correndo para
contar ao pai da menina. Não que eu quisesse esconder uma informação tão
importante como essa, mas meu plano era fazer com que Sophia confiasse um
pouco mais em mim.
O final de semana tinha chegado e o sábado estava quente e com um
céu bonito. Acordei muito disposta e como meu patrão tirava os finais de
semana para curtir com a filha, eu sabia que teria um tempinho apenas para
cuidar de mim. Fui para o banheiro raspar minhas pernas, hidratar os cabelos
e usar uma máscara facial que comprei por menos de um dólar na farmácia.
Ao sair do banho, com uma toalha enrolada no corpo e outra na cabeça,
me empolguei além do normal com a música que tocava em meu celular.
Dancei sem me importar em fazer papel de palhaça porque eu não tinha muita
coordenação nessa coisa de mexer o corpo em sintonia com o som.
— Bruna?
Ah, não. Parei de dançar e me virei devagar na direção daquela voz
masculina. Meu patrão estava parado na minha porta, meio sem graça por ter
atrapalhado meu momento.
— Me perdoe por entrar assim, mas eu bati duas vezes e você não
respondeu. — Ele deu um sorriso como pedido de desculpas e encolheu os
ombros. — Quando... terminar... me procure, por favor.
Foi impressão minha ou Benjamin Reed ficou vermelho? Eu tinha
quase certeza de que aquele rosto bonito ganhara um pouco mais de cor.
Confirmei o pedido dele com um sorriso e esperei que saísse para bater na
minha própria testa. Em qual momento eu aprenderia a trancar a porta do
quarto para evitar situações embaraçosas como essa?
Deixei a cantoria de lado e me apressei em me arrumar para poder
descobrir o que de tão importante Benjamin queria comigo para invadir meu
quarto daquele jeito. Vesti um jeans velho e uma camiseta, passei um pente
de qualquer jeito pelos cabelos molhados e fui procurar por ele, encontrando-
o em seu quarto.
— Com licença... — pedi, parando do lado de fora.
Ele escancarou a porta e passou por mim, como se estivesse de saída.
— Eu estou levando Sophia ao cinema e pensei em convidá-la para vir
conosco — sugeriu. — O que acha?
— Eu?
Minhas pernas até ficaram bambas porque eu não esperava por nada
parecido. Ele lembrou de me convidar? Tudo bem que não era um programa
de casal, tinha Sophia no meio, mas mesmo assim, eu estava feliz apenas em
ter sido convidada.
— Tem certeza que não vou atrapalhar? — perguntei, com medo de
que o homem se arrependesse no caminho.
— Na verdade, foi Sophia quem pediu. Ela estava de birra e escreveu
num papel o seu nome, portanto, nós adoraríamos ter sua companhia hoje.
Ah, sim. Sophia. Eu só tinha sido incluída no programa por causa de
Sophia, não do chefe gostoso e inacessível. Agora sim eu compreendia o
convite e me sentia de volta à realidade — triste — da minha vida amorosa
fracassada.
— Vou trocar de roupa e encontro com vocês lá na porta — avisei, sem
esperar por resposta e correndo para meu quarto porque eu jamais perderia
aquela oportunidade.
Porém, no meio do caminho a pequena Sophia apareceu diante de mim
e segurou minha mão, entrando comigo no quarto e fechando a porta logo
que passamos por ela.
— Que linda sua roupa, Sophia! — falei, fazendo-a dar uma voltinha
para que eu avaliasse o look. — E você está usando maria-chiquinha! Sabia
que quando eu era criança usava muito esse penteado?
Ela abriu um sorriso, balançou a cabeça e enfiou a mão numa bolsinha
minúscula que carregava a tiracolo. Para minha surpresa, Sophia me mostrou
dois elásticos coloridos.
— Quer que eu prenda melhor? — perguntei, sem entender.
Ela negou e empurrou meus ombros para me fazer sentar na cama. Não
gostei de todo aquele jeitinho autoritário e desconfiei de ser algo que eu
pudesse não gostar.
— Acho que já entendi o que você quer, mas veja só, eu prefiro meus
cabelos soltos.
— Por favor...
A criança falou! Eu quase gritei tamanha a emoção que senti, mas ia
chamar a atenção de Benjamin e levar meu plano de confiança para o ralo.
Engoli o orgulho e deixei que ela fizesse as malditas chiquinhas que me
deixariam ridícula, mas quando saí pronta do quarto e desci a escada,
visualizei a cara de espanto do meu patrão.
— Você está linda, querida! — elogiou ao encarar a filha e depois
subiu os olhos até meu rosto. — E você... também... Bruna.
— Como mente mal — murmurei ao passar pelos dois, sem que
pudessem me ouvir.
Durante todo o percurso até o cinema, meu patrão evitou ao máximo
olhar para mim, que estava ao seu lado no banco do carona. Eu entendi aquilo
como uma forma de evitar me olhar e cair na gargalhada ou algo do tipo. Me
sentia completamente ridícula com o cabelo repartido ao meio e aqueles
prendedores verdes no alto da cabeça.
— Qual filme nós vamos assistir? — Tive a péssima ideia de perguntar
assim que chegamos ao cinema.
Sophia desceu rapidamente do carro, toda animadinha por estar com o
pai, e correu para tomar lugar na fila da cafeteria, enquanto eu lia o letreiro
luminoso com o nome do desenho.
“A Invasão das Bonecas”
Pelo pôster, tinha cara de ser péssimo. Pior ainda era ver as bonecas na
capa do filme, todas usando o mesmo penteado que eu e Sophia. Não. Não
podia ser verdade. Meu coração parou de bater quando percebi que
estávamos a caráter. Logo notei que outras crianças também estavam usando
maria-chiquinha, mas claro, elas eram crianças.
— Acho que Sophia não vai muito com a minha cara — resmunguei.
— Por que diz isso?
Benjamin Reed era ingênuo ou cínico? Eu não sabia dizer ao certo, mas
achei que seria melhor evitar responder sua pergunta. Prezava pela minha
estadia no país, não queria ser deportada.
Paramos na fila para poder comprar os ingressos e ao chegarmos na
bilheteria, a simpática moça fez o favor de piorar ainda mais minha situação.
— Boa tarde! — Sorriu para ele e só faltou levantar a blusa. — Serão
quantos ingressos?
— Três, por favor — respondeu meu patrão.
— Sua filha menor tem direito à meia-entrada, mas a mais velha paga
inteira, ok?
O quê? Quase desmaiei quando entendi o que a mulher quis dizer e me
enfiei no espaço entre a bilheteria e o Sr. Reed.
— Eu não sou filha dele. Eu tenho meu próprio pai e... — Percebi que
Benjamin estava rindo atrás de mim e calei a boca. — Deixa pra lá...
Depois de ser confundida com uma criança, percebi que estava no
fundo do poço, então para que perder energia tentando mudar a opinião de
uma pessoa que eu nem conhecia? Suspirei e fui me juntar à Sophia,
deixando que Benjamin se resolvesse com a funcionária. Não passou
despercebido o sorrisinho debochado que ele tentou esconder quando se
aproximou de nós duas.
— Devo estar bem acabado se pensam que tenho idade para ter uma
filha do seu tamanho — comentou, entregando meu ingresso.
— Me desculpe por isso, foi vergonhoso.
Tentei ignorar os olhares curiosos para cima de mim, porque
obviamente não era todo dia que mulheres da minha idade saíam de casa com
o cabelo repartido ao meio ostentando duas grossas marias-chiquinhas.
— Por que você está assim? — perguntou Benjamin.
— Isso foi ideia da Sophia.
— Ela... — O homem olhou de mim para a filha e depois de volta para
mim. — Disse alguma coisa?
Não pretendia contar novamente para ele, visto que da primeira vez não
só não acreditou em mim como também me deixou em maus lençóis com a
garota. Ela estava me olhando com aquela cara de quem não sabia de nada e
eu tive que pensar rápido, sorrindo para meu patrão.
— Na verdade, ela escreveu num papel e fez algumas mímicas. Depois
acabou me pegando de jeito, aí nem tive como escapar.
— Posso imaginar. — Ele sorriu e piscou para a filha. — Quando
Sophia decide uma coisa, não tem quem a faça mudar de ideia.
Oh, eu sabia muito bem disso. A menina era muito boa em convencer
as pessoas. Lancei um olhar à pestinha, que parecia muito orgulhosa por ser o
centro das atenções.
•
Compramos ingressos na última fileira e Sophia se sentou na poltrona
entre Benjamin e eu, impossibilitando, para minha tristeza, que eu mantivesse
contato com seu pai. O que em alguns minutos de filme eu agradeci
mentalmente, já que tive muita dificuldade em segurar a risada diversas
vezes, mesmo em momentos em que nem mesmo a criança ao meu lado
achava tanta graça. Eu gostava de animações, era a verdade, não conseguia
ser indiferente a elas. Isso, no entanto, não precisava ficar tão claro diante do
meu chefe. Ele não precisava saber que eu talvez possuísse uma idade mental
próxima a de sua própria filha e que, talvez também, precisasse eu mesma de
uma babá de vez em quando.
Quando saímos do cinema, fiquei extremamente satisfeita em ver pai e
filha de mãos dadas e sorrindo.
— Eu perguntaria a ambas se gostaram do desenho, mas acredito que já
saiba a resposta — comentou Benjamin —, já que toda vez que eu virava o
rosto para o lado, as duas estavam gargalhando.
Senti vontade de perguntar por que ele achava necessário ficar tomando
conta das minhas reações, mas me calei. O coração palpitou, o rosto corou e
meu corpo foi de encontro ao chão. Só não dei de cara no asfalto porque
Benjamin me segurou antes que a tragédia acontecesse. Quando o susto
passou e eu recuperei a lucidez, ele apontou para meus pés.
— Não deve ficar andando com o cadarço desamarrado.
— Eu não vi que estava desamarrado. — Agachei-me para dar o nó no
cadarço, aproveitando para esconder minha vergonha. — Obrigada, Sr. Reed.
— Meu Deus, Bruna! Esqueça a palavra senhor de uma vez por todas.
Já basta acharem que sou seu pai. Não sou tão velho assim.
— Ok. — Levantei-me e por pouco não bati continência. — Desculpe.
Benjamin.
Falei tão devagar que só faltou soletrar e depois percebi que foi um
exagero da minha parte, que o fez levantar a sobrancelha e sorrir.
— O que as duas acham de pararmos para fazer um lanche?
Eu nem precisei concordar com nada, já que a própria Sophia se
animou com a pergunta. Ao pararmos num fastfood da vida, ela me puxou até
o banheiro e quando ficamos sozinhas lá dentro, a pequena me abraçou.
— Você é a melhor babá do mundo!
— Hm... Obrigada?
Seria uma pegadinha? Ou ela era realmente inocente demais em me
considerar a melhor? Talvez não tivesse tanta experiência com outras babás
ou talvez só tenha conhecido mulheres carrancudas como a própria Abigail.
Não sabia dizer, mas com certeza, Sophia estava enormemente equivocada.
Esperei, com paciência, que ela usasse o banheiro enquanto tagarelava
sobre o desenho que assistimos e quando voltamos para as mesas, meu
coração errou uma batida. Não era todo dia — no meu caso, nem em toda
uma vida — que um homem como Benjamin Reed esperava sentado num
fastfood muquirana e levantava o rosto para olhar uma pessoa comum como
eu se aproximar. Ele ainda tinha colocado um sorriso no rosto, o que
dificultou ainda mais o processe de caminhada.
— O que vai querer pedir, Bruna? — perguntou todo cavalheiro e eu
me joguei na cadeira à sua frente.
Reed ao molho agridoce, serve? Tudo bem, não serve.
Fiquei feliz por não ter dito aquilo em voz alta. Foi instantâneo. Peguei
o menu que estava em cima da mesa e entreguei um para Sophia, mas esqueci
que estava na companhia do pai dela, a pessoa que provavelmente mais a
conhecia. Portanto, ele já sabia o que ela pediria.
Ele aguardou alguns minutos até que eu me decidisse e depois se
levantou para ir comprar tudo.
— Já volto, senhoritas — avisou. — Por favor, não seduzam nenhum
cidadão do local, ok?
Meu patrão estava fazendo piadinha ou era impressão minha? Sophia
riu, então achei melhor fingir que tinha sido engraçado, mas talvez eu tenha
exagerado um pouquinho só no volume da minha risada, que chamou um
pouco de atenção da mesa ao lado.
— Você ri engraçado! — Sophia falou quando o pai dela já estava no
caixa.
Ela me colocava numa tremenda saia justa, pois se não queria que o pai
soubesse daquele segredinho, não podia ficar abrindo a boca em público, com
ele por perto.
— Vamos deixar a conversa para quando estivermos a sós, querida.
— Você é engraçada! — insistiu e abafou uma risada.
É claro que ela me enxergava como uma palhaça. Quem me levaria a
sério com marias-chiquinhas amarradas no topo da cabeça? E por que eu
deixei que ela ditasse o meu próprio penteado?
— Eu sou uma pessoa muito séria, Sophia — respondi com minha voz
de pessoa adulta. — Não tenho nada de engraçado, acho que você tem uma
imagem equivocada da minha pessoa.
Tentei manter a postura reta e elegante, mas eu estava era enciumada
com Benjamin no caixa, cercado por algumas mulheres que não tiravam o
olho da bunda — deliciosa — dele. Suspirei, sabendo que aquele patrimônio
nunca seria meu e que eu não tinha nada a ver com a vida de viúvo que ele
levava. Só me dei conta de que estava observando o homem como uma
psicopata quando ele já estava se sentando, equilibrando uma bandeja em
cada mão. Ele sorriu para mim e começou a distribuir os respectivos
sanduíches.
— Você ganhou uma caixinha de lápis de cor, Sophia — avisou,
entregando o objeto para a filha. — O que acha de desenhar um pouco?
Eu não lembro de desenhar muito na idade dela, mas a menina recebeu
os lápis feliz da vida e ficou rabiscando enquanto comíamos em silêncio.
Benjamin na maior parte do tempo só tinha olhos para ela e isso fazia dele
um fofo.
— O que está desenhando? Papai pode ver?
Ela balançou a cabeça, empurrando o papel na direção dele. Benjamin
franziu a testa e ficou alguns segundos encarando o desenho, como quem
tentava entender a obra de arte. Então, sorriu e devolveu o papel para a
criança, tomando um gole do refrigerante e olhando para Sophia.
— Querida — disse, tocando os cabelos da filha. — Bruna e eu não
somos namorados. Mas o desenho está muito bonito.
Engasguei com meu refrigerante e tossi, apavorada, preocupada com
mais um vexame em público. Ignorei o olhar preocupado que Benjamin me
lançou e puxei rapidamente o papel que ele tinha devolvido à Sophia. No
desenho estavam dois adultos, onde claramente um deles era o Sr. Reed e o
outro tinha BRUNA escrito no meio da testa. Entre os dois, havia uma
criança e um enorme coração pintado de lápis roxo.
Eu realmente não soube o que dizer. Fiquei sem palavras, temendo que
Benjamin pensasse que eu enchi a cabeça da filha dele de maluquices sobre
nós dois.
— Deve ser outra Bruna... — murmurei, sabendo que ninguém
acreditaria em mim. — Talvez a mãe de uma amiguinha da escola...
Evitei olhar na direção do meu chefe e entreguei o desenho novamente
à sua dona, uma artista mirim para lá de sacana. Nunca comi tão rápido e com
os olhos voltados para baixo por tanto tempo, pois não tinha coragem de
encarar Benjamin.
Quando chegamos em casa, assim que a menina desceu do carro, meu
chefe passou por trás de mim e me parou. Ele colocou uma mão em minha
cintura, me fazendo gelar dos pés à cabeça e depositou um beijo no meu
rosto.
QUE PORRA ERA AQUELA?
— Você está sendo ótima com Sophia. Obrigado, Bruna.
E saiu, me deixando entorpecida depois daquele contato tão simples,
mas tão energizante. Benjamin Reed não devia saber o poder que tinha sobre
corações e calcinhas alheias. Depois de ter me deixado sozinha ali fora, ele
não me viu entrar quase tropeçando nos próprios pés, ainda em transe pela
pegada na cintura.
As duas semanas seguintes passaram normalmente e eu consegui não
matar Sophia nem fazê-la ter nenhuma crise alérgica. Quase não conversava
com Benjamin, já que ele chegava bem tarde quase todos os dias, a ponto de
nem conseguir encontrar Sophia acordada. Era minha função dar a janta para
ela e permitir que esperasse pelo pai até dez da noite, mas não mais que isso.
Essa rotina, em poucos dias, me fez compreender grande parte do problema
de personalidade que acometia a menina.
No final de semana, algo diferente aconteceu. Era uma tarde de sábado
quando atendi a batida na porta do meu quarto e dei de cara com um
Benjamin sorridente.
— Sim? — perguntei, educada, quando gostaria de dar uns tapas nele
por ser tão ausente.
Claro que coloquei um grande sorriso no rosto e fingi que tinha ido até
ali para me convidar para sair. Sonhar era de graça e não pagava taxa de
importação.
— Vou receber uma amiga para jantar conosco esta noite, Bruna —
disse ele. — Gostaria que você preparasse Sophia e descesse com ela às oito
horas.
— Sim, tudo bem.
Tive vontade de perguntar se a tal amiga era mesmo isso ou se era algo
mais, porém, imaginei que ele pudesse me mandar calar a boca e não me
meter na vida alheia. Como a curiosidade era muito grande e eu também
gostaria de preparar meu coração, decidi jogar uma isca no ar.
— Tenho certeza que Sophia vai adorar rever uma amiga da família —
comentei antes que Benjamin se afastasse.
— Não tenho tanta certeza assim. — Ele coçou a cabeça e me pareceu
um pouco inseguro. — Sophia ainda não a conhece e não costuma ser muito
sociável diante de estranhos.
— Entendi... — Dei um sorriso condescendente para ele. — Poxa, que
pena.
Consegui saber o que queria. Se Sophia não conhecia a mulher, era
sinal de que não era exatamente uma amiga, certo? Sim, eu estava com
ciúmes. Entendia perfeitamente o fato de Sophia não ser muito sociável.
E o tal jantar teria tudo para correr a mil maravilhas, se eu não tivesse
dado ouvidos a uma criança problemática. Não que eu fizesse tudo que
Sophia pedia, mas a pequena garotinha parecia estar sempre um passo à
frente.
— Sophia! — Bati na porta de seu quarto e entrei.
Nos primeiros dias naquela casa, eu costumava esperar que ela
autorizasse minha entrada, até que percebi que eu era a figura de autoridade
ali, não uma criança de oito anos. A menina já estava pronta para o jantar,
tinha se vestido sozinha, mas se eu deixasse que ela aparecesse daquela
maneira diante do pai, provavelmente perderia meu emprego.
— O que é isso? — perguntei, chocada.
— Minha roupa!
Ela estava usando um vestidinho preto fofo que não combinava muito
com a coleira em seu pescoço, muito menos com o batom preto e o cabelo
arrepiado. Eu soube naquele momento que não era cardíaca.
— Sophia, onde você arranjou essa coleira? E o que é isso na sua boca?
Desde quando você tem... batom?
Ao me aproximar, notei que não tinha textura de batom e estava muito
mal pintado. Ela abriu um sorriso diabólico e tirou as mãos de trás das costas,
me mostrando uma canetinha hidrocor preta. Eu estava muito ferrada.
— Você ficou doida, Sophia? Não posso deixá-la descer com a boca
pintada de preto!
— Está na moda — respondeu, sorrindo.
— Moda? De quem?
Ela deu de ombros porque, obviamente, não tinha resposta para dar.
Pobre criança, nem sabe o que diz.
Depois de gastar quase meio vidro do meu demaquilante para limpar os
lábios pequeninos — e alguns dentes —, foi a vez de mudar os acessórios
daquela composição bizarra. Soltei a coleira de seu pescoço e olhei assustada
para ela.
— Era do Ralph...
— Quem é Ralph? — perguntei.
— Nosso cachorro que morreu ano passado.
Misericórdia. Olhei para o objeto em minha mão, constatando que era
realmente uma coleira. Pelo visto, ela necessitava de atenção do pai mais do
que eu imaginava.
Tratei de abrir a gavetinha onde ela guardava suas joias e escolhi uma
gargantilha delicada, combinando com brincos pequeninos de pérolas.
— Viu como você fica muito mais bonita assim?
— Pareço boba.
— Não parece não — rebati, alisando os ombros dela. — Parece uma
princesinha! E sabe quem vai adorar vê-la assim? Seu pai.
Ela fingiu que não ouviu e saiu me puxando pela mão para fora do
quarto. Nós descemos a escada e encontramos com o casal de pombinhos na
sala de estar.
— Meu amor, como você está linda!
Sophia sorriu com o elogio do pai e soltou minha mão para ir na
direção dele, mas no momento em que colocou os olhos em cima da mulher,
fechou a cara imediatamente e voltou para o meu lado, tocando minha mão.
— Sophia, essa é Rose — disse Benjamin. — Uma amiga do papai.
— Olá, Sophia. — A mulher mostrou todos os dentes. — Seu pai me
falou que você era linda e agora vejo que ele tinha razão. Posso te dar um
beijo?
Que pessoa mais abusada, não é mesmo? Já não bastava ter conseguido
vaga para jantar com aquele pecado de homem, ainda queria ganhar a filha
dele? Eu não diria nada para Sophia, longe de mim, mas que aquele sorriso
de Rose parecia forçado, isso parecia.
Logo percebi que eu mesma não precisava fazer nada, porque a própria
criança tinha um posicionamento muito forte. Ela não só virou o rosto para
Rose, como sequer se aproximou da mulher.
— Não ligue. — O Sr. Reed tentou disfarçar a situação desconfortável
e riu. — Sophia é assim mesmo com todo mundo. Você precisa ganhar a
confiança dela.
— Eu entendo completamente, Ben.
Eu vomitaria facilmente sobre o tapete com o doce que Rose fez, mas
me controlei. A loira pediu para usar o banheiro e meu chefe usou aquele
momento para me levar até a varanda, ordenando que Sophia nos esperasse
ali mesmo na sala.
Suspirei, sentindo a presença do homem bem atrás de mim quando
saímos da casa e me virei para ouvir algum sermão.
— Você conversou com ela, Bruna? — perguntou, parecia ansioso.
— Sim.
— Sophia claramente odiou Rose — ele disse o óbvio.
— Acho que ódio é um sentimento muito forte para uma criança sentir
— respondi. — Talvez seja ciúme ou implicância. E para ser sincera, quando
comentei sobre a visita, Sophia nem pareceu se importar.
Eu estava mentindo, é claro, mas achei que não ajudaria em nada se
contasse para Benjamin como a filha dele estava vestida quando eu entrei no
quarto para buscá-la.
— Conheço minha filha... Rose não terá a menor chance com Sophia.
Se ele sabia disso, por que achava que eu tinha obrigação de fazer
algum milagre em relação a esse assunto? Eu podia evitar que Sophia
corresse pela casa com uma faca, atrás da mulher. Só não podia mandar nos
sentimentos da menina. Nem queria, inclusive. Também não tinha ido com a
cara da tal Rose.
Eu não tinha mais o que dizer sobre Rose ou sobre o comportamento de
Sophia, porque não ficaria contra ela. Diante do meu silêncio, Benjamin
suspirou e voltou para dentro de casa, sendo seguido de perto por mim. Só
que enquanto ele se dirigiu ao encontro da loira de nariz em pé e fino demais,
eu fui procurar pela criança.
Encontrei-a sentada à mesa, brincando com os talheres e enchendo os
outros com suas digitais.
— Por acaso está com tanta fome assim para ter se sentado antes
mesmo de a comida ser servida? — perguntei, parando ao seu lado.
— Não.
Ela me lançou um olhar diabólico que era acompanhado por um sorriso
igualmente tenebroso. Então, para meu espanto e um pouco de nojo, Sophia
enfiou o dedo no nariz e em seguida o levou até o garfo que repousava
tranquilamente do lado do prato à sua frente. Foi quando percebi que aquele,
provavelmente, seria o lugar que Rose ocuparia ao se sentar.
Olhei para os lados, preocupada, não, apavorada que alguém nos
flagrasse — mesmo que eu fosse inocente na história, certamente sobraria
para mim — e me aproximei na tentativa de fazer com que Sophia parasse
com a maluquice.
— É bem feio o que você está fazendo — sussurrei, esticando a mão
para pegar o garfo.
— A babá não vai jantar conosco, vai? — Ouvi a voz de Rose no
momento em que ia tocar o talher de prata.
Bem, ela tinha definitivamente escolhido um lado, e não seria o lado
vencedor. Olhei para Sophia e alisei os cabelos dela, sorrindo.
— Se for cuspir, certifique-se de espalhar com o dedo para secar mais
rápido, ok? — sussurrei antes de me abaixar para amarrar o cadarço do meu
tênis.
Como eu era a pessoa mais azarada do planeta, consegui me
desequilibrar e cair para a frente, de joelhos, com a cabeça enfiada embaixo
da toalha da mesa. Estava praguejando baixinho pela minha falta de
coordenação motora quando escutei as vozes mais próximas de mim.
— Que lindinha ela, Benjamin! Já está aqui esperando por nós, muito
educada — disse Rose.
— Onde está Bruna, Sophia?
Eu estava bem ao lado direito da cadeira de Sophia e quem entrasse na
sala de jantar não teria uma visão do meu corpo, portanto, estava
completamente escondida. Seria encontrada embaixo da mesa e ainda
passaria uma imagem de fofoqueira. Já estava me preparando para sair
quando fui surpreendida e prendi a respiração quando Benjamin falou:
— Por que Bruna foi para o quarto? — Ele estalou a língua. — Uma
pena. Achei que ela jantaria conosco.
No quarto? Sério, Sophia? Só podia ter sido Sophia a inventar uma
desculpa esfarrapada para me colocar em uma saia justa. Então eu congelei
quando vi as pernas de Rose e Benjamin bem diante dos meus olhos, quando
os dois tomaram seus lugares e se sentaram.
— Ora, Benjamin. Nós mulheres sabemos perfeitamente qual o nosso
lugar na sociedade. Sua empregada sabe que o lugar dela não é aqui.
Abri e fechei a boca, horrorizada com a vagabunda ordinária. Pelo
visto, eu ficaria escondida até que terminasse aquele jantar e se eu não
estivesse com tanta fome, não seria tão torturante assim. O problema era que
o cheiro do filé mignon parecia me matar lentamente. Meu estômago pedia
por um pedacinho daquela carne e a situação estava em um nível tão crítico
que eu seria até mesmo capaz me passar por um cachorro e esperar que
Sophia jogasse pedacinhos no chão para mim.
— Ela é uma graça, Benjamin!
— Sim, ela é. A comida está boa, Sophia?
Revirei meus olhos ao ouvir aquela bajulação. Tinha certeza que Rose
pouco se importava com a menina. Podia até imaginar Sophia encarando-a
com a expressão emburrada e rindo internamente por Rose estar saboreando a
carne nos talheres cuspidos.
— Sophia, seu pai me contou do seu problema e eu espero que você
supere logo essa mudez para podermos conversar como boas amigas!
“Supere logo essa mudez?” Chegou a embrulhar o meu estômago
faminto e eu tinha certeza que Sophia, àquela altura, pensava em formas de
estrangular a mulher. Achava, inclusive, que cuspe no garfo era pouco para
ela.
Precisei chegar o corpo rapidamente mais para trás quando as pernas da
loira se mexeram bruscamente. Para minha total surpresa, ela livrou os pés
dos sapatos de salto muito fino e então usou um deles para traçar uma rota
especial até o centro das coxas de Benjamin.
AH. MEU. DEUS.
Alguém me tira daqui!
— Seria ótimo que fizesse amizade com Rose, Sophia... Ela é uma boa
amiga do papai.
Fechei os olhos porque não queria testemunhar aquela cena
pornográfica para que a mesma não ficasse eternamente gravada em minhas
memórias, mas logo em seguida acabei abrindo-os novamente. Rose
deslizava lentamente o pé pela calça do Sr. Reed.
— Seu pai e eu estamos nos tornando grandes amigos. — Eu a ouvi
dizer.
Meu queixo caiu quando o pé torto, ossudo e branquelo foi direto para
cima do membro do meu chefe. Não somente eu fiquei chocada, como
Benjamin também, dando um pulo na cadeira e se ajeitando rapidamente ao
perceber o que estava acontecendo.
Cadela! Eu juro que foi preciso me controlar muito e utilizar de todas
as técnicas praticadas pelos budistas para que não pulasse sobre aquele pé e o
quebrasse ao meio. A intragável continuou com as carícias naquela região e o
pobre coitado molestado começava a apresentar certo volume, bem de frente
para meus olhos.
— Ainda não... entendo... o mo... — meu patrão com certeza estava
afetado pelo pé de Rose — o motivo que fez... Bruna ter ido para o...
QUARTO!
Até eu me assustei com o grito que ele deu. O pé pornográfico
intensificou ainda mais os movimentos e Benjamin se contorceu na cadeira.
Que grande absurdo fazer isso na companhia de uma criança!
Eu daria tudo para ver como estava a expressão de Benjamin, que me
parecia um homem muito centrado. Foi quando resolvi dar um basta na pouca
vergonha e aproveitei meu posicionamento estratégico, entortei meu corpo de
modo que ficasse no ângulo apropriado e bati com força no tornozelo — o
que estava parado — da loira, de modo que ela pudesse achar que Benjamin
tinha lhe chutado como repreensão.
Na mesma hora ela retraiu o pé e ficou quieta. O silêncio imperou na
sala e eu imaginava que os dois deveriam estar pensando agora em que
diabos tinha acontecido. Ele provavelmente achava que ela tinha desistido
das carícias e ela, que ele não estava contente com seu comportamento. Eu
era um gênio.
— Você me disse que Bruna era brasileira — comentou a loira e eu me
perguntei por que estava sendo citada na conversa.
— Sim.
— Hum. Interessante.
O que é interessante? Senti um tom irônico no ar e meu patrão ajudou a
satisfazer minha curiosidade.
— O que é interessante? — perguntou ele.
— Nada. É só que a gente sempre escuta aquelas lendas de que
brasileiras são incrivelmente belas.
— E...? — insistiu Benjamin.
— Bem... — Ouvi uma risadinha ridícula. — Acho que ela passou
longe desse estereótipo, não é?
Mas era uma vaca mesmo. Cravei as unhas na palma da minha mão
para evitar fazer isso nas pernas da loira e ouvi um barulho estranho acima de
minha cabeça.
— Sophia! — gritou Benjamin. — Peça desculpas, agora!
— Está tudo... bem, querido. — Não havia sinceridade na voz de Rose.
— Eu tenho certeza que molho inglês sai com facilidade. Se não sair, basta
você me presentear com uma blusa nova. O que acha?
Droga, como eu queria estar ciente dos fatos. Sophia provavelmente
não tinha gostado de ver a biscate falando mal de mim e resolveu me
defender. Talvez tivesse tacado a carne cheia de molho na blusa dela, ou
jogado uma colher na cara da loira. Eu adoraria presenciar a cena.
— Não é esse o caso, Rose. Ela tem que aprender a se comportar e
tratar as pessoas com educação.
Mesmo conhecendo muito pouco a garota, eu sabia que aquele sermão
não estava surtindo efeito algum. Sophia não parecia se intimidar com nada e
durante meus dias naquela casa, ainda não a tinha visto arrependida de
nenhuma arte que tenha feito. A garota era dura na queda e parecia disposta a
não cumprir algumas ordens.
Alisei a perna dela e dei um aperto de leve para indicar que eu a
apoiava. Já nem sentia mais fome, de tanto tempo que passei escondida
embaixo daquela mesa. Começava a contar os minutos e tomar conta dos
sons que ouvia em segundo plano, para tentar descobrir se já estavam perto
de comerem a sobremesa. Mas, para meu desespero, o guardanapo de Rose
caiu no chão e a loira se abaixou para pegar. Ela acabou levantando um
pouco a toalha e logo seus olhos encontraram os meus.
— Mas...? — Parou de falar, mas continuou me encarando.
Tudo durou breves segundos, onde perguntas ficaram no ar e ameaças
silenciosas foram trocadas. Nem eu sabia dizer direito o que aconteceu
exatamente, mas no final, Rose apenas pegou o guardanapo e sorriu
diabolicamente, voltando à sua posição inicial na cadeira.
— O que disse? — perguntou meu chefe.
— Absolutamente nada. Benjamin, querido, com que frequência você
dedetiza sua casa?
E pelo visto, a guerra tinha sido declarada.
•
Meu domingo foi uma total negação. Quando acordei fui avisada por
Abigail que Benjamin tinha saído cedo com Sophia e Rose, sem dizer que
horas voltaria. Eu não duvidava que se tratasse de um plano da loira para me
deixar de fora dos planos. Até imaginei Sophia batendo o pé, querendo me
acordar e Rose implorando a Benjamin para fazerem um passeio apenas em
família. Como se ela fosse membro dessa família.
Percebi também que não vi o momento em que ela foi embora na noite
anterior. Teria dormido na casa? Se isso tivesse acontecido, então podia ser
um sinal de que meu chefe realmente estava caidinho por ela.
Passei o domingo todo me arrastando de cômodo em cômodo.
Procurava o que fazer, mas só tinha vontade de ficar brincando de adivinhar a
hora que eles chegariam. Confesso que até na Internet eu entrei para
pesquisar possíveis lugares onde se poderia levar uma criança em pleno
domingo. Só desisti quando notei que parecia uma verdadeira psicopata.
No final da tarde, depois que eu já tinha assistido uns três filmes na TV,
ouvi as vozes no andar inferior. Rose estava junto, eu soube pela voz irritante
e, portanto, resolvi continuar no quarto e esquecer os três. Se não sentiram
minha falta até então, não tinha motivo para eu aparecer.
Na segunda, quando estava sozinha com Sophia na mesa do café, ela
finalmente me contou tudo. Tinham ido ao clube do qual Rose era sócia e
ficaram por lá até a hora do almoço. Depois a loira deu a brilhante ideia de
levarem Sophia num parque de diversões — e isso, claro, enfeitiçou a
criança. Ficaram lá até quase de noite e Sophia não se lembrava de mais nada
porque acabou pegando no sono dentro do carro, quando voltavam para casa.
— Ela fica sendo boazinha comigo — falou de cara fechada.
— Ela quer te conquistar, para conquistar ainda mais o seu pai.
— Eu não gosto dela, gosto de você!
— Eu também gosto de você, Soso, mas isso não quer dizer nada. Sou
sua au pair, não sua madrasta. — Olhei para o relógio, percebendo que mais
uma vez teríamos que correr para chegar no horário da escola. — Que tal
uma corridinha?
Ela revirou os olhos, mas eu sabia que não se importava. Foi se
divertindo pelo caminho, pulando cada vez que passávamos por uma árvore
para tentar alcançar algum galho mais baixo. Nem se importou de chegar
suada e esbaforida no colégio, justamente no momento em que o sinal tocava.
Nos despedimos e eu continuei ali, recuperando o fôlego para refazer o
caminho.
— Bom dia! — Ouvi a voz atrás de mim e pensei que ele devia estar
me perseguindo. Não tinha explicação mais coerente do que essa. Bem,
tirando o fato de ser professor do colégio.
Era o tal de Joseph de novo, me olhando com cara de cachorro faminto
que finge ser o dono do pedaço, mas não passa de um vira-lata.
— Oi — respondi, curta e grossa.
— Como foi o final de semana?
— Normal.
Ele abriu um sorriso mostrando seus dentes extremamente brancos e
perfeitinhos. Estava achando graça de que exatamente?
— Ok, sei que não começamos muito bem, mas que tal mudarmos isso?
— Não começamos muito bem? — Eu o encarei. — Nós nem sequer
começamos.
— Então vamos começar... — Encolheu os ombros, ainda sorrindo. Ele
não desistiria? — Um jantar seria ótimo, não acha?
Estava prontíssima para dar um fora no professor, mas ele uniu as mãos
em súplica e aquele gesto me deixou muito curiosa. Por que ele tinha tanto
interesse em alguém que, evidentemente, não estava nem aí para ele?
Achei que não pudesse ser tão ruim assim. Sabia que precisava sair um
pouco de casa e jantar não seria tão ruim, não é? Poderia me arrumar um
pouco, coisa que não fazia mais com tanta frequência, e talvez até deixar meu
patrão com ciúmes.
— Ok — respondi, sorrindo de volta para Joseph.
Arranquei da mão dele um pequeno caderno e escrevi na última folha o
número do meu telefone.
Na semana que se seguiu, decidi tentar ser uma babá comum e não me
meter em nenhuma confusão. Eu só interagia o necessário com Benjamin,
pois ele chegava muito tarde do trabalho quase todos os dias. Sophia ficava
triste na hora do jantar por não ter o pai por perto, mas ele sempre ligava para
avisar que iria demorar e, portanto, não deveríamos esperar por ele. Claro que
no fundo eu também sabia que alguns desses atrasos tinham relação com
Rose, mas não podia me meter no assunto.
Também não encontrei mais com o professor de dentes brancos porque
me esforcei para levar Sophia bem antes do horário, já que ia começar a ficar
chato se a menina chegasse sempre suada e com o rosto vermelho em sala de
aula. Ela não merecia ser vítima de bullying no futuro.
No entanto, na sexta-feira houve um imprevisto. Quando cheguei em
seu quarto para levá-la para tomar café da manhã, Sophia estava de cara
fechada e braços cruzados, sentada na cama ainda de pijama.
— Bom dia! — Sorri largamente, mas ela continuou com a carranca. —
O que foi? Por que está assim?
— Não vou para a escola.
— Claro que vai!
— Não vou não! — E se jogou de costas na cama.
Eu não podia criticá-la, porque quando era criança também adorava
faltar o colégio. Uma vez cheguei a inventar que estava tendo um surto de
piolho na minha turma e a mentira teria sido um sucesso se minha mãe não
tivesse ido com toda sua fúria falar diretamente com a diretora, para saber
como ela permitia a frequência de alunos com piolhos. É claro que naquele
dia, ela só de sacanagem me passou pente fino com um produto que fedia
horrores nos cabelos umas cinco vezes, dizendo que assim eu aprenderia a
não mentir e nunca mais a faria passar vergonha. Só digo uma coisa: até hoje
não posso nem olhar para um pente. Só uso escova.
Suspirei, olhando para a pequena diabinha e pensando que eu não podia
dar mau exemplo a ela. Eu era a figura adulta e responsável dentro daquele
quarto e precisava priorizar sua educação.
— Infelizmente, Sophia, você não pode faltar só por querer. — Puxei
seu braço fino e a levantei à força. — O que foi que aconteceu para não
querer ir ao colégio? Você se envolveu em alguma briga?
— Não.
— Então o que foi? — perguntei, alisando seus cabelos.
— Só volto para a escola se meu pai me levar! — Ela choramingou, me
surpreendendo com aquela exigência.
— Seu pai já saiu para trabalhar, querida. Você sabe que se pudesse ele
a levaria pessoalmente todos os dias.
Notei que a carranca tinha sumido e dado lugar a um rostinho triste. Era
lógico que Sophia estava sentindo falta de Benjamin. Se eu, que era uma
simples babá sentia, quem dirá ela!
— Então eu não vou!
— Ah, vai sim!
Uma babá não deve ceder aos encantos de uma criança encantadora,
mesmo que essa criança seja Sophia. Tinha certeza que Abigail agora achava
que eu era membro de alguma seita demoníaca, pela forma como me olhou
assombrada, enquanto eu puxava Sophia pela rua. Eu andava de costas e de
frente para ela, segurando seus pulsos e a obrigando a caminhar comigo,
como quem puxa uma carroça. Tentava distrai-la e cheguei até a prometer
que compraria um lindo presente para ela.
Levamos uma eternidade para chegar ao colégio e notei que não tinha
mais nenhum aluno na entrada, nem as mães que sempre os levavam. Só
tinha eu e Sophia em guerra.
— Por favor, Soso, entre no prédio ou vou carregá-la no colo pela
escada. — Cogitei ajoelhar, mas queria manter meu orgulho intacto.
— Ele não gosta de mim! — Seus cílios estavam molhados pelo choro
durante todo o trajeto e as bochechas tinham marcas dos caminhos que as
lágrimas fizeram.
— Não diga besteira. Seu pai ama você, mas é muito ocupado. —
Então, tive uma ideia, que poderia ser a minha ruína, mas era uma bela ideia.
— Se você entrar e for para sua sala de aula, eu prometo que amanhã
Benjamin vai passar o dia inteirinho com você, irão em algum lugar bem
legal!
— Promete? — Os olhos de Sophia brilharam e ela parou de fungar na
mesma hora. Meu celular começou a vibrar no bolso.
— Prometo!
— Você vai também? — perguntou, arregalando os olhos.
— Só vocês dois, eu prometo.
— Não! — Percebi que ia voltar a fazer drama, então não pensei duas
vezes e levantei as mãos para o alto, me rendendo.
— Ok, ok, prometido. Eu irei também!
E com isso, Sophia sorriu delicadamente e entrou no colégio. Eu já
precisaria comunicar ao pai dela que ele teria que passar o sábado inteiro na
companhia da filha, sem Rose, e ela ainda queria que eu impusesse minha
presença? Sophia tinha talento para me colocar em saia justa.
Peguei o celular que ainda tocava dentro do bolso e atendi sem olhar o
número.
— Bom dia, senhorita atrasada. — Uma voz masculina falou comigo.
— Ah... bom dia?
— Não sabe quem está falando, não é mesmo?
— Deveria saber? — O homem riu.
— Olhe para dentro do prédio.
Olhei na direção indicada e precisei estreitar os olhos e forçar a visão.
O sol deixava o interior do colégio muito mais escuro e não dava para
enxergar muita coisa do lado de dentro. No entanto, uma figura conhecida
apareceu na entrada e acenou para mim. Ah, o professor. Quem mais seria,
não é mesmo?
— Esqueci que você tinha meu número — resmunguei, porque naquela
manhã eu, definitivamente, não estava feliz.
— Percebi. — Ele deu mais um risinho. — Então, podemos jantar
amanhã?
Merda! Tinha esquecido o lance do jantar, ainda mais depois de todo
esse problema com Sophia. Por instinto, pensei logo em recusar, mas perdi a
voz quando ia responder. Não estava mais com a menor disposição de sair
com ele, mas algo me levava a crer que se eu negasse, ele continuaria me
convidando até que me deixar cansada.
— Tudo bem — respondi de uma vez. — Diga o local e horário.
— Eu a busco em casa às 20 horas.
Deveria aceitar isso? Pensei um pouco e por um instante quase recusei
a carona. Pensei que podia ser chato ficar passando o endereço do meu patrão
para qualquer pessoa. E se ele não gostasse? E se achasse perigoso que eu
divulgasse pelos quatro cantos onde um homem rico morava? Mas também
pensei que aquele seria meu próprio endereço por um bom tempo e eu não
podia me sacrificar.
— Eu mando o endereço por mensagem de texto — avisei ao Joseph.
— Mas eu... — Não dei tempo para que ele dissesse mais nada e
desliguei o telefone para ir embora.
•
Não pude dormir cedo naquela noite, mesmo depois de ter colocado
Sophia na cama. Tinha que esperar Benjamin chegar em casa para poder
avisá-lo sobre a promessa que fiz para a menina. Isso queria dizer que o
relógio quase marcava meia-noite quando ouvi os passos na escada e saí do
meu quarto.
— Boa noite, Bruna. — Meu patrão tinha motivo para ser rico, estava
acabado, com o nó da gravata frouxo, os cabelos desgrenhados, a camisa
social com os três primeiros botões abertos.
— Boa noite.
Ele passou por mim com sorriso cansado. Carregava um copo com
uísque e gelo e caminhava devagar em direção ao quarto. Uma cena para lá
de irresistível que por pouco não me fez suspirar e perguntar se queria colo.
Por uns segundos até esqueci o que precisava fazer e quando lembrei saí
apressada atrás dele.
— Benjamin, podemos conversar rapidinho? — Dei uma corridinha
atrás dele, com medo de que fechasse a porta do quarto na minha cara. — Se
não estiver muito cansado, claro.
Fui encarada por alguns segundos, enquanto ele balançava o copo e
fazia o gelo se mexer. Por fim, escancarou a porta e entrou, gesticulando para
que eu o acompanhasse. Fui arrebatada pelo cheiro de seu perfume,
impregnado no ambiente, e tentei não deixar o coração acelerar.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, me dando as costas e
mexendo na pasta que acabara de colocar sobre uma poltrona.
— Não é nada demais. — Olhei em volta e me sentei bem na beirinha
do colchão. — É que essa manhã foi bem complicado fazer a Sophia ir ao
colégio, sabe? Ela está sentindo falta do pai e como eu não podia
simplesmente amarrá-la e coloca-la sentada dentro da sala de aula, eu precisei
barganhar.
Ele riu e se virou para mim, com os olhos visivelmente pesados de
cansaço.
— Bruna, uma mulher da sua idade se deixando chantagear por uma
garotinha?
— Pelo visto você não conhece a filha que tem — rebati.
— Certo. E qual foi a barganha, afinal?
— Então, como eu estava desesperada e não tinha nenhuma outra ideia,
acabei prometendo que vocês... — Parei de falar quando Benjamin, tão
naturalmente como se estivesse na presença de amigos, tirou a gravata e
começou a desabotoar a camisa. — É... Vocês vão...
— Nós vamos...?
Ele deve ter percebido meu olhar sedento para cima de seus músculos
porque se afastou, caminhando até o closet até sumir do alcance de minha
visão.
— Enfim, eu prometi que vocês dois passariam o sábado inteiro juntos.
— Sempre passamos, não? — questionou meu chefe.
— No caso, eu quis dizer só vocês dois. E fora de casa! Você precisa
levar Sophia para passear.
Benjamin retornou devidamente coberto com uma camiseta preta e
velha que parecia andar sozinha, mas que o deixava ainda mais gostoso. Era
minha perdição mesmo, não havia mais cura para mim.
— E em troca disso tudo ela foi apenas assistir aula? Você deveria ter
pedido muito mais, Bruna. — Senti que ele evitava rir, tirando onda com a
minha cara. — Tudo bem, não vejo problema nisso, eu não tenho nenhum
compromisso para amanhã.
— Tem mais um item do acordo... — Enrolei uma mecha de cabelo no
dedo, tentando fazer charminho para que ele não me detestasse tanto. — Ela
quer a minha presença.
— Então somos três e não dois. — O homem tirou a pasta que estava
ocupando a poltrona, colocou-a em cima da mesinha e se esparramou ali
enquanto me fitava. — E qual vai ser o programa?
Dei de ombros. Não tinha muito o que pensar, já que estava mais
ocupada fantasiando com ele naquela mesma posição enquanto eu me
ajoelhava aos seus pés. Sendo que ele era Edward Lewis e eu Vivian Ward
como em Uma Linda Mulher. Tudo bem que eu não tinha nada em comum
fisicamente com a Julia Roberts tampouco era uma garota de programa, mas
Benjamin se encaixava bem no papel de magnata.
— Talvez possamos fazer um passeio no shopping, almoçamos fora e
depois esticamos no parque que ela adorou semana passada. — Ele pensava
em voz alta. — Concorda?
— Por mim pode ser qualquer coisa. — Eu me levantei para sair
daquele quarto antes que dissesse alguma besteira. Antes de ir embora, no
entanto, lembrei-me do jantar com Joseph. — Só preciso estar de volta antes
das 20 horas.
— Vai sair? — Benjamin se levantou e veio na minha direção. Devia
estar querendo me expulsar logo do quarto.
— Vou, finalmente. Tenho um... encontro.
Senti meu rosto esquentar e me amaldiçoei por ficar vermelha na frente
dele. Meu patrão estava sério, provavelmente tentando adivinhar que louco
tinha me chamado para sair. Ele até chegou a erguer uma sobrancelha,
poderia jurar que por sua expressão, estava até um pouco interessado no
assunto.
— Um encontro? — questionou. — Então já conheceu alguém?
— Mais ou menos, ele é professor do colégio onde Sophia estuda. —
Percebi que não deveria ter compartilhado a informação, até porque eu não
tinha obrigação a falar sobre minha vida pessoal.
— Sério? — Ele passou a mão pelos cabelos e a língua pelo lábio
inferior. — Isso é... bom. Só para você, quero dizer.
O que aquilo significava? Só para mim? Então não seria bom para ele?
Juro que se Benjamin dissesse algo do tipo, eu não me importaria. Até seria
capaz de cancelar o encontro. Bastava ele admitir que tinha fortes
sentimentos por minha pessoa e que tinha finalmente encontrado sua segunda
alma gêmea — a primeira tinha falecido, claro —, que seríamos felizes para
sempre. E minha personalidade psicopata voltara a atacar.
— Boa noite, Bruna. — Um sorriso fraco surgiu em seu rosto e eu
sabia que era hora de deixar o homem descansar. — Amanhã veremos qual
será a programação, ok?
— Claro, boa noite!
Me despedi, acho que com uma empolgação para lá de exagerada, mas
iria passar o dia todo com ele, mesmo que não fosse essa sua maior vontade.
E o que era ainda melhor: sem a megera da Rose.
Acordei mais cedo do que pretendia na manhã seguinte, por ansiedade.
Não queria voltar a dormir, pois a excitação pelo dia que me esperava era
grande demais, então resolvi tomar logo meu banho e descer para o café da
manhã.
A casa tinha um aroma agradável do café que Abigail fazia e, apesar de
no Brasil nunca ter sido fã do líquido amargo, aqui eu passei a gostar,
principalmente quando sentia que não teria energia suficiente para
acompanhar Sophia.
— Bom dia! — falei em alto e bom som quando entrei no reduto da
governanta e descobri que Benjamin estava ali, vestindo apenas um jeans
escuro, com os cabelos despenteados, barba por fazer e o abdômen com
algumas marcas do lençol. Troquei até as pernas sem querer.
— Bom dia. — Ele deu aquele sorriso que faz o corpo de qualquer
mulher tremer e pegou uma xícara para mim. — Também foi acordada por
causa do cheiro do café viciante da Abigail?
— Foi mais por causa do sol entrando pela janela, mas o cheiro
também contribuiu para que eu viesse correndo.
A cozinheira velha e chata nos olhava como se estivéssemos
atrapalhando sua vida, parados ali na cozinha. Ela entrava e saía com pressa,
carregando as coisas para montar a mesa do café. Deixei Benjamin lá e fui
acordar Sophia, pois ele disse que sairíamos logo em seguida para o
shopping. Quando cheguei no quarto, nem foi preciso chama-la duas vezes.
Sophia se levantou com uma mega disposição e sorriu o tempo todo enquanto
escolhíamos uma roupa para usar.
— Aonde nós vamos? — perguntou, eufórica.
— Acho que ao shopping, ao parque... Não sei, mas seu pai tem
algumas ideias em mente.
— Você vai mesmo? — ela perguntou ao mesmo tempo em que
arregalava os olhos, com medo da minha resposta.
— Tenho que ir, né? — Suspirei, como se estivesse fazendo um grande
esforço em obedecer a sua ordem. — Você não me deixou com muitas
opções.
Ela desceu para tomar café e eu aproveitei para me arrumar. Escolhi um
vestido branco curto e soltinho, de algodão com pequenos bordados em linha
branca e rosa. Calcei um par de sapatilhas que eu quase não usava e desci,
percebendo o olhar do meu patrão observando minhas coxas, mas fingi que
não vi e ele nem falou nada.
Quando saímos, sentei-me no banco do carona ao entrar no carro e
Sophia foi atrás assistindo algum desenho em seu tablet. Não era a primeira
vez que eu andava no veículo de Benjamin, mas hoje estava mais nervosa do
que da outra vez.
— Bruna, acho que vou ter que me aproveitar um pouco de você. — Eu
quase engasguei e o encarei.
— Vai? — Esperava que meu rosto não estivesse tão vermelho diante
das perversões que se passaram em minha mente.
— Sim — respondeu ele, piscando para mim. — Queria aproveitar a
ida ao shopping e comprar umas roupas.
E o que exatamente eu e meu corpo tínhamos a ver com isso, era o que
eu tinha vontade de perguntar, mas preferi ficar quieta e esperar que ele
continuasse a se explicar.
— Você sabe, é sempre melhor uma opinião feminina nessas ocasiões
— concluiu.
Ah, era disso que Benjamin estava falando! Não era sobre querer me
arrastar para algum cantinho escuro e me usar de todas as formas possíveis.
Uma lástima, infelizmente. Sorri para o homem ao meu lado, quando na
verdade estava chorando por dentro.
— Eu posso ajudar, sem problema algum — respondi, espantando
minha frustração. — Pode... se aproveitar... de mim.
•
É claro que não dormi direito aquela noite. Ficava voltando toda hora
na parte do beijo, puxando a lembrança e a sensação da sua língua em minha
boca e suas mãos em volta do meu corpo. Droga!
Quando a manhã finalmente chegou e o quarto começou a clarear com
os raios de sol entrando pelas frestas da cortina, decidi que era hora de me
levantar. Não ia mesmo conseguir dormir por mais tempo e pelo menos
poderia ocupar a mente com a Sophia.
Passei grande parte do dia ocupada, brincando de bonecas assassinas
que corriam atrás de uma pobre coitada de uma bonequinha loira capenga que
já estava com algumas partes de cabelo faltando. Sophia tinha um talento
genuíno para a coisa. Felizmente, não precisei me preocupar muito com
Benjamin, porque não o vi o dia inteiro. Sophia me disse que ele tinha saído
logo de manhã. Provavelmente para passar o dia com Rose.
Na segunda-feira fiz questão de acordar bem antes de o despertador
tocar, pois estava começando a ficar chato Sophia chegar frequentemente em
cima da hora no colégio. Consegui me despedir dela tranquilamente e fiquei
esperando que sumisse dentro do prédio. Vi quando Joseph saiu do
estacionamento e pensei em ir embora antes que ele me visse, mas já estava
na hora de mudar minha tática. Pelo menos, alguém parecia se interessar por
mim.
Esperei que ele se aproximasse e coloquei um sorriso encantador no
rosto.
— Bruna, bom dia. Tudo bem? — Opa, não esperava pelo beijo no
rosto. — Como estão as coisas em casa?
— Tudo indo. Meu patrão resolveu acreditar em mim. Sobre aquele
problema...
— Sim, eu me lembro. — Ele sorriu. — Não costumo esquecer tão
rápido episódios inusitados sobre beijos e maconha.
— Pelo amor de Deus, não fale isso em voz alta — sussurrei ao ver que
algumas pessoas estavam olhando na nossa direção.
— Ninguém ouviu — disse, mas mesmo assim ele abaixou a voz e
enfiou as mãos nos bolsos. — Então, quando terei o prazer de te levar para
sair novamente? Dessa vez, sem a companhia do seu chefe.
Eu não sentia meu coração bater acelerado por Joseph, então sabia que
sair novamente com ele era uma ideia completamente estúpida. Mas por
Deus, eu precisava mudar minha situação. Benjamin podia até ter uns
colapsos de vez em quando, mas a verdade é que seja lá o que se passe
naquela cabeça, não é suficiente para eu ter uma chance real com ele.
E vamos combinar. Olhando atentamente para o moreno diante de mim
— não muito alto, confesso —, precisava admitir que não seria um grande
sacrifício. Ele era bonito e legal comigo.
— Que tal na sexta? — sugeri e torci para que não me arrependesse
disso depois.
— Sério? — Por que diabos ele estava tão surpreso? — Uau, ótimo!
Sinceramente, achei que você fosse dizer não. O que gostaria de fazer?
— Surpreenda-me!
Não me despedi, apenas dei um sorrisinho e fui embora sem olhar para
trás, chocada pela minha resposta atrevida. Fiquei tão feliz com minha
decisão que resolvi ir ao shopping depois do almoço, procurar roupas
interessantes que coubessem em meu orçamento. Consegui garimpar coisas
realmente boas, de qualidade, em uma lojinha simpática que provavelmente
eu visitaria outras vezes.
Estava satisfeita com meu dia apesar de todos os problemas do coração.
Sophia era uma completa distração e quando chegou da escola me contou que
participaria de uma peça no final do ano.
— Mas Soso, você esqueceu que não fala?
Será que ela pretendia contar para o pai? Nós precisaríamos conversar
antes sobre isso, pois não podia correr o risco de ele descobrir que tudo era
fachada e eu escondi a verdade.
— Não vou falar — respondeu com a voz firme.
— Não vai? — Oh não. Isso já aconteceu comigo quando tinha a idade
dela. — Ah Sophia, não me diga que você será a árvore? Pobrezinha!
— Não! — Ela riu de mim e bateu na minha testa. — Vou fazer papel
de muda. Eu sou o fantasma, não posso falar!
Minha nossa senhora, a criança faria papel de assombração. Sorri para
esconder minha frustração e ela fez aquela carinha fofa com um beicinho, que
não se adequava muito ao seu perfil de criança malvada quando jogava com
Rose.
— E você vai fazer minha roupa! — avisou, de repente, fazendo meu
cérebro travar.
Eu vou o quê?
— Querida, eu não sei costurar.
E isso era verdade absoluta. Deus sabia que já tinha tentado. Uma vez
estava no shopping usando uma calça de tecido fino e era a primeira vez que
eu usava aquela roupa. Então, num passe de mágica, quando estava me
olhando no espelho após ter ido no banheiro, achei um furo na bunda. Sim,
bem no meio da bunda! Fui até aquelas moças que ficam tomando conta dos
banheiros de shopping, elas costumam ter acessórios de costura e uma delas
me emprestou uma agulha e linha. E aí entra a propaganda enganosa, pois nos
adesivos fixados nas paredes tem escrito que elas estão ali para nos ajudar,
mas não foi o caso. Eu precisava que costurassem para mim! E é claro que
tentei de todas as formas fazer um trabalho limpo, mas no fim das contas
acabei indo direto para casa, pois tinha ficado com uma verruga preta no
meio da bunda. Era com isso que a linha preta embolada ficou parecendo.
— Mas você tem que fazer. — Sophia fez beicinho novamente. — As
mães das minhas amigas vão fazer as delas.
Porra de jogo baixo do caralho! Como eu poderia dizer para uma órfã
que ela não iria participar da peça da escola porque não tinha uma mãe? Não
me mostraram nenhum manual de como agir nessas horas. E o pior é que eu
não sabia o que seria pior: Sophia subir no palco com algo costurado por mim
ou Sophia não subir no palco.
— Eu vou fazer, Soso. Uma fantasia bem bonita! — Congelei meu
sorriso, apavorada. — Você vai ficar adorável!
— Oba! — Ela pulou em cima de mim e me beijou.
— Como você tem que se vestir?
— Como fantasma.
— É claro, me ajudou bastante.
Um lençol branco, com dois buracos para os olhos, um para o nariz e
outro para a boca, serviria, certo? Será que Abigail sabia costurar?
— Atrapalho? — Meu coração vivia quase em função daquela voz e se
agitou no meu peito quando a ouviu.
— Não — respondi, momentaneamente com vergonha, porque não
tínhamos conversado desde o dia da praia.
Não sabia se Benjamin tinha ouvido Sophia falando, mas a julgar pela
sua expressão tranquila, imaginei que não. Ele entrou no quarto e minha
vontade de sair correndo foi grande. Por que tinha que ser tão gostoso?
Estava de terno com a droga da gravata frouxa e começava a tirar o paletó.
Como alguém conseguia trabalhar no mesmo local que ele e não tocá-lo? Ou
será que tocavam? Hum, será que Benjamin era um chefe tarado, daqueles
que pedia para a funcionária ir ao seu escritório e fazer hora extra?
Chega, Bruna!
— A Sophia vai participar de um teatrinho no colégio, Benjamin —
contei a novidade, pelo menos tinha algo decente a dizer.
— É mesmo? — Era tão fofo vê-lo envolvido com a filha, que não
pude deixar de sorrir ao notar o brilho em seus olhos quando se ajoelhou ao
meu lado e apoiou a mão nos joelhos. — Minha princesa está virando atriz?
Não sei como vou aguentar ver a senhorita sendo assediada por fãs malucos.
Tudo bem, talvez ele estivesse orgulhoso até demais.
— Do que ela precisa, Bruna?
— De uma fantasia — respondi.
— Certo. — Benjamin coçou a cabeça e me olhou com uma cara de
quem não podia me ajudar. — Você cuida disso?
— É claro. — Abri um sorriso gigantesco, queria vê-lo orgulhoso de
mim também. — Sophia ficará lindíssima, um fantasma de fazer o queixo
cair.
— Que bom! — Ele puxou o rosto da filha e a beijou na testa para, em
seguida, fazer o mesmo gesto na minha direção. Mas então acho que
percebeu que eu não era bem uma criança para ficar recebendo beijos na testa
e o máximo de contato que teve comigo foi um carinho atrás da cabeça. —
Posso falar com você? Lá fora?
Deixamos a menina com seus brinquedos e passamos pela porta.
Benjamin foi andando na frente, na direção do seu quarto e cheguei a cogitar
a hipótese improvável de ele estar me levando para a cama.
Improvável mesmo. Quando eu ia aprender a não me iludir?
— Você acha que isso pode dar certo? — perguntou ele ao parar e se
virar para mim. — Ela numa peça? Qual é o papel dela?
— Fantasma. Sem falas — expliquei e pisquei, animada. —
Provavelmente, só vai ficar agitando os braços e arrastando correntes.
— Nós temos uma festa para ir — disse, sem mais. A pessoa muda de
assunto completamente. Quem concedeu a esse homem o direito de confundir
minha cabeça dia sim, dia não?
Eu estava quase declarando suspenso o encontro com Joseph e
pensando no meu casamento com Benjamin, jurando que ele finalmente tinha
se dado conta de que eu era uma companhia muito melhor que Rose.
— Uma festa? Quando seria? — perguntei, pensando na minha roupa.
— Sábado, na casa da Rose.
— Rose?
— Rose. — Ele encolheu os ombros e parecia esperar que eu tacasse
algum objeto em sua cabeça. — Ela vai dar uma festa em casa e faz questão
que eu leve a Sophia.
— Ah sim. Você vai com a Sophia. — Sorri, querendo socar meu
próprio nariz. Agora eu tinha entendido o tal do “nós” que ele usou na frase.
— Sim, mas para que fique bem claro, preciso que você vá com a
gente. Quero que Sophia tenha companhia.
O quê? Não! Não! Mil vezes não! Era humilhação demais ter que entrar
em território inimigo, não como acompanhante, mas como babá. Por que ele
não podia aproveitar um momento a sós com a filha? Será que tinha planos
de levar a festa para outro nível, um que ficasse no andar de cima, no quarto
da loira?
— Você tem certeza de que eu preciso ir? — questionei, quase
implorando para que me dispensasse.
— Sim, tenho — respondeu, franzindo os lábios. — Perdoe-me por
ocupá-la com isso num final de semana, mas Rose não abre mão da presença
da Sophia.
— Eu tinha planos para o sábado, então posso levar alguém? — Na
verdade, eu tinha planos de ficar vendo filme até de madrugada, mas isso ele
não precisava saber.
— Bem... — Parecia pensar no assunto, de cabeça baixa, encarando os
sapatos caros. — Pode, claro. É o professor?
— Quem mais seria? Ele não é adorável? — Toquei de leve em seu
ombro. — Obrigada!
Eu tinha um plano e pretendia colocá-lo em ação. Obrigaria Benjamin a
engolir a presença de Joseph, gostasse ele ou não. Só precisaria encontrar
uma roupa bem sensual para usar na festa e fazer um ciúme básico no meu
chefe. E também aprender a como correr atrás de uma criança usando saltos
finos e altos.
No dia seguinte, depois de deixar Sophia na escola, passei uma
mensagem para o professor, torcendo para que ele aceitasse meu convite, ou
então ficaria muito chato eu ter que levar um desconhecido para a festa.
Massagem
Depilação
Fazer as sobrancelhas
Clareamento dental
Hidratação nos cabelos
Bronzeamento artificial (talvez?)
“Bruna, buscarei Sophia hoje na escola, saio mais cedo. Beijos, Benjamin.”
Sim. Sim, o sofá era caro. Lógico! Péssimo, Bruna, péssimo! Teria que
tirar um visto permanente e trabalhar até Sophia entrar na faculdade, só para
pagar pelo estrago.
Tirei a tarde para arrumar meu quarto já que não precisaria buscar
Sophia, mas em algum momento eu perdi o controle da arrumação e percebi
que nem teria lugar para dormir, se não arrumasse a bagunça que deixei ainda
pior.
No fim de tudo, separei também alguns objetos velhos que trouxera do
Brasil e queria jogar fora, e estava descendo para pegar um saco de lixo
quando Benjamin e Sophia entraram pela porta da sala.
— Então, como foi? — perguntei quando Sophia correu para me
abraçar. Tá vendo, Benjamin, sua filha me ama! — Você gostou da surpresa,
Soso?
— Ela não me viu logo. Ficou procurando por você. — Benjamin
passou a mão pelos cabelos da filha e sorriu para mim. — Tive que parar
diante dela para perceber que eu estava ali. Acho que posso começar a ficar
com ciúmes dessa adoração por você, não posso?
Sabia que ele não estava falando sério porque sorriu e fez com que os
olhos ficassem quase fechadinhos, lindo. Tirou a gravata, jogou-a no sofá e
eu quase pulei para pegar, bem ao estilo clube das mulheres. Depois tirou o
paletó e abriu alguns botões da camisa enquanto se dirigia ao sofá. O SOFÁ.
Parei até de pensar no corpo dele.
— Vai sentar? — Minha voz saiu um pouco esganiçada, mas tudo bem,
o sofá era enorme e de canto, teria espaço de sobra.
— Vou — Benjamin respondeu.
Ele estava parando bem na frente das almofadas, prestes a tirá-las do
lugar e sentar a bunda de ouro no espaço manchado. O cara lá de cima não
podia mesmo me dar uma folga, não é mesmo? Meu único pensamento foi
correr. E assim, eu larguei Sophia, contornei a mesinha de centro, derrapei no
tapete felpudo, abaixei depressa para passar por baixo da curvatura que o
corpo de Benjamin fazia ao se inclinar para sentar e... pronto! Joguei-me
sobre as almofadas.
Parando para analisar o ocorrido, talvez eu não tenha passado uma boa
impressão. Primeiro porque minha perna esquerda estava jogada no sofá, a
direita toda torta de encontro às pernas de Benjamin. Meu cabelo tinha ido
parar todo na cara, meu rosto estava quente, a respiração ofegante, as
almofadas esmagadas embaixo de mim e Benjamin me olhava como se eu
tivesse acabado de assaltar a casa dele.
— O que foi isso?
— Eu também queria me sentar.
Sophia, que achava tudo engraçado e devia estar pensando que aquilo
era minha mais nova brincadeira, jogou-se sobre mim ainda de mochila nas
costas.
Benjamin podia parecer ser um empresário durão, frio e de vez em
quando ele fazia umas caras que realmente dava uns calafrios. Mas era
impressionante como Sophia conseguia transformá-lo totalmente de um
segundo para o outro. A expressão do homem se suavizou assim que ela
começou a rir sobre meu corpo e me fazer cócegas.
— Acho que posso me sentar em outro lugar... — murmurou ele,
embora ainda me olhasse desconfiado.
— Sophia, o que é isso no seu cabelo? — perguntei ao sentir algo
grudento entre os fios e arregalei os olhos quando vi o chiclete gigante. —
Grudaram isso em você?
Ela balançou a cabeça afirmando e olhei para Benjamin, que estava no
celular, alheio ao que se passava entre nós.
— Ah, Soso. Vamos ter que cortar esse pedacinho, ok? Mas nem vai
dar para reparar. — Ela sorriu. — Por que grudaram chiclete em você?
Sophia olhou Benjamin, que continuava com os olhos grudados no
telefone e levou um dedo até a boca, me pedindo silêncio. Entendi que isso
seria uma conversa nossa para mais tarde e assenti.
— Então, já conseguiu falar com o professor sobre a festa? — Afinal
de contas, meu chefe não estava tão concentrado assim no celular.
— Sim, convidei e ele aceitou.
— Entendi. Vocês sempre se encontram quando leva Sophia de manhã?
— Na verdade, hoje isso não aconteceu. — Fiz uma pausa dramática e
nunca pensei que teria tanto prazer em pronunciar a próxima frase. — Fiz o
convite quando saímos para almoçar.
— Mesmo? — Benjamin desviou os olhos do celular e me encarou,
surpreso. Em seguida, passou a mão pela cabeça e voltou a fitar o aparelho.
— Entendi. Que bom. Papai vai tomar um banho, querida.
Ele se levantou e beijou a cabeça de Sophia antes de se afastar e eu
quase podia pensar que tinha ficado incomodado com a conversa. Só não
entendia se era por ciúme ou por simplesmente não gostar de Joseph.
•
Depois de preparar Sophia para dormir e arrumar algumas roupas que
estavam espalhadas pelo quarto, sentei-me ao lado dela na cama e toquei sua
mão pequenina, brincando com seus dedos.
— Você vai me contar o que acontece e quem grudou o chiclete no seu
cabelo?
— Briguei — disse ela, com toda a naturalidade do mundo.
— Brigou? — Meus olhos quase saltaram das órbitas. Uma criança do
tamanho dela sabia brigar? Que péssima babá eu era! Devia estar presente
quando isso aconteceu, para meter umas boas porradas em seja lá quem tenha
brigado com minha Soso, isso sim. — Você não levou nenhuma advertência,
levou?
— Não. — Ela sorriu de forma diabólica e sussurrou: — Ninguém viu.
— Ah, que bom!
— Mas eu cuspi no refrigerante dela. — Sophia abriu um sorriso maior,
ficando mais medonha ainda. — E ela não viu.
Bem, era melhor assim, olho por olho. Mas eu ainda poderia dar uns
cascudos na outra criança, já que nunca fui muito sentimental com a parcela
infantil da sociedade. Só Sophia mesmo tinha conseguido amolecer meu
coração.
Alisei seus cabelos, agora com uns pedacinhos mais curtos de um lado
e a beijei na testa.
— Vá dormir e sonhe com os anjos.
— Não quero anjos — rebateu a pestinha.
— Então que tal gatinhos peludos?
— Não. Aliens!
Fiquei apenas a encarando por alguns segundos, absorvendo o
significado daquele pedido. Sabia que não devia ter assistido “Alien, o oitavo
passageiro” com Sophia me fazendo companhia. Era um dos filmes que eu
mais amava no mundo inteiro e achei que pudesse mostrar aquela beleza para
ela. Só não sabia que Sophia se encantaria a esse ponto.
— Vamos deixar esse assunto só entre nós, ok? Se algum dia seu pai
vier te colocar para dormir, finja que gosta de anjos.
•
O tempo mudou bastante e a chuva não deu uma trégua o resto da
semana, então fui o mínimo possível na rua. Só passei uma tarde no shopping
procurando o vestido perfeito e não reclamei que Benjamin tenha sido
acometido por algum milagre e saído mais cedo do trabalho todos os dias
para buscar Sophia na escola. Era visível o esforço que ele estava fazendo
para passar mais tempo com a filha. O que me levava a crer que não
demoraria muito para não precisar mais dos meus serviços e me demitir.
Sábado chegou e eu corria pelo quarto como uma louca, totalmente
perdida. Claro que não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria
porque deixei tudo para a última hora, então me virei com o que consegui.
Tinha terminado de colocar meu vestido novo e me olhava no espelho,
impressionada com minha aparência, quando bateram na porta do meu quarto
e eu gritei para que entrassem.
Pelo espelho, vi que Benjamin estava parado a uns três metros, com os
olhos fixos na minha bunda.
— Oi, chefe! — Eu me virei de frente, muito puta por não conseguir
controlar o calor nas bochechas. — O que foi?
Senti meu coração acelerar porque ele simplesmente não conseguia
tirar os olhos do meu corpo, totalmente indiscreto. Benjamin me avaliava
devagar como se eu estivesse numa vitrine, pelada, com uma melancia na
cabeça.
Levei as mãos à minha cintura e esperei. Tudo bem, eu estava mesmo
incrível. Tinha escolhido um vestido preto muito justo, de um ombro só e tão
curto que eu sabia que não poderia me abaixar na festa. O homem estava sem
palavras e parecia... ah, meu Deus... parecia que ele estava um pouco
excitado. Ponto para mim!
— Benjamin? — chamei mais uma vez.
Então meu chefe finalmente piscou bem forte e guiou os olhos até meu
rosto.
— Você está muito... bonita.
— Obrigada! — agradeci, aproximando-me dele e tocando em seus
ombros como se tivesse alguma sujeira para limpar. — Você também está
bem apresentável.
Era uma estupidez ele ser tão lindo. Meu coração estava disputando a
Fórmula 1 dentro da minha caixa torácica e eu precisava manter a pose blasé
de que era só mais um cara bonito como qualquer outro.
— Você queria alguma coisa? — perguntei, tentando decifrar a
expressão dele. Parecia muito sério.
— Sim, avisar que sairemos em meia hora — disse ele, recuando na
direção da porta. — Tudo bem para você?
— Por mim tudo bem, mas eu vou com o Joseph.
— Vai?
Notei a mudança no semblante dele e dei uma risadinha interna só de
sacanagem. É isso mesmo, chefe, eu vou com outro boy gostoso que não é
você. Até pensei mesmo em dizer algo espirituoso, mas perdi a concentração
quando flagrei a ponta da língua de Benjamin deslizar sutilmente pelo lábio
inferior.
— Que horas ele vem te buscar? — perguntou, enfiando as duas mãos
dentro dos bolsos.
— Nós marcamos 21 horas, por coincidência, sairemos então no
mesmo horário.
— Tudo bem então. Se ele não se atrasar, podemos sair juntos. —
Benjamin sorriu de uma forma nada natural e balançou um pouco o corpo
antes de se virar para sair.
Foi justamente no instante da viradinha que eu pude me certificar de
que não estava louca e havia sim um volume diferente dentro daquela calça.
Finalizei minha produção, passando meu batom vermelho favorito, e
dei uma última olhada no espelho. Assim, contabilizando o visual completo,
eu estava me sentindo muito gata. O vestido valorizou demais meu corpo,
isso era um fato e eu nem tinha todo aquele peito que parecia ter com aquele
decote.
— Tô pronta. — Sophia entrou no meu quarto com um sorriso lindo e o
vestido que escolhi para ela tinha ficado perfeito. Parecia uma boneca.
— Soso, você está tão linda! — Esmaguei a criaturinha pequena entre
meus braços e dei dois tapinhas na cabeça. — Parece uma daquelas
bonequinhas de pano, sabe? Vem, vamos descer.
Fui pega de surpresa com Benjamin e Joseph sentados no sofá da sala.
O SOFÁ. Mas as almofadas ainda marcavam o território e estavam longe dos
dois. Ambos nos olhavam radiantes, mas eu tinha certeza que Joseph não
estava daquele jeito por Sophia.
— Você está linda! — Ele se levantou e alisou a camisa.
Benjamin veio em nossa direção e eu não esperava pelo que fez a
seguir. Segurou em minha cintura e me colou junto ao seu corpo, beijando
meu rosto devagar e sorrindo para mim. Sorrindo tão perto. E com a mão um
pouco abaixo do meu umbigo.
— Só convivendo sob o mesmo teto diariamente, para entender que ela
está sempre linda — ronronou meu chefe, me deixando muito, muito
chocada.
— Eu imagino — disse o professor, não tão feliz quanto estava
segundos antes.
Olhei para um e depois para o outro. O que estava acontecendo? Seria
muita testosterona para um único ambiente? Minha intenção era mesmo fazer
ciúmes em Benjamin, mas eu não imaginava que o efeito seria quase que
instantâneo.
Contei, juro por tudo que é mais sagrado, vinte segundos que ficamos
todos em silêncio enquanto os dois machos sorriam um para o outro, porém,
com sangue nos olhos.
— Então gente, vamos? — Bati na mão que Benjamin cravou em mim,
na esperança que me soltasse antes que eu me transformasse em gelatina.
— Agora nós podemos ir — concordou ele, me soltando e pegando a
chave do carro em cima do aparador.
Sophia saiu na frente, super animada, e eu não entendia de onde vinha
toda aquela alegria. Ela sabia que era uma festa na casa da Rose, então qual o
motivo da felicidade? Era, no mínimo, uma atitude muito suspeita, mas fiquei
quieta. Fui atrás dela e deixei os dois machos para trás. Eu era tão azarada
que não só não consegui fazer ciúmes em Benjamin, como agora os dois
pombinhos conversavam amigavelmente ao pé do ouvido. Não duvidava que
terminariam a noite brindando cerveja e se abraçando.
Como nenhum dos dois saiu da casa, eu e Sophia precisamos esperar
em pé até que os dois patetas surgissem. Benjamin mantinha um sorriso
estranho direcionado a ninguém em especial e Joseph parecia puto com
alguma coisa.
Depois de toda a tensão masculina dissipada, quando finalmente entrei
no carro do professor e olhei direito para ele, pude reparar que o homem
estava muito bonito, merecia um crédito pelo esforço.
— Então, o que tanto você e Benjamin estavam conversando lá dentro?
— Nada de muito importante — respondeu, muito sucinto. — Coisas
de homem, você sabe.
— Na verdade, não sei não.
— Esquece, querida. — Estremeci quando ele pousou a mão em meu
joelho e deu um leve apertão, sorrindo para mim com seus dentes muito
brancos. — Você está muito linda e me desculpe, mas absurdamente gostosa.
Não sabia se era o tipo de elogio que se agradecia, então não o fiz.
Minha preocupação estava em controlar a vermelhidão que poderia acometer
meu rosto e meus olhos procuravam por um buraco para enfiar a cabeça. Não
era todo dia que me chamavam de gostosa.
— Tudo bem, não precisa ficar envergonhada. — Outro apertão no
joelho e um suspiro meu.
Quando finalmente paramos na porta de uma casa que provavelmente
seria a de Rose, fiquei imensamente agradecida. Quando bolei esse plano de
virar mulher fatal por um dia para causar ciúmes em Benjamin, não cheguei a
pensar que meu acompanhante também ficaria animadinho. Estava me
sentindo desconfortável sozinha com ele no carro, mesmo que nada demais
tivesse acontecido, além da mão boba.
Sophia desceu do automóvel do pai e correu na minha direção, o que eu
adorei, para que Joseph não quisesse entrar na festa abraçado comigo.
Quando chegamos na entrada, fiquei surpresa com a quantidade de gente.
Pelo visto, Rose era uma mulher com muitos amigos.
— Oi meu amor! — A loira surgiu do nada e agarrou Benjamin pelo
pescoço, dando-lhe um beijo na boca sem se preocupar com a presença de
Sophia. — Que bom que chegou!
— Chegamos. — Ele soltou os braços finos de seu pescoço e virou-se
para nós. — Acho que conhece todo mundo.
Os olhos venenosos passaram por Sophia, abrindo um imenso sorriso
para a menina, depois por Joseph e por fim, caíram sobre minha pessoa. Que
sentiu vontade de sair de mansinho pela forma maliciosa que ela encarava.
Não sobrou um só centímetro do meu corpo que não tivesse sido escaneado
por aquelas retinas mortais.
— Olá. — Foi o máximo que Rose conseguiu dizer antes de enroscar o
braço no de Benjamin e puxá-lo para dentro da casa.
— Ela continua simpática do jeito que imaginei — Joseph sussurrou
em meu ouvido e dei um sorriso cúmplice a ele. — Sentiu o calor e afeto?
— Não me deixe sozinha, tenho medo que ela me afogue na piscina.
— Não sairei do seu lado. — Passou o braço em minha cintura. — Que
tal eu, você e Sophia nos divertirmos um pouco?
Sophia! Tinha esquecido dela por alguns segundos e quando me dei
conta disso, percebi que a criança não estava mais do meu lado. Nem cinco
minutos na festa e já tinha perdido a pestinha.
— Você viu para onde a Sophia foi? — perguntei a ele, enquanto
olhava ao nosso redor.
— Acho que é aquela ali, não é? — Joseph brincou e eu segui a direção
para a qual seu dedo apontava.
Lá estava a pequena, parada em frente a uma grande mesa belamente
decorada, que continha algumas bandejas de frios.
— Ah, que susto! — Levei uma mão ao peito, onde o coração batia
acelerado. — Achei que ela estivesse aprontando alguma coisa.
— Dê um crédito para a menina, Bruna. Que mal aquele anjinho
poderia fazer?
Ele não fazia ideia do quanto de maldade havia naquele corpo que
parecia angelical. Eu amava isso em Sophia, só não queria que ela fizesse
besteira na casa de Rose porque meu anjinho caído não podia competir com a
malícia do diabo em pessoa.
— Ei Soso! — Parei ao lado dela e olhei a mesa apetitosa. Meu
estômago roncou só ao ver quanta coisa gostosa tinha ali e a maioria eu nem
fazia noção do que era. — Não saia de perto de mim, ok? Lembre-se que meu
trabalho é tomar conta de você e não queremos que seu pai me demita.
Ela sorriu e fez que sim com a cabeça, esticando a mão para pegar uma
torradinha com algo que parecia muito caviar. Coisa que nunca provei na
vida, então aproveitaria a oportunidade de ouro, então coloquei uma na boca
e mastiguei... e achei tão ruim que quis vomitar.
— Cospe. — Um guardanapo surgiu diante dos meus olhos e Benjamin
sorria para mim. — Sei o quanto isso pode ser nojento.
Agarrei o pedaço de papel que ele esticava para mim e
disfarçadamente, desovei tudo ali. Eu sempre soube o que era caviar, mas a
vontade de dizer que já tinha experimentado era maior do que o nojo. Só
quando senti na língua, é que percebi que não poderia engolir.
— Obrigada. Eca. — Amassei o guardanapo para jogar fora e outro
braço surgiu diante do meu rosto. Era Joseph me entregando uma taça.
— Para tirar o gosto. Vinho sempre funciona.
— Ah não, obrigada. Não posso beber tendo que tomar conta de
Sophia.
— Você está tão lindinha! — A loira se meteu entre nós e agachou para
ficar mais próxima da menina. E aí ela fez uma coisa que eu sabia que Sophia
odiava, apertou as bochechas dela. — Estou muito feliz por você estar aqui,
Sophia.
Um sorriso brotou no pequenino rostinho. Um sorriso que enganaria
qualquer pessoa, mas eu já tinha visto muitos filmes de terror, daqueles que
envolviam profecias e diziam que uma criança maligna nasceria e seria o fim
do mundo, coisa e tal. E sempre tinha um padre na história, que era
responsável por identificar a fonte desse mal e exterminá-la. Eu sabia
exatamente que era o sorriso marcado no rosto de Soso. Foi nesse momento
que entendi porque aquela criança estava tão ansiosa por essa festa. Algo de
muito ruim aconteceria ali. Algo como o apocalipse.
Por mais que eu quisesse que Sophia me vingasse, não podia deixar que
atacasse Rose na frente de Benjamin e achei mesmo que ela pudesse fazer
isso. Antes que cravasse as unhas na cara da loira, ou cuspisse nela, peguei-a
pela mão e trouxe para perto de mim, alisando seus cabelos.
— Ela também está feliz por ter sido convidada. É muita gentileza sua,
Rose. — Minha nossa, aquilo saiu mesmo de minha boca? Estava extasiada,
nunca achei que pudesse ser tão dissimulada e fingir tanta elegância.
Rose ficou sem palavras, acho que não imaginava que eu iria me dirigir
a ela assim tão polidamente. Vi que consertou um pouco a postura e empinou
o queixo, para depois apoiar a mão no ombro de Benjamin.
— Por que eu não convidaria? Quero que Sophia entenda que gosto
muito do pai dela e consequentemente, dela. Não é querida? — Sorriu
exibindo as presas. — Agora com licença, preciso recepcionar os convidados.
A casa é de vocês.
Dizer isso diante de mim deve ter sido doloroso, mas ela se saiu muito
bem. Não tinha como Benjamin não ficar caidinho por uma mulher com tanto
requinte.
Algumas pessoas chegaram para falar com ele e foram apresentadas
para Sophia. Todo mundo ficava encantado, dava sorrisinhos e apertões nas
bochechas da pobre menina. Por fim, Benjamin me apresentava como babá,
as pessoas se contentavam e iam embora. Mas uma delas me olhou
espantada.
— Babá? — questionou um homem, de olhos bem abertos e um sorriso
sacana, em seguida, apertou o ombro de meu patrão. — Meu caro, se eu
soubesse que poderia existir babás assim, já tinha arranjado filhos há muito
tempo.
— Com licença — pediu Joseph, sem muita cordialidade, envolvendo
minha cintura e me tirando daquela roda. — Por que alguns homens
simplesmente não percebem que são ridículos?
— Se eles percebessem, então nunca teriam oportunidade para isso, não
acha?
Ele me levou até a parte externa da casa, com o muro iluminado em
vários cantos, mesas e cadeiras chiques espalhadas pelo gramado e uma
gigante piscina no meio. Sophia segurava minha mão e, por um momento, eu
gostaria que Joseph nos deixasse a sós para falar com ela.
— Ei mocinha, que tal nos irmos ao banheiro retocar a maquiagem? —
perguntei e pisquei.
Ela sorriu e balançou a cabeça quando alisei sua franja para trás,
sentindo que sua raiz já estava suada. Por que pais adoravam colocar franja
nas crianças? Lembro que quando tinha uns seis anos minha mãe cortava meu
cabelo em casa e por Deus, ela nunca foi uma pessoa com a mão firme. Para
tentar cortar uma franjinha o mais reta possível, ela colocava um saco
plástico na minha cabeça, espremia bastante na minha testa e o que ficasse
além do plástico, ela cortava fora. Preciso dizer que nunca ficava reto?
— Tudo bem, me conta o que você vai aprontar — pedi assim que
entrei no banheiro com Sophia e tranquei a porta.
— Não vou aprontar nada. — Ela era uma ótima jogadora de poker.
— Soso, eu preciso saber. — Suspirei e agarrei seus ombros. — Você
sabe que não vou impedir, mas quero estar preparada. Não é nada que
envolva fogo, é?
— Não.
Viu? Ela tinha mesmo algo em mente. Cruzei os braços e coloquei a
mão na maçaneta que ela tentou girar.
— Diga — insisti.
— Não tudo. — Sorriu diabolicamente. — Mas tem bicho.
— Bicho? — Quase infartei, até levei a mão ao peito. — Que bicho?
Onde você vai arrumar bicho?
A ficha caiu quando ela envolveu a alça da bolsinha rosa com as mãos.
Minha boca deve ter feito formato de O e eu tentei ser rápida o bastante para
pegar aquela bolsa, mas não fui.
— Fica quieta, você vai estragar tudo — sussurrou ela para mim, muito
empenhada em manter o plano.
— Sophia, o que tem aí dentro?
A pestinha ficou séria, depois seus lábios começaram a formar um
sorriso medonho, até que deu de ombros.
— Não coma a comida — avisou, erguendo um dedo.
O quê? Logo a porra da comida? Que eu comi, inclusive! Apoiei as
mãos na bancada da pia e procurei controlar minha respiração. Agora sim eu
sentia vontade de vomitar.
— Eu já comi, Sophia! — ralhei, querendo esganar o pescoço dela.
— Mas eu ainda não fiz nada. — A criança alisou meu braço, como se
pudesse me consolar. — Se quiser, pode comer mais um pouquinho. Mas seja
rápida.
Aquilo não ia acabar bem. Estava tão fora de órbita que acabei
facilitando para ela, que destrancou o banheiro e correu para fora. O que eu
devia fazer? Contar ao Benjamin para que ele brigasse com ela e a colocasse
de castigo? Ou esperava para descobrir do que se tratava e degustava da
vingança contra Rose?
— Tudo bem? — Benjamin perguntou assim que passei pela porta do
banheiro. — Vi Sophia saindo do mesmo banheiro que você e tive algumas
lembranças.
— Quem sabe Rose não possa substituir essas lembranças? — sugeri,
sem muita paciência, mas vi o sorriso de Benjamin murchar um pouco e me
senti culpada. — Ah, me desculpe, não quis falar isso. Essas suas lembranças
nunca poderão ser substituídas.
Ele assentiu, em silêncio, mas não demorou para que voltasse a sorrir.
Quando tocou minhas costas de um jeito muito íntimo, eu estremeci.
— Posso desculpá-la se dançar comigo antes da festa acabar.
Os homens ainda convidavam as mulheres para uma dança? Olhei à
nossa volta e aqueles poucos que dançavam, pareciam estar numa boate,
sacudindo o corpo ao som da música. Não consegui imaginar Benjamin
fazendo isso. Ele tinha mais a cara de quem gostava de dançar uma música
lenta com o corpo colado no da sua parceira.
— Claro que danço — respondi. — Mas se você me der licença, antes
eu preciso comer um pouco.
Saí de perto dele quando vi que Rose se aproximava. Havia garçons na
festa, servindo em bandejas de prata o tempo todo, mas algo me dizia que não
era com essa comida que deveria me preocupar. Observei a mesa tão bonita e
comecei a provar um pouco de cada coisa antes que fosse tarde demais.
— Hum, coitadinha. — Parei de mastigar quando ouvi a voz diabólica
atrás de mim. — Imagino que deve ter passado fome quando era mais nova,
não é?
— Oi Rose. — Engoli o que ainda tinha na boca. — Não passei não. Só
estou comendo rápido porque gostei muito do bufê.
— Obrigada. Mas seria pedir muito para que você evite comer tudo? —
Ela apontou ao redor da sala. — Há pessoas educadas aqui.
Tomara que Sophia coloque minhocas nessa comida e elas entrem pelo
nariz dessa vaca.
— Vou deixar que sobre bastante comida para todos os convidados —
prometi, limpando a boca com um guardanapo e tentando me afastar da mesa,
mas a loira cravou as unhas em meu pulso fino.
— Tenho que te dar os parabéns por ter tentado, Bruna.
— Tentado?
— Sim, toda a produção. — Seus olhos queimaram meu corpo. — É
realmente adorável ver o seu esforço em tentar seduzir o Benjamin.
— Eu não...
— Mas acredite — ela me interrompeu. — É preciso muito mais do
que um vestido bonito para ganhar essa briga comigo.
Notei que a fisionomia dela mudou da água para o vinho e percebi que
era Sophia que chegava até nós. Sorrindo. Como a boa pestinha que era. Rose
estava prestes a dizer algo para a criança, mas foi interrompida por um
garçom que se aproximou e falou algo em seu ouvido, fazendo-a se retirar
junto com ele. Sophia me puxou pela mão para o local onde havia algumas
pessoas dançando.
— Você quer requebrar esse bundão, é? — Brinquei, mas me arrependi
da última palavra quando dei de cara com Benjamin.
— Não acho que minha filha tenha bundão. — Ele deu uns tapinhas
nela, que gargalhou. — E nem quero que tenha, não vou aguentar nenhum
idiota babando em cima dela.
Me assustei quando a criança começou a pular e se sacudir toda. Ou era
ataque de epilepsia ou ela estava dançando do jeito estranho dela. Sophia
tinha me levado até Benjamin para uma emboscada? Procurei por Joseph
rapidamente, mas não o encontrei. E nem sinal da loira má.
— Acho que alguém gosta dessa música. — Ri, apontando para Sophia
e de uma vez por todas, decidi que era hora de começar a colocar minha tática
em ação.
— Quem não gosta? — Benjamin piscou e sorriu aquele maldito
sorriso torto que me derretia.
Usei esse incentivo para começar a dançar, me esforçando para não ser
uma acompanhante na dança maluca da Sophia. Remexi devagar meu corpo
ao som da música, concentrando-me para não fazer careta nenhuma. Toda
mulher sensual dança fazendo uma cara irresistível de sedução. Boca e olhos
na direção de Benjamin, vamos lá!
Com esses saltos e com ele agora tão perto de mim, rezei para não me
desequilibrar e não cair em cima do homem. Eu tinha o poder, pois estava
dando tudo certo. Ele parecia mesmo interessado em seja lá o que eu
estivesse fazendo. Benjamin olhava diretamente nos meus olhos e eu não
conseguia parar de encarar. Ele veio por trás de mim, mas apesar de não
estarmos nos tocando, sentia sua respiração no meu pescoço.
— Me desculpe. — Ele soprou, parecia sem fôlego. — Por ter me
esquivado do que houve na praia.
O quê? Estava dançando agora de costas para ele, com nossos corpos
quase colados, mas suas mãos seguraram meus braços e não permitiram que
eu me virasse de frente.
— De repente me sinto um completo idiota por ter, mais uma vez,
ignorado o momento.
Estava quase deixando a cabeça cair para trás para me encostar no peito
dele, quando minha visão foi preenchida pelo corpo de Joseph, que não
parecia muito feliz.
— Alguém quer saber onde eu estava? — perguntou ele, seu olho
parecia estar tremendo.
— Onde? — Eu quis saber, mas queria mesmo era dar uns tapas no
professor por ter me atrapalhado justo agora. Benjamin parou de fazer o que
estava fazendo e veio se colocar ao meu lado, muito interessado no que
Joseph tinha a dizer.
— No banheiro — respondeu ele. — Trancado!
— Trancado? — Eu e meu patrão falamos ao mesmo tempo. — Como
assim?
— Não sei. Entrei no banheiro e quando quis sair, não consegui. Fiquei
uns dez minutos socando a porta e berrando, mas com a música alta, ninguém
me escutou.
Ele parecia estar mesmo irritado, o olho ainda tremia e fiquei com
receio que sofresse um AVC ali na festa. Benjamin colocou uma mão no
ombro do professor, parecendo solidário.
— Cara, que péssimo. Como você saiu?
— A fila deve ter ficado grande e foram reclamar com Rose, que usou
outra chave para abrir a porta.
— Você está meio pálido, ficou nervoso demais — comentei, porque
ele estava mesmo. — Melhor comer alguma coisa e beber uma água.
Coitado, por mais que eu não estivesse interessada nele, Joseph estava
sendo legal comigo esse tempo todo. Até me senti um pouco culpada por
estar dançando com Benjamin enquanto meu acompanhante estava preso no
banheiro.
O professor respirou fundo e assentiu, passando a mão pela nuca.
Quando ele se afastou de nós, eu me virei para Benjamin e encolhi meus
ombros, frustrada.
— Acho que vou fazer um pouco de companhia para ele. Ninguém
merece ficar trancado dentro do banheiro.
Meu chefe sorriu e assentiu, enquanto eu fui apressada na direção de
Joseph, que ao contrário da minha sugestão, estava entornando uma taça de
vinho em alguns segundos até secá-la por completo.
Benjamin
O clima com a Bruna tinha acabado, mas me sentia realizado por ter
visto Joseph e seu rosto vermelho de raiva. Não conseguia ir com a cara
daquele homem e não tinha relação unicamente ao fato de ser acompanhante
de Bruna. Algo na voz ou na forma como ele se portava, não me passava
sinceridade.
Sophia tinha parado de dançar e me olhava daquele seu jeitinho
conquistador. Beijei-a na testa e arrumei um pouco seu vestido, que estava
com a barra amarrotada e toda torta. Quando ficamos apenas nós dois
sozinhos no mundo, eu me surpreendi ao descobrir o quanto podia ser mãe e
pai ao mesmo tempo.
— Sabe que eu pedi para você distrair o rapaz, né? — sussurrei,
tomando o cuidado de olhar em volta para não ser flagrado. — Não era para
trancar ninguém dentro do banheiro, Sophia.
Ela fez um beicinho lindo, que eu sabia que sempre derretia meu
coração. Tudo que consegui foi sorrir, orgulhoso, e alisar sua bochecha.
— De qualquer forma, você foi esplêndida. Poderá escolher o presente
que desejar!
Sim, eu tinha pedido para minha filha distrair o babaca do professor,
para que eu pudesse ter um tempo a sós com Bruna. Estava louco por ela
desde que entrei em seu quarto e a vi de costas para mim, dentro daquele
vestido que moldava seu corpo escultural. Fiquei até de pau duro naquele
momento, mas acho que consegui disfarçar com louvor e não assustar a
garota.
Ao mesmo tempo, estava puto porque sabia que ela não viria para a
festa em minha companhia. Toda aquela produção tinha sido pensada para ser
usada com a porra do Joseph e isso me deixava alucinado. Não era a mim que
ela andou beijando? Confesso que eu me comportei como um verdadeiro
idiota, mas eu quase podia sentir que a brasileira gostava de mim.
Foi com esse sentimento forte de ciúme aflorando em meu interior, que
dei um aviso a Joseph antes de sairmos de casa. Esperei que as mulheres
fossem para o jardim e o segurei ali na sala, deixando bem claro que se ele a
magoasse de alguma forma, eu o quebraria inteiro. O babaca teve a audácia
de me afrontar e respondeu que tudo que Bruna poderia esperar dele, era
muito prazer e muitos orgasmos. E que, inclusive, tudo aconteceria esta noite.
Minha vontade foi resgatá-la de dentro daquele carro, mas não podia
agir como um homem das cavernas. Ela era adulta e decidia sua vida por
conta própria, então, o máximo que eu faria seria tomar conta de longe, mas
perto o bastante caso ela precisasse de mim.
Não consegui trocar mais do que duas ou três palavras com Bruna
desde que chegamos à festa, por isso tramei com minha filha para que me
ajudasse. Não durou muito tempo, mas foi incrível ver seu jeito todo
desengonçado ao dançar, achando que estava arrasando e sensualizando.
Bruna possuía uma personalidade única, ela era engraçada e espontânea e não
parecia se incomodar muito com opinião alheia.
Quando cheguei mais perto e consegui tocá-la, me senti muito bem ao
saber que estava arrepiada e ofegante. Era gostoso ver como eu causava esse
tipo de reação a ela, que sempre ficava um pouco nervosa quando estávamos
muito próximos um do outro.
Agora, no entanto, ela estava lá, com o babaca. Alisava as costas dele
como se quisesse o consolar de alguma coisa. Respirei fundo e me mexi para
sair da pista de dança. A noite ainda não tinha terminado e muita coisa podia
acontecer, foi nisso que eu me apeguei quando Rose veio em minha direção.
O professor que sempre aparentava tranquilidade, estava bastante
irritado. Toquei as costas de Joseph e senti a camisa um pouco úmida. Eca.
— Você está bem?
— Não — respondeu, ríspido, mas vi que logo relaxou. — Mas vou
ficar melhor, se você também me der oportunidade de dançar contigo.
Quando abri a boca para responder, um grito quase ao nosso lado por
pouco não estourou meus tímpanos e olhamos na direção da mulher, que dava
um ataque como se estivesse num filme de terror. Ela cuspia no chão e olhava
horrorizada para a mesa. Oh não. Estava acontecendo.
— O que houve? — Joseph correu até a mulher, amparando a pobre
coitada que nem conseguia falar, só apontava para a mesa.
Procurei vestígios de bichos pelas torradas, mas não achei. Continuei a
busca, mas Joseph foi mais rápido. E nisso, todo mundo presente na festa
começava a se amontoar naquele espaço para saber o que estava acontecendo.
— Minha nossa! — Joseph ficou ainda mais pálido do que depois do
episódio do banheiro.
Em algumas bandejas, pequenas baratas passeavam alegremente pela
comida e isso já seria nojento o suficiente. Mas nada, absolutamente nada,
poderia ter me preparado para o caviar. Algo se mexia dentro dele e, com
mais cuidado, dava para observar minhocas se mexendo lentamente pelas
ovas de peixe.
— O que está acontecendo aqui?
A loira má chegou na hora certa, quando a mulher horrorizada colocava
para fora tudo que tinha consumindo até então. O vômito fez um burburinho
se espalhar pela sala e várias pessoas se afastarem da sujeira.
— Que nojo! — alguém gritou. — São minhocas!
— E baratas! — Mais um.
— Minhocas? — perguntou um homem que estava justamente
comendo o caviar naquele momento. Ele olhou bem para o que tinha em
mãos. — Minhocas!
E vomitou sobre o sofá estonteante e, provavelmente, caríssimo de
Rose. Aí que a coisa desandou. Sabe quando uma pessoa vomita na sua
frente, você fica enjoado de ver a cena e acaba vomitando também? Foi
exatamente o que aconteceu, parecia show de horror.
Rose corria de um lado para o outro, recebendo ajuda dos garçons, na
tentativa de tirar aqueles bichos nojentos de cima das comidas. Benjamin
aproximou-se para ajudar a amada, mas ele não foi rápido o bastante, porque
tudo que está ruim, sempre pode piorar.
— Acho que... — Joseph murmurou, meio estranho — senti algo
crocante quando... comi agora pouco.
— Ah Joseph... — lamentei, adicionando uma nota mental para não
permitir de forma alguma que ele tentasse me beijar esta noite.
E o apocalipse aconteceu. Rose ouviu o que ele falou e se virou para o
professor, no mesmo momento em que um jato grotesco de vômito saía pela
boca do meu acompanhante e ia de encontro aos peitos dela.
Eu nem fui capaz de respirar. Se sentisse o cheiro, corria o risco de
acompanhar Joseph e vários outros. Diante do caos que aquilo se tornou,
decidi me afastar o máximo possível e procurar por Sophia. Benjamin estava
ocupado com a namorada, que chorava e parecia em choque. Joseph olhava
pela sala, atônito e ainda com cara de quem queria vomitar mais. Eu esperava
que ele não me visse puxando Sophia para a área externa e me sentando com
ela num cantinho.
— Você é um monstro. — Olhei horrorizada para a menina, que nem
demonstrava estar abalada com a cena. — E eu sou sua fã. Como você pegou
esses... — estremeci — eca, bichos?
— Tenho um amigo na escola.
— E esse é o tipo de presente que ele gosta de oferecer para as
meninas?
— Mais ou menos — respondeu ela, encolhendo os ombros.
— Tudo bem, prefiro não saber muito mais que isso. Eu só espero que
você não tenha deixado cair nenhum lá em casa.
— Claro que não. Trouxe todos nos saquinhos — ela explicou como a
mente brilhante que era.
Sophia abriu a bolsinha, agora vazia. No interior dela, restaram vários
saquinhos, daqueles que possuem um zíper para lacrar a comida. Ela era um
gênio, pois eu nunca pensaria em algo desse nível.
De longe, percebi que algumas pessoas começavam a ir embora e
imaginava que aquilo não era sinônimo de uma festa de sucesso. Aí vi Rose,
já sem o vômito, mas com o vestido todo sujo e uma expressão mortal no
rosto, caminhando em nossa direção. Benjamin vinha logo atrás dela, atônito,
coitado. Encarei rápido a bolsa de Sophia e as provas que a incriminariam,
então tive uma ideia. Peguei os saquinhos, pensando que iria para o céu por
proteger uma criança. Com nojo, enfiei todos eles dentro do meu decote.
— Foi você! — A loira chegou apontando o dedo para Soso.
— Rose, acalme-se — pediu Benjamin, tocando os ombros dela por
trás.
— Não me diga para ficar calma, Benjamin! — ela berrava, furiosa. —
Eu sei que isso é obra da sua filha!
Dizem que instinto materno é sinistro, acho que é mesmo, pois a mãe
de Sophia deve ter me dado um coice na bunda que me fez levantar num
pulo, mais furiosa que Rose.
— Não ouse apontar seu dedo na cara dela! — rosnei para a vaca, não
usando meu dedo em riste, mas toda a minha mão.
Benjamin, prevendo uma possível briga entre nós, meteu-se no meio e
se virou de frente para a namorada. Era bom mesmo que ele fosse homem o
bastante para segurar aquela sirigaita e não permitir que ela encostasse em
Sophia.
— Rose, entendo que você esteja nervosa, entendo mesmo. Mas não
vou deixar que acuse minha filha desse jeito.
— Você não enxerga, Benjamin? Sua filha me odeia! — Ela começou a
chorar, gritar, tudo ao mesmo tempo. — Eu tento, de verdade, ser boa com
ela, mas nada funciona.
Quem olhasse para Sophia teria o coração despedaçado pela cara que
ela fazia. Era demais para uma criança ser acusada de aprontar algo assim,
ainda por cima, ser acusada de não gostar da namorada do pai. A pobrezinha
estava quase chorando, mas eu sabia que estava rindo por dentro.
— Sophia... — Benjamin largou Rose e se ajoelhou na frente da filha.
— Seja sincera com o papai. Você tem algo a ver com isso?
O teatro estava completo, pois a menina começou a chorar e balançar
veemente a cabeça, negando as acusações. Cruzei meus braços e encarei o
patrão.
— Você acha mesmo, Benjamin? Eu estive com Sophia a noite toda,
ela não poderia ter feito isso.
— Como se você não fosse cúmplice em tudo que ela apronta comigo!
— Rápida como um raio, Rose me deu um empurrão e agarrou a bolsinha de
Sophia. — Vamos ver o que tem aqui dentro!
— Larga isso e deixa ela em paz! — Puxei a bolsa de volta, mas ela
não soltava, então puxei sua crina.
— Sua vaca! Solta meu cabelo! — O jogo de Rose era mais sujo, pois
tinha unhas compridas e eu não. Cravou-as em minha mão e eu acabei
soltando aquela peste insuportável.
Rose deu alguns passos para trás, para ficar fora do meu alcance, e
abriu a bolsa de Sophia, virando-a de cabeça para baixo e fazendo uma careta
quando percebeu que estava vazia. Benjamin, que até então estava em choque
com a nossa briga e olhava tudo horrorizado, esticou a mão para a loira, com
a palma virada para cima.
— Devolve — ordenou.
— Benjamin, eu sei que estou certa. Ela deve ter escondido em algum
lugar.
— Você é paranoica! — Tentei avançar contra Rose novamente, mas
Benjamin me segurou. — Vai querer revistar a roupa de Sophia também?
Rose estreitou os olhos para mim. Sei que se fosse uma bruxa, todo o
céu agora desabaria em minha cabeça tamanha era sua fúria. Benjamin me
segurava, mas eu esperava que ele a segurasse também se essa louca viesse
novamente para cima de mim.
— Você está muito confiante, não é? — questionou, desconfiada. —
Talvez você seja a pessoa ideal a ser revistada.
E ela demonstrava completa decisão em suas palavras. Se
enlouquecesse e me deixasse pelada ali, os saquinhos seriam descobertos.
Recuei um pouco, mas antes que me alcançasse, Benjamin agarrou seus
pulsos e a sacudiu.
— Para com essa merda já! — vociferou ele, irritado como eu nunca vi.
— Você está fedendo a vômito e dando um show para os que restaram na
festa!
— Benjamin...
— O que está acontecendo? — Joseph reapareceu, parecia ter
melhorado um pouco, mas estava alheio à confusão que se desenrolava.
— Está acontecendo que Benjamin não acredita que a filha dele possa
ter colocado esses bichos na comida — explicou Rose, fazendo-se de pobre
coitada para cima do professor.
— O quê? — Joseph arqueou as sobrancelhas e depois revirou os olhos.
— Não seja ridícula, ela é só uma criança.
A loira pelo menos deixou de focar um pouco em mim e em Sophia,
para encarar mortalmente meu acompanhante.
— Desculpe, mas não lembro de ter pedido sua opinião — falou, de
nariz em pé.
— Nós vamos embora, acho que já chega por hoje. — Benjamin pegou
Sophia no colo e me puxou pela mão, mas Rose bloqueou nosso caminho.
— Ben, por favor, me escuta — ela pediu.
— Saia da frente, Rose. — Ele estava tão irritado que ela até se
surpreendeu, dando alguns passos para trás e ficando bem próxima daquela
piscina cristalina.
— Hum, Rose... Acho que você precisa de um banho. — Chutei de vez
o balde e empurrei a vaca loira dentro da água, causando comoção ao nosso
redor. — Isso é por ter ousado pensar mal de Sophia.
Como não sabia se Benjamin ia parar para ajudá-la, eu soltei a mão que
ele ainda segurava e fui para a rua esperar por eles. A adrenalina ainda
percorria meu corpo e mesmo sabendo que minha atitude poderia me colocar
em uma situação complicada com meu patrão, eu estava feliz.
De qualquer forma, quem saiu primeiro não foi Benjamin e sim Joseph.
Ele sorriu forçado para mim e tirou a chave do carro do bolso.
— Vamos embora? — perguntou.
— Acho que vou com Benjamin e Sophia. Estou cansada.
— Só quero levá-la para casa. E sendo sincero, depois de passar por
todo esse circo, acho que mereço ser agradado.
Atrás de mim, ouvi o barulho que o carro de Benjamin fazia quando era
destravado à distância e o dono logo apareceu, de mãos dadas com Sophia. A
menina entrou pela porta traseira, dando a deixa para que eu me juntasse a
eles.
— Joseph, se me permite, levarei Bruna porque temos assuntos sérios
para resolver.
Será que ele não tinha acreditado na gente? O que poderia querer
resolver comigo, daquele jeito todo enfezado? Até cogitei entrar no carro de
Joseph e manda-lo me sequestrar, mas não adiantaria ficar fugindo porque
uma hora eu seria obrigada a voltar ao trabalho. Meu acompanhante não ficou
muito satisfeito, mas foi embora sem reclamar.
Dentro do carro, fez-se um silêncio mortal e eu adoraria descobrir o que
se passava pela cabeça de Benjamin. E melhor, o que ele faria com o
relacionamento com Rose. Será que tudo tinha sido o bastante para que
terminassem? Ou Benjamin a perdoaria no dia seguinte?
Sophia tinha adormecido no carro e Benjamin subiu com ela para o
quarto assim que chegamos. Foi o tempo de ir à cozinha beber uma água e
subir a escada, quando o encontrei na porta do meu quarto.
— Posso falar com você?
— Claro — respondi, um pouco ressabiada e entrei no quarto, deixando
que ele viesse atrás.
— Obrigado por ter defendido Sophia. — Sorriu quando eu me virei.
— Rose foi muito maldosa e eu poderia ter me excedido se não fosse você
saindo em defesa da minha filha.
— Tudo bem, eu não tenho medo de briga. Cresci cercada por favelas,
presenciei tiroteios e operações policiais, já fui assaltada, já saí no tapa com
gente chata...
Não terminei de falar porque fui surpreendida por Benjamin, que me
segurou pela nuca e puxou meu rosto para perto do dele, colando sua boca na
minha. Seu corpo me pressionou contra a parede com tanta força que minhas
costas reclamaram. Eu achava que ele me passaria algum sermão por ter
atacado Rose e, no entanto, estava aqui me atacando.
— Caralho, esperei por isso a noite toda — sussurrou ele no pequeno
espaço entre nossas bocas e me olhou. — Estou certo em achar que você está
na mesma que eu?
— Oh sim! Com certeza, sim!
Foi a minha vez de agarrar o homem para não dar chance que pensasse
muito. Puxei seus cabelos do jeito que eu queria desesperadamente fazer e
suas mãos me levantaram no ar para que eu pudesse envolver seu corpo com
minhas pernas. Meu Deus, o que eu achava que ia acontecer ia mesmo
acontecer?
Tenha dó de mim Senhor, não deixe que nada estrague o momento.
Nossas bocas se chocavam violentamente e eu podia dizer que com
certeza nunca beijei de forma tão selvagem. Eu queria tanto esse homem que
tinha medo de acabar arrancando fios do cabelo dele pela forma como o
apertava.
Benjamin me jogou de costas na cama, subindo em cima de mim e
beijando meu pescoço enquanto minha mente rodopiava. Tentei em vão tirar
sua camisa. Se eu já não tinha muita coordenação motora em situações
normais, quem dirá num momento desses. Ele me ajudou, parando um pouco
o trabalho com a boca e a língua e arrancando fora a blusa, exibindo o
corpinho maravilhoso que papai do céu esculpiu. Então ocupou as mãos com
minhas pernas, meus joelhos, minhas coxas. Ah... minhas coxas. Meu senhor,
aquilo era bom...
— Eu preciso... — murmurei, sem muito fôlego — dizer...
— Diga depois.
Eu tinha algo muito importante para dizer, mas Benjamin estava
enlouquecido e não queria ouvir, que diabos! Empurrei seus ombros e ele me
olhou com a testa franzida.
— Sério — falei com ênfase e o encarei. — Preciso contar...
— O quê? — Seu esforço para esperar era visível, assim como sua
ereção.
— Eu nunca... fiz. — Benjamin arqueou uma sobrancelha. — Sabe...
— O que você nunca fez?
— Já fiz algumas coisas, mas o fato consumado mesmo...
Benjamin arregalou os olhos e depois sorriu, me beijando
delicadamente na boca. Suas mãos voltaram a agir em minhas pernas e não
pararam enquanto não encontraram minha calcinha. Que devia estar molhada.
— Sempre há uma primeira vez... — sussurrou em meu ouvido. — Eu
não me importo de ser o primeiro, pelo contrário. Basta você ter certeza de
que é isso mesmo que quer.
Se ele não se importava, eu é que não iria complicar a situação. Era
virgem, mas não era idiota e sabia como as coisas aconteciam. Eu me tocava
sempre, sabia me masturbar para me dar prazer, só nunca tinha consumado o
fato. Também não me sentia pressionada ou nervosa, apenas ansiosa.
Entreguei-me ao momento, focando no fato de que Benjamin Reed
finalmente estava me beijando. E fazendo outras coisinhas, como apertar
meus seios por cima do vestido.
Sua mão alcançou o zíper e o puxou bem devagar, enquanto deixava
minha pele arrepiada. Minha respiração já estava mais do que ofegante, meus
dedos percorriam seus braços e queriam conhecer outras partes do corpo
daquele homem. Para ser bem sincera, extremamente sincera, eu estava louca
para pegar no pau dele e sentir seu tamanho.
Benjamin parou de me beijar e puxou meu vestido, descobrindo minha
lingerie que felizmente eu escolhera com cuidado. Fechei os olhos para
espantar a vergonha, já que a luz do quarto estava acesa e todas as
imperfeições muito visíveis.
— Bruna, o que é isso? — ouvi sua pergunta e abri os olhos.
Observei os saquinhos que Benjamin segurava com as pontas dos dedos
e me lembrei que eu era mesmo muito idiota. Puta merda. O tesão era tanto
que não parei para pensar, em momento, algum que estava com aquelas
porcarias escondidas no peito. Tinha até parado de respirar por uns segundos.
— Foram umas coisas que usei.... hum... e não tinha onde jogar fora.
— Usou? — questionou, erguendo a sobrancelha.
— Podemos continuar o que estávamos fazendo?
Ele olhou mais uma vez para os saquinhos vazios, porém, sujos. Voltou
a me encarar, muito desconfiado e não parecia satisfeito com a minha
resposta.
— Isso por acaso, é o que estou pensando? Por favor, não minta para
mim. — Ele se levantou da cama, esfregando os cabelos e jogando os sacos
no chão.
— Benjamin, eu posso explicar. — Também me levantei, tentando
manter minha dignidade ao me enrolar no lençol, mas ele saiu do quarto. —
Benjamin!
Corri atrás dele pelo corredor, tentando não tropeçar na porra do lençol
e pedindo a Deus para que me protegesse. Meu chefe parou no meio do
caminho e se virou para me olhar.
— Bruna, infelizmente, aquilo é o que parece ser. Qual outro motivo
para você carregar um monte de saquinho dentro do vestido? — Apoiou as
mãos na parede e baixou a cabeça. — Não acredito que Rose tinha razão.
Você armou aquele circo todo?
— Não! — meu grito estrangulado foi mais alto do que queria e
esperava não ter acordado Sophia. E ao pensar nela, percebi que não podia
entregar a verdade sobre a criança. — E... se tiver sido?
Tarde demais. Estávamos quase de frente para o quarto dela e a porta
foi aberta. Sophia parecia sonolenta, mas saiu e segurou minha mão com
firmeza, enquanto se virava na direção do pai.
— Não foi a Bruna, papai. Fui eu.
Ah. Meu. Deus. Levei minha mão à boca daquela pestinha, mas era
tarde demais. O queixo de Benjamin caiu junto com o tremor dos joelhos, o
que fez com que caísse ajoelhado, olhando boquiaberto para a filha. Estava
em choque, olhando de Sophia para mim, de mim para Sophia,
provavelmente tentando entender o que estava acontecendo diante de seus
olhos. Ela largou minha mão e se aproximou dele, fez carinho em seus
cabelos.
— Você... — O homem segurou as mãos pequenas. — Você está
falando?
— Aham.
— Como?
Benjamin me olhou, com uma expressão que parecia querer
explicações. Meu coração estava bem apertado, era como se o que tivesse
acontecido lá no quarto já nem fizesse mais parte desse cenário.
— Eu posso explicar — falei.
— Pode? — Sua testa se franziu. — Explique-se, então.
Ele não esperou realmente pelas minhas palavras para envolver a filha
nos braços e chorar como um bebê. Era um pouco desconfortável observar
aquele homem que me abalava tanto, se mostrar tão inseguro agora.
— Meu anjo! — Ele beijou o pequeno rosto um milhão de vezes até
quase sufocar Sophia. — Meu Deus!
— Papai, não chora. — Ela secou os olhos dele com aquelas mãos
minúsculas. — Eu não tô machucada pra você chorar.
Pensei em recuar e sair de fininho daquela cena. Eles precisavam de um
momento a sós e talvez Benjamin depois acabasse esquecendo os outros
problemas, mas então me olhou e soltou Sophia.
— Seria bom aquela explicação agora, Bruna.
— Podemos conversar a sós? — perguntei, na esperança de Sophia não
ter que passar por isso.
— Sophia, vá dormir, ok? — ordenou, levando-a pela mão até colocá-
la sentada na cama. — Amanhã poderemos passar o dia juntos.
— Mas papai...
Ela me olhou de relance, com certa dúvida se devia mesmo acatar a
ordem dele ou ficar para me proteger, mas eu meneei a cabeça para que
entendesse que estava tudo bem.
— Sem mais, querida. — Benjamin beijou a testa dela. — Está tarde e
passou da sua hora de dormir.
— Você vai brigar com a Bruna?
Eu estalava tanto meus dedos em agonia e nervoso, que temi quebrá-los
sem querer. Estava em maus lençóis, então queria resolver a situação o
quanto antes e deixar a enrolação de lado. Benjamin não falou mais nada com
Sophia, apenas tocou a cabeça dela e começou a se afastar.
— Boa noite, papai — disse ela, baixinho. — Boa noite, Bruna.
— Boa noite, Soso.
Era estranho demais a voz de Sophia na presença de Benjamin mas cá
entre nós, mesmo eu estando enrascada, era um alívio que isso tinha sido
revelado de uma vez por todas. Por mais que eu concordasse em esconder o
segredo, achava triste que Benjamin não pudesse ter conhecimento disso.
Ele pediu que eu o seguisse até seu quarto e ao entrarmos naquele
ambiente contaminado com o cheiro do perfume dele, Benjamin fechou a
porta e se sentou na cama, apoiando os cotovelos nas pernas e baixando a
cabeça.
— Há quanto tempo você sabia disso? — perguntou.
— Benjamin, você precisa entender que eu queria contar isso.
Inclusive, eu tentei uma vez e você não acreditou em mim.
— Então você sabia mesmo que Sophia falava esse tempo todo? — Ele
levantou o rosto para me olhar e sorriu. — Se agora você tivesse dito que
também não sabia de nada, eu teria acreditado.
— Não mentiria para você.
— Como não? — Ele franziu a testa. — Você mentiu todos os dias.
Será que eu não merecia um crédito por ter sido sincera com ele, pelo
menos neste momento específico?
— Sim, eu sei que errei, mas depois da última vez que você não
acreditou em mim, Sophia se retraiu um pouco. Eu precisava ganhar a
confiança dela e isso não funcionaria se tivesse insistido para contar o maior
segredo dela. — Notei que estava aumentando meu tom de voz e me
controlei para não acabar gritando.
— E você não acha que já se passou bastante tempo para ganhar a
confiança dela? — Ele não pensava como eu, obviamente, pois essa frase
saiu aos gritos. — Que porra, Bruna! Há quanto tempo você sabe?
— Bastante.
Fechei os olhos para me impedir de chorar na frente de Benjamin. O
pior de tudo, é que no fundo eu não sentia arrependimento pelo que fiz.
Ainda de olhos fechados, senti que ele tinha se levantado e passado por mim.
— Eu tenho certeza que não sou um chefe ruim — lamentou e eu abri
os olhos, virando-me e vendo-o abrir a porta. — Dei a você toda a liberdade
que era possível dar e fui recompensado dessa forma.
— Você sabe que Sophia escondeu isso de você esse tempo todo, por
rebeldia, não é? — Meu coração batia tão rápido que eu achava que poderia
passar mal de verdade. — Talvez se você passasse mais tempo com ela e,
Sophia não precisasse...
— Não me diga o que fazer com minha filha! — ele me interrompeu,
enérgico demais. — Depois de tudo que aconteceu hoje, você perdeu todos os
créditos que tinha comigo.
— Eu protegi a sua filha hoje, ok? Se Rose tivesse visto aqueles
malditos sacos, você sabe que teria sido muito pior! Ela seria capaz até de
bater na Sophia!
— Vá dormir, Bruna. Acabamos por hoje.
Ele saiu de perto da porta, passou por mim, entrou no banheiro e se
trancou lá dentro. Ainda fiquei que nem uma idiota ali, imaginando se ele
voltaria e pediria desculpas, mas não aconteceu.
Enganei-me ao pensar que dormiria tão bem depois de tantos
problemas. A verdade é que fiquei rolando de um lado ao outro na cama e
quando realmente peguei no sono, a claridade me despertou.
Apesar de não me sentir muito disposta a descer para tomar café da
manhã, não poderia ficar no quarto. Acabaria sendo pior para minha atual
situação. Será que ele me mandaria embora? Meu visto era de au pair e toda
minha documentação se referia àquela família. Não era como se eu
simplesmente pudesse colocar alguns currículos pelo shopping da cidade para
permanecer no país. O trabalho e a burocracia seriam enormes.
Estava terminando de pentear o cabelo e me sentei na cama quando
bateram na minha porta, mas eu já sabia quem era. Sophia rapidamente
colocou a cabeça para dentro e eu fiz um gesto para que ela entrasse.
— Oi, Soso. — Ela se sentou ao meu lado e apertei seu nariz. —
Dormiu bem?
— Você vai embora? — perguntou baixinho e eu pude notar que seu
semblante estava triste.
Suspirei, sem ter uma resposta. Peguei meu travesseiro para abraçar e
não me sentir tão carente. Não era só o fato de ser demitida que me dava
medo, mas também ter que dizer adeus para Benjamin e, principalmente,
Sophia.
— Não sei — respondi, mexendo no cabelo dela. — Isso vai depender
do seu pai. Ele não está feliz comigo.
— Papai está lá na cozinha, com a cara feia.
— Mas saiba que não é com você que ele está chateado e sim comigo,
ok?
— Tudo bem, mas não quero ficar com ele. — Ela se levantou e puxou
minha mão. — Vem comigo, Bruna.
Uma hora eu precisaria mesmo aparecer e enfrentar o homem, então
nada mais justo do que fazer companhia a Sophia. Pedi uns minutinhos para
me vestir de forma adequada e desci até a cozinha com ela atrás de mim.
Benjamin estava sentado em seu lugar habitual e, obviamente, com o celular
na mão.
— Bom dia — cumprimentei e torci para que, pelo menos, Abigail me
respondesse.
— Bom dia. — Ele foi bem seco e nem me olhou.
Abigail colocou a porra da caixa de leite na minha frente e eu até me
arrepiei. Se ele já estava com raiva de mim por causa de ontem, imagina se
descobrisse mais uma mentira minha? Resolvi tomar um pouquinho para
despistar e fiquei escutando Sophia pedir todos os itens da mesa. Ela ficou
tanto tempo se passando por muda, que parecia estar aliviada por finalmente
falar em alto e bom som para todos ouvirem. Abigail, no entanto, não
esboçava nenhuma reação.
Quando terminou de comer, Benjamin se levantou e se retirou sem falar
nada, depois de depositar um beijo na testa da filha. Isso me deixou mal,
saber que estava sendo ignorada propositalmente, e a comida não desceu
muito bem pela garganta.
•
Justo quando abri a porta do quarto pronta para descer, dei de cara com
Benjamin, que também estava todo arrumado. Ele devia ter chegado e ido
tomar um banho enquanto eu me vestia, porque o cheiro de sabonete e seu
perfume estavam inebriantes. O homem incrível estava dentro de uma camisa
branca e um blazer cinza-chumbo, impecável, por isso agradeci mentalmente
por Sophia ter me ajudado a escolher um vestido bonito, de chifon bege, com
a cintura marcada e a saia assimétrica.
— Você está linda — disse ele, tocando minha cintura e me dando um
selinho. — Talvez eu deva cancelar a reserva e levá-la direto para o meu
quarto.
— Não, porque estou com fome e gastei muito tempo montando o look.
Benjamin riu e segurou minha mão, me guiando pela escada. Nos
despedimos de Sophia, que esperava ansiosa, sentada no sofá manchado, e
correu para nos dar beijos e desejar que nos divertíssemos.
Não consegui esperar muito tempo, portanto, assim que entramos no
carro e Benjamin começou a dirigir, encostei a cabeça no banco e virei meu
rosto, observando o espetáculo de homem ao meu lado.
— Posso dar minha resposta agora?
— Pode. — Ele sorriu, trazendo a mão até minha perna.
Aproveitei a oportunidade de pegarmos um semáforo vermelho e me
aproximei de seu ouvido, sussurrando:
— Minha resposta é um super e grande sim!
O sorriso de Benjamin aumentou e ele ficou em silêncio por um tempo,
até que suspirou e voltou a dirigir. Senti-me um pouco ansiosa à espera de
qualquer resposta, mas quando paramos novamente, ele me encarou e tocou
meu rosto.
— Estou apaixonado por você — declarou, surpreendendo-me com um
beijo intenso, até que ouvimos as buzinas atrás do nosso carro e descobrimos
que o sinal estava aberto. — Deveria ter esperado para confessar quando
estivéssemos jantando, sem pressa, mas não deu pra guardar por muito mais
tempo.
— Eu gostei que não tenha esperado — respondi, mordendo meu lábio
com tanta força que me machuquei, mas queria mesmo era morder cada
pedaço do homem ao volante. — Eu já sou apaixonada há um tempinho,
então é um alívio saber que não estou sozinha nesse barco.
Como tinha voltado a dirigir, Benjamin soltou uma risadinha e pegou
minhas mãos, levando-a até os lábios e beijando meus dedos. Meu coração
disparava com cada gesto romântico que vinha dele, então não era novidade
eu ter ficado toda boba enquanto recebia aquele carinho.
Ele não me soltou até chegarmos ao restaurante e depois que estávamos
acomodados em nossa mesa, seus olhos me encararam, muito atentos e
sérios.
— Algumas coisas que você precisa saber a meu respeito — ele
iniciou, ajeitando o guardanapo de seda sobre o colo. — Não tive nenhum
relacionamento sério desde que fiquei viúvo, Rose foi a primeira com quem
eu me envolvi a ponto de apresentar minha filha, mas não me apaixonei por
ela. Trabalho muito, Bruna. Muito mesmo, porque eu gosto do que faço, mas
quero mudar, quero poder ter mais tempo com Sophia.
Minha atenção foi desviada para o celular dele, que tocou em seu bolso.
Benjamin apenas olhou e silenciou a ligação, voltando a me encarar.
— Eu realmente acho ótimo que você queira se dedicar mais à Sophia.
Tenha certeza que serei a maior incentivadora pra que isso aconteça.
— Sei disso — respondeu ele, sorrindo até mesmo com os olhos. —
Não posso negar que a relação de vocês duas foi algo que me impactou e me
fez enxergá-la de outra forma.
Puxei o ar devagar, precisando desviar o meu olhar porque o de
Benjamin era intenso e desconfortante.
— Eu tenho um pouco de medo disso — confessei, mexendo no meu
guardanapo para ocupar minhas mãos. — Medo de não corresponder à
altura... A gente mora junto, o relacionamento vai estreitar e apressar as
coisas e... Se não der certo? Sophia vai sofrer...
O celular voltou a tocar e eu me incomodei um pouco, com receio de
que fosse Abigail ligando para avisar que Sophia se machucou. Benjamin o
silenciou novamente, mas não era o certo a fazer.
— Atenda, pode ser importante.
— Não é — declarou ele.
— Não me importo que fale no telefone, Benjamin. Mesmo que seja
trabalho.
— É Rose. — Ele segurou minha mão e me olhou nos olhos enquanto o
garçom deixava os cardápios sobre a mesa. — Ela tem me atormentado há
alguns dias, mas eu simplesmente não atendo. Não quero falar novamente
com ela.
A sirigaita estava insistindo, não é?
— Você quer que eu atenda?
Fiquei ansiosa em poder falar com Rose no telefone e dizer que
Benjamin estava muito ocupado jantando comigo, mas ele recusou minha
ideia e disse que só iria deixá-la mais obcecada. Como não queria estragar
nossa noite falando de coisas ruins, desisti da sugestão.
Estava concentrada, terminando de escolher o que ia comer, quando o
celular mais uma vez tocou, mas não era por chamada. Curioso, ele o tirou do
bolso e deu uma olhada na tela, arqueando a sobrancelha.
— Ela mandou mensagem — comentou, rindo, enquanto deslizava o
dedo para desbloquear o aparelho. — A insistência é grande mesmo.
Eu me dividi entre observar o que ele dizia e olhar o cardápio, mas
Benjamin ficou tão calado e com os olhos tão vidrados na tela, que eu me
preocupei. Ele soltou o celular sobre a mesa e me encarou com os olhos
arregalados e o rosto pálido. Com medo do que estava escrito, peguei o
telefone nas mãos e rolei a tela para ler a mensagem.
O final de semana chegou e com ele veio o Natal. Como Benjamin deu
folga à Abigail, ficamos apenas nós três para abrir os presentes na manhã do
dia 25. Sophia estava cheia de energia e feliz, pois tinha dormido na cama
entre nós dois e, quando acordei, flagrei Benjamin observando o sono da
filha, todo apaixonado.
— Às vezes eu paro e me pergunto como posso ter produzido algo tão
perfeito — sussurrou, sorrindo para a criança que dormia como um anjo.
— Você já se olhou no espelho? — perguntei, baixinho. — Benjamin,
você é perfeito.
— Não falo de beleza... — Ele sorriu e piscou todo safado. — Mas fico
feliz que você goste do que vê.
— Sim, eu entendo o que quer dizer. Sei que Sophia é um amorzinho
de menina, principalmente depois que me conheceu, mas não faço questão de
receber alguns créditos por isso.
Ela acordou bem naquele momento, espreguiçando-se de forma bem
espaçosa e abrindo os olhos curiosos. Demorou alguns segundos, mas logo se
deu conta de que dia era e ajoelhou na cama, toda sorridente.
— É Natal! — gritou. — Meu presente!
Pulou da cama sem nem nos cumprimentar e disparou pelo quarto.
Ainda deu para ouvir os passos apressados pela escada e fiquei me sentindo
uma idosa, demorando tanto tempo para me levantar e fazer o mesmo
percurso que ela.
Nós a encontramos debruçada sobre os presentes que espalhava pelo
tapete, olhando as etiquetas. Benjamin tinha me contado que ela deixou de
acreditar em Papai Noel quando tinha uns cinco anos e o flagrou colocando a
roupa vermelha como fazia todo ano. Naquele dia Sophia já era uma agente-
mirim do FBI e fez com que o pai confessasse tudo. E por ter sido enganada
durante todos aqueles anos, ela o obrigou a comprar todos os presentes de sua
pequena lista.
— Esses são meus — disse, amontoando aqueles que tinham seu nome.
— Abra primeiro o vermelho, Soso — pedi e ela me olhou quando me
sentei ao seu lado. — É o meu. Aí se você não gostar, vai ter os do seu pai
para te consolar.
— Eu vou gostar, Bruna!
— Ou não — respondi, um pouco tensa.
Ela me ignorou e começou a rasgar o papel da enorme caixa. Quando
abriu, franziu a testa e me encarou. Eu segurei o riso.
— Uma caixa?
— Abra a caixa — sugeri, me divertindo.
— Mas eu já abri.
— Sim, abra essa outra caixa.
Sophia bufou e tirou de dentro da caixa, outra caixa menor. Quando ela
abriu, encontrou outra caixa. Eu adorava fazer esse tipo de coisa e irritar as
pessoas.
— Bruna, você tá me maltratando no Natal? — Ela estreitou os olhos
para mim.
— Abra!
— Quantas caixas são, Bruna? — Benjamin perguntou. — Só para
saber se dá tempo de fazer um café enquanto Sophia desvenda o mistério.
— Fica quieto, Benjamin!
A próxima caixa era bem menor, de modo que quando ela abriu, tirou
um estojo de veludo de dentro. Benjamin ficou interessado quando viu que
deveria ser alguma joia e me olhou sem entender. Sophia levantou a tampa e
puxou um relicário de prata.
— Bruna, eu gosto de ganhar brinquedo. — Ela parecia decepcionada.
— Mas obrigada.
— Deixa de ser chata, Soso. — Coloquei o relicário na palma da minha
mão e abri na frente dela.
Ouvi Benjamin suspirar e sentar ao meu lado, enquanto eu observava
Sophia de olhos vidrados na foto de sua mãe.
— É para você sempre tê-la por perto e assim, nunca esquecê-la.
Soso piscou várias vezes e depois me abraçou, sussurrando um
“obrigada” bem baixinho e beijando meu rosto. Achei que fosse me soltar em
seguida, mas acabou ficando grudada em mim por um bom tempo, o bastante
para Benjamin desistir e ir para a cozinha. Acariciei seus cabelos, dizendo
para ela abrir os outros presentes.
— Tudo bem... — respondeu, cabisbaixa, com os lábios trêmulos.
— Ei Soso, não é para você ficar triste. Dei esse presente para que
possua algo especial sobre a sua mãe. Você a ama, é importante que se
lembre sempre disso.
— Eu amo você também, Bruna. — Ela segurou o relicário e fechou a
mão pequena.
— Eu sei disse e também amo muito você, mas ela sempre será a sua
mãe e quero que a guarde neste lugar especial — expliquei, tocando seu peito
na altura do coração e encostando minha testa na dela. — O seu amor por
mim não será menor ou maior por causa disso. Tem espaço suficiente no seu
coração para que ame muitas pessoas durante sua vida, ok?
— Ok.
— Nunca me senti tão em segundo plano numa manhã de Natal. —
Benjamin quebrou o clima ao voltar para a sala.
Eu ri e Sophia correu até ele, pendurando-se no pescoço do pai e dando
um beijo barulhento no rosto dele. Benjamin caminhou e se abaixou para
pegar um outro embrulho, entregando a ela.
— Esse e aquele outro são do papai, se quiser abrir... Bruna já chamou
toda a atenção do dia.
— Claro que quero!
Ele a colocou no chão e enquanto a menina desbravava o papel de
presente, Benjamin sentou ao meu lado, beijou minha cabeça e roçou o nariz
em minha orelha, todo carinhoso.
— Seu presente para Sophia me deixou sem palavras. Cada dia eu me
surpreendo mais com você.
— Um patineeeete! — a criança gritou, muito doida. — Obaaaaa!
Revirei os olhos diante daquele presente tão previsível, já que Sophia
ficou meses falando sem parar o quanto queria ganhar um patinete de Natal.
Claro que sobraria para mim, pois teria que ensiná-la a usar aquele negócio.
Depois que eu aprendesse.
Foi um presente que Sophia rapidamente deixou de lado assim que
abriu o próximo embrulho e descobriu um iPhone de última geração ali
dentro. Ela deu um monte de beijos em Benjamin, para logo sentar no sofá
com o aparelho no colo e começar a mexer.
— Sophia, você terá horários certos para usar este aparelho — avisou
Benjamin, levantando-se e parando diante dela para que levasse a sério. —
Não pode levar para a escola e só poderá acessar a internet quando estiver
com um de nós dois. Estamos entendidos?
— Sim, papai.
— Se desobedecer as ordens por um dia sequer, vou ficar com seu
aparelho e dar o meu velho para você — ameacei e ela fez uma careta, porque
o meu celular não era um iPhone.
Sophia se encolhei e apertou o aparelho entre as mãos e eu sabia que
ela odiaria se eu cumprisse a ameaça. Lancei meu sorriso maligno e dei uma
piscadinha antes de voltar a minha atenção para Benjamin, que pegou um
presente sob a árvore e o entregou para mim. Era uma caixa pequena e fina,
eu não conseguia nem imaginar o que podia ter sido colocado ali dentro.
Seria um colar de brilhantes?
Sabia que era algo que toda mulher amaria ganhar, mas eu nem mesmo
tinha roupa para usar algo do tipo e seria um presente pouco usado. Com as
mãos trêmulas, ansiosa, retirei a fita vermelha elegante que envolvia a caixa e
a abri devagar. Não era uma joia.
— Uma passagem de avião? — Peguei o papel para olhar direito e
percebi que era com destino ao Rio de Janeiro. — Você está me mandando
embora?
Benjamin gargalhou ao meu lado e segurou meu rosto, dando-me um
selinho.
— Como você é boba! É uma viagem de turismo, mas você não estará
sozinha, pois comprei passagens para mim e Sophia.
— O quê? — Abri e fechei a boca, depois fiz pior que Sophia e me
joguei em cima dele, que teria caído de costas se não fosse homem tão
equilibrado e forte. — Obrigada! Obrigada, obrigada!
— Não por isso. Tem mais um presente seu na árvore.
— Calma, vou buscar o seu! — pedi, correndo até meu quarto.
Optei em não colocar aquele presente na árvore porque o formato era
muito previsível, portanto, eu o escondi embaixo da minha cama. Era pesado,
então tive certa dificuldade na hora de descer a escada, mas Benjamin veio
me ajudar assim que me viu toda atrapalhada.
— Isso é para mim? — ele perguntou e eu assenti, entregando o
embrulho grande. Então, ele disse o óbvio: — É um quadro.
— É extremamente difícil comprar um presente para você, sabia? —
reclamei, parando do lado dele e esperando que terminasse de rasgar o papel.
— Espero que goste. Não é nenhum aparelho da Apple.
Tive a ideia do presente depois de uma tarde que passamos os três
juntos na piscina. Benjamin começou a fotografar as mulheres mais lindas do
mundo — e eu juro que foram as palavras que ele usou — e depois eu
também me aventurei como fotógrafa. No final daquele dia, percebi que
algumas fotos saíram incríveis e poderiam virar quadros lindos.
— Uau! — exclamou ele quando viu o resultado, virando o rosto para
me olhar. — É maravilhoso.
Escolhi a foto mais bonita em que ele Benjamin estava na piscina com
Sophia. Captei um momento lindo enquanto ele a erguia no ar em sua
brincadeira aquática favorita. O sorriso dos dois na imagem era contagiante e
nem parecia ter sido uma foto tirada por uma amadora como eu. Então,
procurei quem a transformasse em tamanho maior, em tons de preto e branco
e a colocasse dentro de uma moldura bonita.
— Gostou mesmo? — perguntei, insegura. — Quando recebi, achei que
ficaria ótimo naquela parede do final da escada.
— É lindo, meu amor. Claro que ficaria ainda mais perfeito se você
estivesse na foto, mas entendo o significado do presente. Mais tarde
escolheremos onde pendurar.
— Ei, sou eu na foto! — Sophia se surpreendeu ao levantar do sofá e
vir conferir o quadro. — Eu estou linda como sempre!
Corri atrás dela para enchê-la de cócegas e a criança saiu gritando
desesperada pela casa. Depois que nos acalmamos, Benjamin me deu o
segundo presente, que nada mais era do que um lindo par de Louboutin, que
quase me fizeram desmaiar. Eu o infernizei o resto da manhã, dizendo que ele
precisaria me levantar para jantar muitas vezes, pois aqueles sapatos não
podiam ficar apenas guardados no armário, precisavam ser usados.
Tirei um tempinho depois do almoço para ligar para meus pais, mesmo
que eles não estivessem muito ansiosos para falar comigo. De qualquer
forma, minha mãe pareceu ficar bem animada quando contei sobre a viagem
que faríamos em breve. Talvez tenha ficado mais interessada em conhecer
Benjamin do que com a minha presença. Por último, liguei para Jessica.
Assim que me atendeu eu percebi que algo tinha acontecido, pois sua voz não
estava legal, parecia ter chorado.
— Amiga, Feliz Natal — falei, preocupada. — Você está bem?
— Oi Bruna, Feliz Natal. — Ela não me respondeu com entusiasmo. —
Apesar de que não está tão feliz para mim, porque terminei o namoro.
Eu estava prestes a falar quando ela caiu no choro e resmungou
palavras incompreensíveis, enquanto eu esperava que se acalmasse. Quando
pareceu assoar o nariz, ela voltou a falar:
— Aconteceu tudo tão rápido e eu queria te ligar, mas passei os últimos
dos dias tão arrasada que meus patrões até me liberaram das crianças.
Bruna...
— Mas o que aconteceu? Foi você que terminou?
Eu sinceramente não conseguia entender aquele cenário, os dois
pareciam estar se dando bem demais para acontecer algo assim. Ouvi Jessica
fungar no meu ouvido.
— Ele me traiu. Eu descobri. Ou melhor... eu vi.
— Ah, Deus...
— Sabe o que é pior? — Ela soluçou e eu quis abraçá-la. — A mulher
com quem Joseph está é tão bonita que nem posso competir com ela, Bruna.
— Não fale isso, Jess. Você é bonita também.
— Não igual a ela.
Ficamos em silêncio pois eu realmente não sabia o que dizer para
alguém que descobria ter sido traída. Sempre fui péssima em consolar as
pessoas, me sentia uma inútil nesses momentos.
— Jess, se precisar conversar, eu posso ir até você. Ou se quiser, pode
vir aqui em casa.
— Obrigada, Bruna, mas por enquanto só quero chorar. Te ligo depois,
tá?
— Tudo bem, mas se cuida.
Desliguei e senti braços me envolvendo por trás, um beijo no topo da
minha cabeça e um hálito quente em meu pescoço.
— Benjamin, Jessica terminou com o Joseph. — Ele me soltou e me
virou de frente. — Você acredita que ela o pegou traindo?
— Que escroto! — E toda a simpatia que Benjamin tinha lutado para
tentar construir por Joseph, foi embora num passe de mágica. — Eu
desconfiei que ele não prestasse. Como ela está?
— Péssima, coitada. Se não fosse Natal eu tentaria tirá-la de casa para
distrair.
Estava mesmo chateada por Jessica, mas deixaria para pensar nisso
depois. Queria aproveitar o momento e curtir meu namorado o máximo
possível.
Nós passamos um tempo ali no meu quarto e depois voltamos para a
sala, encontrando Sophia esparramada no tapete, jogando no celular novo.
Observei que ela mexia nele como se fosse de cristal e pudesse quebrar, achei
bem fofo o cuidado que parecia ter com o aparelho, ao contrário do que
acontecia com suas bonecas.
Quando a campainha tocou no final da tarde, eu juro que não pensei em
nada antes de ir atender a porta. Benjamin estava na cozinha preparando um
lanche para comermos enquanto assistíamos o filme que Sophia estava
escolhendo, então estava muito distraída, cantarolando. Ao girar a maçaneta e
abrir a porta, olhei a merda que havia diante de mim e a fechei
imediatamente.
— Sério que você bateu a porta na minha cara, Bruna? — Rose gritou
do lado de fora. — Benjamin! Pode abrir aqui, por favor?
— O que foi? — Meu namorado ouviu os gritos e apareceu com as
mãos sujas. — É Rose?
— Sim, o próprio diabo. — Bufei. — Pelo amor de Deus, hoje é Natal,
não Halloween!
— Isso só pode ser brincadeira. — Irritado, o homem passou por mim e
escancarou a porta, encarando a loira. — O que você quer? Tem mesmo que
estragar o nosso Natal?
Ela permanecia em cima dos saltos, com um sorriso cínico no rosto,
tipo o da Monalisa. O pior é que a vaca estava mais bonita do que nunca, o
frio parecia fazer bem a ela. Então deu um passo à frente e abriu a bolsa, que
devia ser de pele legítima, pois ela era o tipo de pessoa que mataria um
bichinho para carregá-lo na mão.
— Oi Benjamin, Feliz Natal. Você já foi um homem mais educado. —
Rose olhou para mim. — Mas entendo que esteja convivendo com péssimos
exemplos em casa.
— Não enche, Rose! — Ele começou a fechar a porta, mas parou. —
Você tem dez segundos para dizer o que veio fazer aqui. Começando a
contar... agora.
— Só vim entregar seu presente de Natal. — A vaca puxou um
envelope da bolsa e entregou ao meu namorado. — A primeira foto da
sementinha que está se tornando o seu filho. Fiz ultrassom ontem.
Eu devia ter aceitado o café da manhã reforçado que Benjamin fez para
Sophia, mas estava guardando uma parte do meu estômago para a torta de
framboesa que Abigail tinha deixado na geladeira. Portanto, não consegui ver
Benjamin abrindo o envelope, já que desfaleci aos seus pés.
Quando abri os olhos, demorei alguns segundos para entender o que
estava acontecendo. Com Sophia praticamente em cima de mim e a voz de
Benjamin pedindo para ela me deixar respirar, rapidamente lembrei dos
últimos momentos antes de apagar. Rose. A picareta teve que aparecer para
estragar o nosso Natal.
— Benjamin? — Sentei no sofá, sentindo a mão de Sophia na minha
testa.
— Você não está morrendo, né Bruna? — A menina arregalou os
olhos. — Sua cara tá tão verde!
— Sophia, chega! — Benjamin a pegou no colo para me deixar livre e
a colocou no chão. — Você está melhor?
Eu estava? Observei meu corpo reagindo internamente para saber se
estava bem e ao que tudo indicava, sim, eu estava. Nem sabia direito o que
tinha acontecido.
— Aquela... pessoa... — não quis xingar a loira na frente de Sophia —
já foi embora?
— Logo depois que você desmaiou. — Benjamin franziu os lábios. —
Seu desmaio deve ter feito o dia dela mais feliz.
— Imagino. — Suspirei, resignada por ter feito papel de idiota na
frente de Rose. — E o envelope?
— Sophia, por que não sobe e busca um agasalho para Bruna? — Ele
se virou e piscou para a filha, que saiu correndo pela escada.
Benjamin aproveitou o momento a sós e se aproximou de mim,
sentando ao meu lado e colocando a mão em meu joelho. Sussurrou baixinho
para que não fosse ouvido pela menina:
— Quando você desmaiou, eu tratei de expulsar a Rose, então Sophia
nem chegou a ver quem era. Eu disse que era engano, ok?
— Benjamin, e o envelope?
— Eu abri. — Ele encolheu os ombros, franzindo a testa. — Tinha uma
fotografia do ultrassom, como ela disse. Sinceramente? Estou melhor do que
imaginei que estaria quando algo do tipo acontecesse. Só irei me considerar
pai depois que o bebê nascer e o exame comprovar minha paternidade.
Escutamos os passos de Sophia pela escada e mudamos de assunto para
que ela não se envolvesse com a história da gravidez. Benjamin ainda não
tinha contado nada e acho que nem deveria contar enquanto não tivesse
certeza que o filho era dele.
— Bruna! — A menina parou diante de nós dois, com as mãos na
cintura, revirando os olhos. — Seu quarto tá uma bagunça. Deus me livre, vê
se arruma aquilo lá!
Estreitei meus olhos e me mexi, ameaçando me levantar para correr
atrás dela, mas Sophia foi mais rápida e saiu em disparada para o sofá,
esparramando-se no centro e pegando o controle remoto.
— Já sei o que vamos assistir! — disse ela, animada demais para meu
gosto. — Alien!
Benjamin lançou um olhar estranho na minha direção, porque ele sabia
que eu era culpada de viciar Sophia nos filmes de terror. Dei um sorrisinho
sem graça e o beijei para que esquecesse de brigar comigo.
•
Passado o Natal, o incidente com Rose foi deixado para trás
propositalmente. Quando Benjamin me mostrou a foto do ultrassom naquele
mesmo dia, eu sequer consegui ver alguma coisa além de um monte de
borrão preto e branco. Parecia uma televisão com interferência quando o gato
na antena dá problema — e não me refiro ao gato animal.
O hotel no Rio de Janeiro estava reservado e depois de encher bastante
a paciência do meu namorado, ele concordou em viajarmos para passarmos o
Ano Novo na cidade, pois queria que ele e Soso conhecessem o réveillon
mais animado do mundo. Benjamin, tinha reservado uma suíte no melhor
hotel de Copacabana, de frente para a praia, de forma que veríamos os fogos
sem precisarmos descer até a multidão.
Antes de viajar, liguei para Jessica, para saber como ela estava e
desejar boas festas, mas minha amiga continuava bem depressiva. A única
notícia boa era que os seus pais estavam vindo passar o Ano Novo com ela
nos Estados Unidos. Fiquei feliz por saber que estaria com a família e fiz
careta ao pensar nos meus próprios pais, que pouco se importavam comigo.
Havia marcado de ir até em casa no dia seguinte ao de nossa chegada, apenas
para fazer uma visita básica e apresentar Benjamin a eles.
Sophia nunca tinha viajado de avião e armou um show quando
decolamos. Disse que ia desmaiar, que estava sentindo palpitações no peito e
se sentia tonta demais. Todos esses problemas, no entanto, passaram assim
que a comissária da primeira classe apareceu com sorvete para mimá-la.
Ao desembarcarmos e pisarmos em solo carioca, respirei o ar da minha
cidade natal. Meus olhos se encheram de água instantaneamente ao perceber
como sentia saudades do meu Rio de Janeiro. Eu era feliz nos Estados
Unidos, ainda mais por ter encontrado o amor da minha vida, mas aquela era
a minha terra, o lugar mais lindo de todos.
Não deixei que Benjamin alugasse um carro porque fiquei com medo
que ele surtasse, afinal, o trânsito com o qual ele estava acostumado era
composto de cidadãos educados e que respeitavam os códigos de trânsito. O
que não condizia com o que acontecia no Brasil. Então o fiz aceitar que era
mais vantajoso andarmos de táxi e no caminho para o hotel, fui tagarelando
enquanto mostrava a orla carioca.
— Estamos perto da casa de seus pais? — perguntou meu namorado,
quando passamos pelo Leblon e eu caí na gargalhada.
— Estamos muito longe — respondi, observando o mar e a praia lotada
em pleno dezembro. — Muito mesmo.
O motorista, com quem eu tinha falado em português quando entramos
no carro, olhou pelo retrovisor e perguntou se eu era brasileira. Respondi que
era carioca com orgulho, mas que agora estava morando na Califórnia.
Quando eu disse que nasci em Madureira, ele abriu um sorrisão e disse que
era de Cascadura.
Pegamos um trânsito chato, engarrafado, mas eu nem podia reclamar,
pois aquela era a desculpa perfeita para observar a praia, a agitação insana do
calçadão, cachorros seguindo os donos sem coleira, turistas de tênis e meia
andando pela areia, mulheres caminhando apenas de biquíni fio-dental sem o
menor pudor, bicicletas, patins, frescobol e futevôlei, garotos com pranchas
debaixo dos braços, areias lotadas de cadeiras e cangas com crianças
correndo e vendedores gritando. Tudo acontecendo ao mesmo tempo numa
sintonia perfeita.
Demoramos mais uns vinte minutos para chegarmos ao nosso hotel.
Levantei a cabeça para olhar o prédio inteiro, com o coração batendo rápido
no peito, pois nunca pensei que algum dia nessa minha vidinha, eu colocaria
meus pés dentro do Copacabana Palace.
Como chegamos cansado por causa da viagem longa, tiramos aquele
dia para ficar pelo hotel e descansar um pouco. Tentamos aproveitar um
pouco a piscina, mas Benjamin e Sophia estavam sofrendo no calor do Rio de
Janeiro e nem aguentaram aquele sol por muito tempo. Voltamos para o
quarto e só saímos de novo à noite para andar no calçadão. Paramos num
restaurante que eu sabia ser muito elogiado e jantamos, por fim, encerramos o
dia tomando água de coco em um quiosque próximo ao hotel.
Fomos logo pela manhã até a casa de meus pais e me surpreendi
quando soube que minha mãe tinha preparado um almoço legal para seu
genro. Meu queixo caiu ainda mais quando ela ficou empolgada ao conhecer
Sophia, tratando a menina como se fosse sua própria neta. Meu pai continuou
sendo o mesmo homem amargo e decepcionante de sempre, mas admito que
minha mãe se esforçou pelos dois. Não sabia dizer se ela agiria da mesma
forma se fosse apenas eu, mas não me importava, desde que tratasse bem
Benjamin e Soso.
Viemos embora logo após o almoço, depois que eu aproveitei para
pegar algumas coisas minhas que não consegui levar na primeira viagem,
pois agora teria espaço de sobra em outras malas. Quando o táxi nos levava
embora, vi a Malu, uma de minhas melhores amigas, andando pela calçada e
pedi para que o carro parasse. Ela quase infartou quando me viu, mas nos
abraçamos e tagarelamos para tentar colocar em dia o assunto de meses,
durante cinco minutos. Acabei tendo que prometer que arrastaria Benjamin e
Sophia ao churrasco na casa do Leandro, no dia primeiro de janeiro. Pensei
que Benjamin fosse reclamar, já que Madureira era bem longe de
Copacabana, mas ele aceitou o convite numa boa, dizendo estar ansioso para
conhecer o famoso churrasco do brasileiro.
Tiramos o resto do dia para fazer passeios turísticos, Sophia estava em
êxtase no bondinho do Pão de Açúcar, enquanto eu nem me aproximava do
vidro, com medo daquele troço despencar lá do alto. Depois, decidi que
deveríamos fechar o dia de turismo aguardando pelo pôr do sol no Arpoador,
para que eles pudessem sentir o gostinho daquele espetáculo. Enquanto ouvia
as pessoas baterem palmas ao nosso redor, uma tradição antiga do carioca,
senti meus olhos úmidos pela emoção. Não havia um motivo específico, mas
me sentia tão grata por tudo que estava acontecendo em minha vida, que me
veio a vontade de chorar.
Benjamin percebeu que eu tinha ficado emotiva e me abraçou por trás,
beijou minha cabeça e Sophia também me agarrou o braço. Voltamos em
seguida para o hotel, todos cansados, e descansamos um pouco em nossas
camas antes de descermos para jantar ali mesmo no Copacabana Palace.
— Bruna, eu amo o Brasil! — Sophia declarou, já deitada em sua
cama, com tanto sono que estava de olhos fechados.
— Eu amo as cariocas. — Quando Benjamin viu meu olhar assassino,
deu uma risada. — Tudo bem, eu amo uma, apenas uma carioca.
Deitei a cabeça no travesseiro, feliz da vida com um sorriso gigante no
rosto. A televisão estava ligada e passava a última novela do dia, e foi
divertido traduzir para eles algumas falas, já que me aproveitei da situação
para criar diálogos absurdos.
•
Se você não curtiu o livro, tudo bem, acontece! Vou torcer para que em
outro momento encontre algum trabalho meu que te conquiste para podermos
mudar essa impressão ruim, ok?
Obrigada!
Agradeço a Deus por me guiar nessa jornada e sempre abençoar meu
trabalho. Minha fé é inabalável e sei que ele sempre prepara meu caminho da
melhor forma possível.
Um “muito obrigada” especial a minha assessoria Damas que
administram minha vida profissional melhor do que eu mesma. Elas ajudaram
a preparar a surpresa para o lançamento e me ajudam todos os dias a dar
conta dessa minha mente doida.
Gratidão por cada calo fofo antigo, lá do tempo do Orkut, que leu a
fanfic, que curtiu, e que sempre torceu para que um dia virasse livro. O tempo
leva e traz as pessoas da nossa vida, mas algumas coisas e momentos vividos
nunca são esquecidos. Eu lembro de cada um que fez parte dessa época. Ah...
CF & MCF pra sempre... rsrs
Minhas meninas do Whatsapp, vocês são maravilhosas! Quando me
perguntam como dou conta de tantos grupos, eu percebo que, na verdade, não
sei viver sem essa loucura de estar perto de vocês. Obrigada pela companhia
todos os dias!
Estou tentando descobrir até hoje. Incrível, não é? Mas a vida é assim
mesmo, uma constante evolução, mudanças e mais mudanças, cicatrizes que
vão formando nossa história e sonhos que vão se renovando.
Eu comecei a escrever em 2008, quando me tornei uma fã obcecada por
Crepúsculo e passei a frequentar muitas comunidades no Orkut. Não
demorou para que decidisse me aventurar pelo universo das fanfics e tomei
coragem para criar as minhas, até que me vi ganhando certa relevância
naquela rede social e me animei a escrever as minhas próprias histórias.
Foi daí que surgiu Fortaleza Negra, o primeiro livro que publiquei por
uma editora tradicional. Inicialmente era para ser uma trilogia e só existia em
formato físico, mas no meio do caminho eu descobri o mundo dos livros
digitais e me apaixonei. Passei algum tempo trabalhando exclusivamente com
literatura fantástica até que decidi me arriscar a caminhar um pouco pelo
mundo dos romances. Foi um caminho sem volta e hoje não me vejo mais
parando de escrever o gênero, apesar de querer muito conciliá-lo com os
demais.
Nasci em 1983, faço aniversário dia 24 de agosto e sou uma virginiana
meio lá meio cá. Sabe? Aquele tipo de pessoa que se adequa pela metade em
seu signo. Por exemplo, sou muito perfeccionista, neurótica com coisas
desalinhadas, cores ou padrões descombinados, excessivamente pontual e
extremamente analítica, meio chata com higiene e racional demais para
relacionamentos. No entanto, você seria capaz de se perder em meu quarto de
tão bagunçado que ele é, minhas roupas estão sempre amarrotadas e sou uma
das maiores procrastinadoras que conheço.
Mas eu sou gente boa, juro que sou. Se me encontrar pessoalmente, não
pense que sou antipática, sou apenas tímida num primeiro momento. Sou
alguém que se for reconhecida na rua, primeiro vai olhar para trás só para
conferir se é comigo que estão falando, depois vai ficar vermelha, e em
seguida vai bater o maior papo com a pessoa. Nas redes sociais tendo a me
soltar muito mais, então não estranhe se você acessar meu Instagram e achar
que sou louca, que ninguém mais ou menos normal pagaria metade dos micos
que eu pago. Sou bem aleatória e posso falar sobre cachorros e gatos, sobre
músicas antigas, mecânica de carro, soltar minha afinação no seu ouvido ou
sei lá, postar uma foto de alguma comida bem gordurosa. E isso tudo pode
acontecer só num único dia. Ou eu posso simplesmente sumir por uma
semana porque deu vontade ou porque estava com a energia baixa. Todos nós
temos os nossos momentos bons e ruins.
Tenho tatuagens, moro no Rio de Janeiro, não sou muito fã de praia,
tenho certeza que sou um unicórnio e nunca passo muito tempo com o
mesmo corte ou cor de cabelo.
Acho que deu para me conhecer um pouquinho, mas se quiser saber
mais, eu estou sempre disponível nas redes sociais. É só clicar e começar a
me seguir!
Um beijo!
•
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NÃO FOI AMOR À PRIMEIRA VISTA
Compre na Amazon (digital)
Sinopse
Aos sete anos, Giovanna Mancini foi apresentada ao homem com quem um dia se
casaria, dezesseis anos mais velho. De uma família tradicional da Sicília, ela crescera sendo
treinada para respeitar e obedecer ao futuro marido. Aos doze, um sentimento novo
começou a brotar no coração da adolescente. Mesmo que ele só a enxergasse como uma
criança boba, ela se sentia apaixonada por aquele que, um dia, seria o chefe da máfia
siciliana. Aos dezessete, a única coisa que desejava era ser livre, principalmente bem longe
do noivo arranjado.
Pietro Fillipo Greco se tornara o chefe dos chefes após a morte do pai. A vida seguia
os passos esperados e, assim que a jovem completasse vinte e um anos, o Don se casaria
com Giovanna. Gostava das mais velhas e experientes, mas conhecia a beleza da jovem e
sua educação exemplar. O que não estava em seus planos foi a ligação que recebeu de sua
mãe, pedindo que resgatasse Giovanna dos problemas em que ela mesma se metia e a
mantivesse sob seus cuidados até o dia do casamento, quando se tornasse maior de idade.
Contrariado em ter que levar uma garota de dezessete anos para dentro de casa e ter que
lidar com a rebeldia dela, Pietro se dá conta de que terá que domar a fera de olhos azuis,
nem que seja a última coisa que faça em vida.
Sinopse
Este livro pode acionar gatilhos emocionais por abordar temas como
estupro, violência e exploração sexual. Conteúdo adulto.
O final da trilogia!
Ela foi criada sob normas rígidas dentro da máfia italiana, para que se tornasse a
esposa perfeita de um Don.
Ela foi subjugada por quem deveria protegê-la e teve seus sonhos de menina
arrancados da alma.
Ela foi testemunha de traições, de atos de tortura, de graves assassinatos.
Ela foi assassina.
Ela foi heroína.
Ela é brava, guerreira, corajosa, sonhadora, apaixonada.
Ela é o centro da sua família.
Ela é justiceira.
Ela é Giovanna Negri Greco. Ou apenas Carabina.
Ela é a DONA da máfia.
Conteúdo adulto.
Não se trata de romance dark.
MINHA PEQUENA MULHER
Volume único
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Compre o exemplar físico
Sinopse
Arthur Salazar é um advogado quarentão que leva seu trabalho muito a sério, vive
quase exclusivamente para isso e não dedica muito tempo da sua vida para relacionamentos
amorosos. Alguém que gosta de ouvir música enquanto toma um vinho na tranquilidade de
seu apartamento. Um homem de coração enorme, marcado por uma perda que jamais vai
esquecer.
Marina Leão é órfã e irmã caçula do melhor amigo de Arthur, que morreu num
acidente de moto e virou o mundo deles de cabeça para baixo. Ela era a "garotinha dos
olhos" dos dois, a princesa do trio, por quem eles dariam a própria vida. Quando Felipe
morreu, o advogado não viu outra solução a não ser deixar a pré-adolescente ir morar com
a tia no Rio de Janeiro, mas alguns anos depois, quando ela se torna maior de idade e
começa a demonstrar atitudes que ele desaprova, Arthur percebe que a decisão de afastá-la
não foi a melhor.
Os dois não poderiam ser mais diferentes. Ele, recluso, sério, fechado. Um homem
perspicaz, de convicções firmes, sócio de uma das maiores firmas de advocacia de São
Paulo. Ela, jovem demais, frequentadora dos bailes funks do Rio de Janeiro, digital
influencer e amante da exposição de imagem.
Voltando atrás na decisão de mantê-la afastada, Arthur traz Marina de volta para ser
criada sob seus cuidados. Ela tenta ignorar seu coração, mas a proximidade entre eles e a
reconquista da intimidade torna a convivência pacífica extremamente difícil. O homem
durão que lida facilmente com criminosos todos os dias está prestes a sofrer nas mãos de
uma morena que sabe bem os poderes que possui.
Eles a tratam como "apenas" uma boa amiga, uma menina de quem eles devem tomar
conta. Porém, tudo muda quando uma proposta indecente (e alcoolizada) surge entre os
três. Será que vale a pena se jogar de cabeça numa situação tão fora dos padrões?
Sinopse
Sinopse
Sarah é uma jovem que gosta de viver a vida intensamente e não costuma se amarrar
a homem nenhum. Michael é um escritor nerd, tímido e dono de livros que se tornaram
best-sellers mundiais. Os dois são melhores amigos, muito íntimos, até dividem o mesmo
apartamento. Mas relação tão sólida e quase fraternal começa a se modificar quando
Michael cria Melanie, a protagonista de seu novo livro, inspirada fisicamente em Sarah.
Não seria nada tão absurdo, se a personagem não fosse uma garota de programa.
Onde acaba a ficção e começa a realidade, nem mesmo Michael consegue controlar,
pois ele descobre não ser fácil manter a tensão sexual apenas dentro das páginas de seu
livro, quando a tentação dorme no quarto ao lado.
• Sedutora Amizade possui uma narração diferenciada. O leitor contará com
capítulos narrados pelos dois amigos e, ainda, por Melanie vivendo sua
própria história dentro do livro.
UM SHOW DE BOLA
Duologia Artilheiros – Volume 1
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Sinopse
Tudo que a carioca Duda Ferrari mais desejava na vida era ser jogadora de futebol e
assinar contrato com um grande clube. De quebra, ela também adoraria conhecer o seu
maior ídolo, aquele por quem era obcecada: o brasileiro Leo Becker, jogador do Barcelona
e um dos melhores do mundo.
Os obstáculos da vida, no entanto, não deixaram que Duda seguisse o sonho de
criança. Foi preciso desistir da carreira como jogadora, mas, em contrapartida, ela passou
por cima de muitos tabus que cercam o mundo do futebol e conseguiu um estágio como
preparadora física no maior clube carioca, o Gladiadores Atlético Clube.
Logo ela descobre que o Barcelona acordou um empréstimo para que Leo Becker
possa jogar por seis meses no Gladiadores e a garota nem consegue acreditar na sorte que
tem. De volta ao Brasil, um dos jogadores mais caros do mundo está prestes a mudar
totalmente a vida de uma fã.
SURPRESAS DO CORAÇÃO
Conto independente
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Sinopse
Após uma temporada de cinco anos em Paris, a carioca Mariana retorna para a casa
dos patrões de seu pai. De volta ao Brasil, ela percebe que é impossível não se apaixonar
pelos dois filhos do casal. Em sua fase adolescente, a menina nutria uma quedinha por
Edgar e Josh, mas agora, adulta, as coisas se tornam muito mais sérias. E para piorar, Mari
também precisa lidar com dois pretendentes que conheceu por um aplicativo de namoro e
que não mandaram suas respectivas fotos para ela.
O destino pode pregar peças em nosso coração quando a gente menos espera. Como
escolher entre o belo e o perfeito? Mari nem imagina as surpresas que a vida - e encontros
às escuras - lhe reserva.
FORTALEZA NEGRA
Série Fortaleza Negra – Volume 1
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Sinopse
Sinopse
Sinopse
Sinopse
Sinopse
Numa pacata cidade dos Estados Unidos, uma jovem universitária descobre que
vampiros não são seres míticos que existem apenas na ficção. Ela se vê envolvida com um
grupo bastante peculiar e percebe que o líder deles, apesar de muito atraente, é um pouco
sádico e sombrio.
Sinopse
Madison engata num namoro com o vampiro Christopher Colt e, aos poucos, vai
descobrindo mais como é se relacionar com um ser imortal com uma rotina tão peculiar
como a dele. Mas nem tudo dá certo em sua vida. A jovem precisa aprender a conviver
com o clã de Christopher e os novos vampiros que chegam à cidade podem atrapalhar o
relacionamento deles. Novos desafios estão em jogo.