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Copyright © 2021 Kel Costa

Capa
Kel Costa

Revisão
Kel Costa e Damas Assessoria

Diagramação
Kel Costa

Texto em conformidade com as normas do novo acordo ortográfico da língua


portuguesa (Decreto Legislativo Nº 54 de 1995).

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de


qualquer forma ou por qualquer meio, mecânico ou eletrônico, incluindo
fotocópia e gravação, sem a expressa permissão da autora. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Não existe clichê maior do que o da babá contratada por um homem
bonito demais, para tomar conta de um filho dele. Eu sei, todo mundo já leu
essa história antes. Eu queria poder dizer que no meu caso tudo aconteceu
diferente, mas a verdade é que fiquei de quatro pelo meu novo chefe assim
que coloquei meus olhos sobre ele.
Se qualquer uma estivesse no meu lugar, certamente faria o mesmo.
Não é nem um pouco fácil resistir a Benjamin Reed, o viúvo moreno, de
olhos verdes, que tem um sorrisinho sacana e covinhas que fazem a boca
formigar de desejo. Isso, aliado ao fato de que Sophia, a filha dele, me ama e
adoraria ter a mim como sua madrasta, torna tudo ainda mais adorável.
Não estava mesmo em meus planos sair do Brasil para trabalhar como
babá em outro país e me apaixonar perdidamente. Também não imaginava
que fosse me tornar cúmplice da criança mais maquiavélica que já conheci.
Eles procuravam uma babá e acharam o caminho para o meu coração.

LIVRO ÚNICO
Algumas pessoas não sabem, mas iniciei meu caminho como escritora
lá em 2008 quando comecei a escrever fanfics. Alguns dos meus trabalhos
publicados, como Um Show de Bola e a série The Colt’s Secret, eram fanfics
dessa época que adaptei para livros. Portanto, vale avisar que PROCURA-
SE UMA BABÁ também foi uma fanfic que finalizei em 2012 e, agora,
estou trazendo para vocês.
A história é a mesma de nove anos atrás, porém, adaptada com a troca
dos nomes dos personagens e uma boa revisão no texto. Ele não chegou a ser
reescrito por inteiro, porque meu objetivo aqui é justamente entregar para o
leitor algo que foi escrito pela Kel de tanto tempo atrás. Foi muito bom poder
revisitar a história e ver como a pegada da comédia já era existente em mim
naquela época, eu só aprimorei com o tempo.
Espero que gostem da história de Bruna, Benjamin e Sophia, e se
divirtam com essa comédia romântica levinha, extremamente clichê e
despretensiosa.
Eu nunca fui muito boa com crianças para lidar pessoalmente com elas,
são frágeis demais e exigem o dobro de cuidado que um adulto necessita. Foi
por isso que não dei muita bola para uma amiga minha que me aconselhou a
trabalhar como babá, quando ouviu meu discurso sobre precisar de grana e
querer mudar minha vida. Eu não tinha me formado ainda na faculdade de
Administração, porque precisei trancar a matrícula por não ter como pagar as
mensalidades depois que a clínica onde eu trabalhava como recepcionista
fechou. Resumindo, estava ferrada! Precisava muito de algo novo, mas cuidar
de criança era o tipo de emprego que eu nunca teria, pois não me sentia
responsável o suficiente para tomar conta do filho de outra pessoa, quando
mal sabia tomar conta de mim!
— Um brinde à viagem da Bruna! — gritou uma das pessoas bêbadas
presente na minha festa de despedida, sete meses depois. Não sabia quem era,
mas a essa altura do campeonato, também já não importava muito.
Voltei a pensar no passado, mais precisamente no dia em que ri na cara
da minha amiga Malu, quando me sugeriu o trabalho. Passados alguns meses,
eu me flagrei navegando em sites sobre o assunto e acabei realmente me
interessando. Descobri o sistema de au pair, que consistia em ser babá em
outro país, morando na casa da família em questão. Apesar de não ser o
emprego mais emocionante do mundo, eu teria hospedagem gratuita em
qualquer lugar do mundo que escolhesse como destino. Estava com vinte e
três anos e nada me prendia no Brasil, nem mesmo meus pais que pouco se
importavam comigo. Essa sim era uma boa forma de mudar de vida!
Bastava me cadastrar num site especializado e procurar por famílias
que estivessem em busca de uma profissional com determinadas
qualificações. E foi assim que tudo aconteceu. Num momento de insanidade e
muita coragem, resolvi fazer um cadastro e alguns dias depois comecei a
receber e-mails. Um deles era de um homem chamado Benjamin Reed.
Era um homem de vinte e sete anos, vivia nos Estados Unidos com
Sophia, sua filha de oito anos, era educado e sucinto em suas mensagens e me
deixou interessada na proposta. Parecia um homem normal, diferente de
alguns dos perfis que me enviaram e-mails desde que me cadastrei. As
informações contidas na página de Benjamin mostravam que a au pair que
fosse trabalhar para ele não teria nenhuma outra responsabilidade além dos
cuidados com a criança, mas tinha me chamado a atenção o fato de ele ser
viúvo, sendo tão novo.
— Ei! — Recebi um beijo de Malu no rosto. — Animada para a
viagem?
— Um pouco. Não sei... Estou tensa, sem saber o que esperar. A
despedida também está me deixando ansiosa.
Convencer meus pais não foi tarefa difícil porque eles estavam longe de
serem os melhores do mundo. Se eu ficasse sumida de casa por uma semana,
talvez então pudessem perceber minha ausência. Ou não. Minha mãe passava
seus dias mais preocupada em paquerar o vizinho quando meu pai não estava
em casa. E o corno, bem... ele realmente não devia se importar com isso, já
que fazia o mesmo – com a mulher do vizinho – quando minha mãe não
estava em casa. Eu? Ah, eu apenas me divertia e ficava na janela do meu
quarto filmando as sacanagens deles para quando precisasse de conteúdo para
alguma chantagem. Infelizmente, esse dia nunca chegou e todas aquelas
horas de filmagens foram em vão. Meu pai quase me agradeceu por eu estar
prestes a sair de casa, pois assim teria uma boca a menos para alimentar. O
dinheiro que ele ganhava era pouco para arcar com as despesas da família e
com o motel dos finais de semana.
— Você tem que prometer pegar um gringo por lá, ok?
— Prometo fazer o melhor possível, mas realmente não estou indo para
outro país com o objetivo de me casar.
— Quem falou em casar? — Malu fez uma careta. — Estava me
referindo apenas a conhecer o tamanho de outras culturas.
Por tamanho, eu sabia exatamente a que ela se referia e não tinha nada
a ver com questões culturais. Considerando que Malu estava um pouco
alegre, nós poderíamos passar horas tendo aquela conversa e eu sabia que
sentiria saudade dela. Sempre fui uma pessoa bastante desapegada, mas
estava me preparando para me afogar em lágrimas quando visse alguma foto
da turma toda junta. Meus amigos eram a única parte boa da minha vida.
Quando chegou o dia da viagem, os ânimos estavam renovados e eu,
muito animada. Estava indo para um lugar diferente morar com pessoas que
não conhecia e que podiam ser insuportáveis? Sim, mas tentava não pensar
no lado negativo do cenário, porque também podia ser uma experiência
incrível. Benjamin era viúvo, o que significa que eu não teria nenhuma
madame de nariz em pé seguindo meus passos pela casa e com ciúmes do
marido. Além disso, ele era rico. Muito rico. Morava em Malibu, na
Califórnia, e pela foto que eu vi da casa, era aquele tipo de mansão que fica
de frente para a praia. Para uma carioca que ama o mar, não há nada melhor
que isso.
— Bem-vindos ao Aeroporto Internacional de Los Angeles! — disse a
mulher no alto-falante.
Eu agradeci por todos os anos da minha adolescência em que fiquei
vendo filmes e seriados sem legenda para me forçar a aprender inglês
sozinha. Quando cresci mais um pouco, consegui trabalhar e pagar um curso
de idiomas com bolsa de cinquenta por cento, mas ele serviu apenas para
aprimoramento.
Respirei fundo e saí com minha bagagem, procurando pelo meu futuro
patrão, que me buscaria no aeroporto. O desembarque estava lotado, muita
gente parecia tão perdida quanto eu, que não sabia se cuidava para não passar
com o carrinho das bagagens por cima do pé de alguém ou observava aquelas
plaquinhas onde escreviam o nome de quem estava sendo aguardado.
Finalmente, numa dessas placas, eu vi o meu nome.
— Olá! — Apressei-me em cumprimentar o homem que não podia ser
meu chefe, porque não se parecia em nada com Sophia.
— Boa tarde, senhorita Brito. Sou Theo e trabalho na empresa do Sr.
Reed. Ele pediu que a buscasse hoje.
— Prazer, Theo — falei e sorri quando ele pegou o carrinho. —
Obrigada.
O homem me indicou uma direção que nos levou direto ao
estacionamento e não me surpreendi quando vi o carro preto chique, porque
já estava preparada para aquelas coisas bonitas de rico. Esperei que o
motorista simpático guardasse minha bagagem e logo seguimos viagem.
— O Senhor Reed pediu que eu me desculpasse em nome dele. Ele
gostaria de ter vindo pessoalmente, mas o trabalho sempre toma todo seu
tempo.
— O que exatamente o Sr. Reed faz?
— Bolsa de valores — respondeu, sucinto.
Logo entendi o motivo da ausência do meu novo patrão. A pessoa que
trabalha com investimentos nunca tem tempo para nada e acaba morrendo
cedo de tanto estresse acumulado. Dava dinheiro, mas dava estresse na
mesma proporção.
Durante o caminho eu acabei pedindo para Theo desligar o ar-
condicionado e abaixei o vidro da janela. A paisagem era maravilhosa com
todas aquelas mansões que a gente só via em filme e que eu ainda custava a
acreditar que estava vendo pessoalmente. Queria conhecer os lugares, a
cidade, a rotina de todos, e também ansiava em chegar e conhecer Sophia.
— O Sr. Reed... Ele se dá bem com a filha, certo?
— Sim, muito bem. Ele é louco pela Sophia. — Vi Theo sorrir pelo
espelho retrovisor. — Sabe, eles ficaram mais unidos depois do que
aconteceu...
Ele provavelmente estava se referindo à morte da Sra. Reed. Minha
língua coçou para perguntar como tinha sido, mas Theo parecia ter
adivinhado.
— Câncer no pulmão — explicou. — Faleceu há dois anos.
— Que triste.
— Foi bastante. A menina Sophia entrou em choque e hoje ela é meio
arredia com as pessoas. É um custo para o Sr. Reed fazê-la falar.
Como assim? Ninguém tinha me informado sobre esse pequeno
probleminha. Ela não... falava? Como iríamos nos comunicar? Por mímica?
Nem preciso dizer que entrei em pânico, né? Eu estava num país
desconhecido, falando uma língua que não dominava totalmente, cuidando de
um ser humano com o qual nunca tive experiência e ainda por cima, teria que
praticar linguagem de sinais!
— Mas Sophia é um doce, fique tranquila.
Eu tinha quase certeza de que Theo era médium. Ou pelo menos lia o
pensamento dos outros. Só consegui devolver o sorriso que ele dirigia a mim,
sentindo meu coração acelerado, com medo de ter me colocado numa
enrascada. Eu não queria lidar com uma criança traumatizada, não tinha
qualificação para isso.
O carro diminuiu de velocidade e quando percebi, estacionamos diante
de uma residência linda, toda branca que me lembrava casa de boneca,
daquele tipo muito tradicional e clássica.
— Chegamos, senhorita — avisou Theo, como se não fosse óbvio. —
Logo levarei toda a sua bagagem. Fique à vontade enquanto isso.
— Obrigada.
Eu saí do carro, olhando em volta, maravilhada com o lugar e o clima
gostoso. Seria fácil demais morar naquele luxo e eu ainda receberia por isso,
era inacreditável que pudesse existir algo tão bom assim.
Entrei em casa, babando pelos móveis e pela decoração da residência
luxuosa e logo meus olhos encontraram uma menina sentada num degrau da
escada. Ela segurava uma boneca, deixando a pobre criatura com a cabeça
para baixo.
— Oi. — Acenei e sorri para ela. — Tão bonita assim, só pode ser a
Sophia.
Eu achava o quê? Que a menina se jogaria nos meus braços? Sophia
apenas se levantou e subiu correndo, deixando que todos escutassem o
barulho de alguma porta batendo com força no andar superior. Fiquei parada
ali na frente da escada, balançando minhas mãos e assobiando. Grande
começo, Bruna!
A porta atrás de mim se fechou quando Theo entrou com minhas malas
e ele sorriu, passando a mão pela cabeça.
— Já viu Sophia?
— Sim, eu vi.
— Ela fugiu, né? — Assenti, frustrada.
Apertei a mão que ele esticou para mim ao se despedir, com força
demais em meus dedinhos e, quando me vi sozinha na sala, minhas pernas
começaram a tremer. Será que eu era a única adulta naquela casa e seria
deixada a sós, antes mesmo de receber um manual de instruções sobre a
criança?
Respirei fundo, contei até dez, ajeitei o cabelo atrás das orelhas e decidi
fazer um reconhecimento pela residência. Comecei pela grande sala de estar,
com sofás de suede cinza e tapetes felpudos. Reparei na estante com vários
porta-retratos e em quase todas as fotografias era possível ver a família
reunida. Sophia sempre sorridente e idêntica a uma mulher presente nas fotos,
que provavelmente era sua mãe, com cabelo castanho iluminado, olhos
escuros e um... Puta que pariu! Aquele era o Sr. Reed? O meu chefe? Olhei as
outras fotos e identifiquei o mesmo homem em todas. Eu trabalharia para um
homem que parece avatar de livros eróticos?
— Boa tarde.
Dei um pulo com a voz atrás de mim e encarei uma mulher na faixa dos
cinquenta anos. Ela vestia um avental preto e usava uma touca na cabeça,
então presumi que fosse cozinheira.
— Oi, boa tarde. — Sorri, esticando minha mão. — Sou Bruna, a au
pair.
— Sim, eu sei. — A mulher me cumprimentou sem tocar em mim. —
Sou Abigail, a governanta e cozinheira. O Sr. Reed me avisou apenas ontem
sobre a sua chegada e me deixou responsável em fazer as recomendações
mais importantes.
Ela falava rápido demais e eu quase tive uma síncope de tão nervosa
que estava, sofrendo para acompanhar e entender tudo o que tinha dito. Não
era tão fluente a esse ponto e sabia que as primeiras semanas seriam de muita
luta para entender e me fazer ser entendida por todos.
— O Sr. Reed... — pigarreei, sem graça. — Ele por acaso é esse da
foto?
— O próprio.
Por Deus, eu não posso ter nascido assim tão sortuda. Posso?
Fiquei mais um tempinho admirando as fotografias e notei no final, que
o Sr. Reed só tinha fotos com a esposa. Só que de acordo com o Theo, ele
estava viúvo há dois anos, então isso devia significar que ainda estava de luto
ou que não tinha se envolvido com ninguém ao ponto de tirar novas fotos.
— Posso levá-la para conhecer a casa? — perguntou Abigail. — Ainda
tenho algumas coisas para fazer na cozinha.
— Oh sim, claro. Me desculpe, só estou empolgada com tudo isso.
Ela não deu nenhum sorriso, não podia dizer que era uma pessoa muito
simpática. Eu nem a julgava, afinal, tinha acabado de me conhecer e não
esperava que me tratasse como uma amiga. Torcia que isso acontecesse em
algum momento, claro, porque acho que seria interessante ter um bom
relacionamento com os funcionários, mas tudo no seu devido tempo.
Segui Abigail pela residência, ouvindo atentamente a informação sobre
cada cômodo. Nunca na vida achei que passaria por algo do tipo, precisando
decorar onde ficava cada coisa, já que no Brasil eu morava numa casa de dois
quartos, com uma única sala onde ficava o sofá, a televisão e a mesa de três
lugares — a quarta cadeira não existia porque não cabia no espaço. Subimos
para o segundo andar e fui guiada até aquele que seria o meu quarto. Fiquei
espantada com o tamanho dele e a decoração aconchegante em tons de cinza
e branco, quando na verdade, estava esperando que me colocassem num
quartinho simples de empregada.
— Onde fica o quarto de Sophia? — perguntei para a Abigail.
— Duas portas depois do seu.
— Obrigada. Eu irei até lá daqui a pouco. — Encolhi os ombros e sorri.
— Acho que ela não gostou de mim.
A mulher estalou a língua e balançou a cabeça como se eu estivesse
enganada.
— Sophia é Sophia.
Muito acolhedor e explicativo. Assenti, tentando entender o que
significava aquela resposta. Sabia que não seria uma adaptação fácil,
compreendia tudo pelo qual a criança passou. Câncer era uma doença que
desgastava não só a pessoa enferma, mas todos os familiares, e o final não era
nada bonito. Por mais que eu e meus pais não fôssemos um exemplo de
família unida, não conseguia sequer pensar como teria sido se eu tivesse
perdido minha mãe com a idade de Sophia. Seria devastador.
— O Sr. Reed sempre promete chegar em casa por volta das 18 horas,
mas na maioria das vezes ele se atrasa. Não conte com isso.
— Desculpa — pedi, sem graça. — Não entendi a última frase. Poderia
repetir?
A mulher me encarou por alguns segundos e eu tenho certeza que a vi
suspirar.
— Eu disse para não contar que ele chegue na hora que avisou.
— Ah! Certo, obrigada.
— Ele pediu também para que você me dissesse o que gosta ou não de
comer — disse ela, dessa vez muito devagar, quase soletrando cada palavra.
— Já que sou eu quem cozinho, é bom saber de uma vez.
Eu me senti estranha com aquilo. Estava acostumada a ouvir de minha
mãe coisas do tipo “não reclama e come porque é o que nós temos” e então,
de repente, tinha uma pessoa preocupada com o que eu gostava de comer.
— Acho que gosto de tudo — respondi com sinceridade. — Exceto
alguns legumes.
Ela saiu do quarto sem se despedir, me deixando a sós. Procurei
desfazer minhas malas para aproveitar a empolgação e quando terminei de
colocar tudo nos seus devidos lugares, respirei fundo e fui em direção ao
amplo corredor. Parei em frente àquela porta branca com frisos em tons de
rosa e bati levemente. Sophia não respondeu, mas mesmo assim eu abri e dei
uma olhada para dentro do quarto. A menina estava sentada no chão, sobre
um tapete felpudo branco e olhava fixamente para um brinquedo.
— Posso entrar?
Perguntei e esperei por uma resposta, mas então a minha ficha caiu e
lembrei que eu era a babá. Uma criança de oito anos não podia mandar em
mim e eu precisaria impor minha presença. Certo? Ah, meu Deus, espero que
esteja raciocinando do jeito certo...
Como Sophia não respondeu, eu entrei e fechei a porta, aproximando-
me dela. A menina estava sentada diante de um jogo de xícaras de plástico,
mas não do tipo que eu brincava quando era criança. Esse era todo de
acrílico, muito chique, com desenhos em dourado. Parei para observar
enquanto ela fingia tomar o chá e pensei se Sophia ainda tinha idade para
brincar com aquilo. Não me lembrava quantos anos eu tinha quando fazia
exatamente a mesma coisa.
— Nossa, estou com vontade de tomar um chá... — murmurei,
sentando-me e apoiando as mãos nas coxas ao dobrar minhas pernas da
mesma forma que as da menina.
Peguei uma das xícaras, morrendo de medo que Sophia começasse a
gritar para me expulsar de seu quarto.
— Posso tomar um pouco? — perguntei com a voz mais doce que
consegui fazer.
Ao contrário do que pensei, a criança não fez nada a não ser levantar os
olhos para mim e balançar uma vez a cabeça. Ela disse sim! E eu nem
esperava sua próxima reação, pois pareceu ter se empolgado e começou a
arrumar no pires uma massinha cor de chocolate, que logo me serviu.
— Isso é para mim? — perguntei, sem saber se ela esperava mesmo
que eu comesse. — Você quer que eu... coma?
A menina balançou a cabeça. Ah, que gracinha. Mas não como mesmo!
Para meu desespero, ela arrancou um pedaço da gororoba e o levou até a
boca.
— Não! Não pode comer isso! — Eu quase me joguei em cima da
criança para evitar a desgraça e segurei sua mão.
Pensei logo na desgraça que seria se ela sofresse intoxicação alimentar
logo no meu primeiro dia. Consegui afastar sua mão da boca sem precisar
empregar força no gesto, mas percebi que eu estava sendo feita de palhaça
quando ela começou a gargalhar bem na minha cara.
— Ela te pegou, né? Sophia sempre faz isso com todo mundo.
Entrei em pânico quando olhei na direção da porta e vi meu chefe
encostado nela, afrouxando a gravata. Tratei de levantar e ajeitar o cabelo,
enquanto ele entrava no quarto com toda aquela potência máxima. Olhos
muito verdes, cabelo escuro, rosto másculo e quadrado e ombros largos.
Sophia parecia nem ser a mesma criança que eu conhecera há poucas
horas, pois ela levantou e saiu correndo até o pai, que agachou um pouco para
pegá-la no colo. Eles com certeza ficavam lindos juntos.
— Como foi seu dia, princesa? Foi bom? — Ela balançou a cabeça e
sorriu para ele. — Termine de brincar então, enquanto o papai toma um
banho, ok?
O Sr. Reed a colocou no chão novamente, mas antes deu-lhe um beijo
na testa. Sophia voltou para sua xícara e ele me olhou, fazendo um gesto com
a cabeça na direção da porta, para que eu o acompanhasse.
— Por favor, Senhorita Brito.
Eu iria sem esforço algum atrás dele, pois Benjamin Reed era ainda
mais bonito pessoalmente. Estava nas nuvens, encantada, porque não
costumava ver homem bonito tão de perto. Até de costas ele era imponente e
se eu continuasse desse jeito, seria demitida por justa causa em menos de
uma semana.
Nós saímos do quarto de Sophia e o segui pelo corredor, em direção à
última porta, que talvez fosse o quarto dele.
— Fez boa viagem?
— Sim, eu fiz.
— O que achou de Sophia? — perguntou ao virar de frente para mim,
encarando-me de forma curiosa.
— Eu não conversei com ela e o senhor já deve saber, mas...
— Não precisa me chamar assim. Apenas Benjamin basta.
Meu sorriso saiu um pouco sem graça, mas balancei a cabeça para
mostrar que tinha entendido.
— Não chamarei mais.
— Ótimo. E sim, Sophia tem dificuldade de se comunicar desde que
minha esposa, Sarah, faleceu. O psicólogo diz que é um método de proteção,
como um escudo. Ela se fecha no casulo dela e se acha segura ali dentro.
— Entendi e não me surpreendo. Deve ter sido muito difícil passar por
tudo ainda tão nova. Mas ela me pareceu uma criança muito tranquila, eu
nem vi a hora passar enquanto estava no quarto.
Benjamin sorriu e pareceu muito orgulhoso com o que tinha acabado de
ouvir sobre a filha. Então, ele passou a mão pelos cabelos e meus olhos muito
ágeis seguiram o movimento com afinco, observando cada mínimo detalhe.
Cheguei a sentir os joelhos ficarem bambos e a boca secar enquanto meu
cérebro processava a informação sobre o quanto meu chefe era altamente
beijável.
— Bruna?
— Oi! — respondi, assustada, como se ele pudesse adivinhar o que eu
estava pensando.
— Eu disse que nos vemos mais tarde, no jantar.
Pisquei e balancei a cabeça, ou melhor, sacudi, chocada por mal ter
passado quinze minutos diante do homem e já estar passando vexame. Dei
um sorriso sem graça e me retirei para meu quarto, com vontade de bater a
cabeça na parede. Precisava causar uma boa primeira impressão, não ficar
parecendo alguém que precisa de babá tanto quanto a filha dele.
Como ninguém me falou exatamente qual era o horário em que o jantar
seria servido, resolvi descer logo após tomar um banho e me arrumar de um
jeito sóbrio. A fragrância de algum molho de ervas invadiu minhas narinas
assim que passei pela sala de jantar, mas me dirigi direto até onde vi que o Sr.
Reed e Sophia estavam. Encontrei pai e filha deitados no sofá, enquanto meu
chefe lia um livro infantil para a criança.
— Boa noite — cumprimentei, controlando a vontade de ajeitar o
cabelo. — Precisam de alguma coisa?
— Está tudo bem, Bruna — respondeu ele. — Obrigado. O jantar será
servido a qualquer momento.
— Sim, tudo bem. Eu estarei na cozinha se precisarem de mim.
— Não, jante conosco — pediu o homem, me pegando de surpresa. —
Sempre preferi que nossas au pairs se sentissem como se fossem da família.
Encarei os dois sem demonstrar o choque que senti e ambos sorriram
para mim. Quem recusaria um pedido que nem esse? Eu me sentei na
poltrona no canto da sala e fingi estar muito ocupada com meu celular, para
não demonstrar que estava muito sem graça por ter sido incluída na mesa da
família.
Durante o jantar eu permaneci em silêncio e sem saber o que conversar
até que o celular do meu patrão tocou e ele atendeu, falando comigo ao
mesmo tempo e muito rápido.
— Desculpe... — pedi, querendo me enfiar embaixo da mesa. — Eu
não entendi.
Eu tinha colocado em meu perfil do site que não falava um inglês tão
fluente e torci para que ele não tivesse achado que aquilo era só brincadeira.
Eu realmente boiava com algumas expressões ou quando falavam rápido
demais. Sr. Reed... ou Benjamin, como ele prefere, me olhou e franziu a testa
ao mesmo tempo em que se levantava da cadeira.
— Só pedi licença para atender essa ligação. Já volto.
Dei um sorriso forçado por me sentir uma idiota. Como era possível eu
não ter entendido uma frase tão banal? Seria preciso ficar mais atenta para
não dar outro mole como aquele. Balancei a cabeça ao falar sozinha por
pensamentos e depois notei a forma como Sophia ficou acompanhando os
movimentos do pai enquanto ele saía da sala de jantar. Foi visível a expressão
frustrada que se formou no rostinho dela conforme ele se afastava e eu pensei
em algo para distrair a criança.
— Sophia, você já fez montanha de arroz? — perguntei.
A menina me olhou sem entender e eu comecei a brincar com minha
comida, ciente de que ela estava curiosa. Segundos depois Sophia começou a
me imitar, colocando o arroz empilhado de um lado do prato, até que a
cozinheira apareceu na sala.
— O que você está fazendo? Ensinando-a a brincar com a comida?
— É! — respondi, aumentando minha montanha. — Legal, não?
— Não.
Levantei os olhos para a mulher, que me encarava como se fizesse parte
de um esquadrão de fuzilamento. Larguei meu garfo rapidinho e abaixei a
mão de Sophia para que fizesse o mesmo. Abigail logo saiu da sala e eu torci
para que já tivesse dado a hora do fim de seu expediente.
— Ela é sempre tão simpática assim? — perguntei, sussurrando no
ouvido de Sophia, que riu e balançou a cabeça afirmativamente.
Quando eu soltei sua mão, ela voltou a fazer o montinho do jeito que eu
tinha mostrado. Alisei o cabelo macio dela, igual os adultos costumam fazer
com as crianças e me senti a verdadeira adulta. Talvez eu pudesse mesmo ser
uma boa babá, podia ser um talento que tinha ficado escondido até agora.
Fazia eu me sentir importante...
— Sophia, não brinque com a comida. — Ouvi a voz de Benjamin atrás
de nós.
Porra, até ele? Baixei novamente a mão da menina quando o pai dela
voltou para seu lugar e sorri para ele.
— Ela inventou de ficar fazendo isso — menti, revirando os olhos. —
Mania de criança mesmo, não é? Uma fofa!
Ah, meu Deus, que Sophia me perdoasse. Ou raspasse minha cabeça.
Mas não podia confessar ao patrão que tinha me conhecido naquele dia, que a
ideia da montanha de arroz partiu de mim. Aproveitei que Benjamin não
estava nos olhando e sorri para a menina. Será que ela entendia linguagem
labial? Arrisquei e mexi minha boca dizendo que aquele seria o nosso
segredo.
— Então, Bruna, pretende fazer algum curso na cidade? — perguntou o
Sr. Reed. — Gostaria que me informasse o quanto antes para que possamos
montar sua rotina com a Sophia, ok?
— Sim, claro. Amanhã mesmo eu devo sair para resolver isso.
Benjamin assentiu com um sorriso simpático e eu voltei a comer. Em
minha ficha no site de au pairs eu tinha deixado especificado o desejo de
fazer um curso de inglês avançado nos meus horários livres, então precisaria
dar continuidade ao processo que eu já tinha iniciado ainda no Brasil.
Como Sophia mais enrolava do que comia e eu tinha colocado pouca
coisa no prato, por vergonha de parecer muito esfomeada, fui a primeira a
terminar. Não tinha o costume de fazer refeições na mesa com minha família,
então não sabia se era educado me levantar, portanto, fiquei em silêncio,
encarando os talheres e pensando se deveria pegar o celular à mesa.
— Bruna? — Benjamin me chamou.
— Sim?
Aqueles olhos não deviam encarar ninguém tão profundamente.
Deixava qualquer mulher tonta.
— Se já terminou não precisa ficar aqui — disse ele. — Quando eu
estiver em casa, Sophia estará aos meus cuidados, não se preocupe.
Feliz por ter sido dispensada, pedi licença e me retirei, indo direto para
meu quarto, terminar minhas arrumações. Precisava admitir que acabei
pensando em Sophia diversas vezes, sem saber se ela estava mesmo sob o
olhar do pai ou se ele já estava novamente com o celular pendurado na orelha
enquanto a criança se afogava na piscina. Que por sinal, era divina.
Já era bem tarde quando saí do quarto, de banho tomado e com vontade
de me enfiar dentro de um pijama confortável e me jogar na cama. A viagem
e o dia tinham sido cansativos, mas antes de fazer isso, resolvi ir até a
cozinha para beber água. Quando estava voltando, ao passar pela sala, dei de
cara com meu patrão, apenas de sunga, com uma toalha branca ao redor do
pescoço.
Pensa rápido, pensa rápido! Pensa, pensa! Uau, que abdômen!
— Eu... Eu... — pigarreei. — Sede!
Pior impossível. Benjamin me observou, franzindo a testa e
considerando ter contratado uma maluca para tomar conta da filha.
— O quê?
— Eu tive água! — respondi com pressa. — Quer dizer, eu tive sede.
Isso... E vim beber água.
Eu tinha dois segundos para dar o fora dali antes que piorasse ainda
mais a minha situação e acabasse olhando para onde não devia olhar. Passei
pelo meu patrão, sem olhar nem mesmo para o lado e subi a escada, sentindo
o coração acelerado.
Aquele era apenas o primeiro dia e eu me sentia abobalhada toda vez
que encarava a beleza daquele homem. Como sobreviveria pelos próximos
meses? E o que diabos ele estava fazendo de sunga tão tarde? O relógio de
cabeceira mostrava que era quase meia-noite. Será que ele gostava de nadar
de noite? Talvez para relaxar na piscina enorme e de águas iluminadas?
Sentei-me na cama e peguei o papel com os horários de Sophia na
escola, decorando enquanto o sono não chegava.
Sabe quando você está dormindo e sente que tem alguém por perto
observando? Eu não sabia explicar direito, mas tive essa impressão, que acho
que foi justamente o que me fez acordar. Quando abri meus olhos, vi Sophia
sentada bem ao meu lado.
— Sophia? Como você entrou aqui? — perguntei e ela apontou para a
porta. Oh, jura?
Enquanto a menina me olhava esperando por alguma reação minha, eu
procurei pelo despertador e quase torci o pé com o pulo que dei da cama.
Como era possível ter perdido a hora no primeiro dia que levaria Sophia para
a escola?
Saí tropeçando em meus próprios pés e peguei a folha com o horário
dela que eu tinha deixado em cima da mesinha. Eu tinha menos de meia hora
para me arrumar, alimentar a criança e chegar sã e salva na porta do colégio.
— Sophia, vá se arrumar! — pedi. — Nós estamos atrasadas!
Era sacanagem de minha parte falar aquilo para ela, pois a única
atrasada ali era eu, mas foi preciso apressá-la daquele jeito. A pimpolha saiu
em silêncio do quarto e foi fazer o que eu mandei, conseguindo estar pronta
antes de mim. Eu ainda nem tinha escovado os dentes e penteado os cabelos,
mas podia deixar isso para depois.
Cheguei que nem um furacão na cozinha, procurando algo para dar de
comer à criança, já que não vi Abigail por perto. Não sabia ainda como era a
rotina alimentar de Sophia, então abri direto a geladeira para olhar o que tinha
disponível.
— Você gosta de leite? Quem não gosta de leite? — Sorri para ela. —
Vamos tomar leite então!
Na pressa, peguei a primeira coisa que vi pela frente, ou seja,
improvisei a bebida numa taça de cristal. Esperava pelo menos que ninguém
ficasse sabendo da minha enrolação, mas eu não queria mesmo que ela
chegasse atrasada no meu primeiro dia. Sophia bebeu o leite enquanto eu
segurava suas duas mãos para evitar que deixasse a taça cair e finalmente
quando terminou — foi meio lenta, devo dizer — eu a fiz levantar rapidinho
e a tirei de casa.
Ainda olhei para um dos carros que estava parado na garagem e me
amaldiçoei por nunca ter tirado a maldita carteira de motorista. Se eu tivesse
feito isso, não precisaria ir a pé com Sophia para a escola, que até ficava
razoavelmente perto — se não fosse o fato de estarmos atrasadas.
— Me diz, Sophia... Você acha que seu pai ficaria chateado se eu
pegasse o carro?
Ela balançou a cabeça negativamente. Criança é tudo inocente mesmo,
né? E eu juro que realmente cogitei a hipótese de sair dirigindo sem
habilitação, mas não achava que seria liberada facilmente se a polícia me
parasse. Portanto, ajeitei a roupa da menina e sorri para ela.
— Sabia que lá onde eu cresci as crianças costumam apostar corrida
para ver quem é mais rápido e chega primeiro na escola? — Ajeitei a mochila
dela em seus ombros e peguei a lancheira para carregar. — Então... Força
nessas canelas, Sophia!
Um dia eu seria castigada por tudo aquilo, com certeza! Peguei na mão
da menina e comecei a correr pela calçada arborizada, torcendo para que ela
fosse uma criança resistente. A lancheira fazia barulho e sacudia enquanto
corríamos como duas malucas e, por incrível que pareça, eu parecia mais
cansada do que ela quando chegamos na esquina do complexo escolar.
— Oh meu pai! — gemi, com as mãos nos joelhos. — Estou morrendo!
Sophia me abanou enquanto eu tentava não desmaiar, recuperando meu
fôlego e sentindo o coração acelerado. Quando me senti mais disposta, eu me
despedi dela e esperei até que entrasse num dos prédios e acenasse para mim.
Procurei me recompor quando percebi alguns olhares assustados por
parte de outras mulheres. Provavelmente deviam estar pensando por que eu
sequer tinha penteado o cabelo antes de sair de casa. Ou talvez fosse pelo
meu rosto que devia estar vermelho como um pimentão depois de toda aquela
atividade física. Minha aparência devia estar algo de outro mundo mesmo.
— Ei, você está bem?
— Claro!
Sorri para o rapaz moreno que parecia preocupado comigo — ou com o
bem-estar das pessoas ao nosso redor. Ele era um pouco mais alto do que eu e
tinha cabelos pretos arrepiados. Bonito, mas daquele jeito que também parece
um pouco entediante.
— Parecia que você estava prestes a desmaiar — comentou ele,
prendendo o riso e estreitando os olhos para mim.
— Sério? Que nada! — Abanei a mão, fingindo naturalidade. — Estava
apenas exercitando meus joelhos. Flexioná-los faz bem para as articulações.
— Entendo — respondeu, dessa vez sem conseguir evitar rir.
Quem ele achava que era para achar graça de mim? Einstein? O moço
prodígio esticou a mão para me cumprimentar e eu retribuí o gesto
educadamente.
— Sou Joseph, dou aulas aqui. Você é...?
— Bruna — respondi.
E parei aí mesmo. Nada de dizer meu sobrenome. O cara era
professor... Já bastava ficar babando pelo meu chefe, não precisava também
me interessar por um dos funcionários do colégio de Sophia.
Encarei Joseph, esperando que ele se tocasse que devia ir dar suas aulas
e parar de me secar. Ele, no entanto, não parecia ter notado a minha intenção
e continuou falando.
— Não tem sobrenome? — insistiu justamente no assunto que eu tentei
evitar.
— Tenho sim! — Abri um sorriso bem exagerado e ele pigarreou um
pouco sem graça.
— Ok, Bruna. Espero que fique bem... Você está realmente muito
vermelha.
Lógico que eu estava! Maldita corrida! Passei a mão em meus cabelos
para tentar domar o ninho de passarinho e parei numa posição meio sexy.
Pelo menos eu esperava que fosse.
— Minha pele é muito delicada, então quando me exponho muito ao
sol, fico desse jeito.
O professor continuou me encarando e me deixando nervosa, porque
não podia negar que ele era bonito. Quando eu percebi que já começava a
ficar constrangedor demais para nós dois, estiquei minha mão para acabar
com aquilo logo.
— Tenho que ir — avisei. — Foi um prazer, Joseph.
— Igualmente. — Ele apertou com força suficiente para mostrar sua
masculinidade.
Saí rápido da situação embaraçosa e voltei para casa, caminhando
devagar dessa vez e aproveitando o ventinho da rua arborizada. Era realmente
muito vantajoso que Sophia estudasse tão perto de casa, uma região muito
bem localizada, provavelmente reduto apenas de famílias muito ricas. Teria
sido uma manhã tranquila se eu não tivesse me atrasado e precisado correr
pelas ruas.
Ao chegar em casa, percebi que não tinha muito o que fazer por lá
enquanto Sophia estivesse no colégio. A empregada carrancuda que devia ter
chegado enquanto eu estava fora, não ia muito com a minha cara, então nem
adiantava tentar fazer amizade com ela. Enrolei bastante em meu quarto,
arrumando o armário umas três vezes só para que as horas passassem mais
rápido. Quando já não aguentava mais ficar trancada ali, resolvi descer e
socializar um pouco e encontrei Abigail na cozinha.
— Bom dia — disse ao me aproximar. — Como você está hoje?
Ela estava de costas para mim, lavando louça na pia e se virou
rapidamente para me olhar com sua cara azeda.
— Quer alguma coisa? — perguntou.
— Nada específico. — Encolhi os ombros e suspirei. — O que tem de
bom para fazer pelo bairro?
— Não tenho tempo para lazer.
Curta e grossa, ela voltou sua atenção para a louça e me deixou ali,
embasbacada. Agradeci com um sorriso silencioso e dei alguns passos para
trás até estar longe o suficiente da cozinheira, sua cara de psicopata não me
agradava. Ao voltar para a sala de estar, bati os olhos numa foto de Sophia
dentro da piscina e senti o estalo em minha mente. Não havia cláusula
nenhuma sobre não poder usar a piscina da residência. Aliás, eu sabia
perfeitamente que quando Sophia não estivesse em casa, sob os meus
cuidados, eu podia fazer o que quisesse para passar o tempo. Usufruir da
piscina devia estar incluído nisso, certo? Sabia que a cozinheira ranzinza não
iria me responder caso eu perguntasse, então subi para o quarto e peguei um
dos biquínis que tive a brilhante ideia de colocar na mala. Não era um modelo
comportado para os padrões americanos, mas... quem se importa? Não tinha
ninguém em casa para ver minha bunda, além de Abigail.
— Vai sair? — perguntou a simpatia em pessoa quando me viu
descendo a escada apenas com uma saída de praia cobrindo o biquíni.
— Vou tomar um banho de piscina. Estou com tempo livre.
— Vai querer que chame quando o almoço estiver pronto?
Meu Deus, por que aquela mulher só me olhava daquele jeito estranho
como se quisesse me afogar?
— Por favor, me chame — pedi, sorrindo para evitar ser assassinada.
— Não vou ficar gritando — avisou quando passei por ela.
Talvez o azedume não fosse apenas direcionado a mim, talvez ela fosse
uma pessoa naturalmente carrancuda. Lembraria de começar a reparar em sua
interação com Sophia e o Sr. Reed. E também tentaria descobrir se minha
adorável e simpática amiga cozinheira tinha algum namorado. Se ela fosse
solteira, podia ser uma boa ideia encontrar uma pessoa bacana para
transformá-la em alguém mais feliz.
Cheguei na parte externa que ficava atrás da casa e exibia uma
estonteante e atraente piscina de água azul cristalina. O calor que estava
fazendo só me dava mais vontade de entrar ali dentro e virar peixe. Tirei a
roupa e pulei na água gelada, que parecia percorrer todos os meus músculos e
fazê-los relaxar. O bairro era tranquilo e a casa silenciosa, o que me
proporcionava uma calmaria perfeita.
Depois de nadar um pouco, deitei na beira da piscina, sobre a pedra
molhada e fechei os olhos por um momento. Talvez tenha dormido, não sabia
ao certo, mas quando acordei, o sol já tinha mudado de posição e eu sentia o
cheiro inebriante da comida. Abigail com certeza já devia ter preparado o
almoço há tempos e não me chamou. Se dependesse dela, eu provavelmente
teria dormido ali na piscina até a hora do jantar.
— O almoço está servido...
Meu susto com a voz masculina atrás de mim foi tão grande que rolei
para o lado e caí na piscina, bebendo um pouco d’água e sentindo mais um
pouco entrar pelo nariz. Quando voltei à tona, pude ver o rosto do meu
patrão, agachado com uma expressão preocupada. O que diabos ele estava
fazendo em casa?
— Você está bem? — perguntou.
O Sr. Reed esticou uma mão e eu a segurei sem pensar duas vezes.
Estava chocada demais para raciocinar. Ele me puxou — oh Deus, ele era
forte — com facilidade para fora da água e por um breve momento eu desejei
que seu corpo fosse a toalha.
— Estou... — respondi, um pouco sem fôlego.
— Não quis assustá-la, me desculpe.
Um total cavalheiro, Benjamin buscou minha toalha sobre a
espreguiçadeira e me entregou, virando-se de lado enquanto eu me enrolava
nela. Não que eu estivesse reclamando por ele ter me olhado rapidamente dos
pés à cabeça antes de fazer isso.
— Eu estou só... — pigarreei. — É... Esperando Sophia sair do colégio.
Meu patrão meio que ignorou o que eu disse e saiu caminhando em
direção ao interior da casa, deixando-me um pouco preocupada. Será que
estava com raiva por eu ter usado a piscina em pleno dia de semana? Eu seria
demitida? Porque mal tinha acabado de chegar e meus pais provavelmente
estavam comemorando por finalmente terem a casa só para eles.
— Não precisa dar explicações, Bruna — explicou o Sr. Reed assim
que eu o alcancei. — O seu tempo é livre quando minha filha não estiver em
casa. E toda a propriedade é para ser usada sem cerimônia, afinal, ela será sua
moradia durante o tempo que estiver conosco.
Eu me sentia uma tola com ele falando daquele jeito, como se
precisasse explicar tudo para uma criança conseguir entender. Era fato que
Sophia devia ser mais perspicaz do que eu, mas a culpa também era do
inglês, lógico! Eles falavam rápido demais e eu custava um pouco para
acompanhar e manter o raciocínio. Queria ser daquelas pessoas que pensam
rápido, mas não era. Meu patrão ainda ficou me olhando por alguns
segundos, esperando provavelmente que eu dissesse alguma coisa e nada
aconteceu. Quando ele arqueou uma sobrancelha, foi que a luz na minha
cabeça piscou.
— Sim, tudo bem — declarei.
Consenti e balancei a cabeça positivamente, concordando com as
palavras dele.
— Fico feliz que tenha compreendido. Você deve realmente se sentir
confortável enquanto estiver morando aqui.
— Eu ficarei confortável — respondi, sorrindo. — Ou melhor, eu já me
sinto confortável. Mais do que isso, só ficando pelada. — Ri alto, mas
percebi que tinha dito aquilo em voz alta e tossi. — O que não seria uma boa
ideia, claro.
Baixei o rosto, querendo me enfiar no primeiro ralo que encontrasse no
caminho, e passei pelo meu chefe para subir a escada e vestir alguma coisa
decente.
— Bruna — chamou ele e me fez virar para olhar. — Sophia cooperou
para ir ao colégio hoje?
— Sim! Ela é uma ótima menina!
— Ela tomou café da manhã? — perguntou, franzindo a testa. —
Sophia é péssima para se alimentar logo que acorda e fica fazendo charme.
Eu tive muita sorte com ela então, porque tudo correu perfeitamente
bem. Pensei, sorrindo e agradecendo a menina ter gostado de mim.
— Estou dizendo, ela é ótima! Tomou todo o leite que dei e pareceu
adorar.
Parei por aí, pois de repente, não tive muita certeza se apenas o leite era
o suficiente para um café da manhã de uma criança. Achei melhor deixar o
Sr. Reed imaginar o restante.
— Jura? — Ele franziu a testa de novo. — Sophia detesta o leite de
amêndoas. Parece que só por não poder tomar o de vaca, ela justamente é
louca por ele.
Um minuto de silêncio para que meu cérebro pudesse trabalhar
rapidinho. O que ele estava dizendo? Tinham dois tipos de leite na geladeira?
Tentei me recordar do momento em que desci e peguei o leite para a criança.
Eu estava com sono, mal tinha tirado as remelas dos olhos e... Cacete. Quem
estava preocupada agora era eu. Por que ela não podia tomar leite de vaca?
Qual o problema com o leite? Qual? Eu estava suando? Acho que senti gotas
de suor escorrerem pela minha bunda.
Dei meu sorriso mais amarelo para meu patrão e o interroguei só por
curiosidade.
— Se não se importa de me explicar, poderia dizer qual o problema de
Sophia com o leite?
— Ela tem alergia à proteína do leite.
— Alergia?
Como eu faria para sair correndo antes que ele me matasse? Eu
precisava conferir se tinha dado o leite certo para a menina e precisava fazer
isso com urgência. Fui andando de costas e meu patrão me seguia,
caminhando na minha direção como se quisesse muito me contar
detalhadamente o caso alérgico da filha. Ele não tinha mais nada para fazer?
— Desde que Sophia nasceu tem alergia. A pele dela começa a coçar,
ficar vermelha e cheia de bolotas, como se fossem mordidas de mosquito.
— Sério?
— Sim. Custamos a descobrir a alergia... — disse ele, com pesar. —
Ela sofreu bastante até descobrirmos.
Acho que quem sofreria dessa vez seria eu, quando percebessem o que
tinha feito e me expulsassem daquela casa. Para minha sorte, o celular dele
tocou e com isso eu aproveitei para sumir mais rápido do que uma bala de
canhão. Sei que entrei correndo na cozinha e ignorei os olhares de Abigail.
— Está molhando o piso — reclamou ela.
— Cadê o leite?
Meu desespero era grande e parecia que o leite estava se escondendo.
Eu já podia ouvir a voz de Benjamin por perto, falando no celular e nada de
achar a caixa da porra do leite. Quando finalmente a encontrei naquela
geladeira enorme, quase desmaiei. Era de vaca!
— Bruna? — Ouvi o Sr. Reed me chamar.
Fui pega no flagra, com a caixa do leite assassino na mão e a porta da
geladeira aberta. Isso sem contar a poça d’água que meus cabelos ensopados
formaram no chão.
— A conversa toda me deu vontade de tomar leite — menti, tremendo
dos pés à cabeça, pensando numa saída.
A solução foi levar a caixa à boca e beber direto ali mesmo, como se a
vontade precisasse ser saciada naquele instante. Dei longos goles enquanto
via meu patrão e a empregada me olharem como se eu fosse louca, mas no
fundo só conseguia pensar em Sophia e no fato de que precisava correr até o
colégio.
— Se gosta tanto de leite, mandarei que comprem mais desse — disse o
meu pobre chefe, com suas melhores intenções.
— Obrigada — respondi quando soltei a caixa vazia e controlei uma
vontade enorme de arrotar.
Desconversei, dizendo que iria tomar um banho e subi para o quarto, na
esperança de que Benjamin saísse logo de casa e não voltasse tão cedo. Eu
precisava averiguar se Sophia ainda estava viva. Calcei um tênis — para
poder correr mais rápido — e assim que ouvi o som de motor de carro, saí de
casa. Quando cheguei no colégio, fui procurar pela sala de aula da menina e
ao chegar lá descobri que ela estava na enfermaria.
— Sophia!
Encontrei a criança deitada num dos leitos do local, com o rosto
vermelho e todo cheio de bolinhas. A enfermeira da escola veio falar comigo,
talvez sem imaginar que a culpada daquele estado tenebroso era eu.
— Sophia está melhorando. Como ela está nessa fase de não falar,
escreveu uma cartinha e pediu que não avisássemos em sua casa porque o Sr.
Reed está numa reunião importante. — A enfermeira passou a mão pelos
cabelos da menina, sorrindo. — Como conhecemos o histórico dela e Sophia
nos contou sobre o leite, achamos melhor apenas deixá-la descansar e
administrar o antialérgico.
Ainda estava atônita e precisei me esforçar ao máximo para
compreender tudo que a enfermeira tinha dito. Quando nos deixou a sós, eu
me virei e encarei Sophia, que sorriu para mim. Ainda bem que tive a
brilhante ideia de trazer alguns itens de maquiagem na bolsa, pois teria que
fazer um bom trabalho de camuflagem antes de entrar com ela em casa.
— Ah, querida, me desculpe por isso — pedi, agachando-me diante
dela e tocando seus joelhos. — Nossa, eu sou muito desastrada. Não sabia
sobre a alergia porque não parei para ler toda a cartilha de informações que
me entregaram sobre você.
— Tá bom.
— Vamos ter que esconder esse episódio do seu pai. Que tal um
segredinho nosso, hein?
— Não vou contar sobre o leite — disse ela, fazendo meu coração
acelerar.
— Leite? — Arregalei os olhos e sorri. — Que leite?
Talvez se eu negasse até a morte, ela se convencesse de que a culpa não
tinha sido minha. Poderia dar certo.
— O leite que você me deu — respondeu a pestinha com um sorriso
diabólico. — Eu só posso tomar o de amêndoas.
— Querida, mas foi o de amêndoas que eu te dei. Você deve estar se
confundindo.
— Hum... — Ela fingiu pensar e sorriu. — Não. Você me deu o
comum. O gosto é diferente.
Tive vontade de sacudir seus ombros e perguntar por que então ela
tomou o diabo do leite, se sabia diferenciar os gostos, mas como Sophia não
estava com uma aparência muito boa, achei melhor deixá-la quieta.
— Não importa de quem foi a culpa. Você está bem, não está?
— Aham — respondeu balançando a cabeça várias vezes e depois
começou a coçar os locais com pequenas manchas avermelhadas na pele. —
Nós vamos pra casa agora?
— Claro! Que tal se tomarmos um sorvete pelo caminho?
— Só se for sorvete feito com leite especial...
Droga! Isso era complicado demais para minha cabeça. Eu mal sabia
onde tinha uma sorveteria por ali, quanto mais uma sorveteria que trabalhasse
com leite de origem vegetal.
— Vamos tomar um refrigerante então. — Sorri, encontrando a
solução.
Depois de assinar um papel que a enfermeira me deu, confirmando que
a criança tinha sido devidamente amparada no colégio, nós fomos embora.
Não precisamos correr desta vez, então eu finalmente pude tentar trocar
algumas palavras legais com Sophia enquanto apreciávamos a caminhada.
— Então, é melhor você me deixar ciente de todas as suas alergias. Eu
não sei se sobrevivo a mais um susto desses...
— Leite e camarão!
Camarão também? Isso sim era motivo de pena. Camarão era tão
gostoso, imagina não poder apreciar seu sabor tão marcante, como devia ser
triste. Para não insistir nas coisas ruins, mudei logo de assunto, comecei a
perguntar sobre as comidas que ela mais gostava e Sophia desandou a
tagarelar sobre um monte de coisa.
Quando chegamos no início da rua onde ela morava, decidi parar e
abrir meu kit de primeiros socorros, que no caso era apenas a minha bolsinha
com maquiagem. Fui muito sagaz em pegar isso na pressa antes de sair de
casa.
— Sophia, como o seu rosto está um pouco estranho, vou passar um
produtinho em você, para ficar bem bonita. — Pisquei para ela, que sorriu. —
Quando entrarmos em casa, vá direto para o seu quarto, combinado?
— Aham!
Espalhei um pouco de corretivo pelos pontos mais críticos de seu rosto
e passei também um pouco de base. Sabia que não era certo passar
maquiagem em criança e que, provavelmente, minha vaga no céu já tinha
sido cancelada, mas logo que eu subisse para o quarto dela, ajudaria a tirar
tudo. Pelo que Sophia tinha dito, aquelas manchas não demorariam muito
para sumir, então eu estava realmente confiando na menina e torcendo para
Benjamin não estar em casa.
Graças a Deus, tudo tinha dado muito certo. Eu não fui processada,
nem demitida, nem assassinada. Perto da hora do jantar, eu já estava mais
aliviada por Sophia ter melhorado totalmente. Parecia mágica, mas as
manchas tinham sumido por completo como se nunca tivessem aparecido.
— Vamos descer? — perguntei ao terminar de arrumá-la como me
pediu, com um vestido lindo que a fazia parecer uma boneca.
— Acha que meu pai vai gostar? — perguntou ela, dando uma
rodadinha com os olhos brilhantes.
— Claro que sim! Por que ele não gostaria de ver como a filha está
linda?
— Foi o papai que me deu esse vestido.
Toquei a cabeça de Sophia, percebendo o quanto ela conseguia ser fofa.
Parecia que eles não tinham muito tempo juntos porque o Sr. Reed trabalhava
demais, mas isso não atrapalhava de fato a bela relação entre pai e filha.
— Ele vai ficar muito feliz em vê-la com o presente — respondi,
pegando do bolso o meu celular que começou a tocar e atendi antes mesmo
de ver o nome na tela. — Oi!
— Bruna?
— Sim, eu.
— É Benjamin quem está falando. Estou ligando para avisar que não
estarei em casa a tempo de jantar, então certifique-se de que Sophia coma
direito e preciso também que coloque-a para dormir.
Lancei um olhar para a menina, que me observava com atenção e
expectativa. Depois de tanta empolgação, ela com certeza não ficaria feliz
quando eu desse a notícia. Estava claro nos olhinhos brilhantes da criança,
que a espera pelo pai era quase como uma espera pelo Papai Noel.
— Ah... Sim, claro — pigarreei para tentar não demonstrar meu
descontentamento. — Cuidarei de tudo, Sr. Reed.
— Eu não sei que horas vou chegar, mas pode me ligar se for preciso,
ok?
— Certo.
Ele desligou sem nem ao menos se despedir e tive que ir atrás de
Sophia, que já estava sentada no degrau da escada, com os cotovelos
apoiados nos joelhos e as mãos segurando o queixo. Ela sorriu quando me
aproximei e eu torci o nariz, me sentindo infeliz por precisar ser a portadora
de más notícias.
— Acho que seremos apenas nós duas hoje — avisei.
— E meu pai!
— Não, querida. Seu pai não vai vir jantar esta noite. — Passei por ela
e me ajoelhei, segurando suas mãos. — Ele precisou ficar para trabalhar um
pouco mais.
Sophia franziu a testa e o sorriso se desfez quando correu os olhos pela
roupa que tinha escolhido. Antes que eu me levantasse para sugerir que
fôssemos logo para o andar inferior, Sophia se levantou e correu para o
quarto, batendo a porta e trancando-a por dentro.
— Sophia! — Bati na madeira, assustada por vê-la daquele jeito. —
Abra a porta!
— Não quero comer.
Encostei minha testa na porta, chateada. Eu queria comer, estava
morrendo de fome e fui educada o bastante para esperar pelo dono da casa,
que não chegaria tão cedo. Benjamin Reed tinha acabado de perder todos os
poucos pontos que acumulara comigo desde que o conheci. Ele era rico, era o
dono da empresa, qual a dificuldade em sair no horário para jantar ao lado da
filhinha?
Sentei-me na porta do quarto de Sophia e fiquei cantando músicas
brasileiras até que ela se cansasse da minha voz e viesse implorar para que eu
parasse. Mas comecei a me sentir tensa e cansada conforme o tempo foi
passando e nada da menina dar sinal de vida.
— Sophia... Socorro... — fingi, utilizando de toda a minha veia
artística. — Não estou... me sentindo bem...
Fiz a voz mais dolorosa que existia e comecei a respirar bem ofegante.
Eu estava tão entregue àquele papel que realmente me sentia mal. Ou talvez
eu estivesse atuando tão bem justamente por me sentir péssima. Enfim, não
importava tanto. O principal aconteceu, pois não deu mais do que dois
minutos para que a porta fosse aberta devagar.
— Te peguei! — gritei e joguei meu corpo com toda força para dentro
do quarto dela e agarrei aquelas perninhas finas. Sophia caiu junto comigo e
não estava me olhando com uma cara muito satisfeita. — Desculpe, precisei
fazer isso já que você estava me ignorando.
Ela levantou com tamanha desenvoltura e pulou por cima do meu corpo
caído no chão, passando pela porta e correndo pelo corredor do segundo
andar. Lógico que o tempo que gastei para me levantar, foi justamente o
tempo que ela teve para ir até o quarto do pai... e se trancar lá dentro. Sério,
para que existia chaves naquela casa?
Depois de escrever um bilhete de rendição e passa-lo por baixo da
porta, minha única opção era ficar ali até que ela finalmente saísse. O
problema todo foi eu ter dormido e não ter visto o patrão chegar.
Abri os olhos, ainda tonta de sono, quando um dedo me cutucou e
depois uma mão balançou meu ombro. A imagem que ia se formando na
minha frente era nada mais nada menos do que do homem mais perfeito que
eu conhecia e que, coincidentemente, era quem pagava o meu salário.
— O que aconteceu para estar dormindo na porta do meu quarto? —
perguntou com toda a educação que alguém poderia ter ao encontrar uma
moribunda cochilando no chão.
Não tinha sido a minha intenção pegar no sono e ser surpreendida
daquele jeito. Quem visse a cena sem saber da história completa, poderia
achar que eu estava esperando para dormir abraçadinha com meu chefe. O
que não era verdade. Apenas nos meus sonhos.
Benjamin me estendeu a mão e eu a aceitei, levantando-me e
recuperando o que ainda havia de orgulho.
— Eu peguei no sono — murmurei, ajeitando o cabelo metade para
dentro do elástico e metade para fora. — Me desculpe, isso não acontecerá de
novo.
— Está tudo bem?
— Mais ou menos. — Encolhi meus ombros, sentindo-me muito
frustrada. — Sophia se trancou no seu quarto quando soube que o senhor não
viria jantar. Ela estava bem animada com isso, sabe? Até colocou um vestido
novo.
— Eu lamento...
O homem fez uma cara de quem realmente lamentava e eu me culpei
por ter pensado tão mal daquele lindo exemplar masculino. Afastei-me da
porta para que o dono do quarto pudesse entrar e ele a abriu lentamente.
— Eu cuido dela agora, obrigado — avisou ao se virar mais uma vez
para mim.
— Acho que deve ficar ciente de que ela não quis comer. Uma pena,
pois estava super animada hoje, nós conversamos tanto... Ela até me contou
sobre suas alergias e...
— O que foi que você disse? — perguntou Benjamin ao me
interromper com os olhos estreitos para cima de mim.
Ah, droga. Por que eu toquei no assunto da alergia mesmo? Ele poderia
desconfiar de alguma coisa para que o tema tivesse sido abordado entre nós
duas e eu sorri para tentar disfarçar.
— Eu falei? — fingi desentendimento. — O quê?
— Bruna, o que quis dizer com “ter conversado” com Sophia?
— Ah, nós conversamos. Coisas simples, nada demais, nenhum assunto
de vida e morte. Fico feliz que ela pareça à vontade comigo, sua filha é um
amor.
— Sophia não fala — declarou Benjamin, curto e grosso.
Devo ter passado os próximos vinte segundos apenas encarando o
homem à minha frente, enquanto sentia as engrenagens do meu cérebro
funcionarem a todo vapor. Lentamente, fui me recordando de algumas coisas,
inclusive do fato de que a menina realmente não falava. Ou pelo menos tinha
sido isso que foi informado a mim.
Talvez, só talvez, eu tenha me esquecido completamente desse
problema. Com o nervosismo causado pelo processo alérgico eu nem me dei
conta de que tínhamos conversado o dia inteiro.
— Pois é... — Tossi, chocada por ser eu a dar a notícia. O rosto de
Benjamin estava tão pálido quanto os gringos que chegavam em praias
cariocas. — Ela... falou.
— E você esqueceu de me contar isso?
— Eu queria que fosse surpresa — menti.
O quarto estava escuro e Sophia dormia tranquilamente na cama
quando ele entrou correndo e acendeu a luz na cara da garota. Tão delicado.
Um bom pai.
— Sophia! Acorde!
Ela olhou para nós dois, ainda sonolenta, e fez uma careta triste assim
que percebeu que ele estava de volta. Meu patrão acariciou os cabelos da
menina e a beijou na testa.
— Querida, fale comigo — pediu. — Bruna disse que você estava
falando, é verdade?
Como assim? Benjamin duvidava da minha palavra? Não que eu fosse
muito sincera, mas ele não sabia disso. Não tinha motivo para duvidar.
Sophia olhou para o pai primeiro e depois para mim. Custava ela dizer
logo alguma coisa — qualquer coisa — antes que o homem infartasse bem ali
na minha frente? Esperamos por algum som e a criança continuou calada, até
que se levantou da cama e saiu andando pelo quarto.
— Não parece que ela voltou a falar — resmungou o homem.
— Ela voltou, eu garanto. Tenho certeza que isso é por estar chateada
com o senhor.
Ele me olhou com cara de cachorro abandonado — que eu subitamente
tive vontade de adotar — e suspirou. Sophia saiu do quarto e eu não soube
como reagir diante daquilo. Me sentia a campeã do concurso de mentiras.
— Eu estou falando a verdade — insisti, enquanto andava de costas até
a saída. — Hoje ela conversou normalmente comigo.
— Tudo bem. Tentaremos novamente amanhã. — Ele se sentou na
cama e esfregou o rosto, aparentemente cansado. — Pode ir dormir, Bruna.
Saí do quarto sem ter o que discutir, mas ao invés de ir para o meu, fui
até o de Sophia e encontrei-a sentada na cama, balançando as pernas no ar.
Um sorriso triste apareceu em seu rosto quando cheguei.
— Por que não falou nada, Sophia? Seu pai agora pensa que eu sou
mentirosa.
Ela deu de ombros e se deitou, puxando o edredom para se cobrir. Eu
não sabia se ficava com raiva ou com pena de Benjamin Reed. Talvez, no
momento, a raiva se sobressaísse um pouco mais, visto que era culpa dele a
menina ter se entristecido e decidido não abrir mais a boca.
Passei a semana toda tentando fazer com que Sophia falasse
novamente, pelo menos comigo. Tinha feito uma promessa silenciosa de que
se ela resolvesse abrir a boca, eu ficaria bem quieta e não sairia correndo para
contar ao pai da menina. Não que eu quisesse esconder uma informação tão
importante como essa, mas meu plano era fazer com que Sophia confiasse um
pouco mais em mim.
O final de semana tinha chegado e o sábado estava quente e com um
céu bonito. Acordei muito disposta e como meu patrão tirava os finais de
semana para curtir com a filha, eu sabia que teria um tempinho apenas para
cuidar de mim. Fui para o banheiro raspar minhas pernas, hidratar os cabelos
e usar uma máscara facial que comprei por menos de um dólar na farmácia.
Ao sair do banho, com uma toalha enrolada no corpo e outra na cabeça,
me empolguei além do normal com a música que tocava em meu celular.
Dancei sem me importar em fazer papel de palhaça porque eu não tinha muita
coordenação nessa coisa de mexer o corpo em sintonia com o som.
— Bruna?
Ah, não. Parei de dançar e me virei devagar na direção daquela voz
masculina. Meu patrão estava parado na minha porta, meio sem graça por ter
atrapalhado meu momento.
— Me perdoe por entrar assim, mas eu bati duas vezes e você não
respondeu. — Ele deu um sorriso como pedido de desculpas e encolheu os
ombros. — Quando... terminar... me procure, por favor.
Foi impressão minha ou Benjamin Reed ficou vermelho? Eu tinha
quase certeza de que aquele rosto bonito ganhara um pouco mais de cor.
Confirmei o pedido dele com um sorriso e esperei que saísse para bater na
minha própria testa. Em qual momento eu aprenderia a trancar a porta do
quarto para evitar situações embaraçosas como essa?
Deixei a cantoria de lado e me apressei em me arrumar para poder
descobrir o que de tão importante Benjamin queria comigo para invadir meu
quarto daquele jeito. Vesti um jeans velho e uma camiseta, passei um pente
de qualquer jeito pelos cabelos molhados e fui procurar por ele, encontrando-
o em seu quarto.
— Com licença... — pedi, parando do lado de fora.
Ele escancarou a porta e passou por mim, como se estivesse de saída.
— Eu estou levando Sophia ao cinema e pensei em convidá-la para vir
conosco — sugeriu. — O que acha?
— Eu?
Minhas pernas até ficaram bambas porque eu não esperava por nada
parecido. Ele lembrou de me convidar? Tudo bem que não era um programa
de casal, tinha Sophia no meio, mas mesmo assim, eu estava feliz apenas em
ter sido convidada.
— Tem certeza que não vou atrapalhar? — perguntei, com medo de
que o homem se arrependesse no caminho.
— Na verdade, foi Sophia quem pediu. Ela estava de birra e escreveu
num papel o seu nome, portanto, nós adoraríamos ter sua companhia hoje.
Ah, sim. Sophia. Eu só tinha sido incluída no programa por causa de
Sophia, não do chefe gostoso e inacessível. Agora sim eu compreendia o
convite e me sentia de volta à realidade — triste — da minha vida amorosa
fracassada.
— Vou trocar de roupa e encontro com vocês lá na porta — avisei, sem
esperar por resposta e correndo para meu quarto porque eu jamais perderia
aquela oportunidade.
Porém, no meio do caminho a pequena Sophia apareceu diante de mim
e segurou minha mão, entrando comigo no quarto e fechando a porta logo
que passamos por ela.
— Que linda sua roupa, Sophia! — falei, fazendo-a dar uma voltinha
para que eu avaliasse o look. — E você está usando maria-chiquinha! Sabia
que quando eu era criança usava muito esse penteado?
Ela abriu um sorriso, balançou a cabeça e enfiou a mão numa bolsinha
minúscula que carregava a tiracolo. Para minha surpresa, Sophia me mostrou
dois elásticos coloridos.
— Quer que eu prenda melhor? — perguntei, sem entender.
Ela negou e empurrou meus ombros para me fazer sentar na cama. Não
gostei de todo aquele jeitinho autoritário e desconfiei de ser algo que eu
pudesse não gostar.
— Acho que já entendi o que você quer, mas veja só, eu prefiro meus
cabelos soltos.
— Por favor...
A criança falou! Eu quase gritei tamanha a emoção que senti, mas ia
chamar a atenção de Benjamin e levar meu plano de confiança para o ralo.
Engoli o orgulho e deixei que ela fizesse as malditas chiquinhas que me
deixariam ridícula, mas quando saí pronta do quarto e desci a escada,
visualizei a cara de espanto do meu patrão.
— Você está linda, querida! — elogiou ao encarar a filha e depois
subiu os olhos até meu rosto. — E você... também... Bruna.
— Como mente mal — murmurei ao passar pelos dois, sem que
pudessem me ouvir.
Durante todo o percurso até o cinema, meu patrão evitou ao máximo
olhar para mim, que estava ao seu lado no banco do carona. Eu entendi aquilo
como uma forma de evitar me olhar e cair na gargalhada ou algo do tipo. Me
sentia completamente ridícula com o cabelo repartido ao meio e aqueles
prendedores verdes no alto da cabeça.
— Qual filme nós vamos assistir? — Tive a péssima ideia de perguntar
assim que chegamos ao cinema.
Sophia desceu rapidamente do carro, toda animadinha por estar com o
pai, e correu para tomar lugar na fila da cafeteria, enquanto eu lia o letreiro
luminoso com o nome do desenho.
“A Invasão das Bonecas”
Pelo pôster, tinha cara de ser péssimo. Pior ainda era ver as bonecas na
capa do filme, todas usando o mesmo penteado que eu e Sophia. Não. Não
podia ser verdade. Meu coração parou de bater quando percebi que
estávamos a caráter. Logo notei que outras crianças também estavam usando
maria-chiquinha, mas claro, elas eram crianças.
— Acho que Sophia não vai muito com a minha cara — resmunguei.
— Por que diz isso?
Benjamin Reed era ingênuo ou cínico? Eu não sabia dizer ao certo, mas
achei que seria melhor evitar responder sua pergunta. Prezava pela minha
estadia no país, não queria ser deportada.
Paramos na fila para poder comprar os ingressos e ao chegarmos na
bilheteria, a simpática moça fez o favor de piorar ainda mais minha situação.
— Boa tarde! — Sorriu para ele e só faltou levantar a blusa. — Serão
quantos ingressos?
— Três, por favor — respondeu meu patrão.
— Sua filha menor tem direito à meia-entrada, mas a mais velha paga
inteira, ok?
O quê? Quase desmaiei quando entendi o que a mulher quis dizer e me
enfiei no espaço entre a bilheteria e o Sr. Reed.
— Eu não sou filha dele. Eu tenho meu próprio pai e... — Percebi que
Benjamin estava rindo atrás de mim e calei a boca. — Deixa pra lá...
Depois de ser confundida com uma criança, percebi que estava no
fundo do poço, então para que perder energia tentando mudar a opinião de
uma pessoa que eu nem conhecia? Suspirei e fui me juntar à Sophia,
deixando que Benjamin se resolvesse com a funcionária. Não passou
despercebido o sorrisinho debochado que ele tentou esconder quando se
aproximou de nós duas.
— Devo estar bem acabado se pensam que tenho idade para ter uma
filha do seu tamanho — comentou, entregando meu ingresso.
— Me desculpe por isso, foi vergonhoso.
Tentei ignorar os olhares curiosos para cima de mim, porque
obviamente não era todo dia que mulheres da minha idade saíam de casa com
o cabelo repartido ao meio ostentando duas grossas marias-chiquinhas.
— Por que você está assim? — perguntou Benjamin.
— Isso foi ideia da Sophia.
— Ela... — O homem olhou de mim para a filha e depois de volta para
mim. — Disse alguma coisa?
Não pretendia contar novamente para ele, visto que da primeira vez não
só não acreditou em mim como também me deixou em maus lençóis com a
garota. Ela estava me olhando com aquela cara de quem não sabia de nada e
eu tive que pensar rápido, sorrindo para meu patrão.
— Na verdade, ela escreveu num papel e fez algumas mímicas. Depois
acabou me pegando de jeito, aí nem tive como escapar.
— Posso imaginar. — Ele sorriu e piscou para a filha. — Quando
Sophia decide uma coisa, não tem quem a faça mudar de ideia.
Oh, eu sabia muito bem disso. A menina era muito boa em convencer
as pessoas. Lancei um olhar à pestinha, que parecia muito orgulhosa por ser o
centro das atenções.

Compramos ingressos na última fileira e Sophia se sentou na poltrona
entre Benjamin e eu, impossibilitando, para minha tristeza, que eu mantivesse
contato com seu pai. O que em alguns minutos de filme eu agradeci
mentalmente, já que tive muita dificuldade em segurar a risada diversas
vezes, mesmo em momentos em que nem mesmo a criança ao meu lado
achava tanta graça. Eu gostava de animações, era a verdade, não conseguia
ser indiferente a elas. Isso, no entanto, não precisava ficar tão claro diante do
meu chefe. Ele não precisava saber que eu talvez possuísse uma idade mental
próxima a de sua própria filha e que, talvez também, precisasse eu mesma de
uma babá de vez em quando.
Quando saímos do cinema, fiquei extremamente satisfeita em ver pai e
filha de mãos dadas e sorrindo.
— Eu perguntaria a ambas se gostaram do desenho, mas acredito que já
saiba a resposta — comentou Benjamin —, já que toda vez que eu virava o
rosto para o lado, as duas estavam gargalhando.
Senti vontade de perguntar por que ele achava necessário ficar tomando
conta das minhas reações, mas me calei. O coração palpitou, o rosto corou e
meu corpo foi de encontro ao chão. Só não dei de cara no asfalto porque
Benjamin me segurou antes que a tragédia acontecesse. Quando o susto
passou e eu recuperei a lucidez, ele apontou para meus pés.
— Não deve ficar andando com o cadarço desamarrado.
— Eu não vi que estava desamarrado. — Agachei-me para dar o nó no
cadarço, aproveitando para esconder minha vergonha. — Obrigada, Sr. Reed.
— Meu Deus, Bruna! Esqueça a palavra senhor de uma vez por todas.
Já basta acharem que sou seu pai. Não sou tão velho assim.
— Ok. — Levantei-me e por pouco não bati continência. — Desculpe.
Benjamin.
Falei tão devagar que só faltou soletrar e depois percebi que foi um
exagero da minha parte, que o fez levantar a sobrancelha e sorrir.
— O que as duas acham de pararmos para fazer um lanche?
Eu nem precisei concordar com nada, já que a própria Sophia se
animou com a pergunta. Ao pararmos num fastfood da vida, ela me puxou até
o banheiro e quando ficamos sozinhas lá dentro, a pequena me abraçou.
— Você é a melhor babá do mundo!
— Hm... Obrigada?
Seria uma pegadinha? Ou ela era realmente inocente demais em me
considerar a melhor? Talvez não tivesse tanta experiência com outras babás
ou talvez só tenha conhecido mulheres carrancudas como a própria Abigail.
Não sabia dizer, mas com certeza, Sophia estava enormemente equivocada.
Esperei, com paciência, que ela usasse o banheiro enquanto tagarelava
sobre o desenho que assistimos e quando voltamos para as mesas, meu
coração errou uma batida. Não era todo dia — no meu caso, nem em toda
uma vida — que um homem como Benjamin Reed esperava sentado num
fastfood muquirana e levantava o rosto para olhar uma pessoa comum como
eu se aproximar. Ele ainda tinha colocado um sorriso no rosto, o que
dificultou ainda mais o processe de caminhada.
— O que vai querer pedir, Bruna? — perguntou todo cavalheiro e eu
me joguei na cadeira à sua frente.
Reed ao molho agridoce, serve? Tudo bem, não serve.
Fiquei feliz por não ter dito aquilo em voz alta. Foi instantâneo. Peguei
o menu que estava em cima da mesa e entreguei um para Sophia, mas esqueci
que estava na companhia do pai dela, a pessoa que provavelmente mais a
conhecia. Portanto, ele já sabia o que ela pediria.
Ele aguardou alguns minutos até que eu me decidisse e depois se
levantou para ir comprar tudo.
— Já volto, senhoritas — avisou. — Por favor, não seduzam nenhum
cidadão do local, ok?
Meu patrão estava fazendo piadinha ou era impressão minha? Sophia
riu, então achei melhor fingir que tinha sido engraçado, mas talvez eu tenha
exagerado um pouquinho só no volume da minha risada, que chamou um
pouco de atenção da mesa ao lado.
— Você ri engraçado! — Sophia falou quando o pai dela já estava no
caixa.
Ela me colocava numa tremenda saia justa, pois se não queria que o pai
soubesse daquele segredinho, não podia ficar abrindo a boca em público, com
ele por perto.
— Vamos deixar a conversa para quando estivermos a sós, querida.
— Você é engraçada! — insistiu e abafou uma risada.
É claro que ela me enxergava como uma palhaça. Quem me levaria a
sério com marias-chiquinhas amarradas no topo da cabeça? E por que eu
deixei que ela ditasse o meu próprio penteado?
— Eu sou uma pessoa muito séria, Sophia — respondi com minha voz
de pessoa adulta. — Não tenho nada de engraçado, acho que você tem uma
imagem equivocada da minha pessoa.
Tentei manter a postura reta e elegante, mas eu estava era enciumada
com Benjamin no caixa, cercado por algumas mulheres que não tiravam o
olho da bunda — deliciosa — dele. Suspirei, sabendo que aquele patrimônio
nunca seria meu e que eu não tinha nada a ver com a vida de viúvo que ele
levava. Só me dei conta de que estava observando o homem como uma
psicopata quando ele já estava se sentando, equilibrando uma bandeja em
cada mão. Ele sorriu para mim e começou a distribuir os respectivos
sanduíches.
— Você ganhou uma caixinha de lápis de cor, Sophia — avisou,
entregando o objeto para a filha. — O que acha de desenhar um pouco?
Eu não lembro de desenhar muito na idade dela, mas a menina recebeu
os lápis feliz da vida e ficou rabiscando enquanto comíamos em silêncio.
Benjamin na maior parte do tempo só tinha olhos para ela e isso fazia dele
um fofo.
— O que está desenhando? Papai pode ver?
Ela balançou a cabeça, empurrando o papel na direção dele. Benjamin
franziu a testa e ficou alguns segundos encarando o desenho, como quem
tentava entender a obra de arte. Então, sorriu e devolveu o papel para a
criança, tomando um gole do refrigerante e olhando para Sophia.
— Querida — disse, tocando os cabelos da filha. — Bruna e eu não
somos namorados. Mas o desenho está muito bonito.
Engasguei com meu refrigerante e tossi, apavorada, preocupada com
mais um vexame em público. Ignorei o olhar preocupado que Benjamin me
lançou e puxei rapidamente o papel que ele tinha devolvido à Sophia. No
desenho estavam dois adultos, onde claramente um deles era o Sr. Reed e o
outro tinha BRUNA escrito no meio da testa. Entre os dois, havia uma
criança e um enorme coração pintado de lápis roxo.
Eu realmente não soube o que dizer. Fiquei sem palavras, temendo que
Benjamin pensasse que eu enchi a cabeça da filha dele de maluquices sobre
nós dois.
— Deve ser outra Bruna... — murmurei, sabendo que ninguém
acreditaria em mim. — Talvez a mãe de uma amiguinha da escola...
Evitei olhar na direção do meu chefe e entreguei o desenho novamente
à sua dona, uma artista mirim para lá de sacana. Nunca comi tão rápido e com
os olhos voltados para baixo por tanto tempo, pois não tinha coragem de
encarar Benjamin.
Quando chegamos em casa, assim que a menina desceu do carro, meu
chefe passou por trás de mim e me parou. Ele colocou uma mão em minha
cintura, me fazendo gelar dos pés à cabeça e depositou um beijo no meu
rosto.
QUE PORRA ERA AQUELA?
— Você está sendo ótima com Sophia. Obrigado, Bruna.
E saiu, me deixando entorpecida depois daquele contato tão simples,
mas tão energizante. Benjamin Reed não devia saber o poder que tinha sobre
corações e calcinhas alheias. Depois de ter me deixado sozinha ali fora, ele
não me viu entrar quase tropeçando nos próprios pés, ainda em transe pela
pegada na cintura.
As duas semanas seguintes passaram normalmente e eu consegui não
matar Sophia nem fazê-la ter nenhuma crise alérgica. Quase não conversava
com Benjamin, já que ele chegava bem tarde quase todos os dias, a ponto de
nem conseguir encontrar Sophia acordada. Era minha função dar a janta para
ela e permitir que esperasse pelo pai até dez da noite, mas não mais que isso.
Essa rotina, em poucos dias, me fez compreender grande parte do problema
de personalidade que acometia a menina.
No final de semana, algo diferente aconteceu. Era uma tarde de sábado
quando atendi a batida na porta do meu quarto e dei de cara com um
Benjamin sorridente.
— Sim? — perguntei, educada, quando gostaria de dar uns tapas nele
por ser tão ausente.
Claro que coloquei um grande sorriso no rosto e fingi que tinha ido até
ali para me convidar para sair. Sonhar era de graça e não pagava taxa de
importação.
— Vou receber uma amiga para jantar conosco esta noite, Bruna —
disse ele. — Gostaria que você preparasse Sophia e descesse com ela às oito
horas.
— Sim, tudo bem.
Tive vontade de perguntar se a tal amiga era mesmo isso ou se era algo
mais, porém, imaginei que ele pudesse me mandar calar a boca e não me
meter na vida alheia. Como a curiosidade era muito grande e eu também
gostaria de preparar meu coração, decidi jogar uma isca no ar.
— Tenho certeza que Sophia vai adorar rever uma amiga da família —
comentei antes que Benjamin se afastasse.
— Não tenho tanta certeza assim. — Ele coçou a cabeça e me pareceu
um pouco inseguro. — Sophia ainda não a conhece e não costuma ser muito
sociável diante de estranhos.
— Entendi... — Dei um sorriso condescendente para ele. — Poxa, que
pena.
Consegui saber o que queria. Se Sophia não conhecia a mulher, era
sinal de que não era exatamente uma amiga, certo? Sim, eu estava com
ciúmes. Entendia perfeitamente o fato de Sophia não ser muito sociável.
E o tal jantar teria tudo para correr a mil maravilhas, se eu não tivesse
dado ouvidos a uma criança problemática. Não que eu fizesse tudo que
Sophia pedia, mas a pequena garotinha parecia estar sempre um passo à
frente.
— Sophia! — Bati na porta de seu quarto e entrei.
Nos primeiros dias naquela casa, eu costumava esperar que ela
autorizasse minha entrada, até que percebi que eu era a figura de autoridade
ali, não uma criança de oito anos. A menina já estava pronta para o jantar,
tinha se vestido sozinha, mas se eu deixasse que ela aparecesse daquela
maneira diante do pai, provavelmente perderia meu emprego.
— O que é isso? — perguntei, chocada.
— Minha roupa!
Ela estava usando um vestidinho preto fofo que não combinava muito
com a coleira em seu pescoço, muito menos com o batom preto e o cabelo
arrepiado. Eu soube naquele momento que não era cardíaca.
— Sophia, onde você arranjou essa coleira? E o que é isso na sua boca?
Desde quando você tem... batom?
Ao me aproximar, notei que não tinha textura de batom e estava muito
mal pintado. Ela abriu um sorriso diabólico e tirou as mãos de trás das costas,
me mostrando uma canetinha hidrocor preta. Eu estava muito ferrada.
— Você ficou doida, Sophia? Não posso deixá-la descer com a boca
pintada de preto!
— Está na moda — respondeu, sorrindo.
— Moda? De quem?
Ela deu de ombros porque, obviamente, não tinha resposta para dar.
Pobre criança, nem sabe o que diz.
Depois de gastar quase meio vidro do meu demaquilante para limpar os
lábios pequeninos — e alguns dentes —, foi a vez de mudar os acessórios
daquela composição bizarra. Soltei a coleira de seu pescoço e olhei assustada
para ela.
— Era do Ralph...
— Quem é Ralph? — perguntei.
— Nosso cachorro que morreu ano passado.
Misericórdia. Olhei para o objeto em minha mão, constatando que era
realmente uma coleira. Pelo visto, ela necessitava de atenção do pai mais do
que eu imaginava.
Tratei de abrir a gavetinha onde ela guardava suas joias e escolhi uma
gargantilha delicada, combinando com brincos pequeninos de pérolas.
— Viu como você fica muito mais bonita assim?
— Pareço boba.
— Não parece não — rebati, alisando os ombros dela. — Parece uma
princesinha! E sabe quem vai adorar vê-la assim? Seu pai.
Ela fingiu que não ouviu e saiu me puxando pela mão para fora do
quarto. Nós descemos a escada e encontramos com o casal de pombinhos na
sala de estar.
— Meu amor, como você está linda!
Sophia sorriu com o elogio do pai e soltou minha mão para ir na
direção dele, mas no momento em que colocou os olhos em cima da mulher,
fechou a cara imediatamente e voltou para o meu lado, tocando minha mão.
— Sophia, essa é Rose — disse Benjamin. — Uma amiga do papai.
— Olá, Sophia. — A mulher mostrou todos os dentes. — Seu pai me
falou que você era linda e agora vejo que ele tinha razão. Posso te dar um
beijo?
Que pessoa mais abusada, não é mesmo? Já não bastava ter conseguido
vaga para jantar com aquele pecado de homem, ainda queria ganhar a filha
dele? Eu não diria nada para Sophia, longe de mim, mas que aquele sorriso
de Rose parecia forçado, isso parecia.
Logo percebi que eu mesma não precisava fazer nada, porque a própria
criança tinha um posicionamento muito forte. Ela não só virou o rosto para
Rose, como sequer se aproximou da mulher.
— Não ligue. — O Sr. Reed tentou disfarçar a situação desconfortável
e riu. — Sophia é assim mesmo com todo mundo. Você precisa ganhar a
confiança dela.
— Eu entendo completamente, Ben.
Eu vomitaria facilmente sobre o tapete com o doce que Rose fez, mas
me controlei. A loira pediu para usar o banheiro e meu chefe usou aquele
momento para me levar até a varanda, ordenando que Sophia nos esperasse
ali mesmo na sala.
Suspirei, sentindo a presença do homem bem atrás de mim quando
saímos da casa e me virei para ouvir algum sermão.
— Você conversou com ela, Bruna? — perguntou, parecia ansioso.
— Sim.
— Sophia claramente odiou Rose — ele disse o óbvio.
— Acho que ódio é um sentimento muito forte para uma criança sentir
— respondi. — Talvez seja ciúme ou implicância. E para ser sincera, quando
comentei sobre a visita, Sophia nem pareceu se importar.
Eu estava mentindo, é claro, mas achei que não ajudaria em nada se
contasse para Benjamin como a filha dele estava vestida quando eu entrei no
quarto para buscá-la.
— Conheço minha filha... Rose não terá a menor chance com Sophia.
Se ele sabia disso, por que achava que eu tinha obrigação de fazer
algum milagre em relação a esse assunto? Eu podia evitar que Sophia
corresse pela casa com uma faca, atrás da mulher. Só não podia mandar nos
sentimentos da menina. Nem queria, inclusive. Também não tinha ido com a
cara da tal Rose.
Eu não tinha mais o que dizer sobre Rose ou sobre o comportamento de
Sophia, porque não ficaria contra ela. Diante do meu silêncio, Benjamin
suspirou e voltou para dentro de casa, sendo seguido de perto por mim. Só
que enquanto ele se dirigiu ao encontro da loira de nariz em pé e fino demais,
eu fui procurar pela criança.
Encontrei-a sentada à mesa, brincando com os talheres e enchendo os
outros com suas digitais.
— Por acaso está com tanta fome assim para ter se sentado antes
mesmo de a comida ser servida? — perguntei, parando ao seu lado.
— Não.
Ela me lançou um olhar diabólico que era acompanhado por um sorriso
igualmente tenebroso. Então, para meu espanto e um pouco de nojo, Sophia
enfiou o dedo no nariz e em seguida o levou até o garfo que repousava
tranquilamente do lado do prato à sua frente. Foi quando percebi que aquele,
provavelmente, seria o lugar que Rose ocuparia ao se sentar.
Olhei para os lados, preocupada, não, apavorada que alguém nos
flagrasse — mesmo que eu fosse inocente na história, certamente sobraria
para mim — e me aproximei na tentativa de fazer com que Sophia parasse
com a maluquice.
— É bem feio o que você está fazendo — sussurrei, esticando a mão
para pegar o garfo.
— A babá não vai jantar conosco, vai? — Ouvi a voz de Rose no
momento em que ia tocar o talher de prata.
Bem, ela tinha definitivamente escolhido um lado, e não seria o lado
vencedor. Olhei para Sophia e alisei os cabelos dela, sorrindo.
— Se for cuspir, certifique-se de espalhar com o dedo para secar mais
rápido, ok? — sussurrei antes de me abaixar para amarrar o cadarço do meu
tênis.
Como eu era a pessoa mais azarada do planeta, consegui me
desequilibrar e cair para a frente, de joelhos, com a cabeça enfiada embaixo
da toalha da mesa. Estava praguejando baixinho pela minha falta de
coordenação motora quando escutei as vozes mais próximas de mim.
— Que lindinha ela, Benjamin! Já está aqui esperando por nós, muito
educada — disse Rose.
— Onde está Bruna, Sophia?
Eu estava bem ao lado direito da cadeira de Sophia e quem entrasse na
sala de jantar não teria uma visão do meu corpo, portanto, estava
completamente escondida. Seria encontrada embaixo da mesa e ainda
passaria uma imagem de fofoqueira. Já estava me preparando para sair
quando fui surpreendida e prendi a respiração quando Benjamin falou:
— Por que Bruna foi para o quarto? — Ele estalou a língua. — Uma
pena. Achei que ela jantaria conosco.
No quarto? Sério, Sophia? Só podia ter sido Sophia a inventar uma
desculpa esfarrapada para me colocar em uma saia justa. Então eu congelei
quando vi as pernas de Rose e Benjamin bem diante dos meus olhos, quando
os dois tomaram seus lugares e se sentaram.
— Ora, Benjamin. Nós mulheres sabemos perfeitamente qual o nosso
lugar na sociedade. Sua empregada sabe que o lugar dela não é aqui.
Abri e fechei a boca, horrorizada com a vagabunda ordinária. Pelo
visto, eu ficaria escondida até que terminasse aquele jantar e se eu não
estivesse com tanta fome, não seria tão torturante assim. O problema era que
o cheiro do filé mignon parecia me matar lentamente. Meu estômago pedia
por um pedacinho daquela carne e a situação estava em um nível tão crítico
que eu seria até mesmo capaz me passar por um cachorro e esperar que
Sophia jogasse pedacinhos no chão para mim.
— Ela é uma graça, Benjamin!
— Sim, ela é. A comida está boa, Sophia?
Revirei meus olhos ao ouvir aquela bajulação. Tinha certeza que Rose
pouco se importava com a menina. Podia até imaginar Sophia encarando-a
com a expressão emburrada e rindo internamente por Rose estar saboreando a
carne nos talheres cuspidos.
— Sophia, seu pai me contou do seu problema e eu espero que você
supere logo essa mudez para podermos conversar como boas amigas!
“Supere logo essa mudez?” Chegou a embrulhar o meu estômago
faminto e eu tinha certeza que Sophia, àquela altura, pensava em formas de
estrangular a mulher. Achava, inclusive, que cuspe no garfo era pouco para
ela.
Precisei chegar o corpo rapidamente mais para trás quando as pernas da
loira se mexeram bruscamente. Para minha total surpresa, ela livrou os pés
dos sapatos de salto muito fino e então usou um deles para traçar uma rota
especial até o centro das coxas de Benjamin.
AH. MEU. DEUS.
Alguém me tira daqui!
— Seria ótimo que fizesse amizade com Rose, Sophia... Ela é uma boa
amiga do papai.
Fechei os olhos porque não queria testemunhar aquela cena
pornográfica para que a mesma não ficasse eternamente gravada em minhas
memórias, mas logo em seguida acabei abrindo-os novamente. Rose
deslizava lentamente o pé pela calça do Sr. Reed.
— Seu pai e eu estamos nos tornando grandes amigos. — Eu a ouvi
dizer.
Meu queixo caiu quando o pé torto, ossudo e branquelo foi direto para
cima do membro do meu chefe. Não somente eu fiquei chocada, como
Benjamin também, dando um pulo na cadeira e se ajeitando rapidamente ao
perceber o que estava acontecendo.
Cadela! Eu juro que foi preciso me controlar muito e utilizar de todas
as técnicas praticadas pelos budistas para que não pulasse sobre aquele pé e o
quebrasse ao meio. A intragável continuou com as carícias naquela região e o
pobre coitado molestado começava a apresentar certo volume, bem de frente
para meus olhos.
— Ainda não... entendo... o mo... — meu patrão com certeza estava
afetado pelo pé de Rose — o motivo que fez... Bruna ter ido para o...
QUARTO!
Até eu me assustei com o grito que ele deu. O pé pornográfico
intensificou ainda mais os movimentos e Benjamin se contorceu na cadeira.
Que grande absurdo fazer isso na companhia de uma criança!
Eu daria tudo para ver como estava a expressão de Benjamin, que me
parecia um homem muito centrado. Foi quando resolvi dar um basta na pouca
vergonha e aproveitei meu posicionamento estratégico, entortei meu corpo de
modo que ficasse no ângulo apropriado e bati com força no tornozelo — o
que estava parado — da loira, de modo que ela pudesse achar que Benjamin
tinha lhe chutado como repreensão.
Na mesma hora ela retraiu o pé e ficou quieta. O silêncio imperou na
sala e eu imaginava que os dois deveriam estar pensando agora em que
diabos tinha acontecido. Ele provavelmente achava que ela tinha desistido
das carícias e ela, que ele não estava contente com seu comportamento. Eu
era um gênio.
— Você me disse que Bruna era brasileira — comentou a loira e eu me
perguntei por que estava sendo citada na conversa.
— Sim.
— Hum. Interessante.
O que é interessante? Senti um tom irônico no ar e meu patrão ajudou a
satisfazer minha curiosidade.
— O que é interessante? — perguntou ele.
— Nada. É só que a gente sempre escuta aquelas lendas de que
brasileiras são incrivelmente belas.
— E...? — insistiu Benjamin.
— Bem... — Ouvi uma risadinha ridícula. — Acho que ela passou
longe desse estereótipo, não é?
Mas era uma vaca mesmo. Cravei as unhas na palma da minha mão
para evitar fazer isso nas pernas da loira e ouvi um barulho estranho acima de
minha cabeça.
— Sophia! — gritou Benjamin. — Peça desculpas, agora!
— Está tudo... bem, querido. — Não havia sinceridade na voz de Rose.
— Eu tenho certeza que molho inglês sai com facilidade. Se não sair, basta
você me presentear com uma blusa nova. O que acha?
Droga, como eu queria estar ciente dos fatos. Sophia provavelmente
não tinha gostado de ver a biscate falando mal de mim e resolveu me
defender. Talvez tivesse tacado a carne cheia de molho na blusa dela, ou
jogado uma colher na cara da loira. Eu adoraria presenciar a cena.
— Não é esse o caso, Rose. Ela tem que aprender a se comportar e
tratar as pessoas com educação.
Mesmo conhecendo muito pouco a garota, eu sabia que aquele sermão
não estava surtindo efeito algum. Sophia não parecia se intimidar com nada e
durante meus dias naquela casa, ainda não a tinha visto arrependida de
nenhuma arte que tenha feito. A garota era dura na queda e parecia disposta a
não cumprir algumas ordens.
Alisei a perna dela e dei um aperto de leve para indicar que eu a
apoiava. Já nem sentia mais fome, de tanto tempo que passei escondida
embaixo daquela mesa. Começava a contar os minutos e tomar conta dos
sons que ouvia em segundo plano, para tentar descobrir se já estavam perto
de comerem a sobremesa. Mas, para meu desespero, o guardanapo de Rose
caiu no chão e a loira se abaixou para pegar. Ela acabou levantando um
pouco a toalha e logo seus olhos encontraram os meus.
— Mas...? — Parou de falar, mas continuou me encarando.
Tudo durou breves segundos, onde perguntas ficaram no ar e ameaças
silenciosas foram trocadas. Nem eu sabia dizer direito o que aconteceu
exatamente, mas no final, Rose apenas pegou o guardanapo e sorriu
diabolicamente, voltando à sua posição inicial na cadeira.
— O que disse? — perguntou meu chefe.
— Absolutamente nada. Benjamin, querido, com que frequência você
dedetiza sua casa?
E pelo visto, a guerra tinha sido declarada.

Finalmente pude sair do meu esconderijo humilhante quando o casal de


“amigos” se retirou para a varanda — muito provavelmente queriam se beijar
fora do alcance dos olhares de Sophia.
— Sai logo, Bruna. — A pequena diabinha puxou meu braço como se
sua ajuda fosse me fazer levantar mais depressa.
— Estou saindo, mas não tenho a sua idade nem sua desenvoltura, ok?
Ficar tempo demais encolhida na mesma posição não faz bem para a coluna.
Quando fiquei de pé, senti cada músculo das minhas costas reclamarem
um pouquinho. Sophia me olhou como se eu tivesse oitenta anos e balançou a
cabeça, parecendo horrorizada. Quando ela se afastou de mim e foi para o
outro canto da sala, percebi que estava pegando uma garrafa de álcool e
trazendo-a até a mesa.
— Para que você quer isso? — perguntei, desconfiada e com medo que
colocasse fogo na casa.
— Você vai ver.
Eu não sabia se queria mesmo ver, porque talvez tenha sido a forma
demoníaca com a qual me encarou, ou talvez fosse alucinação minha, mas
meus pelinhos dos braços se arrepiaram todos. A pequena separou duas taças
e encheu uma com água. A outra, encheu com o álcool. Não vodca nem nada,
apenas álcool, aquele que a gente usa para limpar objetos.
— Sophia... — Segurei seu braço, sentindo um pouco de medo. —
Você não está pensando em fazer o que eu acho que vai fazer, não é?
Ela abriu e fechou a boca e piscou várias vezes.
— Fiquei confusa — respondeu.
— Isso não está certo. — Tirei a garrafa da mão dela e tentei pegar a
taça batizada, mas parei ao me lembrar do que ouvi Rose falar sobre minha
aparência. — Quer saber? Boa sorte.
Sophia sorriu e se retirou da sala, mas eu não fui atrás. Não queria
presenciar o que aconteceria quando a loira aceitasse a oferta da menina. Subi
a escada em silêncio e me protegi no segundo andar, apenas a tempo de ouvir
o grito de Benjamin e ver Sophia entrar em casa, subindo correndo a escada.
— Volte aqui, Sophia! — o homem vociferou.
Como se não soubesse de nada que estava acontecendo, eu me debrucei
sobre o guarda-corpo em vidro e senti que meu sofrimento na hora do jantar
foi recompensado ao ver Rose entrar na casa com pressa, o rosto parecia
pegar fogo de tão vermelho e tinha quase certeza de que estava chorando.
— Sophia! — Mais um grito de Benjamin e senti a menina grudar às
minhas costas e agarrar minha blusa.
Não podia culpar a criança, porque a carranca de seu pai colocou medo
até mesmo em mim. Benjamin terminou de subir a escada e se aproximou de
onde nós duas estávamos, com o rosto muito sério e fechado. Eu ainda não o
tinha visto tão irritado como estava naquele momento e precisei respirar
fundo para me controlar.
— Não adianta se esconder de mim, Sophia. — Ele se inclinou e a
puxou pelo braço, afastando-a de mim. — O que deu em você? Ficou
maluca?
— Eu não acho que ela vá dizer alguma coisa — comentei, mas me
arrependi no instante em que os olhos claros e coléricos se dirigiram a mim.
— Isso eu mesmo resolvo com ela, Bruna. — Ele foi ríspido como
nunca vi. — Sophia ofereceu um copo d’água para Rose. Só que estava cheio
de álcool!
— Ah, meu Deus. — Levei uma mão ao peito, dramatizando com
cautela. — Sinto muito, que horror. Mas ela é só uma criança...
— Exatamente isso. Uma criança. Não um selvagem! — Benjamin se
agachou diante da filha, que estava séria, sem esboçar reação. — Nós iremos
descer e você vai pedir desculpas. Se não quiser usar a voz, vai escrever um
belo pedido de desculpas no papel. E é claro que ficará de castigo por muito
tempo.
Sendo um emprego recente, o melhor que eu deveria fazer durante uma
briga entre pai e filha, seria ficar calada e me manter longe do fogo cruzado.
Mas eu não era tão inteligente assim, portanto, não cheguei a cogitar essa
possibilidade.
Eu nem sabia se tinha tantos pontos para gastar com meu chefe, mas de
repente, ao ver a pequena Sophia sendo obrigada a descer aquela escada para
se desculpar com a vaca loira, uma coragem nasceu dentro de mim e corri
para segurar o ombro de Benjamin.
— Não acha que isso talvez seja traumatizante demais para Sophia? —
Engoli em seco ao ver que fui fuzilada pelo olhar dele. — Veja bem, não será
assim que fará com que ela aceite sua namorada.
— Rose não é minha namorada e mesmo que fosse, também não seria
dando razão ao ciúme de Sophia, que eu ajudaria em sua aceitação.
Para minha surpresa, não tinha sido uma conversa tão ruim. Eu expus
minha opinião e ele, a dele, de forma muito educada. Não me meteria mais na
situação porque afinal de contas, Benjamin era o pai de Sophia e o único que
dava a última palavra por ela.
— Além do mais, Bruna, creio que você tenha sua parcela de culpa no
que aconteceu. — Meu coração pulou dentro do peito e eu levantei meus
olhos para ele. — Onde estava durante o jantar?
Ah, droga. Não podia contar a verdade, principalmente depois do que
aconteceu entre as pernas dele.
— Eu me senti indisposta, acho que minha pressão baixou um pouco,
então resolvi me deitar. — Mais uma mentira para meu histórico. — Não
imaginei que fossem precisar de mim.
Pelo olhar que me lançou, senti que Benjamin ficou um pouco
penalizado. Até consegui visualizá-lo alisando meus cabelos e deitando
minha cabeça em seu ombro enquanto me consolava. Mas é claro que tudo
não passou de um momento de ilusão, pois a realidade foi outra
completamente diferente.
— Pois bem, isso não teria acontecido se estivesse com Sophia — disse
ele, autoritário, quase me fazendo afogar com o balde de água fria que foi
jogado sobre a minha cabeça.
Sentia meus olhos fundos e pesados quando me levantei da cama,
porque tinha ficado tempo demais chorando com o rosto enfiado no
travesseiro. Não lembrava do momento em que cochilei e quando olhei para o
relógio da mesa de cabeceira, percebi que só havia se passado uma hora
desde o sermão do meu chefe.
Depois de falar aquelas coisas para mim, ele levou Sophia para baixo e
me deixou para trás. Covarde do jeito que eu era, a única coisa que consegui
fazer foi correr para meu quarto e chorar por ter sido chamada a atenção. Eu
era uma manteiga derretida e bastava que falassem mais grosso e alto
comigo, que caía em lágrimas como uma boba.
Respirei fundo e fui conferir meu visual no espelho do quarto, ficando
horrorizada em ver meu rosto todo amassado. Estava prestes a entrar no
banheiro para jogar uma água nele quando ouvi a porta do quarto abrir.
— Sophia, quero que... — Parei de falar com a boca aberta, surpresa
com a pessoa que apareceu diante de mim.
— Olá. — A loira tinha uma das mãos na cintura e me olhava com um
sorriso falso. — Lamento não ser quem você esperava. Vocês duas fizeram
amizade, não é mesmo?
Fiquei tão chocada pela audácia da mulher em invadir meu quarto que
não consegui pensar em nada para dizer.
— Hum, eu entendo. Pessoas com a mesma idade mental tendem a se
entender perfeitamente. — Ela estalou a língua. — É bem comum isso
acontecer, então não é surpreendente que você se dê tão bem com a garota.
Mas não foi por isso que vim aqui, seu círculo de amizade não me interessa.
Só vim avisar para ficar fora do meu caminho com o Benjamin.
— Ou o quê?
Rezei para que Benjamin aparecesse e a pegasse no flagra, me
ameaçando. Ele a colocaria para fora de casa aos berros, defendendo minha
honra. Ou eu podia me ater à realidade da minha insignificância, o que era
ideal.
— Ou eu serei seu pior pesadelo — respondeu a loira vaca.
Ela piscou. Tipo, simplesmente piscou, como se fôssemos amigas
dividindo segredos. Então, quando jogou os cabelos na minha cara ao se virar
para sair, o Sr. Reed apareceu na porta do quarto. Eu quase comemorei,
porque finalmente ele testemunharia o quanto aquela mulher era diabólica.
— Rose, o que faz aqui?
Ele a questionaria de todas as formas e a olharia com fúria, enquanto
viria ao meu socorro e me abraçaria.
— Se perdeu aqui em cima, querida? — A música romântica parou de
tocar na minha cabeça e pisquei para enxergar melhor. O homem olhava com
carinho para Rose. Inacreditável!
— Não, não me perdi — ela respondeu, sorridente. — Vim ver se
Bruna estava bem, já que ela não apareceu para jantar.
AH NÃO! Quase me sufoquei com o veneno que estava prestes a
cuspir em suas costas. Megera desgraçada! E ele ainda parecia ter acreditado!
Meu patrão se desfez em sorrisos, orgulhoso da presença angelical em sua
casa.
— É muita consideração de sua parte. Ainda não entendo como Sophia
pode ter se comportado tão injustamente contigo. — Vomitei para dentro
quando ele entrelaçou seus dedos nos dela e a puxou para fora do meu quarto.
— Sei que não merece esse tratamento, mas prometo que ela é assim com
quase todo mundo. Depois vai se acostumar.
Por que ele estava tendo uma conversa daquele teor com Rose? Era
algo típico de casal de namorados, não era? Ou de um casal que pretendia
engrenar um namoro, pelo menos. De qualquer forma, nenhuma das duas
opções era legal.
Depois que sumiram de vista, saí para procurar por Sophia, a única que
poderia me entender naquele momento. Encontrei-a em seu quarto, cheia de
bonecas Barbies ao seu redor. Era fofa vê-la brincando de vestir e maquiar as
bonecas, me fazia lembrar um pouco minha própria infância.
— Ei, como foi lá? — perguntei, sentando-me ao seu lado. — Você
está bem?
Ela balançou a cabeça positivamente, mas ficou muda. Não seria má
ideia brincar um pouco de boneca e voltar ao mundo dos contos de fadas.
Quando procurei por uma Barbie para fingir de minha, notei que havia uma
jogada num canto quase embaixo da cama. Era loira, mas não tinha os
cabelos longos. Eles estavam cortados totalmente desconexos de um modo
que parecia ter sido proposital.
— O que aconteceu com essa aqui?
— Nada — respondeu com a expressão séria.
— Foi você que cortou os cabelos dela?
— Uhum.
— Entendi... — Tinha ficado péssimo, mas eu omitiria essa parte. —
Quer ser cabeleireira quando crescer, né? Eu tinha vontade de ser manicure.
— Quero ser médica.
— Ah. — Sorri, alisando a cabeça da boneca. — Então por que cortou
os cabelos dessa aqui? Vai me dizer que grudou chiclete sem querer?
Sophia tirou a Barbie da minha mão e encarou a pobre boneca pelada e
quase careca. Ela virou o pescoço da Barbie como se fosse a menina do
Exorcista e depois o puxou com força, arrancando a cabeça e jogando o corpo
sem vida no chão.
— É a Rose — declarou, diabólica.
Permaneci imóvel, olhando para a menina de rosto angelical, pensando
na melhor forma de conversar com ela. Por fim, eu me levantei e dei um beijo
em sua testa antes de sair do quarto.
— Boa menina — elogiei e pisquei para ela. — Amanhã sairemos para
comprar a Barbie que você quiser.

Sophia dormia um sono profundo quando comecei a arrumar aquela
bagunça que ficara espalhada no chão de seu quarto. A boneca sem cabeça
estava caída num canto, com o corpo todo rabiscado de canetinha preta.
Finalmente dei um jeito em tudo e guardei a grande caixa de brinquedos no
armário.
— Boa noite, pestinha — falei baixinho, apesar de saber que ela não
me ouviria.
Eu também estava querendo muito uma cama. Na verdade, primeiro
queria um banho relaxante para poder então me jogar na cama e esquecer
alguns acontecimentos do dia. Antes disso, desci até a cozinha para fazer um
lanche rápido, já que não tinha conseguido jantar.
Agradeci o silêncio na casa e por ter o espaço só para mim por um
tempo, sem ter que lidar com meu chefe ou com a carranca da Abigail.
Peguei um suco na geladeira, torcendo o nariz para todo aquele leite de vaca
que Benjamin comprou depois que eu menti dizendo que amava leite.
— Maldita vaca! — praguejei, enjoada, porque não aguentava mais
tomar leite todo santo dia de manhã, para poder manter minha mentira.
— Que vaca?
Antes de olhar, já sabendo de quem era aquela voz, perguntei-me o
motivo para ter tanto azar numa única vida. Estava com algumas uvas dentro
da boca, então primeiro eu as engoli e depois levantei a cabeça, respirando
fundo e sorrindo gentilmente para meu chefe.
— Não sabia que estava em casa — comentei enquanto pensava numa
resposta sobre a vaca.
— Por que não estaria?
Porque imaginei que estivesse comendo a vagabunda loira na casa dela,
pensei. Pensei mesmo, e ainda mordi a língua para evitar colocar aquilo em
palavras audíveis.
— Não faço ideia — respondi. — Nem tenho direito a achar qualquer
coisa, me desculpe.
Não queria ficar ali conversando com ele depois do sermão que recebi e
que me fez chorar. Portanto, decidi que dormiria só com as uvinhas no
estômago e estava me preparando para sair da cozinha.
— Sei o que está sugerindo, Bruna, mas não estou dormindo com Rose.
Por enquanto.
— Tudo bem. — Sorri, pensando em como encerrar o assunto sem
parecer grossa.
— Não posso entrar de cabeça em um relacionamento sem saber se
minha filha vai aceitar isso. Ainda mais sendo uma pessoa boa como Rose,
não quero levar problemas para a vida dela.
Olhei na direção da porta, bastava correr alguns centímetros para sair
da cozinha e o deixar falando sozinho. Por que ele tinha decidido conversar
comigo? Eu lá tinha cara de quem gostava de ouvir os lamentos alheios?
— O que achou dela?
— De Rose? — perguntei, tentando esconder meu horror, e Benjamin
assentiu. — Bem, é cedo ainda para dizer...
— Ela é encantadora.
Meu Deus, ele era cego? Surdo? Mudo pelo menos eu sabia que não,
mas talvez devesse, para deixar de falar asneiras. Não soube o que responder
porque qualquer coisa que saísse pela minha boca a respeito de Rose seria
falsidade — porque sincera eu não podia ser se quisesse manter meu
emprego. Sendo assim, apenas sorri para ele e balancei a cabeça.
Benjamin se sentou sobre a ilha da cozinha, pensativo, mexendo o
celular entre as mãos.
— Pensei que Sophia pudesse gostar de Rose — lamentou o homem.
— Não sei bem por qual motivo eu me iludi, mas...
Será que ele ao menos se dava conta da minha presença ali? Parecia
mais estar tendo uma conversa com seu Benjamin interior e eu jurava mesmo
que era isso, até que ergueu os olhos e me encarou.
— Sophia sempre recusou a aproximação das pessoas, principalmente
do sexo feminino, mas quando eu a vi se relacionando tão bem com você,
tive esperanças de que... — Um suspiro forte. — Eu não sei.
— Acho que ela pensa diferente, sabe? — comentei, aproximando-me
dele. — Sophia sabe que eu não represento nenhum perigo. Não no sentido
de ocupar o lugar da mãe dela.
O Sr. Reed franziu a testa e por questões de segundos, ele me observou
dos pés à cabeça, como quem avaliava o material para saber se eu poderia ou
não ocupar o lugar da falecida esposa.
— Ela não poderia saber disso. Sempre rejeitou todas as babás, o que
justo você tem de diferente para não representar perigo?
Tentei pensar em alguma resposta inteligente, mas com o olhar que
aquele homem me dirigia, era difícil colocar o cérebro para trabalhar direito.
Encolhi meus ombros ao me recostar à parede de frente para Benjamin,
sentindo vontade de ir para a cama me deitar, mas sem coragem de deixá-lo
ali sozinho.
— Acho que você é a primeira a quem ela enxergou como uma amiga
— declarou o homem.
— Ela é fácil de lidar. — Sorri, sabendo que estava falando a verdade.
Sophia, pelo menos comigo, era um amor de criança. — A gente se dá bem.
Ele desceu da bancada e foi até a geladeira, trazendo numa mão uma
garrafa de vinho e na outra, uma caixa de leite. Oh não, por favor não. Pegou
duas taças e serviu uma bebida em cada uma delas.
— Creio que tenha sido isso que a fez vir até a cozinha essa hora, não
é? E eu interrompi o seu lance com a vaca. — Ele sorriu e agora nem parecia
mais aquele Benjamin estressado com a filha de horas atrás.
— Hum, claro. — Senti meu estômago embrulhar quando peguei a
taça de leite puro da mão dele e o cheiro alcançou meu nariz. — Obrigada.
— Por que você estava xingando a vaca?
Sério mesmo? Isso lá era pergunta que se fazia? Com tanta coisa para
conversar ele tinha que focar numa palavrinha que escutou minutos antes?
Totalmente desnecessário. Esforcei-me para não revirar os olhos na cara do
meu chefe e o encarei. Ele permanecia intrigado, esperando por uma resposta.
— É uma bobeira minha. Eu só... tenho raiva dela por me fazer
engordar. Leite engorda. Leite faz mal à saúde. Leite é um alimento
inflamatório. Por isso mesmo eu vou parar de tomar, é uma decisão recente,
então gostaria de pedir que não comprasse mais tanto leite para mim.
Benjamin franziu a testa e deu seu sorriso torto e inebriante. Como eu
queria ser aquela taça, que agora encostava em sua boca, devagar, toda se
querendo, doida para que ele sugasse seu líquido.
— Você está em ótima forma, mas vou acatar seu pedido.
O que eu fiz ao receber o elogio do chefe? Gargalhei. Totalmente
insana, não consegui parar de rir até que sentisse os cantinhos dos meus olhos
começarem a lacrimejar.
— Bem, obrigada — agradeci, pigarreando. — Vou dormir. Boa noite.
Parecia que meu cérebro tinha entrado em curto-circuito, emitindo um
aviso de perigo e comando para que eu me afastasse daquele alvo em
potencial. Girei bruscamente na direção da porta e saí da cozinha com um
pouco de pressa sem esperar por qualquer resposta.
— Bruna!
Eu já estava no terceiro degrau da escada quando a mão de Benjamin,
pesada e grande, tocou meu ombro e me fez parar. Ele me virou e precisei me
apoiar no corrimão para não me pendurar em seu pescoço.
— Queria me desculpar com você pela forma como agi e falei mais
cedo. Sophia me tirou do sério, mas você não tinha como imaginar o que ela
faria.
Eu já tinha percebido que ele estava mais calmo mesmo, mas não
esperava que me pedisse desculpas por absolutamente nada. Não me preparei
para ver aquela boca atraente me implorando por perdão — ok, um exagero
de minha parte, mas como quase não acontece, acho que posso fantasiar um
pouco.
— Está tudo bem. Eu entendo perfeitamente. — Respirei fundo. Porra
nenhuma que entendo, mas ele era o patrão que eu queria pegar, então apenas
sorri delicadamente.
— Que bom. Embora Sophia não esteja satisfeita comigo, ela está feliz
com você por aqui. — Sua mão, que até então ainda estava em meu ombro,
desceu pelas minhas costas, causando um frisson por onde passou. —
Obrigado pela paciência conosco.
Benjamin me beijou no rosto, surpreendendo-me ainda mais e me
deixando paralisada. O momento tinha sido rápido, como qualquer outro
beijo na bochecha, mas para mim pareceu uma eternidade. Ainda estava
aproveitando as cócegas que os lábios dele deixaram em minha pele, quando
saí do transe com sua voz.
— Primeiro as damas. — Meu chefe apontou o topo da escada e eu
entendi que ele queria que eu subisse. Para meu quarto, provavelmente.
Sozinha.
Eu esperava que hoje pelo menos, só hoje, minha bunda estivesse com
uma boa aparência. Não lembrava se eu estava usando uma das calcinhas de
vovó que gostava de usar e que marcavam um pouco a calça, sequer me
lembrava de ter parado para escolher uma calcinha bonita. Vesti a primeira
que vi pela frente e agora não sabia como ela estava moldando a minha
bunda, enquanto subia e tentava não rebolar na cara do Sr. Reed.
Há algumas semanas eu tinha conseguido finalmente acertar meus
horários com os das aulas de Sophia. Sempre chegava um pouco antes de o
sinal tocar, para que ela pudesse se despedir de mim – sempre com um abraço
gostoso e um beijo no rosto – e entrar tranquilamente no colégio. Eu
começava a me sentir que nem no filmes, onde a mãe deixa a criança na
escola e chega a chorar de saudades enquanto o pimpolho se distancia de seus
braços. Talvez não com tanto exagero assim, mas ultimamente, drama andava
sendo o meu sobrenome.
— Estarei aqui na saída te esperando! — gritei antes que ela sumisse no
prédio, mas não acho que tenha escutado.
— Você novamente. — Uma voz masculina me fez virar para trás. —
Tudo bem?
Era o professor que tinha falado comigo no meu primeiro dia. Tinha me
visto pagar aquele estrondoso vexame com Sophia e eu o tinha tratado um
pouco mal. Sorri, sem precisar descontar nenhuma angústia em cima dele
dessa vez.
— Tudo ótimo. Eu me lembro de você...
— Joseph Black. — Estendeu a mão.
Notei algumas mães me olharem torto enquanto ele me cumprimentava,
porque apesar de não ser muito alto, o professor era interessante. Da primeira
vez que o vi, não liguei muito para isso, pois encontrava-me numa situação
constrangedora e tudo que queria era sumir da frente de todo mundo. Agora,
no entanto, eu podia observá-lo mais atentamente.
Joseph Black era bem moreno, tinha olhos escuros, cabelos curtos e
negros, dentes branquíssimos e músculos que ficavam evidentes debaixo da
camisa social. Era de se imaginar os olhares ciumentos daquelas mulheres
para cima de mim. Ele fazia o tipo do professor que as mães de alunos
adoravam encontrar nas reuniões escolares.
— Bruna Brito — respondi.
— Sim, eu sei. A garota apressada. — Ele riu, zombando de mim, mas
logo voltou a ficar sério. — Fico feliz em ver que não anda mais correndo por
aí que nem uma louca.
— É.
Se ele estava tentando jogar charme para cima de mim, aquela não seria
a melhor forma de me cortejar, pois me deixava muito irritada saber que
alguém estava zoando com a minha cara.
— Desculpe, não quis ser chato. Que tal recomeçarmos? — Ele sorriu e
ajeitou o colarinho da camisa engomadinha. — Sou professor de matemática
e nadador nas horas vagas. E você?
— Babá.
Aquela conversa realmente não estava fluindo muito bem. Eu não
queria parecer grossa, mas sabia que com certeza era isso que estava
parecendo. Olhei aflita para o relógio e depois para ele.
— Aposto que é muitas outras coisas além de babá, só não está
querendo contar vantagem, certo?
— Hum, você não tem, digamos, aula para dar? — Apontei para o
relógio em meu pulso e ele balançou a cabeça.
— Na verdade, hoje eu não dou aula. Só vim para uma reunião de
professores, que só começa em meia hora.
— Que ótimo. — Pânico me invadiu ao imaginar Joseph querendo ficar
meia hora em pé, puxando assuntos aleatórios. — Bem, infelizmente eu
preciso ir.
— Vou vê-la novamente, Bruna?
— Se Sophia não mudar de escola, creio eu que sim.
Joseph Black não parecia se importar com meus discretos foras. Ele
gargalhou, maravilhado com minha graça e abriu um enorme sorriso, subindo
de costas a escadaria do colégio, só para continuar me encarando.
— Imagino que tenhamos bastante tempo então, já que o ano letivo mal
começou — disse ele.
Senti raiva pela forma segura com a qual ele tratava esse meu descaso.
Seu corpo sarado se movia tranquilamente pelos degraus, se achando a última
azeitona da empada.
— Idiota — sussurrei.
— Um idiota gostoso, admita. — Dei um salto com a voz ao meu lado,
uma garota que eu não tinha visto se aproximar.
Eu apenas olhei bem para a pessoa, ainda estava boquiaberta porque
não a conhecia para que me abordasse daquele jeito. Também me sentia um
pouco envergonhada por ter xingado o professor e ter sido flagrada.
Professores eram quase seres mágicos, eu não queria que me achassem
ofensiva. Provavelmente a garota acabaria contando sobre o meu desaforo
para as outras mães que já me olhavam de um jeito estranho todos os dias.
— Caramba, assustei você, não foi? — perguntou e eu logo consegui
perceber seu sotaque e o inglês que, apesar de ser um pouco melhor que o
meu, denunciava bastante sua nacionalidade.
— Tudo bem — respondi, sem graça.
— Sou Jéssica. — A garota sorriu, passando os dedos pela franja
curtinha e a empurrando de lado. — Pode me chamar de Jess. Sou au pair e
acho que você também é. Estou certa?
Agora sim eu estava assustada. Não com ela, mas com a coincidência
enorme. Sorri em resposta, feliz por não ser a única no meio daquelas mães.
— Está certa sim — respondi e sorri. — Eu me chamo Bruna.
— Está no país há quanto tempo?
— Quase dois meses.
Jéssica segurou meu braço, como se fôssemos grande amigas fofocando
e começou a caminhar comigo, felizmente para o lado certo que eu deveria ir.
— Ainda é novata então. — Ela deu uma risadinha baixa. — Melhor te
avisar que Joseph Black é um garanhão.
— Ele é? — Balancei a cabeça negativamente, espantando a pergunta
do ar. Para que eu queria saber se ele era mesmo garanhão? Não me
importava com sua fama, já que não queria nada com ele.
— Sim, ele parece ter um radar de au pair, ou coisa parecida. Quando
cheguei, ele também ciscou para cima de mim. — Ela bufou. — Eu tenho
namorado, sabe?
Jéssica explicou que deixou um namoro “interrompido” antes de vir
para os Estados Unidos, mas que pretendia reatar quando voltasse. Por isso
ela tinha negado fervorosamente todos os assédios de Joseph e ele agora nem
olhava direito para ela. O cara além de ser um galanteador de marca maior,
ainda por cima tinha o rei na barriga.
A garota tinha a minha idade e tomava conta de um casal de gêmeos de
5 anos. Ela já estava trabalhando com a família há 6 meses e eles tinham
gostado tanto dela, que cogitavam renovar o período de sua estadia.
— Eu não sei se vou aceitar, sinto saudades de casa... — falou com
pesar e eu me perguntei se também sentiria tanta saudade assim depois de um
certo tempo. — Só que sei que também irei sentir tanta falta de Leah e Leon,
que chego a ficar angustiada.
— Acho que sei o que quer dizer.
— A sua também te conquistou?
— Bastante — respondi com um sorriso sincero.
Nem notei que sem querer, tínhamos passado da residência dos Reeds.
Continuei andando com ela e só paramos quando chegamos na calçada da sua
casa. Jéssica tinha adorado a história da família Reed e saber mais sobre
Sophia.
— Preciso conhecer essa criança. Ela deve ser o máximo!
— Ela arranca as cabeças das bonecas. — Jéssica arregalou os olhos.
— Mas só daquelas que se parecem com Rose, a futura madrasta.
Nós gargalhamos e então percebi que pela primeira vez desde que
cheguei aos Estados Unidos, estava podendo ser eu mesma sem que a outra
pessoa fosse uma criança. Era bom também dividir as histórias, medos e
fracassos como au pair e saber que tinha alguém que me entendia — e que já
havia passado pelas mesmas coisas que eu.
— Por que não marcamos de levar as nossas crianças ao parquinho
mais tarde? — sugeriu minha nova amiga. — Naquela pracinha que tem perto
do colégio, já foi lá alguma vez?
— Já, mas Sophia não se diverte muito em lugares abertos. O fato de
ela não conseguir ser muito comunicativa é um problema que ando pensando
em como resolver. A última vez em que a levei ao parquinho, um menino
inconveniente a chamou de múmia porque ela não abria a boca para falar.
— Criança sabe como ser maldosa, mas acho que ela não corre esse
risco de se chatear com Leon ou com Leah. Eles são uns amores.
— Podemos tentar.
Voltei animada para casa, pois estava confiante de que Sophia pudesse
fazer amizades que não fossem objetos inanimados. Quando a busquei na
escola mais tarde, encontrei-me com Jéssica e com os gêmeos e os apresentei
à Sophia.
— Jéssica também é au pair como eu, Soso. Não é o máximo? —
perguntei, alisando seus cabelos sedosos.
Ela fez que sim com a cabeça e sorriu. O casal de gêmeos era realmente
uma fofura. Seus pais eram quenianos, mas eles nasceram nos Estados
Unidos. Leon e Leah eram negros de olhos muito escuros como jabuticabas e
usavam o mesmo corte de cabelo que destacava seus cachos fechadinhos. Os
dois eram muito parecidos e só eram dois anos mais novos que Sophia.
Inicialmente, as três crianças não se misturaram. Quando chegamos no
parquinho os gêmeos já estavam brincando, tagarelas e elétricos, pulando de
brinquedo em brinquedo e toda hora mostrando alguma novidade para
Jéssica. Sophia tinha se afastado e sentado num balanço mais distante e me
cortava o coração vê-la sozinha.
— Quer que eu empurre? — perguntei ao me aproximar por trás dela,
inclinando-me sobre seu ombro e beijando seu rosto.
Comecei a atividade depois que ela disse sim. Seus dedos seguraram
firme no balanço e eu me lembrei de quando era criança e adorava quando
alguém me empurrava, com a devida paciência caso eu quisesse ficar horas
ali.
— Não gostou do Leon e da Leah? — questionei, sabendo que não nos
escutariam.
— Acho que sim.
— Sim de “gostou”?
— Aham.
— E por que não brinca com eles?
Ela deu de ombros, apertando ainda mais os dedos quando eu comecei
a empurrar mais forte. O balanço já se distanciava bastante do chão agora.
— Tenho vergonha — ela falou tão baixinho que eu quase não entendi.
Parei o balanço bruscamente e dei a volta para me agachar diante dela.
— Vergonha? Você é uma menina linda, inteligente e meiga. Não tem
que sentir vergonha de nada.
— Mas eles são irmãos. Eu não tenho irmãos...
— Ora, mas e daí? Eu também nunca tive irmãos. Não os de sangue. E
meus pais nunca foram muito presentes na minha vida, sabe? — Sophia
prestava atenção no que eu dizia, concordando com minhas palavras. — Mas
então, eu fiz amigos tão, mas tão legais, que os considerava como meus
irmãos.
— Verdade?
— Verdade muito verdadeira — declarei, cruzando meus dedos na
frente dos lábios e os beijando.
Sophia olhou para os gêmeos, já com o interesse começando a aflorar.
Tudo bem que eles eram mais novos do que ela e por isso ainda não possuíam
a mesma perspicácia — ou talvez fosse Sophia realmente um prodígio —,
mas amizade a gente não escolhe, apenas acontece. E eu estava louca para
que ela ganhasse amigos legais.
— Eles parecem divertidos — comentou, mordendo o lábio inferior.
— Eles são! — incentivei. — E aposto que estão doidos para brincar
com você.
— Mas não vou falar.
— Não fale, ué. — Dei de ombros e sorri para ela. — Apenas brinque.
Sophia ainda me encarou por mais alguns segundos, parecia ponderar a
questão, até que se levantou e se aproximou dos gêmeos. Ela se sentou ao
lado deles no gramado, tirando alguns brinquedos de dentro da sacola que eu
levara junto e compartilhando com os dois. Sophia não abriu a boca sequer
uma vez, mas isso não pareceu incomodar Leon e Leah. Estavam tão
entretidos que mais tarde, quando achei que estava na hora de irmos embora,
senti um pouco de tristeza em ter que separá-los.
— Podemos brincar com a Sophia outro dia, tia? — perguntou Leah,
sorridente.
— Claro! — Olhei para Sophia. — Se ela e vocês quiserem, é claro que
sim.
Minha criança muda apertou minha mão e puxou, fazendo eu me
inclinar para que ela cochichasse em meu ouvido.
— Sophia quer — avisei aos gêmeos. — Nos vemos amanhã então, ok?
Eu e Jéssica nos despedimos e preparamos nossa partida, saindo do
parquinho e começando a caminhada, já que morávamos na mesma direção.
Quando estávamos nos aproximando de casa, um carro buzinou para nós e
parou. Reconheci o veículo do meu patrão e larguei a mão de Sophia, que
correu ao ver seu pai sair do veículo para recebê-la.
— Ei, querida! — Benjamin a pegou no colo, beijando seus cabelos e
sorrindo na minha direção. — Querem uma carona?
— Não precisa, estamos perto. Pode levar Sophia se quiser, enquanto
eu caminho com a Jéssica. — Reparei que tinha esquecido minha educação
em casa e apontei para a au pair ao meu lado. — Ela também é brasileira e au
pair.
— Prazer — meu patrão a cumprimentou de longe, educadamente. —
Nos vemos em casa, Bruna.
Ele voltou ao carro, com Sophia pendurada em seus braços e nós
retomamos a caminhada. Ouvi Jéssica rir ao meu lado e sua risada foi
aumentando de volume.
— O que foi?
— Se meu patrão tivesse metade da aparência do seu, eu trabalharia de
graça, com visto expirado e se fosse preciso, ainda pagava o aluguel do
quarto — confidenciou para mim e nós duas caímos na gargalhada.

Cheguei em casa sozinha, depois de ouvir umas dezenas de vezes


Jéssica falar para eu investir no meu patrão, já que ele era viúvo e a menina
gostava de mim. Ela só esquecia do detalhe de que Benjamin precisava gostar
de mim também para que isso acontecesse. De toda forma, apesar de eu acha-
lo realmente um pedaço de mau caminho, não era como se fosse fazer da
minha estadia ali, uma perseguição. Se rolasse, eu seria a mais sortuda do
mundo. Se não rolasse, não queria dizer nada, eu tinha uma vida toda pela
frente.
— Oi Bruna — ele me cumprimentou assim que entrei em casa. Estava
sentado no sofá da sala, com Sophia ao seu lado, assistindo televisão.
— Sophia nem deixou você chegar direito, né?
— Ela gosta de me aproveitar o máximo que pode, não é meu amor? —
Benjamin falou com ela, todo carinhoso, e quem derreteu fui eu. Também
adoraria aproveitar insanamente cada pedaço daquele corpo.
Sorri para os dois e me retirei para o quarto. Não me sentia ainda
completamente confortável em ficar com Sophia quando ela estava em
companhia do pai. Eles quase não passavam muito tempo juntos e eu não
queria, de forma alguma, ocupar a menina quando ela podia ter Benjamin só
para ela.
Fui direto para o banheiro e deixei a roupa cair aos meus pés. Precisava
de um banho morno e relaxante para me sentir renovada, por isso liguei o
chuveiro e me coloquei sob o jato forte de água da ducha. Fechei os olhos,
sentindo minha pele do rosto ser bombardeada por aquela sensação deliciosa.
Ensaboei-me demoradamente, exalando o aroma agradável do sabonete e abri
os olhos para pegar o shampoo.
— AHHHHHHHHHHHHHHHH! — gritei, enlouquecida e quase
desmaiando.
Após o escândalo que provavelmente todo o bairro escutou, corri
depressa para fora daquele lugar úmido. Havia uma gigantesca barata
grudada na parede do box, bem diante do meu rosto. A maldita devia estar ali
há alguns segundos, observando o meu ensaboar distraído e se preparando
para me dar o bote.
— O que foi? — O trinco da minha porta foi arrebentado pelo peso do
meu patrão sobre ele.
— AHHHHHHHH! — Dessa vez eu gritava não pela barata, mas por
estar nua e ser flagrada por Benjamin, que agora me olhava, roxo de
vergonha, virando-se rapidamente de costas.
— Me desculpe... Eu... — Ele estava ofegante. O coitado deve ter
subido a escada correndo. — O que foi?
Tentava me tapar com as mãos ridiculamente pequenas que eu tinha,
quando mais um espectador chegou. Sophia entrou no quarto com os olhos
arregalados para cima de mim. Imaginei que ali, ela finalmente diria alguma
coisa, mas não aconteceu.
— Vá embora, Sophia! — Benjamin ordenou.
— Quem mais falta chegar? — perguntei, choramingando, e minhas
preces parecem ter sido atendidas.
— Credo! Que pouca vergonha! — Abigail fez uma careta para mim e
tapou os olhos de Sophia. — Deixe eu tirar essa criança daqui.
Quando as duas mulheres foram embora — Sophia muito relutante —,
eu consegui raciocinar melhor e puxei o lençol que estava sobre a cama para
me cobrir. Enrolei-me no pano e me aproximei de Benjamin, que como um
bom cavalheiro, ainda estava de costas.
— Desculpe pelo grito. Tem uma barata no banheiro. — Cutuquei seu
ombro. — Pode se virar.
Não sabia exatamente o que ele estava pensando, mas devia achar que
eu ainda estivesse pelada, esperando por seus olhares, pois ao virar de frente
para mim, correu os olhos rapidamente pelo meu corpo.
— Isso tudo... foi por causa de uma barata? — Ele suspirou com uma
cara de puro descontentamento.
— Claro que sim. Tenho pavor de barata.
— Percebe-se. — Ele passou por mim, roçando o braço no meu, e
entrou no banheiro.
— Ela está na parede do box — avisei, fechando os olhos porque não
queria olhar de novo.
Continuei parada no mesmo lugar. Não iria de forma alguma me
aproximar daquele inseto pavoroso e assassino. Ouvi um tipo de resmungo
vindo lá de dentro e, em seguida, um PLAFT alto e sonoro, acompanhado por
um barulho de descarga.
— A vilã da cena está morta, Bruna. — Benjamin voltou ao quarto,
com um sorriso vitorioso no rosto.
— Muito obrigada. — Sorri de volta. — E mais uma vez me desculpe
pelo grito.
— Sem problemas. Estamos quites, já que você agora não tem trinco na
porta. — Ele apontou para a porta escancarada e a maçaneta fora do lugar. —
Vou pedir que consertem isso amanhã.
Balancei a cabeça, concordando, e esperei que dissesse mais alguma
coisa. Não conseguia esquecer o fato de que ele me viu completamente nua e
de que eu ainda me encontrava numa situação constrangedora, com aquele
lençol branco e de tecido fino, quase que grudado no meu corpo molhado.
— Sinto muito por... Você sabe... — pigarreou. — Por termos visto o
que não era necessário.
— Tudo bem. — Sorri extremamente sem graça. Onde havia um
buraco que coubesse minha cabeça? — Sinto muito também por Sophia ter
visto a cena.
E parei. Sentia apenas por Sophia — e pela chata da empregada que
não gostava de mim — mas depois que a vergonha passasse, eu não sentiria
por ele. Seria até bom imaginá-lo à noite, deitado em sua cama, pensando em
mim antes de dormir.
Sonha, Bruna.
Benjamin já estava saindo do quarto, mas parou e virou apenas a
cabeça para me olhar mais uma vez. Estremeci com a sensação de ter a
atenção daquele homem tão presa em mim.
— Se serve de alguma coisa, volto a repetir que você está em ótima
forma. — Ele piscou. — Belo corpo.
Enquanto me consumia em pensamentos pornográficos por causa
daquele comentário malicioso, pude ouvir sua risada no corredor. Não
parecia ser uma risada alegre, de quem achava graça de algo. Era mais como
uma risada puramente sacana mesmo.

Era um final de semana e isso significava que meu patrão estaria o dia
todo em casa. O acontecimento da barata tinha acontecido na quinta e durante
toda a sexta-feira eu fugi dele. Consegui acordar bem antes e sair de casa com
Sophia um pouco mais cedo, com a desculpa de que faria bem para a menina
se ela caminhasse bem devagar até o colégio.
Pude me desvencilhar das perguntas estranhas que ela fizera algumas
vezes, como por exemplo, quando quis saber o que eu fazia sem roupa
enquanto o pai estava todo vestido. E por que eu não tinha pelos lá embaixo
como as moças crescidas costumavam ter. Se ela fosse um pouco mais velha,
eu perderia um tempinho explicando sobre a depilação brasileira, mas não era
o caso.
Agora estava aqui, um sábado de sol escaldante, sem coragem de
descer e encontrar com Benjamin em algum lugar da casa. Sabia que morreria
de vergonha quando o olhasse nos olhos, sem imaginar o que poderia passar
por sua cabeça.
Sentei-me na cama, ainda de camisola e olhei para meus pés. Talvez se
eu inventasse que estava passando mal, não me sentindo bem para sair do
quarto, ele pudesse acreditar. Ou então saberia que eu o estava evitando.
Uma batida insistente na porta — que o patrão mandou consertar no dia
seguinte ao acontecimento — me tirou do transe e me arrastou até lá. No
entanto, antes mesmo de ver quem era, já sabia de quem se tratava. Apenas
Sophia usava aquelas batidinhas combinadas.
— Bom dia — falei ao encontra-la com as mãos para trás, balançando o
corpo dentro de um biquíni de bolinhas azuis e rosas.
— Vamos na piscina?
— Hoje não estou muito disposta, Soso. — Cutuquei a ponta do seu
nariz. — Que tal outro dia?
Seu sorriso sumiu e no lugar dele apareceu um beicinho de choro. Ela
era uma filha da mãe que mexia com meus sentimentos mais profundos, que
eu nem sabia que existiam. Suspirei e puxei-a para dentro do quarto,
fechando a porta atrás dela.
— Sophia, não estou mesmo me sentindo bem, mas que tal se você
convidar seu pai para te fazer companhia?
— Eu já convidei e ele disse pra chamar você também. — Ela fez a voz
mais manhosa de todas.
— Seu pai? — Aquilo era mesmo verdade?
Coloquei-a sentada na cama e comecei a fazer uma série de perguntas.
Precisava saber qual o teor e significado do convite dele. Benjamin
costumava curtir os momentos a sós com a filha, então era surpreendente que
ele fizesse questão da minha presença. O que ele tinha dito exatamente?
Sophia era apenas uma criança ingênua e não entendia que essas informações
eram vitais para mim.
— Vai ver ele quer apenas que eu tome conta de você enquanto relaxa.
— Pensei em voz alta e olhei para ela, que prestava atenção em mim. — Pode
ser isso, não pode?
— Pode.
Tadinha, se ela ao menos soubesse como essa sinceridade me deixava
ainda mais triste... Afaguei seus cabelos e beijei sua bochecha fofa, jogando-a
de costas na cama e enchendo sua barriga de cócegas. Ela se revirou em meio
à risadas escandalosas e desesperadas e por fim eu me levantei, me dando por
vencida.
— Só vou aceitar o convite porque você me quer por lá. — Olhei para
ela, me sentindo um pouco desconfiada. — Você quer, não quer?
— Quero! Quero! — Ela ficou em pé no colchão e pulou diversas
vezes, animada em me ver pegar o biquíni.
Era o tipo da situação em que eu me arrependia por nunca ter tido
vontade de comprar um maiô. Não me sentia tão à vontade de mostrar o
corpo para Benjamin, mesmo ele já tendo visto tudo. Olhei para meu maior
biquíni, balançando-o na mão e percebendo como ele ainda assim era
pequeno.
Minutos depois, desci com Sophia, enrolada na toalha e com o coração
acelerado pelo encontro que se aproximava. Como ele me olharia?
— Você tem certeza que me quer por lá, né? — perguntei mais uma
vez só para o caso de ela decidir me dispensar, mas Sophia agarrou forte
minha mão e me puxou.
Benjamin estava deitado numa espreguiçadeira, com um livro cobrindo
o rosto, o que o impossibilitou de me ver chegando. Usava apenas uma
sunga, o que era demais para minha concentração.
— Bom dia — falei ao mesmo tempo em que desejava sumir e o
homem levantou a cabeça.
— Bom dia. — Abriu um sorriso. — Tudo bem, Bruna?
Quase caí numa gargalhada histérica e nervosa, típica de adolescente
que fala pela primeira vez com o garoto dos seus sonhos e é correspondida.
Patética. Felizmente, consegui me controlar e fiz que sim com a cabeça,
exibindo um sorriso gentil.
Sophia parecia que tinha tirado o dia para dar uma de cupido, pois a
menina me puxou pela mão, levando-me para a espreguiçadeira ao lado do
seu pai e me fez sentar. Em seguida, pegou o tubo de protetor solar e
entregou ao pai. O que ela queria? Que ele passasse aquilo em mim?
— Acho que Sophia quer te proteger do sol... — Ele riu, abrindo o
frasco. — Quer que eu passe?
Só consegui balançar a cabeça para indicar que o autorizava a passar o
creme em mim, mas não ousei abrir a boca porque estava nervosa. Minha
pele ficou arrepiada ao primeiro toque das mãos de Benjamin e eu coloquei
meus cabelos para frente, deixando o caminho livre nas costas. Cheguei até a
fechar os olhos para poder aproveitar melhor a sensação gostosa de ser
acariciada por ele, enquanto podia ouvir as braçadas que Sophia dava na
piscina.
— Sabia que eu tinha a falsa impressão de que brasileiros eram
naturalmente mais morenos? — comentou ele, rindo. — Que bobeira, não é?
Você é tão pálida quanto eu.
— Considerando que americanos mal sabem qual a capital do Brasil, eu
não me surpreendo com sua confusão.
Senti que seu corpo tremeu com a risada atrás de mim e ri junto.
— Você é bonita de qualquer forma.
Abri os olhos, ou melhor, arregalei, com o que tinha acabado de ouvir.
Controlei a vontade de me virar para Benjamin, mas tentei imaginar o motivo
para ele ser tão direto. Era o tipo de coisa que desgraçava a minha cabeça e a
minha vida, porque me deixaria pensando em cada palavrinha durante horas.
— Achei que você preferisse as loiras — falei, fazendo uma pausa
dramática. — Por causa de Rose.
As mãos de Benjamin já tinham besuntado metade das minhas costas
com o protetor e agora começavam a descer mais um pouco, bem perto de
onde ficavam minhas covinhas acima da bunda. Não podia afirmar se era
neurose minha ou não, mas parecia que ele estava passando aquele protetor
muito lentamente, como se quisesse prolongar o momento.
— Para ser sincero, Rose não é o tipo que costuma me interessar.
Sempre gostei de mulheres com cabelos escuros. — Prendi a respiração. —
Como a mãe de Sophia.
Era muita tortura para a minha pessoa. Se eu não saísse de perto
daquele homem o quanto antes, corria o risco de tascar um beijo em sua boca
e ser demitida. Por isso, levantei de supetão, mesmo sabendo que ele não
tinha terminado com o lance do protetor. Caminhei calma e controladamente
até a piscina e mergulhei. A água gelada daria conta do recado.
Fiquei alguns segundos olhando Sophia por baixo d’água, prendendo a
respiração e tentando esquecer do mundo. Meus cabelos se agitavam à minha
volta enquanto o ar se esvaía dos meus pulmões. Quando não aguentei mais,
voltei à superfície, dando de cara com meu patrão na beirada da piscina,
olhando para baixo. Ou melhor, para mim.
— Você está bem? — ele perguntou, com os olhos semicerrados por
causa do sol. Seus documentos pareciam ficar ainda mais irresistíveis comigo
olhando de baixo para cima e, por isso, tentei desviar o olhar.
— Sim, estou!
— Por que levantou daquele jeito? — Ou ele era muito ingênuo ou se
fazia de sonso mesmo. — Não terminei de passar o protetor.
Joguei-me de costas novamente na água, batendo as pernas para me
afastar da beira e ir mais para o centro da piscina, mais para longe daquela
sunga branca. Coloquei um sorriso descontraído no rosto, como se não
fizesse ideia do que ele estava falando.
— Não vou ficar torrando no sol, pode deixar, chefe — avisei, piscando
para Benjamin.
Eu nem sequer sabia se devia ficar na piscina. O sol acabaria torrando
meus neurônios e eu poderia cometer alguma loucura. Meus pensamentos
saíram de órbita quando Sophia tentou me afogar com os braços envolvendo
meu pescoço e o pouco peso de seu corpo me empurrando para baixo. Engoli
um pouco d’água, mas consegui recuperar o controle e me virei de frente para
a pequena pestinha. A menina tinha seu maior sorriso no rosto, visivelmente
satisfeita pela minha presença ali. Se havia alguém que com certeza me
adorava, esse alguém era Sophia.
— Então, do que você gosta de brincar na piscina? — Encarei a
criança, esperando por uma resposta, mas ela me ignorou completamente e
voltou a nadar. Tinha esquecido que não iria falar comigo na frente do pai e
isso era irritante.
— Gosto de ver que você continua tentando incentivá-la a se comunicar
— o coitado comentou, do lado de fora. — Sophia realmente parece confiar
em você. Acho que é questão de tempo para que volte a falar.
— Tomara! — Dei mais um mergulho, me xingando de todos os
palavrões possíveis. Como eu podia ser capaz de omitir essa informação de
um pai desesperado?
Ainda debaixo d’água, de olhos abertos, prestando atenção nas
braçadas de Sophia e tentando imaginar as consequências que sofreria se
Benjamin descobrisse que eu mentira todo esse tempo, pude ouvir um
barulho de um corpo caindo, ou mergulhando. Olhei em volta para encontrar
meu patrão gostoso lá na outra extremidade, deslizando no fundo da piscina,
quase encostando o tórax nos azulejos e vindo na minha direção.
Juro que passou pela minha mente sair correndo da piscina, mas ficaria
óbvio que estava fugindo do homem, então apenas fiquei quieta e esperei sua
aproximação. Encostei-me na parede perto da escada e me fingi de distraída
como se não soubesse que ele estava vindo. Porém, para minha surpresa, ele
não me alcançou e eu compreendi que estava ficando paranoica. Benjamin se
aproximou de Sophia e a levantou no ar, fazendo-a soltar gargalhadas
divertidas para em seguida jogá-la na água. A menina parecia adorar aquela
brincadeira, voltando novamente para o pai, que repetia as etapas.
— Ela não cansa não? — Ri, intrometendo-me na brincadeira deles,
mas continuei em meu cantinho. — Vão ficar nessa brincadeira até anoitecer,
pelo visto.
— Qual o problema nisso? — Ele parou e me olhou muito sério. —
Está com inveja?
Por um instante, eu achei que minha intromissão não tivesse agradado e
que Benjamin se zangara comigo, pois a forma com a qual ele me respondeu
parecia bem ríspida. Porém, percebi que estava enganada, quando pai e filha
nadaram apressadamente na minha direção, com expressões malignas no
rosto. Eu sabia o que aconteceria em seguida. Eu odiava essas brincadeiras de
“vamos pegar a pessoa indefesa” que sempre aconteciam em piscinas. Senti
o frio percorrendo o meu estômago e tentei fugir, mas Sophia foi mais rápida
e pulou em cima de mim.
— Acha que vai sair ilesa? — Benjamin riu. — Tenho certeza que
Sophia está ansiosa. Não é, filha?
A criança atentada balançou a cabeça, dando risadas que me causaram
calafrios. Benjamin segurou-me pelos pulsos, liberando-me do abraço de
Sophia e começou a me puxar. Ele não pretendia mesmo me pegar no colo e
jogar na água. Certo?
— Sr. Reed...
— Agora eu voltei a ser senhor? — Achou graça, revirando os olhos.
— Por favor, não faça isso — implorei, mas não tinha certeza do que
queria realmente. Uma parte de mim estava apavorada porque eu detestava
essas brincadeiras. Mas a outra parte meio que ansiava por aquilo, só para
poder ter um contato maior com ele.
Sophia ia sofrer em minhas mãos depois. Ela era a que mais estava se
divertindo com o meu sofrimento, rindo e pulando em volta de nós, doida
para me ver sendo jogada longe. Benjamin não iria ceder, estava claro.
Quando suas mãos tocaram minha cintura e apertaram forte, eu sabia que não
tinha volta. Fechei meus olhos e esperei pelo momento em que sentiria a água
entrando pelo nariz.
— Não seja boba. Sophia é muitos anos mais nova que você e não tem
medo de um simples mergulho.
Ele me ergueu no ar e suas mãos deslizaram um pouco para cima antes
de me lançar para longe. Se eu estava sofrendo, resolvi tirar uma casquinha
também, sabendo que aquilo iria deixá-lo ligado. Antes que me jogasse, mexi
meus pés como se estivesse tentando me soltar, alisei seu abdômen e por
pouco não consegui descer até seu “monumento”. Como era de se esperar,
entrou um litro d’água em meu nariz e quando abri os olhos ainda estava um
pouco tonta.
— Quer um bis? — Benjamin teve a ousadia de perguntar, com um
sorriso cínico e antes que pudesse vir novamente atrás de mim, saí da piscina.
— Deixo a diversão para Sophia, obrigada.
Desabei numa espreguiçadeira, tentando assimilar os últimos
acontecimentos. O local onde suas mãos me seguraram ainda pegava fogo,
gritando e comemorando por ter sentido o toque de Benjamin.
Fiquei apenas observando a interação entre pai e filha, uma coisa linda
de se ver. Sophia nem lembrava a menina tristonha que costumava ser
durante a semana, quando não recebia atenção do pai. Se Benjamin soubesse
como sua presença fazia bem a ela...
— Traga um suco para o papai! — ele pediu quando ela saiu da piscina
e correu toda molhada para dentro de casa. Aquele doce de pessoa que
atendia como governanta iria amar ter que secar o piso depois. — Bruna!
— Sim?
— Venha aqui...
Por pouco não perguntei para que ele me queria lá dentro, mas então
lembrei que na mente dele eu não passava de uma funcionária. Devia apenas
querer falar sobre alguma coisa banal comigo. Levantei e me aproximei,
agachando-me para sentar com as pernas para dentro da piscina.
— Você não ficou chateada com a brincadeira, ficou? — Meu chefe me
olhou com uma expressão preocupada.
— Não — tranquilizei-o, surpresa por encontrar minha voz
completamente. — Claro que não.
— Que bom. Da forma como saiu, achei que não tivesse gostado.
— Gostar, eu não gostei. — Revirei os olhos e sorri para descontrair.
— Mas o que eu podia fazer, né? Você tinha Sophia como cúmplice.
Normalmente eu era super recatada na presença de Benjamin. Ainda
não me sentia tão íntima para esse tipo de brincadeira, mas não sabia dizer se
foi o momento de descontração ou o que mais pode ter sido. Sem avisar, eu
resolvi me vingar. Pulei em cima dele, empurrando seus ombros para baixo
na tentativa de afundá-lo. Típica brincadeira de criança, mas quando eu fazia
isso, geralmente os alvos também eram crianças. Agora não. Benjamin era,
logicamente, mais forte do que eu e nem consegui fazer com que saísse do
lugar.
Apavorei-me ao notar que minha tentativa patética de afoga-lo não
tinha dado certo. Benjamin gargalhava enquanto se ocupava em me dominar
novamente com a mais ridícula facilidade. Ele me imobilizou e começou a
suspender meu corpo como da primeira vez. Não sei o que aconteceu, mas
suas mãos perderam o apoio e deslizaram sem que ele conseguisse me manter
no ar. Meu corpo desceu, tocando o dele por onde passava até que meus
braços sem querer, num momento de desespero, tivessem enlaçado seu
pescoço.
Nós dois ficamos sem saber o que tinha acontecido e o que iria
acontecer. Pelo menos era o que eu gostava de pensar. Seguramos nossos
olhares por alguns segundos e algo dentro de mim sabia qual seria o próximo
passo do meu patrão. Era uma sensação intuitiva. Ele iria aproximar o rosto,
eu fecharia os olhos e nossas bocas se encontrariam.
— Desculpe pelo atraso! — Uma voz feminina, histérica e insuportável
chegou ao meu ouvido e fez com que Benjamin me soltasse
automaticamente.
— Rose. — Ele se apressou para sair da piscina. — Achei que não
fosse vir.
Olhei para a loira perto da borda da piscina, de óculos escuros quase
maiores que o rosto e, vestindo uma saída de praia rosa. Tinha certeza de que
estava olhando diretamente para mim e pensava em como me matar. Também
sabia que ela tinha presenciado aquele momento, por mais rápido que tenha
sido. Por isso mergulhei e comecei a nadar totalmente submersa para não ter
que presenciar as cenas românticas entre os dois. Minha esperança era que
Sophia tivesse algum plano mirabolante para afogar a loira.

Estava sentada na cama esfregando os cabelos molhados porque nunca
gostei de dormir com eles ainda úmidos. Tinha saído da piscina logo depois
que Rose chegara, mas acabei me ocupando com outras coisas para
aproveitar o tempo livre e deixei para lavar o cabelo depois. Imaginava que a
noite seria longa, pois os últimos acontecimentos que envolviam meu patrão
não sumiriam da minha mente de jeito nenhum. Até tentei assistir um filme
com bastante ação e perseguição de carros para ver se conseguia pensar em
outra coisa, mas não adiantou muito. Tinha piorado. Agora imaginava a nós
dois dentro de algum automóvel possante e turbinado, bem no estilo de
Velozes e Furiosos, fugindo em alta velocidade da polícia, que queria nos
prender por fazer sexo no acostamento.
Ainda podia ouvir as risadas estridentes que Rose soltava na área
externa. Não estavam mais dentro d’água, mas meu chefe pediu que Abigail
levasse petiscos e coquetéis para eles antes de se retirar para o quarto. Pelo
menos, apesar de saber que a governanta não parecia ir muito com a minha
cara, sabia que tampouco gostava de Rose.
Mais um gritinho chegou aos meus ouvidos e eu suspirei, largando
meus cabelos de uma vez por todas e me levantando da cama. Não aguentaria
ficar ouvindo a felicidade de Rose e também nem estava tão tarde ainda, o
relógio acabara de marcar 21 horas. Era minha folga e eu tinha passado o dia
todo dentro daquela casa, me remoendo de ciúme e inveja. Tudo bem que eu
achava Benjamin a coisa mais linda que papai do céu colocou na Terra, mas
eu ainda tinha amor-próprio. Ou pelo menos achava ter.
— Que se dane, vou sair para pegar todos! — falei, encarando o
espelho bem decidida, até que comecei a rir, pois nos últimos meses nem
resfriado eu pegava.
Escovei os cabelos, passei um batom e pensei a quem eu estava
tentando enganar. Não ia dar certo, eu não conseguia ser assim. Fiquei por
um tempo olhando meu reflexo e cogitando voltar para a cama, até que fechei
os olhos e suspirei, tomando coragem.
Abri a porta do quarto e antes de chegar à escada, uma mão segurou
meu pulso. Era Sophia.
— Vai sair?
— Vou dar uma volta pelo quarteirão, Soso — respondi, alisando a
bochecha dela. — Volto mais tarde, mas espero que você já esteja dormindo
até lá.
— Posso ir? — Ela colocou os braços para trás do corpo e fez uma
carinha irresistível.
— Não pode, não. Primeiro porque já está muito tarde e segundo que
preciso de um tempinho para mim.
Não sei se Sophia entendia o que eu queria dizer com esse lance de
tempo, mas ela me acompanhou até a sala, mesmo com o semblante
chateado. Era uma criança maligna e arquitetava as coisas em sua mente
minúscula de menina, então acho que ela estava sempre um passo à frente.
Percebi, então, que estava me puxando na direção da parte externa,
onde o casal estava.
— O que você vai fazer, Sophia? — Tentei me soltar, mas ela tinha
cravado em minha pele seus dedinhos com unhas que percebi que precisavam
ser cortadas.
Ao passarmos pela porta de vidro que separava a sala de visitas da área
externa, eu me dei conta de que interrompemos um momento de pegação
total. Benjamin estava quase deitado sobre Rose e levantou num susto tão
grande que não conseguiu parar a tempo de cair de costas na piscina.
— Sophia! E Bruna! — A loira má sentou rapidamente na
espreguiçadeira, ajeitando os cabelos e a parte de cima do biquíni que estava
um pouco torta.
— Sophia! — Meu patrão saiu da piscina com uma expressão irritada.
— Por que não está dormindo?
Não me passou despercebido o olhar de questionamento dirigido a
mim. Antes que a criança pudesse causar mais alguma situação embaraçosa,
eu tapei sua boca com força e lancei a Benjamin um sorriso. Evitava encarar
Rose, pois sabia que ela devia achar que eu fiz de propósito.
— Bem, eu estava saindo, você sabe, ia aproveitar o restante do dia...
Mas Sophia me interceptou e me arrastou até aqui.
— Você ia sair? — Ele franziu a testa. — Essa hora? Para onde? —
Acho que assim que terminou as perguntas, se arrependeu, pois deu uma
olhada para Rose e abaixou os olhos. — É sua folga, claro. Tinha me
esquecido.
— Sim...
Essa era a hora que Sophia deveria voltar a falar e explicar aquele
vexame. Por que afinal ela tinha me levado até lá? Para que eu passasse
vergonha? Para que Benjamin ficasse com raiva de mim por interromper o
namoro? Ou para que eu entrasse de vez na lista negra de Rose? Eu não sabia
o que ela queria de mim, mas sabia o que deveria fazer.
— Eu vou coloca-la para dormir e aí depois eu saio — avisei,
apertando a mão da pequenina para deixar bem claro que ela não se livraria
fácil.
— Não precisa, deixe que eu faço isso e vá aproveitar sua noite. —
Benjamin a pegou no colo e a criança se enroscou no pescoço dele
imediatamente.
Saí do caminho para que passasse, mas a mão de Sophia novamente
agarrou a minha e mais uma vez criou uma situação constrangedora.
Benjamin sorriu e fez sinal com a cabeça para que eu os acompanhasse e eu
nem me dei ao trabalho de olhar para Rose daquela vez.
Quando meu chefe colocou a filha na cama, ela soltou minha mão e eu
tratei de me distanciar antes que fosse agarrada novamente — pela pessoa
errada. Ele se sentou na beira do colchão e alisou os cabelos da menina.
— Eu realmente não sei como ela se apegou tanto a você e em tão
pouco tempo. — Olhou-me e sorriu. — Sophia sempre foi bastante exigente
com outras babás.
— Fico feliz que ela não tenha tentado me colocar para correr.
A pequena nos observava com cara de sono, mas com certeza prestando
muita atenção em tudo. Eu não entendia como ela conseguia ficar sem falar.
Se fosse eu, do jeito que sou impulsiva, já teria estragado a brincadeira há
tempos.
— Hum, eu acho que já vou... — Gesticulei na direção da porta. —
Então...
— Sim, claro. — Benjamin se levantou e andou comigo para fora do
quarto. — Ficarei aqui em cima até que Sophia durma. Obrigado, Bruna.
— De nada.
Estava me virando para o corredor, quando senti seu toque no meu
ombro.
— Você tem um encontro? — perguntou ele.
— Eu? — Quase caí na gargalhada. — Não!
— E vai sair sozinha? De noite?
— Vou só caminhar, pegar um pouco de ar... — Tentar tirar você da
cabeça, era o que deveria ter dito.
— Tudo bem. Tome cuidado.
Ele disse olhando tão intensamente dentro de meus olhos, que eu não
conseguia me mover, completamente hipnotizada. Será que estava pensando
em me beijar? Ou eu estava com alguma coisa estranha na cara? Então
Benjamin rapidamente desviou o olhar e começou a fechar a porta. Fui
obrigada a me mover também, mas acabei desistindo de sair e fui para meu
quarto. Depois de um olhar daqueles, nem se eu caminhasse até o Canadá
conseguiria tirá-lo da cabeça.

Meu domingo foi uma total negação. Quando acordei fui avisada por
Abigail que Benjamin tinha saído cedo com Sophia e Rose, sem dizer que
horas voltaria. Eu não duvidava que se tratasse de um plano da loira para me
deixar de fora dos planos. Até imaginei Sophia batendo o pé, querendo me
acordar e Rose implorando a Benjamin para fazerem um passeio apenas em
família. Como se ela fosse membro dessa família.
Percebi também que não vi o momento em que ela foi embora na noite
anterior. Teria dormido na casa? Se isso tivesse acontecido, então podia ser
um sinal de que meu chefe realmente estava caidinho por ela.
Passei o domingo todo me arrastando de cômodo em cômodo.
Procurava o que fazer, mas só tinha vontade de ficar brincando de adivinhar a
hora que eles chegariam. Confesso que até na Internet eu entrei para
pesquisar possíveis lugares onde se poderia levar uma criança em pleno
domingo. Só desisti quando notei que parecia uma verdadeira psicopata.
No final da tarde, depois que eu já tinha assistido uns três filmes na TV,
ouvi as vozes no andar inferior. Rose estava junto, eu soube pela voz irritante
e, portanto, resolvi continuar no quarto e esquecer os três. Se não sentiram
minha falta até então, não tinha motivo para eu aparecer.
Na segunda, quando estava sozinha com Sophia na mesa do café, ela
finalmente me contou tudo. Tinham ido ao clube do qual Rose era sócia e
ficaram por lá até a hora do almoço. Depois a loira deu a brilhante ideia de
levarem Sophia num parque de diversões — e isso, claro, enfeitiçou a
criança. Ficaram lá até quase de noite e Sophia não se lembrava de mais nada
porque acabou pegando no sono dentro do carro, quando voltavam para casa.
— Ela fica sendo boazinha comigo — falou de cara fechada.
— Ela quer te conquistar, para conquistar ainda mais o seu pai.
— Eu não gosto dela, gosto de você!
— Eu também gosto de você, Soso, mas isso não quer dizer nada. Sou
sua au pair, não sua madrasta. — Olhei para o relógio, percebendo que mais
uma vez teríamos que correr para chegar no horário da escola. — Que tal
uma corridinha?
Ela revirou os olhos, mas eu sabia que não se importava. Foi se
divertindo pelo caminho, pulando cada vez que passávamos por uma árvore
para tentar alcançar algum galho mais baixo. Nem se importou de chegar
suada e esbaforida no colégio, justamente no momento em que o sinal tocava.
Nos despedimos e eu continuei ali, recuperando o fôlego para refazer o
caminho.
— Bom dia! — Ouvi a voz atrás de mim e pensei que ele devia estar
me perseguindo. Não tinha explicação mais coerente do que essa. Bem,
tirando o fato de ser professor do colégio.
Era o tal de Joseph de novo, me olhando com cara de cachorro faminto
que finge ser o dono do pedaço, mas não passa de um vira-lata.
— Oi — respondi, curta e grossa.
— Como foi o final de semana?
— Normal.
Ele abriu um sorriso mostrando seus dentes extremamente brancos e
perfeitinhos. Estava achando graça de que exatamente?
— Ok, sei que não começamos muito bem, mas que tal mudarmos isso?
— Não começamos muito bem? — Eu o encarei. — Nós nem sequer
começamos.
— Então vamos começar... — Encolheu os ombros, ainda sorrindo. Ele
não desistiria? — Um jantar seria ótimo, não acha?
Estava prontíssima para dar um fora no professor, mas ele uniu as mãos
em súplica e aquele gesto me deixou muito curiosa. Por que ele tinha tanto
interesse em alguém que, evidentemente, não estava nem aí para ele?
Achei que não pudesse ser tão ruim assim. Sabia que precisava sair um
pouco de casa e jantar não seria tão ruim, não é? Poderia me arrumar um
pouco, coisa que não fazia mais com tanta frequência, e talvez até deixar meu
patrão com ciúmes.
— Ok — respondi, sorrindo de volta para Joseph.
Arranquei da mão dele um pequeno caderno e escrevi na última folha o
número do meu telefone.
Na semana que se seguiu, decidi tentar ser uma babá comum e não me
meter em nenhuma confusão. Eu só interagia o necessário com Benjamin,
pois ele chegava muito tarde do trabalho quase todos os dias. Sophia ficava
triste na hora do jantar por não ter o pai por perto, mas ele sempre ligava para
avisar que iria demorar e, portanto, não deveríamos esperar por ele. Claro que
no fundo eu também sabia que alguns desses atrasos tinham relação com
Rose, mas não podia me meter no assunto.
Também não encontrei mais com o professor de dentes brancos porque
me esforcei para levar Sophia bem antes do horário, já que ia começar a ficar
chato se a menina chegasse sempre suada e com o rosto vermelho em sala de
aula. Ela não merecia ser vítima de bullying no futuro.
No entanto, na sexta-feira houve um imprevisto. Quando cheguei em
seu quarto para levá-la para tomar café da manhã, Sophia estava de cara
fechada e braços cruzados, sentada na cama ainda de pijama.
— Bom dia! — Sorri largamente, mas ela continuou com a carranca. —
O que foi? Por que está assim?
— Não vou para a escola.
— Claro que vai!
— Não vou não! — E se jogou de costas na cama.
Eu não podia criticá-la, porque quando era criança também adorava
faltar o colégio. Uma vez cheguei a inventar que estava tendo um surto de
piolho na minha turma e a mentira teria sido um sucesso se minha mãe não
tivesse ido com toda sua fúria falar diretamente com a diretora, para saber
como ela permitia a frequência de alunos com piolhos. É claro que naquele
dia, ela só de sacanagem me passou pente fino com um produto que fedia
horrores nos cabelos umas cinco vezes, dizendo que assim eu aprenderia a
não mentir e nunca mais a faria passar vergonha. Só digo uma coisa: até hoje
não posso nem olhar para um pente. Só uso escova.
Suspirei, olhando para a pequena diabinha e pensando que eu não podia
dar mau exemplo a ela. Eu era a figura adulta e responsável dentro daquele
quarto e precisava priorizar sua educação.
— Infelizmente, Sophia, você não pode faltar só por querer. — Puxei
seu braço fino e a levantei à força. — O que foi que aconteceu para não
querer ir ao colégio? Você se envolveu em alguma briga?
— Não.
— Então o que foi? — perguntei, alisando seus cabelos.
— Só volto para a escola se meu pai me levar! — Ela choramingou, me
surpreendendo com aquela exigência.
— Seu pai já saiu para trabalhar, querida. Você sabe que se pudesse ele
a levaria pessoalmente todos os dias.
Notei que a carranca tinha sumido e dado lugar a um rostinho triste. Era
lógico que Sophia estava sentindo falta de Benjamin. Se eu, que era uma
simples babá sentia, quem dirá ela!
— Então eu não vou!
— Ah, vai sim!
Uma babá não deve ceder aos encantos de uma criança encantadora,
mesmo que essa criança seja Sophia. Tinha certeza que Abigail agora achava
que eu era membro de alguma seita demoníaca, pela forma como me olhou
assombrada, enquanto eu puxava Sophia pela rua. Eu andava de costas e de
frente para ela, segurando seus pulsos e a obrigando a caminhar comigo,
como quem puxa uma carroça. Tentava distrai-la e cheguei até a prometer
que compraria um lindo presente para ela.
Levamos uma eternidade para chegar ao colégio e notei que não tinha
mais nenhum aluno na entrada, nem as mães que sempre os levavam. Só
tinha eu e Sophia em guerra.
— Por favor, Soso, entre no prédio ou vou carregá-la no colo pela
escada. — Cogitei ajoelhar, mas queria manter meu orgulho intacto.
— Ele não gosta de mim! — Seus cílios estavam molhados pelo choro
durante todo o trajeto e as bochechas tinham marcas dos caminhos que as
lágrimas fizeram.
— Não diga besteira. Seu pai ama você, mas é muito ocupado. —
Então, tive uma ideia, que poderia ser a minha ruína, mas era uma bela ideia.
— Se você entrar e for para sua sala de aula, eu prometo que amanhã
Benjamin vai passar o dia inteirinho com você, irão em algum lugar bem
legal!
— Promete? — Os olhos de Sophia brilharam e ela parou de fungar na
mesma hora. Meu celular começou a vibrar no bolso.
— Prometo!
— Você vai também? — perguntou, arregalando os olhos.
— Só vocês dois, eu prometo.
— Não! — Percebi que ia voltar a fazer drama, então não pensei duas
vezes e levantei as mãos para o alto, me rendendo.
— Ok, ok, prometido. Eu irei também!
E com isso, Sophia sorriu delicadamente e entrou no colégio. Eu já
precisaria comunicar ao pai dela que ele teria que passar o sábado inteiro na
companhia da filha, sem Rose, e ela ainda queria que eu impusesse minha
presença? Sophia tinha talento para me colocar em saia justa.
Peguei o celular que ainda tocava dentro do bolso e atendi sem olhar o
número.
— Bom dia, senhorita atrasada. — Uma voz masculina falou comigo.
— Ah... bom dia?
— Não sabe quem está falando, não é mesmo?
— Deveria saber? — O homem riu.
— Olhe para dentro do prédio.
Olhei na direção indicada e precisei estreitar os olhos e forçar a visão.
O sol deixava o interior do colégio muito mais escuro e não dava para
enxergar muita coisa do lado de dentro. No entanto, uma figura conhecida
apareceu na entrada e acenou para mim. Ah, o professor. Quem mais seria,
não é mesmo?
— Esqueci que você tinha meu número — resmunguei, porque naquela
manhã eu, definitivamente, não estava feliz.
— Percebi. — Ele deu mais um risinho. — Então, podemos jantar
amanhã?
Merda! Tinha esquecido o lance do jantar, ainda mais depois de todo
esse problema com Sophia. Por instinto, pensei logo em recusar, mas perdi a
voz quando ia responder. Não estava mais com a menor disposição de sair
com ele, mas algo me levava a crer que se eu negasse, ele continuaria me
convidando até que me deixar cansada.
— Tudo bem — respondi de uma vez. — Diga o local e horário.
— Eu a busco em casa às 20 horas.
Deveria aceitar isso? Pensei um pouco e por um instante quase recusei
a carona. Pensei que podia ser chato ficar passando o endereço do meu patrão
para qualquer pessoa. E se ele não gostasse? E se achasse perigoso que eu
divulgasse pelos quatro cantos onde um homem rico morava? Mas também
pensei que aquele seria meu próprio endereço por um bom tempo e eu não
podia me sacrificar.
— Eu mando o endereço por mensagem de texto — avisei ao Joseph.
— Mas eu... — Não dei tempo para que ele dissesse mais nada e
desliguei o telefone para ir embora.

Não pude dormir cedo naquela noite, mesmo depois de ter colocado
Sophia na cama. Tinha que esperar Benjamin chegar em casa para poder
avisá-lo sobre a promessa que fiz para a menina. Isso queria dizer que o
relógio quase marcava meia-noite quando ouvi os passos na escada e saí do
meu quarto.
— Boa noite, Bruna. — Meu patrão tinha motivo para ser rico, estava
acabado, com o nó da gravata frouxo, os cabelos desgrenhados, a camisa
social com os três primeiros botões abertos.
— Boa noite.
Ele passou por mim com sorriso cansado. Carregava um copo com
uísque e gelo e caminhava devagar em direção ao quarto. Uma cena para lá
de irresistível que por pouco não me fez suspirar e perguntar se queria colo.
Por uns segundos até esqueci o que precisava fazer e quando lembrei saí
apressada atrás dele.
— Benjamin, podemos conversar rapidinho? — Dei uma corridinha
atrás dele, com medo de que fechasse a porta do quarto na minha cara. — Se
não estiver muito cansado, claro.
Fui encarada por alguns segundos, enquanto ele balançava o copo e
fazia o gelo se mexer. Por fim, escancarou a porta e entrou, gesticulando para
que eu o acompanhasse. Fui arrebatada pelo cheiro de seu perfume,
impregnado no ambiente, e tentei não deixar o coração acelerar.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, me dando as costas e
mexendo na pasta que acabara de colocar sobre uma poltrona.
— Não é nada demais. — Olhei em volta e me sentei bem na beirinha
do colchão. — É que essa manhã foi bem complicado fazer a Sophia ir ao
colégio, sabe? Ela está sentindo falta do pai e como eu não podia
simplesmente amarrá-la e coloca-la sentada dentro da sala de aula, eu precisei
barganhar.
Ele riu e se virou para mim, com os olhos visivelmente pesados de
cansaço.
— Bruna, uma mulher da sua idade se deixando chantagear por uma
garotinha?
— Pelo visto você não conhece a filha que tem — rebati.
— Certo. E qual foi a barganha, afinal?
— Então, como eu estava desesperada e não tinha nenhuma outra ideia,
acabei prometendo que vocês... — Parei de falar quando Benjamin, tão
naturalmente como se estivesse na presença de amigos, tirou a gravata e
começou a desabotoar a camisa. — É... Vocês vão...
— Nós vamos...?
Ele deve ter percebido meu olhar sedento para cima de seus músculos
porque se afastou, caminhando até o closet até sumir do alcance de minha
visão.
— Enfim, eu prometi que vocês dois passariam o sábado inteiro juntos.
— Sempre passamos, não? — questionou meu chefe.
— No caso, eu quis dizer só vocês dois. E fora de casa! Você precisa
levar Sophia para passear.
Benjamin retornou devidamente coberto com uma camiseta preta e
velha que parecia andar sozinha, mas que o deixava ainda mais gostoso. Era
minha perdição mesmo, não havia mais cura para mim.
— E em troca disso tudo ela foi apenas assistir aula? Você deveria ter
pedido muito mais, Bruna. — Senti que ele evitava rir, tirando onda com a
minha cara. — Tudo bem, não vejo problema nisso, eu não tenho nenhum
compromisso para amanhã.
— Tem mais um item do acordo... — Enrolei uma mecha de cabelo no
dedo, tentando fazer charminho para que ele não me detestasse tanto. — Ela
quer a minha presença.
— Então somos três e não dois. — O homem tirou a pasta que estava
ocupando a poltrona, colocou-a em cima da mesinha e se esparramou ali
enquanto me fitava. — E qual vai ser o programa?
Dei de ombros. Não tinha muito o que pensar, já que estava mais
ocupada fantasiando com ele naquela mesma posição enquanto eu me
ajoelhava aos seus pés. Sendo que ele era Edward Lewis e eu Vivian Ward
como em Uma Linda Mulher. Tudo bem que eu não tinha nada em comum
fisicamente com a Julia Roberts tampouco era uma garota de programa, mas
Benjamin se encaixava bem no papel de magnata.
— Talvez possamos fazer um passeio no shopping, almoçamos fora e
depois esticamos no parque que ela adorou semana passada. — Ele pensava
em voz alta. — Concorda?
— Por mim pode ser qualquer coisa. — Eu me levantei para sair
daquele quarto antes que dissesse alguma besteira. Antes de ir embora, no
entanto, lembrei-me do jantar com Joseph. — Só preciso estar de volta antes
das 20 horas.
— Vai sair? — Benjamin se levantou e veio na minha direção. Devia
estar querendo me expulsar logo do quarto.
— Vou, finalmente. Tenho um... encontro.
Senti meu rosto esquentar e me amaldiçoei por ficar vermelha na frente
dele. Meu patrão estava sério, provavelmente tentando adivinhar que louco
tinha me chamado para sair. Ele até chegou a erguer uma sobrancelha,
poderia jurar que por sua expressão, estava até um pouco interessado no
assunto.
— Um encontro? — questionou. — Então já conheceu alguém?
— Mais ou menos, ele é professor do colégio onde Sophia estuda. —
Percebi que não deveria ter compartilhado a informação, até porque eu não
tinha obrigação a falar sobre minha vida pessoal.
— Sério? — Ele passou a mão pelos cabelos e a língua pelo lábio
inferior. — Isso é... bom. Só para você, quero dizer.
O que aquilo significava? Só para mim? Então não seria bom para ele?
Juro que se Benjamin dissesse algo do tipo, eu não me importaria. Até seria
capaz de cancelar o encontro. Bastava ele admitir que tinha fortes
sentimentos por minha pessoa e que tinha finalmente encontrado sua segunda
alma gêmea — a primeira tinha falecido, claro —, que seríamos felizes para
sempre. E minha personalidade psicopata voltara a atacar.
— Boa noite, Bruna. — Um sorriso fraco surgiu em seu rosto e eu
sabia que era hora de deixar o homem descansar. — Amanhã veremos qual
será a programação, ok?
— Claro, boa noite!
Me despedi, acho que com uma empolgação para lá de exagerada, mas
iria passar o dia todo com ele, mesmo que não fosse essa sua maior vontade.
E o que era ainda melhor: sem a megera da Rose.
Acordei mais cedo do que pretendia na manhã seguinte, por ansiedade.
Não queria voltar a dormir, pois a excitação pelo dia que me esperava era
grande demais, então resolvi tomar logo meu banho e descer para o café da
manhã.
A casa tinha um aroma agradável do café que Abigail fazia e, apesar de
no Brasil nunca ter sido fã do líquido amargo, aqui eu passei a gostar,
principalmente quando sentia que não teria energia suficiente para
acompanhar Sophia.
— Bom dia! — falei em alto e bom som quando entrei no reduto da
governanta e descobri que Benjamin estava ali, vestindo apenas um jeans
escuro, com os cabelos despenteados, barba por fazer e o abdômen com
algumas marcas do lençol. Troquei até as pernas sem querer.
— Bom dia. — Ele deu aquele sorriso que faz o corpo de qualquer
mulher tremer e pegou uma xícara para mim. — Também foi acordada por
causa do cheiro do café viciante da Abigail?
— Foi mais por causa do sol entrando pela janela, mas o cheiro
também contribuiu para que eu viesse correndo.
A cozinheira velha e chata nos olhava como se estivéssemos
atrapalhando sua vida, parados ali na cozinha. Ela entrava e saía com pressa,
carregando as coisas para montar a mesa do café. Deixei Benjamin lá e fui
acordar Sophia, pois ele disse que sairíamos logo em seguida para o
shopping. Quando cheguei no quarto, nem foi preciso chama-la duas vezes.
Sophia se levantou com uma mega disposição e sorriu o tempo todo enquanto
escolhíamos uma roupa para usar.
— Aonde nós vamos? — perguntou, eufórica.
— Acho que ao shopping, ao parque... Não sei, mas seu pai tem
algumas ideias em mente.
— Você vai mesmo? — ela perguntou ao mesmo tempo em que
arregalava os olhos, com medo da minha resposta.
— Tenho que ir, né? — Suspirei, como se estivesse fazendo um grande
esforço em obedecer a sua ordem. — Você não me deixou com muitas
opções.
Ela desceu para tomar café e eu aproveitei para me arrumar. Escolhi um
vestido branco curto e soltinho, de algodão com pequenos bordados em linha
branca e rosa. Calcei um par de sapatilhas que eu quase não usava e desci,
percebendo o olhar do meu patrão observando minhas coxas, mas fingi que
não vi e ele nem falou nada.
Quando saímos, sentei-me no banco do carona ao entrar no carro e
Sophia foi atrás assistindo algum desenho em seu tablet. Não era a primeira
vez que eu andava no veículo de Benjamin, mas hoje estava mais nervosa do
que da outra vez.
— Bruna, acho que vou ter que me aproveitar um pouco de você. — Eu
quase engasguei e o encarei.
— Vai? — Esperava que meu rosto não estivesse tão vermelho diante
das perversões que se passaram em minha mente.
— Sim — respondeu ele, piscando para mim. — Queria aproveitar a
ida ao shopping e comprar umas roupas.
E o que exatamente eu e meu corpo tínhamos a ver com isso, era o que
eu tinha vontade de perguntar, mas preferi ficar quieta e esperar que ele
continuasse a se explicar.
— Você sabe, é sempre melhor uma opinião feminina nessas ocasiões
— concluiu.
Ah, era disso que Benjamin estava falando! Não era sobre querer me
arrastar para algum cantinho escuro e me usar de todas as formas possíveis.
Uma lástima, infelizmente. Sorri para o homem ao meu lado, quando na
verdade estava chorando por dentro.
— Eu posso ajudar, sem problema algum — respondi, espantando
minha frustração. — Pode... se aproveitar... de mim.

Eu não imaginei que o passeio seria tão proveitoso. Fizemos um tour


por algumas lojas infantis para comprar roupas para Sophia e depois foi a vez
do patrão. A primeira loja em que entramos só vendia ternos de grife e a
vendedora, muito educada e sorridente para cima dele, entregou-lhe alguns
modelos da Armani.
— Eu estarei aqui caso precise, ok? Pode me chamar — disse a
bonitinha ao se afastar, com esperanças de que pudesse dar umas olhadas a
mais no corpinho divino.
— Não será necessário, mas obrigado. — Ele me olhou e apontou com
o queixo para mim. — Confiarei no gosto dela.
Sorri para a vendedora, sentindo um arrepio interno e uma poderosa
satisfação. Peguei Sophia pela mão e fui na direção dos provadores com
Benjamin. Nos sentamos numa poltrona confortável, próxima da cabine e
esperamos. Então, de repente, ele apareceu dentro de um terno de corte
perfeito — apesar de eu não entender absolutamente nada desses detalhes de
alfaiataria masculina — cinza-chumbo que contrastava com seus olhos verdes
e o deixava mais lindo ainda.
— O que acham? — perguntou ele, abrindo os braços e colocando as
mãos nos bolsos em seguida.
— Nossa! — Pensei rápido em algo melhor para dizer. — Tem um
ótimo caimento!
Benjamin levantou sua sobrancelha de um jeito sexy demais que me
derretia toda, e prendi a respiração. Ele estava esperando por algum tipo de
elogio? Não acharia ruim se eu o chamasse de gostoso?
— E... combina com você. — Levantei e fui em sua direção, mexendo
as mãos como se quisesse focar em um determinado ângulo. — Acho que
esse lado aqui ficou muito bom.
— Bruna...
— E as mangas estão no comprimento certo.
— Bruna... — Ele sorriu e colocou as mãos sobre meus ombros. Virei
gelatina com aquele olhar. — Não quero saber como o terno está e sim como
eu estou.
Suspirei, nervosa e com o coração acelerado. Se ele queria elogio e eu
precisaria ser tão direta, comecei a fingir que sabia o que estava fazendo.
Alisei o tecido do paletó na altura de seu tórax, sem fraquejar ao sentir a
rigidez debaixo da roupa.
— Bem, você está perfeito! — Estalei a língua. — Não poderia usar
outra palavra.
— Gosta da cor?
Por que ele fazia tanta questão da minha opinião? Importava se eu
gostava da cor? Benjamin era o tipo de homem que ficaria bem usando um
pijama de bolinhas amarelas e roxas, com meias combinando. Desviei o
olhar, fingindo prestar atenção em Sophia, rezando para não estar vermelha
como um tomate.
— Adoro essa cor!
— Ótimo! — O homem parecia satisfeito quando começou a tirar o
paletó. — Vou experimentar o outro.
Dei uma boa olhada naquela bunda quando se virou para entrar
novamente no provador. Não demorou mais do que três minutos para que ele
reaparecesse ainda mais lindo, porque o terno da vez era preto e ele tinha
experimentado com uma camisa da mesma cor.
— Minha nossa senhora! — Não consegui conter minha empolgação,
até levei uma mão ao peito. — Esse, sem dúvida, é o mais bonito.
O filho da mãe abriu um sorriso perfeito e eu sorri também. Sophia e eu
aguardamos mais um pouco enquanto Benjamin também escolhia algumas
camisas sociais e tudo que experimentava, ele aparecia para pedir minha
opinião.
Quando saímos daquela loja, entramos em outra que vendia roupas
mais despojadas para que meu chefe comprasse calças jeans. Eu adoraria que
ele também pedisse minha opinião para aquelas peças de roupa.
— Está feliz, Soso? — perguntei, alisando o cabelo dela, quando
Benjamin sumiu dentro do provador.
— Uhum! — murmurou, sorridente.
Ela estava tão animada, nem reclamava de ter que ficar esperando as
trocas de roupas e prestava atenção a tudo.
— Quer fazer alguma coisa em especial? — perguntei, querendo dar
mais atenção a ela do que ao pai.
A menina abriu a boca para responder, mas se calou quando Benjamin
apareceu na nossa frente. Ele só podia estar me sacaneando. Precisava ficar
sem camisa e esfregar aquela beleza na minha cara? Instintivamente, dei um
pulo da poltrona.
— Calça bonita!
— Ficou boa? — Ele baixou os olhos para se olhar. — Gosto do
gancho dela.
— Do gancho?
Benjamin balançou a cabeça e levou a mão até o lugar onde ficava o tal
gancho da calça, que eu desconhecia. Que pornografia!
— Ah, sim! O gancho!
Ele voltou ao provador e, logo em seguida, a vendedora que estava nos
atendendo chegou com mais alguns modelos. Ela deixou tudo comigo para
que eu entregasse a ele, e quando bati na porta da cabine, fiquei sem ar.
Benjamin estava com os botões da calça abertos, mostrando um bom pedaço
da cueca e alguns fios escuros que desciam por aquele caminho perigoso.
— Aqui... — Senti minha garganta ficar mais seca do que o Saara. —
Calças. As calças! — Joguei tudo em cima dele, estava atônita e não podia
demonstrar que queria ficar encarando aquele pedaço do seu corpo. —
Experimente!
Saí de perto o mais depressa que pude e fui me sentar ao lado de
Sophia, que parecia muito tranquila enquanto nos observava, batendo as
pernas sem que os pés conseguissem tocar o chão.
— Seu pai me dá trabalho, Soso...
Afundei-me na poltrona e esperei até que a sessão de tortura chegasse
ao fim.
Perto da hora do almoço nós deixamos o shopping e paramos num
restaurante chique, que eu até fiquei com medo de ser barrada na entrada por
causa do saldo na conta bancária — ou a ausência dele. Fiquei nervosa
quando peguei o cardápio e notei que os nomes dos pratos eram todos
escritos em italiano, mas Benjamin fez a gentileza de pedir por mim.
— Está tudo bem, Bruna? — ele perguntou e pousou a mão sobre a
minha. Estava de frente para mim e, de vez em quando, eu chutava sem
querer seu pé ou canela ao cruzar minhas pernas. — Parece nervosa.
— Sim, estou bem. Só não estou acostumada com lugares assim. —
Sorri e pedi a Deus para que ele deixasse a mão ali por mais um tempinho,
mas ele logo a puxou de volta.
— Acho melhor se acostumar, já que vai ficar um bom tempo conosco.
Eu estava tímida, mas acho que precisava admitir que não era bem pelo
fato do restaurante ser chique e sim por estar ali com ele, só nós três, num
momento tipo família. Quem olhasse de fora poderia realmente achar que
éramos um casal e eu senti que duas mulheres de uma mesa próxima,
estavam me medindo dos pés à cabeça.
— Com licença. — Um garçom chegou trazendo nossas bebidas.
— Você pode pedir para tirarem o gelo, por favor? — Peguei o copo
que o homem tinha acabado de colocar na frente de Sophia. — Ela não gosta
de gelo.
— Sim, claro, madame.
— E traga, por favor, uma colher pequena para ela — completei,
lançando um sorriso educado ao garçom.
— Irei providenciar.
Quando dei por mim, percebi que Benjamin estava de braços cruzados
me encarando, com um sorriso leve no rosto. Seus olhos correram até Sophia
ao meu lado e depois voltaram para mim.
— O que foi? — Passei a mão pelos cabelos. Será que tinha caído
alguma coisa neles?
— Nada. — Ele aumentou o sorriso. — Você é simplesmente fantástica
com Sophia e ela parece te idolatrar.
— Ah. — Mordi o lábio sem saber o que dizer e esfreguei o braço da
menina. — Nós nos damos muito bem, não é Soso?
Ela balançou a cabeça, concordando com um sorrisão. Se tinha algum
plano de me unir a seu pai, então aquele momento era extremamente
importante. E eu percebi que estava certa assim que ela quase me esmagou ao
se jogar em cima de mim e me abraçar. O queixo de Benjamin quase caiu.
Depois do restaurante nós levamos Sophia no tal parque de diversões
de última geração que tinha inaugurado recentemente na cidade. Era
completamente diferente dos parques que eu costumava frequentar quando
criança, onde nós encontrávamos carrocinhas com pipoca e algodão doce.
Aquele era moderno e de gente rica, havia um monte de restaurantes com
mesinhas ao ar livre e que provavelmente custavam o olho da cara. Também
não tinha crianças segurando balões de ar e sim manuseando celulares de
última geração.
— Caramba, estou velha mesmo! — murmurei, talvez alto demais, e
Benjamin me olhou surpreso.
— Velha?
— Claro, olha só em volta. — Gesticulei, movendo os braços ao nosso
redor. — Na minha época nós tínhamos carrossel, trem-fantasma, carrinho de
bate-bate e não... — Observei uma fila monstruosa que aguardava a entrada
num determinado brinquedo. — Não crianças em jogos de realidade virtual.
Elas usam aqueles capacetes e se enxergam dentro do ambiente escolhido.
Acho que aqueles dois meninos estão lutando.
— Entendi o seu ponto. — Ele colocou as mãos em meus ombros. —
Mas Bruna, você não é velha.
— Hum...
— Sabe... — Sua sobrancelha levantou e ele sorriu de forma
brincalhona. — Acho que aqui tem exatamente o que você precisa.
Eu quis perguntar como ele tinha descoberto que eu precisava dele sem
roupa deitado na minha cama, mas fiquei calada quando notei que pai e filha
me puxavam pelas mãos. Passamos por vários brinquedos tão estranhos
quanto aquele primeiro até pararmos de frente para um que eu conhecia muito
bem. Redondo, com música infantil tocando na caixa de som e vários cavalos
coloridos girando. Senti vertigem, mas Sophia balançou minha mão.
— Por coincidência, é o brinquedo favorito da minha filha. Acho que
entendo vocês se darem tão bem.
— Mas não...
— Boa tarde! Vão juntas ou separadas? — Fui interrompida pelo
funcionário que se aproximou para pegar nossos passes.
Tarde demais para sair correndo. Sophia já me arrastava na direção do
carrossel e eu nada pude fazer.
— Separadas — respondi com pressa, sabendo que eu não era pequena
o suficiente para me sentar no mesmo cavalinho que Sophia.
Fulminei o funcionário com o olhar quando ele tentou me pegar no colo
para subir no cavalo. Quando viu minha cara nada satisfeita, levantou as
mãos como quem se rendia e se afastou. Montei num cavalo rosa com
estrelas azuis desenhadas no corpo e crina amarela. Apertei com força minhas
pernas no corpo do bicho de cerâmica e enrosquei as mãos no suporte de
ferro que o prendia.
— Bruna, você está bem?
Acho que era a voz de Benjamin, mas quando o brinquedo começou a
girar parecia que ele estava muito longe e também não poderia ter certeza se
era ele mesmo, já que meus olhos estavam fechados. Rapidamente as cenas
antigas começaram a passar pela minha memória e quando dei por mim, o
carrossel estava parando e meu herói me pegando no colo.
— Bruna?
Ok, talvez fosse apenas Benjamin, meu chefe. Mas ele estava mesmo
me pegando no colo e me levando para bem longe daquele monstro redondo
com cavalinhos que riem da nossa cara. Respirei fundo e abri os olhos
quando me senti mais segura. Estava sentada num banco de pedra, com
Benjamin e Sophia parados na minha frente.
— Estou melhor.
— O que houve? — Eu imaginei mesmo que ele ia querer uma
explicação. — Você passou mal? Parecia em choque.
— Eu... — Como explicar essa situação constrangedora? — Então, eu
tive um probleminha quando criança...
— Probleminha? — Benjamin franziu a testa. — Você estava
chorando. Isso me parece um problemão.
— Eu caí de um cavalo quando tinha mais ou menos a idade da Sophia,
durante um passeio do colégio.
— E se machucou?
— Não fisicamente, mas meus colegas riram e me perseguiram durante
meses por causa disso. Sempre que eu passava, eles imitavam um cavalo
relinchando.
Benjamin deu uma fungada tão forte que eu acabei levantando os olhos
para encará-lo e descobri que ele estava era tentando não rir. Eu estava
indignada! Contava meu maior trauma de infância a ele e o que recebia em
troca? Risadas!
— Nossa, me desculpe. — Ele ficou vermelho quando percebeu sua
gafe. — Desculpe mesmo. Eu entendo.
— Entende droga nenhuma! — Agora sim eu me sentia constrangida.
Levantei e comecei a andar na direção do banheiro do parque, mas ele me
interceptou.
— Tudo bem, admito que achei engraçado, mas não da maneira que
você está pensando. É que isso é apenas uma coisa do passado... Você só
precisa seguir em frente e não deixar mais que te atrapalhe. Todos nós
passamos por esse tipo de chateação na infância. Quando eu estava no auge
da minha adolescência, meus amigos me apelidaram e eu detestava.
— Um apelido? — Aquilo sim tinha me deixado curiosa, porque não
conseguia imaginar Benjamin Reed sofrendo bullying. — Qual era?
— James Dean.
Pensei por um momento, tentando entender a questão. James Dean, que
eu soubesse, tinha sido um tremendo galã. A não ser que meu chefe não
estivesse se referindo ao James Dean ator. Podia ser algum personagem de
desenho animado. Ou um cachorro...
— Que James Dean? — perguntei.
— Você sabe... o ator.
Ele não podia mesmo estar falando sério.
— E posso saber o motivo do apelido?
— É que as meninas me achavam o galã do colégio e também por
causa das roupas que eu costumava usar e... — Ele parecia sinceramente
envergonhado. — Bem, James Dean.
— E de que forma você acha que isso me ajuda? Enquanto você era
comparado a um símbolo sexual, eu era infernizada por sons de cavalos!
Revirei os olhos e entrei no banheiro, para sair logo em seguida quando
descobri que era masculino. Ignorei o sorriso que estampava o rosto de
Benjamin quando me viu entrar no banheiro correto e bati a porta atrás de
mim.
Depois do episódio fatídico do carrossel, tentei aproveitar o restante da
tarde, afinal, estava na companhia de Benjamin. Infelizmente, não andamos
juntos em nenhum brinquedo, já Sophia não poderia ficar sozinha enquanto
os adultos se divertiam, então ou eu estava me divertindo com ela ou ele fazia
isso.
— Acho que o dia foi ótimo, não foi garotas? — meu chefe perguntou
enquanto dirigia de volta para casa, olhando pelo retrovisor para encarar
Sophia e depois voltando-se para mim. — Até mesmo o imprevisto com... o
carrossel... acho que deu para ser esquecido.
— Uhum. — Uma ova que foi esquecido.
Por uma fração de segundo, meus olhos conseguiram captar o gesto
dele. Sua mão direita instintivamente soltou o volante e veio na direção da
minha perna, mas acho que nem Benjamin sabia o que estava fazendo. No
meio do caminho, antes que eu pudesse sentir seu toque, ele deve ter
percebido que não éramos uma família e apoiou a mão rapidamente sobre o
console central. Seus olhos continuavam fixos na estrada e eu estava nervosa
demais para esboçar alguma reação, então apenas virei meu rosto para olhar
pela janela e torci para chegarmos logo.
Abigail apareceu para perguntar o que o Sr. Reed gostaria de jantar tão
logo nós pisamos dentro de casa e isso me fez lembrar de algo muito
importante.
— Lembre-se de não colocar meu prato na mesa, por favor. Não
jantarei aqui esta noite. — Sorri para ela, apesar de receber um olhar
entediado de volta.
— Você ainda vai ao encontro? — Benjamin perguntou quando eu já
estava subindo a escada.
— Sim. A não ser que você precise de mim aqui.
— Claro que não. Você tem todo o direito de sair e se divertir. — Ele
abraçou Sophia, que estava com a expressão mais enciumada que eu já tinha
visto em seu rostinho. — Acho que eu e Sophia sobreviveremos por uma
noite, não é querida?
A menina não parecia concordar com ele. Tirou o braço do pai que
estava ao redor de seus ombros e subiu a escada correndo, passando com
fúria por mim. Ouvimos o barulho de uma porta batendo e eu imaginei que a
noite deles não seria tão agradável como ele pensava.
Depois de um banho rápido e uma tentativa de corrigir as imperfeições
diante do espelho do banheiro, tive dificuldade na hora de escolher uma
roupa. Usei aquele velho truque de colocar a peça na frente do corpo
enquanto olhamos a imagem no espelho, mas nada parecia ser ideal. Eu
queria ficar bonita, mas não queria que o Joseph entendesse minha produção
como um recado de que eu estava interessada nele.
Por fim, depois de estar prestes a desistir, achei no fundo do armário
um vestido que eu nem lembrava que existia. Daqueles pretinhos básicos,
pouco acima dos joelhos, com um corte que moldava meu corpo sem ficar
justo e que possuía um decote comportado, mostrando só o necessário para
me deixar bonita. Fiz um penteado simples, deixando alguns fios soltos em
volta do rosto e passei uma maquiagem leve, apenas destacando os lábios. No
final, fiquei satisfeita com o resultado e até pisquei para meu reflexo.
— Te digo uma coisa, Bruninha: se eu fosse o nosso chefe, já estaria
arrastando você pra cama.
Corei com minhas próprias palavras e olhei na direção da porta para me
certificar de que não havia ninguém ali me olhando e presenciando minha
obsessão por Benjamin. Era óbvio que eu não tinha a menor intenção de me
envolver com Joseph, mas aproveitaria o jantar e me divertiria.
Desci dez minutos antes da hora marcada com ele e não encontrei
ninguém esperando por mim na sala de estar. Meio que tinha fantasiado uma
cena que costumava acontecer muito em filmes adolescentes americanos,
onde a mocinha linda desce a escada, pronta para o baile de formatura e toda
sua família — além do par perfeito, geralmente o capitão do time de futebol
do colégio — a encara boquiaberta e emocionada com tamanha beleza.
Respirei fundo. Eu não tinha um capitão do time de futebol esperando
por mim e minha família estava a um continente de distância.
— Bruna! — Coloquei um sorriso no rosto quando ouvi a voz de
Benjamin atrás de mim. — Você está... muito bem!
— Obrigada. — Eu esperava por um “deslumbrante”, mas aquilo
servia. Não pude deixar de notar que ele tinha se trocado e não estava usando
a roupa mais adequada para ficar em casa. — Você vai sair?
— Sim, Rose praticamente me obrigou.
Inacreditável! Justo no dia em que eu teria uma noite para mim,
Benjamin se negava a ficar em casa com a própria filha.
— E Sophia vai ficar com quem? — perguntei, tentando dizer para meu
cérebro que eu não era mãe dela e não podia voar no pescoço do meu chefe.
— Rose arranjou uma babá de última hora para tomar conta de Sophia.
— Ele sorriu. — Não se preocupe, ela estará em boas mãos. Aproveite a
noite, ok?
Pressionei meus lábios um no outro antes que meu queixo fosse até o
chão, porque eu estava embasbacada com tamanha displicência de Benjamin.
Por um instante, cogitei que tudo não passasse de uma cena de ciúme, só
porque eu ia sair com outra pessoa. Mas ele nem mesmo me notou direito. Eu
estava um arraso e minhas pernas estavam elegantemente moldadas pelo salto
alto e... A campainha tocou e Benjamin me deu as costas para atender.
— Boa noite.
— Boa noite. — Sua voz engrossou um pouco mais ou era impressão
minha? — Você deve ser o encontro da Bruna.
— Sim, sou Joseph.
Os dois machos se cumprimentaram diante de mim, que assisti de
braços cruzados enquanto desejava as piores coisas do mundo para Rose. Não
queria dar mais papo a Benjamin, então peguei minha bolsa de cima do
aparador e passei pela porta, esbarrando de propósito nele e olhando-o por
cima do ombro.
— Uma pena você não aproveitar a noite com Sophia, a sua filha, mas
divirta-se. — Sorri, tentando parecer amável.
Acho que ouvi ele murmurar alguma coisa, mas não dei muita
importância, pois saí puxando a mão de Joseph só para controlar minha
vontade de falar umas boas verdades para aquele pai tão omisso.
O professor de dentes muito brancos, que provavelmente tinha sido
clareados recentemente, abriu a porta do carro para mim. Depois que ele
entrou e deu a partida, virou para me encarar.
— Está tudo bem?
— Sim, perfeito! — respondi, mentindo.
— Esse bater de perna é um tique nervoso então?
Só então eu me dei conta de que estava sacudindo a perna direita, um
costume que eu tinha quando ficava alterada. Parei na mesma hora e sorri
para Joseph, notando o homem pela primeira vez desde que tocara a
campainha. Ele estava realmente interessante, pela primeira vez. Vestia uma
camisa azul marinho de gola em v que marcava seu peitoral definido — outra
coisa que eu estava reparando pela primeira vez — e uma calça jeans bem
escura. Usava um relógio bonito em seu pulso largo e exalava um perfume
gostoso. Pisquei algumas vezes para processar todo o conjunto e voltei a
olhar para a frente.
— Então, o que estava acontecendo quando eu cheguei? Parecia que
tinha interrompido alguma coisa — perguntou com a voz calma sem tirar os
olhos da estrada.
— É só que Benjamin é um pai muito ausente. Era para ele ficar com a
filha hoje, já que eu estou saindo, mas faz tudo que aquela loira manda.
— A tal loira é namorada dele?
— Algo assim — respondi, frustrada.
— E você não gosta dela.
— Joseph riu.
Talvez eu não devesse ficar falando de certas coisas com um cara que
mal conhecia, mas acabei rindo junto com ele. Pelo menos poderia falar de
Rose sem ter que me preocupar com minhas boas maneiras diante do meu
chefe.
— Bem, é verdade, não gosto dela. Benjamin merece algo melhor e
Rose é uma falsa. Já me disse coisas horrorosas e não gosta de Sophia,
apenas atura a menina. Ela é a personificação da madrasta da Cinderela. —
Estava sem fôlego porque cuspi tudo rápido demais, no ritmo da raiva.
— Entendo. Mas Benjamin gosta dela, não é?
— Parece que sim.
— Então acho que você deve omitir sua opinião na presença dele —
disse o professor, enquanto parava o carro na porta de um restaurante de
aparência chique e um manobrista vinha abrir minha porta. — Ela pode ser o
tipo da mulher que não vai pensar duas vezes antes de te arrumar um
problema.
Ele deu o nome para que achassem nossa reserva e fomos levados até
uma mesa na área dos não fumantes. Joseph estava sempre todo sorridente,
mas ainda mantinha um ar sério que provavelmente deveria usar dentro de
sala de aula.
— O que você quer dizer com Rose me arranjar problemas? —
perguntei enquanto o garçom nos entregava os cardápios.
— Bem, se ela é como você diz, então estará disposta a tudo para ter a
atenção do seu patrão só para ela. E já que você se dá tão bem com a filha
dele e tudo mais... Você sabe... — Ele encolheu os ombros. — Acaba sendo
um empecilho para Rose.
Não quis entrar em detalhes e dizer que eu mesma seria a pedra no
caminho da loira má, então resolvi mudar de assunto. Falar de Rose enquanto
escolhia o que comer acabaria me causando uma indigestão.
Dei uma olhada rápida nos pratos listados no menu e torci para que
Joseph não aceitasse dividir a conta. Eu, no mínimo, deixaria quase a metade
do meu salário naquele local. Eu nem sabia que professores neste país
ganhavam tão bem para frequentarem restaurantes daquele nível.
Acabei optando por uma refeição que não tivesse um preço absurdo e
sorri para ele, tentando pensar no que conversar para passar o tempo. Apesar
de demonstrar ser um cara legal, minha mente estava em outro lugar.
— Então, que tal se me contar o que te faz estar sempre atrasada? —
Ele estreitou os olhos, mas exibia um semblante divertido, zombando da
minha cara.
— Não estou sempre atrasada. Só de vez em quando.
— Mas vocês duas gostam de uma boa corrida matinal ou é apenas
atraso mesmo?
— Sophia é impossível quando quer. — Suspirei e apoiei os braços na
mesa. — Ela não fala, ela faz drama, ela...
— Não fala? — O professor me interrompeu, com a testa franzida. —
Eu não sabia disso.
— Tem relação com a morte da mãe dela. Sophia parou de falar logo
depois e parece que o comportamento também mudou. Mas eu não sei muita
coisa, só mesmo o que Benjamin me contou logo que cheguei.
— E como você faz para se comunicar com ela? É difícil lidar com
crianças com esse tipo de trauma. Já tinha experiência?
— Você não me deixou terminar de explicar. Sophia fala. — Percebi
que ele levantou as sobrancelhas e parecia perdido na conversa. — Quer
dizer, ela fala só comigo. Ninguém sabe disso. Quando estamos perto de
qualquer outra pessoa, ela fica muda. Eu contei uma vez ao Benjamin e ele
não acreditou em mim, depois isso me causou problemas com Sophia. Então,
agora prefiro não comentar mais com ninguém e esperar que ela volte a falar
por vontade própria. Por favor, não conte isso por aí.
Tinha me inclinado por cima da mesa e agarrado a mão de Joseph, o
que fez com que ele me olhasse com enorme interesse. Recuei imediatamente
e voltei a me sentar direito, envergonhada por ter contado tudo aquilo. Eu e
minha boca grande.
— Não irei contar a ninguém, Bruna. — Piscou. — Eu nem mesmo
conhecia seu chefe antes desta noite.
— Merda! — xinguei, apertando o guardanapo no colo.
— Perdão, o que disse?
Eu não tinha xingado Joseph, mas sim o que estava um pouco mais
atrás dele. Senti-me completamente desacreditada na força do universo
quando vi que Benjamin e Rose estavam ali dentro do restaurante. Quais as
chances para eu ser tão azarada?
— Não foi com você... — Ah não, ah não! O casal estava caminhando
bem na direção da nossa mesa e meu chefe me encarava com atenção.
Pigarreei quando ele fez questão de parar do meu lado e sorrir. — Oi,
Benjamin.
Joseph tinha levantado a cabeça para Benjamin e também parecia
surpreso.
— Olá, prazer. — A loira estendeu a mão para ele. — Sou Rose.
— Joseph — pigarreou.
Eu estava calada porque ainda não acreditava naquela droga de
coincidência. Com tantos restaurantes para frequentar, aquilo tinha mesmo
que acontecer? Engoli devagar, enquanto ainda encarava Benjamin, que
também não tirou os olhos de mim.
— Não sabia que estariam aqui — disse ele, visivelmente
desconfortável. — Talvez a gente deva juntar as mesas?
— Oh meu Deus, não! — Exagerei na resposta muito enfática, então
tentei consertar. — Quero dizer, não queremos atrapalhar a noite de vocês.
Eu e Joseph estávamos prestes a escolher outro restaurante e...
— A refeição, senhores. — O infeliz do garçom chegou com nossa
comida e colocou tudo na mesa, olhando para as quatro pessoas confusas. —
Desejam ir para uma mesa maior?
Quando os dois machos concordaram, senti um embrulho no estômago
e achei que fosse ter uma indigestão comendo na presença de Rose. Ainda me
lembrava perfeitamente do dia em que fiquei presa embaixo da mesa e
precisei testemunhar o ataque do pé maldito às pernas do meu chefe.
Enquanto Benjamin e Rose esperavam por seus pedidos, Joseph
engatou uma conversa e parecia muito à vontade. Conversava tranquilamente
com meu chefe sobre os mais diversos assuntos e até com Rose ele conseguia
ser simpático.
— Então Bruna, você nunca disse que estava namorando. — O vinho
que eu estava bebericando desceu pelo lugar errado e precisei soltar a taça
para levar as mãos à boca e tossir até me desengasgar.
— Nós não somos... — Encarei a loira, que exibia um sorriso discreto
de satisfação por ter me colocado nessa situação constrangedora. — Não
somos namorados. Este é nosso primeiro encontro.
Percebi que Joseph tinha um sorriso gigante estampando o rosto,
provavelmente muito feliz por ter sido citado como meu namorado, mas
Benjamin olhava para Rose com a testa franzida. Eu a olhava com todo o
ódio que existia nesse meu corpo magro.
— De onde você tirou que eles são namorados? — perguntou meu
chefe.
— Achei que fossem. — Ela fez uma expressão de quem se desculpava
pelo fora, mesmo quando eu sabia que não era verdade. — Não são? Vocês
combina tanto!
Eu combino com o homem que está ao lado dela, mas deixei esse
pensamento guardado dentro de mim e tomei um longo gole de vinho até
esvaziar a taça. Fiquei aliviada quando as refeições do casal chegaram, assim,
talvez, Rose pudesse ficar de boca fechada por uns minutos.
— Bruna disse que você dá aula no colégio onde minha filha estuda —
comentou Benjamin, entre uma garfada e outra.
— Ela está certa. Eu leciono matemática para o segundo ano.
— Nossa, que interessante!
Desde quando matemática podia ser considerada realmente
interessante?
— Sua filha... Sophia, certo? — Joseph perguntou e Benjamin
confirmou com a cabeça. — Ela é uma graça. E parece adorar a Bruna.
— Eu já notei que as duas se dão muito bem. — Adorei a forma como
meu patrão me olhou, demonstrando orgulho de suas palavras. — Não vejo
Sophia se relacionar assim com alguém desde que Sarah faleceu.
Rose, que estava sentada de frente para mim, parou de mastigar quando
ouviu a palavra “esposa”, mas se recompôs rapidamente para que ninguém
percebesse. Eu, no entanto, estufei o peito e abri um sorriso de satisfação com
o que ele falou.
— Saber disso significa muito para mim. Ai! — Soltei meus talheres e
olhei com raiva para Rose, que tinha chutado minha canela. — Por que me
chutou?
— Desculpe, só estava cruzando as pernas. Elas são longas.
— Não sabia que você usava tanta força para um simples cruzar de
pernas. — Empurrei minha cadeira e me levantei. — Com licença... Vou
procurar o banheiro.
Os dois homens ficaram me encarando como se não tivessem entendido
nada, mas eu não esperava absolutamente nenhuma outra reação deles.
Homem é tudo tapado mesmo. Fui ao banheiro para evitar me atracar com a
loira ali na frente de todos, já que estava com o sangue quente. Parei diante
do espelho e respirei fundo, me acalmando aos poucos e depois fui usar o
privado. Enquanto dava descarga, ouvi saltos finos andando pelo piso de
mármore e antes de olhar a dona do sapato, já sentia que sabia quem era.
— Bruninha?
— Meu nome é Bruna. — Abri a porta e parei na frente dela, de braços
cruzados. — Quer alguma coisa?
— Só pedir desculpas por ser tão estabanada. Mas acho que você sabe
como é ser assim... desajeitada, não é?
Ela tinha alguma fantasia mórbida de apanhar dentro de um banheiro?
Porque era isso que estava prestes a acontecer. Por sorte, uma mulher entrou
e parou diante do espelho para retocar a maquiagem.
— Eu realmente não posso dizer se entendo o que quer dizer, Rose. Na
verdade, até hoje o Benjamin tem me elogiado bastante.
Respirei fundo, com um sorriso bem grande, e saí do banheiro sem
esperar por ela. Joguei conversa fora com Joseph e Benjamin enquanto Rose
não voltava para a mesa e não me dei ao trabalho de olhar para ela quando
retornou. Apenas ouvi a sua risada forçada enquanto pegava em seus talheres
e eu me perguntei do que a loira estava rindo.
— Benjamin, não imaginava que pudesse vir me dar tão bem com
Bruna! — Parei com meu garfo a caminho da boca e olhei para Rose,
tentando entender o que ela estava planejando. — Ela é hilária!
— Fico feliz que estejam se dando bem. Acho que Bruna precisa
mesmo de amizades por aqui, não é?
Não me dei ao trabalho de responder aquela pergunta porque estava
desconfiada demais. A última coisa que eu queria na vida era ser amiga de
Rose.
Notei que Joseph me olhou sem entender, assim como eu, já que eu
tinha contado a ele o que achava sobre a loira.
— Sério mesmo, agora eu entendo a Sophia gostar tanto de Bruna. Ela
tem alma de criança. — Rose bateu palminhas. — É tão divertida!
Tentei ao máximo ignorar que tivesse me chamado de criança na frente
de todos. Não seria isso que me tiraria do sério e além do mais, dependendo
do ponto de vista, poderia ser considerado um elogio. Afinal, eu me dava
muito bem mesmo com Sophia e já era apaixonada por aquela pestinha.
— Devo dizer, Benjamin, que não sabia que eu tinha um namorado tão
liberal.
Desta vez, não somente Benjamin a encarou, como eu e Joseph também
o fizemos. Qual o caminho que Rose estava tomando para me afetar? E o que
Benjamin tinha a ver com aquilo?
— Eu sou? — Ele levantou as sobrancelhas, sorrindo um pouco sem
graça.
— Ah sim, com certeza você é! — Ela encostou a mão em seu braço,
muito afetada. — Eu não conheço muitos pais que achariam normal uma
babá com gostos peculiares e... ilícitos.
Do que aquela vaca estava falando? Senti um arrepio percorrer minha
espinha e mordi minhas bochechas para evitar gritar e puxar seus cabelos.
Minhas mãos ficaram geladas e queria me antecipar e dizer a Benjamin para
não ouvir suas mentiras, mas eu nem mesmo sabia a que Rose se referia.
— Do que você está falando? — ele perguntou para ela, mas era a mim
que encarava.
— Ah, você sabe... — Rose riu e levou uma mão até a boca, fazendo
uma mímica que imitava uma mulher fumando.
— Bruna fuma? — perguntou meu chefe. — Eu não sabia, mas
realmente não me importo.
Eu me importo! Nunca tinha fumado na vida!
— Mas eu não...
— Ora! — Rose me interrompeu e abaixou a voz, aproximando-se de
Benjamin. — Você também gosta de maconha, Benjamin?
O quê?
Precisei segurar nos dois lados da cadeira para não cair, levando em
consideração o tremor que percorreu todos os meus músculos. Cheguei a
fazer menção de me mover na direção dela, mais precisamente por cima da
mesa em direção ao nariz da loira, mas a mão de Joseph apertou minha coxa
por baixo da mesa e me manteve no lugar.
— Maconha? — Benjamin falou alto sem querer e depois olhou em
volta para conferir se alguém tinha ouvido. Depois se inclinou na minha
direção e sussurrou. — Você fuma maconha?
— Eu não fumo! Rose deve ter se enganado. — Não me contive e nem
a mão de Joseph me segurou. — De onde você tirou essa ideia, sua louca?
O professor precisou me segurar pelos ombros para que eu não saltasse
sobre a mesa, o que era o que estava quase fazendo. A filha da mãe se fez de
assustada e arrependida pelo que disse, levando a mão à boca e balançando a
cabeça, quase derramando lágrimas.
— Oh Deus, Benjamin não sabia? Me desculpe, Bruna... — Ela olhou
para meu patrão. — Por favor, esqueça o que eu disse, por favor, Benjamin!
Veja, ela é uma boa babá, nunca colocou Sophia em perigo.
A vaca estava mesmo querendo me difamar! A simples menção do
nome Sophia na mesma frase que a palavra “perigo”, fez com que um brilho
rápido passasse pelos olhos de Benjamin e ele voltou a me encarar, mas se
controlava para manter a compostura.
— Gostaria de conversar com você quando estivermos os dois em casa,
Bruna. — Ele deu um forte suspiro e se recostou na cadeira, passando a mão
pelos cabelos. — Quando estivermos a sós.
Um silêncio constrangedor pairou sobre nossa mesa e eu não sabia o
que fazer. Se me movimentasse um centímetro sequer, iria estapear a vadia da
Rose. Ela tinha jogado muito mais baixo do que eu sequer havia cogitado.
— Estou arrasada e me sentindo culpada por toda essa confusão. Como
Bruna estava tranquilamente utilizando um cigarro no banheiro, eu achei que
você soubesse.
— Por que você não cala...
— O quê? — Mais uma vez fui interrompida, dessa vez pelo próprio
Benjamin. — Você estava usando aqui? Em público?
Antes que eu pudesse responder, fui surpreendida por Joseph, que
puxou-me pelo pescoço e me beijou na boca. Não tive reação, já que foi algo
tão rápido e tão desconcertante. Ainda estava atônita quando ele me soltou,
exibindo um sorriso de garanhão e olhando para Benjamin.
— Acredite, se ela tivesse fumado maconha, eu teria percebido o gosto.
Desde quando ele tinha autorização para me beijar assim do nada, só
para tirar a limpo uma discussão? Tudo bem que tinha sido para me defender,
mas não significava que eu tinha aprovado. Agora eu estava com raiva de
Rose por ter me humilhado, de Benjamin por ter desconfiado de mim e de
Joseph por ter se aproveitado do momento delicado. Minha noite não podia
ser pior!
— Sim, eu sei... nós ficamos conversando e acho que ela esqueceu de
fumar... — Rose tinha uma resposta para tudo, claro.
— Pode me levar para casa, Joseph? — pedi, evitando olhar para o
outro casal.
— Lógico! — O professor puxou a carteira e colocou alguns dólares
sobre a mesa, empurrando-as para Benjamin. — Pode ficar com o troco.
Acho que eu estava em estado de choque quando ele me tirou do
restaurante, porque praticamente me deixei ser guiada até o carro, sem ter
muita noção de nada ao nosso redor. Só quando estava sentada no banco do
carona é que respirei profundamente e encostei a cabeça, fechando os olhos.
— Merda.
— Não foi tão ruim — disse ele e eu precisei abrir os olhos para
encará-lo.
— Você está brincando, né? Não foi tão ruim? Foi péssimo! Meu
patrão acha que eu fumo maconha. Ele deve estar pensando as piores coisas
de mim. Pode até chegar em casa e me despedir.
— Você ainda poderá tentar consertar as coisas quando forem
conversar. Ele deixou bem claro que vai te procurar depois.
Eu não sabia como dizer a Joseph que quando estava diante de
Benjamin minhas pernas costumavam ficar bambas e meu coração acelerava
irritantemente. Eu não conseguiria agir de uma forma séria e respeitosa para
que ele acreditasse que eu era uma adulta responsável.
— Eu não achei que ela fosse tão baixa — choraminguei, muito triste
por ter sido difamada. — Que vaca!
— Ela pode ser ridícula, mas é gostosa e está com esse Benjamin
comendo na palma da mão.
Olhei sem acreditar no que o professor tinha acabado de dizer.
— O que foi? — perguntou, sem entender minha expressão incrédula.
— Sério mesmo que você acabou de chamar minha inimiga de gostosa
na minha frente?
— Eu sou homem. — Ele encolheu os ombros. — Ela é gostosa. Você
é gostosa. Isso não muda as coisas. Seu chefe está caidinho por ela.
— Obrigada por toda a sua sensibilidade! — Bufei e contei os minutos
para chegar em casa. — Se é assim que você age em seus encontros, não
imagino como possa se sair bem no final das contas.
— Beijei você, não foi? — Piscou para mim.
— Sim, me beijou à força! — Cruzei os braços, indignada. — Num
piscar de olhos você já estava em cima de mim.
Ele gargalhou, se divertindo com minha desgraça. Este era, sem
dúvidas, o encontro mais caótico que eu já tivera na vida.
— De qualquer forma, você deveria me agradecer. Meu beijo foi
realmente para provar que você não tinha fumado.
— Benjamin acreditou em você.
— Você não sabe, sabe?
Bem, era uma conversa que não me levaria a lugar nenhum. Eu também
não estava no clima para ficar discutindo um beijo roubado enquanto meu
pescoço corria perigo. Se fosse demitida, teria que voltar para o Brasil, para a
casa dos meus pais, como uma fracassada que não consegue tomar conta de
uma criança.
O pior de tudo, é que um nó se formava em minha garganta sempre que
eu me imaginava dizendo adeus à Sophia.
— Está entregue. — Joseph desligou o carro e tirou o cinto de
segurança, virando-se para mim. — Você vai ficar bem?
— Não sei.
— Se precisar me ligar...
— Tenho seu número. Pode deixar. — Sorri com sinceridade.
Joseph era um cara legal, ou pelo menos fingia ser. Em nenhum
momento tinha acreditado em Rose e, se não fosse sua presença ali, eu
provavelmente teria me rebaixado ao mesmo nível dela e dado uns tapas
naquele rosto cheio de botox. Olhando com atenção, o cara sentado ao
volante daria um ótimo partido se eu não estivesse apaixonada por Benjamin
Reed.
— Boa noite, Joseph. — Inclinei-me e beijei seu rosto, saindo do carro
logo em seguida. — Obrigada por tudo.
Ele sorriu, balançando a cabeça, depois saiu com o carro até
desaparecer na esquina. Suspirei e virei de frente para a casa majestosa que se
estendia diante de meus olhos, sabendo que sentiria saudade de morar ali.
Dispensei a babá contratada por Benjamin e conferi se Sophia estava
dormindo. Enquanto a observava num sono tranquilo, fiquei pensando se ela
sentiria minha falta quando eu fosse obrigada a ir embora. Será que ela
aceitaria bem a próxima babá?
Fiquei acordada até tarde, já que não tinha sono algum e sabia que teria
que conversar com Benjamin quando ele chegasse. Sentia-me cansada,
passava de meia-noite e nada de Benjamin chegar em casa. Comecei a cogitar
deixar a conversa para o dia seguinte e estava me encaminhando para o meu
quarto, quando ouvi a porta da sala ser aberta. Meu patrão logo apareceu na
escada, com a camisa toda amarrotada, os cabelos mais desgrenhados do que
de costume e uma marca de batom no pescoço.
— Bruna... — Ele parou na minha frente, com as mãos dentro dos
bolsos da calça. — Não achei que estivesse acordada.
— Não estava com sono e resolvi esperar para conversar.
Pelo suspiro que Benjamin soltou, parecia que sua noite tinha sido
agradável demais e ele não pretendia estraga-la retornando ao tal assunto,
mas tudo que fez foi encostar na parede de frente para meu quarto e inclinar a
cabeça um pouco de lado, me observando.
— O que foi aquilo no restaurante? — Seus olhos se estreitaram. —
Quando preenchi a ficha de solicitação, eu não me lembro de ter colocado
que aceitava garotas com vícios desse tipo.
— Eu não tenho vícios! — Meu tom de voz foi decidido, não me deixei
abalar. — Nunca fumei cigarro algum, muito menos maconha. Pode parecer
algo que todo mundo deve dizer quando está em negação, mas eu juro que
nunca fiz isso.
Benjamin não parecia convencido, então escancarei a porta do meu
quarto para ele.
— Se eu estou sempre fumando como a Rose fez parecer, então seria
normal eu ter um pouco disso comigo, certo? — Gesticulei. — Se quiser,
pode revistar meu quarto, minhas roupas, banheiro, tudo.
Ele se aproximou e tocou minha mão para fechar novamente a porta do
meu quarto. Fiquei nervosa com sua pele quente sobre a minha, mas evitei
demonstrar qualquer tipo de reação que aquilo pudesse ter causado em mim.
— Não vou revistá-la, seria um exagero. Gosto de você e está claro que
minha filha te adora. Desde que essas coisas... que você gosta de fazer... não
interfiram no seu trabalho nem coloquem minha filha em risco, tudo bem.
— Você não vai me demitir?
— Lógico que não. — Ele revirou os olhos como se aquela ideia fosse
estúpida o bastante para ter passado por sua mente. — Boa noite, Bruna.
Eu poderia ter me conformado, ter me despedido e voltado para o
quarto, para finalmente ter uma noite de sono tranquila. Acordaria com a
certeza de que meu trabalho estaria garantido por muitos meses, mas algo
estava entalado na minha garganta. Benjamin agiu como se ele tivesse certeza
de que Rose tivesse dito a mais pura verdade e isso eu não poderia aceitar.
— Espera aí! — Puxei de leve sua camisa quando ele me deu as costas
e isso fez com que parasse e se virasse para me olhar. — Você acha mesmo
que eu fumo maconha?
— Não precisa tentar me convencer, Bruna. — Ele deu de ombros. —
Rose me fez enxergar que não é realmente nada de tão grave, desde que você
seja cuidadosa.
— Rose?
Ele arqueou uma sobrancelha, provavelmente surpreso por eu ter
praticamente rosnado ao falar o nome da vaca. Dane-se que ela fosse
namorada dele, eu estava puta demais para me importar com isso.
— Pois fique você sabendo — cutuquei seu peito com o dedo — que
Rose inventou tudo isso para me atingir. Ela não gosta de mim e sempre
deixou isso bem claro. — Para garantir que não restasse mais dúvida alguma,
aumentei meu tom de voz: — Eu não sou maconheira!
Benjamin recuou um passo na tentativa de fugir de uma possível
agressão.
— Você está querendo dizer que foi tudo invenção de Rose? — Pela
sua expressão, ele devia achar que eu tinha fumado muita maconha a ponto
de ter afetado meu cérebro. — Porque ela é a última pessoa que eu posso
imaginar fazendo algo desse tipo, Bruna.
— Eu nem sei por que estou contando isso a você, visto que ela é sua
namorada e eu sei que posso me encrencar por causa disso...
— Você quer mesmo insistir nesse assunto? — perguntou ele, deixando
claro, pela sua voz e seu olhar, que eu só podia ser maluca.
— Lógico, pois sou inocente! Eu nunca fiz nada para Rose me detestar,
mas essa é a mais pura verdade. Ela não vai com a minha cara desde o dia
que me conheceu.
— Eu posso saber com qual objetivo a Rose faria isso?
Rose devia ser muito boa na cama para que Benjamin a defendesse
tanto e colocasse sua mão no fogo pela loira. Eu não só estava irritada como
também muito magoada. Tudo bem que não éramos amigos nem íntimos,
mas eu já estava há um tempo trabalhando para ele e achei que me
considerasse um pouco mais.
— Porque ela não gosta de mim — respondi, tirando um peso de cima
dos ombros. — Deve ter ciúmes, inveja, sei lá! E se minha palavra não bastar
para você, lembre-se que o Joseph me beijou para confirmar.
— Eu vi que ele a beijou, mas até que ponto ele estava sendo sincero,
eu não faço ideia. — Benjamin me olhou desconfiado e meu sangue ferveu.
— Afinal, vocês dois estão saindo. Lógico que ele iria protegê-la.
— Primeiro, nós não estamos saindo! E segundo, se você duvida tanto
assim da palavra de Joseph, por que você mesmo não tira a prova real?
Ai, porra! Nem sei de onde saiu toda essa coragem para afrontar o
homem desse jeito. Jura que mandei que me beijasse? Lá no fundo, bem no
fundo, eu sabia que só estava usando a situação como desculpa para tentar
ganhar um beijo do dono de olhos verdes incríveis.
Benjamin continuou com a mesma expressão de dúvida que tinha antes
e passou a mão pelos cabelos enquanto suspirava.
— Bruna...
— Desculpe, esqueça o que eu disse. — Levantei as mãos em sinal de
paz querendo tomar vergonha na cara e me esconder em meu quarto. — Vou
fingir que aceito o fato de ser maconheira e pronto. Não preciso que acredite
em mim, só não quero ser demitida injustamente.
Se eu tivesse sonhado com o que aconteceu, não teria mesmo sido
daquele jeito surpreendente. Num momento eu estava bufando de indignação
e dispensando meu chefe, pronta para não falar mais com ele. No outro, suas
mãos me seguravam os braços e sua boca grudava na minha.
Durou pouco mais de três segundos, mas foi o suficiente para que meus
joelhos perdessem as forças, minhas panturrilhas tremessem e minhas mãos
suassem. Foi um beijo casto como um selinho, mas pude ter uma prévia de
como seria invadir aquela boca gostosa e encontrar sua língua. Então,
Benjamin me soltou.
— Isso foi... — Ele esfregou as mãos no rosto, parecia tão atônito
quanto eu. — Nossa, me desculpe, Bruna. Eu não pretendia...
— Ok. — Diante de todas as sensações que eu acabara de
experimentar, não havia muito o que dizer.
— Eu bebi um pouco além da conta essa noite. — Ele me encarou, os
olhos queimando os meus. — E você ficou com todo esse papo sobre beijar
e...
— Estava tentando me inocentar, só isso — esclareci sem me importar
se estava o interrompendo, mas precisava manter meu orgulho.
— Eu não acho que Rose tenha motivos para sentir ciúmes de você,
Bruna — ponderou Benjamin, franzindo a testa. — Por qual motivo? Sua
relação com Sophia?
O homem diante de mim só podia ser cego. Realmente achava que todo
o circo que foi armado era por causa de Sophia? Ponderei por um tempo,
pensando se valia a pena explicar a situação ou deixá-lo no escuro, mas
parecia que Benjamin começava a entender tudo por conta própria enquanto
erguia as duas sobrancelhas.
— Não tem nada a ver com Sophia, não é? — questionou, sabendo a
resposta.
Ele permaneceu algum tempo me encarando e senti que seus olhos
passeavam pelo meu corpo até voltar novamente a fitar meu rosto. Estava em
negação, mas eu não o culpava por isso.
— Por que ela acharia algo do tipo? — Ele abriu a boca e fechou, então
abriu de novo. — Bruna, por favor, se por acaso eu dei a entender alguma
coisa a você...
— Pare agora! — eu o interrompi mais uma vez e espalmei a mão em
seu peito, empurrando-o de leve na direção de seu quarto. — Sou apenas a
babá da sua filha, não me coloque mais ainda no meio dessa confusão com a
sua namorada.
Benjamin se calou e assentiu, se afastando lentamente de costas sem
tirar os olhos de mim. Eu daria tudo para saber o que se passava naquela
cabeça, mas de jeito algum me insinuaria para ele mais do que já tinha feito
mentalmente.
— Afinal de contas, conseguiu a prova? — perguntei antes de me virar
para ir embora. — Com o beijo? Viu como eu não fumei?
— Para falar a verdade, eu não faço a menor ideia de como é o hálito
de alguém que tenha fumado maconha. — Um dos cantos de sua boca
repuxou levemente para cima, quase formando um sorriso. — Além do mais,
você pode ter escovado os dentes ao chegar em casa. Não posso dizer se é
inocente ou não.
— O quê? Então por que me beijou?
Não tive resposta. Benjamin entrou no quarto e fechou sua porta antes
que eu exigisse que me respondesse.
Acordei no dia seguinte me sentindo péssima com uma ressaca moral
misturada com vergonha. Por ser domingo, sabia que Benjamin
provavelmente ficaria o dia todo em casa e isso significava que eu o veria
várias vezes durante o dia. Tinha dormido muito mal, rolando na cama de um
lado para o outro, pensando em todos os acontecimentos da noite fatídica.
Tudo tinha dado errado, impressionante!
Levantei sem a menor vontade, mas foi preciso, pois o celular indicava
que tinha passado das 10 horas e a última coisa que eu queria era dar a
impressão de ser uma maconheira folgada e dorminhoca. Me senti um pouco
melhor depois de tomar um banho gelado, mas toda vez que pensava na
conversa com Benjamin no corredor, do beijo e tudo mais, a vontade de
correr para a cama e me enfiar debaixo do edredom retornava.
— Ele estava bêbado, então provavelmente nem deve se lembrar de
nada. — Era o que eu insistia em fixar na minha mente.
Respirei fundo e desci a escada, torcendo para que fosse um dia atípico
e ele tivesse resolvido dar uma voltinha com Sophia. Eu estava errada, claro.
Encontrei os dois tomando café da manhã, enquanto Sophia brincava com o
prato de sucrilhos e Benjamin mexia num tablet.
— Bom dia — cumprimentei os dois, mas falei tão baixo que não me
ouviram, então tossi bem forte.
— Bom dia, Bruna — respondeu ele, sem desgrudar os olhos do
aparelho eletrônico.
Sentei-me ao lado de Sophia, que sorria para mim sem nem ao menos
imaginar o que tinha acontecido na véspera. Fiquei me perguntando o que ela
acharia se eu contasse sobre o beijo. Sabia que a menina estava do meu lado
nessa história, mas não sabia até onde o ciúme dela poderia ir. Será que
Sophia seria capaz de me boicotar também?
Engoli em seco e puxei a cesta de pães. O fato de a menina não falar na
presença dos outros era completamente irritante. Nesses momentos
desconfortáveis, ajudaria muito se ela começasse a puxar papo comigo para
que a gente não precisasse trocar olhares misteriosos.
— O sol está bonito hoje, Soso. Quer tomar banho de piscina? —
perguntei, colocando sua franjinha para o lado. — Que tal usar aquele biquíni
lindo com estampa de margaridas?
Benjamin finalmente largou a droga do tablet, olhou por alguns
segundos para nós duas e depois se levantou, puxando a cadeira da sua filha.
— Você quer ir para a piscina, sua menina má? — Ele riu e a pegou no
colo, balançando-a no ar como se Sophia tivesse dois anos.
A menina começou a gargalhar e ele saiu correndo com ela pela escada.
Ainda pude ouvir os gritinhos e risos da menina lá em cima, mas continuei na
mesa para tomar meu café com tranquilidade. Parecia que nenhum dos dois
precisava de mim.
Comi devagar, pensando em tentar fazer algum programa fora de casa,
talvez falar com Jess e marcar algo com ela e as crianças. Percebi que estava
sentido falta de conversar com uma pessoa do sexo feminino, mas que fosse
adulta. Apesar de adorar Sophia, não dava para conversar sobre determinados
assuntos com ela, principalmente quando seu pai era o tema principal.
Lembrei também que Jess tinha me alertado sobre Joseph, mas na noite
passada ele não pareceu o garanhão que ela tinha pintado para mim.
Abigail, que me adorava para dizer o contrário, entrou na sala para tirar
a mesa, mesmo eu ainda estando ali, em carne e osso, comendo. Sorri para
ela, tentando me aproximar da pessoa.
— Está tudo tão gostoso, como sempre!
Recebi apenas o silêncio como resposta. Ela não ia mesmo com a
minha cara. Pegou a cesta de pães antes que eu pudesse esticar o braço para
agarrar o último. Resolvi me levantar antes que a governanta me jogasse
junto com os pratos dentro da lavadora de louças. Fui direto para meu quarto
porque não me sentia confortável para ir à piscina junto de Benjamin e
Sophia. Ele mal tinha olhado para minha cara.
Liguei a televisão e parti em busca de um bom filme de comédia
romântica, daqueles onde eu poderia me afogar em lágrimas enquanto me
perguntava porque também não acontecia comigo. Afinal, não deveria ser tão
difícil assim cruzar sem querer o caminho de um príncipe solitário que sonha
em encontrar a mulher de sua vida.
— Bruna? — Apertei o mute no controle quando ouvi a voz junto com
a batida na porta.
Fui abrir, me esforçando para colocar meu melhor sorriso de “estou
super de bem com a vida, nada me afeta” estampado no rosto.
— Sim?
— Está tudo bem? — Benjamin perguntou com a cara mais sonsa do
mundo.
— Hum... sim. — respondi, conseguindo me manter indiferente. —
Algum problema?
— Não sei. — Ele estreitou os olhos. — Estou perguntando por ter
achado você muito quieta lá na mesa.
— Você estava lendo jornal e Sophia não fala — expliquei o básico. —
Não tinha muito o que conversar.
Cruzei meus braços, estava perto de me irritar com Benjamin. Se ele
tinha se dado ao trabalho de ir até meu quarto, poderia pelo menos ter a
coragem de tocar no assunto da noite anterior. Ele não podia mesmo ter
simplesmente esquecido o beijo.
— Sophia vai esperar por você na piscina... — O homem deu um
sorriso e enfiou as mãos nos bolsos, começando a se virar de costas para ir
embora.
— Eu não estou com disposição para piscina — avisei e ele parou,
voltando a me encarar com atenção. — Vou ficar de olho nela, mas não
entrarei na água hoje.
Sim, eu era a babá e tinha obrigação de olhar a criança, mas não
podiam me obrigar a entrar na piscina. Pensei que ele fosse apenas concordar
e continuar seu caminho, mas Benjamin empurrou minha porta, entrou quarto
comigo e a fechou atrás de seu corpo, como se tivesse algo muito importante
a dizer ou fazer.
— Bruna, sobre ontem... — ele pigarreou. — Acho que precisamos...
— Ontem? — eu o interrompi, me fazendo de desentendida.
— Você sabe do que estou falando. — Meu chefe coçou a testa sem me
olhar nos olhos. — Primeiro o lance da maconha, queria que ficasse
esclarecido de uma vez por todas.
— Não acredito que você quer tocar nesse assunto de novo. —
Suspirei, cansada. — Pense o que quiser, Benjamin.
— Não pretendia acusá-la mais uma vez.
Bem, isso era uma novidade. Será que uma boa noite de sono tinha sido
necessária para colocar a cabeça do homem no lugar e o fazer enxergar
melhor a situação?
— Não adianta duvidar de você, então resolvi acreditar em sua palavra
e ponto final. Apesar de não conseguir acreditar que Rose tenha feito isso de
propósito, também não vou colocar minha mão no fogo por ela. Estamos
resolvidos?
Para mim, não. Eu ainda desmascararia a pilantra e mostraria a
Benjamin que ela não vale um centavo, mas o fiz acreditar que estava tudo
resolvido entre nós. Dei meu melhor sorriso inocente.
— Estamos entendidos então — respondi.
— Sobre o beijo... — Ele chegou mais perto de mim, de mansinho, e eu
senti novamente os joelhos tremerem. Dei dois passos em sua direção para
poder apressar as coisas, caso Benjamin quisesse repetir o beijo. — Você
acha que poderíamos esquecer o que aconteceu?
Bem pior que um balde de água fria. Claro que ele não queria repetir
droga nenhuma e mais uma vez eu fiquei apenas me iludindo. Senti sim o
tremor nos joelhos, mas não pelo mesmo motivo de antes.
— Esquecer? — minha voz falhou, mas tratei de consertá-la. — Claro.
Ia propor a mesma coisa.
— Sei que passei dos limites e fiquei com medo que você estivesse
agindo assim pelo que aconteceu ontem.
— Mas eu estou bem! Ótima! — Queria apenas cortar os pulsos, mas
estava plenamente feliz. Por fora. Seria demais pedir para que ele fosse
embora e bater a porta na cara do dono da casa?
— O fato de não querer ir à piscina não tem nada a ver com isso então?
— Ele levantou aquela sua sobrancelha irritante que o deixava ainda mais
gostoso.
— Claro que não. Eu vou tomar um banho e pode ser que fique mais
disposta.
A televisão ainda estava no mute depois que ele foi embora e a cena
que se passava era a de um casal apaixonado se beijando como se não
houvesse amanhã. Eu tinha quase certeza que eles estavam se divertindo às
custas do meu fracasso amoroso.
Pensei em colocar meu melhor biquíni e ir para a piscina, dar o melhor
de mim para seduzir Benjamin e o deixar babando, mas a quem eu queria
enganar? Não sabia ser sensual de um jeito forçado. Não nasci com o dom
que algumas mulheres possuíam de cruzar as pernas e causar arritmias
cardíacas, ou jogar os cabelos e fazer os homens perderem os sentidos.
Comigo o cara até poderia perder o sentido, quando meus cabelos batessem
fortemente em seu rosto e ele desmaiasse. E tenho permissão para dizer isso,
pois não é mentira.
Uma vez, quando tinha uns quinze anos e estava numa festinha na casa
da Gabi — a patricinha esnobe do colégio — fiquei muito feliz porque o
carinha de quem eu gostava desde o início do ano letivo veio dançar perto de
mim. Tudo bem que ele parecia estar interessado em uma menina que usava
uma saia do tamanho de um cinto, mas eu não podia perder a oportunidade de
fazê-lo notar minha existência. Então, com muita técnica e sensualidade, eu
comecei a dançar da forma mais sensual que sabia e num dos meus rodopios
— só depois fui saber que aqueles passos eram de forró e não de hip hop, que
era o que estava tocando — joguei meu cabelo para um lado e para o outro e
sem querer acertei o olho do rapaz.
Foi um completo horror. Ele começou a lacrimejar, o olho ficou
vermelho, depois roxo e o coitado precisou ir embora já que não estava
conseguindo enxergar. Na segunda-feira ele apareceu no colégio com um
tampão no olho e só tirou três dias depois. Ele deve ter pensado que fiz de
propósito, porque mudava de calçada quando passava por mim na rua.
Definitivamente, eu consegui fazer com que ele me notasse, mas da forma
errada.
Mas então, juntando todos os cacos que Benjamin deixara espalhado no
chão do meu quarto, tomei coragem e me troquei para dar um mergulho.
Ignorei as cinco mensagens de texto que piscavam no celular e indicavam
que era de Joseph, pois não queria falar com ele hoje. Fingiria estar tudo na
mais perfeita tranquilidade e tentaria me animar com Sophia.
Quando cheguei lá fora, ela estava deitada numa boia amarela com uma
cabeça de papagaio numa das extremidades. Usava seus óculos escuros da
Barbie e parecia uma adulta pegando sol.
— Você não se incomoda que eu faça isso, né? — perguntei aos gritos,
enquanto pulava com prazer na água, fazendo a boia se agitar e Sophia ficar
ensopada com a onda que a atingiu. — Ops, desculpe.
Ela riu, entrando na brincadeira e se jogou em cima de mim,
pendurando-se no meu pescoço. Estávamos brincando dentro d’água quando
a menina parou e olhou para o alto, para algo atrás de mim. Por um instante,
meu sangue gelou com medo de que Benjamin tivesse chamado Rose, mas ao
me virar, vi que era apenas ele, tirando a camisa e ficando só de sunga.
Mergulhou praticamente sobre nós e foi nadando até o outro lado. Suspirei,
sem saber o que mais o dia me reservava.
Eu me sentia feliz com Sophia, ao ver que ela, pelo menos, adorava a
minha companhia. Brincamos bastante por alguns minutos, com ela sempre
pendurada no meu pescoço ou ombros, para ser carregada pela piscina.
Quando Benjamin não estava por perto, ela cochichava no meu ouvido e me
chamava de cavalinho.
Depois de um tempo, acabei me cansando de toda a energia da criança
e precisei pedir uma folga. O sol brilhava no céu, mas o dia não estava dos
mais quentes, então resolvi deitar um pouco numa das espreguiçadeiras e
curtir a brisa. Fechei os olhos e sorri ao sentir minha pele esquentar de um
jeito gostoso pelo toque do sol, era um momento que eu conseguia facilmente
me transportar para minha casa, meu país, relembrar nossas praias...
— Quer beber alguma coisa? — Abri meus olhos bem devagar ao ouvir
a voz de Benjamin ao meu lado.
Virei o rosto e o encontrei sentado na outra espreguiçadeira, me
encarando com o corpo levemente inclinado na minha direção. Se não queria
nada comigo, por que não me deixava em paz por um tempo?
— Não, obrigada. — Sorri educadamente e voltei a fechar meus olhos.
Naquele momento, eu só queria mesmo relaxar um pouco.
O problema é que eu sentia que Benjamin ainda estava me observando,
na mesma posição. Não sabia o que ele queria, muito menos o que esperava
receber de mim. Tornei a abrir os olhos e apoiei os cotovelos na cadeira.
— O que foi? — Não consegui esconder meu incômodo no tom de voz
usado.
— Você está bem?
— Estou — respondi, revirando os olhos.
— Mesmo?
Qual era o problema dos homens, afinal? Mesmo que eles não
quisessem nada com a pessoa, gostavam de ficar cutucando só para se
sentirem importantes, não é? Porque não tinha outra explicação para o que
meu chefe estava fazendo. Ele tinha dito o que pensava, eu tinha aceitado.
Custava me deixar em paz?
— Eu estou ótima, Benjamin. — Aumentei meu sorriso falso. —
Algum problema?
Minha atenção foi atraída para Sophia, que batia os pés na piscina com
tanta força que um pouco de água respingava para fora. Estava cogitando
voltar para a companhia dela se Benjamin não me deixasse em paz.
Benjamin

Eu definitivamente tinha perdido o tato com as mulheres. Ou talvez só


com Bruna. Algo me dizia que ela não estava muito confortável depois do
beijo da noite passada e eu achava que propor esquecermos o que aconteceu
melhoraria a situação.
Agora ela me encarava sem muita vontade e não parecia feliz pela
minha presença ao seu lado. Tentei ficar de fora do cenário de brincadeiras
entre ela e Sophia, quando estavam ambas dentro d’água, mas na verdade
fiquei o tempo todo esperando que ela saísse para podermos conversar.
O que aconteceu na véspera ainda era confuso demais para mim. Eu
gostava de Bruna, claro. Era uma ótima garota e Sophia era louca por ela, o
que realmente me surpreendia e me alegrava. A brasileirinha ainda era muito
nova, mas quando se vestia bem, acabava chamando atenção. A minha,
inclusive. E não vou ser hipócrita e fingir que ela não exercia um poder de
atração sobre mim. Sua naturalidade contagiava e fazia com que ficar em sua
presença fosse muito agradável, mas até então deveria ser somente isso.
— Sophia, você está jogando água em nós dois... — ralhei com minha
filha, usando minha melhor cara de “papai vai falar só uma vez” que ela
entendia perfeitamente. Deu um sorriso brincalhão e foi bater os pés para o
outro lado, segurando com as mãos na borda.
Meus olhos pousaram nas gotas de água que caíram sobre a coxa de
Bruna, que tinha se virado de bruços e usava um biquíni que só podia ser de
modelagem brasileira. Era roxo e as únicas coisas que o segurava em seu
corpo eram tiras muito finas que formavam um lacinho de cada lado. Não era
tão indecente, daqueles que entravam pela bunda e não sobrava nada, mas
também não era, definitivamente, nada igual aos modelos que eu estava
acostumado a ver de perto.
— Benjamin? — ela me chamou, flagrando-me enquanto admirava seu
corpo.
Tentei me recompor rapidamente e lancei um breve olhar para minha
sunga, só para confirmar de que estava tudo em seu devido lugar. Não podia
simplesmente ficar de pau duro na frente dela. Bruna era babá de minha filha
e além do mais, eu mal tinha iniciado um relacionamento com Rose.
— Eu só queria ter certeza de que estaria tudo bem entre nós, depois de
ontem — esclareci, sorrindo de forma gentil.
Ela deu mais um sorriso nada espontâneo, o que só me deixava com
mais certeza de que não estava tudo bem.
— Não me lembro do que aconteceu ontem — respondeu, se
levantando com calma e encarando a piscina, os olhos estreitos por causa do
sol.
— Não lembra?
— Você não me pediu para fingir que nada aconteceu?
— Sim, claro... — Eu também me levantei, mas Bruna acabou sendo
mais rápida e correu até a piscina, jogando-se na água para a alegria de minha
filha. Eu me aproximei e falei quando voltou à tona. — Sei o que pedi, mas
apesar do que eu disse, queria saber se você tem algum problema em relação
a isso.
— Não tenho.
Bruna estava me tratando de um modo frio e mantendo distância, o que
não condizia com seu comportamento habitual. Resolvi voltar para dentro da
piscina e nadei até minha filha, pegando-a no colo e beijando sua testa. Parei
por um momento para apreciar aquele sorriso que era luz na minha vida e
sem o qual eu não conseguiria viver.
— Querida, você pode ir até Abigail e pedir para que ela faça um suco
pro papai?
Sophia balançou a cabeça, sorridente. Pedir alguma coisa a ela sempre
fazia com que se sentisse importante e adulta. Observei enquanto ela saía da
piscina devagar, porque sabia que se corresse eu reclamaria. Quando sumiu
dentro de casa, eu me aproximei de Bruna no lado oposto de onde eu estava.
— E seu encontro? Vai sair novamente com ele? — perguntei para
fingir que só queria puxar assunto, mas estava mesmo curioso para saber a
resposta.
Havia esquecido o nome do indivíduo com quem eu não fui muito com
a cara. Ele me parecia ser forçado demais, alguém que não sorria com
sinceridade. Quando agarrou Bruna na nossa frente e a beijou na boca, estava
claro que tentava marcar território diante de outro homem.
— Com Joseph? — Bruna deu de ombros. — Não sei, talvez... Não
cheguei a pensar nisso, mas se ele me ligar, talvez eu aceite outro convite. De
qualquer forma, somos apenas amigos.
— Amigos? — Evitei gargalhar. — Não acho que ele esteja pensando
dessa forma.
Ela mordeu os lábios e mergulhou na água, reaparecendo após alguns
segundos e me hipnotizando com as gotas que pingavam de seus cílios
grossos. Cruzou os braços, parecia desconfortável. Afinal, o que eu queria e
estava tentando fazer? Percebi que não fazia a menor ideia de onde queria
chegar. Se eu não estava me entendendo, então Bruna provavelmente estava
bem mais perdida.
— Desculpe, não tenho nada a ver com isso — falei, suspirando e me
encostando na parede, imitando sua pose. — Nem devia ter perguntado sobre
ele.
— Está tudo bem, Benjamin. Você tem mesmo que se preocupar com
quem eu me envolvo, afinal, essa pessoa pode acabar tendo contato com a sua
filha. — Bruna virou o rosto para mim e sorriu, dessa vez um sorriso sincero.
— É normal, eu acho, para um pai.
Isso me fez pensar que em momento algum quando comentei sobre
Joseph, estivera pensando em Sophia. Eu realmente estava me preocupando
com Bruna e a possibilidade de a garota sair machucada. Não era normal,
era? Afinal, ela mesma dissera que um pai se preocupa com a filha.
— Não era com Sophia que estava preocupado, mas com você. —
Resolvi ser sincero e recebi um olhar enviesado.
— Não precisa se preocupar comigo, eu estou bem.
Virei-me de frente para ela, apoiando um braço sobre a borda da
piscina, e toquei um de seus ombros. Bruna lançou um olhar rápido para o
ponto onde eu a tocava, antes de voltar a me encarar.
— Pare com isso. Pare de dizer que está tudo bem. Eu estou tentando
conversar e você só fica repetindo de que está bem, quando não está.
— Você foi até meu quarto hoje cedo e pediu para que a gente fingisse
que nada aconteceu ontem à noite. Então, acatei seu pedido. Por que agora
você quer ficar remoendo o assunto?
— Eu retiro o pedido que fiz — confessei, molhando um pouco meu
lábio ressecado e atraindo a atenção de Bruna. — O beijo aconteceu e percebi
que seria horrível de minha parte se simplesmente fingisse que nunca existiu.
Eu só não queria que você se sentisse mal ou constrangida, por isso achei
melhor esquecer o assunto.
— Não fiquei mal, Benjamin. Só que sou sua funcionária e nada mais
— disse Bruna, encolhendo os ombros quando recuei minha mão. — Você
me fez um pedido e era minha obrigação acatar. Ontem à noite tive minha
cota de estresse para a semana inteira.
— Você não tinha obrigação de nada, Bruna. — Sorri e deixei que
meus dedos tocassem o queixo dela. — O beijo foi dado por mim, eu fui o
responsável por nos colocar nessa saia justa.
Precisava admitir que estava levemente alcoolizado ontem à noite, mas
apesar disso, lembrava-me perfeitamente de todas as palavras que trocamos e
estava ciente de que tivera mesmo a intenção de beijar Bruna apenas para me
aproveitar da situação. Queria sentir a textura de seus lábios, não havia
nenhuma outra intenção além dessa.
Enquanto a encarava ali na piscina, lembrei-me da vontade que senti
naquele momento do beijo, de puxá-la pela cintura e colar seu corpo ao meu.
— Eu entendo que sugeri que testasse a teoria de Joseph, então, tenho
uma parcela de culpa nisso tudo — disse ela, atraindo minha atenção e me
tirando dos devaneios.
— Não estava pensando na teoria de Joseph — declarei, cessando meu
toque em seu queixo e baixando minha mão.
Bruna ergueu os olhos até encontrar os meus e vi o vinco que se
formou em sua testa. Ela estava contra o sol, então sua pele escondia algumas
sombras causadas pela posição. Porém, o pouco que eu já a conhecia me
levava a crer que, em outra circunstância, ela ficaria com as bochechas
vermelhas. No entanto, não foi isso que fez um calafrio percorrer minha
espinha e me deixar momentaneamente sem palavras e sim o olhar que Bruna
me lançava, tão parecido com a forma como a mãe de Sophia costumava me
olhar.
Estava prestes a beijar a brasileira e chutar o balde de uma vez, quando
fomos surpreendidos pelo pulo de Sophia, que jogou água sobre nossas
cabeças. Felizmente, isso me fez recuperar a razão e me afastei de Bruna.
— Querida, o que acha de nós três irmos ao cinema mais tarde? —
perguntei, pegando-a no colo e a colocando sobre meus ombros.
Sophia agarrou meu pescoço, apertando-o e me beijando no rosto. Era
sua forma de dizer que concordava com a ideia. Olhei para Bruna, que me
encarava com uma expressão indecifrável.
— Será ótimo para Sophia passar mais um tempo com Rose e conhecê-
la melhor — disse ela, sorrindo.
Joguei minha filha para trás, a brincadeira favorita dela quando estava
na piscina, e me aproximei de Bruna, aproveitando enquanto Sophia
mergulhava. Dei um beijo em seu rosto, perto demais do canto de sua boca,
propositalmente, e então sorri para ela.
— Não pensei em Rose — esclareci. — Estava me referindo a você se
juntar a mim e minha filha, porque ambos gostamos da sua companhia. E não
aceito que recuse o convite, preciso me redimir de minhas atitudes erradas.
Achei que seria mais inteligente se eu me afastasse e saísse da piscina,
dessa forma, ela não teria como fugir da minha sugestão. Mas antes disso,
toquei suas costas e minha mão automaticamente deslizou até sua cintura
fina, causando-me um arrepio gostoso por sentir sua pele daquele jeito. Logo
percebi o quanto Bruna ficou tensa e eu pigarreei para disfarçar que tinha me
afetado.
O que estava acontecendo comigo, afinal? Sempre fui um homem
sensato e me orgulhava de nunca ter me comportado como um conquistador
barato. Desde que a brasileira chegou em minha casa, minha intenção foi de
ter uma boa relação com ela para que a convivência fosse fácil, mas não
passou pela minha cabeça nada além disso. E agora, aqui estava eu, metendo
os pés pelas mãos e me complicando cada vez mais.
Parecia flutuar quando subi a escada, quase duas horas depois. Era
estranho, mas surpreendente em ver como Benjamin tinha mudado da água
para o vinho de repente. Num minuto ele me pedia para esquecer o beijo e, no
instante seguinte, estava quase implorando para que eu não esquecesse.
Quem entendia os homens?
A empolgação me contagiou e depois de tomar um banho demorado,
fiquei um bom tempo procurando algo bonito para vestir. Qualquer coisa que
não me deixasse com uma aparência de babá que acabou de sair do trabalho,
mas que também não parecesse que eu passei horas pensando nisso.
Estava terminando de vestir meu melhor jeans quando ouvi a
campainha tocar e pensei que pudesse ser a picareta da Rose, para estragar
meu dia. Respirei fundo e continuei minha produção, porque se por acaso
meu chefe desistisse de me levar ao cinema e colocasse a loira no meu lugar,
eu não podia demonstrar minha frustração.
— Bruna?
Larguei o batom sobre a cômoda ao ouvir a batida na porta seguida da
voz de Benjamin e gelei. Ele não podia saber que eu estava me arrumando
com algumas horas de antecedência, de tão animada que estava.
— Já vou! — Baguncei meus cabelos molhados e corri até o banheiro
para jogar uma água no rosto e estragar a maquiagem.
— Está tudo bem? — perguntou ele, um pouco alto, do lado de fora.
— Sim, estou me vestindo. Só um minuto. — Enrolei uma toalha no
corpo porque ainda estava de sutiã e abri a porta, esbaforida. — Sim?
Não pude deixar de notar que seus olhos passearam pela toalha
segundos antes de me encarar. E quase infartei quando observei, quase como
em câmera lenta, quando Benjamin pressionou os dentes na lateral do lábio
inferior. Mas tudo bem, eu me mantive firme, forte e plena diante dele.
— Chegou uma visita para você — disse meu chefe e parecia fazer um
grande esforço para proferir aquelas palavras.
— Jura? — Não queria dizer que era impossível, já que só tinha feito
amizade com a Jess e ela não estava disponível hoje, mas achei que seria bom
me fazer de importante e requisitada.
— Seu amigo Joseph está no jardim. Ele não quis entrar.
Mantive meu sorriso intacto, apesar de não ter ficado tão feliz em
receber a notícia. O que o professor estava fazendo? Não combinamos de sair
novamente e eu não queria acreditar que ele teve a cara de pau de vir tocar a
campainha de Benjamin.
No entanto, eu era minimamente educada e também poderia usar isso
ao meu favor. Era bom meu chefe ter em mente que outras pessoas se
interessavam por mim.
— Eu vou descer, só preciso terminar de me vestir.
Ele não respondeu nada, apenas deu um sorriso meio falso e voltou
pelo corredor, descendo a escada de forma robótica, enquanto eu jogava um
beijinho por suas costas.
Rapidamente fechei a porta e pensei no que fazer. Tirei meu jeans e
coloquei um vestido curto e simples, estilo saída de praia, e desci a escada,
encontrando Benjamin sentado no sofá, fingindo ver televisão, enquanto
Sophia mexia em seu tablet. Não falei nada com nenhum dos dois e fui direto
até a porta, fechando-a atrás de mim e encarando o professor.
— Oi, Joseph. O que houve? Está tudo bem?
— Tudo ótimo. — Ele sorriu, mostrando seus dentes perfeitos e
excessivamente brancos, que me incomodavam muito. — Melhor agora.
Ele se aproximou de mim e tentou me beijar na boca, mas virei o rosto
a tempo de seus lábios tocarem minha bochecha. Ficamos os dois calados,
olhando um para o outro, até que Joseph pigarreou e enfiou as mãos nos
bolsos da calça cargo. Deu de ombros e apontou com o queixo para a casa.
— Como ficaram as coisas com seu patrão?
— Nós conversamos, ele demorou a acreditar, mas agora está tudo
bem.
— Fácil assim? — Arqueou uma sobrancelha.
— Sim — respondi, bem objetiva, ansiosa para me despedir dele.
— Entendi. — Ele sorriu mais uma vez e passou a mão pela gola da
camisa. — Então, passei aqui para saber se você quer fazer alguma coisa
hoje.
Gente azarada é assim mesmo. Fica anos e anos sem receber um único
convite de algum homem, mas basta aparecer um, que logo surgem vários
outros.
— Eu tenho compromisso, Joseph — expliquei, encolhendo meus
ombros. — Não vai ser possível.
— Não se faça de difícil, Bruna. — Ele diminuiu todo e qualquer
espaço entre nós. — Já vencemos o primeiro encontro que é sempre mais
estranho.
— Eu não posso sair hoje. É sério.
Talvez eu reconsiderasse se pensasse que poderíamos ser amigos,
porque eu realmente gostava de ter amigos homens. Joseph não era de todo
ruim, tirando uma pequena parcela meio egocêntrica e que se achava demais,
ele parecia um cara legal. Mas eu tinha outro programa e de forma alguma
deixaria de sair com Benjamin por causa dele.
— Faça um esforço, por favor — insistiu, segurando minha mão. —
Prometo que arranjarei um programa interessante.
— Realmente não vai dar. Tenho que tomar conta de Sophia.
Não era exatamente verdade, mas achei que fosse melhor assim, para
não ferir o orgulho dele. Ser dispensado por causa de trabalho e não por outro
homem. Que, no caso, era meu chefe por quem eu estava apaixonada.
— O Benjamin vai sair esta noite? — perguntou, curioso demais.
— Sim.
— Você tem mesmo que ficar com a menina?
— É para isso que sou paga. — Arregalei meus olhos, tentando soar
engraçada. — A gente tenta outro dia.
Joseph não parecia muito satisfeito com a minha resposta, mas ele sabia
que não podia fazer nada para reverter a situação. Só que como as coisas nem
sempre funcionam da forma que a gente quer, Benjamin abriu a porta e
interrompeu nossa conversa.
— Espero não estar atrapalhando — falou ele e eu sabia que gostaria
sim de atrapalhar. — Não quero sair de casa muito tarde, Bruna.
— Eu já vou entrar — avisei, virando minha cabeça para ele e
estreitando meus olhos. Meu coração acelerou, com medo de ser desmentida.
— Pode ficar tranquilo que tomarei conta de Sophia para você sair.
Notei uma rápida confusão em sua expressão, mas ele não era idiota e
entendeu o que eu quis dizer. Deu um sorriso bem seco para Joseph e
estendeu a mão para cumprimentar o professor. Os dois murmuraram coisas
inaudíveis de tanta má vontade que existia ali entre eles e, então, Benjamin
voltou para dentro de casa e nos deixou a sós.
— Acho melhor deixar que volte ao trabalho — comentou Joseph, com
os ombros caídos. — Espero dar sorte outro dia.
— Sim, sinto muito. — Sorri carinhosamente, dando a impressão de
que estava tão arrasada quanto ele, quando na verdade eu queria mais é entrar
correndo e voltar ao meu experimento com as roupas. — A gente se vê
depois.
O professor murmurou, cabisbaixo, e me beijou no rosto com força em
excesso como se quisesse marcar território. Esperei que entrasse em seu carro
e acenei quando deu a partida, entrando rapidamente em casa logo em
seguida. Benjamin estava de pé próximo da porta, encostado na parede e de
braços cruzados, pensativo. Não parecia que estava escutando a conversa,
mas também não tinha se distanciado o bastante para me dar privacidade.
— Ele veio chamar você para sair? — perguntou, alisando a barba que
tinha crescido.
— Sim, mas eu já o estava dispensando.
— Não queria atrapalhar nenhum plano seu. — Pela forma como falou,
parecia mesmo arrependido de ter me chamado para sair.
— Eu não tinha nenhum plano. Joseph apareceu por conta própria e
sem me avisar.
— Entendo. — Benjamin deu um de seus sorrisos tortos que deixavam
minhas pernas bambas. — Mas foi impressão minha ou você inventou uma
mentira sobre ter que cuidar de Sophia?
— Inventei. — Dei de ombros, passando por ele para subir. — Não
queria que pensasse besteira.
Quando Benjamin arqueou as sobrancelhas e alargou mais ainda o
sorriso, eu percebi que tinha me expressado mal. Ou não, né? A verdade é
que eu realmente não queria que Joseph ficasse pensando que eu estava tendo
um caso com meu chefe. Não que eu não quisesse ter um caso com ele, mas o
outro não precisava desses detalhes.
— Quero dizer, ele podia pensar besteira no sentido de achar que meu
trabalho é moleza. Não estava me referindo a, você sabe... beijos.
— Entendo que existem vários níveis de besteira para serem
interpretados. — O filho da mãe estava brincando comigo, eu podia ver pelo
sorriso sacana.
Pensei em responder, mas só alongaria ainda mais aquela conversa sem
fundamento, com um entendimento dúbio que não me faria bem. Portanto,
avisei que terminaria de me arrumar e subi a escada.

Durante o trajeto até o cinema, parecia que estávamos dentro de um


velório, não de um automóvel. O silêncio era incômodo e a mudez de Sophia
não ajudava nessas horas. Eu não conseguia pensar em nenhum assunto legal
para iniciar com Benjamin e ele estava com a atenção dividida entre o volante
e o celular. Ouvia o apito constante da notificação, quase a cada minuto, e
parecia ser devido as mensagens que recebia. Só podiam vir do lado negro do
universo: Rose.
— Então, o que nós vamos assistir? — Resolvi quebrar o silêncio e
desviar a atenção dele do celular.
— Vocês duas podem escolher. — Pela primeira vez desde que saímos
de casa, ele se virou para me olhar. — Aceito qualquer sugestão.
— Bem, como Sophia não gosta de falar, acho que ela não vai se
incomodar se eu escolher o filme de hoje, não é mesmo? — provoquei e
recebi um tapa no topo da cabeça, seguido de uma gargalhada. Benjamin
também riu e eu, por consequência, acabei rindo também. — Certo, eu deixo
Sophia escolher.
O cinema estava lotado e levamos um bom tempo procurando por uma
vaga para estacionar o carro. Depois de muita espera, conseguimos um local
bem afastado da entrada e fomos andando devagar. Quando nos
aproximamos, pude ver uma fila muito grande na bilheteria, algo que não era
mais tão comum desde que inventaram as cadeiras numeradas.
— O que está acontecendo aqui? — murmurei, chocada, encarando a
bilheteria e cogitando a hipótese de voltar para casa. Eu era preguiçosa e fila
era uma das coisas que eu mais odiava no mundo.
— Deve ser estreia de algum filme muito aguardado — disse
Benjamin, tão surpreso quanto eu, até que apontou para uma das telas que
exibia os títulos em cartaz. — Acho que se trata daquele tal Chefe da Máfia.
Conhece?
— MENTIRA!! — gritei e corri para perto do televisor, só para poder
olhar a capa de perto. — Claro que conheço! É um livro de uma autora
brasileira, não sabia que estava sendo adaptado.
— Pelo nome, creio que Sophia não possa assistir. — Benjamin franziu
os lábios, alheio ao enredo.
— Não, ela não pode. Definitivamente, não. Só daqui a uns dez anos.
Pensei logo no protagonista gostoso que se chamava Pietro e senti o
fogo subir pelas minhas pernas ao observar o ator delicioso que estampava a
capa do filme. Não conseguia acreditar que tinham colocado no papel
exatamente o ator usado como avatar da história: Stephen Amell.
Não contei para Benjamin que eu mesma adoraria entrar na fila para
assistir aquela maravilha. Achei melhor conter minha empolgação e deixar
para conferir a estreia em outro momento, sozinha, de preferência.
Paramos de frente para uma série de cartazes pendurados na parede ao
lado da bilheteria para podermos escolher o filme. Sophia logo apontou para
um deles e eu até fiquei feliz pela escolha. Era Trolls 2, que eu ainda não
tinha visto e queria muito ver, pois adorei o primeiro.
— Tem certeza, querida? — Benjamin afagou os cabelos dela e depois
me olhou. — Tudo bem para você?
— Claro, eu adoro animações!
— Jura? — Seu sorriso torto arrebatando meu coração mais uma vez.
— Ah, por que não? Se a história for legal, eu não me importo que seja
um desenho. Já assisti vários e... — Benjamin me olhava com atenção e um
sorriso no rosto, então tratei de inventar uma desculpa por ser uma mulher
adulta que gostava de desenhos. — Bem, eu tenho uma priminha que sempre
pedia para que eu a levasse ao cinema.
— Bruna...
— Mas não que eu ache assim uma coisa ótima de se assistir. Sabe,
claro que prefiro muito mais um bom filme de ação, com pancadaria,
perseguição de carro, mortes, bastante sangue...
— Bruna. — Meu chefe me segurou pelos ombros e aproximou o rosto,
como se estivesse diante de uma pessoa surda e quisesse que ela lesse seus
lábios. — Por que você está dando toda essa explicação? Eu adoro desenhos!
Sophia me encarava de braços cruzados e cara fechada, como se não
tivesse gostado nem um pouco do meu discurso.
— Você gosta de desenho? — perguntei só para confirmar.
— Quem não gosta? — Benjamin levantou os braços no ar e sorriu. —
Sempre resgatam um pedaço da nossa infância, da época em que tudo era
perfeito e podíamos sonhar. — Ele deu a mão à Sophia e tocou minhas
costas, me levando junto com ele até a fila da bilheteria.
Suspirei de amores por aquele homem incrível, que ainda por cima
conseguia ser fofo e gostar de desenho. Observei seus gestos enquanto
pagava pelos ingressos e notei que eu não era a única mulher encantada pelo
viúvo gostoso.
— Posso dar minha opinião? — perguntou ele ao se virar para mim,
enquanto guardava a carteira no bolso da calça e sorria. — Você tem cara de
ser daquelas que choram em qualquer desenho animado.
Eu sorri de volta, mas logo notei que a atenção de Benjamin foi atraída
para alguma coisa atrás de mim. Algo que devia ser bem mais interessante
que minha cara, pois ele estava olhando fixamente. Discretamente, fingi me
mover um pouco para o lado e aproveitei para virar a cabeça. Flagrei duas
loiras estonteantes com pernas enormes e decotes muito generosos para um
cinema. Ainda por cima, eram gêmeas, porque além de terem nascido com o
gene da perfeição, também faziam parte da fantasia de noventa e nove por
cento dos homens do planeta.
— Você está enganado. — Voltei a puxar assunto e soltei um alto e
sonoro pigarro, pois Benjamin ainda estava olhando para as gêmeas. — Eu
não sou de chorar assim como pensa.
— O quê? — O filho da mãe nem estava prestando atenção em mim. —
Desculpe, o que você disse?
— Eu não choro.
Benjamin sorriu para mim e apertou a bochecha de Sophia, como se
quisesse demonstrar que era todo nosso. A fila foi andando e de vez em
quando ele olhava para as beldades, tentando disfarçar muito mal e
porcamente. Eu já estava com o sangue fervendo por causa das risadas
eróticas que as loiras soltavam esporadicamente, chamando a atenção de
todos os homens do recinto.
Em seguida, compramos pipoca, refrigerante e nos encaminhamos para
a nossa sala que, felizmente, não tinha nenhuma fila na entrada. Subimos a
escadaria que levava à última fileira de poltronas e eu fui a primeira a entrar
para ir até minha poltrona. Benjamin deixou que Sophia passasse logo atrás
de mim, de forma que ao nos sentarmos, a menina ficasse no meio, entre nós
dois. Mas era da minha pestinha que estava falando e ela parou, se dando
conta da situação, até que puxou minha mão.
— O que foi? — Eu sabia exatamente o que ela queria, mas não podia
demonstrar tanta empolgação.
— Acho que ela quer que você troque de lugar. — Benjamin franziu as
sobrancelhas e tocou o braço da filha. — O que foi, querida? Acho que
Sophia não quer sentar ao meu lado.
— Ela tem umas manias estranhas, não é? — Eu ri para disfarçar e dei
um afago nos cabelos dela antes de me sentar ao lado de Benjamin.
Virei o rosto para o lado, observando Sophia se ajeitar na poltrona que
devia ser minha e quando ela me encarou, eu pisquei. Boa garota. Mas
quando me ajeitei e olhei para Benjamin, o homem já estava grudado no
celular, enviando mensagens. Eu sabia que era sobre trabalho porque como
estava sentada ao lado dele, pude vislumbrar o logotipo da empresa dele, que
eu já tinha visto em outros lugares.
— Eu já vou desligar — disse ele, me lançando um olhar divertido
antes de voltar a atenção para a tela.
— Ah, não, fique à vontade.
Então Benjamin realmente desligou o aparelho, muito rápido, e se virou
para mim com um sorrisinho no rosto.
— Eu estou. — Ele deixou que seu corpo se inclinasse levemente para
meu lado, até que nossos braços se tocassem. — Bem à vontade. E você?
Engoli em seco, nervosa. Benjamin Reed estava mesmo dando em cima
de mim? Felizmente fui salva quando as luzes da sala foram apagadas e os
trailers começaram a passar no telão. Virei o rosto para fingir me concentrar,
mas estava aliviada por se tratar de um desenho, pois não achava que
conseguiria prestar muita atenção com aquele homem bem ali grudado em
mim. Olhar para a tela, entender todos os diálogos em inglês, sentir o cheiro
do perfume de Benjamin e observar todos os seus movimentos eram tarefas
demais para uma pessoa só.
Foi mais fácil relaxar do que eu tinha imaginado. Não percebi que
estava tão envolvida com a história, só quando ouvi um pigarro ao meu lado e
um sopro em meu ouvido:
— Bruna? — Benjamin tocou minha mão. — Está tudo bem?
— Sim — respondi, enxugando meus olhos ensopados com as
lágrimas. — Não consigo evitar.
Eu queria parar de chorar, era ridícula aquela situação. Nem Sophia
estava tão abalada, eu acho que ela nem sequer tinha ficado com os olhos
úmidos. Garota de ferro. Mas comecei a me acalmar quando senti Benjamin
tocar minha mão e alisar meus dedos. Quando me refiz, com a plena
consciência do que estava acontecendo, funguei e depois olhei para ele.
— Bem, acho que passou.
Ele sorriu e aos poucos foi se afastando até voltar à sua posição inicial.
Se eu soubesse que isso faria com que ele parasse o que estava fazendo, teria
prolongado minhas lágrimas um pouco mais. Virei o rosto para Sophia e ela
me olhou, sorrindo plenamente, nem um pouco afetada pelas cenas
emocionantes que se desenrolaram naquela tela.
— Não sabia que você era tão sensível, Bruna — Benjamin sussurrou.
— Está tudo bem — sussurrei de volta, tentando colocar um tom sexy
na voz. Acho que saiu parecendo com um som que um zumbi faria.
Ele não falou mais nada e voltamos a assistir ao filme. Já estava no
final e alguns minutos depois as luzes se acenderam novamente. Quando já
estávamos do lado de fora da sala, me espreguicei e tentei procurar por algum
assunto para espantar o silêncio constrangedor. Tinha reparado que ainda
estavam fazendo filas gigantescas para Chefe da Máfia e sentia uma vontade
imensa de entrar numa delas, só para ver meu mafioso favorito.
— O que acham de irmos comer alguma coisa? — Benjamin perguntou
e pegou Sophia no colo, para beijar-lhe o rosto. Ela estava sorridente, como
eu também ficaria se estivesse no colo daquele deus nórdico.
— Não irá atrapalhar seus horários? — perguntei, sem saber se ele
tinha algum outro compromisso com Rose.
— Claro que não. Vamos jantar, preciso colocar comida nessa
barriguinha aqui. — Ele cutucou Sophia, que caiu na gargalhada com as
cócegas que o pai fez.
Nos encaminhamos a um restaurante que Benjamin disse ser um dos
melhores da cidade, apesar de estar vestida para ir somente a, no máximo,
uma pizzaria. Se ele tivesse comentado sua ideia de irmos a lugares chiques,
eu teria me produzido um pouco mais.
Durante o trajeto, o clima finalmente foi ficando mais leve e
descontraído. No som tocava um pouco de Bruno Mars e eu até me aventurei
em alguns versos da música, desafinando um pouco e arrancando caretas de
Sophia e Benjamin.
— Acho que teremos que passar em casa — disse ele, alguns minutos
depois, quando o carro estava em silêncio e uma música mais lenta tocava.
— Por quê? — perguntei e ele apontou para o banco traseiro, onde
Sophia tinha deitado e dormia serenamente. — Ah, sim, não tem problema.
Podemos deixar para outra ocasião e...
— Nós dois ainda vamos sair para jantar, Bruna — ele me interrompeu.
— Eu só vou deixar Sophia em casa.
— Sozinha?
— Ainda está cedo, Abigail está lá — explicou ele. — Vou pedir que
ela fique com Sophia até voltarmos.
Se a governanta já me detestava, agora pioraria por saber que faria hora
extra por minha culpa.
Suspirei e encostei a cabeça no banco, sem saber bem como reagir à
situação. Deixaria que Benjamin conduzisse tudo e só concordaria com o que
ele decidisse. Estava com fome, não nego, assim como estava ansiosa para
entrar num restaurante só com ele. Mas também tinha outra fome bem
diferente. Algo relacionado a Benjamin pelado, nossos corpos nus suando um
sobre o outro, pés entrelaçados...
Realmente não fazia ideia de onde tantas imagens assim estavam
surgindo. Como se eu tivesse muita experiência no assunto.
— Você não precisa sair com Rose? — perguntei e logo quis me
estapear por ter tocado no nome da vagabunda.
— Não.
Com o trânsito tranquilo, fizemos o caminho para casa rapidamente.
Benjamin levou Sophia no colo até o quarto enquanto fiquei no carro
esperando por ele. Aproveitei para dar uma conferida no espelho e ver se
minha cara estava aprovada para entrar no restaurante. Nem cheguei a notar
que ele tinha voltado, até que a porta se abriu.
— Podemos ir.
O restaurante era mais longe do que o cinema e o silêncio novamente
era angustiante. Não sabia exatamente qual assunto puxar e temia que
qualquer coisa que eu viesse a falar saísse com as palavras emboladas.
Cacete, eu estava saindo sozinha com meu patrão. Iríamos jantar num
restaurante caro como se fôssemos um casal. Minhas mãos suavam de
nervoso.
— Então, qual é o lance atual entre você e Joseph?
De tantas coisas para perguntar, ele tinha mesmo que trazer o nome de
Joseph à conversa? Apoiei minhas mãos sobre as coxas e suspirei, pensando
na minha relação com o carinha.
— Não sei se há algum lance real entre nós dois. Quero dizer, nós
saímos e tal, mas não estamos juntos, nem pretendo que isso aconteça.
— Mas ele quer. — Benjamin me olhou de relance, voltando logo a
atenção para a estrada. — Alguma coisa com você. Ele te olha como se fosse
um cachorrinho sem dono.
— Você acha?
Benjamin riu, mas não me parecia estar rindo de verdade, era algo mais
irônico.
— Tenho certeza.
— Bem, não é nada que possa ser comparado com o que há entre você
e Rose. — Mordi o lábio com minha audácia, mas estava com razão. Até
porque ele e Rose deviam estar há décadas de evolução na nossa frente, já
que entre mim e Joseph mal rolou um beijo.
Benjamin ficou calado, apenas consentiu. Quando chegamos ao
restaurante e ele entregou a chave ao manobrista, estava abrindo minha porta
quando fui surpreendida por ele mesmo fazendo isso. Não esperava por esse
gesto de cavalheirismo e achei encantador da parte dele. Como se não fosse o
bastante, ainda me guiou à entrada com a mão em meu cotovelo. Era
impossível não sorrir de orelha a orelha.
— Boa noite, fizeram reserva? — A recepcionista olhou para meu
acompanhante com muito interesse.
— Não fizemos, me desculpe — disse ele, todo galanteador para cima
dela.
— Senhor, infelizmente não temos mesas disponíveis. — Ela o olhava
como se estivesse dizendo ao homem mais lindo do mundo que ele teria que
ser castrado.
Benjamin, que era esperto até demais — e sedutor, irresistível, sexy,
gostoso —, debruçou-se sobre o minúsculo púlpito que ficava na frente dela,
pegou uma mecha de cabelo ruivo da recepcionista e deu seu melhor sorriso.
A mulher piscou trinta mil vezes, ficou vermelha como um tomate e abriu e
fechou a boca umas dez vezes. Eu a entendia completamente.
— Meu amor, eu sei que deveria ter feito reserva, mas não estava me
sentindo bem mais cedo, então achei melhor esperar para ver se melhoraria.
— Ele a encarou por alguns segundos e, mesmo não precisando, pois ela já
estava caidinha, continuou: — Nunca conheci nenhuma mulher que ficasse
tão bem de cabelos vermelhos como você.
— Mesa para dois, senhor?
Benjamin não só tinha descolado uma mesa impossível de se arranjar,
como ainda por cima nos proporcionou um dos melhores locais do ambiente.
— Você vem sempre aqui? — sussurrei para não ser ouvida pelo
garçom. Ele puxou minha cadeira e esperou que me sentasse, para então
pegar um dos cardápios e me entregar. Benjamin já estava com o dele em
mãos.
— Raramente, devo ter vindo no máximo umas três vezes. Mas a
comida é excelente e o atendimento também.
Sorri pensando que para ele, quase todos os atendimentos deveriam ser
ótimos, pelo menos aqueles que fossem feitos por pessoas do sexo feminino.
Afinal, não tenho certeza se exista no mundo uma mulher capaz de negar
algo a um sorriso desses.
— É muito bonito — comentei enquanto tentava parecer descolada, me
apavorando com a quantidade de talheres na mesa.
Odiava quando ia a lugares assim, cheios de requinte. Nunca possuí
uma situação financeira que me deixasse frequentar esse tipo de restaurante,
então sempre ficava na dúvida sobre qual talher usar. Meu lance eram os
botecos do Rio de Janeiro, aquele garfo e faca vagabundo que dá para
entortar com uma mão, os guardanapos de papel que sugavam o óleo todo, e
aquele copo bem básico de vidro.
— O que deseja, Bruna?
— Não tenho certeza ainda. — Não estava prestando atenção direito no
cardápio porque ainda estava concentrada nos talheres.
Pelo olhar que o garçom me lançou, ele com certeza sabia que eu nem
tinha onde cair morta e que a única vez que vi tantos talheres assim juntos,
foi em loja de utensílios domésticos. Ele era cruel, seu olhar me arrepiava,
parecia aguardar com prazer pela minha queda.
— Posso pedir por nós dois? — perguntou Benjamin, todo cordial e eu
sorri para ele, abaixando meu cardápio.
— Claro que pode!
Ele pediu pratos de nomes estranhos, mas que pareciam saborosos e
depois finalizou solicitando o melhor vinho da casa. Respirei com alívio
quando o garçom nos deixou a sós, porém, sem os cardápios entre nós, me
senti um pouquinho tensa, sem saber o que conversar com aquele homem
perfeito. Eu era apenas a babá boboca da filha dele.
— Posso fazer uma pergunta, Bruna? — Assenti, com um pouco de
medo de ouvir algo bem cabeludo. — O que você acha da Sophia?
— Ela é maravilhosa! — Essa foi fácil responder, eu realmente adorava
a menina. — Temos muitas coisas em comum.
Como, por exemplo, odiar a Rose.
— Você tem passado muito tempo com ela. Acha que um dia Sophia
voltará a falar?
Ah, Benjamin, se você tivesse acreditado em mim...
Ele fez uma cara de sofrimento que me deu vontade de colocá-lo no
colo. A menina era muito má em fazer isso com o próprio pai, mas eu sabia
que ela não mudaria tão fácil.
— Eu não sei. Acho que é um grande trauma que ela precisa superar.
— Dobrei meu guardanapo e desdobrei, para depois dobrar de novo. O tecido
estava todo amarrotado, mas qualquer coisa era melhor do que encarar o
patrão enquanto eu mentia. — Talvez ela só precise de mais atenção sua. Ela
sente muito a sua falta, sabe?
— Sei, mas às vezes o trabalho me impede de estar presente. Não é
uma opção minha. E tem a Rose também.
Dei um sorriso falso e fingi olhar em volta sem prestar atenção nas suas
últimas palavras. Estava num restaurante luxuoso, com um homem lindo.
Tudo que eu não queria era falar sobre a mulher que dormia com ele. Mas
não deu certo, porque ele só ficou calado, me encarando. Parecia esperar
minha resposta.
— Hm... O que tem Rose? — perguntei, sem saída.
— Bem, ela já deixou claro que quer algo mais sério, entende? — disse
ele, torcendo os lábios. — Só que não estou muito seguro disso, por causa da
Sophia. Ela não aceita Rose agora, imagine se eu anunciá-la como minha
namorada?
— Totalmente concordo, Sophia não vai mesmo aceitar e ainda digo
mais, acho que ela vai piorar se isso acontecer!
— E o que eu faço?
Meu Deus, homem! Estava perguntando justamente para quem nunca
tinha namorado na vida? Queria poder dizer: arranja outra pessoa, mas não
era bom ser assim tão direta. O jeito certo é ir devagar e comendo pela
beirada, não é? Era o que minha mãe sempre dizia quando se referia ao nosso
vizinho.
— Acho que você deveria ir com calma. Conversar com a Rose e
explicar a situação. Ela é uma garota tão legal, duvido que não vá entender.
— Vaca. — Qualquer pessoa entenderia. — Conhecendo Rose, ela não iria
entender. Tentaria pressionar Benjamin e esse, perceberia que a loira aguada
não o merecia.
Nosso vinho chegou e com ele, duas lindas taças de cristal. Fomos
servidos e logo quis experimentar aquele líquido clarinho, quase transparente.
Até então, só tinha provado vinhos tintos — dos mais baratos — então não
fazia ideia de como era o gosto de um vinho branco. No primeiro gole que
dei, percebi como era ruim.
— Gostou? — Benjamin perguntou, balançando a taça com sutileza e
elegância, fazendo o vinho deslizar de um lado ao outro. Era uma cena
bonita, uma pena a bebida ser péssima.
— Uhum.
Queria poder beber um copão de Coca-Cola só para tirar aquele gosto
amargo da boca. Como as pessoas podiam degustar refeições suculentas
enquanto bebiam aquilo?
— Ok, vamos deixar esse papo triste de lado. Falemos de você. — Ele
sorriu e apoiou o queixo com as mãos. Benjamin colocou os cotovelos sobre
a mesa. Isso não era falta de etiqueta? Ou eu estava ultrapassada? Ou será que
homens bonitos podiam fazer isso?
— Não há muita coisa interessante a meu respeito.
— Impossível! Como tem se adaptado aqui? Percebi que já está bem
mais fluente no inglês e já não pensa mais antes de falar.
— Verdade, melhorei bastante. Sempre ouvi dizer que a convivência é
a melhor forma de aprender e tal, mas nunca acreditei realmente.
— E quanto ao curso?
Eu tinha mesmo pensado na hipótese de estudar enquanto estivesse por
lá, só que não levei isso adiante. Gostava muito de passar meu tempo com
Sophia e se me matriculasse em algum curso, ela ficaria ainda mais sozinha.
Benjamin parecia ter lido meus pensamentos, pois me surpreendeu ao colocar
a mão sobre a minha e me encarar.
— Não quero que fique pensando em não fazer por causa de Sophia.
Você pode arranjar algum curso no horário em que ela estiver na escola.
Era só eu que sentia o calor que emanava de nossas mãos? Minha pele
formigava onde a dele me tocava e eu queria muito entrelaçar nossos dedos.
Não demorou muito, infelizmente, para que Benjamin puxasse a mão de
volta.
— Eu vou pensar e pesquisar algumas coisas. Aí te aviso quando
decidir, ok?
— Vou esperar.
Como todo restaurante caro e antiquado, nossos pedidos chegaram e
foram servidos em porções ridiculamente pequenas em pratos com detalhes
riquíssimos na porcelana. Se uma criança estivesse em meu lugar, ela
provavelmente também comeria e passaria o restante da noite com fome. Meu
estômago era grande e possuía um buraco negro.
— Apetitoso. — Arregalei os olhos para... o que fosse aquilo, tinha
medo de perguntar.
— Sabe que comigo não tem que fingir, né? — Ele piscou de um jeito
que meus joelhos tremeram. — Coma só o que aguentar.
Aguentar? Eu precisaria lamber o prato, isso sim. Ou Benjamin achava
mesmo que aquela refeição alimentava um ser humano saudável? Sério, qual
era o problema dos ricos?
— Farei um esforço para não deixar sobras... — murmurei, chocada.
Nem sabia o que era, mas tinha gosto de frango ou alguém de sua
família: ganso, avestruz, codorna, tudo igual. Se eu estivesse sozinha e fosse
rica, pediria mais uma rodada e mandaria embalar para viagem. Porém, tinha
que manter a classe.
Quando terminei de comer, Benjamin estava me olhando como se
estivesse encantado com alguma coisa. Ou apenas estivesse observando
algum pedaço de comida preso em meus dentes. Passei a língua para conferir.
Tudo certo.
— Estava ótimo — comentei, morta de fome.
— Eu percebi. — Ele riu e chamou o garçom. — Acho que nunca
estive com uma mulher que tivesse tanto prazer em comer. Quer pedir uma
sobremesa?
— Não, obrigada, estou satisfeita. — Fui educada, tentando me lembrar
do que havia na geladeira em casa. Teria que fazer um lanchinho antes de
dormir.
Na volta para casa, conversamos sobre coisas das mais variadas dentro
do carro. Benjamin quis saber sobre minha família e eu passei um tempão
narrando a aventura de minha mãe com o vizinho e meu pai com a vizinha.
Ele achou o máximo esse casamento nada tradicional e duvidou quando eu
disse que ambos sabiam sobre as traições, mas eram tão acomodados que
tinham preguiça de se separar.
Apoiei a cabeça no encosto do banco e fiquei observando a paisagem
que era deslumbrante. Para chegarmos à casa de Benjamin, tínhamos que
pegar a estrada que beirava a praia e aquela visão era irresistível. O mar
brilhava com a luz da lua e parecia tão calmo que dava vontade de boiar,
boiar e boiar a noite inteira.
— Sabe o que é estranho? Esse tempo todo aqui e eu ainda não estive
nessa praia. — Suspirei com certo pesar.
A mansão de Benjamin ficava numa rua totalmente residencial e as
casas do lado esquerdo, como a dele, eram privilegiadas com uma praia
particular. Desde que cheguei lá tinha vontade de pisar naquela areia, mas a
piscina da mansão também era tão convidativa, que fazia qualquer um
esquecer da vida externa.
— Você ainda não esteve na praia? — Ele me olhou, incrédulo.
— Não é como se eu nunca tivesse ido à praia, né? Minha cidade natal
tem praias lindas e eu ia quase todos os finais de semana. — Abaixei o meu
vidro para poder sentir aquele cheiro maravilhoso de maresia. — Prometo
que vou tirar um dia para fazer isso. Dessa semana não passa!
— Que tal não passar de hoje?
E desde quando eu estava preparada para ficar numa praia escura, com
as estrelas brilhando no céu e Benjamin Reed ao meu lado? Meu lanchinho
teria que ficar para depois mesmo. Ou talvez eu virasse o lanche. Quem sabe?
— Não está muito tarde para isso? — perguntei, meu coração já tinha
acelerado.
— Claro que não. Você está comigo, não corre nenhum perigo. — Ele
abriu um sorrisão de homem safado que me deu calafrios.
Benjamin estacionou em casa e me puxou pela mão até os fundos da
mansão, por onde saímos através de um portão mais rústico, de madeira, até
pisarmos na areia. Apressei-me para acompanhá-lo e fui recebida com um
vento úmido e relaxante. Eu já estive várias vezes numa praia à noite, mas
nunca numa praia tão deserta. Geralmente estava em festas e cercada de
amigos, e acabava nem percebendo como o mar ficava perfeito na escuridão.
— Vamos? — Benjamin estendeu a mão para mim e me ajudou a pular
a mureta de pedra.
Imediatamente retirei as sandálias e fiquei descalça, sentindo a areia
fofa massagear meus pés.
— É tão vazio aqui... Se fosse no Rio, isso estaria lotado de gente em
quiosques e casais sentados pela areia. — Na hora me arrependi do que disse.
— Casais conversando, claro. Não... fazendo pornografias.
A quem eu queria enganar? Praia à noite era o reduto dos casais
aventureiros doidos por sexo ao ar livre ou simplesmente por não terem
dinheiro para irem ao motel.
Nós paramos num ponto onde o mar não poderia nos molhar, mas que
era perfeitamente possível esticar um pouquinho as pernas para sentir a areia
úmida. Sentei-me ao lado dele, que dobrou bainha da calça e tirou os sapatos.
— Venho aqui de vez em quando, depois que Sophia vai dormir —
confessou meu chefe, sorrindo. — Ou melhor, eu vinha. Agora percebo que
não estive nessa praia há algum tempo.
— Que droga.
— Não, não. É uma coisa boa. — Prendi a respiração com a mão dele
dando tapinhas em meu joelho. — Eu vinha aqui para pensar, geralmente em
Sarah. Era um lugar que vinha para escapar e chorar sem que Sophia me
visse.
Ele chorava? Fiquei até sem palavras, pensando no que poderia dizer
para confortá-lo, mas a questão é que não fazia ideia. Não podia sequer
imaginar o que aquele homem sentia, pelo que tinha passado. Levei minha
mão às costas dele e a deixei lá, sem saber se devia mexê-la ou não.
— Sinto muito mesmo por tudo o que você e Sophia passaram.
— Obrigado.
Benjamin apoiou os braços sobre os joelhos e virou o rosto para me
olhar, tocando o ombro com o queixo. Ficou assim durante vários segundos,
criando um silêncio constrangedor. Meus hormônios afloraram à medida que
ele se aproximava de mim, de meu rosto, com os olhos vidrados em algum
ponto meu que eu não sabia dizer qual era. Ele ia me beijar. E eu ansiava
demais por isso.
Quando finalmente aproximou o rosto o suficiente para um beijo,
suspirou e mudou a direção para minha orelha e tremi quando senti sua
respiração.
— Não se assuste — sussurrou, me assustando —, mas tem um
caranguejo do seu lado.
A merda do caranguejo estava prestes a conhecer minha ira.
Talvez Benjamin estivesse acostumado com mulheres frescas como
Rose, que provavelmente daria um escândalo se visse um bicho como esse a
menos de três metros de distância. Mas eu não era assim. Meus avós
maternos moravam num sítio no interior do Rio de Janeiro e tive uma
infância bem próxima a bichos estranhos. Claro que estava longe de ser uma
amante da natureza, tipo essas pessoas que gostam de pegar insetos e colocá-
los na palma da mão, tirar foto para postar nas redes sociais e receber um
monte de curtidas. Mas sabia conviver com a ameaça de proximidade de um
simples e infeliz caranguejo que atrapalha beijos deliciosos.
Respirei fundo, tentando conter minha frustração e olhei para o lado,
encarando o bicho detestável. Ele com certeza não tinha culpa. Era um
simples maria-farinha, uma espécie de caranguejo muito comum nas praias
do Brasil. São amarelos e parecem possuir uma leve transparência que os
camufla da cor da areia. Vivem nos buracos que fazem nela e são até um
pouco bonitinhos, quando não estão interrompendo os beijos das pessoas.
Peguei minha sandália e dei um cutucão no bicho, que correu daquele
jeito estranho de lado e foi na direção do mar.
— É apenas uma maria-farinha. — Limpei a areia que ficou na minha
mão e me virei para olhar Benjamin. Ele tinha as duas sobrancelhas em forma
de arco e parecia surpreso. — O que foi? Já vi desses onde moro.
— Jura? — Sorriu. — Confesso que achei que fosse sair correndo. Por
isso evitei fazer movimentos bruscos.
Agora eu estava curiosa. Toda aquela aproximação sorrateira teria sido
só para me avisar sobre o bicho? Ou Benjamin tinha mesmo tentado alguma
coisa comigo?
Mordi o lábio inferior, querendo muito ter coragem de fazer essas
perguntas a ele. Não fiz, é claro. Fiquei observando as ondas do mar agitado,
estourando com força um pouco mais abaixo de onde estávamos. A espuma
branca encantadora e o som do oceano quase me deixavam com vontade de
entrar naquela água.

— Você é cheia de surpresas, Bruna. — Ele voltou a


me olhar de forma intrigante no momento em que soprou
uma brisa vinda do mar e me fez estremecer. — Acho que é
melhor entrarmos.
Ah não! Não era para acabar tão rápido. Queria degustar um pouco
mais do seu perfil banhado pela luz da luz e da proximidade dele sentado ali
ao meu lado. Mas ele já tinha se levantado e me estendia a mão.
— Acho que vou ficar mais um pouquinho, mas você pode ir. — Dei
meu sorriso mais inocente, pois pelo pouco que eu o conhecia, achava difícil
que fosse me deixar sozinha, à noite e no escuro.
— E deixá-la aqui, nessa escuridão? — Benjamin franziu a testa e se
sentou novamente. Fiz a dança da macarena mentalmente. — Não mesmo. Se
quiser ficar, farei companhia. Só fico preocupado que esteja com frio.
— Não estou, pode ficar tranquilo — avisei e me deitei de costas na
areia, fiquei olhando para o céu estrelado, pensando em como minha vida
tinha mudado tanto desde que decidi fazer essa viagem.
Estava absorta em meus pensamentos e só me dei conta de que estava
sendo observada alguns minutos depois, quando procurei por Benjamin, que
até então estava muito calado. Ele me olhava como se estivesse de frente para
um objeto não identificado e agradeci por estar muito escuro e não poder ver
minhas bochechas coradas.
— Você é uma pessoa muito peculiar, Bruna.
— Eu sou? — perguntei, prendendo o riso.
Ele me deixou sem respostas e se deitou ao meu lado, os olhos voltados
para o céu pouco estrelado acima de nós. Sentia o seu braço tão perto do meu,
que provavelmente se eu me arrepiasse, nossos pelos se tocariam.
— O que sabe sobre constelações? — Benjamin me perguntou, virando
o rosto para me olhar. Por um momento, peguei-me praguejando por nunca
ter me interessado muito por astronomia. Adoraria parecer uma pessoa culta
numa hora dessas.
— Muito pouco — confessei.
— Bem, está vendo aquelas estrelas ali, brilhando mais que as outras?
— Benjamin esticou o braço, um dedo apontando para um ponto quase acima
de nossas cabeças.
— Hum... para mim todas brilham igual.
Ele me olhou como se eu só pudesse estar cega tamanha a minha falta
de sensibilidade. E então eu fiquei feliz por ter sido sincera, pois ele pegou
em minha mão, aproximou o rosto do meu e apontou comigo.
— Ali, percebe? — O cheiro dele era incrivelmente bom,
principalmente agora, misturado àquele característico de praia.
— Hum.
— Aquela é a Ursa Maior. Dá para contar suas principais estrelas. —
Benjamin foi movendo nossas mãos como se estivéssemos tocando cada uma
das estrelas com a ponta do dedo. — Está vendo? Aquela ali é a mais famosa
delas. Chama-se Mizar.
Eu realmente estava vendo. Nossos dedos estavam sobre uma grande
estrela, quase que grudada em outra menor. E por incrível que pareça, mesmo
com a sua boca tão perto de mim e sua mão quente envolvendo a minha, eu
achei aquilo tudo muito interessante. Não é todo dia que deitamos na praia
com um cara lindo do nosso lado, ensinando-nos a decifrar constelações.
— E aquela, como se chama? — Mexi nossas mãos um pouco para o
lado, apontando a estrela menor ao lado de Mizar.
— Aquela é Alcor — Benjamin respondeu, mas dessa vez não estava
olhando para o céu e sim para mim.
Eu esperava que ele não estivesse ouvindo o som que meu coração
fazia ao bater acelerado no peito. Seria tão rápido e tão fácil, bastava eu
chegar alguns centímetros para perto dele e nossas bocas se uniriam. E eu
estava realmente cogitando fazer isso quando ele voltou a olhar para o céu e
soltou minha mão.
Mas que inferno! Parecia até que tinha ouvido meus pensamentos e
sentido o perigo se aproximando. Será que eu era tão previsível assim? Ou
estaria escrito em minha testa algo como “vou te atacar”?
— Mostre-me mais — pedi, querendo resgatar os últimos minutos.
— Ah. — Ele se sentou de frente para mim e encolheu os ombros, um
sorriso travesso tentava aparecer, até que caiu na gargalhada. — Só conheço a
Ursa Maior, a Mizar e Alcor. Não entendo nada de constelações. Eu era
garoto quando meu pai me falou sobre elas.
Acabei me sentando também, ainda chocada com a diversão dele, com
aquele sorriso bobo estampado no rosto. Era tão lindo que minha ideia de
castigá-lo consistia em pular sobre ele, derrubá-lo na areia para beijar todo
seu rosto.
— Entendo, Sr. Reed. O senhor estava se divertindo com a minha cara,
dando uma de conhecedor do assunto. — Fingi que estava chateada com toda
a situação e revirei os olhos o mais dramaticamente possível. — Creio que
isso seja algum tipo de tática para fazer as mulheres suspirarem pelo senhor,
o homem que conhece as estrelas.
Ele continuou se divertindo com aquele sorriso que já estava me
irritando. Levantou-se e estendeu a mão para mim, que aceitei na mesma
hora. Recolhi minhas sandálias enquanto ele tirava areia de sua roupa.
— Bem, nunca usei isso como tática, mas até que a ideia é interessante
— confessou, muito corajoso. — Pensarei nisso da próxima vez que vier
aqui.
O quê? Ah, claro. Ele traria a idiota da Rose e ficaria todo derretido
para cima dela, falando sobre estrelas. E ela, narcisista como era, acharia que
ele estava fazendo tudo aquilo como forma de dizer que ela era uma grande
estrela linda e brilhante na vida dele.
Esse pensamento conseguiu me irritar um pouco e saí marchando em
direção à casa, sem me preocupar em esperar por Benjamin.
— Ei, Bruna! Espere! — Ele me alcançou rapidamente e segurou meu
braço, forçando-me a virar para olhá-lo. — O que houve?
Eu teria várias respostas para dar, mas achei melhor não piorar a minha
situação. O que eu realmente poderia dizer? Que achava que ele estava sendo
romântico comigo esse tempo todo? Ou que estava com ciúmes por pensar
nele com outra mulher olhando as estrelas? Bem, não eram respostas muito
adequadas para dar ao cara para quem eu trabalhava.
— Não é nada. — Desviei o olhar, pois era bem difícil resistir àqueles
lábios pressionados que formavam uma linha reta e aos olhos percorrendo
meu rosto à procura de alguma resposta. — Só acho melhor ir para casa,
estou começando a sentir frio.
— Está com frio? — Ele estalou a língua e me lançou um olhar como
um adulto faria com uma criança indefesa. — Venha cá.
No instante em que soltou meu braço para passar o dele sobre meus
ombros, eu nem cheguei a cogitar nada demais, pois esse é um tipo de reflexo
típico nos homens, algo em relação a um macho não puder ser considerado
verdadeiramente um macho, caso não consiga proteger uma mulher do frio.
Mas então, logo em seguida, tudo aconteceu rápido demais. Sei que dei um
sorrisinho tímido para ele em agradecimento — e devo admitir que não
estava sentindo frio algum — e Benjamin tocou meu rosto com as costas da
mão. Antes que eu pudesse pensar naquele gesto, sua boca já estava sobre a
minha.
Primeiro foi um selinho, o suficiente para fazer com que eu acordasse
para o que estava acontecendo. E enquanto eu estava ali parada, sentindo
meus pés afundarem na areia junto com minha consciência, eu já estava
enrolando meus braços ao redor do pescoço dele e correspondendo ao beijo.
Suas duas mãos pararam em minha cintura, não se moviam um
centímetro sequer, mas ele as apertava com força em minha carne. Sua língua
era macia, quente e urgente. Tinha feito com que minha mente entrasse em
pane e eu não conseguisse pensar em absolutamente nada. Mas tudo que vem
rápido, também vai.
— Bruna... — Benjamin parecia tão sem fôlego quanto eu, mas pelo
menos ele conseguia usar a boca para emitir algum som coerente. —
Desculpe.
Minha cabeça estava tão confusa. O vazio em minha mente segundos
atrás dera lugar a um turbilhão de emoções que me impediam de pensar
direito.
— Hum. Ah... Você não precisa... se desculpar. — Minhas mãos
formigavam, a vontade de colocá-las de novo ao redor daquele pescoço era
grande demais, precisei cruzar os braços. — Sei que nós dois estamos
arrependidos por essa... maluquice.
— Eu não estou arrependido. — Talvez eu tenha arregalado os olhos
rápido demais, porque Benjamin deu um sorriso e passou a mão pelos
cabelos. — Não posso dizer que me orgulho de ter agarrado a babá da minha
filha, mas arrependimento é uma palavra forte demais. A não ser que você me
processe por assédio sexual, aí com certeza irei me arrepender.
— Eu... — murmurei, mas era difícil demais pensar no que dizer, com
ele me olhando daquele jeito.
— Eu sei que isso é errado e prometo que não acontecerá de novo. —
Meu chefe balançou a cabeça, como se não conseguisse entender o motivo de
ter me beijado. — Caramba, não sei o que anda acontecendo comigo
ultimamente.
Se ele não sabia, então eu também não tinha nenhuma obrigação de
saber, certo? Achei que fosse precisar me explicar ou me desculpar por
alguma coisa, mas pelo visto Benjamin estava tão confuso quanto eu. O que
era péssimo, porque mais uma vez ele tinha me beijado e ficaria por isso
mesmo.
O momento passou, ele pareceu ter recuperado a sanidade e me soltou.
— De qualquer forma, está esfriando mesmo, é melhor entrarmos.
Concordei, pois o que mais queria naquele momento era me trancar no
quarto e pensar no que aconteceu naquelas últimas horas. O jantar, a conversa
na praia, o beijo. O beijo... Ok, não serei hipócrita. O que eu mais queria
mesmo era outro beijo. Só que eu não teria isso.
Entramos em casa calados, primeiro porque já estava tarde e Sophia
provavelmente estaria dormindo e segundo por nenhum dos dois ter muito o
que dizer. Fizemos o mesmo caminho pela escada e como meu quarto era o
primeiro do corredor, eu logo parei em minha porta, com ele atrás de mim.
— Bruna... — Lá vinha mais conversa constrangedora. Era muita coisa
para um único dia. Benjamin sorria, mas parecia mais com um pedido de
desculpas. Outro. — Não quero as coisas estranhas entre nós. Te acho muito
bonita, inteligente, mas além dos fatores óbvios, também estou com Rose.
— Ok — respondi sem muito ânimo.
Ele encerrou aquela conversa tosca com um beijo em minha mão. A
porra. De um beijo. Na minha mão. Quem ele achava que era? Mr. Darcy do
Paraguai?
Para não ser muito mal educada com o patrão, esperei ele se afastar
para bater minha porta com força. Eu estava tonta, mas era de raiva. Se algum
dia existiu, dentro de mim, uma parcela de alguma mocinha ingênua, boba e
tímida que suspiraria pelos cantos por algum homem, então eu aniquilaria
totalmente essa moça. Que se dane! Benjamin Reed estava brincando com
meu coração e me enlouquecendo. Por que ele tinha que aproveitar todas as
ocasiões para me lembrar que estava com Rose?

É claro que não dormi direito aquela noite. Ficava voltando toda hora
na parte do beijo, puxando a lembrança e a sensação da sua língua em minha
boca e suas mãos em volta do meu corpo. Droga!
Quando a manhã finalmente chegou e o quarto começou a clarear com
os raios de sol entrando pelas frestas da cortina, decidi que era hora de me
levantar. Não ia mesmo conseguir dormir por mais tempo e pelo menos
poderia ocupar a mente com a Sophia.
Passei grande parte do dia ocupada, brincando de bonecas assassinas
que corriam atrás de uma pobre coitada de uma bonequinha loira capenga que
já estava com algumas partes de cabelo faltando. Sophia tinha um talento
genuíno para a coisa. Felizmente, não precisei me preocupar muito com
Benjamin, porque não o vi o dia inteiro. Sophia me disse que ele tinha saído
logo de manhã. Provavelmente para passar o dia com Rose.
Na segunda-feira fiz questão de acordar bem antes de o despertador
tocar, pois estava começando a ficar chato Sophia chegar frequentemente em
cima da hora no colégio. Consegui me despedir dela tranquilamente e fiquei
esperando que sumisse dentro do prédio. Vi quando Joseph saiu do
estacionamento e pensei em ir embora antes que ele me visse, mas já estava
na hora de mudar minha tática. Pelo menos, alguém parecia se interessar por
mim.
Esperei que ele se aproximasse e coloquei um sorriso encantador no
rosto.
— Bruna, bom dia. Tudo bem? — Opa, não esperava pelo beijo no
rosto. — Como estão as coisas em casa?
— Tudo indo. Meu patrão resolveu acreditar em mim. Sobre aquele
problema...
— Sim, eu me lembro. — Ele sorriu. — Não costumo esquecer tão
rápido episódios inusitados sobre beijos e maconha.
— Pelo amor de Deus, não fale isso em voz alta — sussurrei ao ver que
algumas pessoas estavam olhando na nossa direção.
— Ninguém ouviu — disse, mas mesmo assim ele abaixou a voz e
enfiou as mãos nos bolsos. — Então, quando terei o prazer de te levar para
sair novamente? Dessa vez, sem a companhia do seu chefe.
Eu não sentia meu coração bater acelerado por Joseph, então sabia que
sair novamente com ele era uma ideia completamente estúpida. Mas por
Deus, eu precisava mudar minha situação. Benjamin podia até ter uns
colapsos de vez em quando, mas a verdade é que seja lá o que se passe
naquela cabeça, não é suficiente para eu ter uma chance real com ele.
E vamos combinar. Olhando atentamente para o moreno diante de mim
— não muito alto, confesso —, precisava admitir que não seria um grande
sacrifício. Ele era bonito e legal comigo.
— Que tal na sexta? — sugeri e torci para que não me arrependesse
disso depois.
— Sério? — Por que diabos ele estava tão surpreso? — Uau, ótimo!
Sinceramente, achei que você fosse dizer não. O que gostaria de fazer?
— Surpreenda-me!
Não me despedi, apenas dei um sorrisinho e fui embora sem olhar para
trás, chocada pela minha resposta atrevida. Fiquei tão feliz com minha
decisão que resolvi ir ao shopping depois do almoço, procurar roupas
interessantes que coubessem em meu orçamento. Consegui garimpar coisas
realmente boas, de qualidade, em uma lojinha simpática que provavelmente
eu visitaria outras vezes.
Estava satisfeita com meu dia apesar de todos os problemas do coração.
Sophia era uma completa distração e quando chegou da escola me contou que
participaria de uma peça no final do ano.
— Mas Soso, você esqueceu que não fala?
Será que ela pretendia contar para o pai? Nós precisaríamos conversar
antes sobre isso, pois não podia correr o risco de ele descobrir que tudo era
fachada e eu escondi a verdade.
— Não vou falar — respondeu com a voz firme.
— Não vai? — Oh não. Isso já aconteceu comigo quando tinha a idade
dela. — Ah Sophia, não me diga que você será a árvore? Pobrezinha!
— Não! — Ela riu de mim e bateu na minha testa. — Vou fazer papel
de muda. Eu sou o fantasma, não posso falar!
Minha nossa senhora, a criança faria papel de assombração. Sorri para
esconder minha frustração e ela fez aquela carinha fofa com um beicinho, que
não se adequava muito ao seu perfil de criança malvada quando jogava com
Rose.
— E você vai fazer minha roupa! — avisou, de repente, fazendo meu
cérebro travar.
Eu vou o quê?
— Querida, eu não sei costurar.
E isso era verdade absoluta. Deus sabia que já tinha tentado. Uma vez
estava no shopping usando uma calça de tecido fino e era a primeira vez que
eu usava aquela roupa. Então, num passe de mágica, quando estava me
olhando no espelho após ter ido no banheiro, achei um furo na bunda. Sim,
bem no meio da bunda! Fui até aquelas moças que ficam tomando conta dos
banheiros de shopping, elas costumam ter acessórios de costura e uma delas
me emprestou uma agulha e linha. E aí entra a propaganda enganosa, pois nos
adesivos fixados nas paredes tem escrito que elas estão ali para nos ajudar,
mas não foi o caso. Eu precisava que costurassem para mim! E é claro que
tentei de todas as formas fazer um trabalho limpo, mas no fim das contas
acabei indo direto para casa, pois tinha ficado com uma verruga preta no
meio da bunda. Era com isso que a linha preta embolada ficou parecendo.
— Mas você tem que fazer. — Sophia fez beicinho novamente. — As
mães das minhas amigas vão fazer as delas.
Porra de jogo baixo do caralho! Como eu poderia dizer para uma órfã
que ela não iria participar da peça da escola porque não tinha uma mãe? Não
me mostraram nenhum manual de como agir nessas horas. E o pior é que eu
não sabia o que seria pior: Sophia subir no palco com algo costurado por mim
ou Sophia não subir no palco.
— Eu vou fazer, Soso. Uma fantasia bem bonita! — Congelei meu
sorriso, apavorada. — Você vai ficar adorável!
— Oba! — Ela pulou em cima de mim e me beijou.
— Como você tem que se vestir?
— Como fantasma.
— É claro, me ajudou bastante.
Um lençol branco, com dois buracos para os olhos, um para o nariz e
outro para a boca, serviria, certo? Será que Abigail sabia costurar?
— Atrapalho? — Meu coração vivia quase em função daquela voz e se
agitou no meu peito quando a ouviu.
— Não — respondi, momentaneamente com vergonha, porque não
tínhamos conversado desde o dia da praia.
Não sabia se Benjamin tinha ouvido Sophia falando, mas a julgar pela
sua expressão tranquila, imaginei que não. Ele entrou no quarto e minha
vontade de sair correndo foi grande. Por que tinha que ser tão gostoso?
Estava de terno com a droga da gravata frouxa e começava a tirar o paletó.
Como alguém conseguia trabalhar no mesmo local que ele e não tocá-lo? Ou
será que tocavam? Hum, será que Benjamin era um chefe tarado, daqueles
que pedia para a funcionária ir ao seu escritório e fazer hora extra?
Chega, Bruna!
— A Sophia vai participar de um teatrinho no colégio, Benjamin —
contei a novidade, pelo menos tinha algo decente a dizer.
— É mesmo? — Era tão fofo vê-lo envolvido com a filha, que não
pude deixar de sorrir ao notar o brilho em seus olhos quando se ajoelhou ao
meu lado e apoiou a mão nos joelhos. — Minha princesa está virando atriz?
Não sei como vou aguentar ver a senhorita sendo assediada por fãs malucos.
Tudo bem, talvez ele estivesse orgulhoso até demais.
— Do que ela precisa, Bruna?
— De uma fantasia — respondi.
— Certo. — Benjamin coçou a cabeça e me olhou com uma cara de
quem não podia me ajudar. — Você cuida disso?
— É claro. — Abri um sorriso gigantesco, queria vê-lo orgulhoso de
mim também. — Sophia ficará lindíssima, um fantasma de fazer o queixo
cair.
— Que bom! — Ele puxou o rosto da filha e a beijou na testa para, em
seguida, fazer o mesmo gesto na minha direção. Mas então acho que
percebeu que eu não era bem uma criança para ficar recebendo beijos na testa
e o máximo de contato que teve comigo foi um carinho atrás da cabeça. —
Posso falar com você? Lá fora?
Deixamos a menina com seus brinquedos e passamos pela porta.
Benjamin foi andando na frente, na direção do seu quarto e cheguei a cogitar
a hipótese improvável de ele estar me levando para a cama.
Improvável mesmo. Quando eu ia aprender a não me iludir?
— Você acha que isso pode dar certo? — perguntou ele ao parar e se
virar para mim. — Ela numa peça? Qual é o papel dela?
— Fantasma. Sem falas — expliquei e pisquei, animada. —
Provavelmente, só vai ficar agitando os braços e arrastando correntes.
— Nós temos uma festa para ir — disse, sem mais. A pessoa muda de
assunto completamente. Quem concedeu a esse homem o direito de confundir
minha cabeça dia sim, dia não?
Eu estava quase declarando suspenso o encontro com Joseph e
pensando no meu casamento com Benjamin, jurando que ele finalmente tinha
se dado conta de que eu era uma companhia muito melhor que Rose.
— Uma festa? Quando seria? — perguntei, pensando na minha roupa.
— Sábado, na casa da Rose.
— Rose?
— Rose. — Ele encolheu os ombros e parecia esperar que eu tacasse
algum objeto em sua cabeça. — Ela vai dar uma festa em casa e faz questão
que eu leve a Sophia.
— Ah sim. Você vai com a Sophia. — Sorri, querendo socar meu
próprio nariz. Agora eu tinha entendido o tal do “nós” que ele usou na frase.
— Sim, mas para que fique bem claro, preciso que você vá com a
gente. Quero que Sophia tenha companhia.
O quê? Não! Não! Mil vezes não! Era humilhação demais ter que entrar
em território inimigo, não como acompanhante, mas como babá. Por que ele
não podia aproveitar um momento a sós com a filha? Será que tinha planos
de levar a festa para outro nível, um que ficasse no andar de cima, no quarto
da loira?
— Você tem certeza de que eu preciso ir? — questionei, quase
implorando para que me dispensasse.
— Sim, tenho — respondeu, franzindo os lábios. — Perdoe-me por
ocupá-la com isso num final de semana, mas Rose não abre mão da presença
da Sophia.
— Eu tinha planos para o sábado, então posso levar alguém? — Na
verdade, eu tinha planos de ficar vendo filme até de madrugada, mas isso ele
não precisava saber.
— Bem... — Parecia pensar no assunto, de cabeça baixa, encarando os
sapatos caros. — Pode, claro. É o professor?
— Quem mais seria? Ele não é adorável? — Toquei de leve em seu
ombro. — Obrigada!
Eu tinha um plano e pretendia colocá-lo em ação. Obrigaria Benjamin a
engolir a presença de Joseph, gostasse ele ou não. Só precisaria encontrar
uma roupa bem sensual para usar na festa e fazer um ciúme básico no meu
chefe. E também aprender a como correr atrás de uma criança usando saltos
finos e altos.
No dia seguinte, depois de deixar Sophia na escola, passei uma
mensagem para o professor, torcendo para que ele aceitasse meu convite, ou
então ficaria muito chato eu ter que levar um desconhecido para a festa.

“Oi! Aqui é a Bruna, tudo bem?


Queria saber se podemos mudar nosso encontro de sexta para sábado. J ”

Teria sido melhor se tivesse encontrado com ele na porta do colégio,


mas eu nem sequer sabia se ele trabalhava todos os dias. Enviei a mensagem
e deixei o celular no braço do sofá, enquanto pintava minhas unhas que
estavam horrorosas. Quando o telefone tocou a notificação de mensagem
recebida, quase deixei a base cair no tecido caro do sofá de Benjamin. Ops.
“Bruna, eu sei quem você é, tenho seu número. Não precisava se identificar.
Que tal falarmos sobre o encontro de sexta/sábado durante o almoço de
HOJE?”

Almoço? Olhei no relógio digital sobre o rack da sala e vi que já eram


quase 10 horas. Será que não seria uma cota muito grande de professor em
uma única semana?

“Não podemos conversar por mensagem? L ”

Mal enviei, chegou a resposta. O homem era rápido e tentei imaginar o


que mais aqueles dedos faziam rapidamente.

“Almoço. Posso te buscar às 12 horas.”

Se ele estava mesmo irredutível, eu teria que topar o bendito almoço.


Mal não ia fazer também, seria bom almoçar olhando para outra pessoa que
não fosse Abigail, que nunca tinha sorrido para mim desde que cheguei no
país.
Olhei meus pés, todos os dedos borrados com esmalte que eu ainda
teria que limpar. Nunca fui uma boa manicure, mas como não dava para ficar
bancando a salão por aqui, teria que aprender a me virar assim mesmo.
Resolvi chutar o balde de vez.

“Tudo bem, pode vir me buscar nesse horário.


Vou só terminar de pintar minhas unhas.”
Voltei a usar o palitinho para retirar o excesso ao redor dos dedos, com
um pouquinho de pressa para não me atrasar.
— O que quer almoçar?
Mas que diabos! A voz grossa e autoritária de Abigail quase me matou
de susto! Ela estava atrás de mim, chegou em silêncio, e isso só me levava a
crer que com certeza possuía um passado obscuro, porque ninguém consegue
ser tão silencioso assim.
Colocando meu coração de volta no lugar, abri um sorriso amigável
para ela.
— Não almoçarei em casa, Abi. Recebi um convite, sabe? — Ela
continuou me encarando. — De um amigo. Para almoçar. — Silêncio. —
Então não precisa fazer nada para mim.
E com toda aquela sua simpatia contagiante, virou-se de costas e voltou
para a cozinha. Mulher difícil, mas eu ainda conquistaria aquele coração de
vidro.
— Obrigada mesmo assim, Abigail — gritei para que ouvisse. — É
muita consideração sua se preocupar comigo!
Recuperada do susto, olhei de volta para meus pés e achei que o serviço
estava muito bom. Comecei a guardar a parafernália toda, esmalte, base,
palito, algodão e aceton... Ah, puta que pariu! Puta que pariu, porra! A
acetona estava derramada, aberta, sobre o assento do sofá. Culpa da Abigail
que me assustou e o vidrinho deve ter se desequilibrado quando me virei. O
líquido formou uma mancha de formato abstrato e a primeira coisa que me
veio como solução, foi esfregar minha blusa pra tentar secar.
— Ou pelo visto não — murmurei, mortificada, percebendo a merda
ainda maior que eu fiz.
Encarei o tecido de suede cinza, bem cor de rico, e parecia ter ficado
muito pior pelo simples fato de ter sofrido uma leve fricção. Olhei à minha
volta, me certificando de que Abigail não tinha testemunhado a cagada épica
e decidi colocar uma almofada estrategicamente em cima da mancha, assim
ninguém perceberia. Hum... Talvez fique melhor colocando duas almofadas.
Observei meu trabalho final, tinha ficado perfeito. A decoração bonita e
a sujeira escondida. Recolhi com pressa toda a minha bagunça e subi para
meu quarto antes que fosse flagrada naquele sofá.
Joseph foi bem pontual e dei isso como um ponto a favor dele. Não
tinha nada mais deselegante do que deixar uma mulher esperando. Fui levada
a um restaurante adorável que ficava em Melrose, com mesinhas brancas na
calçada e cercas românticas delimitando o perímetro.
— Posso fazer uma pergunta um pouco invasiva? Perguntei e como ele
assentiu, continuei: — Professores aqui nos Estados Unidos ganham bem?
— Uau, que curiosa! — Ele soltou uma risada e mostrou os dentes
irritantemente brancos. — Não sou rico, mas não ganho mal porque trabalho
em dois colégios.
— No Brasil a situação é crítica.
— Aqui não é um paraíso, mas consigo me manter bem.
Mesmo assim, fiquei satisfeita por não abusar com o cardápio. Isso
considerando que ele pagaria para mim. Ele pagaria, certo? Meu salário de
babá não permitia que eu frequentasse restaurantes caros e ainda precisava
comprar um vestido fatal para a festa. E sapatos. E uma bolsa que
combinasse. Talvez arrumar o cabelo. Hum, pulseiras! Ah e é lógico, onde eu
estava com a cabeça em não lembrar de comprar brincos?
— Bruna? — Joseph estalou os dedos perto do meu rosto. — Tudo
bem? Ainda está comigo?
— Só estava pensando em coisas que preciso comprar.
Joseph me olhava com uma expressão engraçada, quase como se
estivesse no cinema assistindo uma comédia.
— Então, sobre nosso encontro. Qual o problema com a sexta? —
perguntou ele, dando uma piscadinha, provavelmente achando que me
deixaria de pernas bambas.
— Eu tenho uma festa para ir no sábado e pensei em te chamar. — Bati
meus cílios com força.
— Uma festa? Onde?
— Então, esse é a única coisinha chata. — Franzi meu nariz, quase
conseguindo sentir o cheiro da picareta. — Na casa da Rose, a namorada do
meu patrão. Lembra dela?
— Meio difícil não lembrar, depois de toda aquela cena.
Nossa comida chegou e dessa vez o restaurante não era vergonhoso que
nem aquele que fui com Benjamin. O prato podia não estar transbordando,
mas ali tinha realmente uma quantidade boa de alimento. Meu estômago até
bateu palmas.
— Então, você quer mesmo ir a uma festa na casa daquela mulher? —
O professor franziu a testa. — Achei que não gostasse dela.
— Eu não gosto, mas meu chefe não me deu opção. Tenho que ir para
cuidar de Sophia e achei que seria legal ter companhia.
Mexi com o garfo no punhado de arroz, abaixei o rosto e levantei só os
olhos na direção de Joseph. Depois, bati meus cílios cheios de rímel.
Caramba, isso funcionava mesmo! Ele passou a língua pelo lábio e sorriu.
— O seu chefe é um panaca! — Tentei ignorar o comentário, mesmo
sendo a mais pura verdade. — Claro que ficarei muito feliz em ser sua
companhia.
— Que bom! — Sorri, aliviada, querendo dar um abraço nele. —
Tenho certeza que será divertido.
— Mas o que sábado tem a ver com sexta? Podemos sair na sexta
também.
Não, não podemos. Sorri.
— Preciso da sexta livre. Você sabe, quero estar linda no sábado. Uma
mulher tem suas necessidades.
— Não acho que você precise de um dia inteiro para ficar ainda mais
linda, mas não tem problema. — Joseph tocou minha mão e apertou meus
dedos gentilmente. Ele era mesmo muito conquistador. — Tenho certeza que
serei presenteado com uma bela visão.
Pobre professor. Ele não tinha a menor ideia de que todo o meu esforço
não seria para apreciação de olhos castanhos e sim verdes. Muito verdes.
Quando a conta chegou, Joseph pegou o recibo, avaliou o que tinha
escrito ali e retirou a carteira do bolso. Eu suspirei e abri minha bolsinha.
— Vamos lá, quanto é minha parte? — perguntei, muito elegante.
— O quê? — Ele balançou a cabeça. — Não vou deixar você pagar.
— Ah, por favor, Joseph. Não estamos mais no tempo das cavernas.
Uma mulher tem o direito de pagar sua própria conta. — Rezei para que ele
negasse. Diga que não, diga que não, diga que não.
— De jeito nenhum.
— Vocês homens são tão enervantes! — Bolsinha fechada e dinheiro
protegido. — Tudo bem, só dessa vez. A próxima será por minha conta.
Ele não sabia, mas eu só tinha dinheiro para pagar um lanche num
fastfood. Teria que servir.
Quando voltamos e ele me deixou em casa, desligou o carro ao
pararmos na porta da mansão. Estava pronta para descer, mas Joseph segurou
minha mão e alisou meus dedos, parecia que tentaria me beijar.
— Sabe o que é estranho? — perguntou, com os olhos atentos a mim.
— O quê?
— Você parece estar me dando espaço para te conhecer melhor, me
querendo como companhia e tudo mais. Só que mesmo assim sinto que você
foge de mim. Estou certo?
— Eu sou tímida — respondi, meio que uma mentira.
— Isso significa que não ganho um beijo? — A mão que alisava meus
dedos subiu pelo meu braço e me deixou arrepiada.
Eu não sentia desejo por ele, mas não dava para ficar indiferente com
seu sorriso e sua mão quente na minha pele. Conseguiu me deixar arrepiada,
mas tudo em que eu conseguia pensar era em como seria bom se fosse
Benjamin no lugar dele. Eu sei, eu sei, meu lugar no inferno já estava
garantido, mas o que podia fazer?
— Joseph, para ser sincera, muito sincera, eu quero te beijar. Mas eu
não estou acostumada com tudo isso, sabe? Nunca fui de namorar, nem sair
com muitas pessoas — expliquei, tentando ser um pouco sincera, pois a parte
da experiência com homens era verdade. — Podemos ir com calma?
— Obrigado pela sinceridade, gosto de garotas assim. — Ele afastou
uma mecha de cabelo do meu rosto, mas ainda me roubou um beijo no canto
da boca. — Claro que podemos ir com calma. Busco você no sábado?
Tinha que tomar uma decisão, se ia de carro com Benjamin ou Joseph.
Mas achei que o mais sensato seria aceitar a carona da pessoa que me
acompanharia na festa. Não seria nada legal se o professor chegasse sozinho.
— Tudo bem, você me pega. Confirmo o horário com Benjamin e
envio uma mensagem avisando.
— Perfeito.
Depois de nos despedirmos, entrei em casa e fui direto para meu
quarto, fazer uma listinha de coisas para providenciar até sábado.

Massagem
Depilação
Fazer as sobrancelhas
Clareamento dental
Hidratação nos cabelos
Bronzeamento artificial (talvez?)

Acabei riscando alguns itens da lista quando voltei à realidade. Meu


celular tocou com mensagem e revirei os olhos, achando que Joseph já
estivesse sentindo saudades, mas me surpreendi quando vi o nome na tela.

“Bruna, buscarei Sophia hoje na escola, saio mais cedo. Beijos, Benjamin.”

AH MEU DEUS. Ele mandou beijos? Beijos? De que tipo seriam?

“Tudo bem, divirtam-se! Ela sabe?


Você não tem muito trabalho hoje?
Hum, você quer que eu avise na escola? J ”

Sorri sozinha ao reler minha mensagem e enviei mais uma:


“Isso é super legal! Ela vai ficar tão feliz! J ”

E depois, enviei mais uma:

“Benjamin, aquele sofá cinza da sala de estar foi muito caro? J ”

Não entendi muito bem o surto de Benjamin em buscar Sophia no


colégio. Desde quando ele “sai cedo” e desde quando faz o tipo de pai que
frequenta escolas? Será que estava começando a perceber que Sophia
precisava mais da presença dele? Mesmo não entendendo o motivo daquela
mudança, fiquei feliz pela Soso. Ela com certeza chegaria radiante em casa.

“Desculpe a demora em responder.


Meu celular travou com o recebimento de tantas mensagens. Na ordem:
Não.
Mais ou menos.
Não.
Sim.
J — imagino que esse emoji seja algum código secreto pra você usar tanto.”

Sim. Sim, o sofá era caro. Lógico! Péssimo, Bruna, péssimo! Teria que
tirar um visto permanente e trabalhar até Sophia entrar na faculdade, só para
pagar pelo estrago.
Tirei a tarde para arrumar meu quarto já que não precisaria buscar
Sophia, mas em algum momento eu perdi o controle da arrumação e percebi
que nem teria lugar para dormir, se não arrumasse a bagunça que deixei ainda
pior.
No fim de tudo, separei também alguns objetos velhos que trouxera do
Brasil e queria jogar fora, e estava descendo para pegar um saco de lixo
quando Benjamin e Sophia entraram pela porta da sala.
— Então, como foi? — perguntei quando Sophia correu para me
abraçar. Tá vendo, Benjamin, sua filha me ama! — Você gostou da surpresa,
Soso?
— Ela não me viu logo. Ficou procurando por você. — Benjamin
passou a mão pelos cabelos da filha e sorriu para mim. — Tive que parar
diante dela para perceber que eu estava ali. Acho que posso começar a ficar
com ciúmes dessa adoração por você, não posso?
Sabia que ele não estava falando sério porque sorriu e fez com que os
olhos ficassem quase fechadinhos, lindo. Tirou a gravata, jogou-a no sofá e
eu quase pulei para pegar, bem ao estilo clube das mulheres. Depois tirou o
paletó e abriu alguns botões da camisa enquanto se dirigia ao sofá. O SOFÁ.
Parei até de pensar no corpo dele.
— Vai sentar? — Minha voz saiu um pouco esganiçada, mas tudo bem,
o sofá era enorme e de canto, teria espaço de sobra.
— Vou — Benjamin respondeu.
Ele estava parando bem na frente das almofadas, prestes a tirá-las do
lugar e sentar a bunda de ouro no espaço manchado. O cara lá de cima não
podia mesmo me dar uma folga, não é mesmo? Meu único pensamento foi
correr. E assim, eu larguei Sophia, contornei a mesinha de centro, derrapei no
tapete felpudo, abaixei depressa para passar por baixo da curvatura que o
corpo de Benjamin fazia ao se inclinar para sentar e... pronto! Joguei-me
sobre as almofadas.
Parando para analisar o ocorrido, talvez eu não tenha passado uma boa
impressão. Primeiro porque minha perna esquerda estava jogada no sofá, a
direita toda torta de encontro às pernas de Benjamin. Meu cabelo tinha ido
parar todo na cara, meu rosto estava quente, a respiração ofegante, as
almofadas esmagadas embaixo de mim e Benjamin me olhava como se eu
tivesse acabado de assaltar a casa dele.
— O que foi isso?
— Eu também queria me sentar.
Sophia, que achava tudo engraçado e devia estar pensando que aquilo
era minha mais nova brincadeira, jogou-se sobre mim ainda de mochila nas
costas.
Benjamin podia parecer ser um empresário durão, frio e de vez em
quando ele fazia umas caras que realmente dava uns calafrios. Mas era
impressionante como Sophia conseguia transformá-lo totalmente de um
segundo para o outro. A expressão do homem se suavizou assim que ela
começou a rir sobre meu corpo e me fazer cócegas.
— Acho que posso me sentar em outro lugar... — murmurou ele,
embora ainda me olhasse desconfiado.
— Sophia, o que é isso no seu cabelo? — perguntei ao sentir algo
grudento entre os fios e arregalei os olhos quando vi o chiclete gigante. —
Grudaram isso em você?
Ela balançou a cabeça afirmando e olhei para Benjamin, que estava no
celular, alheio ao que se passava entre nós.
— Ah, Soso. Vamos ter que cortar esse pedacinho, ok? Mas nem vai
dar para reparar. — Ela sorriu. — Por que grudaram chiclete em você?
Sophia olhou Benjamin, que continuava com os olhos grudados no
telefone e levou um dedo até a boca, me pedindo silêncio. Entendi que isso
seria uma conversa nossa para mais tarde e assenti.
— Então, já conseguiu falar com o professor sobre a festa? — Afinal
de contas, meu chefe não estava tão concentrado assim no celular.
— Sim, convidei e ele aceitou.
— Entendi. Vocês sempre se encontram quando leva Sophia de manhã?
— Na verdade, hoje isso não aconteceu. — Fiz uma pausa dramática e
nunca pensei que teria tanto prazer em pronunciar a próxima frase. — Fiz o
convite quando saímos para almoçar.
— Mesmo? — Benjamin desviou os olhos do celular e me encarou,
surpreso. Em seguida, passou a mão pela cabeça e voltou a fitar o aparelho.
— Entendi. Que bom. Papai vai tomar um banho, querida.
Ele se levantou e beijou a cabeça de Sophia antes de se afastar e eu
quase podia pensar que tinha ficado incomodado com a conversa. Só não
entendia se era por ciúme ou por simplesmente não gostar de Joseph.

Depois de preparar Sophia para dormir e arrumar algumas roupas que
estavam espalhadas pelo quarto, sentei-me ao lado dela na cama e toquei sua
mão pequenina, brincando com seus dedos.
— Você vai me contar o que acontece e quem grudou o chiclete no seu
cabelo?
— Briguei — disse ela, com toda a naturalidade do mundo.
— Brigou? — Meus olhos quase saltaram das órbitas. Uma criança do
tamanho dela sabia brigar? Que péssima babá eu era! Devia estar presente
quando isso aconteceu, para meter umas boas porradas em seja lá quem tenha
brigado com minha Soso, isso sim. — Você não levou nenhuma advertência,
levou?
— Não. — Ela sorriu de forma diabólica e sussurrou: — Ninguém viu.
— Ah, que bom!
— Mas eu cuspi no refrigerante dela. — Sophia abriu um sorriso maior,
ficando mais medonha ainda. — E ela não viu.
Bem, era melhor assim, olho por olho. Mas eu ainda poderia dar uns
cascudos na outra criança, já que nunca fui muito sentimental com a parcela
infantil da sociedade. Só Sophia mesmo tinha conseguido amolecer meu
coração.
Alisei seus cabelos, agora com uns pedacinhos mais curtos de um lado
e a beijei na testa.
— Vá dormir e sonhe com os anjos.
— Não quero anjos — rebateu a pestinha.
— Então que tal gatinhos peludos?
— Não. Aliens!
Fiquei apenas a encarando por alguns segundos, absorvendo o
significado daquele pedido. Sabia que não devia ter assistido “Alien, o oitavo
passageiro” com Sophia me fazendo companhia. Era um dos filmes que eu
mais amava no mundo inteiro e achei que pudesse mostrar aquela beleza para
ela. Só não sabia que Sophia se encantaria a esse ponto.
— Vamos deixar esse assunto só entre nós, ok? Se algum dia seu pai
vier te colocar para dormir, finja que gosta de anjos.

O tempo mudou bastante e a chuva não deu uma trégua o resto da
semana, então fui o mínimo possível na rua. Só passei uma tarde no shopping
procurando o vestido perfeito e não reclamei que Benjamin tenha sido
acometido por algum milagre e saído mais cedo do trabalho todos os dias
para buscar Sophia na escola. Era visível o esforço que ele estava fazendo
para passar mais tempo com a filha. O que me levava a crer que não
demoraria muito para não precisar mais dos meus serviços e me demitir.
Sábado chegou e eu corria pelo quarto como uma louca, totalmente
perdida. Claro que não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria
porque deixei tudo para a última hora, então me virei com o que consegui.
Tinha terminado de colocar meu vestido novo e me olhava no espelho,
impressionada com minha aparência, quando bateram na porta do meu quarto
e eu gritei para que entrassem.
Pelo espelho, vi que Benjamin estava parado a uns três metros, com os
olhos fixos na minha bunda.
— Oi, chefe! — Eu me virei de frente, muito puta por não conseguir
controlar o calor nas bochechas. — O que foi?
Senti meu coração acelerar porque ele simplesmente não conseguia
tirar os olhos do meu corpo, totalmente indiscreto. Benjamin me avaliava
devagar como se eu estivesse numa vitrine, pelada, com uma melancia na
cabeça.
Levei as mãos à minha cintura e esperei. Tudo bem, eu estava mesmo
incrível. Tinha escolhido um vestido preto muito justo, de um ombro só e tão
curto que eu sabia que não poderia me abaixar na festa. O homem estava sem
palavras e parecia... ah, meu Deus... parecia que ele estava um pouco
excitado. Ponto para mim!
— Benjamin? — chamei mais uma vez.
Então meu chefe finalmente piscou bem forte e guiou os olhos até meu
rosto.
— Você está muito... bonita.
— Obrigada! — agradeci, aproximando-me dele e tocando em seus
ombros como se tivesse alguma sujeira para limpar. — Você também está
bem apresentável.
Era uma estupidez ele ser tão lindo. Meu coração estava disputando a
Fórmula 1 dentro da minha caixa torácica e eu precisava manter a pose blasé
de que era só mais um cara bonito como qualquer outro.
— Você queria alguma coisa? — perguntei, tentando decifrar a
expressão dele. Parecia muito sério.
— Sim, avisar que sairemos em meia hora — disse ele, recuando na
direção da porta. — Tudo bem para você?
— Por mim tudo bem, mas eu vou com o Joseph.
— Vai?
Notei a mudança no semblante dele e dei uma risadinha interna só de
sacanagem. É isso mesmo, chefe, eu vou com outro boy gostoso que não é
você. Até pensei mesmo em dizer algo espirituoso, mas perdi a concentração
quando flagrei a ponta da língua de Benjamin deslizar sutilmente pelo lábio
inferior.
— Que horas ele vem te buscar? — perguntou, enfiando as duas mãos
dentro dos bolsos.
— Nós marcamos 21 horas, por coincidência, sairemos então no
mesmo horário.
— Tudo bem então. Se ele não se atrasar, podemos sair juntos. —
Benjamin sorriu de uma forma nada natural e balançou um pouco o corpo
antes de se virar para sair.
Foi justamente no instante da viradinha que eu pude me certificar de
que não estava louca e havia sim um volume diferente dentro daquela calça.
Finalizei minha produção, passando meu batom vermelho favorito, e
dei uma última olhada no espelho. Assim, contabilizando o visual completo,
eu estava me sentindo muito gata. O vestido valorizou demais meu corpo,
isso era um fato e eu nem tinha todo aquele peito que parecia ter com aquele
decote.
— Tô pronta. — Sophia entrou no meu quarto com um sorriso lindo e o
vestido que escolhi para ela tinha ficado perfeito. Parecia uma boneca.
— Soso, você está tão linda! — Esmaguei a criaturinha pequena entre
meus braços e dei dois tapinhas na cabeça. — Parece uma daquelas
bonequinhas de pano, sabe? Vem, vamos descer.
Fui pega de surpresa com Benjamin e Joseph sentados no sofá da sala.
O SOFÁ. Mas as almofadas ainda marcavam o território e estavam longe dos
dois. Ambos nos olhavam radiantes, mas eu tinha certeza que Joseph não
estava daquele jeito por Sophia.
— Você está linda! — Ele se levantou e alisou a camisa.
Benjamin veio em nossa direção e eu não esperava pelo que fez a
seguir. Segurou em minha cintura e me colou junto ao seu corpo, beijando
meu rosto devagar e sorrindo para mim. Sorrindo tão perto. E com a mão um
pouco abaixo do meu umbigo.
— Só convivendo sob o mesmo teto diariamente, para entender que ela
está sempre linda — ronronou meu chefe, me deixando muito, muito
chocada.
— Eu imagino — disse o professor, não tão feliz quanto estava
segundos antes.
Olhei para um e depois para o outro. O que estava acontecendo? Seria
muita testosterona para um único ambiente? Minha intenção era mesmo fazer
ciúmes em Benjamin, mas eu não imaginava que o efeito seria quase que
instantâneo.
Contei, juro por tudo que é mais sagrado, vinte segundos que ficamos
todos em silêncio enquanto os dois machos sorriam um para o outro, porém,
com sangue nos olhos.
— Então gente, vamos? — Bati na mão que Benjamin cravou em mim,
na esperança que me soltasse antes que eu me transformasse em gelatina.
— Agora nós podemos ir — concordou ele, me soltando e pegando a
chave do carro em cima do aparador.
Sophia saiu na frente, super animada, e eu não entendia de onde vinha
toda aquela alegria. Ela sabia que era uma festa na casa da Rose, então qual o
motivo da felicidade? Era, no mínimo, uma atitude muito suspeita, mas fiquei
quieta. Fui atrás dela e deixei os dois machos para trás. Eu era tão azarada
que não só não consegui fazer ciúmes em Benjamin, como agora os dois
pombinhos conversavam amigavelmente ao pé do ouvido. Não duvidava que
terminariam a noite brindando cerveja e se abraçando.
Como nenhum dos dois saiu da casa, eu e Sophia precisamos esperar
em pé até que os dois patetas surgissem. Benjamin mantinha um sorriso
estranho direcionado a ninguém em especial e Joseph parecia puto com
alguma coisa.
Depois de toda a tensão masculina dissipada, quando finalmente entrei
no carro do professor e olhei direito para ele, pude reparar que o homem
estava muito bonito, merecia um crédito pelo esforço.
— Então, o que tanto você e Benjamin estavam conversando lá dentro?
— Nada de muito importante — respondeu, muito sucinto. — Coisas
de homem, você sabe.
— Na verdade, não sei não.
— Esquece, querida. — Estremeci quando ele pousou a mão em meu
joelho e deu um leve apertão, sorrindo para mim com seus dentes muito
brancos. — Você está muito linda e me desculpe, mas absurdamente gostosa.
Não sabia se era o tipo de elogio que se agradecia, então não o fiz.
Minha preocupação estava em controlar a vermelhidão que poderia acometer
meu rosto e meus olhos procuravam por um buraco para enfiar a cabeça. Não
era todo dia que me chamavam de gostosa.
— Tudo bem, não precisa ficar envergonhada. — Outro apertão no
joelho e um suspiro meu.
Quando finalmente paramos na porta de uma casa que provavelmente
seria a de Rose, fiquei imensamente agradecida. Quando bolei esse plano de
virar mulher fatal por um dia para causar ciúmes em Benjamin, não cheguei a
pensar que meu acompanhante também ficaria animadinho. Estava me
sentindo desconfortável sozinha com ele no carro, mesmo que nada demais
tivesse acontecido, além da mão boba.
Sophia desceu do automóvel do pai e correu na minha direção, o que eu
adorei, para que Joseph não quisesse entrar na festa abraçado comigo.
Quando chegamos na entrada, fiquei surpresa com a quantidade de gente.
Pelo visto, Rose era uma mulher com muitos amigos.
— Oi meu amor! — A loira surgiu do nada e agarrou Benjamin pelo
pescoço, dando-lhe um beijo na boca sem se preocupar com a presença de
Sophia. — Que bom que chegou!
— Chegamos. — Ele soltou os braços finos de seu pescoço e virou-se
para nós. — Acho que conhece todo mundo.
Os olhos venenosos passaram por Sophia, abrindo um imenso sorriso
para a menina, depois por Joseph e por fim, caíram sobre minha pessoa. Que
sentiu vontade de sair de mansinho pela forma maliciosa que ela encarava.
Não sobrou um só centímetro do meu corpo que não tivesse sido escaneado
por aquelas retinas mortais.
— Olá. — Foi o máximo que Rose conseguiu dizer antes de enroscar o
braço no de Benjamin e puxá-lo para dentro da casa.
— Ela continua simpática do jeito que imaginei — Joseph sussurrou
em meu ouvido e dei um sorriso cúmplice a ele. — Sentiu o calor e afeto?
— Não me deixe sozinha, tenho medo que ela me afogue na piscina.
— Não sairei do seu lado. — Passou o braço em minha cintura. — Que
tal eu, você e Sophia nos divertirmos um pouco?
Sophia! Tinha esquecido dela por alguns segundos e quando me dei
conta disso, percebi que a criança não estava mais do meu lado. Nem cinco
minutos na festa e já tinha perdido a pestinha.
— Você viu para onde a Sophia foi? — perguntei a ele, enquanto
olhava ao nosso redor.
— Acho que é aquela ali, não é? — Joseph brincou e eu segui a direção
para a qual seu dedo apontava.
Lá estava a pequena, parada em frente a uma grande mesa belamente
decorada, que continha algumas bandejas de frios.
— Ah, que susto! — Levei uma mão ao peito, onde o coração batia
acelerado. — Achei que ela estivesse aprontando alguma coisa.
— Dê um crédito para a menina, Bruna. Que mal aquele anjinho
poderia fazer?
Ele não fazia ideia do quanto de maldade havia naquele corpo que
parecia angelical. Eu amava isso em Sophia, só não queria que ela fizesse
besteira na casa de Rose porque meu anjinho caído não podia competir com a
malícia do diabo em pessoa.
— Ei Soso! — Parei ao lado dela e olhei a mesa apetitosa. Meu
estômago roncou só ao ver quanta coisa gostosa tinha ali e a maioria eu nem
fazia noção do que era. — Não saia de perto de mim, ok? Lembre-se que meu
trabalho é tomar conta de você e não queremos que seu pai me demita.
Ela sorriu e fez que sim com a cabeça, esticando a mão para pegar uma
torradinha com algo que parecia muito caviar. Coisa que nunca provei na
vida, então aproveitaria a oportunidade de ouro, então coloquei uma na boca
e mastiguei... e achei tão ruim que quis vomitar.
— Cospe. — Um guardanapo surgiu diante dos meus olhos e Benjamin
sorria para mim. — Sei o quanto isso pode ser nojento.
Agarrei o pedaço de papel que ele esticava para mim e
disfarçadamente, desovei tudo ali. Eu sempre soube o que era caviar, mas a
vontade de dizer que já tinha experimentado era maior do que o nojo. Só
quando senti na língua, é que percebi que não poderia engolir.
— Obrigada. Eca. — Amassei o guardanapo para jogar fora e outro
braço surgiu diante do meu rosto. Era Joseph me entregando uma taça.
— Para tirar o gosto. Vinho sempre funciona.
— Ah não, obrigada. Não posso beber tendo que tomar conta de
Sophia.
— Você está tão lindinha! — A loira se meteu entre nós e agachou para
ficar mais próxima da menina. E aí ela fez uma coisa que eu sabia que Sophia
odiava, apertou as bochechas dela. — Estou muito feliz por você estar aqui,
Sophia.
Um sorriso brotou no pequenino rostinho. Um sorriso que enganaria
qualquer pessoa, mas eu já tinha visto muitos filmes de terror, daqueles que
envolviam profecias e diziam que uma criança maligna nasceria e seria o fim
do mundo, coisa e tal. E sempre tinha um padre na história, que era
responsável por identificar a fonte desse mal e exterminá-la. Eu sabia
exatamente que era o sorriso marcado no rosto de Soso. Foi nesse momento
que entendi porque aquela criança estava tão ansiosa por essa festa. Algo de
muito ruim aconteceria ali. Algo como o apocalipse.
Por mais que eu quisesse que Sophia me vingasse, não podia deixar que
atacasse Rose na frente de Benjamin e achei mesmo que ela pudesse fazer
isso. Antes que cravasse as unhas na cara da loira, ou cuspisse nela, peguei-a
pela mão e trouxe para perto de mim, alisando seus cabelos.
— Ela também está feliz por ter sido convidada. É muita gentileza sua,
Rose. — Minha nossa, aquilo saiu mesmo de minha boca? Estava extasiada,
nunca achei que pudesse ser tão dissimulada e fingir tanta elegância.
Rose ficou sem palavras, acho que não imaginava que eu iria me dirigir
a ela assim tão polidamente. Vi que consertou um pouco a postura e empinou
o queixo, para depois apoiar a mão no ombro de Benjamin.
— Por que eu não convidaria? Quero que Sophia entenda que gosto
muito do pai dela e consequentemente, dela. Não é querida? — Sorriu
exibindo as presas. — Agora com licença, preciso recepcionar os convidados.
A casa é de vocês.
Dizer isso diante de mim deve ter sido doloroso, mas ela se saiu muito
bem. Não tinha como Benjamin não ficar caidinho por uma mulher com tanto
requinte.
Algumas pessoas chegaram para falar com ele e foram apresentadas
para Sophia. Todo mundo ficava encantado, dava sorrisinhos e apertões nas
bochechas da pobre menina. Por fim, Benjamin me apresentava como babá,
as pessoas se contentavam e iam embora. Mas uma delas me olhou
espantada.
— Babá? — questionou um homem, de olhos bem abertos e um sorriso
sacana, em seguida, apertou o ombro de meu patrão. — Meu caro, se eu
soubesse que poderia existir babás assim, já tinha arranjado filhos há muito
tempo.
— Com licença — pediu Joseph, sem muita cordialidade, envolvendo
minha cintura e me tirando daquela roda. — Por que alguns homens
simplesmente não percebem que são ridículos?
— Se eles percebessem, então nunca teriam oportunidade para isso, não
acha?
Ele me levou até a parte externa da casa, com o muro iluminado em
vários cantos, mesas e cadeiras chiques espalhadas pelo gramado e uma
gigante piscina no meio. Sophia segurava minha mão e, por um momento, eu
gostaria que Joseph nos deixasse a sós para falar com ela.
— Ei mocinha, que tal nos irmos ao banheiro retocar a maquiagem? —
perguntei e pisquei.
Ela sorriu e balançou a cabeça quando alisei sua franja para trás,
sentindo que sua raiz já estava suada. Por que pais adoravam colocar franja
nas crianças? Lembro que quando tinha uns seis anos minha mãe cortava meu
cabelo em casa e por Deus, ela nunca foi uma pessoa com a mão firme. Para
tentar cortar uma franjinha o mais reta possível, ela colocava um saco
plástico na minha cabeça, espremia bastante na minha testa e o que ficasse
além do plástico, ela cortava fora. Preciso dizer que nunca ficava reto?
— Tudo bem, me conta o que você vai aprontar — pedi assim que
entrei no banheiro com Sophia e tranquei a porta.
— Não vou aprontar nada. — Ela era uma ótima jogadora de poker.
— Soso, eu preciso saber. — Suspirei e agarrei seus ombros. — Você
sabe que não vou impedir, mas quero estar preparada. Não é nada que
envolva fogo, é?
— Não.
Viu? Ela tinha mesmo algo em mente. Cruzei os braços e coloquei a
mão na maçaneta que ela tentou girar.
— Diga — insisti.
— Não tudo. — Sorriu diabolicamente. — Mas tem bicho.
— Bicho? — Quase infartei, até levei a mão ao peito. — Que bicho?
Onde você vai arrumar bicho?
A ficha caiu quando ela envolveu a alça da bolsinha rosa com as mãos.
Minha boca deve ter feito formato de O e eu tentei ser rápida o bastante para
pegar aquela bolsa, mas não fui.
— Fica quieta, você vai estragar tudo — sussurrou ela para mim, muito
empenhada em manter o plano.
— Sophia, o que tem aí dentro?
A pestinha ficou séria, depois seus lábios começaram a formar um
sorriso medonho, até que deu de ombros.
— Não coma a comida — avisou, erguendo um dedo.
O quê? Logo a porra da comida? Que eu comi, inclusive! Apoiei as
mãos na bancada da pia e procurei controlar minha respiração. Agora sim eu
sentia vontade de vomitar.
— Eu já comi, Sophia! — ralhei, querendo esganar o pescoço dela.
— Mas eu ainda não fiz nada. — A criança alisou meu braço, como se
pudesse me consolar. — Se quiser, pode comer mais um pouquinho. Mas seja
rápida.
Aquilo não ia acabar bem. Estava tão fora de órbita que acabei
facilitando para ela, que destrancou o banheiro e correu para fora. O que eu
devia fazer? Contar ao Benjamin para que ele brigasse com ela e a colocasse
de castigo? Ou esperava para descobrir do que se tratava e degustava da
vingança contra Rose?
— Tudo bem? — Benjamin perguntou assim que passei pela porta do
banheiro. — Vi Sophia saindo do mesmo banheiro que você e tive algumas
lembranças.
— Quem sabe Rose não possa substituir essas lembranças? — sugeri,
sem muita paciência, mas vi o sorriso de Benjamin murchar um pouco e me
senti culpada. — Ah, me desculpe, não quis falar isso. Essas suas lembranças
nunca poderão ser substituídas.
Ele assentiu, em silêncio, mas não demorou para que voltasse a sorrir.
Quando tocou minhas costas de um jeito muito íntimo, eu estremeci.
— Posso desculpá-la se dançar comigo antes da festa acabar.
Os homens ainda convidavam as mulheres para uma dança? Olhei à
nossa volta e aqueles poucos que dançavam, pareciam estar numa boate,
sacudindo o corpo ao som da música. Não consegui imaginar Benjamin
fazendo isso. Ele tinha mais a cara de quem gostava de dançar uma música
lenta com o corpo colado no da sua parceira.
— Claro que danço — respondi. — Mas se você me der licença, antes
eu preciso comer um pouco.
Saí de perto dele quando vi que Rose se aproximava. Havia garçons na
festa, servindo em bandejas de prata o tempo todo, mas algo me dizia que não
era com essa comida que deveria me preocupar. Observei a mesa tão bonita e
comecei a provar um pouco de cada coisa antes que fosse tarde demais.
— Hum, coitadinha. — Parei de mastigar quando ouvi a voz diabólica
atrás de mim. — Imagino que deve ter passado fome quando era mais nova,
não é?
— Oi Rose. — Engoli o que ainda tinha na boca. — Não passei não. Só
estou comendo rápido porque gostei muito do bufê.
— Obrigada. Mas seria pedir muito para que você evite comer tudo? —
Ela apontou ao redor da sala. — Há pessoas educadas aqui.
Tomara que Sophia coloque minhocas nessa comida e elas entrem pelo
nariz dessa vaca.
— Vou deixar que sobre bastante comida para todos os convidados —
prometi, limpando a boca com um guardanapo e tentando me afastar da mesa,
mas a loira cravou as unhas em meu pulso fino.
— Tenho que te dar os parabéns por ter tentado, Bruna.
— Tentado?
— Sim, toda a produção. — Seus olhos queimaram meu corpo. — É
realmente adorável ver o seu esforço em tentar seduzir o Benjamin.
— Eu não...
— Mas acredite — ela me interrompeu. — É preciso muito mais do
que um vestido bonito para ganhar essa briga comigo.
Notei que a fisionomia dela mudou da água para o vinho e percebi que
era Sophia que chegava até nós. Sorrindo. Como a boa pestinha que era. Rose
estava prestes a dizer algo para a criança, mas foi interrompida por um
garçom que se aproximou e falou algo em seu ouvido, fazendo-a se retirar
junto com ele. Sophia me puxou pela mão para o local onde havia algumas
pessoas dançando.
— Você quer requebrar esse bundão, é? — Brinquei, mas me arrependi
da última palavra quando dei de cara com Benjamin.
— Não acho que minha filha tenha bundão. — Ele deu uns tapinhas
nela, que gargalhou. — E nem quero que tenha, não vou aguentar nenhum
idiota babando em cima dela.
Me assustei quando a criança começou a pular e se sacudir toda. Ou era
ataque de epilepsia ou ela estava dançando do jeito estranho dela. Sophia
tinha me levado até Benjamin para uma emboscada? Procurei por Joseph
rapidamente, mas não o encontrei. E nem sinal da loira má.
— Acho que alguém gosta dessa música. — Ri, apontando para Sophia
e de uma vez por todas, decidi que era hora de começar a colocar minha tática
em ação.
— Quem não gosta? — Benjamin piscou e sorriu aquele maldito
sorriso torto que me derretia.
Usei esse incentivo para começar a dançar, me esforçando para não ser
uma acompanhante na dança maluca da Sophia. Remexi devagar meu corpo
ao som da música, concentrando-me para não fazer careta nenhuma. Toda
mulher sensual dança fazendo uma cara irresistível de sedução. Boca e olhos
na direção de Benjamin, vamos lá!
Com esses saltos e com ele agora tão perto de mim, rezei para não me
desequilibrar e não cair em cima do homem. Eu tinha o poder, pois estava
dando tudo certo. Ele parecia mesmo interessado em seja lá o que eu
estivesse fazendo. Benjamin olhava diretamente nos meus olhos e eu não
conseguia parar de encarar. Ele veio por trás de mim, mas apesar de não
estarmos nos tocando, sentia sua respiração no meu pescoço.
— Me desculpe. — Ele soprou, parecia sem fôlego. — Por ter me
esquivado do que houve na praia.
O quê? Estava dançando agora de costas para ele, com nossos corpos
quase colados, mas suas mãos seguraram meus braços e não permitiram que
eu me virasse de frente.
— De repente me sinto um completo idiota por ter, mais uma vez,
ignorado o momento.
Estava quase deixando a cabeça cair para trás para me encostar no peito
dele, quando minha visão foi preenchida pelo corpo de Joseph, que não
parecia muito feliz.
— Alguém quer saber onde eu estava? — perguntou ele, seu olho
parecia estar tremendo.
— Onde? — Eu quis saber, mas queria mesmo era dar uns tapas no
professor por ter me atrapalhado justo agora. Benjamin parou de fazer o que
estava fazendo e veio se colocar ao meu lado, muito interessado no que
Joseph tinha a dizer.
— No banheiro — respondeu ele. — Trancado!
— Trancado? — Eu e meu patrão falamos ao mesmo tempo. — Como
assim?
— Não sei. Entrei no banheiro e quando quis sair, não consegui. Fiquei
uns dez minutos socando a porta e berrando, mas com a música alta, ninguém
me escutou.
Ele parecia estar mesmo irritado, o olho ainda tremia e fiquei com
receio que sofresse um AVC ali na festa. Benjamin colocou uma mão no
ombro do professor, parecendo solidário.
— Cara, que péssimo. Como você saiu?
— A fila deve ter ficado grande e foram reclamar com Rose, que usou
outra chave para abrir a porta.
— Você está meio pálido, ficou nervoso demais — comentei, porque
ele estava mesmo. — Melhor comer alguma coisa e beber uma água.
Coitado, por mais que eu não estivesse interessada nele, Joseph estava
sendo legal comigo esse tempo todo. Até me senti um pouco culpada por
estar dançando com Benjamin enquanto meu acompanhante estava preso no
banheiro.
O professor respirou fundo e assentiu, passando a mão pela nuca.
Quando ele se afastou de nós, eu me virei para Benjamin e encolhi meus
ombros, frustrada.
— Acho que vou fazer um pouco de companhia para ele. Ninguém
merece ficar trancado dentro do banheiro.
Meu chefe sorriu e assentiu, enquanto eu fui apressada na direção de
Joseph, que ao contrário da minha sugestão, estava entornando uma taça de
vinho em alguns segundos até secá-la por completo.
Benjamin

O clima com a Bruna tinha acabado, mas me sentia realizado por ter
visto Joseph e seu rosto vermelho de raiva. Não conseguia ir com a cara
daquele homem e não tinha relação unicamente ao fato de ser acompanhante
de Bruna. Algo na voz ou na forma como ele se portava, não me passava
sinceridade.
Sophia tinha parado de dançar e me olhava daquele seu jeitinho
conquistador. Beijei-a na testa e arrumei um pouco seu vestido, que estava
com a barra amarrotada e toda torta. Quando ficamos apenas nós dois
sozinhos no mundo, eu me surpreendi ao descobrir o quanto podia ser mãe e
pai ao mesmo tempo.
— Sabe que eu pedi para você distrair o rapaz, né? — sussurrei,
tomando o cuidado de olhar em volta para não ser flagrado. — Não era para
trancar ninguém dentro do banheiro, Sophia.
Ela fez um beicinho lindo, que eu sabia que sempre derretia meu
coração. Tudo que consegui foi sorrir, orgulhoso, e alisar sua bochecha.
— De qualquer forma, você foi esplêndida. Poderá escolher o presente
que desejar!
Sim, eu tinha pedido para minha filha distrair o babaca do professor,
para que eu pudesse ter um tempo a sós com Bruna. Estava louco por ela
desde que entrei em seu quarto e a vi de costas para mim, dentro daquele
vestido que moldava seu corpo escultural. Fiquei até de pau duro naquele
momento, mas acho que consegui disfarçar com louvor e não assustar a
garota.
Ao mesmo tempo, estava puto porque sabia que ela não viria para a
festa em minha companhia. Toda aquela produção tinha sido pensada para ser
usada com a porra do Joseph e isso me deixava alucinado. Não era a mim que
ela andou beijando? Confesso que eu me comportei como um verdadeiro
idiota, mas eu quase podia sentir que a brasileira gostava de mim.
Foi com esse sentimento forte de ciúme aflorando em meu interior, que
dei um aviso a Joseph antes de sairmos de casa. Esperei que as mulheres
fossem para o jardim e o segurei ali na sala, deixando bem claro que se ele a
magoasse de alguma forma, eu o quebraria inteiro. O babaca teve a audácia
de me afrontar e respondeu que tudo que Bruna poderia esperar dele, era
muito prazer e muitos orgasmos. E que, inclusive, tudo aconteceria esta noite.
Minha vontade foi resgatá-la de dentro daquele carro, mas não podia
agir como um homem das cavernas. Ela era adulta e decidia sua vida por
conta própria, então, o máximo que eu faria seria tomar conta de longe, mas
perto o bastante caso ela precisasse de mim.
Não consegui trocar mais do que duas ou três palavras com Bruna
desde que chegamos à festa, por isso tramei com minha filha para que me
ajudasse. Não durou muito tempo, mas foi incrível ver seu jeito todo
desengonçado ao dançar, achando que estava arrasando e sensualizando.
Bruna possuía uma personalidade única, ela era engraçada e espontânea e não
parecia se incomodar muito com opinião alheia.
Quando cheguei mais perto e consegui tocá-la, me senti muito bem ao
saber que estava arrepiada e ofegante. Era gostoso ver como eu causava esse
tipo de reação a ela, que sempre ficava um pouco nervosa quando estávamos
muito próximos um do outro.
Agora, no entanto, ela estava lá, com o babaca. Alisava as costas dele
como se quisesse o consolar de alguma coisa. Respirei fundo e me mexi para
sair da pista de dança. A noite ainda não tinha terminado e muita coisa podia
acontecer, foi nisso que eu me apeguei quando Rose veio em minha direção.
O professor que sempre aparentava tranquilidade, estava bastante
irritado. Toquei as costas de Joseph e senti a camisa um pouco úmida. Eca.
— Você está bem?
— Não — respondeu, ríspido, mas vi que logo relaxou. — Mas vou
ficar melhor, se você também me der oportunidade de dançar contigo.
Quando abri a boca para responder, um grito quase ao nosso lado por
pouco não estourou meus tímpanos e olhamos na direção da mulher, que dava
um ataque como se estivesse num filme de terror. Ela cuspia no chão e olhava
horrorizada para a mesa. Oh não. Estava acontecendo.
— O que houve? — Joseph correu até a mulher, amparando a pobre
coitada que nem conseguia falar, só apontava para a mesa.
Procurei vestígios de bichos pelas torradas, mas não achei. Continuei a
busca, mas Joseph foi mais rápido. E nisso, todo mundo presente na festa
começava a se amontoar naquele espaço para saber o que estava acontecendo.
— Minha nossa! — Joseph ficou ainda mais pálido do que depois do
episódio do banheiro.
Em algumas bandejas, pequenas baratas passeavam alegremente pela
comida e isso já seria nojento o suficiente. Mas nada, absolutamente nada,
poderia ter me preparado para o caviar. Algo se mexia dentro dele e, com
mais cuidado, dava para observar minhocas se mexendo lentamente pelas
ovas de peixe.
— O que está acontecendo aqui?
A loira má chegou na hora certa, quando a mulher horrorizada colocava
para fora tudo que tinha consumindo até então. O vômito fez um burburinho
se espalhar pela sala e várias pessoas se afastarem da sujeira.
— Que nojo! — alguém gritou. — São minhocas!
— E baratas! — Mais um.
— Minhocas? — perguntou um homem que estava justamente
comendo o caviar naquele momento. Ele olhou bem para o que tinha em
mãos. — Minhocas!
E vomitou sobre o sofá estonteante e, provavelmente, caríssimo de
Rose. Aí que a coisa desandou. Sabe quando uma pessoa vomita na sua
frente, você fica enjoado de ver a cena e acaba vomitando também? Foi
exatamente o que aconteceu, parecia show de horror.
Rose corria de um lado para o outro, recebendo ajuda dos garçons, na
tentativa de tirar aqueles bichos nojentos de cima das comidas. Benjamin
aproximou-se para ajudar a amada, mas ele não foi rápido o bastante, porque
tudo que está ruim, sempre pode piorar.
— Acho que... — Joseph murmurou, meio estranho — senti algo
crocante quando... comi agora pouco.
— Ah Joseph... — lamentei, adicionando uma nota mental para não
permitir de forma alguma que ele tentasse me beijar esta noite.
E o apocalipse aconteceu. Rose ouviu o que ele falou e se virou para o
professor, no mesmo momento em que um jato grotesco de vômito saía pela
boca do meu acompanhante e ia de encontro aos peitos dela.
Eu nem fui capaz de respirar. Se sentisse o cheiro, corria o risco de
acompanhar Joseph e vários outros. Diante do caos que aquilo se tornou,
decidi me afastar o máximo possível e procurar por Sophia. Benjamin estava
ocupado com a namorada, que chorava e parecia em choque. Joseph olhava
pela sala, atônito e ainda com cara de quem queria vomitar mais. Eu esperava
que ele não me visse puxando Sophia para a área externa e me sentando com
ela num cantinho.
— Você é um monstro. — Olhei horrorizada para a menina, que nem
demonstrava estar abalada com a cena. — E eu sou sua fã. Como você pegou
esses... — estremeci — eca, bichos?
— Tenho um amigo na escola.
— E esse é o tipo de presente que ele gosta de oferecer para as
meninas?
— Mais ou menos — respondeu ela, encolhendo os ombros.
— Tudo bem, prefiro não saber muito mais que isso. Eu só espero que
você não tenha deixado cair nenhum lá em casa.
— Claro que não. Trouxe todos nos saquinhos — ela explicou como a
mente brilhante que era.
Sophia abriu a bolsinha, agora vazia. No interior dela, restaram vários
saquinhos, daqueles que possuem um zíper para lacrar a comida. Ela era um
gênio, pois eu nunca pensaria em algo desse nível.
De longe, percebi que algumas pessoas começavam a ir embora e
imaginava que aquilo não era sinônimo de uma festa de sucesso. Aí vi Rose,
já sem o vômito, mas com o vestido todo sujo e uma expressão mortal no
rosto, caminhando em nossa direção. Benjamin vinha logo atrás dela, atônito,
coitado. Encarei rápido a bolsa de Sophia e as provas que a incriminariam,
então tive uma ideia. Peguei os saquinhos, pensando que iria para o céu por
proteger uma criança. Com nojo, enfiei todos eles dentro do meu decote.
— Foi você! — A loira chegou apontando o dedo para Soso.
— Rose, acalme-se — pediu Benjamin, tocando os ombros dela por
trás.
— Não me diga para ficar calma, Benjamin! — ela berrava, furiosa. —
Eu sei que isso é obra da sua filha!
Dizem que instinto materno é sinistro, acho que é mesmo, pois a mãe
de Sophia deve ter me dado um coice na bunda que me fez levantar num
pulo, mais furiosa que Rose.
— Não ouse apontar seu dedo na cara dela! — rosnei para a vaca, não
usando meu dedo em riste, mas toda a minha mão.
Benjamin, prevendo uma possível briga entre nós, meteu-se no meio e
se virou de frente para a namorada. Era bom mesmo que ele fosse homem o
bastante para segurar aquela sirigaita e não permitir que ela encostasse em
Sophia.
— Rose, entendo que você esteja nervosa, entendo mesmo. Mas não
vou deixar que acuse minha filha desse jeito.
— Você não enxerga, Benjamin? Sua filha me odeia! — Ela começou a
chorar, gritar, tudo ao mesmo tempo. — Eu tento, de verdade, ser boa com
ela, mas nada funciona.
Quem olhasse para Sophia teria o coração despedaçado pela cara que
ela fazia. Era demais para uma criança ser acusada de aprontar algo assim,
ainda por cima, ser acusada de não gostar da namorada do pai. A pobrezinha
estava quase chorando, mas eu sabia que estava rindo por dentro.
— Sophia... — Benjamin largou Rose e se ajoelhou na frente da filha.
— Seja sincera com o papai. Você tem algo a ver com isso?
O teatro estava completo, pois a menina começou a chorar e balançar
veemente a cabeça, negando as acusações. Cruzei meus braços e encarei o
patrão.
— Você acha mesmo, Benjamin? Eu estive com Sophia a noite toda,
ela não poderia ter feito isso.
— Como se você não fosse cúmplice em tudo que ela apronta comigo!
— Rápida como um raio, Rose me deu um empurrão e agarrou a bolsinha de
Sophia. — Vamos ver o que tem aqui dentro!
— Larga isso e deixa ela em paz! — Puxei a bolsa de volta, mas ela
não soltava, então puxei sua crina.
— Sua vaca! Solta meu cabelo! — O jogo de Rose era mais sujo, pois
tinha unhas compridas e eu não. Cravou-as em minha mão e eu acabei
soltando aquela peste insuportável.
Rose deu alguns passos para trás, para ficar fora do meu alcance, e
abriu a bolsa de Sophia, virando-a de cabeça para baixo e fazendo uma careta
quando percebeu que estava vazia. Benjamin, que até então estava em choque
com a nossa briga e olhava tudo horrorizado, esticou a mão para a loira, com
a palma virada para cima.
— Devolve — ordenou.
— Benjamin, eu sei que estou certa. Ela deve ter escondido em algum
lugar.
— Você é paranoica! — Tentei avançar contra Rose novamente, mas
Benjamin me segurou. — Vai querer revistar a roupa de Sophia também?
Rose estreitou os olhos para mim. Sei que se fosse uma bruxa, todo o
céu agora desabaria em minha cabeça tamanha era sua fúria. Benjamin me
segurava, mas eu esperava que ele a segurasse também se essa louca viesse
novamente para cima de mim.
— Você está muito confiante, não é? — questionou, desconfiada. —
Talvez você seja a pessoa ideal a ser revistada.
E ela demonstrava completa decisão em suas palavras. Se
enlouquecesse e me deixasse pelada ali, os saquinhos seriam descobertos.
Recuei um pouco, mas antes que me alcançasse, Benjamin agarrou seus
pulsos e a sacudiu.
— Para com essa merda já! — vociferou ele, irritado como eu nunca vi.
— Você está fedendo a vômito e dando um show para os que restaram na
festa!
— Benjamin...
— O que está acontecendo? — Joseph reapareceu, parecia ter
melhorado um pouco, mas estava alheio à confusão que se desenrolava.
— Está acontecendo que Benjamin não acredita que a filha dele possa
ter colocado esses bichos na comida — explicou Rose, fazendo-se de pobre
coitada para cima do professor.
— O quê? — Joseph arqueou as sobrancelhas e depois revirou os olhos.
— Não seja ridícula, ela é só uma criança.
A loira pelo menos deixou de focar um pouco em mim e em Sophia,
para encarar mortalmente meu acompanhante.
— Desculpe, mas não lembro de ter pedido sua opinião — falou, de
nariz em pé.
— Nós vamos embora, acho que já chega por hoje. — Benjamin pegou
Sophia no colo e me puxou pela mão, mas Rose bloqueou nosso caminho.
— Ben, por favor, me escuta — ela pediu.
— Saia da frente, Rose. — Ele estava tão irritado que ela até se
surpreendeu, dando alguns passos para trás e ficando bem próxima daquela
piscina cristalina.
— Hum, Rose... Acho que você precisa de um banho. — Chutei de vez
o balde e empurrei a vaca loira dentro da água, causando comoção ao nosso
redor. — Isso é por ter ousado pensar mal de Sophia.
Como não sabia se Benjamin ia parar para ajudá-la, eu soltei a mão que
ele ainda segurava e fui para a rua esperar por eles. A adrenalina ainda
percorria meu corpo e mesmo sabendo que minha atitude poderia me colocar
em uma situação complicada com meu patrão, eu estava feliz.
De qualquer forma, quem saiu primeiro não foi Benjamin e sim Joseph.
Ele sorriu forçado para mim e tirou a chave do carro do bolso.
— Vamos embora? — perguntou.
— Acho que vou com Benjamin e Sophia. Estou cansada.
— Só quero levá-la para casa. E sendo sincero, depois de passar por
todo esse circo, acho que mereço ser agradado.
Atrás de mim, ouvi o barulho que o carro de Benjamin fazia quando era
destravado à distância e o dono logo apareceu, de mãos dadas com Sophia. A
menina entrou pela porta traseira, dando a deixa para que eu me juntasse a
eles.
— Joseph, se me permite, levarei Bruna porque temos assuntos sérios
para resolver.
Será que ele não tinha acreditado na gente? O que poderia querer
resolver comigo, daquele jeito todo enfezado? Até cogitei entrar no carro de
Joseph e manda-lo me sequestrar, mas não adiantaria ficar fugindo porque
uma hora eu seria obrigada a voltar ao trabalho. Meu acompanhante não ficou
muito satisfeito, mas foi embora sem reclamar.
Dentro do carro, fez-se um silêncio mortal e eu adoraria descobrir o que
se passava pela cabeça de Benjamin. E melhor, o que ele faria com o
relacionamento com Rose. Será que tudo tinha sido o bastante para que
terminassem? Ou Benjamin a perdoaria no dia seguinte?
Sophia tinha adormecido no carro e Benjamin subiu com ela para o
quarto assim que chegamos. Foi o tempo de ir à cozinha beber uma água e
subir a escada, quando o encontrei na porta do meu quarto.
— Posso falar com você?
— Claro — respondi, um pouco ressabiada e entrei no quarto, deixando
que ele viesse atrás.
— Obrigado por ter defendido Sophia. — Sorriu quando eu me virei.
— Rose foi muito maldosa e eu poderia ter me excedido se não fosse você
saindo em defesa da minha filha.
— Tudo bem, eu não tenho medo de briga. Cresci cercada por favelas,
presenciei tiroteios e operações policiais, já fui assaltada, já saí no tapa com
gente chata...
Não terminei de falar porque fui surpreendida por Benjamin, que me
segurou pela nuca e puxou meu rosto para perto do dele, colando sua boca na
minha. Seu corpo me pressionou contra a parede com tanta força que minhas
costas reclamaram. Eu achava que ele me passaria algum sermão por ter
atacado Rose e, no entanto, estava aqui me atacando.
— Caralho, esperei por isso a noite toda — sussurrou ele no pequeno
espaço entre nossas bocas e me olhou. — Estou certo em achar que você está
na mesma que eu?
— Oh sim! Com certeza, sim!
Foi a minha vez de agarrar o homem para não dar chance que pensasse
muito. Puxei seus cabelos do jeito que eu queria desesperadamente fazer e
suas mãos me levantaram no ar para que eu pudesse envolver seu corpo com
minhas pernas. Meu Deus, o que eu achava que ia acontecer ia mesmo
acontecer?
Tenha dó de mim Senhor, não deixe que nada estrague o momento.
Nossas bocas se chocavam violentamente e eu podia dizer que com
certeza nunca beijei de forma tão selvagem. Eu queria tanto esse homem que
tinha medo de acabar arrancando fios do cabelo dele pela forma como o
apertava.
Benjamin me jogou de costas na cama, subindo em cima de mim e
beijando meu pescoço enquanto minha mente rodopiava. Tentei em vão tirar
sua camisa. Se eu já não tinha muita coordenação motora em situações
normais, quem dirá num momento desses. Ele me ajudou, parando um pouco
o trabalho com a boca e a língua e arrancando fora a blusa, exibindo o
corpinho maravilhoso que papai do céu esculpiu. Então ocupou as mãos com
minhas pernas, meus joelhos, minhas coxas. Ah... minhas coxas. Meu senhor,
aquilo era bom...
— Eu preciso... — murmurei, sem muito fôlego — dizer...
— Diga depois.
Eu tinha algo muito importante para dizer, mas Benjamin estava
enlouquecido e não queria ouvir, que diabos! Empurrei seus ombros e ele me
olhou com a testa franzida.
— Sério — falei com ênfase e o encarei. — Preciso contar...
— O quê? — Seu esforço para esperar era visível, assim como sua
ereção.
— Eu nunca... fiz. — Benjamin arqueou uma sobrancelha. — Sabe...
— O que você nunca fez?
— Já fiz algumas coisas, mas o fato consumado mesmo...
Benjamin arregalou os olhos e depois sorriu, me beijando
delicadamente na boca. Suas mãos voltaram a agir em minhas pernas e não
pararam enquanto não encontraram minha calcinha. Que devia estar molhada.
— Sempre há uma primeira vez... — sussurrou em meu ouvido. — Eu
não me importo de ser o primeiro, pelo contrário. Basta você ter certeza de
que é isso mesmo que quer.
Se ele não se importava, eu é que não iria complicar a situação. Era
virgem, mas não era idiota e sabia como as coisas aconteciam. Eu me tocava
sempre, sabia me masturbar para me dar prazer, só nunca tinha consumado o
fato. Também não me sentia pressionada ou nervosa, apenas ansiosa.
Entreguei-me ao momento, focando no fato de que Benjamin Reed
finalmente estava me beijando. E fazendo outras coisinhas, como apertar
meus seios por cima do vestido.
Sua mão alcançou o zíper e o puxou bem devagar, enquanto deixava
minha pele arrepiada. Minha respiração já estava mais do que ofegante, meus
dedos percorriam seus braços e queriam conhecer outras partes do corpo
daquele homem. Para ser bem sincera, extremamente sincera, eu estava louca
para pegar no pau dele e sentir seu tamanho.
Benjamin parou de me beijar e puxou meu vestido, descobrindo minha
lingerie que felizmente eu escolhera com cuidado. Fechei os olhos para
espantar a vergonha, já que a luz do quarto estava acesa e todas as
imperfeições muito visíveis.
— Bruna, o que é isso? — ouvi sua pergunta e abri os olhos.
Observei os saquinhos que Benjamin segurava com as pontas dos dedos
e me lembrei que eu era mesmo muito idiota. Puta merda. O tesão era tanto
que não parei para pensar, em momento, algum que estava com aquelas
porcarias escondidas no peito. Tinha até parado de respirar por uns segundos.
— Foram umas coisas que usei.... hum... e não tinha onde jogar fora.
— Usou? — questionou, erguendo a sobrancelha.
— Podemos continuar o que estávamos fazendo?
Ele olhou mais uma vez para os saquinhos vazios, porém, sujos. Voltou
a me encarar, muito desconfiado e não parecia satisfeito com a minha
resposta.
— Isso por acaso, é o que estou pensando? Por favor, não minta para
mim. — Ele se levantou da cama, esfregando os cabelos e jogando os sacos
no chão.
— Benjamin, eu posso explicar. — Também me levantei, tentando
manter minha dignidade ao me enrolar no lençol, mas ele saiu do quarto. —
Benjamin!
Corri atrás dele pelo corredor, tentando não tropeçar na porra do lençol
e pedindo a Deus para que me protegesse. Meu chefe parou no meio do
caminho e se virou para me olhar.
— Bruna, infelizmente, aquilo é o que parece ser. Qual outro motivo
para você carregar um monte de saquinho dentro do vestido? — Apoiou as
mãos na parede e baixou a cabeça. — Não acredito que Rose tinha razão.
Você armou aquele circo todo?
— Não! — meu grito estrangulado foi mais alto do que queria e
esperava não ter acordado Sophia. E ao pensar nela, percebi que não podia
entregar a verdade sobre a criança. — E... se tiver sido?
Tarde demais. Estávamos quase de frente para o quarto dela e a porta
foi aberta. Sophia parecia sonolenta, mas saiu e segurou minha mão com
firmeza, enquanto se virava na direção do pai.
— Não foi a Bruna, papai. Fui eu.
Ah. Meu. Deus. Levei minha mão à boca daquela pestinha, mas era
tarde demais. O queixo de Benjamin caiu junto com o tremor dos joelhos, o
que fez com que caísse ajoelhado, olhando boquiaberto para a filha. Estava
em choque, olhando de Sophia para mim, de mim para Sophia,
provavelmente tentando entender o que estava acontecendo diante de seus
olhos. Ela largou minha mão e se aproximou dele, fez carinho em seus
cabelos.
— Você... — O homem segurou as mãos pequenas. — Você está
falando?
— Aham.
— Como?
Benjamin me olhou, com uma expressão que parecia querer
explicações. Meu coração estava bem apertado, era como se o que tivesse
acontecido lá no quarto já nem fizesse mais parte desse cenário.
— Eu posso explicar — falei.
— Pode? — Sua testa se franziu. — Explique-se, então.
Ele não esperou realmente pelas minhas palavras para envolver a filha
nos braços e chorar como um bebê. Era um pouco desconfortável observar
aquele homem que me abalava tanto, se mostrar tão inseguro agora.
— Meu anjo! — Ele beijou o pequeno rosto um milhão de vezes até
quase sufocar Sophia. — Meu Deus!
— Papai, não chora. — Ela secou os olhos dele com aquelas mãos
minúsculas. — Eu não tô machucada pra você chorar.
Pensei em recuar e sair de fininho daquela cena. Eles precisavam de um
momento a sós e talvez Benjamin depois acabasse esquecendo os outros
problemas, mas então me olhou e soltou Sophia.
— Seria bom aquela explicação agora, Bruna.
— Podemos conversar a sós? — perguntei, na esperança de Sophia não
ter que passar por isso.
— Sophia, vá dormir, ok? — ordenou, levando-a pela mão até colocá-
la sentada na cama. — Amanhã poderemos passar o dia juntos.
— Mas papai...
Ela me olhou de relance, com certa dúvida se devia mesmo acatar a
ordem dele ou ficar para me proteger, mas eu meneei a cabeça para que
entendesse que estava tudo bem.
— Sem mais, querida. — Benjamin beijou a testa dela. — Está tarde e
passou da sua hora de dormir.
— Você vai brigar com a Bruna?
Eu estalava tanto meus dedos em agonia e nervoso, que temi quebrá-los
sem querer. Estava em maus lençóis, então queria resolver a situação o
quanto antes e deixar a enrolação de lado. Benjamin não falou mais nada com
Sophia, apenas tocou a cabeça dela e começou a se afastar.
— Boa noite, papai — disse ela, baixinho. — Boa noite, Bruna.
— Boa noite, Soso.
Era estranho demais a voz de Sophia na presença de Benjamin mas cá
entre nós, mesmo eu estando enrascada, era um alívio que isso tinha sido
revelado de uma vez por todas. Por mais que eu concordasse em esconder o
segredo, achava triste que Benjamin não pudesse ter conhecimento disso.
Ele pediu que eu o seguisse até seu quarto e ao entrarmos naquele
ambiente contaminado com o cheiro do perfume dele, Benjamin fechou a
porta e se sentou na cama, apoiando os cotovelos nas pernas e baixando a
cabeça.
— Há quanto tempo você sabia disso? — perguntou.
— Benjamin, você precisa entender que eu queria contar isso.
Inclusive, eu tentei uma vez e você não acreditou em mim.
— Então você sabia mesmo que Sophia falava esse tempo todo? — Ele
levantou o rosto para me olhar e sorriu. — Se agora você tivesse dito que
também não sabia de nada, eu teria acreditado.
— Não mentiria para você.
— Como não? — Ele franziu a testa. — Você mentiu todos os dias.
Será que eu não merecia um crédito por ter sido sincera com ele, pelo
menos neste momento específico?
— Sim, eu sei que errei, mas depois da última vez que você não
acreditou em mim, Sophia se retraiu um pouco. Eu precisava ganhar a
confiança dela e isso não funcionaria se tivesse insistido para contar o maior
segredo dela. — Notei que estava aumentando meu tom de voz e me
controlei para não acabar gritando.
— E você não acha que já se passou bastante tempo para ganhar a
confiança dela? — Ele não pensava como eu, obviamente, pois essa frase
saiu aos gritos. — Que porra, Bruna! Há quanto tempo você sabe?
— Bastante.
Fechei os olhos para me impedir de chorar na frente de Benjamin. O
pior de tudo, é que no fundo eu não sentia arrependimento pelo que fiz.
Ainda de olhos fechados, senti que ele tinha se levantado e passado por mim.
— Eu tenho certeza que não sou um chefe ruim — lamentou e eu abri
os olhos, virando-me e vendo-o abrir a porta. — Dei a você toda a liberdade
que era possível dar e fui recompensado dessa forma.
— Você sabe que Sophia escondeu isso de você esse tempo todo, por
rebeldia, não é? — Meu coração batia tão rápido que eu achava que poderia
passar mal de verdade. — Talvez se você passasse mais tempo com ela e,
Sophia não precisasse...
— Não me diga o que fazer com minha filha! — ele me interrompeu,
enérgico demais. — Depois de tudo que aconteceu hoje, você perdeu todos os
créditos que tinha comigo.
— Eu protegi a sua filha hoje, ok? Se Rose tivesse visto aqueles
malditos sacos, você sabe que teria sido muito pior! Ela seria capaz até de
bater na Sophia!
— Vá dormir, Bruna. Acabamos por hoje.
Ele saiu de perto da porta, passou por mim, entrou no banheiro e se
trancou lá dentro. Ainda fiquei que nem uma idiota ali, imaginando se ele
voltaria e pediria desculpas, mas não aconteceu.
Enganei-me ao pensar que dormiria tão bem depois de tantos
problemas. A verdade é que fiquei rolando de um lado ao outro na cama e
quando realmente peguei no sono, a claridade me despertou.
Apesar de não me sentir muito disposta a descer para tomar café da
manhã, não poderia ficar no quarto. Acabaria sendo pior para minha atual
situação. Será que ele me mandaria embora? Meu visto era de au pair e toda
minha documentação se referia àquela família. Não era como se eu
simplesmente pudesse colocar alguns currículos pelo shopping da cidade para
permanecer no país. O trabalho e a burocracia seriam enormes.
Estava terminando de pentear o cabelo e me sentei na cama quando
bateram na minha porta, mas eu já sabia quem era. Sophia rapidamente
colocou a cabeça para dentro e eu fiz um gesto para que ela entrasse.
— Oi, Soso. — Ela se sentou ao meu lado e apertei seu nariz. —
Dormiu bem?
— Você vai embora? — perguntou baixinho e eu pude notar que seu
semblante estava triste.
Suspirei, sem ter uma resposta. Peguei meu travesseiro para abraçar e
não me sentir tão carente. Não era só o fato de ser demitida que me dava
medo, mas também ter que dizer adeus para Benjamin e, principalmente,
Sophia.
— Não sei — respondi, mexendo no cabelo dela. — Isso vai depender
do seu pai. Ele não está feliz comigo.
— Papai está lá na cozinha, com a cara feia.
— Mas saiba que não é com você que ele está chateado e sim comigo,
ok?
— Tudo bem, mas não quero ficar com ele. — Ela se levantou e puxou
minha mão. — Vem comigo, Bruna.
Uma hora eu precisaria mesmo aparecer e enfrentar o homem, então
nada mais justo do que fazer companhia a Sophia. Pedi uns minutinhos para
me vestir de forma adequada e desci até a cozinha com ela atrás de mim.
Benjamin estava sentado em seu lugar habitual e, obviamente, com o celular
na mão.
— Bom dia — cumprimentei e torci para que, pelo menos, Abigail me
respondesse.
— Bom dia. — Ele foi bem seco e nem me olhou.
Abigail colocou a porra da caixa de leite na minha frente e eu até me
arrepiei. Se ele já estava com raiva de mim por causa de ontem, imagina se
descobrisse mais uma mentira minha? Resolvi tomar um pouquinho para
despistar e fiquei escutando Sophia pedir todos os itens da mesa. Ela ficou
tanto tempo se passando por muda, que parecia estar aliviada por finalmente
falar em alto e bom som para todos ouvirem. Abigail, no entanto, não
esboçava nenhuma reação.
Quando terminou de comer, Benjamin se levantou e se retirou sem falar
nada, depois de depositar um beijo na testa da filha. Isso me deixou mal,
saber que estava sendo ignorada propositalmente, e a comida não desceu
muito bem pela garganta.

O final de semana foi uma porcaria. Eu preferia que Benjamin brigasse


comigo, pois qualquer coisa teria sido melhor do que o silêncio insuportável
que me dirigia. No domingo, ele passou o dia inteiro na piscina com Sophia,
mas eu obviamente não tive ânimo para me juntar aos dois, por mais que a
menina tivesse insistido.
No meio da semana acabei encontrando com Joseph ao deixar Sophia
na escola. Não queria falar com ele porque ainda não estava preparada para
retornar às lembranças daquela noite, mas ele me alcançou antes que eu
conseguisse correr.
— Finalmente encontrei você! — falou, segurando minha mão. —
Estou te ligando desde sábado e você não me atende. Está tudo bem?
— Tive alguns problemas, Joseph... — Sorri sem vontade. —
Desculpa, mas minha cabeça não está muito boa esses dias.
— Qual o problema?
— Nada que eu queira conversar, mas obrigada por perguntar.
Ele tentou me consolar com um abraço, mas não surtiu efeito. Meu
astral estava grudado no asfalto e não queria se recuperar, só Benjamin
conseguiria trazê-lo de volta. Ele fingiu que entendia minha recusa, nós nos
despedimos e eu prometi que ligaria para ele quando me sentisse melhor, mas
sinceramente, não fazia ideia de quando isso aconteceria.
Costumava deixar Sophia na escola e voltava para casa sem ter o que
fazer, então alguns dias eu lia um livro ou assistia um pouco de televisão, às
vezes tirava um tempo para arrumar a bagunça no meu quarto, enfim, nada
muito esplêndido. Mas naquela manhã, quando cheguei na porta de casa,
notei que o carro de Benjamin estava estacionado. Era normal que saísse para
trabalhar antes que eu levasse Sophia, como havia sido. Portanto, para ele ter
voltado em casa, pensei logo que alguma coisa ruim tivesse acontecido.
Ele estava sentado na sala de estar e ao me ver, pela sua expressão, eu
sabia que estava esperando por mim. Meu coração acelerou e minhas mãos
ficaram frias de repente, como as de um cadáver há cinco dias na geladeira.
— Bruna, podemos conversar?
— Uhum — murmurei, porque foi o único som que consegui produzir,
estava muito nervosa.
— Sente-se, por favor — pediu ele, indicando o sofá.
O maldito sofá manchado, e me dei conta de que as almofadas não
estavam mais ali. Será que ele tinha notado? Não que fizesse muita diferença,
seria somente mais uma merda para meu vasto histórico de erros cometidos.
— É algo ruim? — perguntei, querendo fingir que não sabia do que se
tratava.
— Creio que sim — disse ele, baixo, mas com firmeza na voz. — Não
queria ter essa conversa com Sophia em casa, por isso esperei até que você a
levasse para o colégio.
— Ok.
— Não podemos mais continuar... com isso — Benjamin, por fim,
declarou, e parecia pesaroso. Respirei fundo e me preparei para o que viria a
seguir. — Sei o quanto isso vai abalar Sophia, mas você não pode mais
trabalhar aqui.
Sim, era isso. No fundo, era exatamente o que eu já estava esperando
desde a noite da festa. Não podia dizer que fui iludida, pois estava na cara de
Benjamin, no momento em que me expulsou de seu quarto, que ele tinha
perdido a confiança em mim.
Engoli em seco e senti meus olhos arderem. Não queria chorar na frente
dele, mas não podia sair correndo como uma criança mimada. Eu era adulta e
arcaria com as consequências dos meus atos. Apertei minhas mãos e resisti à
vontade de balançar as pernas.
— Imaginei que isso fosse acontecer — admiti, olhando-o nos olhos.
— Não posso dizer que está sendo injusto nem nada, eu mereci esse
resultado.
— Não pense que não é difícil para mim, ter que fazer isso. Você é uma
boa pessoa, gosto de você, mas minha confiança está abalada. —
Acompanhei seus gestos, suas mãos indo até os cabelos e seus dedos agitando
os fios. Ele até parecia nervoso, mas no fundo, a ferrada da história era eu. —
Seu trabalho é tomar conta do meu bem mais precioso e você falhou em ser
sincera comigo, Bruna. Não consegui deixar de pensar um minuto sequer que
se não fosse nossa briga sobre a festa, talvez eu demorasse meses para
descobrir sobre Sophia.
— Eu entendo e sinto muito, de verdade. Nunca quis fazer mal a
nenhum dos dois, eu amo a Sophia. Só pensei que conseguiria reverter a
situação com o tempo, ajudar Sophia a se abrir mais e voltar a falar por conta
própria.
Benjamin não disse nada, apenas assentiu, mantendo uma expressão
neutra. Engoli o bolo que se formara na minha garganta e baixei a cabeça.
Não conseguia mais encará-lo por muito tempo.
— Quando... — Meu queixo tremeu e precisei respirar fundo. —
Quando você quer que eu vá embora?
— Quando estiver pronta — respondeu, curto e grosso, mas em seguida
levantou os olhos e me encarou. — Apesar de tudo, gosto de você e não
quero guardar rancor.
Não guardaria rancor, mas estava destroçando o meu coração. Legal,
Benjamin.
Passei alguns segundos ainda absorvendo suas palavras, até que me dei
por satisfeita e me levantei. Precisava sair dali antes que me desmanchasse
em lágrimas diante dele. Pedi licença e fui para meu quarto, com as pernas
bambas e os lábios trêmulos.
Só consegui ter forças para me jogar na cama e deixar o choro sair,
porque não queria nem tinha energia para pensar em mais nada. Meu tempo
naquele país estava com os dias contados. Meu tempo com Sophia, também.

Eu estava mesmo muito magoada e machucada. Sabia que tinha sido
culpa minha o que aconteceu, que eu fui irresponsável e fiz besteira no
trabalho. Minha paixonite por Benjamin me cegou e me deixou acomodada,
me fez relaxar e pensar que era da família.
Não conseguiria ficar nos Estados Unidos por muito tempo depois de
ser demitida, portanto, o mais inteligente a fazer era voltar para meu país.
Precisaria aturar todas as baboseiras que meus pais diriam sobre eu ter metido
os pés pelas mãos, por ter me iludido, mas pelo menos lá, eu teria meus
amigos.
Depois de me recuperar um pouco do abalo, passei o resto da semana
arrumando minhas coisas e me despedindo de Sophia. Estava conformada
com a situação, mas isso não diminuía o sentimento horrível em meu
coração. Ter que me afastar dela estava me matando aos poucos e eu não
imaginava que me apegaria tanto a uma criança dessa forma.
Ela não tinha ido ao colégio nos últimos dias, pois não houve quem a
tirasse do quarto, tamanha era a sua raiva. Benjamin até tentou arrancá-la de
lá à força, ameaçou a colocar de castigo, eu fiz algumas promessas para ela,
mas nada funcionou. Ela só chorava e gritava, voltava ao normal apenas
quando ele saía de casa para trabalhar.
Partia meu coração ver Sophia naquele estado e eu tentei usar meu
tempo restante ali para curtir o máximo possível com ela e tentar colocar um
pouquinho só de juízo em sua cabeça. Não queria que ela voltasse a se fechar
para o pai e sabia que a tendência seria piorar se Benjamin continuasse tão
ausente como era.
— Não dificulte tanto as coisas para mim, Soso — pedi, alisando seus
cabelos. — Ficarei mais tranquila se souber que você está obedecendo seu
pai.
— Mas eu odeio ele! — resmungou ela, no dia da minha partida.
— Não odeia não. Vocês se amam e precisam ser unidos como uma
boa família deve ser.
— Não.
Respirei fundo e enxuguei meus olhos antes que ela me visse chorando.
Puxei seu cobertor e fiz cócegas em seus pés, mas ela nem riu, nem gritou
pedindo para que eu parasse como sempre fazia. O dia de ir embora tinha
chegado, então, e parecia existir um buraco no meu peito. A aflição era
enorme, não consegui me preparar para a despedida, nem ela.
— Você vai me levar até o táxi? — perguntei, prendendo o choro.
— Não — respondeu, enfiando o rosto no travesseiro e virando de
costas para mim. Percebi seus ombros tremerem, mas ela já tinha me dito na
noite anterior, que não queria se despedir.
— Ah, Soso...
Tapei meu rosto e fechei os olhos, buscando me controlar. Sentia que
poderia vomitar a qualquer momento e precisava ir logo embora para parar
com o sofrimento. Enxuguei os cantinhos úmidos em meus olhos e me
curvei, beijando sua cabeça antes de me levantar e sair do quarto.
Benjamin esperava por mim na sala e eu não entendia por que parecia
tão abalado. A decisão tinha sido dele mesmo, se não queria que esse
momento chegasse, bastava ter voltado atrás. Talvez o orgulho ferido fosse
grande demais, mas eu nunca saberia.
— Sophia não vai descer — avisei, ajeitando minha bolsa no ombro. —
Estou pronta, de qualquer forma.
— Já guardei suas malas no táxi.
— Obrigada. — Sorri sem estar feliz e olhei em volta mais uma vez, já
sentindo saudades da casa. Aproximei-me de Benjamin e estendi minha mão,
seria educada apesar de tudo. — Peço desculpas por tudo. De verdade. E por
favor, tenha paciência com Sophia. Ela vai se abrir no momento certo.
— Farei o meu melhor, Bruna. — Ele me abraçou e aquilo foi
inesperado. Meus olhos foram inundados pelas minhas lágrimas e eu pensei
que chegaria cega no aeroporto. — Espero que fique bem.
— Ficarei.
Não me despedi de Abigail, nem sabia onde ela estava, mas com
certeza não sentiria minha falta. Saí daquela casa antes que a situação ficasse
ainda pior e entrei correndo no táxi. Fechei a porta e afundei no banco
traseiro, deixando o choro sair por completo e meu corpo iniciar os tremores.
No aeroporto, eu mal conseguia me controlar o suficiente para
empurrar o carrinho com as malas. Coloquei meus óculos escuros para
ninguém notar meus olhos vermelhos e fiz meu check-in. Quando peguei a
passagem, a ficha caiu de que realmente eu estava voltando para o Brasil. O
sonho tinha acabado. Benjamin tinha acabado. E Sophia...
Tive que me sentar para tentar recuperar o fôlego. Por que as coisas
tinham acontecido dessa forma, eu nunca iria saber. Parecia uma conspiração
dos infernos, uma coisa dando errado atrás da outra. Não sabia quanto tempo
levaria para me recuperar e nem como conseguiria parar de pensar neles.
Como ainda faltava mais de uma hora para abrirem o embarque do meu
voo, decidi me esticar sobre as cadeiras vazias e me deitei encolhida,
fechando os olhos só um pouco para fazer minha cabeça parar de rodar e
pesar tanto.
— Bruna! Bruna!
Eu estava tão impregnada de Sophia que até a voz dela em meu sonho
parecia real. Não conseguia identificar de onde vinha nem por qual motivo,
mas estava lá, seu timbre, sua urgência, tão... Sophia.
— Brunaaaaa!
Abri meus olhos quando percebi que o grito foi alto demais. Lembrei
onde estava, ainda na sala de embarque do aeroporto, então foi mais estranho
ainda ouvir o grito de Sophia.
— Bruna!
Levantei-me para olhar ao redor e me certificar de que não estava
ficando louca, até que vi sua figura magra e pequena, correndo na minha
direção. Os cabelos compridos balançavam com o movimento e Benjamin
vinha um pouco mais atrás, sem tanta pressa. O que eles estavam fazendo ali?
Olhei para o relógio em meu celular e vi que faltavam menos de quinze
minutos para o embarque abrir, ou seja, meu tempo era curto. Eu me ajoelhei
assim que Sophia se aproximou o suficiente e se jogou em meus braços.
— Eu não me despedi! — ela soluçou, o rosto enfiado em meu
pescoço. — Não me despedi! Não pode ir embora sem eu me despedir!
Sophia chorava e molhava minha blusa, mas eu não queria soltá-la. Não
seria a mesma coisa se eu não tivesse me despedido dela. Alisei seus cabelos
e apertei mais meu abraço, querendo eternizar aquele momento que estava
acabando comigo.
— Por favor, não vai — pediu ela, ao levantar o rosto e me encarar com
os olhos vermelhos.
— Soso, não sou eu que decido isso. — Enxuguei suas bochechas
molhadas, sentindo as lágrimas escorrerem também pelas minhas. — Sinto
muito, muito mesmo.
— Mas eu amo você!
— Eu também amo você. — Funguei, olhando para o teto, tentando me
controlar. — Sabe disso, não é? Quando eu tiver condições, voltarei aqui para
ver você. Provavelmente estará crescida e talvez não se lembre de mim, mas
eu voltarei.
Benjamin parou atrás dela, com as mãos nos bolsos da calça e por um
momento pareceu que estivera chorando. Mas é claro que não, certo? Talvez
ele até estivesse sofrendo, mas por ver como a própria filha estava.
Soltei Sophia e me levantei, ajeitando minha roupa e voltando a me
sentar, sem soltar as mãos dela.
— Tudo indica que ela gosta mais de você do que de mim — disse
Benjamin, encolhendo os ombros. — Nunca dirigi com tanta pressa na
estrada. Não dormiria mais em paz se chegássemos aqui e você já tivesse ido
embora. Assim que seu táxi saiu, Sophia desceu a escada e começou a
chamar por você.
— Tudo bem — respondi, sorrindo para ela, sem encarar muito o
homem por quem tinha me apaixonado. — Parece que o avião estava
justamente esperando que você chegasse, Soso.
— Nós podemos voltar para casa? — perguntou Benjamin,
visivelmente desconfortável. — Tive que comprar duas passagens para
podermos entrar no embarque, mas acho que já deu de aeroporto por hoje.
Ele comprou passagens? Pisquei, chocada, e encarei Sophia. Ela deve
ter infernizado a cabeça do pai para que ele decidisse fazer isso. Claro que
tinha dinheiro suficiente para algo do tipo, mas passagens internacionais não
eram baratas.
Dei um último beijo em Sophia, para não prender Benjamin ali, e sorri
utilizando o restante das minhas forças.
— Vá com seu pai, querida — pedi, tocando seu nariz. — Prometo que
vamos nos falar sempre, ok?
— Não, Bruna... — disse Benjamin e eu cheguei a achar que ele me
impediria de ligar para Sophia. — Perguntei se você pode voltar conosco.
— Eu?
O que estava acontecendo? Meu cérebro estava afetado demais para
raciocinar rápido o bastante. Arregalei os olhos, tentando entender se era
algum tipo de brincadeira, mas Benjamin permanecia sério. Olhei para
Sophia, que estava ocupada tentando agarrar de novo minha perna.
— Sim, você — respondeu ele. — Acho que não posso fazer minha
filha sofrer desse jeito. Ela disse que me odeia umas cinco vezes no caminho
até aqui.
Bem, eu também estava começando a odiar pelo que estava fazendo
com meu coração. Pensei seriamente no que ele tinha me pedido. Eu estava
disposta a voltar, mesmo? Não seria melhor ir embora de uma vez e deixar
tudo para trás, para não correr o risco de me apegar e levar um tombo ainda
maior?
Sophia apertou minha mão com força e me olhou como se eu fosse a
última garrafa d’água no deserto.
— Você não se importa que eu volte? — questionei Benjamin, porque
era tudo muito impulsivo.
— Acho que... — Ele suspirou e passou a mão na testa. — Podemos
esquecer o que aconteceu. O tempo vai consertar tudo.
Ele até poderia esquecer as besteiras que eu fiz, mas seria difícil e
demorado esquecer que ele não teve a menor compaixão por mim. De
qualquer forma, era difícil recusar essa chance. Fazer isso significaria partir o
coração da criança que me encarava com brilho nos olhos e rostinho
vermelho de choro.
— Eu volto. Pela Sophia. — Quis deixar bem claro.
— Está ótimo. — Ele não sorriu, parecia muito tenso. — Por que não
vamos cuidar da recuperação de sua bagagem?
Ainda anestesiada, eu apenas o segui pelo caminho que fez para
procurar a companhia aérea e solicitar a remoção da minha bagagem dentre
as que seriam enviadas para a aeronave. Depois de perder muito tempo para
resolver aquilo, além da burocracia para deixarmos a área de embarque,
finalmente fomos embora do aeroporto.
— Então, o que você fez para ele mudar de ideia e vir atrás de mim? —
perguntei quando chegamos em casa e entrei abraçada com ela.
— Chorei. — E neste instante ela fungou e seus olhos voltaram a ficar
úmidos, despedaçando meu coração.
Era até um pouco reconfortante saber que pelo menos alguém ali se
importava tanto comigo. E era óbvio que eu sentia o mesmo por ela. Logo eu,
que nunca fui muito ligada em crianças.
— Está tudo bem, Soso. — Beijei o topo de sua cabeça ao abraçá-la
bem apertado. — Estou aqui.
— Promete que não vai mais me deixar?
— Enquanto eu puder ficar, tenha certeza que ficarei.
Não podia prometer de verdade porque sabia que minha situação no
país era temporária, dependia exclusivamente do meu emprego e meu
empregador.
Me sentia muito abalada ainda, com os nervos à flor da pele, então pela
primeira vez na vida ignorei completamente Abigail quando ela apareceu na
minha frente. A governanta estava arrumando a sala e ficou estática quando
entrei, com Sophia grudada em mim.
— Você vai me ajudar a desarrumar as malas? — perguntei para o meu
chicletinho que agora estava toda sorridente.
— Eu não sou bagunceira!
— Ah, você é sim — provoquei, mas eu era muito pior que Sophia.
Entrei no quarto que tinha deixado de ser meu por algumas horas e
Benjamin descarregou tudo aos pés da cama. Ele ia saindo e eu ia aproveitar
para fechar a porta, quando parou, com os lábios em linha reta e os ombros
encolhidos.
— Quando Sophia não estiver mais grudada em você, pode me
procurar? Para conversarmos? — Antes que eu respondesse, ele continuou,
levantando as mãos em sinal de paz. — Não é para reclamar ou dar sermão,
nada do tipo.
— Tudo bem.
Quando fechei a porta e me virei, meu quarto já voltara a ser uma zona
de guerra. Sophia trabalhava rapidamente, abrindo as malas e espalhando as
roupas sobre a cama, os sapatos pelo chão e... ela estava usando um sutiã meu
por cima da blusa?
— Sophia, não acho que você já tenha corpo para usar isso.
— Você também não tem — disparou, afiada.
Olhei para meus próprios peitos, estranhando.
— Se você não retirar o que disse, eu vou embora. De novo, sabe?
Ela correu na minha direção e pulou, fazendo com que nós duas
desabássemos no chão. Enquanto ela tirava o sutiã desajeitadamente e tentava
colocar em mim, ao contrário, eu pude esquecer um pouco do sofrimento dos
últimos dias e quase parecia que nada daquilo tinha acontecido. Mas as
malas, os olhos inchados e as pernas bambas estavam ali para me lembrar
detalhadamente do que Benjamin me fez passar.

Depois de passar um tempo explicando para meus pais e alguns


amigos, que eu não retornaria ao Brasil, eu e Sophia passamos o resto do dia
juntas. Brincamos bastante de boneca e isso me fez anotar num bloquinho
que precisava comprar Barbies novas para a menina, pois o estoque estava
acabando. No início da noite, quando já estava na hora de começar a prepará-
la para dormir, senti meu cérebro sofrer um espasmo ao ver a bagunça que
fizemos naquele quarto.
Ela terminou o banho quando eu ainda estava no meio da arrumação,
que mais parecia enganação, sendo bem sincera. Sophia tinha no quarto um
daqueles grandes baús para guardar brinquedo e lembro que quando cheguei
naquela casa, o baú vivia arrumado. Mas sério, qual a graça de ter uma caixa
para jogar tudo de qualquer jeito dentro, se for preciso jogar tudo
arrumadinho? Além do mais, só quem abria aquilo era uma de nós duas.
Quando vi que não estava fechando, sentei sobre a tampa e dei uns
pulinhos enquanto Sophia vestia o pijama com estampa de girafas e sapos.
— Bruna, não quero dormir... — Ela se sentou na beira da cama e me
olhou. — Podemos ficar vendo filme?
— Não, Soso. Já está na hora de dormir e, para ser sincera, estou
enjoada de assistir Alien. Nós vimos todas as sequências, várias e várias
vezes.
— Pode ser qualquer outro de terror!
Abigail seria a babá perfeita para essa criança, um dia eu diria isso para
ela.
Suspirei, dando um último pulo na caixa — dessa vez um forte, com
toda a força que eu tinha na minha bunda magra — e escutei um estalo. Ou
quebrou, ou fechou.
— Sophia, olha só, querida. Não é por eu já ser adulta que não tenho
medo dessas coisas. Não quero sonhar com monstros ou almas penadas!
Ajudei a se deitar e se cobrir com o cobertor fofinho, dei um beijo em
sua testa com cheirinho de sabonete e sorri, alisando seus cabelos. Os olhos
dela estavam arregalados e as mãos seguravam com força a ponta do
cobertor.
— Você promete que estará aqui quando eu acordar? — perguntou, até
que entendi o motivo de toda a necessidade de alongar o momento.
— Aqui no seu quarto?
— Em casa — explicou, mordendo o lábio.
— É claro que estarei em casa, Soso. Não irei embora.
— Promete?
— Prometo — respondi e beijei meus dedos. — Agora tente dormir,
tudo bem? Não precisa se preocupar com isso. Pode ir me acordar amanhã.
Apaguei a luz e encostei um pouquinho a porta do quarto, só o
suficiente para não ficar tudo tão escuro. Não que Sophia tivesse medo de
alguma coisa, era mais fácil ela me acordar de um pesadelo do que o
contrário.
Parada no meio do corredor, fiquei pensando qual direção tomar.
Benjamin tinha dito que queria conversar, mas eu não sabia se era hora para
isso. Resolvi ir até a porta do quarto do chefe, se desse para ouvir algum
barulho ou a luz estivesse acesa, então eu encararia logo o confronto. A luz
do quarto parecia estar apagada, mas vi reflexos por baixo da porta e encostei
o ouvido, descobrindo a televisão ligada.
Dei duas batidas leves e ele pediu para esperar. Será que estava pelado?
Afastei rapidamente o pensamento. Talvez eu tenha nascido para sofrer como
a Maria do Bairro, o que me fazia pensar no Brasil, que me fazia pensar no
Silvio Santos e me fazia ter saudade dos programas da televisão brasileira aos
domingos, um mais degradante que o outro.
— Entre, Bruna. — Benjamin apareceu na porta, vestindo uma camisa
branca amarrotada e uma calça cinza, bem no momento em que eu pensava
na risada do tio Silvio.
— Acordei você?
— Não — disse Benjamin, me deixando mais tranquila. — Estou
assistindo um filme, mas pode entrar.
Passei por ele, sentindo o cheiro muito forte de sabonete, o que
indicava que tinha tomado banho há pouco tempo. O homem só precisava
respirar para deixar meus hormônios em ebulição. Como isso acontecia? Que
magia ele tinha feito? Nunca senti isso nem pelo gostosinho que trabalhava
como salva-vidas na praia de Ipanema. Era longe que nem o inferno da minha
casa, mas eu gostava de frequentar aquele pedaço só para admirar a sunga
vermelha apertada e as coxas com músculos salientes. Nem mesmo quando
fingi me afogar para ele ir me salvar, quando passou os braços pelo meu
corpo e me tirou do mar, nem naquele momento eu senti o que sinto sempre
quando Benjamin fica perto de mim.
Na televisão que ainda estava ligada, mas com o som mais baixo,
passava algum filme de ação protagonizado pelo insuportável Jackie Chan.
Eu não aguentava os filmes desse homem, ele sempre fazia papel de um
homem banana que lutava muito bem e acabava pegando as mulheres mais
gostosas do filme. Só pessoas como o meu pai conseguiam achar graça
daquilo. E o Benjamin, pelo visto. Eu achando que ele era perfeito, descobri
um defeito. No entanto, minha atenção se voltou a ele quando a televisão foi
desligada.
— Você queria conversar comigo... — falei, virando-me e o encarando.
— Quer fazer isso agora?
— Sim. Quer se sentar?
— Estou bem em pé, não tem problema. — Sorri, mantendo-me firme
para não babar por ele. Ainda estava magoada, não queria passar a impressão
errada.
Ele passou por mim e se sentou na poltrona que tinha me indicado, aí
sim eu fiquei desconfortável, né? Se eu soubesse que ele sentaria, não teria
ficado de pé. Não gostava dessa combinação.
Cruzei os braços para me proteger e suspirei, mostrando que estava só
esperando por ele.
— Então... — pigarreou. — Sei que fui lá no aeroporto, te trouxe de
volta, mas acho que faltou a parte onde eu me desculpava, de fato, com você.
— Ah. — Uau, não estava esperando por uma reviravolta, achei que ele
fosse citar novamente meus erros ou qualquer coisa parecida. — Certo.
— Não estou dizendo que você não fez nada de errado, ok? Quero
deixar bem claro que, apesar de ter desculpado, ainda estou magoado por ter
sido enganado esse tempo todo. Só que sei que fui intransigente demais no
tratamento contigo.
— Tudo bem, Benjamin. Agradeço mesmo que tenha dito isso e
entendo que você teve motivos para falar tudo que falou.
Eu me senti um pouco desconfortável com a conversa. Claro que ouvir
as desculpas me fazia bem, mas não esperava que ele faria isso tão rápido.
Achei que ainda fosse remoer o assunto por uns dias antes de me perdoar.
— Tem certeza que está tudo bem? — perguntou. — Sei que é difícil,
mas gostaria que nossa relação voltasse a ser como antes.
— Vai ficar tudo bem. Acho que não hoje ou amanhã, mas também
espero que tudo volte ao normal.
Ele assentiu, em silêncio, e passou um tempo encarando os próprios
pés. Quando se levantou, se aproximou de mim e me segurou pelos ombros.
— Por favor, Bruna, não esconda mais nada de mim. É importante.
Minha relação com a Sophia já foi muito afetada com a morte da minha
esposa. — Ele me soltou e levou a mão à cabeça. — Sei que é difícil entender
quando nunca se passou por isso... Perder alguém que amamos, eu... Nunca
achei que precisasse me preparar para tal coisa. Eu errei com Sophia, porque
estava tão dilacerado, que por um tempo não me importava com nada, só
dava atenção ao meu sofrimento. E depois comecei a perceber que minha
filha era a única coisa que eu tinha, que lembrava minha esposa, que fazia
parte dela. Só que então eu já tinha estragado tudo, tinha uma filha que não
falava mais, que estava traumatizada.
Será que Benjamin ia chorar? Limpei a garganta, olhei em volta e
acabei me sentando e fazendo com que me acompanhasse. Sem jeito,
coloquei minha mão em suas costas e dei um tapinha como amigos costumam
fazer.
— Sinto muito — falei, tentando pensar em algo mais inteligente. —
Sinto mesmo.
O que mais poderia falar para consolar um viúvo? Eu nunca tinha
conhecido, de fato, nenhum. Muito menos tão bonito quanto aquele homem.
Benjamin levantou a cabeça, se recompôs e virou o rosto para me olhar.
Não estava chorando, o que já era bom considerando que eu não aguentaria
mais essa pressão. Deu um meio sorriso, mas logo voltou a ficar sério.
— Você lembra de quando veio me contar que Sophia estava falando?
Meu cérebro gritou “terreno perigoso, afaste-se da areia movediça”.
Estava indo tudo tão bem, com ele esquecendo os meus problemas e
concentrando-se nos dele. Tinha mesmo que voltar a tocar no assunto?
— Lembro perfeitamente. — E eu estava certa o tempo todo, seu
idiota! Gostoso, mas idiota!
— O que aconteceu? Por que ela continuou fingindo?
— Acho que basicamente, ainda não estava preparada para revelar. —
Encolhi meus ombros. — Eu juro que tentei...
Benjamin balançou a cabeça, parecendo acreditar em mim, pelo menos
dessa vez. Eu até poderia sentir pena dele se não tivesse feito com que eu me
estressasse com arrumação e desarrumação de malas.
— Na festa de Rose, foi realmente a Sophia que armou aquilo tudo com
os insetos?
— Foi — confessei, o que não era mais uma novidade.
— Ela estava mesmo com os bichos dentro da bolsa? — Assenti. —
Naqueles plásticos? — Assenti mais uma vez. Ele estreitou os olhos, depois
franziu a testa e um canto da boca ergueu-se com um sorriso. — Os plásticos
nos quais os insetos rastejaram a noite toda, você colocou dentro do seu
vestido?
— Na hora não pensei na parte nojenta.
— Para quem saiu correndo pelada do banheiro por causa de uma
barata, você tem que gostar muito da minha filha para ter feito o que fez.
Duas situações das quais eu não me orgulhava e ele fazia o favor de
relembrá-las ao mesmo tempo. Mas o momento constrangedor não passou.
Meu patrão estava me encarando enquanto eu fingia olhar o teto, o tecido do
lençol, a espessura do tapete. Tentei pensar em qualquer coisa que me
desconcentrasse da percepção de Benjamin tão perto de mim e tudo que me
veio na mente foi: “Silvio Santos vem aí”.
— Do que está rindo? — Benjamin quis saber, confuso.
— Lembrei de um programa que minha mãe assistia muito...
— Bruna, sobre os acontecimentos daquela noite... — Benjamin
relembrou, quase me tocando. — Quando chegamos em casa...
Opa, não queria falar sobre isso. Dessa vez, resolvi interromper a
conversa e me levantei, esticando a mão para que ele parasse.
— Prefiro não tocar nesse assunto agora, Benjamin. Pode ser? — pedi.
— O que aconteceu e o que não aconteceu... hum... e eu disse coisas...
então...
Pior não podia ficar! Não estava falando nada de útil, era melhor ir logo
dormir que amanhã o sol nasceria belo e me daria uma nova chance.
Benjamin pareceu entender onde eu queria chegar e me deu uma trégua.
Levantou da cama, sorrindo de uma forma neutra e educada e me levou até a
porta.
— Não falaremos do ocorrido se você prefere assim. — Abriu-a para
mim e eu passei por debaixo de seu braço com pressa. — Mas deixe-me pedir
desculpas pela forma ríspida como te tratei ao descobrir os plásticos. Foi bem
deselegante de minha parte.
— Desculpas aceitas. Sem arrependimentos.
— Não me arrependo mesmo. — Sorri para ele e me virei, indo para
meu quarto, mas ainda consegui ouvir seu murmúrio: — Não da parte boa.
Meu domingo começou estranho, com Sophia e Benjamin interagindo
como se nada tivesse acontecido. Tentei ler um pouco, mas senti que
precisava sair de casa e acabei usando minha melhor opção. Liguei para
Joseph e marquei de almoçar com ele. Foi um custo para Sophia me deixar
sair, estava mais agarrada a mim do que nunca, mas prometi que não me
mudaria de país.
— Oi, linda — disse o professor, assim que entrei no carro dele.
— Oi. Obrigada por me tirar de casa. — Sorri, agradecida, e o
cumprimentei com um beijo no rosto.
— Não é nenhum esforço. O que houve para você estar tão sumida?
Ele dirigia tranquilamente pela cidade e eu gostei de não estar com
pressa para nada. Quando percebi que ele não sabia de muita coisa, fiquei
sem conseguir me decidir por onde começar.
— É tanta coisa para contar... — murmurei, sentindo os olhos dele
sobre mim.
— Não tem problema, não estamos com pressa. Estamos?
Ele tinha direito de pelo menos saber uma parte da história. Então
contei que tinha sido demitida e todo o drama que foi nos dias seguintes à
minha demissão, depois contei como fui recontratada. Deixei de fora apenas
verdade sobre o que Sophia fez com os insetos na festa e sobre a parte dos
amassos com Benjamin. Quando terminei, percebi que estávamos há algum
tempo parados na porta de um restaurante.
— Você estava prestes a embarcar de volta para o Brasil e nem pensou
em se despedir? — perguntou ele, um pouco chateado.
Sabia que deveria ter pelo menos enviado uma mensagem para o
coitado, afinal, por mais que eu não tivesse interesse romântico por ele,
Joseph sempre demonstrava se preocupar comigo.
— Me desculpe mesmo — pedi, tocando o braço dele. — Eu fiquei tão
mal com tudo o que estava acontecendo, que não me lembrei de avisar
ninguém. Nem falei com a Jess, o único contato que fiz aqui além de você.
Fiz, inclusive, uma anotação mental para que me lembrasse de procura-la
qualquer dia desses e tentar me aproximar mais dela. Sentia falta da
companhia de outra pessoa do sexo feminino com mais de oito anos.
Descemos do carro e entramos no restaurante com música ambiente
acolhedora. Escolhemos uma mesa no canto e Joseph puxou a cadeira para
mim. Depois sentou-se na minha frente e esticou a mão para tocar a minha.
— Sinto muito pelo que houve. Não posso acreditar que Benjamin
tenha te tratado assim. — Puxei discretamente minha mão e abri o cardápio.
— Se acontecer novamente, me chame para eu dar um corretivo nele.
Eu já nem ouvia mais o que ele estava dizendo. Se estava certa e minha
memória não estivesse brincando comigo, tinha prometido pagar a próxima
conta quando saísse com ele. E o restaurante em que eu estava com a bunda
sentada era bem superior ao que meus padrões permitiam.
— Já escolheu? — perguntei sem tirar os olhos do menu. Estava
preparada para ouvir a resposta, procura-la no cardápio, ver o preço e
inventar alguma desculpa sobre como a comida era horrível.
— Acho que pedirei a sugestão do maître — disse ele, apavorando-me.
O homem vai empurrar o prato mais caro da casa, sempre assim. Esse
era o trabalho deles, tinha certeza absoluta que eram contratados para
arrancar todos os dólares dos clientes. Procurei por alguma coisa bem
baratinha e sorri para Joseph.
— Acho que vou pedir esses deliciosos aspargos — falei, com
animação.
— Como entrada?
— Não! Como prato principal, é claro — respondi, revirando meus
olhos e rindo de nervoso.
— Está de dieta?
Estou pobre! Mordi a língua quando ele fez o pedido dele para o maître
antipático e solicitei meus aspargos mais um copo d’água. Esperava que
Abigail tivesse feito comida gostosa e que deixassem alguma sobra para
mim, pois com certeza chegaria em casa morrendo de fome.
Joseph quis contar sobre seu trabalho, quem brigou com quem na sala
de aula, quantos ele teve que mandar para a diretoria e qual era a pegadinha
que ele iria aplicar nas próximas provas. Acabei rindo um pouco com o
assunto descontraído e esqueci dos problemas por um momento. Tinha
mesmo sido bom mandar mensagem para ele e praticamente o obrigar a me
chamar pra sair.
— Poderíamos ir ao cinema na sexta-feira — disse ele, animado. — O
que acha?
— Se eu estiver livre, tudo bem.
— Bruna, seu chefe a demitiu de uma forma bem injusta, depois correu
atrás para trazê-la de volta. Você não acha que está em condição de fazê-lo
comer na sua mão?
Ele estava com a sobrancelha arqueada e sua expressão era a mesma de
quem me propõe um assalto a banco. Eu só pensava nas últimas palavras
dele, algo sobre comer e mão, tudo junto. Benjamin comendo na minha mão.
Em que sentido isso ficaria mais interessante?
— Sim, eu sei... Pensarei nisso.
Minha atenção voltou-se para a conta que chegava e minhas entranhas
se contorceram. O homem que não era simpático entregou a Joseph o livrinho
preto que escondia o assalto disfarçado de comida e eu espiei dentro para ver
os números. Eu não tinha um bom ângulo de visão, mas me parecia ter
somente dois dígitos escritos ali no papel. Que fossem dois sim, por favor,
pois eu não podia arcar com três.
Respirei fundo e estiquei minha mão, esperando que Joseph me
entregasse a conta, mas ele me lançou um olhar estranho e recuou.
— O que está fazendo? — perguntou para mim.
— Ué, preciso saber o valor para pagar, não preciso?
— Você não vai pagar.
Eu não ia? Por um segundo, quase saí cantando e dançando, mas me
comportei como uma dama.
— Joseph, nós combinamos que eu pagaria da próxima vez —
esclareci, lembrando a ele do ocorrido. — Já estamos nessa próxima vez.
— Claro que eu me lembro, mas você acabou de passar por um período
estressante, então o combinado foi deixado de lado.
Abri e fechei a boca, enquanto o via pegar a carteira e puxar o cartão de
crédito. Só podia agradecer a todos os santos por me livrarem da enrascada,
mas no fundo, daquela vez eu realmente estava chateada por Joseph, mais
uma vez, pagar para mim. De qualquer forma, subiria até de joelhos a escada
de casa, só como forma de agradecimento.
O primeiro lance, apenas. Meus joelhos eram sensíveis demais.

Dizem que depois da tempestade sempre vem a bonança e eu nunca
realmente soube o valor desse ditado. Até agora. Foi mesmo meio
problemático tudo o que aconteceu, mas como eu tinha esperanças de
esquecer o episódio, nem me surpreendi com mais nada.
Minha vida estava indo bem, ou melhor, estava indo de acordo com a
maré. Não havia nada especial acontecendo, mas isso também era algo bom.
Minha meta era não me envolver mais com meu patrão ou pelo menos tentar
não pensar nele o dia todo. Dito isso, resolvi investir mais em mim. Ainda
não tinha levado adiante a ideia do curso porque depois do que houve, sentia-
me com o futuro muito incerto. Porém, não significava que eu não podia
aprender alguma coisa.
Cadastrei-me na biblioteca municipal e passei a frequentá-la três vezes
por semana. Eu deixava Sophia na escola e ia direto para lá. No começo me
sentia um pouco perdida, mas quando comecei a fazer disso uma rotina, até
Benjamin comentou um dia no jantar que eu estava diferente. E pela forma
como ele disse, senti que era mesmo um elogio.
Também passei a aceitar com mais frequência os convites de Joseph.
Não estávamos namorando, apenas passamos a nos ver mais vezes e eu até
começava a gostar da companhia dele, apesar de não me ver caída de amores
por aqueles dentes branquíssimos. Era alguém legal com quem passar o
tempo, uma companhia agradável, apenas isso.
— Bruna! — Eu estava sentada de frente para meu espelho que ficava
sobre a cômoda do quarto, com uma pinça na mão enquanto fazia minhas
sobrancelhas, quando Sophia pulou em minhas costas. Quase me ceguei. —
Nós vamos sair!
— Oi, Soso. — Soltei depressa a pinça antes que fizesse algum
movimento brusco e a enfiasse em meu crânio. — Que bom!
— Anda, se arruma! — ordenou a pestinha, pegando-me de surpresa.
Eu estava sendo incluída no passeio?
— Sophia, Bruna não é um cachorro para você falar desse jeito com ela
— disse a voz grossa.
Benjamin estava parado na porta do meu quarto, sorrindo para nós, com
os braços cruzados. Imaginei por um segundo, minha vida como um cachorro
dele. Eu, deitada de barriga para cima no sofá ao lado do meu dono, enquanto
ele assistia algo na televisão e alisava minhas tetas. Nunca visualizei uma
cena dessa como pornográfica, mas Benjamin Reed consegue mudar tudo na
minha cabeça.
— Você vai me dar um cachorro, pai?
— Não, querida — respondeu, coçando a cabeça. — Levando em
consideração o que você faz com suas bonecas, não acho que possa cuidar de
um ser vivo.
— E eu sinto ter que concordar com seu pai, Sophia.
— Mas eu ia cuidar bem dele... — Ela deu a volta e se sentou no meu
colo. — Ele ia dormir comigo e acordar comigo e eu levaria ele para fazer
xixi no vaso direitinho. E ele ia com a Bruna me levar na escola!
E depois a Bruna que se ferraria e teria que cuidar do bichinho pelo
resto do dia. Isso ela não pensou. Estava espantada olhando aquela boca que
não parava de se mexer nem para tomar fôlego. Era impressionante mesmo.
Sophia tinha ficado tanto tempo sem falar que parecia tentar a todo custo
recuperar o tempo perdido.
— Sophia, esqueceu que vamos sair, querida? — Benjamin continuava
parado na porta do quarto, encostado na moldura, na mesma posição.
— Tô esperando a Bruna.
— Ah, Soso... Eu tenho mesmo que ir? — perguntei, alisando seus
cabelos sedosos. — Você podia aproveitar o seu pai sozinha, que tal?
— Nós duas podemos aproveitar o meu pai. — A pessoa não sabe
mesmo o que diz, não é?
Pressionei meus lábios, sem saber o que dizer, e ela se levantou,
puxando minhas mãos. Não me passou despercebido a risadinha que
Benjamin tentou prender, sem sucesso algum. Amoleci meu corpo e deixei
que Sophia conseguisse me levantar da cadeira. Ela começou a me arrastar na
direção da porta, mas eu parei e me inclinei, segurando seus ombros.
— É sério, Soso. — Olhei bem nos olhos dela. — Vá com seu pai hoje,
eu prometo ir da próxima vez, tudo bem?
Desde que eu fui demitida e recontratada, não fizemos nenhum passeio
a três e eu ainda não me sentia confortável para a primeira vez. Talvez tenha
perdido um pouco do meu jeito de lidar com Benjamin, não conseguia
ignorar o fato de que ele esteve em cima de mim, prestes a tirar minha
virgindade.
— Sophia, não seja insistente. — Benjamin finalmente entrou no
quarto para intervir. — A Bruna tem as coisas dela para resolver.
— Isso mesmo! — Bati palmas, feliz por ele me ajudar. — E olha só,
eu vou ficar em casa para preparar um bolo bem gostoso para quando vocês
voltarem.
Os olhinhos astutos brilharam com aquela sugestão e Sophia sorriu toda
animada. Ela era bem formiguinha, louca por doces, e a comida de Abigail
seguia com afinco a linha fit saudável. Não que eu tivesse algo para reclamar,
a mulher cozinhava muito bem, só não tinha o costume de fazer agrados
culinários. Raramente eu via algum doce ser preparado naquela casa.
— De qual sabor? — perguntou a criança.
— Depende... — Estreitei meus olhos, preocupada. — De que sabor
você quer?
— De chocolate com doce de leite e nozes e uva!
Ela estava me sacaneando, não é? Vamos admitir rapidinho aqui que
não sabia fazer nem um bolo comum. Minha ideia era dar um pulinho no
mercado mais perto e comprar um pacote para bolo instantâneo, mas
duvidava que vendessem algo com doce de leite, nozes e a porra da uva. No
máximo, eu encontraria um de chocolate.
— Que tal algo mais simples, Soso?
— Menta com chocolate e castanha!
Onde foi mesmo que eu me meti?
— Precisa ser mais simples que isso — quase rosnei para ela.
— Chocolate está bom — Benjamin respondeu, parando atrás da filha e
colocando as mãos sobre os ombros dela, o que consequentemente,
significava sobre minhas mãos, pois eram elas que seguravam os ombros da
menina.
A reação imediata foi puxar minhas mãos no instante em que senti o
calor dele. Não era por estar tentando tocar a vida como se nada tivesse
acontecido, que eu já me sentia imune aos encantos do meu patrão. Meu
coração fraco ainda batia ridiculamente por ele cada vez que ouvia sua voz.
Estava lidando com tudo muito bem, mas queria deixar claro para Benjamin
que eu não voltaria a ter a intimidade de antes com ele. Seria somente sua
funcionária.
— Mas só chocolate? — Sophia fez beicinho, chateada.
— Querida, que tal aceitar o presente da Bruna, seja ele qual for? —
sugeriu o pai, mas nós duas sabíamos que era basicamente uma ordem.
Sophia balançou a cabeça, não muito satisfeita e eu sabia que aquela
diabinha ia me fazer rodar atrás de uma maldita mistura para bolo sabor
chocolate com menta. Ainda precisaria ver como faria o bolo sem mandar a
menina para o hospital por causa de sua alergia à proteína do leite. Tinha que
entrar na internet e me virar para achar substitutos para isso.
Terminei de limpar minhas sobrancelhas e troquei de roupa para ir ao
mercado, quando meu celular tocou e vi que era o professor. Atendi com um
pouco de pressa, mas não deixaria de falar com ele.
— Oi, Bruna, tudo bem? Está em casa?
A pergunta era óbvia demais e a resposta que ele esperava também. Das
últimas três vezes que ele me ligara despretensiosamente, também havia feito
a mesma pergunta. A desculpa era sempre que estava por perto e queria
aproveitar para me dar um oi.
— Por acaso você está pelas redondezas, Joseph? — perguntei,
esperando pela resposta e pegando minha bolsa para sair de casa.
— Talvez... — Ele riu.
— Ótimo, vou esperar por você na porta — respondi e encerrei a
ligação sem esperar resposta.
Dei uma última olhada no meu reflexo, no espelho da sala de estar, e
saí para esperar pelo professor. Ele não demorou mais do que dois minutos
para aparecer e antes que pudesse sair do carro para vir me cumprimentar, eu
já fui abrindo a porta do lado do carona e entrando.
— Você pode me levar ao mercado. E isso não é uma pergunta, é uma
ordem — avisei, bem querida, piscando meus cílios para ele. — Esse é o
preço de vir me ver, Joseph.
Ele levou alguns segundos para assimilar o que eu dizia, até que
gargalhou e começou a manobrar o carro.
— Parece que alguém está com pressa — murmurou, brincalhão. — Oi,
Bruna, também estou muito feliz em ver você.
— Também digo o mesmo. — Beijei seu rosto e sorri. — Agora
podemos ir? Por favor?
Eu tinha pouco tempo para fazer um bolo que saísse comestível de
alguma forma. Teria levado uns bons quinze minutos para chegar ao mercado
se fosse a pé, mas o carro de Joseph até que funcionava bem e rapidinho.
Num piscar de olhos eu já estava andando pelo corredor de doces, com um
professor resmungão atrás de mim.
— Não era bem isso que eu tinha em mente — reclamou, carregando a
cestinha. — Pensei em sairmos de verdade.
— Uns dois anos atrás eu também não tinha nada disso em mente. Mas
adivinha? Aqui estou eu, num país estranho, fazendo um bolo para a criança
da qual eu tomo conta. Sabe quantas vezes na vida eu fiz bolo? Zero.
Quando encontrei a seção que procurava, parei diante das prateleiras e
cruzei os braços. Não tinha de chocolate com menta, óbvio. E o pior era que
as opções disponíveis, todas indicavam que usasse leite para acrescentar à
mistura. Eu estava até segurando o pacotinho de chocolate, mas de repente,
me vi com medo de ter algum ingrediente ali que Sophia não pudesse
consumir e eu não soubesse.
— Joseph, vamos ter que esperar mais um pouquinho — avisei,
pegando meu celular e me encostando nas prateleiras enquanto entrava no
Google e digitava receitas de bolo para alérgicos à proteína do leite.
— Será que depois de tudo isso, eu pelo menos poderei provar o bolo?
— perguntou ele, parado ao meu lado.
— Vale lembrar que meu patrão não vai muito com a sua cara. —
Levantei meu rosto e sorri para ele. — Guardarei um pedaço pra você.
Consegui pegar uma receita que não parecia a coisa mais complicada
do mundo e comecei a catar os ingredientes necessários. Faria um bolo de
chocolate com cobertura de brigadeiro de morango, tudo muito saudável e
que eu rezaria para também ser muito gostoso. Comprei farinha, óleo de
coco, chocolate em pó, açúcar, ovos, leite condensado de soja e gelatina de
morango. Quando estava no caixa, precisei voltar correndo para pegar o
fermento, mas no fim deu tudo certo.
— Eu realmente levarei um pedaço pra você amanhã — prometi ao
professor quando ele me deixou em casa e nos despedimos. — Não prometo
que estará gostoso.
— Vou esperar.
Joseph encolheu os ombros e eu o observei por uns minutos antes de
apertar o ombro dele.
— Você tem sido um bom amigo para mim — falei, sincera, mas recebi
um olhar enviesado e quis rir.
— Não era bem isso que eu tinha em mente quando a chamei para sair
da primeira vez. — Ele suspirou e encolheu os ombros. — Mas vou continuar
aceitando essas migalhas, por enquanto.
Dei um beijo no rosto dele, sem querer estender o assunto, e saí do
carro com pressa para começar o preparo do bendito bolo.
Quando entrei na cozinha, flagrei uma cena que jamais se passou pela
minha cabeça. Abigail estava sentada, com as pernas esticadas na cadeira à
sua frente, e com um livro nas mãos. Tentei identificar de qual livro se
tratava, mas ao me perceber ali, ela se levantou com pressa e carregou o livro
para longe.
— Eu também adoro ler — gritei para que me ouvisse. — Podemos
criar um clube da leitura, Abi!
Suspirei, frustrada por ficar sozinha num lugar que eu não dominava.
Coloquei todas as compras sobre o balcão e comecei a separar as tigelas e a
forma que usaria. Não estava muito confiante sobre o tal leite condensado de
soja, mas não tinha outra opção e eu queria seguir a receita à risca. Se ficasse
ruim, teria a quem culpar.
— Vai fazer sujeira na minha cozinha? — Meu coração quase saiu pela
boca ao ouvir a governanta atrás de mim.
— Não! Eu juro!
Olhei para Abigail e sorri educadamente, tentando passar confiança
com minha postura. Eu podia ser atrapalhada, mas não era porca. E quem foi
que disse que a cozinha era dela? Quis bater o pé, falar que ela não era casada
com o Benjamin e que, portanto, a cozinha não era dela. E depois, daria a
língua. Bem infantil. Bem mimizenta. Mas optei por ficar quieta.
— Vou apenas fazer um bolo — esclareci, sentindo-me adulta.
Ela não ficou muito satisfeita, mas sentou-se numa cadeira perto de
mim e cruzou os braços. Poxa vida, se já era difícil fazer a coisa certa sem
ninguém assistindo, agora então é que eu ficaria com os nervos em
frangalhos.
Peguei com cuidado a batedeira, coloquei os ingredientes nas medidas
exatas e a liguei. E aqui, façamos uma pausa importante para que eu me
explique. Ser rico muda tudo na nossa realidade. Na minha vida antiga, lá no
Brasil, minha mãe só tinha dinheiro para comprar aquelas batedeiras baratas
de menos de cinquenta reais nas Casas Bahia, que pagava em suadas doze
prestações. A qualidade do aparelho não era excelente, nenhuma Brastemp, a
potência não era essa coisa toda. Isso quando funcionava, pois às vezes o
cabo dava mau contato e era preciso ficar mexendo na base do fio para
funcionar. Logo, quando liguei a gigante batedeira em inox da cozinha de
Abigail, que devia custar o meu salário de três meses, não estava preparada
para que fosse tudo aquilo. Não vi que estava na velocidade máxima e no
instante em que ela começou a funcionar, uma boa quantidade de farinha,
chocolate em pó e açúcar voou na minha cara e ao meu redor.
Depois que arranquei correndo a tomada da parede, virei devagar, bem
devagar, para Abigail. Ela continuava sentada, mas perto demais. O suficiente
para que estivesse com farinha no cabelo.
— Então — pigarreei, com medo de morrer. — Será que é melhor eu
bater em velocidade baixa?
A mulher se levantou em silêncio e perdeu algum tempo passando a
mão pelos cabelos, depois pela roupa... Até se livrar de todo aquele pó.
— Você suja, você limpa — declarou ela, antes de se retirar.
Dos males, o menor. Achei que fosse apanhar ou ser obrigada a limpar
a cozinha com a língua. Olhei para o estrago que fiz e considerei que ainda
tinha material suficiente para fazer o bolo. Eu não desistiria tão facilmente.
Respirei fundo, refiz todos os procedimentos e segurei firme na batedeira
demoníaca antes de começar a bater.
Horas depois, Benjamin e Sophia estavam sentados à mesa, cada um
comendo um pedaço do bolo pretinho — tinha queimado só um pouco —
com a cobertura rosa. Não estava perfeito, ficou torto demais para o lado
direito, mas estava inteiro.
— Está bom? — perguntei, orgulhosa.
— Ótimo! — o patrão respondeu.
— Huuuuum. — Sophia sorriu de boca fechada. — Muito bom!
Abri um sorriso agradecido e confiante, sem acreditar que tinha dado
certo. No fim, apesar do trabalho, era gratificante ver as pessoas comerem e
se deliciarem com algo que foi preparado com minhas mãos. Talvez eu até
pudesse começar a fazer bolo para vender e ganhar uma graninha a mais.
— Tem água? — perguntou Benjamin e eu quase revirei meus olhos.
Por que não teria água?
Saí para a cozinha para pegar uma garrafa e os copos, mas antes de
passar pela porta, consegui ouvir a voz de Sophia cochichar:
— Será que se eu jogar no vaso, vai entupir, pai?
Filha da mãe! Pensei em voltar e flagrar a conversa deles, mas deixei
para lá. Talvez tivesse que adiar meus planos de montar uma empresa de
culinária.
Com os dias que se passaram, a rotina mudou muito no relacionamento
de Benjamin e Sophia. Ele não se encontrou mais com Rose desde o dia da
festa, pelo menos até onde eu sabia, e uma noite chegou a contar para mim
que tinha mesmo terminado com ela. Isso possibilitou que estivesse mais
presente na vida da filha e os dois agora passavam bastante tempo juntos. Eu
tentava ao máximo recusar alguns pedidos de Sophia, para que saísse com os
dois. Era bom vê-los fazendo programas sozinhos de vez em quando,
aproveitando que a pestinha agora parecia um grilo falante e cheio de energia.
Tínhamos terminado de jantar e Sophia ria enquanto contava sobre
umas coisas que aprontava no colégio. Ela começou a falar sobre a hora do
recreio e, de repente, suspirou e fez beicinho.
— Queria comer um doce agora.
— Posso fazer um bolo — sugeri, só para provocá-la, porque me
lembrava bem que ela tinha detestado o meu.
Prendi o riso quando vi a criança arregalar os olhos e colocar um
sorriso falso no rosto. Sophia balançou a cabeça, negando minha sugestão.
— Podem falar a verdade, estava uma droga e vocês odiaram.
— Estava horrível! — os dois falaram ao mesmo tempo.
— Tinha gosto de ovo. Muito ovo — disse Sophia, fazendo careta.
— Nunca mais cozinhe, por favor — pediu o idiota do pai dela,
sorrindo e unindo as mãos. — Abigail ganha para isso, ou se for preciso,
compre pronto.
— Vocês são dois ingratos, isso sim. — Brinquei, me levantando e
começando a recolher a louça. — Não pensaram que eu tive a melhor das
intenções.
— Tava horrível, Bruna — frisou Sophia, como se a primeira vez não
fosse suficiente. — Mas te amo mesmo assim.
Pisquei para ela antes de ir para a cozinha com os pratos nas mãos.
Coloquei tudo na pia, observando a cozinha impecável como sempre, bem
diferente do dia em que me aventurei e a deixei em estado de calamidade
pública.
— Bruna, posso falar com você? — Levei um susto ao sentir Benjamin
muito perto de mim e me virei para ele. — O Dia de Ação de Graças está
chegando e eu já tinha feito alguns planos...
— Ação de Graças? — Arregalei os olhos, chocada. — Meu Deus, é
verdade. Vai ser minha primeira vez comemorando esse feriado! Faltam
quantos dias?
— Uma semana — respondeu ele e, por um instante, me senti aliviada
por não precisar preparar a ceia. — Fiz planos quando estava me
relacionando com Rose. Tinha pensado em passar o feriado de um jeito
diferente do habitual e reservei um chalé nas montanhas.
— Não dá para cancelar?
— Está muito em cima — disse, encolhendo os ombros. — Poderia
simplesmente não ir, mas pensei em usar a ocasião para levar Sophia. E ela
não vai querer viajar sem você.
Ah por favor! Ele queria que eu fosse para um chalé nas montanhas
passar a droga de um feriado? Deixa eu repetir: um chalé nas montanhas?
Será que tinha chaminé e era todinho feito de madeira?
— Não sei... — fingi não me importar muito com o convite.
— Será só um final de semana, Bruna. — Percebi que Benjamin não
fazia ideia de que, por dentro, eu estava extasiada. — Gostaria muito de levar
Sophia e passar esses dias com ela. E claro, com você também. O lugar é
lindo, absolutamente lindo.

E daí que eu estava me vendendo por causa de um chalé nas


montanhas? A questão é que eu não resisti e acabei aceitando o convite.
Claro que Sophia estava eufórica e não parava de falar no feriado em que
viajaríamos. Ela estava cheia de planos, inclusive os de caçar esquilos. Como
se eu tivesse condições mesmo de caçar alguma coisa na vida.
— Sério? Você não acha estranho? — Eu só tinha contado para Joseph,
por querer desesperadamente dividir a emoção com alguém, mas ele não
ficou feliz. — Ir para um lugar romântico desses com o seu chefe?
— Não, claro que não! — Revirei meus olhos, bem dramática e atriz.
— Benjamin nem olha para mim direito, é só uma viagem profissional. Para
tomar conta da Sophia.
— Bem, é uma pena... Tinha pensado em jantarmos juntos. — Ele
segurou minha mão, ficando todo sentimental. — Achei que seria legal.
— Joseph, eu vou para Lake Tahoe! Eu vou ver neve! Gosto de passar
o tempo com você, mas isso vai ser mais do que legal. Vai ser fantástico!
Como fazê-lo entender que no Brasil, as únicas viagens que eu fazia
eram na época do carnaval, quando ia com os amigos para alguma casa
alugada na região dos lagos, casa essa que a gente fazia vaquinha para pagar,
onde tínhamos que comer miojo. Isso tudo na época do carnaval, com o sol
queimando em seus 40º e a gente numa casa que no máximo, tinha alguns
ventiladores de teto. Era divertido, mas não era um chalé nas montanhas com
Benjamin Reed e uma ceia divina de Ação de Graças.
Congelei, ao perceber um pequeno detalhe. Fiquei com ele na cabeça
até encontrar com Benjamin à noite, em casa. Tinha escutado quando chegou
e se trancou no escritório, então eu fui até lá e bati na porta com educação.
Quando mandou entrar, coloquei só a cabeça para dentro e sorri.
— Tenho uma dúvida urgente!
Meu patrão parecia cansado. Tirou a gravata, jogou-a sobre a mesa e se
sentou.
— Que dúvida? — Quis saber.
— O Dia de Ação de Graças vem junto com uma baita ceia, não é?
— Sim... — Ele estreitou os olhos para mim, querendo saber onde eu
pretendia chegar.
— Abigail vai também?
— Não — respondeu.
— Então quem vai fazer a ceia?
Não é que eu só pense em comida, mas minha pergunta era muito
importante. Porque se ele estava esperando que eu salvasse o feriado deles,
era mais fácil me deixar para trás. Imagine ter que preparar um peru? No
Natal lá no Brasil, minha mãe comprava um Chester que já vinha quase
pronto e ela mesma lidava com o bicho, não eu.
Benjamin sorriu e piscou para mim, todo sedutor. Ele passou a
desabotoar camisa e minha imaginação começou a voar intensamente junto
com os dedos dele. Por fim, tirou o pedaço de pano e se acomodou melhor na
cadeira, ligando seu computador.
— Você não sabe, mas sou um cozinheiro incrível — declarou,
sorrindo.
Ele era? Bem, devia ser, considerando que estava cozinhando o calor
dentro da minha roupa. Só consegui balançar minha cabeça e aceitar o que
disse, então voltei para meu quarto e o deixei trabalhar em paz.
Resolvi dormir cedo porque no dia seguinte viajaríamos em direção ao
pico das montanhas. Algo do tipo, não tenho certeza. Só sabia que ficava nas
montanhas e tinha neve para todos os lados.
Acordei com o ar me faltando nos pulmões e ao abrir os olhos, vi que
Sophia estava literalmente em cima de mim. Ela tinha aquele sorriso enorme
no rosto e já estava arrumada para sair de casa.
— Acoooooorda, Bruna!
— Bom dia para você também, Soso. — Empurrei-a para o lado e me
sentei na cama, tentando arrumar o cabelo no lugar onde ele deveria ficar, ou
seja, fora dos meus olhos.
— Anda, anda! Papai vai embora sem a gente!
— Duvido muito.
Ele gritou o nome dela em algum lugar e a criança saiu saltitando pelo
meu quarto. Olhei no despertador para constatar que nem eram nove horas da
manhã ainda. Sabia que Benjamin tinha tirado o dia de folga para pegarmos a
estrada ainda cedo, mas não me avisaram que seria tão cedo assim.
Pulei da cama tentando espantar o sono e indo direto para o banho, pois
minhas malas já estavam prontas desde a noite passada. Precisei de duas para
um único final de semana, pois Benjamin me fizera comprar alguns agasalhos
que eu não tinha e que ocupavam praticamente uma mala inteira.
Estava descendo a escada e tentando carregá-las sem muito sucesso
quando ele apareceu para me ajudar. Sentia uma raiva tremenda quando via a
facilidade com a qual um homem sempre conseguia levantar uma mala do
chão, por mais cheia de sapatos que ela estivesse.
— Abigail já foi embora, você pode conferir se está tudo desligado na
cozinha e no quarto dela? — pediu, enquanto descia a escada com as mãos
ocupadas.
Ele poderia me pedir tudo naquela manhã que nada tiraria minha
alegria. Entrei na cozinha e conferi aparelho por aparelho. Depois fui até a
área de serviço e cheguei ao quarto da Abigail. Claro que estaria tudo na mais
perfeita ordem, ela sempre era impecável. Mas quando eu ia fechando a
porta, vi um livro sobre sua cama. O livro que ela lia no dia que fiz o bolo.
Quando peguei na mão e olhei para a capa, meu queixo caiu. Era um
livro da mesma autora brasileira que tinha escrito Chefe da Máfia. O que a
Abigail estava lendo, chamava-se SS PLEASURY e eu nem sabia que tinha
sido traduzido para o inglês. Não conhecia a história, mas numa lida rápida
da sinopse, dizia que se tratava de dois irmãos gêmeos que eram atores
pornôs e viviam um trisal com uma mulher. Que interessante!
— Que mal vai fazer se eu levar e trouxer de volta, né? — Ela não
estava mesmo em casa, então não sentiria falta dele, por isso, decidi levá-lo
na viagem.
Benjamin tinha terminado de abastecer o carro com todas as nossas
coisas — inclusive o peru, muito importante. A porta traseira estava aberta e
as pernas de Sophia balançavam no ar enquanto ela esperava.
— Prontas? — ele perguntou ao bater a mala e tatear o bolso à procura
das chaves. — Podemos ir? Quero tentar evitar a neblina na estrada.
— Papai, é bonito lá? — Sophia quis saber quando ele começou a
dirigir.
— É lindo, querida.
Ela estava com a cabeça enfiada no espaço entre nossos bancos e eu
sabia que a ansiedade a consumia. Apertei sua bochecha e sorri, notando que
Benjamin nos observava discretamente.
— Vamos demorar muito para chegar? — ela perguntou.
— Algumas horas, meu anjo. — Ele virou a cabeça rapidamente para
ela. — Sophia, sente-se direito e coloque o cinto de segurança.
A menina obedeceu rapidamente porque eu sabia que ela não queria
estressar Benjamin justo durante nossa primeira viagem. Então meus ouvidos
quase explodiram quando Sophia começou a cantar a música que tocava na
rádio, fazendo com que eu e Benjamin desatássemos a rir. Ela ria também,
mas continuava cantando, o que ficava pior ainda.
— Soso, se você continuar cantando, seu pai vai bater com o carro.
— Eu canto muito bem, Bruna!
— Ah claro. — Gargalhei. — Deixa eu te mostrar como se faz, ok?
Comecei a cantar a letra conforme me lembrava, mas não era uma
música muito recente e confesso que errei algumas palavras.
— Vocês são péssimas cantoras — declarou o engomadinho do
Benjamin, recebendo uma careta minha. Ele suspirou e me olhou de um jeito
divertido, balançando a cabeça como se estivesse muito atordoado. — Pelo
visto, terei que ensinar como se faz.
Então meu chefe começou a cantar no ritmo da música — o ritmo que
eu e Sophia não conseguíamos acompanhar — e descobri que o filho da mãe
cantava muito bem. Possuía um timbre bonito, a voz grave e... Havia alguma
coisa que aquele homem insuportável não fizesse bem feito?
Encostei a cabeça no banco e sorri, feliz, sem nenhum motivo
específico. Como ainda estava com sono, fechei os olhos por um instante,
embalada pela música que Benjamin e Sophia cantavam, só para tirar um
cochilo, mas devo ter me empolgado porque de repente, fui sacodida por
Benjamim.
— Bruna! — Abri os olhos e encarei os dele, lindos como sempre. —
Chegamos, bela adormecida.
— Sério? — Eu me ajeite no banco e olhei pela janela, passando a mão
na boca discretamente para me certificar de que não tinha babado. — Não
acredito que perdi a paisagem!
Já era fim de tarde, mas ainda havia uma pequena claridade no céu e
eu queria muito ter apreciado o caminho. Benjamin abriu a porta e saltou do
carro, ajudando Sophia a fazer o mesmo. Eu os acompanhei e enquanto ele
tirava a bagagem da mala, parei de frente para a construção inacreditável que
estava diante de meus olhos.
— Puta merda, isso é a porra de um chalé? — Estava chocada com a
visão. — Eu pensei que fosse algo parecido com... um chalé. Humilde.
Parei de frente para a construção e fiquei sem mais palavras. O tempo
todo eu idealizei na mente uma cabaninha de madeira, daquelas que a gente
vê em filme, que mal tem espaço para estender um lençol de casal no chão da
sala. Tudo bem, confesso que talvez fosse um pouco de exagero de minha
parte. mas de tudo que eu imaginei, não tinha chegado nem perto do que
realmente era. Basicamente, uma mansão nas montanhas.
— Gostaram? — Benjamin estava parado ao meu lado, segurando a
mão de Sophia e olhando para mim. — Eu tinha visto só por fotos e já tinha
achado bonito, mas pessoalmente é bem melhor.
— Se eu gostei? Acho que vou ficar com esse sorriso idiota no rosto
durante um mês. — Apontei para minha boca. — Está vendo, não consigo
desfazê-lo. Passarei o dia assim.
Mantive o sorriso e observei Sophia saltitando na direção da casa.
Achei incrível o fato de ela não ter se esborrachado naquela neve, enquanto
eu, com os poucos passos que dei, quase atolei. Não estava acostumada a
pisar naquela coisa macia, fofa e estranha.
— Agora você entende que não dava para deixar de vir, certo? —
comentou Benjamin, começando a descarregar a mala do carro.
— Sim, claro. Eu nem teria me perdoado se tivesse deixado essa
belezura passar.
— Com certeza, não. — Benjamin me encarou, muito sério, e eu não
tinha mais certeza de que estávamos falando sobre a mesma coisa.
Passei por ele, me concentrando nos passos lentos e cuidadosos, não
queria me colocar em situações constrangedoras, como cair de bunda na neve
nos meus primeiros minutos de viagem. Quando terminei de subir o lance de
escada e passei pela enorme varanda, entrei na casa e vi Sophia correndo pelo
lugar. Se do lado de fora eu já tinha ficado extasiada, ao olhar por dentro
poderia ser capaz de ter um orgasmo. Os ambientes eram decorados de forma
rústica, mas muito aconchegante.
— Já escolhi o meu quarto! — gritou a criança, aparecendo no guarda-
corpo do segundo andar.
— Você não perde tempo, Soso.
— Vem, Bruna, vem escolher o seu! — Ela desceu correndo e me
puxou pela mão para me carregar lá para cima.
— Deixem um quarto legal para mim, ok? — Benjamin gritou lá da
sala e eu ainda tive tempo de virar para trás e ver seu sorriso de orelha a
orelha.
O segundo andar parecia ter quartos maravilhosos, mas Sophia tinha
escolhido um que ficava no final do corredor e insistiu para que eu pegasse o
do lado dela. Como todos eram basicamente iguais, com o mesmo estilo de
decoração, não fiz muita questão de fazer uma escolha minuciosa.
— Vamos escolher o do meu pai agora?
— Acho que ele pode fazer isso sozinho — respondi, porque eu não
tinha nada a ver com aquilo.
— Mas eu queria escolher...
— Você já escolheu o meu e o seu, está ótimo. — Encolhi meus
ombros e apertei o nariz dela. — Deixe seu pai escolher o dele.
Eu estava mais preocupada em pegar minhas malas e vestir algo mais
confortável, pois tinha colocado um casaco pesado e ainda estava com
aqueles sapatos incômodos.

Sophia estava em estado de graça. Ria de tudo e saiu correndo do


quarto, saltitante como um pônei. Tinha dormido tempo demais na viagem,
então estava um pouco letárgica, não conseguia acompanhar o ritmo dela.
Sentei na cama fofa coberta com uma manta quentinha e olhei em
volta. Se eu e Benjamin fôssemos um casal, aquele lugar poderia ser um
cenário de conto de fadas.
— Vai ficar nesse?
Levantei-me depressa e me virei na direção da porta, para encontrar
meu patrão parado ali, com minhas malas aos seus pés e os braços cruzados,
observando minha escolha.
— Por livre e espontânea pressão de Sophia — expliquei e ele sorriu.
— Ah, claro. Ela já me mostrou meu quarto também.
— Deixa eu adivinhar... É este aqui ao lado.
— Exatamente.
Apesar do clima bem frio, senti meu rosto ficar quente e Benjamin deve
ter percebido a vermelhidão, pois tratou de se adiantar.
— Mas eu posso pegar o que é mais afastado e deixar essa ala da casa
só para vocês, meninas, se preferir. — O coitado parecia achar que eu não o
queria por perto, mas a verdade é que nem eu sabia o que queria.
— Não precisa.
— Mesmo?
— Sim. Por mim, não tem nenhum problema — tranquilizei-o. —
Além do mais, Sophia dificultaria sua mudança.
Ele não precisava saber que eu, no fundo, preferia que ele ficasse por
perto. Aproximei-me para puxar minhas malas e iniciar a arrumação, mas
quando me curvei na direção delas, Benjamin segurou-me pelos braços e me
fez levantar.
— Queria agradecer por você ter vindo. Estou feliz por estarmos todos
aqui.
— Todos, menos Rose, né? — Mordi a língua e me xinguei
mentalmente por tocar no nome da víbora.
— Achei que tivesse ficado claro que não estou mais com Rose.
Senti borboletas no estômago e não sabia se era por causa daquela
declaração ou pelo olhar que ele sustentava. Tive que passar a língua pelos
meus lábios ressecados e esperei que Benjamin não pensasse que isso era
algum jogo sensual.
— Eu sinto muito que não tenha dado certo entre vocês dois —
comentei, sem muita sinceridade no coração.
— Bruna, eu não quero passar o feriado falando da Rose. — Ele
arregalou os olhos e arqueou as sobrancelhas, fazendo eu me sentir uma
idiota por ter tocado no nome dela.
Benjamin pediu licença para terminar de trazer as coisas do carro para
dentro de casa e eu aproveitei a oportunidade para me ajeitar no quarto.
Separei minhas roupas em duas pilhas: uma na categoria “para ficar bonitinha
e desejável” e a outra na categoria “estou feia, mas estou aquecida”. Para
minha infelicidade, a segunda pilha era bem maior do que a primeira. Não
que eu tivesse intenções em parecer bonitinha para Benjamin. O que houve
entre nós estava também no passado, como Rose.

Tinha terminado de desfazer minhas malas e tomar um banho bem
demorado na deliciosa banheira que veio de brinde com o quarto, quando
ouvi música alta vindo de algum lugar da casa. Desci a escada rústicas e me
deparei com uma cena um tanto inesperada: Benjamin e Sophia dançando ao
som de Walking On Sunshine. A menina deslizava com suas meias coloridas
pelo piso de madeira e o pai a rodopiava, segurando sua pequena mão acima
da cabeça.
— Bruna!
Nem tinha percebido que estava observando o espetáculo com um
sorriso bobo na cara. Sophia se soltou de Benjamin e correu na minha
direção, abraçando minha cintura e me puxando na direção de onde veio.
— Vem dançar! — pediu.
— Prefiro só assistir, Soso...
— Pai, faz a Bruna dançar com a gente!
Naquele momento eu estava mais preocupada com o cheiro
extremamente maravilhoso que vinha da cozinha e meu estômago estava
sendo calado pelo volume da música. Benjamin sorriu meio sem jeito e deu
de ombros.
— Você sabe que Sophia vence pelo cansaço, né?
Como ele começou a vir na minha direção e tudo que eu não queria era
ficar dançando que nem uma maluca por aí, tratei de mudar a conversa o mais
rápido que pude. Inspirei exageradamente e alisei a barriga.
— Que cheiro bom é esse?
— Nosso jantar, deve estar quase pronto. — Ele sorriu. — Vamos dar
uma olhada.
Acompanhei-o até a cozinha e fiquei surpresa ao constatar que o
homem era muito organizado. Estava tudo arrumadinho, limpo e com o
cheiro delicioso da comida. Ele me levou até o fogão e me fez provar um
tempero de sabor incrível.
— O que você está fazendo afinal? — perguntei para ficar ainda mais
ansiosa.
— Frango ao curry. Gosta?
— Claro, adoro! — Não que eu tivesse comido alguma vez na vida,
mas ele não precisava saber.
— Pode me ajudar a colocar a mesa? — perguntou e me passou os
pratos, que segurei, pensando que aquele homem era bom demais para mim.
Dei uma ajeitadinha na mesa com a ajuda da Sophia, que distribuiu os
talheres e guardanapos, e depois voltei para a cozinha, encontrando o
cozinheiro mexendo numa panela, muito concentrado.
— Quer provar um pouco? — Maldito Benjamin! Ele fez aquilo que
todo homem gostoso que sabe cozinhar costuma fazer e derreter as mulheres:
trouxe a colher com um pouco do molho até minha boca, colocando uma mão
por baixo para não pingar em mim.
— Nossa, muito bom!
O gosto era mesmo ótimo e isso atiçou ainda mais minha fome. Talvez
se eu pulasse sobre Benjamin e comesse... Não! Não vá por esse caminho,
Bruna! Pisquei algumas vezes para limpar as imagens da minha mente e saí
daquele ambiente erótico.
— Bruna, senta aqui. — Sophia bateu com a mão numa cadeira
aleatória e eu me sentei. — Pronto, agora eu sento aqui e o papai aqui.
— Soso, você gosta de mandar nos outros, não é mesmo?
— Aham! — ela respondeu toda séria, mexendo nos talheres pela
décima vez. Colocou o guardanapo no colo, depois na mesa, depois no colo
de novo e por fim, novamente sobre a mesa. Me olhou, me estudando, mas
meu guardanapo ainda estava intacto. — Você não vai usar o seu?
— Vou sim, claro. — E continuou me olhando. A vontade que tive foi
de não fazer nada só para que ela continuasse curiosa e em dúvida, mas por
fim, abri o guardanapo e estendi em meu colo.
— Vamos jantar! — Ela levou o tecido de volta para o colo e cruzou as
mãos sobre a mesa.
Quase me inclinei para apertar aquelas bochechas fofas, mas fui mais
uma vez pega de surpresa pelo cheiro que agora inundava a sala de jantar.
Benjamin trazia a tigela fumegante com o frango e eu imaginava quanto
tempo demoraria para que pudéssemos começar a comer.
— Eu espero que as senhoritas estejam com muita fome, pois acabei
errando a mão e fazendo uma quantidade exagerada para três pessoas. Bem,
duas pessoas e uma metade. — passou a mão na cabeça da filha.
Confesso que naquele momento me senti um pouco envergonhada.
Comer em casa, onde eu trabalhava, era uma coisa. Nesse lugar lindo em
pleno feriado e sozinha com pai e filha, era bem estranho. Como se eu fizesse
parte daquilo, da família, mas ao mesmo tempo me sentindo uma intrusa. Ia
esperar que os dois se servissem primeiro, mas Benjamin acabou servindo a
mim e Sophia.
Lá pela metade do jantar, quando Sophia finalmente ficou sem assunto,
Benjamin olhou para mim enquanto eu repetia o frango pela terceira vez.
— Você avisou ao Joseph que vinha para cá? — ele me perguntou,
muito casualmente.
— Ao Joseph? — Franzi a testa. — Sim, avisei...
— Ele não se importou?
— Por que ele se importaria?
— Vocês não estão namorando ou algo do tipo? — O mocinho não me
olhou enquanto terminava a pergunta. — Vocês saem juntos com muita
frequência ultimamente.
— O Joseph é feio e chato! — Sophia se intrometeu, largou os talheres
e cruzou os braços. — Eu detesto ele!
— Sophia! — Benjamin ficou vermelho. — Você não pode falar assim
dos amigos da Bruna. Goste dele ou não, guarde sua opinião para você.
Estamos entendidos?
— Tudo bem, eu não me importo. — Toquei o braço de Benjamin para
que olhasse para mim e assim que ele o fez, tirei minha mão. — Eu sei que
ela não gosta dele. Na verdade, eu sei quase tudo, ou tudo, que se passa nessa
cabecinha.
Ele suspirou e recostou-se na cadeira, olhando para Sophia, que fingia
não estar nem aí.
— Eu só queria que Sophia, agora que voltou a falar, pudesse filtrar o
que diz e agir como uma mocinha. Está me ouvindo, filha?
— Mas eu não ligo, Benjamin.
— Eu sei que não liga e isso é uma das coisas que adoro em você. —
Sorriu para mim. — Mas outras pessoas ligam.
Ele adorava alguma coisa em mim? Meu coração virou gelatina e o
pedaço de frango que eu engoli quase entalou na minha garganta. Evitei ao
máximo fazer contato visual para que meu corpo não me dedurasse e me
concentrei em remexer o prato.
— Eu não ligo! — ela falou mais uma vez e eu ri.
— Claro que não liga. — Acabei rindo porque estava bem claro que
Sophia, agora, só queria irritar o pai. — E sobre Joseph, não estamos
namorando, somos apenas amigos.
Como ele estava mastigando, apenas balançou a cabeça e encerramos o
assunto. Meus pensamentos acabaram voltando-se para Joseph, que sempre
foi bem legal na presença de Sophia e me perguntei se a menina não teria, por
acaso, implicância com qualquer pessoa que tentasse algum relacionamento
comigo ou com Benjamin.
Apesar de estarmos viajando e ser véspera de feriado, Benjamin não
deixou que a menina ficasse acordada até muito tarde. Passava um pouco das
onze quando ele subiu com ela nos braços, já bastante sonolenta. No meio do
caminho, ela murmurou meu nome e estendeu a mão na minha direção, o que
fez com que o pai olhasse sobre os ombros e acenasse para que eu fosse
junto.
Entrei no quarto atrás deles e o observei colocá-la na cama, vestida com
o pijama de flanela da Barbie. Quando puxou o cobertor, beijou-a na testa e
alisou o rosto dela.
— Boa noite, meu anjo.
— Bruna... — ela me chamou e eu dei a volta até o outro lado da cama.
Já sabia o que Sophia queria, então me sentei ao lado dela e segurei sua mão.
— Tô com sono... Boa noite.
— Boa noite, Soso.
— Eu te amo — ela sussurrou no momento em que eu beijava seus
cabelos — mamãe...
Arregalei os olhos, sem acreditar que ela tinha dito mesmo aquelas
palavras. Permaneci imóvel, só me movimentei quando vi que Sophia tinha
fechado os olhos e se virado de bruços. Benjamin me encarou, depois fixou
os olhos nas costas da filha, até que saiu do quarto mais rápido que um
foguete.
Eu me retirei uns segundos depois e o encontrei encostado na parede de
frente para a porta, com a cabeça inclinada para trás e os olhos grudados no
teto, pensativo.
— Isso acaba comigo — murmurou, com os ombros caídos e um
semblante triste demais. — Tenho tanto dinheiro e nada foi suficiente. Eu me
sinto impotente por Sophia não ter tido mais tempo para curtir a mãe dela.
— Oh não, Benjamin. — Eu me aproximei, sem saber o que fazer, mas
acabei colocando uma mão em seu ombro. — Não é culpa sua.
Ele baixou a cabeça e a balançou, por fim, voltou a me olhar e notei a
umidade em seus olhos. Queria ter coisas bonitas e confortantes a dizer, mas
nunca sabia como consolar pessoas em luto.
— Sinto muito pelo que Sophia falou lá dentro — comentei, sentindo-
me uma impostora. — Foi a primeira vez que ela disse algo do tipo, mas sei
que é errado. Amanhã eu conversarei com ela e...
— Bruna. — Benjamin me segurou pelos braços e me fez parar de
falar. — Você está brincando? Desde que perdeu a mãe, Sophia nunca foi tão
feliz. Ela é louca por você, não me importo como a chama.
Mas eu me importava, foi o que quis dizer. Me importava porque coisas
desse tipo balançavam o meu pobre coração apaixonado. Como eu poderia
esquecer Benjamin se a própria filha dele começasse a me chamar de mãe?
Era uma ilusão atrás da outra, a iniciar por essa viagem, esse chalé, esse
homem com o rosto tão próximo do meu e palavras bonitas saindo por sua
boca.
Sei que foi impulso do momento, porque ainda estava em choque pelo
que ouvi de Sophia e por tudo que vivemos essa noite que foi tão boa. O que
fiz, talvez me fosse cobrado no dia seguinte, mas apenas puxei o rosto de
Benjamin e o beijei na boca.
Para minha surpresa, ele me correspondeu. Nos primeiros dois
segundos Benjamin permaneceu parado, processando a situação, mas
recuperou a consciência rapidamente e já estava enfiando a língua na minha
boca e grudando meu corpo no dele. E como o cérebro da gente é sempre
aquele pentelho que nos incomoda sempre que pode, tentando ao máximo
atrapalhar as ideias do coração, ele agiu logo em seguida, me lembrando do
que Benjamin tinha feito comigo, o que foi suficiente para me fazer pisar no
freio.
— Droga. — Afastei-me dele e ajeitei os cabelos. — Desculpe por isso,
acho que o vinho pegou rápido em mim.
— Nós não bebemos vinho, Bruna. — Ele riu e me amaldiçoei por
olhar para aquela boca vermelha.
— Não bebemos? Que estranho. — Fiz cara de pensativa. — Bem,
melhor ir dormir...
Tentei entrar no meu quarto, mas ele segurou meu braço e me grudou
contra a porta. Eu precisava mergulhar na banheira de água gelada e
permanecer lá dentro até que nenhum nervinho do meu corpo pensasse em
Benjamin.
— Vamos conversar um pouco, por favor — pediu. — Eu quero mais,
Bruna.
— Eu acho melhor não...
— Olhe para mim, por favor. — O homem cheiroso segurou meu
queixo e forçou-me a erguer os olhos. — Se você não tivesse me beijado, eu
mesmo teria feito isso.
— Acho que você está emocionado com a Sophia e se deixou levar. —
Desviei o olhar daqueles olhos penetrantes.
— Isso não tem nada a ver com Sophia. Esse assunto está há semanas
pendente entre nós. — Benjamin parecia exasperado, esfregando o rosto e os
cabelos, tudo ao mesmo tempo e depois voltando a me encarar. — Não
aguento mais isso. Quando não sou eu complicando as coisas, é você.
Ele olhou para o quarto de Sophia, foi até lá e fechou a porta para que
ela não ouvisse nossa conversa. Aproveitei o momento e passei por debaixo
do braço dele, fiz o mesmo caminho e abri um pouquinho a porta, deixando
passar só um feixe de luz.
— Ela não dorme bem com a porta totalmente fechada — expliquei
para garantir que ele não esquecesse nunca mais. — Até dorme, sabe? Mas se
acordar no meio da noite, acaba levantando e abrindo, pois se sente sufocada.
Benjamin agora bloqueava completamente o caminho de volta para
meu quarto e me olhava bem mais sério do que de costume. Ele segurou
minha mão, eu tentei puxar, mas ele fez mais força e se aproximou, levando
os nós dos meus dedos de encontro aos seus lábios.
— Podemos passar por cima de todos os problemas que aconteceram
até hoje?
— Benjamin...
— Você pode ao menos pensar nisso?
— Você me magoou — falei olhando para minhas pantufas. — Contei
coisas importantes sobre minha intimidade pra você, num momento que eu
nunca vivi com mais ninguém, e mesmo assim você me largou sozinha na
cama.
Foi difícil demais falar tudo isso com o homem sedutor beijando meu
pulso bem devagar. Calafrios percorreram meu corpo e precisei respirar
fundo para não pular em cima dele.
— Eu sou bom em recompensas — disse Benjamin. — Posso fazer
você esquecer aquele dia horrível e te reconquistar, se for o caso.
Tive que rezar para todos os santos brasileiros e ainda tentei pensar se
conhecia algum americano, para ajudar a manter a linha. Quando ele teve a
audácia de pegar minha outra mão, eu pensei que fosse desmaiar se sentisse
sua boca em mais algum outro lugar. Só que Benjamin, é claro, parecia saber
muito bem o que estava arquitetando, porque me puxou para mais perto e
levou minhas mãos até seu pescoço. Desse jeito não só me imobilizava, como
tinha minha boca muito perto da sua.
— Por que você fica evitando me olhar diretamente nos olhos?
— Porque sim... — respondi, como uma lesada.
— Desce comigo, eu acendo a lareira, a gente toma um vinho... —
Meus olhos não estavam no mesmo nível que os dele, mas vi seu sorriso. —
Você pode até usar depois a sua desculpa do vinho. Não precisamos fazer
nada, só conversar. — Eu o encarei, pois era claro que não acreditava naquele
discurso. Ele sorriu de novo. — Tudo bem, talvez role alguns beijos.
— Não quero fazer nada que venha me arrepender depois... — Suspirei,
olhando a porta do meu quarto bem atrás dele.
Demorou um pouco para eu perceber que Benjamin não segurava mais
as mãos, que agora estavam confortavelmente enlaçando seu pescoço. Já seus
dedos longos seguravam em cada lado de meu corpo, na altura das costelas, e
cada vez que me apertavam, eu sentia entre as pernas.
— Por qual motivo você se arrependeria de conversar comigo?
— Eu trabalho para você. — Tomei coragem de me impor e estufei o
peito. — Não quero mais misturar as coisas, porque não quero correr o risco
de ver nossa relação se tornar estranha, como aconteceu quando você me
demitiu.
Ele se afastou, fingindo estar em choque com minhas palavras, mas eu
sabia que era tudo fingimento. Balançou a cabeça, sorrindo daquele jeitinho
sacana e irresistível.
— Se você insistir nessa teimosia, sou capaz de te demitir novamente.
— Quando percebeu que eu ia retrucar, enfiou uma mão pelos meus cabelos e
segurou minha nuca. — Mas tudo por baixo dos panos, assim você não perde
o visto e eu posso ficar contigo.
FICAR COMIGO?
Alguém devia ensinar esse homem a falar coisas mais simples para não
iludir nenhuma mulher pelo caminho.
— Muito engraçado. — Estremeci, sentindo meus joelhos bambos e o
calor crescendo conforme ele aproximava a boca da minha. — Benjamin, por
favor, me deixe ir para o quarto.
— Você promete que vai pensar com carinho? — sussurrou perto do
meu ouvido, a boca tocando de leve minha pele.
— Prometo.
— Então, boa noite. — Ele deixou um beijo demorado na base do meu
pescoço, para em seguida sair do caminho e ir para seu próprio quarto.
Entrei apressada no meu e fechei a porta o mais depressa possível para
não ser surpreendida com um Benjamin mudando de ideia. Percebi que
estava suando e tirei um pouco minha blusa, usando-a para me abanar. Nunca
pensei que um feriado de Ação de Graças no meio da neve, pudesse ser tão
quente.
Depois de muito pensar, rolar na cama de um lado para o outro e
perceber que o sono tinha ido embora correndo com medo de Benjamin,
resolvi pegar o livro de Abigail para ler. Acendi a luz da cabeceira e afofei os
travesseiros atrás de mim. A capa era muito bonita, com dois homens
seminus estampados nela, e exalava erotismo. Enfim, abri na primeira página
e comecei a ler a história que prometia tantas emoções e suspiros
apaixonados.
Misericórdia! Terminei de ler a última página e fechei o livro maldito.
Sabia que o dia já tinha amanhecido e logo Sophia e Benjamin estariam
acordados e procurariam pelo que restou de Bruna. Mas eu simplesmente não
tinha forças para me levantar, estava acabada. Passei a madrugada inteira
devorando o livro que Abigail me emprestou sem saber, e agora, eu me sentia
um zumbi.
De uma única coisa eu tinha certeza: não queria viver num mundo onde
as coisas que li no livro aconteciam somente na vida de algumas pessoas
privilegiadas. Por que Deus era tão seletivo a ponto de só deixar que poucas
felizardas pudessem ter dois gêmeos fortes, loiros e deuses do sexo, só para
elas? Por que não criar dois machos gostosos para cada mulher no mundo?
— Bruna? — Meus olhos, que eram a única coisa que funcionava
direito em meu corpo, moveram-se na direção da porta. — Está acordada?
Algum som saiu pela minha boca, mas eu sequer sabia o que
significava. Muito a contragosto, arrastei-me pelo quarto e girei a chave para
destrancar a porta. Benjamin estava lindamente impecável sorrindo para mim,
mas o tal sorriso se desmanchou em segundos e sua testa criou rugas.
— Você está bem? — perguntou, parecia preocupado de verdade.
— Sim.
— Parece que não dormiu direito...
— Não dormi.
— Sério? — Ele tocou meu rosto com delicadeza. — O que houve?
Seus olhos estão até meio vermelhos, sabia?
— Estava lendo — respondi no modo zumbi.
Benjamin arqueou uma sobrancelha, passou por mim e entrou no
quarto. Olhou o livro em cima da cama, mas felizmente a capa estava virada
para baixo.
— Você ficou acordada a noite toda por causa de um livro? — ele
parecia muito surpreso, como se isso fosse impossível. Ah, se soubesse...
— Isso.
— A noite inteira?
— A história é ótima.
Ele me conduziu até a cama e me fez sentar. Arrisco dizer que depois
de tudo que li e senti, ter o Benjamin sentado bem perto de mim... Bem,
naquele momento, ele corria um grande perigo.
Ah, que nada. A quem eu queria enganar? Estava esgotada! Ter
orgasmos múltiplos — alguns até mentais — cansa mais do que eu
imaginava. Porque convenhamos, é impossível ler o que eu li e não gozar
junto com a protagonista.
— Benjamin, você já fez ménage? — perguntei, mas só quando ouvi a
frase em voz alta, percebi que não devia ter dito nada.
— O quê? — O pobre coitado que estava muito perto de ser agarrado
parou de arrumar meus travesseiros e me encarou, assustado. — Que tipo de
livro você estava lendo?
Ele esticou a mão para pegar meu precioso, mas eu fui mais rápida e
peguei antes, abraçando-o e escondendo a capa contra meus peitos.
— Minha pergunta não tem nada a ver com o livro.
Benjamin riu, levantando-se e mexendo nos próprios cabelos. Eu
amava quando fazia isso e se bagunçava todo. Achei que fosse me chamar de
louca ou tarada e sair do meu quarto, mas em vez disso, agiu muito rápido,
me empurrando de costas na cama, subindo em cima de meu pobre corpo e
retirando à força o livro da minha mão.
— Uma única vez, fiz sexo a três. Antes de me casar. — Ele sorriu e
piscou ao mesmo tempo, o que deveria ser considerado proibido. — Pegarei
esse seu livro emprestado. Sabe por que, Bruna?
— Não...
— Porque você está com cheiro de sexo. — Ele entrelaçou os dedos
nos meus e os beijou devagar, enquanto eu virava uma poça gigante. — Mais
precisamente, sua mão. Quero saber o que a deixou tão animadinha a ponto
de festejar desse jeito a noite toda.
— Entendi... — Fechei os olhos, primeiro porque estava embriagada de
tesão e deixaria que ele fizesse o que bem entendesse comigo, segundo
porque me sentia um pouco mortificada. Eu estava cheirando a siririca?
Parecia estar no paraíso, sentindo Benjamin lamber lentamente cada um
dos meus dedos. Nunca pensei que algo assim vindo do meu chefe pudesse
parecer tão depravado. Sem dúvida, por mais que os gêmeos fossem
gostosos, eu trocaria os dois apenas pelo Benjamin Reed.
— Durma algumas horas, tome um banho relaxante e depois me dê a
resposta que estou esperando — o homem sugeriu todo sensual, então sua
boca tocou rapidamente a minha e ele se levantou.
— Não precisa ir embora... — ronronei, querendo me embolar com ele
naqueles lençóis. — Por que não passa um tempinho aqui comigo?
— Até poderia tentar me aproveitar de você, mas a verdade é que
qualquer coisa que você me peça agora, está na cara que não será por mérito
meu e sim desta história. — Ele balançou o livro, com um sorriso engraçado
no rosto. — Vou dar uma lida para descobrir o que de tão interessante existe
nessas páginas. Depois eu devolvo.
Sinceramente, nem reparei quando ele saiu do quarto, porque eu
apaguei de sono, com a imaginação brincando comigo e me fazendo pensar
em Benjamin deitado ao meu lado, em cima de mim, embaixo de mim...
No entanto, meu chefe não levou a sério as próprias palavras. Estava
curtindo meu sono gostoso quando Benjamin me acordou com beijos no
rosto. Ele estava com cara de quem tinhas ideias muito sacanas em mente e
eu nem ousei falar nada. Ajoelhou-se no colchão, com uma perna de cada
lado do meu corpo, e balançou a cabeça de um lado para o outro, divertido.
— É este tipo de livro que a senhorita gosta de ler, Bruna?
— Talvez... — respondi, mordendo meu lábio. Imaginei que quebraria
o clima se contasse que o livro, na verdade, era de Abigail.
— Não sou muito fã desse estilo de vida que esses gêmeos levam, mas
com certeza sei fazer tão bem quanto eles.
Aquilo era um tipo de promessa? Porque se sim, eu topava! Nem sabia
em que momento tinha perdido a vergonha na cara e deixara de lado minha
pose tão decidida da noite anterior. De qualquer forma, não ousei discordar
de Benjamin porque eu o queria muito. Precisei apenas afastar meus lábios
para que me invadisse com sua língua e me fizesse gemer. Passei minhas
pernas ao redor do corpo dele, enquanto abandonava minha boca para chupar
meu pescoço.
Com muita destreza, Benjamin me livrou da blusa que estava vestindo
e a jogou no chão. Como estava à vontade, dormindo, não usava nenhum
sutiã, então ele teve acesso aos meus seios e encheu suas mãos com ambos,
caindo de boca em um deles. Então era assim que a gente se sentia quando
um homem nos tocava?
— Bruna, preciso de você. Agora. — Benjamin brincou de mordiscar o
meu mamilo sensível e sons estranhos escaparam de minha boca.
— Benjamin... — murmurei, indecisa. — Eu não sei se é o momento.
Tudo está acontecendo muito rápido.
Senti suas mãos percorrendo minha barriga e afastando o elástico da
minha calça. Acabei perdendo qualquer vergonha que ainda insistia em nutrir
e me vi puxando a camisa dele até tirá-la totalmente. Logo em seguida, raspei
minhas unhas pelas suas costas, notando cada músculo daquela parte de seu
corpo.
E então, algo pelo qual eu não esperava aconteceu. Meu corpo estava
em queda livre, parecia mesmo que eu caía em algum abismo ou coisa
parecida. Segurei-me nos lençóis com toda a força que podia e fechei os
olhos. Quando voltei a abri-los, Benjamin tinha sumido.
Sentei-me na cama, ainda atônita com os últimos acontecimentos, e
olhei para baixo. Eu estava completamente vestida.
— Não, não, não, que merda! — praguejei com muita raiva.
Como um sonho podia ser tão real? Segundos atrás eu tinha certeza de
que estava prestes a transar com Benjamin e agora...
— Ah!
Joguei-me de costas na cama e tapei o rosto. Era azar demais viver tudo
e descobrir que se tratava de um sonho. Minha mente pregando peças em
mim, tudo por causa de um bendito livro.
Resolvi me levantar de uma vez por todas e fui tomar um banho para
despertar melhor. Depois, vesti uma roupa confortável e desci, ouvindo um
som ambiente tocar pela casa. Sophia e Benjamin estavam sentados no tapete
felpudo diante da lareira, jogando cartas, tão distraídos que nem notaram
minha presença. Fugi para a cozinha e cortei um pedaço do pão sobre a
bancada, percebendo que meu chefinho tinha começado os preparos para o
almoço e também a ceia de mais tarde. Balancei a cabeça ao ser abarrotada de
imagens de Benjamin pelado, vestindo somente um avental, enquanto
dançava para mim.
— Conseguiu repor o sono? — Pulei com sua voz e seu hálito tocando
meu pescoço e me virei, com a mão no coração.
A faca caiu a centímetros dos nossos pés e se eu ferisse alguém naquela
viagem, a culpa seria toda dele.
— Quer me matar de susto?
— Está muito assustada, Bruna... — disse ele, abaixando-se para pegar
o objeto e o colocando na bancada atrás de mim.
— Tenho motivos para estar assim. — Suspirei, observando seu rosto
bonito. — Me tira uma dúvida, você esteve no meu quarto mais cedo?
— Estive. — Ele franziu a testa. — Não se lembra? Dei uns amassos
em você e ainda peguei o livro emprestado.
— Não me refiro a esse momento. Mas depois, você voltou?
Sabia que devia estar parecendo maluca, pois Benjamin me olhou de
um jeito estranho, então sorriu.
— Não voltei. Acho que você se lembraria com precisão caso eu
tivesse retornado ao quarto. — Prendi a respiração quando os braços dele me
cercaram e seguraram firme na bancada, deixando-me encurralada dentro
daquele abraço. — Quer o livro de volta? Não tive tempo de ler tudo, mas
consegui ter uma boa visão da história. Não sabia que você tinha fetiches
com dupla...
Tapei a boca do homem diabólico antes que ele terminasse aquela
frase. Meu rosto, provavelmente, estava da cor do pimentão que eu tinha
visto ali na cozinha. Benjamin estava fazendo de propósito, porque gostava
de me deixar sem graça. Era a única explicação.
— Depois você me devolve o livro — declarei, sem vontade de me
estender naquele assunto. Será que ele se lembrava de que Sophia estava logo
ali na sala?
Reuni toda a minha força de vontade e tentei me livrar dele para sair
daquela cozinha que se tornou tão sufocante, mas Benjamin segurou minha
cintura e me impediu de me mover.
— Só me responde uma coisa. — Ele tocou uma mecha de cabelo que
caiu perto dos meus olhos. — E aquela minha resposta?
Era bom ter muito álcool no jantar de Ação de Graças, pois só assim eu
conseguiria suportar toda a pressão dele. Acabei afundando meu rosto em sua
camisa, respirando profundamente, devagar.
— Agora não. Depois respondo.
— Agora sim — insistiu. Seus dedos deslizaram pela minha testa e
entraram em meus cabelos enquanto ele inclinava minha cabeça para trás. —
Seja boazinha e me dê a resposta. Mas saiba que se ela for negativa, eu não
vou desistir tão fácil.
— Talvez a resposta seja positiva, mas ainda não tenho certeza.
Confesso, estava fazendo um charminho a mais, porque a realidade era
outra. Sentia-me doida para atacar o homem, mas nunca admitiria isso.
Toquei o rosto dele com carinho e deixei meus dedos roçarem em sua barba,
até que ouvimos um barulho estranho vindo da sala e corremos até lá. Sophia
estava caída no chão, mas sorria bem feliz.
— Soso, o que houve? — perguntei, enquanto Benjamin a levantava.
— Caí.
— Não diga. — O pai passou a mão na cabeça da menina. — O que
houve, querida? Está machucada?
— Claro que não! — respondeu ela, colocando as mãos na cintura
como uma adulta. — Estava só brincando de escorregar com a meia. É lega,
Bruna, vem fazer!
Sophia correu na minha direção e puxou minha mão, achando mesmo
que eu tinha a idade dela para tal coisa. Se eu caísse sem jeito, ainda estava
arriscada a quebrar o fêmur.
— Deixe a Bruna, filha. — Benjamin segurou a mão dela, para que me
soltasse. — Ela é bem desastrada, não precisa de nenhum incentivo a mais.
O quê? Pensei em arrancar minha própria meia para jogar em cima
dele.
— Muito engraçado, Benja... — Então, eu fui calada com um beijo na
boca.
Nem tive tempo de me preparar e fechar os olhos. Estava com eles bem
abertos e vi quando Sophia nos encarou, estática, em silêncio. Ao menos
Benjamin teve a decência de não enfiar a língua dentro da minha boca, bem
na frente da própria filha, então alguns segundos depois, estávamos com os
rostos separados e eu tentava me afastar dele o máximo possível.
— Ficou doido? — perguntei, entre os dentes, sem saber como Sophia
reagiria.
— Está preocupada com Sophia? — Ele tocou o ombro da filha. —
Querida, você se importa que o papai beije a Bruna dessa forma?
Minha nossa senhora, ele era mais corajoso do eu tinha imaginado.
Num primeiro instante, até cheguei a achar que Benjamin tinha sido
incentivado pelo calor do momento, por causa da nossa conversa na cozinha,
e não tinha se dado conta da presença da filha ali como plateia. Mas não, era
pior do que isso. Ele não fazia a menor questão de esconder os fatos. Nós
dois agora olhávamos para a criança, esperando por uma resposta dela.
— Nããããoooooooo! Oba, oba, oba! — Sophia deu vários pulinhos sem
sair do lugar e depois correu para abraçar minha cintura. — Vocês se
beijaram, vocês se beijaram, você se beijaram!
Agora sim eu estava perplexa. Sabia até que Sophia torcia mais para
mim do que para Rose, mas não imaginava que ela reagiria tão bem ao nos
ver realmente juntos de alguma forma. Acariciei os cabelos dela quando
levantou o rosto e sorriu para mim, sentindo meu coração bater muito forte.
Estava um pouco aliviada, mas mataria o Benjamin se Sophia tivesse reagido
mal e isso atrapalhasse meu relacionamento com ela.
Ele nos deixou sozinhas e voltou para a cozinha com o objetivo de
terminar o almoço. Ainda com Sophia grudada em mim, dei alguns passos
para trás e me sentei no sofá, me preparando para explicar direitinho a
situação para ela.
— Bruna, fica aqui sentadinha — ela ordenou e me soltou para correr
pela escada até o segundo andar.
— Não pegue nenhum objeto cortante! — supliquei, com um pouco de
medo.
O que Sophia tinha em mente? Aprontar alguma coisa no meu quarto?
Procurar alguma boneca de cabelos escuros? As teorias só chegaram ao fim
quando ela voltou e veio se sentar do meu lado, ajoelhando no sofá e agitando
uma escova de cabelo diante do meu rosto.
— Você está bagunçada, preciso te arrumar.
— Mas eu não sou uma de suas bonecas, Soso.
Sem ligar para o que eu dizia, ela começou a pentear mechas do meu
cabelo, bem devagar, como se eu fosse muito frágil.
— Estou te penteando pra você ficar bonita.
Não tinha tanta certeza disso, pois sentia que ela estava repartindo
meus cabelos no meio e eu nunca fiquei muito apresentável com esse tipo de
penteado.
— Isso tem alguma coisa a ver com seu pai? — perguntei.
— Aham. Você não pode ficar feia.
— Então eu estava... feia? — Instintivamente, passei as mãos pelos
cabelos e Sophia deu um gritinho por eu desfazer todo o trabalho dela.
Foi nesse momento que Benjamin voltou e nos encontrou brincando de
salão de beleza. Ele parecia achar graça de alguma coisa e por Deus, que não
fosse da minha cara. Eu tivera uma noite muito difícil para aguentar mais
humilhações.
— Uau. Você está... — murmurou, passando a língua pelo lábio.
— Não diga nada.
— Com um penteado bem diferente. — E riu.
Sophia finalmente largou meus cabelos quando Benjamin a pegou no
colo e sentou-se onde ela estava antes, trazendo-a para seu colo. Os dois
ficaram olhando para mim, o que não era muito confortável, até que a menina
cochichou algo no ouvido do pai, ele sorriu e balançou a cabeça.
— E então, tudo bem? — Benjamin alisou meu braço. — Vamos nos
entender?
— Podemos falar disso depois? — Olhei para Sophia e sorri.
— Pai, vocês vão casar?
Acho que nem Benjamin esperava por essa pergunta, pois também não
teve reação, apenas arregalou os olhos, me olhou e riu.
— Não vamos apressar as coisas, querida. — Ele beijou a bochecha
dela. — Bruna ainda nem gosta de mim. Primeiro, preciso conquistá-la.
— Bruna, você tem que gostar do papai.
— Ah Soso... — pigarreei, sem graça. — Essas coisas são complicadas.
O que era isso? Benjamin estava aproximando o rosto do meu, todo
encurvado com Sophia ainda no colo. Tentei me afastar, mas como eu estava
no canto, não havia muito espaço além de mim. Ele beijou meu rosto e
quando me virei para reclamar, acertou minha boca. E essa parte do meu
corpo era ridiculamente traidora, correspondeu imediatamente a ele. Toquei
em seu rosto com a intenção de fazê-lo parar e abaixei o rosto.
Sophia já tinha pulado do colo dele e estava subindo a escada, olhando
para trás de vez em quando, com um sorriso no rosto. Benjamin recostou-se
no sofá e abriu os braços sobre o encosto.
— Então, agora que estamos sozinhos, podemos conversar? — Ele
deitou a cabeça no sofá e virou-a para mim.
— Benjamin, você tem que parar de ficar me beijando na frente da sua
filha.
— Ela pediu por isso, Bruna. — Sorriu. — Aquilo que falou no meu
ouvido? Foi um pedido para que eu te beijasse.
Ele se aproximou mais e tocou minha cintura, depois meu rosto,
segurando meu queixo para que eu mantivesse contato visual.
— Já te provei que Sophia não se incomoda se ficarmos juntos. Pelo
contrário, ela está radiante. Você é quem está dificultando tudo.
— Não estou... — Certo, eu estava. Não queria dar o braço a torcer. —
Mas o que vai acontecer quando voltarmos para casa?
— Como assim? — Seus dedos brincaram com minha orelha. — Nada
vai acontecer. Nós ficamos juntos aqui, continuamos juntos lá.
— Tem certeza?
Ele se endireitou e sentou de frente para mim, uma perna passando por
baixo do corpo, a outra para fora do sofá, a testa franzida e um sorriso torto
de canto. Para ser sincera, eu queria mais é me jogar em cima dele e encenar
o que tinha aprendido teoricamente com o livro.
— Eu não a quero só durante o feriado — esclareceu, piscando. — Se
foi isso que você entendeu, está enganada.
Eu nem mesmo tive tempo de absorver a resposta. Benjamin encurtou o
pequeno espaço que ainda havia entre nós e avançou sobre mim, ajoelhando-
se em volta do meu corpo e segurando meu rosto com as duas mãos. Com ele
naquela posição, tão perto, foi que percebi como era tão maior que eu. Seus
polegares alisaram meu lábio inferior e, em seguida, me beijou,
delicadamente no início, depois abrindo caminho com a língua.
Eu estava em dúvida, não sabia se era realidade ou se estava sonhando
mais uma vez. Por via das dúvidas, apoiei minhas mãos em suas coxas,
totalmente deslocada, sem saber o que fazer. Ele parou o beijo, sorriu, me deu
um selinho e sorriu de novo. Até eu estava sorrindo que nem uma idiota.
— Eu já sei que você está se fazendo de durona, mas já chega não é? —
Meu corpo estava sendo conduzido por ele e logo me vi deitada de costas no
sofá, com Benjamin em cima de mim. Era o sonho se repetindo, certeza. —
Hoje é Ação de Graças, Bruna. Dia de abrir o coração.
— A Sophia pode descer a qualquer momento... — comentei, porque
ela era bem capaz de algo do tipo.
— Duvido.
Perdi momentaneamente o ar quando ele soltou o peso do corpo sobre o
meu, mas minha mente não queria saber se eu podia ou não respirar. Todos
os comandos que meu cérebro enviava para meus membros eram sobre usar
as mãos. Então as usei e tremi de satisfação quando deslizei meus dedos por
dentro da camisa dele.
— Você é linda, sabia? — Aquele homem lindo me olhou por um
instante e mordiscou minha boca. — Tem sorte de Sophia estar conosco neste
chalé ou eu não responderia pelos meus atos.
— É mesmo? — E daí que eu era uma idiota apaixonada que não
conseguia formular boas frases?
— Quero você... — Recebi uma mordida no pescoço. — No meu
quarto esta noite.
Enquanto ele me beijava, senti o volume no meio das pernas de
Benjamin e essa constatação só serviu para me deixar ainda mais nervosa e
ansiosa. A ausência do peso de seu corpo, quando tentou se levantar, fez meu
instinto falar mais alto e passei meus braços ao redor do pescoço dele para
prendê-lo ali comigo.
— Não vá — pedi e franzi meus lábios para tentar comover o homem.
— Não posso deixar a comida queimar — respondeu ele, sorrindo e
beijando a ponta do meu nariz. — Teremos muito tempo para você me
agarrar.
Estava em êxtase quando Benjamin se retirou para a cozinha, me sentia
como um personagem de desenho animado, que possui corações no lugar dos
olhos, de tão boba que fiquei depois daqueles beijos no sofá. Como não
queria atrapalhar seu trabalho na cozinha, subi para ver como Sophia estava e
a encontrei lendo um livro infantil, deitada em sua cama.
— Quer conversar? — perguntei, aproximando-me e parando ao lado
dela.
— Pode ser — respondeu, mas não me olhou nos olhos, continuou com
sua atenção toda no livro.
Eu me sentei na beira da cama e toquei sua perna, torcendo para que
Sophia não se voltasse contra mim. Pelo menos, não durante o feriado.
— Soso, eu quero que você saiba que eu nunca, nunca mesmo, tomaria
o lugar da sua mãe. Eu gosto do seu pai, você sabe disso, mas a sua mãe
sempre será muito amada por ele. E eu amo muito você, sua pestinha.
— Eu sei. — Ela finalmente me olhou e notei que estava com as
bochechas coradas.
— Está com vergonha? — perguntei porque era bem estranho vê-la
daquele jeito.
Peguei o livro que ela ainda segurava, fechei-o e o coloquei sobre a
mesa de cabeceira, para que tivesse sua total atenção. Passei meus dedos de
leve pela franjinha que precisava de um corte novo e sorri quando ela fechou
os olhos.
— O que foi, Sophia? — perguntei. — Você veio aqui para o quarto,
ficou quieta esse tempo todo... Não está mesmo chateada? Saiba que pode ser
sincera comigo.
Ela pressionou os lábios e se sentou na cama de repente, jogando-se
sobre mim e me envolvendo num abraço. Eu alisei suas costas, estranhando
sua reação, temendo que não estivesse conseguindo lidar com o que viu na
sala.
— Bruna, é feio se eu quiser que você seja minha mãe? — perguntou
baixinho, quase choramingando e meu coração derreteu instantaneamente.
Era esse o problema? Sophia se sentia culpada por gostar de mim?
Respirei fundo, sentindo meus olhos arderem de emoção e beijei seu rosto.
— Você sempre terá a sua mãe como referência, Soso. E eu ficaria
muito feliz em ser como uma mãe para você, mas seu pai e eu não estamos
nem namorando. Não quero que você se apegue a isso por enquanto, ok?
— Por que não?
— Porque primeiro, precisamos nos conhecer melhor e saber se damos
certo juntos.
Nunca pensei que fosse tão difícil explicar esse tipo de coisa para uma
criança. Sophia me soltou e me encarou, com a testa franzida e a boca
formando um biquinho fofo.
— Mas vocês já se conhecem.
— É um conhecer diferente, entende?
— E vão se conhecer diferente, então? — Ela cruzou os dedos e os
beijou. — Eu vou ser boazinha, prometo.
Revirei os olhos, aquela garota era demais para minha cabeça. Acabei
rindo e derrubando seu corpo pequeno na cama, aproveitando para lhe fazer
um monte de cócegas. Sophia tentava rolar para longe de minhas mãos e
chutava o ar com as meias coloridas, mas não se livrou de mim.
— Você sempre é boazinha, Sophia! — Encontrei um ponto fraco e a
fiz rir e gritar ao mesmo tempo. — Você é diabolicamente boazinha!
Deitei-me de bruços e passei meu braço sobre a barriga dela, puxando-a
para mim e beijando seus cabelos. Nós duas ficamos conversando, a maior
parte baboseira e como eu quase não tinha dormido, acabei adormecendo ali
mesmo com ela. Acordei com os dedos de Benjamin entre meus cabelos e
ouvi um gritinho de Sophia, que se soltou de mim e sentou na cama.
— Seria muito trabalhoso para as duas madames, se pelo menos
trocassem de roupa para jantarmos? — A voz era de raiva, mas a expressão
não, ele estava sorrindo.
— Jantar? — Bocejei enquanto me levantava. — Que horas são?
— Umas 17 horas. — Pulei da cama quando ele falou isso. — Portanto,
até tomarem banho e trocarem de roupa, a comida deve estar toda pronta.
— Benjamin! Por que nos deixou dormir tanto? Estou morrendo de
fome! — Dei um tapa no braço dele e calcei minhas pantufas para correr até
meu quarto. — Sério, devia ter vindo me acordar!
— Eu vim, mas vocês estavam roncando e acabei ficando com pena de
interromper.
Ele puxou Sophia da cama e, apoiando as mãos nos ombros da filha,
guiou-a na direção do banheiro. Fiquei imaginando se ele faria isso comigo
também, mas esse era o tipo de pensamento causado pelo livro que tive a
péssima ideia de ler.
Antes desse dia, eu poderia até pensar que tinha tirado a sorte grande
por encontrar um homem lindo de morrer com uma conta bancária digna de
Oscar. Mas para tudo! Dane-se o dinheiro dele, nem ligaria em andar de
ônibus e usar vale-transporte com Benjamin ao meu lado. Porque,
convenhamos, o talento para a culinária era realmente o que fisgava uma
mulher. Pelo menos uma mulher como eu, que não sabia cozinhar e gostava
de comer coisas gostosas.
— Uau! — Parei, boquiaberta, diante da mesa escandalosa. — Não
consigo acreditar que você cozinhou tudo isso. A aparência está incrível!
— Temos purê de batata-doce com os marshmallows gratinados por
cima, não sei se você já comeu alguma vez esse prato — disse ele e eu neguei
com a cabeça, achando bem estranho misturar batata com marshmallow. —
Fiz molho de cranberry e um gratinado de abóbora, além do peru que você já
conhece. São pratos bem típicos do nosso Ação de Graças, não sei como
costuma ser no seu país.
Recolhi meu queixo espatifado do chão e olhei atentamente para
Benjamin, que estava de pé ao meu lado, com as mãos nos bolsos da calça
jeans, completamente impecável.
— Nós nem sequer comemoramos o feriado por lá — comentei, doida
para cair de boca naquela ceia. — Não é uma tradição.
— Será sua primeira vez então. — Ele apoiou as mãos em meus
ombros ao se posicionar atrás de mim. — Espero que goste de tudo.
— Vamos comer logo! — Sophia já estava se sentando e pegando o
guardanapo. — Eu tô com fome e quero chegar na torta de nozes, pai!
Diante de tamanha sinceridade, só nos restava sentar ao redor da mesa e
obedecer a criança. Parando um segundo para observar as duas pessoas que
estavam ali comigo, parecia até que eu estava sonhando.
— Sophia, que tal se hoje você fizer a oração? — perguntou Benjamin,
enquanto se sentava na cabeceira da mesa e sorria para mim.
Sophia ia fazer uma oração? Tipo, para Deus? Essa eu precisava
mesmo ver e até filmar, mas a segunda parte não seria possível. A criança
fechou os olhos, abaixou a cabeça e uniu as palmas das mãos. Meu coração
transbordou com a cena que eu custei a acreditar ser real.
— Papai do céu, obrigada pela comida, pela alegria e pela minha
família. Você pode fazer com que eu ganhe um cachorrinho e que a Bruna
namore meu pai? Obrigada!
— Geralmente ela para na parte da família. — O pai riu, balançando a
cabeça e começando a cortar o peru. — Acho que você confundiu Ação de
Graças com Natal, querida. Não é hora de pedir presentes.
Nossa noite foi muito divertida e descontraída. Tudo que Benjamin
preparou estava delicioso e foi impossível não repetir todos os pratos.
Enquanto comíamos, aproveitamos para conversar sobre fatos da nossa vida e
eu contei um pouquinho sobre minha história no Brasil.
Quando Sophia estava na terceira fatia da torta de maçã, eu larguei
meus talheres bem longe de mim, para não correr o risco de pegá-los
novamente.
— Se você tivesse dito que sabia cozinhar, eu jamais teria feito aquele
bolo. — Olhei de cara feia para Benjamin. — Deve ter rido muito da minha
cara, não é?
— O que vale é sempre a intenção — respondeu, piscando para mim,
porque na verdade, ele não queria me deixar irritada.
— Mas estava muito ruim, Bruna — Sophia falou enquanto mastigava.
— Obrigada pela sinceridade, Soso.
Joguei um marshmallow em cima dela, que caiu na gargalhada e atirou
outro em mim. Mudei de assunto de forma repentina antes que se iniciasse
uma guerra de doces ali na mesa e quando já não aguentávamos mais ficar
sentados na frente da comida, eu travei uma batalha para que Benjamin
ficasse longe da cozinha e me deixasse pelo menos lavar a louça. Precisava
mostrar algum tipo de utilidade, não podia deixar que o homem me
considerasse uma inútil, não é?
Estava quase terminando de ensaboar os talheres quando a luz se
apagou de repente. Levantei a cabeça, observando os spots no teto, sem
entender, até que senti mãos envolverem minha cintura.
— Pretende passar a noite lavando louça? — perguntou Benjamin,
beijando minha nuca e me deixando arrepiada. — Coloquei Sophia para
dormir e você ainda está aqui. Acho melhor eu ajudar para terminar mais
rápido.
— Mas você já fez coisa demais...
— Eu não me importo, não faço nada disso em casa, esqueceu? — Pelo
visto, ele também dominava a arte de ensaboar e enxaguar, em poucos
minutos daria conta de tudo. — Por que você não sobe, troca de roupa e me
espera no quarto?
Poxa, mas precisava ser assim tão direto? Não queria mesmo perder
tempo, né?
— Caramba, assim me sinto como se estivesse indo para o abate.
— Não foi essa a minha intenção. — Ele riu. — O que prefere fazer?
— Só sei que, com certeza, não conseguirei dormir sem antes queimar
as calorias que ingeri no jantar.
— Assim você não me dá oportunidade de agir como um cavalheiro,
querida... — Só então percebi o significado do que tinha dito e senti meu
rosto queimar. — Vá fazer qualquer coisa que queira fazer, mas me deixe
terminar de arrumar as coisas por aqui, ok? Depois eu a encontro.
Subi correndo para meu quarto, ofegante, parando com as mãos nos
joelhos e mexendo nas minhas malas para ver minhas opções de lingerie. Não
eram boas, não mesmo. Quando pensei em fazer a arrumação para um lugar
bem frio, não sei por qual motivo achei que quanto maior a calcinha, mais
quentinha eu me sentiria. Avaliei as opções e suspirei, frustrada.
Depois de muito tempo decidindo o que vestir, desci para ver se
Benjamin ainda estava na cozinha, mas antes passei no quarto de Sophia, que
já estava dormindo. Beijei-a de leve na testa e deixei a porta só um
pouquinho aberta. Eu e Benjamin nos encontramos no meio da escada e ele
segurou em meus quadris, fazendo-me virar para subir novamente. Aquilo
tudo era muito desconcertante.
— Que coisa, estava justo agora descendo para ver se você precisava de
alguma ajuda — expliquei, um pouco nervosa.
— Preciso sim, lá no meu quarto — sussurrou em meu ouvido,
aumentando ainda mais a minha ansiedade.
Benjamin abriu a porta e me puxou para dentro sem cerimônia, e foi
nesse momento, em que pisei no quarto dele, que eu soube que não teria mais
volta. Estava disposta a ir até o fim e ter tudo o que me era de direito. Estava
pisando em território desconhecido e isso podia me deixar com medo, mas a
verdade é que eu era louca por ele. Se tinha alguém com quem eu desejava ir
até o final, com certeza era o Benjamin.
Ele mexeu no celular até que uma música em som ambiente começasse
a tocar, o que me ajudou a relaxar um pouco. Observei enquanto tirava os
sapatos e aproveitei para fazer o mesmo.
— Acho melhor devolver logo o seu livro — disse, pegando o
exemplar sobre a cômoda e o oferecendo a mim. — Eu só folheei, não tenho
paciência para ler tudo isso.
— Ele não é realmente meu. — Acabei rindo, ainda surpresa com a
dona dele. — É de Abigail. Eu meio que peguei emprestado sem ela saber.
— O quê? — Benjamin pareceu horrorizado. — Nunca cogitei algo
assim, agora vou imaginar minha governanta lendo essas coisas...
— Tomara que ela apareça em seus sonhos, usando espartilho e
estalando um chicote em cima de você.
Eu estava rindo, mas logo perdi a graça com meu patrão segurando com
força meus cabelos e puxando minha cabeça para trás, todo dominador.
— Você está me zoando, senhorita Brito? — Sua boca tocou meu
maxilar me fez estremecer. — Veremos se continuará rindo daqui a pouco.
Antes que eu conseguisse raciocinar, Benjamin soltou meus cabelos e
deslizou as mãos pelas minhas costas, até que elas alcançassem minha bunda.
Deu um apertão de leve e sem que eu esperasse, me levantou, me pegou no
colo e me levou para a cama. Meu coração começou a acelerar conforme ele
escalava meu corpo, abrindo caminho entre minhas pernas com seus próprios
joelhos. Eu me senti uma otária por causa da calça de flanela que resolvi
colocar, só para dificultar a minha vida.
Afastei meus braços para o lado e deixei que ele fizesse o que tinha em
mente, fosse lá o que fosse. Passou o polegar pela minha bochecha direita até
chegar à minha boca e deixou um beijo ali, me olhou e beijou novamente,
dessa vez com mais intensidade. Minhas mãos criaram vida, agarrando
aquela cabeleira divina enquanto Benjamin deixava um rastro molhado em
meu pescoço. Puxou a gola da minha camisa para tentar encontrar mais pele
exposta, porém desistiu.
— Que tal você tirar esse cobertor? — Brincou, porque eu tinha
colocado uma roupa de tecido bem grosso.
Sem esperar pela minha atitude, ele mesmo começou a enrolar a barra
da blusa para cima e eu fui me arrepiando a cada centímetro de pele
desvendada. Quando me despiu daquela peça de roupa por completo, eu
fechei os olhos como se pudesse me esconder. A boca de Benjamin
percorreu minhas clavículas lentamente, alcançando o vão entre meus seios,
roçando os dentes pelo contorno do sutiã.
— Está com vergonha? — perguntou, abaixando as alças pelos meus
ombros até me desvencilhar delas. — Naquele dia fatídico, lembro de você
estar bem desinibida.
— Era outro momento...
Ele sorriu e voltou a me beijar em todos os locais que a lingerie não
ocupava, ao mesmo tempo em que seus dedos começavam a me acariciar por
cima do tecido fino. Num piscar de olhos, Benjamin puxou rapidamente o
sutiã para baixo, de uma forma que meus meninos pularam completamente
excitados.
— São tão lindos... — Ele pegou um nas mãos, sem desviar os olhos
dos meus. — Se isso ajuda um pouco a aplacar sua tensão, quero que saiba
que não precisamos fazer nada que você não queira.
— Mas eu quero! — confessei, sorrindo.
— Quer mesmo? — O sorriso dele aumentou. — Eu só não quero que
sinta medo, nem quero forçar nada.
— Não é medo que estou sentindo, Benjamin. Garanto isso. — Puxei o
rosto dele e beijei sua boca, depois a orelha e fiz a mesma coisa que ele vinha
fazendo comigo. Ouvi seu gemido e senti seu corpo me pressionar ainda mais
contra o colchão, deixando-me acesa. — Só estou muito nervosa, você é bem
mais experiente que eu.
Eu o soltei por alguns segundos e seus olhos encontraram os meus.
Benjamin transbordava tesão e algo mais que eu não sabia identificar.
Preocupação, talvez? Não sabia dizer se comigo ou com a situação em si.
— Eu realmente não me importo com isso, Bruna — disse ele, alisando
meu rosto. — Com sua experiência. Sou apenas um pouco mais velho que
você, mas estou longe de ser como os mocinhos do livro que leu. Sou apenas
alguém que casou muito cedo e não tem tempo para levar uma vida regada a
mulheres e sexo.
Ah, que se dane! Eu puxei logo aquele rosto lindo e o beijei na boca,
com fúria e desejo, para demonstrar o que estava sentindo. A mão de
Benjamin percorreu a lateral do meu corpo, brincando em minha cintura e
depois indo encontrar com o elástico da calça. Ele puxou e soltou, estalando-
o contra minha pele, e deu um sorrisinho ao ouvir o barulho. Grudou ainda
mais no meu corpo e eu instintivamente joguei minhas pernas por cima dos
quadris dele, exatamente como no sonho.
Acho que minha iniciativa de agarrá-lo deu um pouco mais de
confiança para que ele avançasse, porque ele começou a lamber meus seios,
brincando com a língua pelos mamilos e roçando os dentes naquela parte tão
sensível. Ainda me encarava enquanto fazia isso e eu não sabia onde enfiar a
cara. Minhas unhas deslizavam pelos braços dele, sentindo os músculos
enrijecidos e a pele quente.
Depois foi trilhando o caminho até meu umbigo, me beijando, me
lambendo, até passar de leve a língua ao redor dele, o que causava uma
sensação bem estranha. Quando eu estava prestes a reclamar, Benjamin
desceu mais. Minha reação imediata foi agarrar os cabelos dele e tentar puxar
o homem de volta para cima, não estava preparada para o que ele pretendia,
porém, ele sorriu para mim e negou com a cabeça.
— Fica quietinha, Bruna — pediu com a voz firme e eu joguei a cabeça
sobre os travesseiros, me dando por vencida, enquanto ele abaixava minha
calça.
Fez-se silêncio por alguns segundos porque eu sabia que Benjamin não
estava esperando por aquilo. O que me deixava mortificada. Na falta de uma
calcinha bonita e sexy, eu tinha optado por não usar nada.
— Por que não volta aqui para cima? — Queria fechar minhas pernas
enquanto dava tempo.
— Você está peladinha e quer que eu pare de olhar? De jeito nenhum.
— Senti suas mãos puxarem minha calça até me livrarem dela de uma vez e
tentei esconder minha garota, mas ele segurou minhas mãos. — Não há nada
aqui que você precise tapar.
— Não é justo eu ficar pelada e você de calça jeans — reclamei,
mortificada, sentindo o rosto quente, ali toda exposta para ele.
Surtiu efeito, pois o homem piscou e se ajoelhou na cama, me soltando
só pelo tempo que levou para desabotoar a calça e deixar que ela caísse um
pouco, revelando um pedaço da cueca. Meu coração já não batia mais no
ritmo certo e as borboletas em meu estômago tinham ficado loucas.
— Quer que eu tire tudo? — perguntou e eu assenti com rapidez, não
era louca de negar.
Ele sorriu, ciente de que era muito gostoso, claro. Então se levantou da
cama, tudo sem pressa alguma, bem diferente de mim, e tirou seu jeans, me
fazendo saborear com a visão daquele corpo dentro da cueca justa, que
prendia aquele volume todo. Era a primeira vez que eu via Benjamin de
forma tão íntima e não sabia nem o que dizer.
Quando abaixou a cueca e a deixou cair no chão aos seus pés, eu soltei
um suspiro tão alto que ele riu, aproximando-se novamente da cama. Então
era daquele jeito que um homem pelado e excitado se parecia?
— Tudo bem? — perguntou ao montar sobre mim, e beijou meu peito.
— É o que você esperava?
— Acho que eu esperava algo menor. — Ele gargalhou. — Mas estou
preparada para o sofrimento.
Benjamin se ajoelhou e afastou minhas pernas com delicadeza e para
meu terror, deitou o corpo com a cabeça quase em cima da minha boceta.
— Entendo que seja virgem, mas ninguém nunca a beijou aqui?
— Não.
— Que bom que serei o primeiro.
Flagrei o sorrisinho de vitória e orgulho naquele rosto bonito e soube
que estava perdida. Perdidamente apaixonada.
Benjamin

Quanto mais Bruna se desesperava com o que estava prestes a


acontecer, mais excitado eu ficava. Ela era insegura demais e eu não
conseguia entender o motivo, porque era linda. Tudo bem que não fazia o
tipo mulher fatal e gostosona, mas era perfeitinha, pelo menos para mim. Sua
pele com as marquinhas de biquíni me deixava louco, e aqueles mamilos
pequenos e durinhos eram apetitosos.
Parei para avaliar a boceta linda diante dos meus olhos e cheguei a
salivar. Enquanto ela protestava e fazia caretas por eu encarar sua intimidade,
concentrei-me na fenda apertada. Passei a língua por toda sua extensão e ouvi
seu gemido, algo entre susto e prazer. Parou de lutar, relaxando as pernas e
finalmente dando uma trégua aos meus cabelos.
Deslizei para o vão entre suas pernas e grudei minha boca naqueles
lábios macios, para finalmente provar minha brasileira. Sem pressa, deixei
que minha língua tocasse cada pedacinho dela, sentindo seu calor e sua
umidade, tão molhada para mim. Ela prendeu as mãos no lençol quando
cheguei ao clítoris e brinquei um pouco com ele, deixando-a degustar pela
primeira vez da sensação de ser chupada bem ali.
— Ah, meu Deus! — gemeu, tentando se contorcer. — Acho que estou
passando mal... Benjamin, estou suando! Nesse frio!
Prendi o riso com a cara enfiada bem no meio da boceta deliciosa.
Bruna era absurda demais e falava umas coisas muito sem noção. Usei meus
dedos para afastar os lábios vermelhinhos e apreciei a visão que recebi. Meu
pau até sofreu um espasmo de tão ansioso que estava para encontrar conforto
ali dentro, mas eu ainda tinha um longo caminho pela frente.
Coloquei minha língua toda para fora e lambi a região inteira, de baixo
para cima, fazendo-a estremecer. Senti suas unhas arranharem meus ombros e
isso só me incentivou a ir além. Deixei que meus dedos começassem a tocá-la
também e fiz o possível para que Bruna relaxasse o máximo, mesmo soltando
um gemido ou outro de vez em quando.
Conforme eu a chupava, sua lubrificação aumentava e eu me deliciava
com prazer, ouvindo-a soltar palavras desconexas até que seu corpo
convulsionou com o orgasmo. Foi incrível presenciar o momento, a forma
como apertava minha cabeça com as pernas, o clítoris inchado, o gemido
contido.
Bruna ainda curtia a sensação quando escalei seu corpo, deixando uma
trilha de beijos por sua barriga até alcançar sua boca e beijá-la. Ela retribuiu,
preguiçosa, alisando minha nuca e enroscando as pernas em minha cintura.
— Tem certeza de que me quer? — Beijei sua testa, seu nariz, sua
boca. — Ainda dá tempo de dizer não. Eu posso esperar.
— Quero.
Seu olhar transbordava decisão e não me deixava nenhuma dúvida.
Levantei-me da cama, sem pressa, e peguei no bolso traseiro de meu jeans, o
preservativo que tinha colocado ali, já sonhando que esse momento chegasse.
Notei que Bruna acompanhava atentamente o que eu fazia, abrindo a
embalagem, colocando a camisinha, sempre com uma expressão de pavor no
rosto.
— Pode ser que você sinta dor — avisei, curvando-me e beijando sua
boca —, mas não é algo insuportável. Darei o meu melhor pra que sinta
prazer, ok?
— O tamanho está relacionado à dor? — perguntou ela, mordendo o
lábio. — Porque se sim, talvez seja melhor eu procurar primeiro alguém com
pinto pequeno.
Gargalhei, voltando a me deitar sobre ela e me encaixando entre as
pernas bonitas e macias.
— Garanto que não seria a mesma coisa — respondi, apertando seus
seios. — Você me quer tanto quanto eu te quero. Com nenhum outro seria tão
bom.
— Convencido.
— Realista — rebati. — Confessa que me queria há muito tempo.
Sabia que Bruna estava nervosa, por isso começou a conversar, então
para distrai-la de uma vez, devorei sua boca sem que esperasse. Deixei que
meu corpo descesse totalmente sobre o dela, soltando meu peso e me
esfregando entre suas pernas. Ela gemeu em minha boca conforme meu pau
roçava sua boceta e comecei a fazer movimentos de estocada, ao mesmo
tempo em que chupava seus lábios.
Queria muito penetrá-la logo e foder até me esgotar, Bruna estava me
deixando louco, mas sabia que precisava ter muita paciência. A última vez
em que estive com uma virgem, foi há treze anos, quando conheci aquela que
viria a se tornar minha esposa. Então, estava enferrujado nessa coisa toda de
ir com calma e devagar, precisava me controlar.
Era estranho, diferente e excitante sentir o membro de Benjamin
encostar em mim daquela forma tão íntima. Eu sabia que estava aberta para
ele e o sentia pronto para me invadir a qualquer instante. A adrenalina
percorria minhas veias e o nervosismo também, então tentei ocupar minha
mente, alisando os músculos de suas costas, sentindo sua pele contra a minha.
— Se você realmente não estiver suportando a dor, quero que me diga
— pediu Benjamin. — Tudo bem?
— Sim.
Ele voltou a me beijar, dessa vez devagar, sem pressa, um beijo intenso
e cheio de sentimentos. Fiquei tão envolvida que não me importei quando o
senti forçando passagem para dentro de mim, minha única reação foi tentar
me abrir mais para ele.
Quando finalmente iniciou a penetração foi que senti a pontada forte e
abri meus olhos, nervosa. Segurei-me em seus ombros e tentei não pensar em
dor, fingir que era tudo psicológico. Enterrei minhas unhas na pele de
Benjamin conforme o volume dele tentava crescer para dentro de mim, como
se quisesse me rasgar inteira.
— Aguenta mais um pouco? — perguntou, passando a mão pela minha
testa suada.
— Me come logo, Benjamin! Vou sentir dor de qualquer forma...
Ele riu e mordeu o lábio, enfiando um pouco mais.
— É o que estou fazendo, meu anjo.
Dali em diante, Benjamin levou meu pedido um pouco mais a sério,
pois deixei um grito sufocado escapar pela minha garganta, quando senti o
membro largo me preenchendo. Apertei meus olhos e esperei, sem conseguir
me mexer. Tudo ardia e latejava, não parecia algo natural. Ele estava parado,
ficou desse jeito por alguns segundos, apenas se ocupando em beijar meu
pescoço e minha boca. Sabia que estava sendo cuidadoso, mas realmente era
uma dor ruim.
— Tudo bem? — perguntou, roçando a ponta do nariz no meu.
— Não, mas eu aguento — respondi com sinceridade e ouvi sua risada.
Tentei me concentrar somente no movimento que Benjamin voltou a
fazer, puxando os quadris até quase se retirar de dentro de mim, para em
seguida voltar a me penetrar. Era lento demais e isso me fazia sentir
absolutamente tudo. Cada centímetro em que era preenchida e alargada,
sentia como se não houvesse espaço em mim. Prendi a respiração e mordi a
língua quando ele se aprofundou, porque não podia gritar o que queria, não
podia acordar Sophia.
— Olha para mim... — pediu Benjamin e abri os olhos no instante em
que senti seus dedos me tocando entre nossos corpos, bem ali em meu
clítoris.
Engoli em seco e respirei fundo, agradecida por aquele pequeno contato
prazeroso. Ele não parou mesmo quando voltou a se mexer e seus dedos
aplacavam a dor de suas investidas. Isso me incentivou a tentar me
movimentar um pouco, porque eram sentimentos conflitantes que eu sentia.
A sensação estranha de preenchimento e fricção, e a sensação deliciosa do
estímulo clitoriano.
Nossos corpos se moveram juntos, Benjamin de vez em quando
rebolava com cuidado sobre mim e cada vez que fazia isso, a sensação era
boa demais. Toda vez que se afastava, o vácuo que eu sentia era torturante e
quando voltava, já conseguia entrar mais fundo a cada nova estocada. Eu
sabia que estaria dolorida no dia seguinte, mas queria demais aproveitar tudo
que ele pudesse fazer comigo.
— Benjamin?
— Sim?
— Acho que... você pode... ir mais rápido.
Se eu soubesse que ele abriria um sorriso como aquele, eu tinha dito
isso antes mesmo de ser penetrada. Ele passou uma mão pelos cabelos e
voltou a se ajoelhar, levantando minhas pernas.
— Achei que nunca fosse pedir. — Piscou para mim e entrou
novamente, dessa vez mais rápido e não tão gentil.
Tratei de fechar a boca e cerrar os dentes, só ouvia minha respiração
saindo pelo nariz enquanto minhas costas deslizavam pelo lençol, que
felizmente era macio e devia ter quinhentos fios. A expressão de Benjamin
era séria, com os olhos bem estreitos e a boca formando uma linha reta,
concentrado como estava. Fechei os olhos, rindo de mim mesma, porque de
repente, só conseguia pensar que finalmente estava dando para meu chefe.
O filho da mãe arreganhou minhas pernas, estendendo-as para os lados,
e ainda bem que eu tinha uma ótima flexibilidade. Seu dedo alcançou mais
uma vez o meu clítoris, enquanto ele me preenchia com velocidade. Precisei
agarrar um travesseiro e morder o objeto macio, porque estava surtando. Não
tinha deixado de doer, mas estava gostoso, estava ótimo, estava...
Gemi com o travesseiro na boca e fechei os olhos, surtada, porque o
orgasmo se aproximava. Movi meus quadris de encontro a Benjamin e senti
meus músculos se contraírem ao redor dele. Era uma forma diferente de
gozar, sem dúvida, porque quando ele tirou o dedo do meu clítoris, eu
continuei sendo acometida pelo orgasmo intenso e Benjamin não parou de
estocar em mim.
Seu corpo desabou sobre o meu e fui beijada enquanto ele agora fazia
movimentos mais curtos, até que levou a boca ao meu ouvido e gemeu,
estremecendo sobre mim.
— Você é deliciosa, Bruna.
Que bom que ele ainda possuía energias para conversar, porque eu
estava morta. Só retribuí os beijos calmos que recebi e encarei o teto,
anestesiada, quando Benjamin se levantou e entrou no banheiro. Ele não
demorou e quando retornou, veio se deitar ao meu lado e me puxar de
encontro ao seu corpo.
— Acho que agora merecemos entrar naquela banheira e relaxar —
disse ele, fazendo carinho em minhas costas. — Posso preparar tudo?
Balancei a cabeça concordando e fechei os olhos, para descansar um
pouco enquanto o homem se ocupava de seus afazeres.

Fui enrolada, porque achei que depois do banho gostoso, eu fosse


dormir, mas na verdade, acordei com os beijos de Benjamin pelo meu corpo.
Espreguicei-me, sem saber que horas eram, e o vi deitado atrás de mim,
alisando minha barriga. Também pude sentir sua ereção bem no ponto, como
se quisesse mesmo me acordar.
— Vou deixar você dormir o resto da noite, mas queria aproveitar mais
um pouco. Como está se sentindo?
— Fraca — respondi, rindo quando lambeu minha orelha. — Mas acho
que aguento.
Observei Benjamin se sentar na cama e pegar um dos dois pacotes de
preservativos sobre a mesa de cabeceira. Quando estava pronto, ele se voltou
para mim e agarrei seu rosto, tomando aquela boca gostosa como minha e já
querendo enroscar minhas pernas em seu corpo. No entanto, Benjamin me fez
virar de costas e me abraçou pela cintura, na famosa posição de conchinha.
Senti minhas costas grudadas em seu peito, enquanto sua mão deslizava pelo
meu corpo e me arrepiava.
Respirei fundo quando ele ergueu minha perna e começou a me tocar,
ao mesmo tempo em que chupava o lóbulo da minha orelha. Deixei minha
cabeça cair sobre seu outro braço e fechei os olhos, mexendo meus quadris.
Não demorou para que eu o sentisse me penetrar, devagar, não tão
penoso quanto da primeira vez. Ainda senti aquela estranheza do tamanho,
uma pontadinha de dor me consumindo, mas tentei relaxar.
— Acordei com muito tesão — disse ele, aquela voz deliciosa em meu
ouvido. — Então não vou conseguir durar muito tempo. Vai ser sua primeira
rapidinha.
Uma mão passou por debaixo do meu joelho direito, erguendo ainda
mais a minha perna, até que seu ventre se chocou contra minha bunda quando
investiu. Arfei com o impacto.
— Você é perfeita, sabia?
Enquanto ele estocava, aumentando o ritmo aos poucos, senti minha
perna querer ceder e dedos tocando meu ponto mais sensível. Mordi com
força meu lábio e me contorci de encontro a ele, que me esfregava e me
invadia ao mesmo tempo. Suas lambidas e mordidas em meu pescoço ficaram
mais intensas e Benjamin gemia, grunhia e me deixava atônita.
Ele estocou mais forte e rápido e o som de nossos corpos unidos
invadiu o quarto. Sua mão tocou minha barriga, me empurrando mais ainda
para trás como se houvesse algum espaço sobrando entre nós. Primeiro foram
meus dedos dos pés que se contraíram e depois eu entrei em combustão. Abri
minha perna máximo que consegui, instintivamente, tudo para poder
prolongar e sentir mais de Benjamin, enquanto o orgasmo me consumia.
Perdi minhas forças conforme o clímax foi diminuindo e a sensação
gostosa se consolidou, fazendo meu corpo querer relaxar e amolecer, mas
Benjamin ainda estava dentro de mim, com energia total. Achei que não fosse
conseguir suportar mais o cansaço do meu corpo, mas não negava que era
gostoso sentir Benjamin entrando e saindo...
— Ah Bruna... Que delícia!
Ele me envolveu com os braços, esmagando meus peitos e grudando
minhas costas em seu corpo, estocando uma vez só e permanecendo ali,
mexendo devagar sem sair muito do lugar. Adorei o gemido rouco em meu
ouvido e descansei em seus braços.
— Gostosinha... Poderia fazer tudo isso de novo, umas quatro ou cinco
vezes ao dia.
Suspirei, cansada demais para responder aquele absurdo. Cinco vezes?
Eu mal sobrevivi a duas!
Ainda estávamos na mesma posição e suas mãos passeavam pelos meus
seios delicadamente. Então me soltou, descartou o preservativo ali pelo chão
e me virou de costas, puxando um travesseiro para eu deitar a cabeça. Estava
lindo, apoiado num braço, me olhando como um deus grego.
— Cansada? — perguntou, sabendo perfeitamente a resposta.
— Morta.
— Entendo. — Sua mão alisava meus seios e me deixava arrepiada. —
Vou te dar uma folga por hoje, pois ainda temos algumas horas de sono.
Ainda tem muitas coisas que quero fazer com você, mas merece um
descanso.
Passei meu braço por cima dele e deitei a cabeça em seu peito,
querendo me aninhar ali e dormir. Tinha vontade de passar a noite inteira
experimentando todas as posições que ele conhecesse, mas minhas pernas
estavam pesadas e minha vagina ardia como o inferno.
— Você gostou? — perguntei, com um pouco de insegurança.
— Considerando sua experiência e as mulheres com que já transou,
queria...
— Bruna — ele me interrompeu, encostando dois dedos em meus
lábios. — Meu passado é passado. E minhas experiências... Você agora está
inserida nelas. Foi ótimo, você foi perfeita, mas não é o tipo de mulher que eu
queira comparar com alguma outra. Não é só mais uma conquista minha,
espero que saiba disso. Por saber que era virgem, eu não transaria se fosse
para ser apenas uma transa. Não quero passar apenas uma noite com você,
brasileira.
Engoli em seco, passada com aquele discurso inesperado. Era quase
uma declaração, não era? Lambi meu lábio inferior, me dando um tempo para
pensar, sentindo meu coração acelerado. Como ações eram melhores que
palavras, eu o puxei para um beijo e o apertei o máximo que consegui em
meus braços, querendo eternizar aquele momento.

A primeira coisa que percebi ao abrir os olhos na manhã seguinte, foi


que me sentia esgotada. Realizada, mas ainda assim, devastada fisicamente.
Girei o rosto para o lado e encontrei Benjamin ainda dormindo
tranquilamente. Eu estava de bruços e ele deitado de costas, nossas pernas
estavam emboladas e, se dependesse de mim, ficaria naquela cama para
sempre.
— Onde você pensa que vai? — ele resmungou de olhos fechados
quando eu me movimentei para levantar.
— Preciso ir ao banheiro, na verdade, precisamos sair desse quarto.
Você tem uma filha em algum lugar da casa.
Fiquei imaginando Sophia sozinha, fazendo as trapalhadas dela.
Benjamin estaria no lucro se não tivesse quebrado ou danificado nada até o
momento. Senti o braço dele envolvendo minha cintura quando consegui me
sentar, e suspirei. Só Deus sabia o quanto eu queria voltar para debaixo das
deliciosas cobertas e do delicioso corpo dele.
— Está cedo, Bruna — ronronou, preguiçoso. — Fique mais um pouco
aqui, quietinha, abraçada comigo.
— Você tem uma filha, lembra? — Virei-me para ele e abaixei a
cabeça para beijar seu rosto. — Ela costuma acordar cedo e eu realmente não
queria que entrasse aqui e nos visse desse jeito.
Meu chefe deu uma gemidinha e, não convencido com minha
justificativa, me deu um puxão e eu caí de costas sobre ele.
— A porta está trancada — avisou. — Você achou que eu daria o mole
de deixar destrancada para Sophia entrar aqui enquanto a gente transava?
Benjamin soltou uma gargalhada e me beijou na boca, ignorando meu
hálito pavoroso, o que só me deixou com mais vontade de sair correndo. Ele
muito provavelmente estava embriagado de sexo e seu cérebro não
funcionava adequadamente. Quando me soltou, sorriu como se tivesse
saciado a vontade e levantou da cama, me puxando junto. Aproveitou ainda
para enfiar as mãos por dentro da minha calça — eu fiz questão de vestir meu
bom e velho pijama antes de dormir — e apertou minha bunda.
— Queria muito um pouco de sexo matinal, mas como você está
preocupada com Sophia, vou me controlar.
— Minha nossa, você só pensa em sexo! — Joguei a cabeça para trás e
ele beijou meu pescoço. — Por acaso eu vou deixar de ser babá para apenas
servir seu apetite sexual?
Cá entre nós, não era assim uma ideia tão ruim, era? Ele já tinha me
dado uma boa prévia de como seria seu apetite e eu não podia reclamar,
dizendo que não tinha gostado. Meu corpo demonstrava exatamente o
contrário. Me sentia dolorida, mas só o toque dele em minha bunda foi
suficiente para me deixar animadinha.
— Hum... se você quiser, podemos discutir seu contrato mais tarde —
Benjamin disse casualmente, mas rapidamente um brilho passou por seus
olhos e ele abriu um sorriso sacana. — Por acaso, nossa história não se
parece um pouco com o livro pornô que estava lendo? Afinal, a mocinha
trabalha para os gêmeos com quem começa a se relacionar...
— Não é pornô — esclareci, querendo bater nele. — Abigail nunca
levaria pornografia para o trabalho.
Consegui arrancar uma careta dele e me senti vitoriosa.
— Bruna, não me faça imaginar a minha governanta de meia-idade
lendo sobre dupla penetração. — Seus olhos se arregalaram. — Pensando
agora, Abigail é a minha cozinheira. Espero que ela não tenha pensado em
coisas a mais depois de ler o livro...
Aquilo sim era um pensamento desconcertante. Abigail podia ser
assustadora, intimidante e talvez, muito talvez mesmo, possa ter recebido
treinamento militar, mas isso não significava que eu ficaria quieta enquanto
ela tinha sonhos eróticos protagonizados com Benjamin. Será que era por isso
que não gostava de mim? Por sentir-se intimidada?
Dei um selinho nele e me desvencilhei daqueles braços antes que fosse
arrastada novamente para a cama e perdesse minha força de vontade. Sophia
não estava em seu quarto, encontrei-a na sala, jogando cartas sozinha.
— Bom dia, Soso! — Sentei ao lado dela e dei um beijo em seu rosto.
— Acordou há muito tempo?
— Aham. Vocês dormiram muito hoje. — Ela me olhou, com uma
carta grudada na testa, me fazendo rir.
— É verdade. Eu perdi a noção da hora, sabia? E minha cama estava
tão quentinha e gostosa...
— Mas você não estava na sua cama, eu fui lá — declarou a pestinha,
sorrindo.
É claro que ela foi! Sophia adorava me acordar, geralmente pulando em
cima de mim e me deixando sem ar.
— Eu não estava? — Abri e fechei a boca, tentando pensar numa
desculpa. — Você deve ter ido na hora que eu estava andando pelos outros
quartos. Sofro de sonambulismo.
— O que é sonambulismo?
— É quando uma pessoa anda por aí durante o sono. — Estiquei os
braços na frente do corpo e fiz cara de zumbi. — Tipo assim, entendeu?
Tadinha, ela tinha a expressão apavorada, com olhos arregalados e
queixo caído, cheguei a me arrepender de ter inventado essa mentira
cabeluda, mas precisava de alguma desculpa que não fosse “estava no quarto
do seu pai, dando para ele”.
— Você vai morrer, Bruna? Ou vai me morder?
— Não! Não estou doente nem vou te contaminar. Isso só aconteceria
se eu tivesse alguma doença bizarra, te mordesse e você morresse, aí sim
acordaria como zumbi. — Meu Deus, nem eu estava me entendendo. — Mas
não... sonambulismo é normal.
— É? Eu sou sonambulismo?
— Sonâmbula — consertei ela.
— Eu sou sonâmbula?
— Não!!! — Levantei-me e puxei Sophia pelas mãos, para mudarmos
de assunto. — Você já comeu? Leve do jeito que esse corpinho está, acho
que não, né?
Fiz cócegas, ouvi seus gritinhos, e depois arrastei a menina para a
cozinha, preparando um sanduíche reforçado para ela. Enquanto comia, não
teria muito tempo para continuar as perguntas sobre quartos e, portanto, eu
não corria o risco de me entregar tão facilmente para aquela detetive mirim
do FBI.
Coloquei-a sentada sobre o balcão da cozinha e me sentei ao lado,
balançando no ar os meus pés junto com os dela. Ainda era tudo muito
estranho para mim, ter dormido com Benjamin, mas ao mesmo tempo, eu me
sentia completa em estar com ele e Sophia naquele chalé.
— Cadê o papai? — perguntou, lambendo os dedos.
— Deve estar dormindo...
— Ele nunca dorme tanto.
— Coitado Soso, ele fez muita coisa ontem. Deixe que descanse um
pouco e, enquanto isso, que tal você me ajudar a guardar algumas coisas que
não iremos mais usar?
Assim consegui ocupar aquela mente incansável e não precisei ficar
inventando mais nenhuma desculpa. Benjamin apareceu um pouco depois de
começarmos a arrumação e veio nos ajudar. Não quis falar nada, mas já me
sentia nostálgica por ter que em breve deixar para trás o chalé paradisíaco e
cenário de um marco em minha vida.
Quando a maior parte das coisas estava arrumada e pronta para ser
guardada no carro, relaxamos um pouco para aproveitar o restante do dia.
Benjamin acendeu a lareira e deitamos os três no tapete, até que Sophia
resolveu que devíamos brincar de mímica. Num determinado momento, foi
minha vez de jogar para que um dos dois acertasse.
— É um... pássaro? — Benjamin perguntou e eu neguei. — Um barco?
Avião? Helicóptero?
Meu Deus, o que tem de bonito tem de burro! Desde quando avião fica
parado no mesmo lugar? Revirei os olhos e continuei com minha
performance. Sophia rolava de rir no chão, não conseguia falar nada.
— É uma droga de um elefante? — chutou Benjamin, irritado.
— Acabou o tempo! — gritei. — Era uma árvore!
— Por que você estava agitando os braços?
— Ora, os braços imitavam os galhos — expliquei, voltando a fazer o
movimento. — Assim, no vento.
— Parecia que estava voando — disse ele, quase levando um tapa.
Quando estávamos preparados para deixar a casa, esperando apenas
Sophia terminar de ir ao banheiro, Benjamin me abraçou por trás e beijou
meu rosto.
— Gostou da viagem? — perguntou.
— É claro! Obrigada por ter me convidado!
Ele me soltou e me virou para ficar de frente para ele. Seus dedos
contornaram minhas sobrancelhas e sorriu com sua cara de safado.
— Posso contar uma coisa? — Ele nem esperou pela minha resposta.
— É realmente uma dádiva eu não estar mais com a Rose e você ter vindo no
lugar dela. Foi a melhor coisa que aconteceu nos últimos meses.
— Eu concordo. — Revirei meus olhos. — Imagina se eu tivesse que
passar o feriado com a Abigail, enquanto você e a sirigaita loira estivessem
aqui, curtindo a lareira?
Ele gargalhou e me deu um beijo rápido no instante em que Sophia
apareceu. Ela passou por nós correndo e entrou no carro, falando algo sobre
precisar ir para casa arrumar as suas bonecas, pois algumas precisavam ser
jogadas fora. Torci que fossem aquelas em homenagem à Rose.
— Devia ter alugado o chalé por mais tempo, sabia? — provoquei
Benjamin, passando minha língua pelo lábio. — Mal aproveitamos, nem deu
para usar o ofurô que vi na varanda dos fundos.
— Esqueceu que a senhorita me deu trabalho? — Ele riu e envolveu
minha cintura. — Demorou um tempinho até tirar as roupas.
— A Bruna não sabe tirar a roupa? — Sophia perguntou, colocando a
cabeça pela janela para nos observar.
— Ela sabe, querida — respondeu o pai dela, porque eu é que não teria
o trabalho de explicar. — Só não gosta. Moças bonitas não devem ficar
tirando a roupa, e como Bruna é muito inteligente, ela sabe muito bem disso.
Assim como você saberá quando crescer. Quanto mais roupa você usar, mais
inteligente e bonita será.
Pais... São todos iguais.
— A Bruna disse que no país dela algumas garotas andam quase
peladas e são muito bonitas.
Benjamin olhou para mim, estreitando os olhos e com cara de quem
queria me esganar. Eu abri um sorriso bem sincero e me desculpei
mentalmente. Aproveitei aquele momento para entrar no carro e ligar o som.
Ele se inclinou sobre a janela de Sophia e estalou a língua muito alto.
— É diferente, meu anjo, porque faz muito calor em alguns lugares do
país da Bruna, então as garotas estão acostumadas a usar pouca roupa. Tem
que prestar atenção, aqui no nosso país você deve andar toda vestida, ok? E
se tirar a roupa perto de algum garoto, então vai perder toda a sua
inteligência.
Tive que me contorcer no banco para não rir e me virei para trás,
encontrando Sophia com os olhos arregalados. Ainda bem que meu pai nunca
foi chato com essas coisas. Aliás, ele não era chato com nada. Ele nem
lembrava se eu estava em casa ou sequestrada em algum canto.
— Eu não quero ficar nem feia e nem burra — disse Sophia,
horrorizada, cruzando os braços.
Olhei de canto de olho para Benjamin, que tinha entrado no carro e
agora dirigia tranquilamente, com um sorriso no rosto. Ele exagerou com a
história toda, um dia eu precisaria tirar o trauma da menina, ou ela acabaria
usando roupas de frio em pleno verão.
A volta foi um pouco mais cansativa do que a ida, pois estávamos
naquele clima de “fim de férias” e eu ainda por cima estava cansada por conta
da aventura da noite anterior. Foi impossível resistir ao sono e agradeci por
Benjamin não ser daqueles motoristas que não gostam de dorminhocos ao
lado.
Era muito tarde quando chegamos, pois ele precisou dirigir devagar por
causa das pistas escorregadias. A sala estava acesa, o que informava a
presença de Abigail, para meu terror. Ainda não sabia como enfrentaria sua
ira por causa do livro que peguei.
— Benjamin! — Puxei a manga de sua jaqueta antes que ele passasse
pela porta. — Preciso de ajuda...
— O que foi?
Esperei que Sophia entrasse em casa e se afastasse para explicar. Ele
caiu na risada, concordando que Abigail não ficaria feliz comigo.
— Sempre há a hipótese de ela ainda não ter dado falta disso —
sussurrou, encolhendo os ombros. — Basta colocar onde encontrou.
— Benjamin, esse livro é o tipo de material que a gente sente falta
assim que perde. Ela vai envenenar minha comida.
Ele enfiou a mão na minha bolsa, onde estava muito bem guardada
aquela preciosidade erótica. Antes que eu pudesse reclamar, Abigail
escancarou a porta e cumprimentou seu patrão, olhando para mim com sua
expressão tediosa de sempre.
— Boa noite, Abigail. Como foi seu feriado? — ele a cumprimentou,
esticando a mão com a qual segurava o livro. — Antes de mais nada, quero
devolver algo que peguei emprestado do seu quarto. Precisava aprender
coisas novas.
Os olhos pretos intimidadores quase saltaram das órbitas quando ela
reconheceu o que ele segurava. E por fim, Abigail revirou os olhos e tombou
para trás, desmaiando bem na nossa frente.
Juro que quando vi Benjamin erguer o corpo da mulher, pensei que eu
seria a próxima a desmaiar, mas acabei correndo para ajudá-lo.
— Benjamin, o que você fez? — reclamei, enquanto abanava o rosto de
Abigail, que ele acabara de deitar no sofá.
— Papai, a Abigail morreu? — Sophia estava de olhos arregalados,
empoleirada no encosto, olhando com uma expressão fúnebre para a
empregada.
— Não, querida. Ela só não está se sentindo muito bem. É melhor você
ir para seu quarto, Sophia. Abigail precisa de espaço.
A menina obedeceu e eu me aproximei de Benjamin, que agora
colocava os pés de Abigail para o alto. Ela com certeza tinha hiperventilado
tanto que o corpo não aguentou o tranco. O que me levava a uma questão:
será que fantasiava com Benjamin?
— Bruna, por que não pega uma água para ela?
— Ela está desmaiada, como vai beber água?
Ele revirou os olhos e eu sorri, indo até a cozinha e enchendo um copo
para levar de volta à sala. A não ser que ele pretendesse jogar a água no rosto
da pobre mulher, eu não via de que forma seria útil. No entanto, quando eu
me aproximava, Abigail parecia recobrar a consciência.
— O que aconteceu? — ela perguntou enquanto Benjamin ajudava a
sentar.
— Você desmaiou, Abigail — disse ele, pegando a água que entreguei.
— Como se sente agora?
A mulher piscou algumas vezes e finalmente pareceu voltar à realidade,
pois quando percebeu que Benjamin a encarava, tratou de ficar de pé em
questão de segundos e se afastou.
— Estou muito bem, senhor Reed. — Ela alisou o avental e ergueu o
queixo, orgulhosa. E então se virou para mim e me olhou como se eu tivesse
apontado uma arma na direção da sua cabeça.
Engoli em seco, achando que aquele seria o momento em que Abigail
acabaria com a minha vida, mas ela simplesmente suspirou e saiu rumo à
cozinha. Benjamin e eu estávamos em silêncio, sem entender absolutamente
nada, mas enquanto encarávamos um ao outro, nossos lábios acabaram se
movendo e quase deixamos nossas risadas escaparem.
Ele riu baixinho quando subimos a escada e a primeira coisa que fiz, foi
entrar no meu quarto e me jogar de costas na cama. Tinha dormido no carro,
portanto estava sem sono, mas meu corpo pedia por um banho quente e uma
cama macia. Não necessariamente nessa ordem, dependeria de Benjamin.
Não demorou para que ele aparecesse de pé na minha porta. Nós apenas
nos olhamos e trocamos sorrisos. Quando se afastou, eu me levantei para ir
até o quarto de Sophia.
— Soso, vamos descansar e amanhã a gente desfaz a sua mala — falei,
beijando o topo da cabeça dela, que estava sentada na cama, jogando no
tablet.
— Tá bom. A Abigail morreu?
— Não! — exclamei, horrorizada. — Credo, você é muito sádica, Soso.
Ela só deu de ombros e eu tirei o aparelho eletrônico de suas mãos,
avisando que precisava se preparar para dormir. Ajudei-a com o banho e a
trocar de roupa, e antes de deixar seu quarto, ouvi sua voz abafada pelo
travesseiro:
— Bruna, pode levar o lixo?
Virei-me na direção da pequena lixeira rosa que havia no quarto e vi
vários pedaços de bonecas loiras amontoados ali dentro. Tirei o saco e dei um
nó antes de apagar a luz de seu quarto e me despedir.
Assistia a um seriado na Netflix, no conforto da minha cama, quando
meu celular tocou. Estranhei ao ver o nome de Benjamin na tela, sendo que
ele estava na mesma casa que eu, alguns metros do meu quarto.
— Bruna?
— Por que está me ligando? — perguntei, rindo como uma doida.
— Queria marcar um encontro com a senhorita.
— É mesmo? — Revirei meus olhos, mas entrei na brincadeira. — Para
quando seria? Preciso conferir a data na minha agenda.
— O ideal seria neste exato momento — respondeu com uma voz sexy
demais para minha saúde mental.
— Entendo. Você está me convidando para ir ao seu quarto, Benjamin?
— Ou eu posso ir ao seu se achar que é muito longe para se
locomover.
Escutei uma risadinha ao fundo e mordi meu lábio, ansiosa.
— Acho que pode ser no meu, vamos variar um pouco — respondi.
— Chego em cinco minutos.
Ele desligou e eu levantei correndo para tentar arrumar o máximo
possível a minha bagunça. Catei as calcinhas e meias que estavam jogadas
sobre a cômoda e enfiei tudo dentro do armário. Os tênis eu empurrei para
debaixo da cama e a roupa suja joguei num cantinho no chão do banheiro.
Meu cabelo estava oleoso e eu não quis lavar porque daria trabalho
para secar, estava tarde demais. A solução foi prendê-lo num rabo de cavalo
bem alto para dar um charminho e aproveitei para trocar de roupa. Não ia
receber Benjamin em meu quarto, vestida daquele jeito, com pijama preto de
bolinhas roxas.
Lingerie, lingerie... Estava fuçando minha gaveta de calcinhas,
procurando por algo legal para usar. Eu sabia que tinha, só não estava
achando. Então ouvi a batidinha na porta, não tinha mais tempo para me
trocar. Azar então, decidi ficar logo pelada e fui abrir para Benjamin, assim
ele nem teria trabalho em me despir.
— Que tal? — perguntei, mas meu queixo caiu quando vi Abigail me
encarando, com um cesto de roupas nos braços.
De uma coisa eu tinha certeza: ela não tinha nenhum interesse sexual
por mim, pois não desmaiou, como aconteceu diante de Benjamin.
— Suas roupas foram lavadas e passadas — declarou, empurrando o
cesto para cima de mim.
— Obrigada! — respondi rápido e sorri, fechando a porta antes que a
situação se tornasse ainda mais constrangedora, porque logo ela flagraria o
patrão caminhando animado pelo corredor.
Quando, finalmente, ouvi uma nova batida alguns minutos depois, abri
a porta com pressa e puxei Benjamin pela camisa antes que mais alguma
coisa acontecesse.

Se na primeira vez Benjamin foi paciente comigo, não podia falar o
mesmo de agora, pois depois da terceira rodada, eu passei um tempo
encarando o teto, pensando em como faria para andar direito no dia seguinte.
Eu nem sequer teria forças para descer a escada, minhas pernas finas
tombariam no primeiro degrau.
— Cansada? — perguntou o filho da mãe, mordendo meu ombro. —
Ainda nem tomou o seu leite da noite...
Virei meu rosto para ele, chocada com aquela boca suja. Estava rindo e
apertando seu queixo quando a maçaneta da porta sacudiu e chamou nossa
atenção. Nós dois congelamos com o susto, mas me lembrei que tinha
trancado antes de virmos para a cama.
— Bruna? — Sophia, do outro lado, estava choramingando. — Bruna...
Meu coração apertou no mesmo segundo e só consegui pensar que ela
precisava de mim. Empurrei Benjamin para o lado e me levantei da cama,
andando em círculos enquanto corria os olhos pelo quarto e pensava onde
esconderia aquele homem tão grande.
— Benjamin, vá para o banheiro! — ordenei, apontando a outra porta.
— O quê? — Ele ficou chocado. — Não!
— Ela não pode encontrar você aqui, seu doido.
Muito a contragosto, ele saiu da cama e caminhou lentamente na
direção do banheiro. Parecia querer me irritar, isso porque era o pai da
criança. Empurrei-o pelas costas e fechei a porta do banheiro, sorrindo
gentilmente para o homem.
— Juro que não vai demorar — prometi, mas não tinha a menor ideia.
Vesti meu pijama que estava jogado no chão e quando finalmente abri a
porta, fiquei surpresa pela expressão da menina, com olhos vermelhos e rosto
com aparência de quem tinha chorado muito.
— Soso, o que houve?
— Tive pesadelo. — Ela agarrou minha cintura e afundou o rosto na
camisola. — Sonhei com ursinhos, Bruna!
— Ah sim, ursinhos são muito assustadores — murmurei, prendendo o
riso e alisando suas costas.
Enquanto consolava uma Sophia chorosa por ter sonhado com ursinhos
coloridos que invadiam a Terra e matavam todos os humanos, começava a
ficar tensa com Benjamin dentro do meu banheiro. Não era realmente o local
mais confortável para aguardar. Será que eu tinha deixado alguma calcinha
pendurada no box?
— Que tal se eu for com você para seu quarto e ficar lá até que durma?
— sugeri, segurando-a pela mão. — Você não terá outro pesadelo, meu amor.
— Deixa eu dormir aqui? — ela pediu, erguendo o rosto para mim e
fazendo seu famoso biquinho.
Ah, meu Deus. Quem teria pesadelos depois seria eu, sonharia que
Benjamin se transformava num monstro aquático dentro do meu banheiro.
Pensei que poderia deixá-la dormir ali, ou pelo menos achar que dormiria. Aí
quando Sophia finalmente adormecesse, Benjamin a levaria de volta para seu
próprio quarto. No entanto, antes de permitir que ela se deitasse, eu me
lembrei que tínhamos suado e gozado naqueles lençóis. Não podia deixar que
Sophia.
— Vamos fazer assim, Soso. Você me ajuda a trocar a roupa de cama
suja e então eu a deixo ficar aqui. Tudo bem?
Ela nem respondeu, só saiu puxando o lençol e jogando tudo no chão
de qualquer jeito, enquanto eu usava um lençol limpo para forrar a cama.
Tirei um novo cobertor do armário e afofei os travesseiros, deixando que
viesse deitar ao meu lado.
— Sabe, Soso, ursinhos não são monstros — expliquei, alisando sua
franjinha. — Você gosta de zumbis, que são bem piores!
— E do Alien!
— Sim, essa é a questão. Como pode ter medo de ursinhos?
— Eles invadiram o mundo, Bruna.
Sabia que não era o tipo de conversa que iria vencer, então não perderia
meu tempo. Ficamos conversando sobre outras baboseiras, anotando
mentalmente tudo que Sophia dizia querer ganhar de Natal. Em poucos
minutos, ela já dormia.
Levantei devagar e andei silenciosamente até o banheiro, encontrando
Benjamin sentado sobre a tampa do vaso sanitário, de braços cruzados e uma
expressão muito zangada.
— Você precisa levar Sophia para o quarto — declarei, deixando que
saísse. — Em silêncio.
— Pesadelos com ursinhos? — Ele balançou a cabeça quando parou ao
pé da cama, observando a filha. — Ela precisa voltar a fazer terapia. E você
precisa parar de assistir filme de terror com ela.
Benjamin começou a se vestir e depois puxou o cobertor para deitar ao
lado de Sophia, que ocupava o centro da cama.
— O que você está fazendo? — perguntei, com receio de que ela
acordasse naquele momento. — Benjamin, sai daí antes que a acorde.
— Venha dormir, Bruna.
— Com ela aí? — Minha voz aumentou alguns tons, chocada como eu
estava.
— Pare de sussurrar — disse ele, rindo. — Vou colocar as duas no
psicólogo.
Ainda um pouco ressabiada, deitei-me do outro lado de Sophia, como
se estivesse deitando numa cama cheia de pregos. A impressão era de que ela
acordaria a qualquer momento, apontaria para nós dois e gritaria algo como:
“Peguei vocês, safados!”.
Deitada de costas, com as mãos sobre minha barriga, tentei respirar da
forma mais silenciosa possível. Tinha até medo de me mexer e Sophia
despertar, então torci para conseguir ficar imóvel a noite toda.
— Está parecendo um defunto desse jeito — murmurou Benjamin,
cutucando minha cabeça com o braço esticado por cima da filha. — Relaxa,
meu bem.
— Cala a boca! — resmunguei e dei um tapa na mão dele — Eu vou
para o inferno.
— Deixe de neurose, Bruna. Sophia adorava dormir assim, entre mim e
Sarah.
— Mas vocês eram os pais. Eu me sinto depravada fazendo isso.
— Nós não estamos fazendo nada. A roupa de cama está limpa,
estamos vestidos de forma decente e longe um do outro. Não tem nada de
absurdo nesse cenário.
Benjamin voltou a mexer no meu cabelo e depois de cinco minutos de
cafuné, não escutei mais as últimas palavras dele, meus olhos pesaram
demais e acabei deixando as pálpebras caírem.
Não sonhei, não tive pesadelos. Dormi um sono profundo e quando abri
os olhos, a primeira coisa que vi foi Sophia sentada em posição de lótus,
observando a nós dois.
— Boooom diaaaaaa! — gritou e se jogou em cima de mim.
— Nossa. — Tossi com o ar que me faltou e limpei a garganta,
enquanto cutucava Benjamin. — Bom dia, Soso.
— Bruna, isso significa que você vai me dar vários presentes também?
— Ah... Sim — respondi, sem acompanhar sua linha de raciocínio. —
Seu pai vai me dar muito dinheiro também.
— Estou de olhos fechados, mas estou ouvindo vocês duas — declarou
o dorminhoco, com um sorriso no rosto.
Sophia me soltou e se jogou em cima do pai, me deixando com um
pouco de inveja. Quando a criança se sentou e começou a fazer perguntas, eu
me senti um pouco constrangida. Uma coisa era dar uma escapadinha para ter
uma tórrida noite de sexo com o pai dela, outra bem diferente era encarar
Benjamin à luz do dia e conversarmos os três como se fôssemos uma família.
— Querida, antes de responder a tudo isso, acho melhor tomarmos o
café da manhã. — O pai dela a pegou no colo e a carregou para fora da minha
cama
— A gente não pode dormir mais um pouco? Eu fico quietinha.
— Não — respondeu ele, encerrando o assunto.
Então a colocou para fora do quarto, deu um tapinha na bunda dela e
mandou que fosse trocar o pijama. Só me dei conta de que estava na mesma
posição, assistindo a toda a cena bonitinha, quando Benjamin se aproximou e
tocou meu queixo com o dedo.
— Meu reino pelos seus pensamentos — murmurou, dando-me um
selinho.
— Não é nada. — Eu ri, sentindo meu rosto esquentar enquanto ele me
observava com tanta atenção. — Estou só sem saber como agir com essa
situação.
— Bruna, não é segredo para ninguém que minha filha é louca por
você. — Ele se sentou do meu lado e enfiou os dedos pelos meus cabelos
bagunçados. — Sophia há muito tempo sonha que você se torne minha
namorada.
Eu sabia que a menina torcia por mim e... Calma. O quê? Benjamin
deve ter notado a confusão em minha cabeça, pois ele aproximou o rosto do
meu e sussurrou bem perto da minha boca:
— Vai facilitar as coisas para mim e aceitar o pedido?
— Você... — Engoli em seco e suspirei. — Não fez um pedido...
— Quer ser minha namorada?
Estava preparada para gritar um sim bem alto quando vi Sophia nos
espiando pela fresta da porta.
— Nós temos uma espectadora bem ali — falei, denunciando sua
posição.
Como Benjamin estava com um humor radiante, achou graça da
situação e me deu um selinho antes de se levantar. Ele me deixou sozinha
para que me trocasse com calma e desceu, levando a filha pela mão. Quando
eu realmente estava só, antes de tomar coragem para começar o dia, afundei o
rosto no travesseiro e gritei, tamanha minha empolgação. Não acreditava que
tudo aquilo estava mesmo acontecendo.
Três dias depois e a vida tinha voltado perfeitamente ao normal. Ou
quase isso, afinal, Abigail parecia me odiar mais do que nunca e me lançava
olhares que causavam calafrios. Eu ainda não tinha conseguido um tempo
para conversar com Benjamin sobre o namoro, porque não cheguei a dar
nenhuma resposta naquele dia. Portanto, não fazia ideia se estava ou não
comprometida.
Tinha acabado de deixar Sophia na porta da escola e parei para enviar
uma mensagem ao pai dela, perguntando se ele chegaria muito tarde ou se
teríamos tempo para conversar.
— Ei, sumida! — Virei-me para ver quem falava comigo e dei de cara
com Jessica, apertada numa roupa de ginástica e com um sorriso no rosto. —
Quanto tempo não a vejo!
— É verdade, está tudo bem?
— Agora, sim. — Ela encolheu os ombros e revirou os olhos. — Sabe
como são gêmeos... Quando um fica doente, o outro cai junto. Eles ficaram
alguns dias em casa e eu quase enlouqueci.
Não consegui prender o riso, mas me solidarizava por ela ao imaginar
duas Sophias aprontando as piores coisas.
— Espero que eles estejam bem — respondi, guardando meu celular no
bolso. — Ei, vamos tentar combinar nossas folgas na próxima semana, para
fazermos alguma coisa juntas.
— Claro! Os meus patrões são muito tranquilos, não vão se importar se
eu alterar minha folga por um dia.
Achei ótimo, já tinha algum tempo mesmo que eu queria marcar com
Jessica de sairmos e curtirmos um pouco sem crianças por perto. Ela tinha
começado a citar lugares onde poderíamos ir, quando vi Joseph nos
observando a alguns metros de distância. Como não parei de conversar, o
professor não se deu por satisfeito e começou a se aproximar de nós duas.
— Bom dia, senhoritas. — Joseph parou do meu lado e, ao segurar meu
cotovelo, notei o olhar de Jessica para aquele gesto. — Bruna, posso falar
contigo?
Enquanto ele me puxava para longe dela, eu pensava que realmente
precisava de alguém para jogar conversa fora e desabafar. Principalmente
porque, em poucos minutos, eu estaria dando um belo fora no cobiçado
professor sorridente e carente demais.
Nós paramos debaixo de uma árvore, afastados dos olhares curiosos e
das mães fofoqueiras. Não queria ter aquela conversa bem ali, mas sabia que
devia isso a ele. Cá entre nós, Joseph tinha se mostrado uma boa companhia
quando não estava tentando me beijar.
— Você tem ideia de quantos dias eu estou tentando falar com você?
— questionou, cruzando os braços. — Você sumiu do mapa desde o feriado
de Ação de Graças. Podia pelo menos ter retornado minhas vinte ligações.
— Eu sei, precisava mesmo falar com você, mas tem muita coisa
acontecendo e eu acabei esquecendo.
— Que tipo de coisa? — Ele franziu a testa. — Você está bem? É algo
com Sophia?
— Estamos bem.
Acabei me sentindo culpada por vê-lo realmente preocupado, até
mesmo com Sophia. Joseph era um homem legal, só tinha se interessado pela
garota errada.
— Eu devo mesmo uma explicação a você. — Respirei fundo e
procurei coragem para falar o que precisava. — Não acho que devemos nos
ver mais, Joseph. Ou melhor, vamos sempre nos ver, é claro, você trabalha
aqui. No entanto, não podemos mais sair.
Definitivamente, ele não esperava por nada do que eu disse. Seus olhos
se arregalaram e sua boca abriu e fechou, enquanto descruzava seus braços e
tocava os meus.
— Por que não? — perguntou, com a testa franzida.
— Porque eu estou com Benjamin.
Demorou alguns segundos para ele absorver minha resposta.
— Benjamin, seu patrão?
— O próprio — confirmei.
— Desde quando?
— É complicado... — Eu pensei em dizer a verdade, que já tinha rolado
beijo roubado aqui e ali, e que também era apaixonada por ele há algum
tempo, mas pensei melhor e não achei necessário fazer o professor sofrer
ainda mais. — Aconteceu na viagem, nós... ficamos juntos.
— Juntos? — Ele estreitou os olhos, como se esperasse uma explicação
melhor. O que queria? Que eu contasse quantas vezes transamos?
— Sim, Joseph. Juntos... Como um casal.
O professor franziu os lábios e encostou no tronco da árvore, baixando
a cabeça e encarando os pés. Eu sabia que não era fácil entender, conseguia
me colocar no lugar dele e me imaginar ouvindo isso de outra pessoa.
— Eu venho tentando estreitar nossa relação desde que a conheci e
você sempre me repele — comentou, voltando a me encarar. — Mas bastou
uma viagem para ficar com seu patrão?
Ignorei a forma um pouco rude como comentou, porque eu realmente o
achava uma pessoa bacana e sabia que estava apenas magoado. Com muita
paciência, passei alguns minutos explicando que o namoro era verdade e ele
teria que aceitar a situação. Disse que esperava que fôssemos amigos, caso
ele ainda quisesse, e me despedi assim que consegui.
A conversa com Joseph me deu muita coragem para enfrentar uma
outra pessoa, com a qual já tinha passado da hora eu tentar conversar e
acertar as coisas. Ao chegar em casa, fui procurar por Abigail e entrei na
cozinha, onde ela estava lavando louça.
— Podemos conversar? — perguntei ao me aproximar e recebi silêncio
como resposta. — Sabe, acho que começamos com o pé esquerdo. Eu não
tenho nada contra você, então penso que poderíamos conviver de forma mais
pacífica. Não acha?
— Estou trabalhando.
— Sim, eu sei. Quer que eu ajude a secar enquanto você lava?
— Você é a babá? — ela me perguntou sem me olhar.
— Sou — respondi, feliz em ouvir sua voz.
— Então, é apenas a babá.
Franzi meus lábios diante daquela simpatia toda e fui me sentar à mesa
quadrada, observando seu trabalho robótico.
— Vamos, Abigail, me conte qual é o seu problema comigo — pedi,
quase implorei. — Por que você não gosta de mim?
— Não coloque palavras na minha boca.
— Mas eu sei que você não gosta de mim — insisti. — Eu só queria
saber se existe algum motivo, se alguma vez eu disse algo que você não
gostou, sei lá.
Ouvi a mulher suspirar profundamente, largando o pano de prato sobre
a pia e virando-se para me encarar de braços cruzados. Ela não parecia de
bom humor.
— Se eu responder qualquer coisa você me deixa trabalhar em paz?
— Não quero qualquer resposta inventada, quero a verdade.
A governanta suspirou e se virou novamente para a pia, voltando a
trabalhar na louça suja.
— Não gosto de ninguém — declarou, deixando-me boquiaberta com
sua enorme sinceridade. — Só dos meus pais.
— Que bom, pelo menos... — murmurei, tentando sorrir. — Você os vê
sempre? Onde eles moram?
— Eles já morreram.
Uau. Que maravilha. Isso significa, então, que ela não gostava de
nenhum ser vivo? Quis rir descontroladamente, mas engoli a graça e me
penalizei um pouco pela mulher. Não era saudável viver sempre de mal com
a vida.
— Vai me deixar em paz agora? — perguntou ela, virando o rosto para
me olhar.
— E da Sophia, você não gosta?
— Aprendi a não nutrir sentimentos pelas pessoas para quem trabalho.
Pela forma cruel como me olhou, sabia que nossa conversa tinha
acabado. Decidi deixá-la com seus afazeres domésticos e parar de perturbar a
mulher. Já tinha sido uma vitória conseguir que ela trocasse mais que duas
palavras comigo e, ainda por cima, fosse sincera a tal ponto.
Quando Benjamin chegou em casa à noite, eu me sentia muito satisfeita
com meu dia produtivo. Depois do papo com Abigail, aproveitei para marcar
a saída com Jessica, que estava radiante no telefone. Também estava
inspirada o bastante para coletar informações sobre os cursos que eu poderia
fazer e com alguns cálculos rápidos, cheguei à conclusão que não passaria
fome se usasse uma parte do meu salário para a mensalidade.
Depois do jantar, Sophia se sentou entre mim e Benjamin no sofá para
que assistíssemos um filme de comédia. Preparamos algumas guloseimas e
refrigerante, mas confesso que quem mais comeu foi a criança. Eu não queria
encher muito o estômago, porque tinha esperanças de terminar o dia na cama
do meu chefe-namorado.
— Vamos sair amanhã? — Benjamin me perguntou por cima da cabeça
da menina.
— Oba! — Ela se agitou, batendo palmas. — Vamos ao cinema?
— Sophia, querida, dessa vez o papai vai sair sozinho com a Bruna —
disse Benjamin, jogando um balde de água fria sobre ela.
Fiquei com meu coração na mão com aquela resposta. Eu sabia como
ela amava os passeios com o pai, então seria horrível deixá-la em casa com
Abigail.
— Por que não podemos levar Sophia? — perguntei.
— Porque vocês dois vão namorar, Bruna. — Ela mesma balançou a
cabeça, como se eu fosse uma idiota.
— Eu já entendi, sua encrenqueira. — Apertei seu nariz. — Não me
olhe assim, estava tentando interceder por você.
Quando percebi que ela responderia alguma coisa, iniciei meu ataque
de cócegas e consegui fazê-la esquecer rapidinho do assunto. Depois que
Sophia parou de rir e gritar, Benjamin deu o play novamente no filme e a
conversa cessou quando ela voltou a prestar atenção.
Um pouco mais tarde, quando eu já tinha preparado Sophia para dormir
e a deixei no quarto, voltei para a sala de TV, onde Benjamin esperava por
mim, deitado no sofá. Eu me estiquei ao lado dele e enrosquei minhas pernas
nas suas, beijando seu pescoço cheiroso.
— Vamos mesmo sair amanhã? — perguntei e ele assentiu, alisando
minhas costas. — Tem certeza que vai deixar Sophia em casa? Justo com
Abigail? Você não acha que ela é um pouco... fria?
— Abigail nunca foi sorridente, nem engraçada, muito menos amorosa.
— Ele encolheu os ombros e sorriu. — Mas é eficiente e responsável. — Ele
pegou minha mão e beijou meus dedos, sem tirar os olhos dos meus. —
Sairemos para jantar e você poderá, finalmente, tomar vergonha na cara e me
dar a resposta para a pergunta que fiz há alguns dias.
Eu podia simplesmente falar ali, naquele momento, mas confesso que
estava gostando de vê-lo insistir. Sorri, me divertindo com sua expressão
frustrada, e beijei sua boca, mordiscando o lábio tão suculento. Não sabia se
rolaria algo mais do que aqueles beijos no sofá, mas estava tentando. A
verdade é que desde o dia em que dormimos juntos com Sophia na mesma
cama, Benjamin não tentou mais nada comigo. Com exceção dos selinhos
durante o dia, eu terminava a noite sozinha no meu quarto.
Agora mesmo, bem naquele instante, Benjamin estava se levantando e
me puxando junto. Subimos a escada com nossas mãos entrelaçadas, mas ao
pararmos diante da minha porta, ele me soltou e me beijou na testa.
— Não esqueça de me esperar pronta amanhã, pois sairemos assim que
eu chegar — avisou. — Boa noite, Bruna.
— Desembucha logo, Benjamin! — Coloquei minhas mãos na cintura e
olhei para ele com firmeza. — Anda, fala.
— O quê?
— Por que está assim? — perguntei, confusa. — Você nem está me
tocando direito. Tem certeza de que quer sair para jantar? Sério, você não me
deve nada, eu vou entender se foi uma coisa de uma noite. Ou duas.
— Bruna...
— Ou que você tenha mudado de ideia, eu sei lá. — Lancei meus
braços para o alto e os deixei cair ao lado do corpo. — Mas eu prefiro que
fale do que fique enrolando.
— Bruna. — Benjamin segurou meu rosto, rindo da minha cara, e
balançando a cabeça. — Não enlouqueça. Não tem nada acontecendo, eu só
estou me vingando de você. Por acaso, a senhorita me deixou esperando por
uma resposta há três dias, então você só vai tocar neste meu corpinho, quando
formos namorados.
Ele só podia estar de sacanagem com a minha cara. Fechei a boca para
não xingar o homem à minha frente e respirei fundo. Quis bater naquele rosto
bonito, mas me controlei. Estava pronta para dizer sim com todas as letras,
mas quando abri a boca para falar, ele colocou um dedo sobre meus lábios.
— Você me fez esperar todos esses dias, agora pode esperar até
amanhã. — Beijou-me novamente na testa. — Boa noite, anjo.

Depois de deixar Sophia na escola, voltei para casa e me preparei para


encontrar Jessica, que só teria horário livre na parte da manhã. Escolhemos
um shopping do bairro, um lugar tranquilo e cheio de lojas para pessoas ricas.
Havia um café com mesinhas espalhadas num canto mais isolado e foi lá que
nos sentamos com nossos copos térmicos.
— Está animada para seu primeiro Natal no país? — ela perguntou
quando me viu esfregar uma mão na outra.
Não podia dizer que Malibu possuía um inverno rigoroso, mas também
não se comparava ao clima do Rio de Janeiro. Desde novembro eu sentia a
temperatura cair mais à noite, principalmente, e meu costume com os
quarenta graus de sempre da cidade carioca não ajudavam a aguentar os
dezoito, quinze, às vezes, dez graus.
— Estou animada para o Natal, mas sinto saudade de usar roupas leves
nessa época do ano. Meu cérebro ainda não acostumou.
— Sei como é, bate mesmo saudade do verão. Mas como seu primeiro
Natal, tenho certeza que será inesquecível!
Bem, com certeza seria inesquecível mesmo, considerando o
relacionamento que eu estava prestes a iniciar com um homem muito
atraente. Pensando nisso, lembrei do motivo para querer uma amiga e sorri
para Jessica.
— Posso contar um segredo?
— Deve! — Ela se debruçou sobre a mesa. — Prometo que sei guardá-
los muito bem.
— Não é nada do tipo que ninguém possa saber. É que... eu estou
namorando. — Ela abriu um sorriso. — Ou melhor, vou começar a namorar
essa noite. Ainda não dei a resposta.
— Quem é o felizardo? — Jessica arregalou os olhos. — É o professor
Joseph?
— Não! — respondi rápido para que ela não criasse especulações. —
Eu saí com ele algumas vezes, mas não deu em nada. Na verdade, nunca tive
nenhum interesse amoroso por ele, sabe? Inclusive, acho que vocês dois
deveriam ser melhor apresentados.
Jessica revirou os olhos enquanto tomava um gole do café e eu
imaginei que aquilo seria o equivalente a uma resposta negativa.
— Bruna, eu já disse que o cara é um tremendo sedutor.
— Ele não é. Sério, Joseph é legal e bem atencioso.
Pensei nos momentos em que estive com ele. Tudo bem que Joseph
sempre tentou ficar comigo, mas nunca faltou com o respeito nas vezes em
que saímos. Às vezes, um boato se transforma em algo grande demais, mas o
professor merecia o benefício da dúvida.
— Acho que vale a pena pagar pra ver, talvez seja só boato —
comentei o que pensava. — Eu não estava interessada, mas Joseph é muito
bonito.
— E você quer que eu saia com ele?
— Não exatamente — respondi, tentando adivinhar a reação dele se
soubesse que eu o estava empurrando para outra mulher. — Isso é você quem
decide, mas podia começar passando para ele o número do seu telefone.
— Tudo bem, tudo bem. — Minha mais nova amiga levantou as mãos
em rendição. — Eu até estava envolvida com uma pessoa, mas não deu certo.
Acho que não custa nada ajudar esse pobre coitado.
— Sim, é muito sacrificante conversar com um homem bonito de
dentes perfeitos.
— Você não disse quem é o seu namorado.
O friozinho bateu no estômago e senti uma sensação gostosa ao pensar
em Benjamin como namorado. Como se eu tivesse mesmo todo o direito do
mundo de falar dele. Jessica deve ter notado o sorriso bobo em meu rosto,
pois revirou novamente os olhos.
— Ah, o amor! — Brincou ela.
— É meu patrão.
— O quê? — Surpresa, ela cuspiu o café que bebia e se atrapalhou toda
enquanto puxava guardanapos para limpar a bagunça.
— Credo, é tão ruim assim?
— É claro que não, Bruna! — Ela riu, balançando a cabeça e segurando
minha mão. — Desculpa, não foi a reação que você esperava. É que você
falou de forma tão natural e eu não esperava por essa revelação. Faz parte
daquele clichê de babá, não é?
Errada a Jessica não estava. Existia sim esse estereótipo de que
mulheres tinham ciúmes das babás, com medo de que seus maridos se
interessassem por elas. E eu estava ajudando a reforçar o tal clichê, mas não
me importava nem um pouco com isso.
Quando voltei para casa, me sentia mais leve. Pode não ter sido uma
conversa reveladora, mas só em ter desabafado com alguém já tinha feito
milagres por minha consciência. A manhã acabou sendo bem divertida com
Jessica, que ainda me deixou passar seu telefone para Joseph. Coisa que eu
fiz assim que pisei em casa.
No final da tarde, porém, eu já estava louca. Não sabia como era o
restaurante onde Benjamin me levaria, então estava muito insegura sobre o
que vestir. Por causa disso, acabei tirando de dentro do armário todas as
minhas roupas que poderiam ser usadas para um encontro noturno, e
espalhando sobre a cama. Nunca fui uma pessoa muito sensata na hora de se
vestir, então me sentia nervosa, pois queria ficar linda, queria que a noite
fosse perfeita.
— Sophia! — gritei, sabendo que ela viria rápido e em segundos entrou
saltitando no meu quarto. — Que roupa eu devo usar essa noite?
A pequena menina colocou as mãos na cintura, respirou fundo e
encarou a cama. Eu sentei e esperei que me ajudasse.

Justo quando abri a porta do quarto pronta para descer, dei de cara com
Benjamin, que também estava todo arrumado. Ele devia ter chegado e ido
tomar um banho enquanto eu me vestia, porque o cheiro de sabonete e seu
perfume estavam inebriantes. O homem incrível estava dentro de uma camisa
branca e um blazer cinza-chumbo, impecável, por isso agradeci mentalmente
por Sophia ter me ajudado a escolher um vestido bonito, de chifon bege, com
a cintura marcada e a saia assimétrica.
— Você está linda — disse ele, tocando minha cintura e me dando um
selinho. — Talvez eu deva cancelar a reserva e levá-la direto para o meu
quarto.
— Não, porque estou com fome e gastei muito tempo montando o look.
Benjamin riu e segurou minha mão, me guiando pela escada. Nos
despedimos de Sophia, que esperava ansiosa, sentada no sofá manchado, e
correu para nos dar beijos e desejar que nos divertíssemos.
Não consegui esperar muito tempo, portanto, assim que entramos no
carro e Benjamin começou a dirigir, encostei a cabeça no banco e virei meu
rosto, observando o espetáculo de homem ao meu lado.
— Posso dar minha resposta agora?
— Pode. — Ele sorriu, trazendo a mão até minha perna.
Aproveitei a oportunidade de pegarmos um semáforo vermelho e me
aproximei de seu ouvido, sussurrando:
— Minha resposta é um super e grande sim!
O sorriso de Benjamin aumentou e ele ficou em silêncio por um tempo,
até que suspirou e voltou a dirigir. Senti-me um pouco ansiosa à espera de
qualquer resposta, mas quando paramos novamente, ele me encarou e tocou
meu rosto.
— Estou apaixonado por você — declarou, surpreendendo-me com um
beijo intenso, até que ouvimos as buzinas atrás do nosso carro e descobrimos
que o sinal estava aberto. — Deveria ter esperado para confessar quando
estivéssemos jantando, sem pressa, mas não deu pra guardar por muito mais
tempo.
— Eu gostei que não tenha esperado — respondi, mordendo meu lábio
com tanta força que me machuquei, mas queria mesmo era morder cada
pedaço do homem ao volante. — Eu já sou apaixonada há um tempinho,
então é um alívio saber que não estou sozinha nesse barco.
Como tinha voltado a dirigir, Benjamin soltou uma risadinha e pegou
minhas mãos, levando-a até os lábios e beijando meus dedos. Meu coração
disparava com cada gesto romântico que vinha dele, então não era novidade
eu ter ficado toda boba enquanto recebia aquele carinho.
Ele não me soltou até chegarmos ao restaurante e depois que estávamos
acomodados em nossa mesa, seus olhos me encararam, muito atentos e
sérios.
— Algumas coisas que você precisa saber a meu respeito — ele
iniciou, ajeitando o guardanapo de seda sobre o colo. — Não tive nenhum
relacionamento sério desde que fiquei viúvo, Rose foi a primeira com quem
eu me envolvi a ponto de apresentar minha filha, mas não me apaixonei por
ela. Trabalho muito, Bruna. Muito mesmo, porque eu gosto do que faço, mas
quero mudar, quero poder ter mais tempo com Sophia.
Minha atenção foi desviada para o celular dele, que tocou em seu bolso.
Benjamin apenas olhou e silenciou a ligação, voltando a me encarar.
— Eu realmente acho ótimo que você queira se dedicar mais à Sophia.
Tenha certeza que serei a maior incentivadora pra que isso aconteça.
— Sei disso — respondeu ele, sorrindo até mesmo com os olhos. —
Não posso negar que a relação de vocês duas foi algo que me impactou e me
fez enxergá-la de outra forma.
Puxei o ar devagar, precisando desviar o meu olhar porque o de
Benjamin era intenso e desconfortante.
— Eu tenho um pouco de medo disso — confessei, mexendo no meu
guardanapo para ocupar minhas mãos. — Medo de não corresponder à
altura... A gente mora junto, o relacionamento vai estreitar e apressar as
coisas e... Se não der certo? Sophia vai sofrer...
O celular voltou a tocar e eu me incomodei um pouco, com receio de
que fosse Abigail ligando para avisar que Sophia se machucou. Benjamin o
silenciou novamente, mas não era o certo a fazer.
— Atenda, pode ser importante.
— Não é — declarou ele.
— Não me importo que fale no telefone, Benjamin. Mesmo que seja
trabalho.
— É Rose. — Ele segurou minha mão e me olhou nos olhos enquanto o
garçom deixava os cardápios sobre a mesa. — Ela tem me atormentado há
alguns dias, mas eu simplesmente não atendo. Não quero falar novamente
com ela.
A sirigaita estava insistindo, não é?
— Você quer que eu atenda?
Fiquei ansiosa em poder falar com Rose no telefone e dizer que
Benjamin estava muito ocupado jantando comigo, mas ele recusou minha
ideia e disse que só iria deixá-la mais obcecada. Como não queria estragar
nossa noite falando de coisas ruins, desisti da sugestão.
Estava concentrada, terminando de escolher o que ia comer, quando o
celular mais uma vez tocou, mas não era por chamada. Curioso, ele o tirou do
bolso e deu uma olhada na tela, arqueando a sobrancelha.
— Ela mandou mensagem — comentou, rindo, enquanto deslizava o
dedo para desbloquear o aparelho. — A insistência é grande mesmo.
Eu me dividi entre observar o que ele dizia e olhar o cardápio, mas
Benjamin ficou tão calado e com os olhos tão vidrados na tela, que eu me
preocupei. Ele soltou o celular sobre a mesa e me encarou com os olhos
arregalados e o rosto pálido. Com medo do que estava escrito, peguei o
telefone nas mãos e rolei a tela para ler a mensagem.

“Dane-se, se não quer me atender, vai ficar sabendo por mensagem.


Benjamin, seu canalha, eu estou grávida!
Acho melhor você aceitar falar comigo!”

Se a reação do Benjamin era um tanto desesperadora, posso adiantar


que a minha não foi muito diferente. Larguei o celular na mesa, como se
tivesse me queimado. Meu namorado ainda se mantinha em choque,
passando a mão pela nuca quando o garçom se aproximou e eu fiz um sinal
para que aguardasse.
— Você acha que é verdade? — perguntei a Benjamin.
— Não sei. Não me lembro de alguma vez ter esquecido a camisinha.
Por todo o tempo que eu já estava morando com Benjamin, ele nunca
me pareceu alguém negligente ou irresponsável a ponto de sequer se lembrar
se transou com ou sem preservativo. Achei estranho, até porque não confiava
em Rose e conhecia bem essa história antiga de usar gravidez falsa para
segurar um homem. No entanto, ele estava abalado demais e eu notei que o
garçom ainda esperava por instruções, por isso, decidi me posicionar.
— Podemos ir para casa, Benjamin — comentei, tocando a mão dele.
— Deixamos o restaurante para outro momento, o que acha?
— Não... — Ele balançou a cabeça e levantou os olhos, me encarando.
— Não quero estragar nossa noite.
Meu choque dera lugar a uma raiva grandiosa que quase me fez ter
coragem para jogar o celular dele no chão e pisotear, fingindo se tratar da
cara da biscate loira. Respirei fundo, olhando em volta, tentando me distrair.
— Você não estragou, mas sei que está abalado e pode não conseguir
comer nada. Não vai aproveitar direito.
Eu nem me reconhecia diante de tanta maturidade, mas só estava
agindo assim por causa de Benjamin. A vontade dentro de mim era
simplesmente esganar a vaca.
— Se Rose está mesmo grávida, o bebê não pode ser meu — ele falou
com tanta convicção que eu acreditei. — Rose tomava pílula e sempre
usamos camisinha.
Eu simplesmente não podia acreditar que aquele homem sentado na
minha frente podia ser tão inocente. Benjamin nunca ouvira falar no golpe da
barriga?
— E quem te garante que ela tomava mesmo a pílula? — Mordi o
lábio, arrependida de ter feito a pergunta. Não queria que ele se sentisse
enganado.
— Não existem garantias. — Encolheu os ombros. — Estava com ela,
simplesmente confiava no que dizia. Rose tem muitos defeitos, mas não
posso acreditar que ela tenha feito de propósito.
Não falei mais nada, porque não era o momento de ficar insistindo
nessa questão do golpe. Benjamin ainda precisava absorver a mensagem e
esfriar a cabeça para poder conversar com Rose. Diante da situação, dei mais
alguns minutos a ele e como não melhorou, acenei para que o garçom se
aproximasse e pedimos a conta — tínhamos pedido uma garrafa de vinho
enquanto olhávamos o cardápio, mas nem sequer deu tempo de abrir.
— Acho que o melhor a fazer é irmos para casa — falei, olhando com
atenção para ele e chamando sua atenção. — Vamos levar o vinho, tomamos
quando chegarmos. Deve ter comida pronta na geladeira, mas se não tiver, a
gente pede alguma coisa.
Eu mesma paguei pelo vinho e tirei meu namorado do restaurante,
enquanto ele lia e relia a mensagem. Só quando chegamos no carro e eu
deixei bem claro que não sabia dirigir, Benjamin voltou a si, caiu na realidade
e se sentou ao volante, guardando o aparelho celular. Metade do trajeto foi
feito em silêncio, até que ele tocou minha mão e estalou a língua ao me olhar.
— Estou com raiva por isso ter atrapalhado nossa noite. Precisamos
tentar de novo.
— O que importa é que deu tempo de eu responder a sua pergunta, não
foi? — Sorri, fazendo um charme e acariciando a nuca dele.
— Não me esqueci disso, Senhorita Brito.
Eu me surpreendi quando chegamos em casa, mas ele me arrastou
direto para a praia nos fundos da propriedade. Sentamos diante do mar e
deixei que ele abrisse o vinho caro para tomarmos no próprio gargalo. Rose,
sem que tivesse intenção, nos proporcionou uma noite ao luar, regada a uma
boa bebida e um clima mais íntimo.
— A nós dois e novas oportunidades! — Ele puxou o brinde, erguendo
a garrafa no ar e dando um gole, para em seguida, me entregar. — Deixe-me
voltar ao assunto de hoje cedo, sobre eu estar apaixonado por você. Como
faço para tratar esse problema?
Soltei uma gargalhada espontânea e envolvi seu pescoço para impedi-lo
de ficar muito distante de mim.
— Acho que é um tratamento contínuo, você sempre precisará de
medicação — declarei, animadinha.
Benjamin caiu de costas na areia, me puxando pela cintura para que eu
subisse em seu corpo. Senti suas mãos apertaram a carne dos meus quadris e
eu me esfreguei nele, enquanto prendia seu lábio entre meus dentes. Como eu
estava de vestido, Benjamin não teve dificuldade em tocar minha calcinha e
enfiar os dedos por dentro dela.
— Você é deliciosa... — sussurrou, mordiscando minha orelha e depois
dando uma lambida generosa em meu pescoço. — Mas precisamos parar.
Não quero possuí-la aqui na praia. Não é tão tarde ainda, alguém pode ver. E
hoje estou sem camisinha na carteira.
Ao pronunciar a última palavra, percebi que ele baixou o tom de voz e
vi sua expressão de sofrimento. Tudo por causa da vaca da Rose.
— Amanhã vou procurá-la, preciso conversar com ela e saber mais
detalhes sobre a gravidez — anunciou, deixando-me aliviada, pois eu achava
mesmo que ele precisava enfrentar isso.
— E se for verdade? — perguntei, apesar de não ter certeza se queria
saber a resposta. Benjamin assumiria o bebê, eles se casariam e seriam felizes
para sempre, com Sophia indo estudar na Suíça.
— Se for verdade, depois de ter 100% de certeza, vou registrar a
criança e dar o suporte financeiro, é claro. Não vou abandonar um filho meu.
— Beijou meus dedos. — Mas não é Rose quem eu quero do meu lado.
O homem enlouqueceu de uma vez, só pode. Benjamin se levantou e
começou a tirar a roupa. Levantei-me também, tentando fazer com que
permanecesse pelo menos com a calça, mas ele não me ouviu, só sorriu de
uma forma assustadora, como louco mesmo.
— Mas o que você está fazendo? — Minha tentativa de catar o que ele
jogava na areia não estava dando certo. — Benjamin!
Por fim, o maluco ficou só de cueca e me olhou de forma maliciosa.
Quando desviou o olhar na direção da água e me encarou novamente, eu
entendi tudo. E comecei a recuar lentamente ao passo que ele andava na
minha direção.
— Não pense em fazer o que eu acho que você quer fazer! — pedi.
— O que eu quero fazer é te beijar muito dentro do mar.
Meus gritos provavelmente foram ouvidos pelo bairro inteiro e até
mesmo Sophia e Abigail devem ter escutado. Mas não adiantou, Benjamin
era muito mais rápido, ágil e tinha pernas mais longas. Num piscar de olhos,
eu estava sendo jogada por cima de seus ombros, com a bunda para o alto e
sentindo a água gelada espirrar na minha cara. Puta que pariu, gelada como a
merda do mar que engoliu o Titanic.
— Benjamin!
— Caralho, está gelada! — ele gaguejou quando finalmente me soltou
e envolveu minha cintura.
— Não diga! — reclamei, pensando que ia morrer de hipotermia.
Meu vestido embolou ao flutuar e quando Benjamin me pegou no colo,
passando minhas pernas em volta de sua cintura, acabei entrando no clima e
retribuindo o beijo fervorosamente. Porém, o amasso não durou nem um
minuto inteiro, a água gelada demais não nos deixava aquecer com o calor de
nossos corpos. Ele me carregou no colo até a areia e catamos as nossas coisas
antes de corrermos de volta para casa. Antes de chegar ao quarto de
Benjamin, eu já estava sem o vestido, que foi arrancado por suas mãos pelo
caminho. Pelo menos, pelo resto da noite, não se falou mais em nome de
Rose e nem em bebê nenhum. Nós dois nos ocupamos apenas em nos amar
até cairmos de exaustão.
Fui dormir com Benjamin ao meu lado e acordei com a cama vazia.
Levantei com pressa ao perceber que Sophia chegaria atrasada no colégio e
fiz com que ela engolisse o café da manhã. Enquanto nos apressávamos pelo
caminho, a menina fez um interrogatório sobre a noite de ontem e eu tive que
me virar para deixar de fora a informação sobre Rose.
Dei graças a Deus por não ter encontrado nem Joseph nem Jessica por
lá, pois não estava com disposição para conversar. Apesar da noite deliciosa
que tive na cama de Benjamin, o fantasma da loira má ainda estava entre nós.
Não conseguia parar de pensar nisso, principalmente porque sabia que ele a
encontraria hoje para conversar.
Pela primeira vez não tive saco nem mesmo para forçar amizade com
Abigail. Entrei em casa batendo a porta e subi direto para meu quarto.
Precisava ocupar minha mente e nada melhor do que arrumação de móveis.
Quando consegui mover a cama cinco centímetros para a esquerda, dei-me
por satisfeita.
— Vai arranhar o piso se continuar fazendo isso.
— Ahhh! — Meu coração veio na boca quando aquela voz soou bem
atrás de mim. — Não me mate de susto, Abigail!
— O piso!
— Eu encero! — Cruzei meus braços. — Vou lustrar com a língua se
arranhar, pode deixar.
Ela me olhou de um jeito estranho, acho que não gostou da forma como
a respondi, já que estava acostumada com uma Bruna boazinha. Então olhou
para a cama, acompanhando veemente o caminho que eu fiz para arrastá-la e
se aproximou, esticando a perna. Deu um chute e a cama se moveu para
muitos outros centímetros. Coincidentemente, para o lugar que eu desejava.
— Fraca! — E saiu do quarto, o barulho dos seus sapatos ecoando pelo
corredor. Ou seja, ela só era silenciosa quando queria.
Depois do almoço, cogitei pegar algum livro para ler ou até mesmo ver
um filme para o tempo passar mais rápido, mas fui surpreendida quando
Abigail apareceu na porta do meu quarto avisando que Rose estava lá
embaixo. Perguntei se ela sabia sobre o que se tratava, mas disse que não.
— Vou atendê-la, Abigail — avisei a contragosto. — Mas se você
ouvir gritos, chame a polícia, pois é muito provável que eu esteja enforcando
essa mulher.
Desci me sentindo quente de tanta raiva e escancarei a porta com a
expressão mais feia que eu conseguia fazer. Lá estava ela, insuportável, com
sua roupa chique e sua cara azeda.
— O que você quer? Benjamin está no trabalho.
— Oi Bruna, tudo bem? Eu sei que ele está no trabalho. Aliás, minto.
Ele acabou de ir para o trabalho, pois estava comigo até agora. — Ela piscou
várias vezes os cílios postiços, esperando que eu dissesse alguma coisa, mas
percebeu que continuei séria. — Enfim, Benjamin esteve na minha casa agora
pouco, mas esqueci de entregar para ele algumas roupas que ficaram por lá.
De quando ele dormia comigo.
Agarrei o batente da porta quando a vadia alisou discretamente a
barriga inexistente. Ela me estendeu uma caixa de papelão bem pesada.
— Ando com tantos enjoos que tenho me esquecido de algumas coisas.
— Por que não aproveita e esquece o endereço dele? — Sorri. — Pode
deixar, quando estiver na cama com ele, entrego a sua caixa.
— Ah sim, ele me falou que vocês estão juntos. E juro que não quero
estragar nada entre vocês dois, só quero que Junior tenha um pai.
Junior? JUNIOR?
— Abigail! — gritei com todas as minhas forças.
— Sim? — Agradeci quando a governanta apareceu.
— A polícia, Abigail — murmurei, tremendo de ódio. — A polícia!
Rose nos olhou sem entender o que acontecia, mas Abigail me puxou
pelo braço, tão forte que me deixaria um hematoma, resmungou alguma coisa
em um dialeto provavelmente esquecido durante esses séculos e bateu com
força a porta na cara da loira.
Eu estava psicologicamente acabada quando Benjamin chegou em casa.
Sophia passou o restante da tarde tomando meu tempo, fazendo diversos
penteados malucos no meu cabelo, que agora mais parecia uma palha. Até me
esforcei para não deixar que ela percebesse meu péssimo humor, mas em
algum momento a menina começou a fazer perguntar sobre meu estado de
espírito. Inventei várias teorias novas sobre TPM e a convenci de que era por
isso que eu estava daquele jeito.
Durante o jantar, Benjamin percebeu que eu mal tocara na comida, mas
sabia que não ia tentar conversar comigo na presença de Sophia. E por falar
nela, eu nem imaginava como ele faria para contar a novidade, caso o filho
fosse mesmo dele. Será que a menina aceitaria bem a ideia de ter um irmão?

— Bruna, você está bem?
Estava sentada na cama, dobrando algumas peças de roupa que foram
passadas, e olhei para Benjamin, parado na minha porta.
— Só um pouco cansada — respondi.
— Estive com Rose. — Ele entrou no quarto e sentou ao meu lado,
passando os dedos pelos meus cabelos. — Quer saber sobre a conversa?
— Eu sei que vocês se viram. Rose esteve aqui e trouxe uma caixa com
objetos seus. — Aproveitei a ocasião para me levantar e pegar a caixa que
tinha deixado num canto, entregando-a para o dono.
— Ela veio aqui? Que merda ela veio dizer pra você?
Benjamin começou a abrir a caixa e puxar o que havia dentro. Tinha
um par de sapato, algumas cuecas e blusas, mas era só. Deviam ser coisas que
ele usava quando estavam na casa dela, apesar de não me lembrar de algum
dia em que tenha passado a noite com Rose. Não desde que eu cheguei no
país.
— Ela só veio me provocar e falar sobre o Junior.
— Junior? — Ele franziu a testa, coitado.
— Seu filho.
— Ele não é meu filho. Pelo menos, não por enquanto. Eu disse a Rose
aguardarei o nascimento para fazer um teste de DNA. Ela jura que não esteve
com mais ninguém desde que me conheceu e que não sabe como isso foi
acontecer. — Ele afundou o rosto na minha clavícula e seu peso quase me
derrubou na cama. — Estou tão fodido. Não quero esse filho, que Deus me
perdoe, mas não quero. Não com Rose.
— Eu sei, você fala isso agora, mas é um homem honesto, Benjamin. E
tem um coração imenso. Se for seu, tenho certeza que você vai agir da melhor
maneira possível.
— O que eu faria sem você? — perguntou ele, ao levantar a cabeça e
segurar meu rosto entre as mãos. Sua boca encontrou a minha delicadamente
num beijo que eu desejei que não acabasse. Benjamin sorriu e deixou que
nossas testas se encostassem, acariciando minha bochecha. — Você sabe que
está demitida, não é? Quero que minha namorada venha morar comigo.
— Abigail bateu a porta na cara da Rose.
Foi o que consegui pensar na hora, não sabia o que mais poderia
responder diante daquele pedido tão sério.

Passamos algum tempo conversando sobre o meu emprego. Benjamin


não queria de jeito nenhum que eu continuasse sendo uma funcionária,
mesmo eu enumerando várias razões para não considerar meu emprego como
um ponto negativo em minha vida. Nem passar minha própria roupa eu
passava, era Abigail quem fazia todos os afazeres domésticos.
Como ele não queria ceder, concordamos que eu não teria mais
horários estipulados e meus dias poderiam ser livres como eu quisesse. Claro
que eu ainda levaria e buscaria a menina na escola, pois de jeito nenhum
deixaria que algo afetasse minha relação com ela.
— Sabe, eu decidi que não quero pensar em gravidez, nem falar mais
desse assunto, pelo menos até o Natal.
Virei o rosto para o lado e o encarei. Os olhos do homem brilhavam
para mim, eu não sabia se por emoção, luxúria ou o se era outra coisa, mas eu
adorava esse jeito intenso como me encarava de vez em quando. Abri um
sorriso e concordei.
— Não vou me opor a essa decisão. — Montei sobre o corpo dele e
apoiei minhas mãos ao lado do seu rosto. — Estarei com você independente
do resultado que der.
— Vai me ajudar a contar para Sophia, se for preciso?
— Você vai contar antes de ter a certeza?
— Acho que sim, não quero esconder nada dela. Sophia não é boba e
vai perceber que o clima anda estranho. Também não quero que ela descubra
sem ser por mim e não confio no que Rose pode aprontar.
— Eu ajudarei no que precisar — respondi, dando um selinho nele.
Benjamin me soltou em questão de segundos e começou a andar pelo
quarto, parecia que estava voltando àquela tensão e eu não queria isso.
Demoramos tanto a deixar a conversa mais leve, tirando o assunto aos poucos
da cabeça dele e não podia deixá-lo se corroendo de culpa novamente. Fiquei
ajoelhada na cama e tirei a roupa em velocidade máxima, atraindo sua
atenção.
— Caramba, você consegue mesmo desviar o foco da conversa. — Ele
brincou, mas deixou suas roupas caírem no chão antes mesmo que eu pudesse
contar até cinco, vindo logo para cima de mim.
Nossos corpos mataram a saudade um do outro enquanto mãos
percorriam minha pele arrepiada e lugares paradisíacos eram explorados. O
beijo de Benjamin, que tinha começado delicado, sugando devagar meu lábio
inferior, começou a se intensificar conforme ele ouvia meus gemidos.
— Por que você não cansa de ser deliciosa? — perguntou, colando a
testa à minha enquanto alisava meu braço. Seus dedos chegaram até minha
clavícula e fizeram pressão em sintonia com o quadril dele, que me
empurrava contra o colchão.
Eu me assustei quando Benjamin sorriu e se levantou de forma brusca,
puxando minhas pernas até me pegar no colo. Envolvi sua cintura com
minhas pernas enquanto ele me carregava até o banheiro, sem explicação.
Quando nos aproximamos do armário, entendi tudo ao abrir a gaveta e pegar
um preservativo, soltando-me sentada sobre a bancada fria e me olhando com
muita fome.
Num piscar de olhos, Benjamin se protegeu e me penetrou com
facilidade, deixando-me sem ar e à sua mercê.
— Acho que não precisamos voltar para a cama — ele sussurrou em
meu ouvido ao mesmo tempo em que estocava.
Seu pau me preenchia, me alargava, entrando e saindo rápido de dentro
de mim. Movimentos que me deixavam sem fôlego e faziam parecer que meu
corpo era de mola, enquanto ele mexia ritmicamente aqueles quadris. Quando
eu estava prestes a formular uma frase sensual, prestes a pedir para que me
comesse mais rápido e mais forte, Benjamin se curvou e desceu a boca até
um de meus seios, mordiscando meu mamilo e me fazendo estremecer.
Enquanto eu tentava ao máximo não gritar para não ser ouvida por
terceiros, Benjamin soltou meus seios e começou a gemer alucinadamente em
meu ouvido, deslizando a mão pela minha barriga, até encontrar o ponto mais
sensível do meu corpo. Senti que apertava minhas pernas ao redor do corpo
de Benjamin e que ele se tornava grande demais para mim à medida em que
os espasmos me atingiam.
Apoiei minha cabeça em seu peito, ofegante, querendo mais e
aproveitando as últimas contrações deliciosas que meu corpo emitia pelo
orgasmo. Ele me alcançou logo em seguida, capturando minha boca e
gemendo baixinho, estocando bem fundo uma última vez, antes de se retirar
de mim.
Aproveitamos que já estávamos no banheiro e tomamos um banho
juntos, sem pressa, curtindo um o corpo do outro. Enquanto eu era beijada
dentro do box, tive a certeza de que nenhuma Rose atrapalharia o que
estávamos começando a construir.
Sophia estava radiante nos últimos dias, pois tinha feito amizade na
escola, o que era um grande passo, visto que ao voltar a falar, passou a se
comunicar melhor com as outras crianças. Nós três estávamos cada vez mais
próximos, Benjamin e eu ficamos juntos todas as noites, passamos a
compartilhar algumas coisas da nossa rotina e nem a notícia da gravidez
conseguiu atrapalhar o início do namoro.
Era engraçado, mas Sophia de vez em quando vinha dormir entre nós
dois e eu já tinha me acostumado com a presença dela ali na cama. Em alguns
momentos, o sentimento materno realmente aflorava em mim, sentia até meu
coração pesar toda vez que ela me beijava o rosto e se despedia antes de
entrar na escola.
Alguns dias antes do Natal nós passamos uma tarde inteira montando a
árvore gigantesca que Benjamin comprou — e que foi difícil de arrastar até a
casa. Sempre sonhei em ver um pinheiro de verdade num canto da sala e lá
estava eu toda enrolada em fio de pisca-pisca, com Sophia correndo de um
lado para o outro cada vez que achava um enfeite diferente esquecido em
alguma caixa.
Até Abigail estava ajudando. Quer dizer, mais ou menos. Ela ficou
responsável em colocar o pisca-pisca no telhado, pois foi a única que teve
desenvoltura suficiente para subir até lá. Benjamin tentou, mas quando ele
ameaçou escorregar, eu implorei para que esquecesse a maldita iluminação.
Claro, a governanta fez tudo num piscar de olhos e nós ligamos as luzes
perfeitamente alinhadas.
— Ok, acho que está pronta. — Benjamin colocou as mãos nos quadris
e olhou para nossa árvore. — Quem vai ligar?
— Quanta perda de tempo e gasto com eletricidade! — Abigail saiu
resmungando para a cozinha.
Sophia passou correndo por nós e parou diante da árvore, eu podia ver
que ela tinha alguma coisa nas mãos. Me soltei de Benjamin e me aproximei
dela, alisando seus cabelos e fazendo-a se virar para mim.
— O que é isso, Soso?
— Podemos colocar lá no alto? — pediu.
— Mas nós já temos uma estrela. — Olhei para meu namorado. —
Bem, não me importo, você quer trocar, Benjamin?
Ele veio até nós e se abaixou para pegar o objeto das mãos de Sophia.
Foi quando notei que se tratava de um anjo delicado, com uma roupa branca e
dourada que já estava até um pouco puída.
— Onde estava isso, querida? — Benjamin olhava para Sophia com
uma expressão sofrida.
— Comigo — respondeu ela, colocando as mãos para trás do corpo.
— Desde quando?
— Eu guardei quando mamãe... — Soso ficou com os olhos marejados
e depois olhou para a ponta da árvore. — A gente sempre colocava ele lá,
papai.
Acho que entendi mesmo que ela não tenha falado direito. Devia ser
um enfeite que Sarah gostava de colocar na árvore e tinha um valor
sentimental para Sophia. Peguei o anjo da mão de Benjamin e fui até a árvore
gigante. Era só ficar um pouco nas pontas dos pés que daria para alcançar.
— Bruna! — gritou ele.
Mãos firmes me seguraram quando me desequilibrei — e segurei na
árvore para me equilibrar de novo, sem querer puxando ela comigo. Respirei
aliviada por não ter estragado o Natal de todo mundo e exibi meu melhor
sorriso sem graça.
— Foi mal.
— Por favor, mantenha distância de no mínimo um metro dessa árvore.
Eu suei muito para fazê-la passar pela porta. — Benjamin me provocou e
subiu na pequena escada para colocar o anjo no lugar que deveria
permanecer.
— Bruna você é tão desastrada! — Sophia riu, mostrando a língua para
mim e, pelo menos, eu me senti melhor por ter revertido o momento para
algo mais alegre.
— Não fale assim de mim ou coloco leite de vaca na sua vitamina! —
ameacei, arregalando meus olhos.
Em algum momento quando estava na cama com Benjamin, trocando
confidências, deixei escapar o episódio da mancha no sofá e do leite. Percebi
que ele estava mesmo muito apaixonado porque tudo que fez foi rir da minha
cara.
No final daquela tarde, meu celular tocou e vi o número de Jessica na
tela. Atendi, animada por falar com ela, já que não nos encontramos nos
últimos dias. Ela queria conversar comigo uma coisa importante que não
dava para ser dita pelo telefone. Eu não queria sair de casa, estava doida para
aproveitar um aconchego ao lado de Benjamin, admirando nossa árvore, mas
Jessica praticamente implorou.
Encarei o frio e fui encontrá-la numa cafeteria que a gente gostava de
frequentar — depois da primeira vez, repetimos nossos encontros mais vezes
—, aliviada por me sentir melhor naquele ambiente quentinho. Uma carioca
da gema estava sofrendo bastante no inverno da Califórnia.
— Bruna, aqui! — Jessica estava sentada numa mesa de fundo, com
um copo de café esquentando as mãos.
— Oi! — Puxei uma cadeira de frente para ela e me sentei, examinando
o cardápio para ver o que pediria.
— Ainda bem que você veio, achava que ia furar comigo.
— Eu disse que viria, não foi? — Franzi meus lábios, babando pelo
café com chocolate na foto do cardápio.
— Eu sei, mas com o gostosão do patrão em casa só para você... — Ela
sorriu. — Achei que fosse encontrar alguma coisa mais divertida para me
substituir.
Ri com a sugestão, tinha mesmo coisa bem interessante e divertida para
fazer, mas sair com Jessica não era nada mal. Eu gostava dela, era uma garota
tranquila e tínhamos em comum a saudade de nosso país. Ela esperou que eu
fizesse meu pedido à garçonete para, então, segurar minhas mãos com força.
— Caramba, não aguento mais esperar. Preciso contar. — Ficou me
encarando como uma louca.
— Ok... conte.
— Estou namorando! — Ela me soltou e bateu palmas, o som foi tão
alto que as poucas pessoas do local nos olharam. — E graças a você! Você
me empurrou para cima do Joseph!
Uau! Abri a boca, chocada e surpresa, mas ao mesmo tempo feliz. Por
aquela notícia eu não esperava! Tinha mesmo passado o contato dela para ele,
mas Joseph não me disse se ligaria ou a chamaria para um encontro. Aliás,
ele não falou mais nada, deixamos de ter contato desde o dia em que contei
para ele sobre meu namoro.
— Essa é uma ótima notícia, Jess! — Inclinei-me sobre a mesa e
apertei o rosto dela. — Você está namorando!
— Sim!
— E nem queria sair com ele, lembra? — Brinquei, fazendo uma
bolinha de guardanapo. — Graças a mim, que sou uma casamenteira, deu
tudo certo. Fico feliz por você. Ele sabe que você ia me contar?
— É claro, Joseph sabe que somos amigas. Inclusive, eu queria
perguntar se você não gostaria de jantar conosco. Você e o Benjamin.
Oh, não mesmo. Imaginar Benjamin olhando de cara feia para o
professor durante toda a noite era incômodo demais. Claro que não daria
certo e ninguém sairia de lá feliz.
— Joseph e Benjamin nunca se deram muito bem, eles não se gostam e
não fazem questão de disfarçar — expliquei.
— Eu sei, mas agora você está com o Benjamin e o Joseph está
comigo. — Ela cruzou os braços, chateada. — Somos todos adultos, pelo
amor de Deus.
— Não sei Jessica, mas prometo que vou conversar com Benjamin e
ver se ele topa, ok? — Mordi o lábio, pensando se deveria desabafar um
pouco com ela sobre a situação atual do meu namorado e seu possível futuro
bebê.
Enquanto ponderava o que dizer para minha mais nova amiga, o celular
dela tocou, fazendo-a irradiar um sorriso enquanto digitava alguma coisa.
— Adivinha? — perguntou, rindo. — É Joseph! Ele não parece, mas é
tão fofo. Me manda várias mensagens carinhosas durante o dia.
Quando Jessica terminou de namorar, gastamos um pouco mais de
tempo dividindo uma fatia de torta de maçã deliciosa e degustando dos
nossos cafés.
— Temos que marcar para as crianças se encontrarem — sugeri,
enquanto Jessica catava os farelos da torta. — Sophia precisa interagir com
crianças.
— Eu vou levar os gêmeos no cinema domingo, que tal você levar a
Sophia?
— Sim, seria ótimo! — Amei a ideia e Soso adorava cinema. — Acho
que ela vai ficar animada, depois que comecei a namorar, não tenho feito
muitos programas sozinha com ela.
— Então está marcado!
A tarde foi muito produtiva com Jessica tagarelando o tempo todo
sobre mais assuntos do que eu podia decorar. Quando voltei para casa, sentia-
me relaxada e feliz, mesmo não tendo coragem de contar sobre o que estava
acontecendo em nossas vidas. Não achei que seria justo falar de algo tão
pessoal para ela.
— Bruna, você está fazendo isso direito?
Eu estava sentada na cama de Sophia, bem atrás dela, enquanto fazia
tranças em seus cabelos. Bem, eu tentava fazer, deveria receber o crédito por
tentar. Já tinha anoitecido e esperava ansiosamente poder ficar sozinha com
Benjamin, mas ele tinha chegado em casa com uma aparência tão cansada
que achei melhor lhe dar uns minutos a sós.
— Sophia, eu estou fazendo o melhor que posso — avisei.
— Mas estou sentindo que tá torto — reclamou a pestinha, tentando
tocar na minha obra de arte.
— Impressão sua. — Mentira, estava meio torto para o lado esquerdo,
mas quem se importa? Ela ia dormir daqui a pouco. — Olha só, que tal irmos
ao cinema no domingo com a Jessica e seus amiguinhos?
— Que amiguinhos?
— Você sabe... os gêmeos de quem ela cuida.
Sophia bufou e levantou os braços, para soltá-los sobre os joelhos.
Virou-se para me olhar com um vinco no meio da testa.
— Bruna, a gente só brincou uma vez. Não são meus amigos. — Ela
me deu leves tapinhas na cabeça, como se afagasse um cachorro de rua
esfomeado. — Você é muito carente, faz amizade com todo mundo.
— Em que mundo o seu pai te trancava? Comigo você vai aprender a
fazer as amizades mais incríveis! Ou prefere se tornar uma mulher amarga
que nem a Abigail?
Prendi o riso enquanto observava seus olhos se arregalarem.
— Nããããoooo, nós vamos pro cinema domingo!
Ela se jogou de costas em cima de mim e nos esparramamos no colchão
macio. Roubei alguns beijos daquela bochecha fofa e a deixei no quarto,
desfazendo a trança torta que levei quinze minutos para concluir.
Procurei por Benjamin no quarto dele, mas o encontrei vazio. A luz do
escritório estava acesa, então foi para lá que me dirigi. Meu namorado
mantinha os olhos concentrados no notebook à sua frente e o barulho dos
dedos agitando-se pelas teclas me informava que ele estava bem ocupado.
— Se não vier aqui me beijar, não fará jus ao seu posto de namorada —
murmurou, olhando rapidamente por cima do aparelho.
Abri um sorrisão e corri até seu encontro. Ele arrastou a cadeia para
trás, me dando espaço para sentar em seu colo e passou os braços pela minha
cintura. Alisei sua camisa cinza que demonstrava já ter sido usada muitas
vezes e enfiei meu rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro de sabonete
misturado com Benjamin Reed. Ele estava esperando pelo meu beijo, então
corri os lábios lentamente pelo maxilar, sentindo sua barba curta e elegante.
Antes de chegar na boca, ele lambeu os lábios e se preparou para mim, que
tomei sua língua o mais intensamente que pude.
Claro que não poderia me contentar apenas com um beijo da criatura
mais perfeitamente esculpida que Deus que criou. Precisei enfiar uma mão
em seus cabelos e deslizar a outra para baixo, até encontrar o final da camisa
e me enfiar ali, espalmando minha mão em seu peito. Benjamin entendeu isso
com um sinal verde e intensificou ainda mais o beijo. Seus dedos traçaram
um caminho provocante pela linha da minha coluna e tentavam transpor meu
jeans. Quando comecei a sentir sua ereção e passei a rebolar em seu colo, ele
separou nossas bocas.
— Você poderia me levar à falência desse jeito. — Apesar do tom de
voz duro, eu sabia que estava se divertindo, me olhando com uma expressão
debochada.
— Foi você quem pediu por um beijo.
— É verdade, sou o culpado. — Sorriu e mordeu meu ombro. — Já que
é assim, poderia vir de saia da próxima vez?
Dei um selinho nele e levantei do seu colo, apoiando minhas mãos
sobre a mesa da forma mais sexy que eu conseguia. Benjamin sorriu e chegou
a cadeira mais para frente, ficando bem perto de mim.
— Estamos jogando o jogo da secretária sensual?
— No que você está trabalhando? — Fingi que não estava interessada
nele e apontei para o notebook.
— Relatórios, histórico de ações... — Ele suspirou e eu encarei as
planilhas e números que não entendia. — Mais do mesmo.
Ele se levantou e foi até a porta, girando a chave por dentro e deixando
bem claro que o tal jogo tinha começado de verdade e eu não tinha para onde
correr. Sem saber o próximo passo a dar, fiquei parada, até que Benjamin
parou diante de mim e levou os dedos até o botão da minha calça.
— Quer dizer então que eu passei de babá para secretária safada?
— Digamos que eu esteja testando seus talentos. — Benjamin foi se
abaixando conforme deslizava o jeans pelas minhas pernas. Agradeci
mentalmente por ter escolhido uma calcinha decente naquele dia. — Depois,
se quiser, podemos ver como se sai na cozinha também.
Ele viu meu revirar de olhos, mas sabia que eu estava todinha na dele,
pois deve ter notado minha situação quando me esfregou por cima da
calcinha. Benjamin deslizou o notebook para o lado e me colocou sentada no
lugar onde antes estava o aparelho.
— Você não tem que trabalhar? — questionei, mas estava ansiosa para
transar no escritório dele.
— Estou trabalhando, Bruna... — Puxou a cadeira e se sentou
novamente, apoiando minhas pernas em seus ombros. Quando estava na
posição que queria, levantou os olhos para mim e sorriu. — Você não sabia
que o corpo feminino é muito mais complexo que qualquer relatório? É
preciso muita investigação.
Dito isso, ele caiu de boca em mim, primeiro roçando os lábios no
tecido fino da lingerie para depois puxá-la de lado e me tocar com sua língua.
Foi puro instinto que me fez jogar os braços e a cabeça para trás e esquecer
de manter qualquer controle do meu corpo.
— Benjamin... — gemi, me sentindo pegar fogo. — Oh Deus!
Ele me maltratava de prazer com sua língua, deslizando-a para cima e
para baixo, como se estivesse decidido a não deixar nenhum centímetro de
pele sem ser explorado. Meus dedos dos pés contorciam-se no ar e, por fim,
deixei minhas costas caírem sobre a mesa de madeira. Aquela posição ainda
mais relaxada parece ter animado o homem, que me penetrou com um dedo,
depois dois.
Quando comecei a esfregar minhas mãos sobre o tampo da mesa e a
gemer o máximo que minha discrição permitia, Benjamin se posicionou obre
mim e me beijou.
— Sophia está acordada. — Ele mexeu os dedos com mais pressa e me
levou ao céu. — Goze baixinho, sim?
Revirei os olhos, como se pudesse mesmo me controlar daquela forma,
com ele girando os dedos para um lado, depois para outro. E como se não
bastasse, a boca agora cobria meu pescoço e os dentes se arrastavam pela
minha pele sensível. Fechei meus olhos quando senti o orgasmo chegar e meu
corpo estremecer. Cerrei os dentes no meu lábio para não gritar e quando
voltei a abrir os olhos, vislumbrei Benjamin lambendo seus dedos melados.
Ele sorriu ao me ver atenta e voltou a me penetrar com eles, para puxá-los
novamente e lambê-los mais uma vez, provocante.
— Não posso desperdiçar — esclareceu, muito sério.
Eu estava me preparando para avançar sobre sua calça e pegar o que era
meu, quando ouvimos batidas na porta e a voz de Sophia nos chamando.
— Merda! — Dei um pulo da mesa, tão rápido e desengonçado, que
pisei no pé de Benjamin, me atrapalhei com a calcinha e bati com a cabeça no
rosto de Benjamin.
— Tente não nos matar, Bruna. — Ele sorriu e me segurou pelos
ombros. — A porta está trancada, não precisava de todo esse nervosismo. —
Ele então aumentando o tom de voz. — O que foi, Sophia?
Quando a menina começou a falar embolado e com uma voz chorosa,
eu catei meu jeans e me vesti rapidamente, enquanto Benjamin esperava eu
terminar de me vestir para abrir a porta. Apontei para sua calça, bastante
preenchida no meio de suas pernas, com a ereção monstruosa. Ele
rapidamente tirou a camisa e a amarrou na cintura de um jeito estranho, mas
funcional.
Quando abriu a porta, vimos que Sophia chorava por causa de um
machucado no joelho, de onde saía um pouco de sangue.
— O que houve, querida? — perguntou o pai.
— Tropecei na escada. Tá doendo.
Benjamin a pegou no colo e saiu do escritório. Eu fui atrás, mas corri
até o banheiro para pegar a caixinha de primeiros socorros. Era tão difícil ver
Sophia chorando daquele jeito, mostrando sua fraqueza, que me sentia
nervosa e angustiada.
Quando cheguei no quarto, ela já estava mais calma, apesar do rosto
molhado e os olhos vermelhos. Benjamin estava ajoelhado, assoprando a
ferida, com sua preocupação de pai. Pensei se um dia eu também seria assim,
se sentiria o amor incondicional. Mas então, ao me ajoelhar ao lado de
Benjamin e começar a passar o remédio em Sophia, percebi que eu estava
com a calcinha torta e melada, sedenta por sexo, mas que tudo tinha ficado
totalmente em segundo plano quando ouvi o choro dela. Eu amava Sophia.
— Acho que não vou pode ir para a escola — murmurou, fazendo seu
biquinho.
— Muito esperta. — Estalei a língua e ri. — É apenas um joelho
ralado, Soso. Se quiser ficar livre do colégio, teria sido mais inteligente
quebrar a perna.
— Bruna! — Benjamin me encarou e seus olhos diziam que eu tinha
feito coisa errada.
— Quer dizer — pigarreei, chocada. — Não é para quebrar a perna
realmente. Por favor, não faça isso.
— Faltar a escola, só se for por cima do meu cadáver, mocinha. — Ele
beijou a testa da filha e se levantou quando eu terminei o curativo.
Saí com Benjamin do quarto, ainda incomodada com a situação da
minha calcinha, mas ele me parou no meio do corredor e me pressionou o
corpo contra a parede. Sua mão grande apertou meu peito, enquanto a língua
lambia meu pescoço.
— Vou desligar tudo no escritório e subo o quanto antes para
terminarmos o que começamos — avisou, deixando-me alerta e animada. —
Não se dê ao trabalho de tomar banho, faremos isso mais tarde.
Acordei na manhã do dia seguinte com o corpo dolorido como se
tivesse corrido uma maratona. Olhei para o lado, Benjamin ainda dormia, o
que significava que eu tinha acordado cedo demais, então lembrei das
peripécias feitas ontem antes de irmos dormir e entendi que meu corpo
reclamava de todo o esforço feito.
Voltei a me aconchegar debaixo das cobertas e senti uma mão forte
apertando minha cintura e me puxando de encontro ao seu corpo. Benjamin
estava de olhos abertos, o rosto ainda no travesseiro.
— Bom dia, coisa linda — murmurou, lindo até mesmo com a cara
amassada.
— Você vai me acostumar muito mal se ficar me acordando assim todo
dia — sussurrei e me derreti para aqueles olhos.
Meu namorado me deu um abraço apertado e um beijo no pescoço
antes de me soltar e levantar da cama. Andou gloriosamente nu até o
banheiro, tendo plena consciência de que meus olhos estariam cravados
naquele traseiro durinho. Olhei para o teto, como se pudesse falar com Deus,
e perguntei o que eu tinha feito de tão legal para merecer aquele homem.
— O que acha de sairmos para jantar esta noite? — perguntou quando
voltou para o quarto, já de banho tomado e toalha enrolada na cintura.
— Ah! Eu me lembrei de uma coisa. — Sentei na cama, agarrando o
lençol porque ainda não tinha a mesma confiança de Benjamin. — Sabe a
Jessica, minha amiga? Adivinha quem ela está namorando?
Benjamin desenrolou a toalha e voltou a ficar nu, enquanto a esfregava
nos cabelos molhados. Enquanto se secava, entrou no closet e saiu com um
terno pendurado no cabide, jogando a toalha sobre o recamier e deixando a
roupa sobre a cama.
— Como vou saber quem ela está namorando? — comentou, rindo. —
Eu nunca nem fui apresentado a ela.
— Faça um esforço. Pensa na pessoa mais improvável de todas.
— Joseph? Levando em consideração que você mesma não conhece
muitas pessoas por aqui...
A expressão dele era tão impassível que tive vontade de jogar um
travesseiro nele. Enrolei o lençol no corpo para me levantar, mas aquela não
era uma tarefa simples como os filmes demonstravam ser. Nada como
aquelas mulheres chiques que saem da cama e resolvem se enrolar com o
lençol. Sério, parece muito fácil, mas não é. Principalmente quando o lençol é
muito grande e você nem sabe onde começa e termina. Resultado, levantei
com uma trouxa amassada na frente do corpo e com plena consciência de que
minha bunda estava de fora.
— Então, a Jessica nos convidou para um jantar de casal. — Quando
Benjamin se virou para mim, com os olhos bem estreitos, sabia qual seria a
resposta. — Eu não concordei, claro. Disse que precisava falar contigo.
— Você sabe que não é a melhor ideia de todas, me colocar na mesma
mesa que o professor, certo?
— Não dá nem para tentar? — perguntei, franzindo meus lábios e
sacudindo meus cílios. — É que eu realmente gosto da Jessica e cá entre nós,
fui eu quem juntei os dois, sabia? Dei o telefone dela para ele.
— Por que você faria isso? — Riu. — Achei que fossem amigas.
— Muito engraçado, Benjamin. — Segurei na ponta da gravata que ele
acabara de colocar. — Por favor? Quero que dê certo entre eles e quero que
sejamos amigos. Joseph sempre foi legal comigo.
— Me dê um bom motivo e eu irei.
Ele sorriu e deslizou as mãos pelas minhas costas. Constatei que
realmente estava com a bunda de fora quando Benjamin envolveu minha
carne com tanta facilidade. Então, fiquei na ponta dos pés e sussurrei em seu
ouvido o que ele não esperava escutar:
— Passarei o jantar inteiro sem calcinha, só para você.
Não preciso dizer que minha promessa foi o suficiente para convencer
Benjamin, que saiu para trabalhar com os olhos brilhando. Encontrei com
Jessica na porta do colégio e avisei que Benjamin tinha topado o jantar.
Marcamos para o dia seguinte e me senti até animada quando cheguei em
casa.
No dia seguinte, apareci no quarto do meu namorado usando um
vestido preto e branco que ia até a metade das coxas. Não era muito justo
pois não queria correr o risco de perceberem que eu estava sem nada por
baixo, mas ficava muito sensual no corpo.
— Estou pronta!
— Mesmo? — Ele me lançou um olhar safado, diretamente para meu
ventre e depois me encarou. — Devo conferir se falta alguma coisa?
Levantei rapidamente o vestido, o necessário para que ele tivesse um
vislumbre do que o esperava e saí do quarto me sentindo poderosa. Sophia
estava deitada no sofá vendo um filme de terror e quando me viu descer a
escada, cruzou os braços e ficou emburrada. Ela tinha passado a tarde toda
pedindo para ir com a gente.
— Prometa que não irá dormir muito tarde. Nem que seja dez minutos
antes de voltarmos, para seu pai não brigar. — Pisquei para ela.
— Prometo. Podem ir, eu vou sobreviver nessa casa escura.
— Abigail estará aqui, Soso. — Então fiz uma pausa e revirei os olhos.
— Ok, entendo o seu medo.
Olhei para trás e vi Benjamin se aproximar, tocando minhas costas e
me oferecendo o sobretudo. No carro, ele me provocou por todo o trajeto,
alisando minha perna, nada muito invasivo, mas o suficiente para me excitar.
— Espero que o professor não a encare por mais de dez segundos.
— Até parece que você faz o estilo bad boy que arruma briga em tudo
que é lugar.
— Só quero defender o que é meu — declarou, com um bico no lugar
dos lábios.
— Benjamin, deixa de ser implicante, Joseph está namorando.
Dei um tapa na mão que começava a trilhar um caminho por baixo do
meu vestido. Ele sorriu, satisfeito em saber que me provocava, e acelerou
com o carro. Quando chegamos no restaurante, nosso tempo parecia ter sido
cronometrado, pois Jessica e Joseph apareceram quase ao mesmo tempo.
— Bruna! — Minha amiga me abraçou e aproveitou para cochichar: —
Agora eu entendo perfeitamente o motivo para se envolver com seu chefe.
Ele é um gato!
— Obrigada? — Eu ri, sem saber se devia ficar feliz pelo elogio e
Jessica se desculpou, rindo e encolhendo os ombros.
O momento de descontração passou quando Joseph se aproximou para
me beijar o rosto. Sabia que Benjamin estava bem atrás de mim e me
adiantei, estendendo a mão para colocar uma distância entre nós dois.
— Oi, Joseph.
— Bruna, tudo bem? — Ele foi pego de surpresa e franziu a testa para
minha mão, mas não se opôs ao cumprimento. Benjamin passou um braço
pelos meus ombros e o cumprimentou também. — Olá, Benjamin.
— Joseph. — Ele meneou a cabeça e depois sorriu para minha amiga.
— Obrigado pelo convite, Jessica. Bruna estava empolgada para esta noite.
Mais duro impossível. Quis dar um cutucão em suas costelas para que
se soltasse mais, porém, me controlei. Entramos no restaurante e fomos
encaminhados para uma mesa ao lado de uma parede em vidro maravilhosa,
havia uma cortina de água dentro dela, causando um efeito hipnotizante.
— Estou tão feliz por vocês terem vindo! — disse Jessica, os olhos
brilhando de emoção. — Bruna, o que acha de pagarmos pelo jantar para
mostrarmos aos nossos namorados que também somos independentes?
Encarei a criatura diante de mim e pensei se ela não teria batido a
cabeça no caminho.
— Definitivamente, não — fui sincera e ouvi uma risadinha ao meu
lado. — Prefiro que os homens dividam a conta. Somos pobres, Jessica. Não
invente.
— Adoro sua sinceridade, anjo. — Meu namorado beijou minha
bochecha e segurou minha mão, virando-se para minha amiga. — Lamento,
Jessica, mas mesmo se Bruna não dissesse nada, eu jamais deixaria mulheres
pagarem uma conta na minha presença. Admiro sua independência, mas
trabalho para mimar quem eu gosto.
Quando ficou estabelecido que os homens pagariam sem pestanejar,
tratei de pedir um prato bem delicioso, tomando o cuidado de não ser nada
muito complicado para comer, tipo uma lagosta. Tudo que eu não precisava
era passar vergonha.
— Então, fiquei sabendo que Bruna meio que juntou vocês dois —
Benjamin puxou o assunto. — Minha garota é um cupido!
— É verdade, ela me deu o número da Jessica.
— E que fique claro que eu não queria que ela passasse meu número
para ele! — Jessica riu, jogando um beijo no ar para o namorado ao seu lado.
— Foi por pura insistência de Bruna.
— Então seja muito agradecida a mim, pois deu certo! — Sorri. —
Aceito presentes e elogios.
Os dois homens riram e me senti nas nuvens por não terem soltado
indiretas até o momento. Comportavam-se como cavalheiros e eu não podia
querer nada mais que isso. Até Benjamin parecia se esforçar para fazer minha
vontade e manter o clima agradável, puxando assuntos aleatórios com
Jessica, querendo saber detalhes sobre o trabalho dela com as crianças.
Depois de alguns minutos de conversa jogada fora, meu coração
acelerou quando a mão de Benjamin veio parar em minha coxa. Virei o rosto
para encontrar o dele, que me encarava abertamente, com uma expressão
muito séria, mas os olhos diziam que estava se divertindo.
— Tudo bem, Bruna? — Piscou para mim. — Está pálida.
— Ah... sim, tudo ótimo. — Ajeitei meu guardanapo no colo,
aproveitando para olhar onde a mão dele estava, e fiquei tensa ao ver que dois
dedos entraram por baixo do meu vestido.
— Então, Bruna, você falou com a Sophia sobre o cinema no domingo?
— perguntou Jessica, alheia ao que acontecia.
Foi exatamente no instante em que senti os dedos de Benjamin tocarem
a fenda entre minhas pernas. Por instinto, tentei fechá-las, mas não consegui
porque ele era bem mais forte do que eu.
— Bruna?
Pisquei, vendo Jessica e Joseph prestando atenção em mim. Lembrei
que ela esperava pela minha resposta. Resposta... Qual era mesmo a
pergunta? Ah, o cinema!
— Falei com Sophia sim. — Benjamin afastou meus lábios vaginais,
tocando meu clítoris. — Ela aaaaaaaaaaadorou.
Prendi o fôlego e mordi minha língua, sentindo arrepios me
consumirem.
— Você está bem? — Jess franziu a testa.
— Sim!! Sim!
Joseph olhou de mim para Benjamin, depois para mim novamente.
— Não é melhor pedir uma água para ela? — perguntou. — Não parece
estar muito bem.
Benjamin, que era muito cara de pau e um jogador de pôquer talentoso,
fingiu me encarar com atenção, como se procurasse por algum sinal de que
eu não estava realmente bem. Em seguida, virou-se para Joseph e sorriu.
— Bruna está ótima.
— Estou bem mesmo. — Respirei fundo, procurando me controlar,
enquanto tudo que eu mais queria no momento era rebolar na mão de
Benjamin. — Só estou... com um pouco... — Peguei o guardanapo e me
abanei. — De calor. Vocês estão com calor?
— Bruna, está fazendo uns doze graus do lado fora. — Jessica me
olhou como se eu tivesse dito que queria correr pelada na rua. — Aqui dentro
o clima está muito agradável.
Só pude rezar para que as comidas fossem logo servidas, pois Benjamin
precisaria usar as duas mãos. Certo? Certo? Ele não ousaria comer só com a
mão direita. Comecei a perder o foco quando intensificou o movimento do
dedo de forma tão controlada e meticulosa, que ninguém poderia imaginar o
que estava acontecendo. Ninguém que não fosse eu.
Precisava ir ao banheiro. Isso! Correria até lá e me trancaria pelo resto
da noite. Podia mandar uma mensagem para Benjamin, ordenando que ele
parasse imediatamente com a brincadeira ou eu não aguentaria por muito
tempo. Quando pensei em me levantar e pedir licença a todos, meu namorado
se ajeitou e, discretamente, limpou os dedos em seu guardanapo. Eu esperava
que ele não usasse o pano para limpar a boca depois. Não na frente dos
outros.
— Linda — disse Benjamin, beijando meu ombro com delicadeza.
Eu virei meu rosto e sorri para ele, recebendo um selinho. Passamos o
resto da noite muito conectados, trocando palavras carinhosas, de mãos
dadas, falando com nossos olhares. Joseph e Jessica também estavam na fase
de início de namoro, então não ficaram muito atrás do nosso comportamento.
No final de tudo, nos despedimos na porta do restaurante e abracei
minha amiga, comemorando com ela que o jantar tenha sido um sucesso.
— Tudo bem, admito que não foi tão ruim — disse Benjamin ao dar a
partida no carro. — Quando o professor não está dando em cima de você, é
um cara gente boa. E a Jessica é bem simpática.
Concordei, porque não havia mesmo o que criticar da noite. Fomos
todos muito adultos e educados. Beijei o rosto de Benjamin e fiz um carinho
em seus cabelos enquanto ele dirigia, batucando no volante ao som da música
na rádio.
— Eu te amo — declarei, com uma vontade imensa de dizer aquelas
palavras. — Você é tão maravilhoso!
Benjamin beijou minha mão e estacionou na porta de casa, desligando
o carro e se livrando do cinto de segurança. Ele me puxou para me colocar
sobre seu colo e eu o abracei com minhas pernas da melhor forma que pude
naquele espaço apertado.
— Amo você, Bruna. Talvez não consiga demonstrar tanto quanto
gostaria, mas você já é especial demais na minha vida.
Queria falar, mas senti que minha voz ficou embargada com a emoção.
Fui pega de surpresa, pois não esperava que Benjamin se declarasse daquela
forma. Seu olhar me queimava, intenso, verdadeiro, deixando-me sem fôlego.
O momento até podia ser romântico, mas tudo o que conseguimos fazer foi
nos beijarmos, devorando um a boca do outro.
Mãos se embolaram numa rapidez incrível enquanto tentávamos nos
livrar do botão e do zíper da calça de Benjamin, que logo estava dentro de
mim, enterrando-se fundo e me alargando com seu tamanho.
Sempre pensei que transar dentro do carro fosse ruim e desconfortável,
mas com Benjamin tudo era diferente e intenso. Suas mãos percorriam meu
corpo, minhas costas, meus braços, enquanto a boca deixava um caminho de
beijos em meu pescoço, abafando seus gemidos.
Cavalguei em seu corpo, num sexo rápido e selvagem, talvez o mais
urgente que praticamos. Meu vestido grudou no suor de minhas costas e o
vidro do carro embaçou. Apertei meus olhos quando senti o orgasmo chegar,
enquanto Benjamin gozava comigo e me apertava em seus braços.
Permanecemos em silêncio por um tempo, controlando nossas
respirações e nos encarando, sorrindo pelo que havíamos acabado de fazer.
— Você é a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo —
murmurou, alisando minha sobrancelha. — Que bom que você veio para
minha vida.
— O que foi? — perguntei ao notar que a expressão de felicidade que
ele exibia, deu lugar a uma de preocupação.
— Tenho medo de perdê-la.
— Me perder? — Soltei uma risada nada elegante e bati no peito dele.
— Benjamin, você nunca mais vai se livrar de mim. Tirou minha virgindade,
isso em outra época era sinônimo de casamento!
— Promete que não vai desistir de mim? — Mesmo com meus esforços
para deixar a conversa leve, ele não relaxou.
— Por que eu desistiria? Se isso tem algo a ver com a gravidez de
Rose, não se preocupe. Estou vacinada contra aquela cachorra e nada do que
ela tente fazer, vai influenciar nos meus sentimentos por você.
Aquela noite dormimos tão abraçados quanto podíamos. Adormeci com
Benjamin alisando a palma da minha mão e roçando o nariz no meu pescoço.
Ou seja, eu não podia ser mais feliz.

O final de semana chegou e com ele veio o Natal. Como Benjamin deu
folga à Abigail, ficamos apenas nós três para abrir os presentes na manhã do
dia 25. Sophia estava cheia de energia e feliz, pois tinha dormido na cama
entre nós dois e, quando acordei, flagrei Benjamin observando o sono da
filha, todo apaixonado.
— Às vezes eu paro e me pergunto como posso ter produzido algo tão
perfeito — sussurrou, sorrindo para a criança que dormia como um anjo.
— Você já se olhou no espelho? — perguntei, baixinho. — Benjamin,
você é perfeito.
— Não falo de beleza... — Ele sorriu e piscou todo safado. — Mas fico
feliz que você goste do que vê.
— Sim, eu entendo o que quer dizer. Sei que Sophia é um amorzinho
de menina, principalmente depois que me conheceu, mas não faço questão de
receber alguns créditos por isso.
Ela acordou bem naquele momento, espreguiçando-se de forma bem
espaçosa e abrindo os olhos curiosos. Demorou alguns segundos, mas logo se
deu conta de que dia era e ajoelhou na cama, toda sorridente.
— É Natal! — gritou. — Meu presente!
Pulou da cama sem nem nos cumprimentar e disparou pelo quarto.
Ainda deu para ouvir os passos apressados pela escada e fiquei me sentindo
uma idosa, demorando tanto tempo para me levantar e fazer o mesmo
percurso que ela.
Nós a encontramos debruçada sobre os presentes que espalhava pelo
tapete, olhando as etiquetas. Benjamin tinha me contado que ela deixou de
acreditar em Papai Noel quando tinha uns cinco anos e o flagrou colocando a
roupa vermelha como fazia todo ano. Naquele dia Sophia já era uma agente-
mirim do FBI e fez com que o pai confessasse tudo. E por ter sido enganada
durante todos aqueles anos, ela o obrigou a comprar todos os presentes de sua
pequena lista.
— Esses são meus — disse, amontoando aqueles que tinham seu nome.
— Abra primeiro o vermelho, Soso — pedi e ela me olhou quando me
sentei ao seu lado. — É o meu. Aí se você não gostar, vai ter os do seu pai
para te consolar.
— Eu vou gostar, Bruna!
— Ou não — respondi, um pouco tensa.
Ela me ignorou e começou a rasgar o papel da enorme caixa. Quando
abriu, franziu a testa e me encarou. Eu segurei o riso.
— Uma caixa?
— Abra a caixa — sugeri, me divertindo.
— Mas eu já abri.
— Sim, abra essa outra caixa.
Sophia bufou e tirou de dentro da caixa, outra caixa menor. Quando ela
abriu, encontrou outra caixa. Eu adorava fazer esse tipo de coisa e irritar as
pessoas.
— Bruna, você tá me maltratando no Natal? — Ela estreitou os olhos
para mim.
— Abra!
— Quantas caixas são, Bruna? — Benjamin perguntou. — Só para
saber se dá tempo de fazer um café enquanto Sophia desvenda o mistério.
— Fica quieto, Benjamin!
A próxima caixa era bem menor, de modo que quando ela abriu, tirou
um estojo de veludo de dentro. Benjamin ficou interessado quando viu que
deveria ser alguma joia e me olhou sem entender. Sophia levantou a tampa e
puxou um relicário de prata.
— Bruna, eu gosto de ganhar brinquedo. — Ela parecia decepcionada.
— Mas obrigada.
— Deixa de ser chata, Soso. — Coloquei o relicário na palma da minha
mão e abri na frente dela.
Ouvi Benjamin suspirar e sentar ao meu lado, enquanto eu observava
Sophia de olhos vidrados na foto de sua mãe.
— É para você sempre tê-la por perto e assim, nunca esquecê-la.
Soso piscou várias vezes e depois me abraçou, sussurrando um
“obrigada” bem baixinho e beijando meu rosto. Achei que fosse me soltar em
seguida, mas acabou ficando grudada em mim por um bom tempo, o bastante
para Benjamin desistir e ir para a cozinha. Acariciei seus cabelos, dizendo
para ela abrir os outros presentes.
— Tudo bem... — respondeu, cabisbaixa, com os lábios trêmulos.
— Ei Soso, não é para você ficar triste. Dei esse presente para que
possua algo especial sobre a sua mãe. Você a ama, é importante que se
lembre sempre disso.
— Eu amo você também, Bruna. — Ela segurou o relicário e fechou a
mão pequena.
— Eu sei disse e também amo muito você, mas ela sempre será a sua
mãe e quero que a guarde neste lugar especial — expliquei, tocando seu peito
na altura do coração e encostando minha testa na dela. — O seu amor por
mim não será menor ou maior por causa disso. Tem espaço suficiente no seu
coração para que ame muitas pessoas durante sua vida, ok?
— Ok.
— Nunca me senti tão em segundo plano numa manhã de Natal. —
Benjamin quebrou o clima ao voltar para a sala.
Eu ri e Sophia correu até ele, pendurando-se no pescoço do pai e dando
um beijo barulhento no rosto dele. Benjamin caminhou e se abaixou para
pegar um outro embrulho, entregando a ela.
— Esse e aquele outro são do papai, se quiser abrir... Bruna já chamou
toda a atenção do dia.
— Claro que quero!
Ele a colocou no chão e enquanto a menina desbravava o papel de
presente, Benjamin sentou ao meu lado, beijou minha cabeça e roçou o nariz
em minha orelha, todo carinhoso.
— Seu presente para Sophia me deixou sem palavras. Cada dia eu me
surpreendo mais com você.
— Um patineeeete! — a criança gritou, muito doida. — Obaaaaa!
Revirei os olhos diante daquele presente tão previsível, já que Sophia
ficou meses falando sem parar o quanto queria ganhar um patinete de Natal.
Claro que sobraria para mim, pois teria que ensiná-la a usar aquele negócio.
Depois que eu aprendesse.
Foi um presente que Sophia rapidamente deixou de lado assim que
abriu o próximo embrulho e descobriu um iPhone de última geração ali
dentro. Ela deu um monte de beijos em Benjamin, para logo sentar no sofá
com o aparelho no colo e começar a mexer.
— Sophia, você terá horários certos para usar este aparelho — avisou
Benjamin, levantando-se e parando diante dela para que levasse a sério. —
Não pode levar para a escola e só poderá acessar a internet quando estiver
com um de nós dois. Estamos entendidos?
— Sim, papai.
— Se desobedecer as ordens por um dia sequer, vou ficar com seu
aparelho e dar o meu velho para você — ameacei e ela fez uma careta, porque
o meu celular não era um iPhone.
Sophia se encolhei e apertou o aparelho entre as mãos e eu sabia que
ela odiaria se eu cumprisse a ameaça. Lancei meu sorriso maligno e dei uma
piscadinha antes de voltar a minha atenção para Benjamin, que pegou um
presente sob a árvore e o entregou para mim. Era uma caixa pequena e fina,
eu não conseguia nem imaginar o que podia ter sido colocado ali dentro.
Seria um colar de brilhantes?
Sabia que era algo que toda mulher amaria ganhar, mas eu nem mesmo
tinha roupa para usar algo do tipo e seria um presente pouco usado. Com as
mãos trêmulas, ansiosa, retirei a fita vermelha elegante que envolvia a caixa e
a abri devagar. Não era uma joia.
— Uma passagem de avião? — Peguei o papel para olhar direito e
percebi que era com destino ao Rio de Janeiro. — Você está me mandando
embora?
Benjamin gargalhou ao meu lado e segurou meu rosto, dando-me um
selinho.
— Como você é boba! É uma viagem de turismo, mas você não estará
sozinha, pois comprei passagens para mim e Sophia.
— O quê? — Abri e fechei a boca, depois fiz pior que Sophia e me
joguei em cima dele, que teria caído de costas se não fosse homem tão
equilibrado e forte. — Obrigada! Obrigada, obrigada!
— Não por isso. Tem mais um presente seu na árvore.
— Calma, vou buscar o seu! — pedi, correndo até meu quarto.
Optei em não colocar aquele presente na árvore porque o formato era
muito previsível, portanto, eu o escondi embaixo da minha cama. Era pesado,
então tive certa dificuldade na hora de descer a escada, mas Benjamin veio
me ajudar assim que me viu toda atrapalhada.
— Isso é para mim? — ele perguntou e eu assenti, entregando o
embrulho grande. Então, ele disse o óbvio: — É um quadro.
— É extremamente difícil comprar um presente para você, sabia? —
reclamei, parando do lado dele e esperando que terminasse de rasgar o papel.
— Espero que goste. Não é nenhum aparelho da Apple.
Tive a ideia do presente depois de uma tarde que passamos os três
juntos na piscina. Benjamin começou a fotografar as mulheres mais lindas do
mundo — e eu juro que foram as palavras que ele usou — e depois eu
também me aventurei como fotógrafa. No final daquele dia, percebi que
algumas fotos saíram incríveis e poderiam virar quadros lindos.
— Uau! — exclamou ele quando viu o resultado, virando o rosto para
me olhar. — É maravilhoso.
Escolhi a foto mais bonita em que ele Benjamin estava na piscina com
Sophia. Captei um momento lindo enquanto ele a erguia no ar em sua
brincadeira aquática favorita. O sorriso dos dois na imagem era contagiante e
nem parecia ter sido uma foto tirada por uma amadora como eu. Então,
procurei quem a transformasse em tamanho maior, em tons de preto e branco
e a colocasse dentro de uma moldura bonita.
— Gostou mesmo? — perguntei, insegura. — Quando recebi, achei que
ficaria ótimo naquela parede do final da escada.
— É lindo, meu amor. Claro que ficaria ainda mais perfeito se você
estivesse na foto, mas entendo o significado do presente. Mais tarde
escolheremos onde pendurar.
— Ei, sou eu na foto! — Sophia se surpreendeu ao levantar do sofá e
vir conferir o quadro. — Eu estou linda como sempre!
Corri atrás dela para enchê-la de cócegas e a criança saiu gritando
desesperada pela casa. Depois que nos acalmamos, Benjamin me deu o
segundo presente, que nada mais era do que um lindo par de Louboutin, que
quase me fizeram desmaiar. Eu o infernizei o resto da manhã, dizendo que ele
precisaria me levantar para jantar muitas vezes, pois aqueles sapatos não
podiam ficar apenas guardados no armário, precisavam ser usados.
Tirei um tempinho depois do almoço para ligar para meus pais, mesmo
que eles não estivessem muito ansiosos para falar comigo. De qualquer
forma, minha mãe pareceu ficar bem animada quando contei sobre a viagem
que faríamos em breve. Talvez tenha ficado mais interessada em conhecer
Benjamin do que com a minha presença. Por último, liguei para Jessica.
Assim que me atendeu eu percebi que algo tinha acontecido, pois sua voz não
estava legal, parecia ter chorado.
— Amiga, Feliz Natal — falei, preocupada. — Você está bem?
— Oi Bruna, Feliz Natal. — Ela não me respondeu com entusiasmo. —
Apesar de que não está tão feliz para mim, porque terminei o namoro.
Eu estava prestes a falar quando ela caiu no choro e resmungou
palavras incompreensíveis, enquanto eu esperava que se acalmasse. Quando
pareceu assoar o nariz, ela voltou a falar:
— Aconteceu tudo tão rápido e eu queria te ligar, mas passei os últimos
dos dias tão arrasada que meus patrões até me liberaram das crianças.
Bruna...
— Mas o que aconteceu? Foi você que terminou?
Eu sinceramente não conseguia entender aquele cenário, os dois
pareciam estar se dando bem demais para acontecer algo assim. Ouvi Jessica
fungar no meu ouvido.
— Ele me traiu. Eu descobri. Ou melhor... eu vi.
— Ah, Deus...
— Sabe o que é pior? — Ela soluçou e eu quis abraçá-la. — A mulher
com quem Joseph está é tão bonita que nem posso competir com ela, Bruna.
— Não fale isso, Jess. Você é bonita também.
— Não igual a ela.
Ficamos em silêncio pois eu realmente não sabia o que dizer para
alguém que descobria ter sido traída. Sempre fui péssima em consolar as
pessoas, me sentia uma inútil nesses momentos.
— Jess, se precisar conversar, eu posso ir até você. Ou se quiser, pode
vir aqui em casa.
— Obrigada, Bruna, mas por enquanto só quero chorar. Te ligo depois,
tá?
— Tudo bem, mas se cuida.
Desliguei e senti braços me envolvendo por trás, um beijo no topo da
minha cabeça e um hálito quente em meu pescoço.
— Benjamin, Jessica terminou com o Joseph. — Ele me soltou e me
virou de frente. — Você acredita que ela o pegou traindo?
— Que escroto! — E toda a simpatia que Benjamin tinha lutado para
tentar construir por Joseph, foi embora num passe de mágica. — Eu
desconfiei que ele não prestasse. Como ela está?
— Péssima, coitada. Se não fosse Natal eu tentaria tirá-la de casa para
distrair.
Estava mesmo chateada por Jessica, mas deixaria para pensar nisso
depois. Queria aproveitar o momento e curtir meu namorado o máximo
possível.
Nós passamos um tempo ali no meu quarto e depois voltamos para a
sala, encontrando Sophia esparramada no tapete, jogando no celular novo.
Observei que ela mexia nele como se fosse de cristal e pudesse quebrar, achei
bem fofo o cuidado que parecia ter com o aparelho, ao contrário do que
acontecia com suas bonecas.
Quando a campainha tocou no final da tarde, eu juro que não pensei em
nada antes de ir atender a porta. Benjamin estava na cozinha preparando um
lanche para comermos enquanto assistíamos o filme que Sophia estava
escolhendo, então estava muito distraída, cantarolando. Ao girar a maçaneta e
abrir a porta, olhei a merda que havia diante de mim e a fechei
imediatamente.
— Sério que você bateu a porta na minha cara, Bruna? — Rose gritou
do lado de fora. — Benjamin! Pode abrir aqui, por favor?
— O que foi? — Meu namorado ouviu os gritos e apareceu com as
mãos sujas. — É Rose?
— Sim, o próprio diabo. — Bufei. — Pelo amor de Deus, hoje é Natal,
não Halloween!
— Isso só pode ser brincadeira. — Irritado, o homem passou por mim e
escancarou a porta, encarando a loira. — O que você quer? Tem mesmo que
estragar o nosso Natal?
Ela permanecia em cima dos saltos, com um sorriso cínico no rosto,
tipo o da Monalisa. O pior é que a vaca estava mais bonita do que nunca, o
frio parecia fazer bem a ela. Então deu um passo à frente e abriu a bolsa, que
devia ser de pele legítima, pois ela era o tipo de pessoa que mataria um
bichinho para carregá-lo na mão.
— Oi Benjamin, Feliz Natal. Você já foi um homem mais educado. —
Rose olhou para mim. — Mas entendo que esteja convivendo com péssimos
exemplos em casa.
— Não enche, Rose! — Ele começou a fechar a porta, mas parou. —
Você tem dez segundos para dizer o que veio fazer aqui. Começando a
contar... agora.
— Só vim entregar seu presente de Natal. — A vaca puxou um
envelope da bolsa e entregou ao meu namorado. — A primeira foto da
sementinha que está se tornando o seu filho. Fiz ultrassom ontem.
Eu devia ter aceitado o café da manhã reforçado que Benjamin fez para
Sophia, mas estava guardando uma parte do meu estômago para a torta de
framboesa que Abigail tinha deixado na geladeira. Portanto, não consegui ver
Benjamin abrindo o envelope, já que desfaleci aos seus pés.
Quando abri os olhos, demorei alguns segundos para entender o que
estava acontecendo. Com Sophia praticamente em cima de mim e a voz de
Benjamin pedindo para ela me deixar respirar, rapidamente lembrei dos
últimos momentos antes de apagar. Rose. A picareta teve que aparecer para
estragar o nosso Natal.
— Benjamin? — Sentei no sofá, sentindo a mão de Sophia na minha
testa.
— Você não está morrendo, né Bruna? — A menina arregalou os
olhos. — Sua cara tá tão verde!
— Sophia, chega! — Benjamin a pegou no colo para me deixar livre e
a colocou no chão. — Você está melhor?
Eu estava? Observei meu corpo reagindo internamente para saber se
estava bem e ao que tudo indicava, sim, eu estava. Nem sabia direito o que
tinha acontecido.
— Aquela... pessoa... — não quis xingar a loira na frente de Sophia —
já foi embora?
— Logo depois que você desmaiou. — Benjamin franziu os lábios. —
Seu desmaio deve ter feito o dia dela mais feliz.
— Imagino. — Suspirei, resignada por ter feito papel de idiota na
frente de Rose. — E o envelope?
— Sophia, por que não sobe e busca um agasalho para Bruna? — Ele
se virou e piscou para a filha, que saiu correndo pela escada.
Benjamin aproveitou o momento a sós e se aproximou de mim,
sentando ao meu lado e colocando a mão em meu joelho. Sussurrou baixinho
para que não fosse ouvido pela menina:
— Quando você desmaiou, eu tratei de expulsar a Rose, então Sophia
nem chegou a ver quem era. Eu disse que era engano, ok?
— Benjamin, e o envelope?
— Eu abri. — Ele encolheu os ombros, franzindo a testa. — Tinha uma
fotografia do ultrassom, como ela disse. Sinceramente? Estou melhor do que
imaginei que estaria quando algo do tipo acontecesse. Só irei me considerar
pai depois que o bebê nascer e o exame comprovar minha paternidade.
Escutamos os passos de Sophia pela escada e mudamos de assunto para
que ela não se envolvesse com a história da gravidez. Benjamin ainda não
tinha contado nada e acho que nem deveria contar enquanto não tivesse
certeza que o filho era dele.
— Bruna! — A menina parou diante de nós dois, com as mãos na
cintura, revirando os olhos. — Seu quarto tá uma bagunça. Deus me livre, vê
se arruma aquilo lá!
Estreitei meus olhos e me mexi, ameaçando me levantar para correr
atrás dela, mas Sophia foi mais rápida e saiu em disparada para o sofá,
esparramando-se no centro e pegando o controle remoto.
— Já sei o que vamos assistir! — disse ela, animada demais para meu
gosto. — Alien!
Benjamin lançou um olhar estranho na minha direção, porque ele sabia
que eu era culpada de viciar Sophia nos filmes de terror. Dei um sorrisinho
sem graça e o beijei para que esquecesse de brigar comigo.

Passado o Natal, o incidente com Rose foi deixado para trás
propositalmente. Quando Benjamin me mostrou a foto do ultrassom naquele
mesmo dia, eu sequer consegui ver alguma coisa além de um monte de
borrão preto e branco. Parecia uma televisão com interferência quando o gato
na antena dá problema — e não me refiro ao gato animal.
O hotel no Rio de Janeiro estava reservado e depois de encher bastante
a paciência do meu namorado, ele concordou em viajarmos para passarmos o
Ano Novo na cidade, pois queria que ele e Soso conhecessem o réveillon
mais animado do mundo. Benjamin, tinha reservado uma suíte no melhor
hotel de Copacabana, de frente para a praia, de forma que veríamos os fogos
sem precisarmos descer até a multidão.
Antes de viajar, liguei para Jessica, para saber como ela estava e
desejar boas festas, mas minha amiga continuava bem depressiva. A única
notícia boa era que os seus pais estavam vindo passar o Ano Novo com ela
nos Estados Unidos. Fiquei feliz por saber que estaria com a família e fiz
careta ao pensar nos meus próprios pais, que pouco se importavam comigo.
Havia marcado de ir até em casa no dia seguinte ao de nossa chegada, apenas
para fazer uma visita básica e apresentar Benjamin a eles.
Sophia nunca tinha viajado de avião e armou um show quando
decolamos. Disse que ia desmaiar, que estava sentindo palpitações no peito e
se sentia tonta demais. Todos esses problemas, no entanto, passaram assim
que a comissária da primeira classe apareceu com sorvete para mimá-la.
Ao desembarcarmos e pisarmos em solo carioca, respirei o ar da minha
cidade natal. Meus olhos se encheram de água instantaneamente ao perceber
como sentia saudades do meu Rio de Janeiro. Eu era feliz nos Estados
Unidos, ainda mais por ter encontrado o amor da minha vida, mas aquela era
a minha terra, o lugar mais lindo de todos.
Não deixei que Benjamin alugasse um carro porque fiquei com medo
que ele surtasse, afinal, o trânsito com o qual ele estava acostumado era
composto de cidadãos educados e que respeitavam os códigos de trânsito. O
que não condizia com o que acontecia no Brasil. Então o fiz aceitar que era
mais vantajoso andarmos de táxi e no caminho para o hotel, fui tagarelando
enquanto mostrava a orla carioca.
— Estamos perto da casa de seus pais? — perguntou meu namorado,
quando passamos pelo Leblon e eu caí na gargalhada.
— Estamos muito longe — respondi, observando o mar e a praia lotada
em pleno dezembro. — Muito mesmo.
O motorista, com quem eu tinha falado em português quando entramos
no carro, olhou pelo retrovisor e perguntou se eu era brasileira. Respondi que
era carioca com orgulho, mas que agora estava morando na Califórnia.
Quando eu disse que nasci em Madureira, ele abriu um sorrisão e disse que
era de Cascadura.
Pegamos um trânsito chato, engarrafado, mas eu nem podia reclamar,
pois aquela era a desculpa perfeita para observar a praia, a agitação insana do
calçadão, cachorros seguindo os donos sem coleira, turistas de tênis e meia
andando pela areia, mulheres caminhando apenas de biquíni fio-dental sem o
menor pudor, bicicletas, patins, frescobol e futevôlei, garotos com pranchas
debaixo dos braços, areias lotadas de cadeiras e cangas com crianças
correndo e vendedores gritando. Tudo acontecendo ao mesmo tempo numa
sintonia perfeita.
Demoramos mais uns vinte minutos para chegarmos ao nosso hotel.
Levantei a cabeça para olhar o prédio inteiro, com o coração batendo rápido
no peito, pois nunca pensei que algum dia nessa minha vidinha, eu colocaria
meus pés dentro do Copacabana Palace.
Como chegamos cansado por causa da viagem longa, tiramos aquele
dia para ficar pelo hotel e descansar um pouco. Tentamos aproveitar um
pouco a piscina, mas Benjamin e Sophia estavam sofrendo no calor do Rio de
Janeiro e nem aguentaram aquele sol por muito tempo. Voltamos para o
quarto e só saímos de novo à noite para andar no calçadão. Paramos num
restaurante que eu sabia ser muito elogiado e jantamos, por fim, encerramos o
dia tomando água de coco em um quiosque próximo ao hotel.
Fomos logo pela manhã até a casa de meus pais e me surpreendi
quando soube que minha mãe tinha preparado um almoço legal para seu
genro. Meu queixo caiu ainda mais quando ela ficou empolgada ao conhecer
Sophia, tratando a menina como se fosse sua própria neta. Meu pai continuou
sendo o mesmo homem amargo e decepcionante de sempre, mas admito que
minha mãe se esforçou pelos dois. Não sabia dizer se ela agiria da mesma
forma se fosse apenas eu, mas não me importava, desde que tratasse bem
Benjamin e Soso.
Viemos embora logo após o almoço, depois que eu aproveitei para
pegar algumas coisas minhas que não consegui levar na primeira viagem,
pois agora teria espaço de sobra em outras malas. Quando o táxi nos levava
embora, vi a Malu, uma de minhas melhores amigas, andando pela calçada e
pedi para que o carro parasse. Ela quase infartou quando me viu, mas nos
abraçamos e tagarelamos para tentar colocar em dia o assunto de meses,
durante cinco minutos. Acabei tendo que prometer que arrastaria Benjamin e
Sophia ao churrasco na casa do Leandro, no dia primeiro de janeiro. Pensei
que Benjamin fosse reclamar, já que Madureira era bem longe de
Copacabana, mas ele aceitou o convite numa boa, dizendo estar ansioso para
conhecer o famoso churrasco do brasileiro.
Tiramos o resto do dia para fazer passeios turísticos, Sophia estava em
êxtase no bondinho do Pão de Açúcar, enquanto eu nem me aproximava do
vidro, com medo daquele troço despencar lá do alto. Depois, decidi que
deveríamos fechar o dia de turismo aguardando pelo pôr do sol no Arpoador,
para que eles pudessem sentir o gostinho daquele espetáculo. Enquanto ouvia
as pessoas baterem palmas ao nosso redor, uma tradição antiga do carioca,
senti meus olhos úmidos pela emoção. Não havia um motivo específico, mas
me sentia tão grata por tudo que estava acontecendo em minha vida, que me
veio a vontade de chorar.
Benjamin percebeu que eu tinha ficado emotiva e me abraçou por trás,
beijou minha cabeça e Sophia também me agarrou o braço. Voltamos em
seguida para o hotel, todos cansados, e descansamos um pouco em nossas
camas antes de descermos para jantar ali mesmo no Copacabana Palace.
— Bruna, eu amo o Brasil! — Sophia declarou, já deitada em sua
cama, com tanto sono que estava de olhos fechados.
— Eu amo as cariocas. — Quando Benjamin viu meu olhar assassino,
deu uma risada. — Tudo bem, eu amo uma, apenas uma carioca.
Deitei a cabeça no travesseiro, feliz da vida com um sorriso gigante no
rosto. A televisão estava ligada e passava a última novela do dia, e foi
divertido traduzir para eles algumas falas, já que me aproveitei da situação
para criar diálogos absurdos.

Era Ano Novo, 31 de dezembro, e eu na varanda do quarto, olhando o


movimento no calçadão, observando a areia lotada com as pessoas que
chegavam muito cedo para esperarem pela festa. Tinha terminado de me
arrumar, coloquei um vestido branco longo, justo na cintura e a saia plissada,
comprado um dia antes da viagem. A festa no Copacabana Palace pedia algo
muito mais chique do que eu tinha no armário. Benjamin estava elegante todo
de branco e Sophia parecia um anjo, ninguém seria capaz de dizer que a
criança gostava de decepar cabeças de bonecas.
Quando descemos para a festa, fiquei boquiaberta com toda a estrutura
impecável do evento. Ia muito além do que imaginava e surtei em silêncio
quando notei a presença de vários artistas.
— Vocês duas são as mais lindas da festa. — Benjamin beijou meu
rosto e apertou a bochecha de Sophia.
Eu ri, porque a criança nem pareceu ter escutado. Sophia tentava
dançar, mas ela não tinha muito talento, parecia estar sofrendo convulsões.
Aproveitei para filmar o momento e guardar de recordação — ou como
material de chantagem para o futuro.
Comemos, bebemos, dançamos, observamos a praia cheia e o show que
acontecia no local. Faltando menos de três minutos para a meia-noite, sons de
fogos aleatórios podia ser ouvido em diversas direções, culpa dos apressados
que não aguentavam esperar. A música mudou, entrando em um ritmo mais
agitado, uma vibe de comemoração, como se todos se preparassem para o
clímax do dia. Eu, Benjamin e Sophia estávamos sentados numa mesa perto
da piscina, quando ele se levantou e ficou parado, olhando na direção da
praia.
Sophia estava com os olhos grudados no céu para não perder um
momento sequer quando os fogos estourassem. Meu coração estava
acelerado, como sempre ficava nessa época do ano, aguardando o início da
contagem regressiva, quando Benjamin se ajoelhou aos meus pés.
O QUÊ?
— Antes do barulho ficar ensurdecedor, quero que você diga sim para
mim. — Ele tirou uma caixinha do bolso e a mostrou para mim. — Eu sei
que estamos há pouquíssimo tempo juntos, mas muito cedo eu descobri que a
vida é curta demais para ficarmos adiando a felicidade. Bruna, case comigo.
O tempo que levei encarando o diamante enorme, foi justamente o
tempo em que se iniciou a contagem para a virada do ano. Nunca imaginei
que ele estivesse pensando em casamento, então foi um choque receber o
pedido. Os fogos começaram a estourar quando deu meia-noite e as pessoas
gritavam ao nosso redor. Benjamin perdeu o show no céu, pois não desviou
os olhos dos meus, e Sophia lançou um sorriso como se já soubesse de tudo.
Passei a língua pelos lábios, com medo de que meu coração pudesse parar
naquele momento e não me deixar responder.
— Você é louco. — As lágrimas estouraram a barreira que as
seguravam e imaginei que estaria toda borrada de delineador e rímel, mas não
me importei com isso. Só consegui me inclinar para frente e passar os braços
pelo pescoço do meu amor. — Sim! Sim! Sim!
— Graças a Deus! — ele gritou para ser ouvido por cima do barulho
dos fogos e se levantou, me puxando com ele e me pegando no colo. — Eu
sei que pode parecer precipitado, mas não tenho dúvida de que preciso passar
o resto da vida com você.
— Está acontecendo rápido, eu sei — falei em seu ouvido. — Mas eu
teria dito sim no dia em que você se apresentou como Benjamin Reed.
Ele colocou o anel pesado em meu dedo e me soltou para que
pudéssemos aproveitar o restante da festa que acontecia no céu. Abracei
Sophia e a ergui do chão, rodando no mesmo lugar com ela e gritando junto
com ela, que conseguiu esconder direitinho isso de mim. O pai dela se
intrometeu na nossa comemoração e a pegou do meu colo, graças a Deus,
porque era peso demais para meus bracinhos. Benjamin me deu um selinho e
me olhou com aquela cara de apaixonado.
— Há quanto tempo você está tramando isso? — perguntei, curiosa.
— Desde o Natal — respondeu, sorridente, e beijou a filha. — Sophia
foi comigo escolher o anel, não foi?
— Fiz ele comprar o mais caro.
Benjamin revirou os olhos e apertou o nariz dela, que reclamou e pulou
com pressa do colo dele. Quando a comemoração pela chegada do novo ano
diminuiu um pouco, por volta das duas da manhã, eu os arrastei para o lado
de fora do hotel, na intenção de molhar nossos pés no mar. Os dois gringos
estranharam a sugestão, mas acataram meu pedido. Quando finalmente
conseguimos atravessar a areia até chegarmos na água, olhei para o diamante
em minha mão e tomei a decisão coerente de retirar o anel e entregar para
Benjamin, que me encarou horrorizado e boquiaberto.
— Mas...
— É só para você guardar para mim — expliquei, rindo. — Eu bebi,
né? Não confio em minhas habilidades e posso acabar perdendo. Amanhã
você me devolve.
Ele suspirou, parecendo aliviado por saber que o motivo era mais
simples do que pensou. E então foi correndo atrás de Sophia que estava com
a água já quase tocando os joelhos.
— Sophia — gritei para a criança, que estava sendo arrastada à força
pelo pai. — O objetivo é molhar somente os pés, não incorporar a oferenda e
se jogar no mar.
Não demoramos muito ali, logo voltei com eles para o hotel, pois sabia
que em época de réveillon aconteciam muitos assaltos pela praia e eu não
podia colocar em risco o meu querido diamante. Porém, retornei renovada e
agradecida, prontíssima para iniciar o novo ano. Além do pedido de
casamento, Benjamin me deu um belo presente ao me levar para matar a
saudade do meu país e me proporcionar passar o Ano Novo do jeito que eu
tinha aprendido: com calor, cheiro de maresia, muita música e muita festa.

Acordei com um pouco de ressaca atormentando minha cabeça e me
levantei, percebendo que Benjamin parecia estar cheio de disposição
enquanto trabalhava em seu notebook. Olhei para a cama de Sophia, que
ainda dormia como um anjo, e me espreguicei a caminho do banheiro.
— Bom dia... — falei, sentindo minha língua áspera como lixa. —
Preciso de um banho, pasta de dente e um pente. Depois falo direito com
você.
A verdade é que tinha me acostumado com o clima da Califórnia.
Quem diria, não é mesmo? O calor no Rio de Janeiro estava insuportável
como sempre e eu não me sentia com animação suficiente para ir ao
churrasco dos meus amigos. Porém, quando pensei em conversar sobre isso
com meu — agora — noivo, ele me fez mudar de ideia e mandou que Sophia
fosse se arrumar.
— Eu só não quero que vocês se frustrem ok? Não é nada chique. É um
churrasco nos fundos da casa de um amigo.
— Eu quero comer churrasco! — Sophia era a que estava mais
empolgada, mas na idade dela eu também me animava com tudo. — Por
favoooooor.
Resignada, lá fui eu para o subúrbio com dois gringos a tiracolo.
Cogitei até em dar toda a experiência para eles e fazê-los andar de ônibus,
mas não tive coragem de fazer essa sacanagem com os coitados que não
paravam de suar. O táxi nos deixou no endereço e logo fui tomada pelo
cheiro inebriante do bom e velho churrasco. A casa do Leandro era bem
simples, mas era o reduto da galera sempre que a gente conseguia se juntar
para fazer uma bagunça.
— Você veio! — Ele logo me recebeu com um abraço apertado e
depois foi apresentado a Benjamin e Sophia. — Caramba, Bruna, ficou mais
gata, hein. — Ele olhou para o homem ao meu lado e abriu um sorriso. —
Não falo inglês, mas diz para ele que a conheço desde pirralha e posso
elogiar.
Revirei meus olhos e passei um braço pela cintura de Benjamin,
percebendo que eu teria que trabalhar como tradutora a tarde inteira.
Enquanto Sophia se enturmava com a intenção de comer, eu apresentei meu
noivo para todos que conhecia e as garotas surtaram junto comigo ao verem o
diamante imenso em meu dedo. Nem eu acreditava quando olhava para o
anel.
— Eu te amo! — Benjamin falou baixinho em meu ouvido, quando saí
de perto das meninas para buscar uma bebida. Nos beijamos, enquanto eu
espiava Sophia enchendo a mão com a carne que tinha acabado de ser
cortada. — Já falei isso hoje?
— Não tinha dito ainda. — Sorri. — Eu amo você, chefe.
Fiquei na ponta dos pés para enfiar meu rosto no vão do pescoço dele e
fechei os olhos por um momento, feliz demais. Se não fossem as gotas de
suor que escorriam pelas minhas costas, seria tudo perfeito.
— Está gostando da minha cidade? — perguntei.
— Amando. Tudo que diz respeito ao seu passado me interessa, Bruna.
Como se não pudesse ser mais perfeito, Benjamin me soltou e olhou ao
nosso redor, observando algumas pessoas que estavam sambando, até
começar a arriscar alguns passos. Quase desmaiei emocionada com a visão de
um gringo totalmente desajeitado.
— Samba? — Benjamin perguntou em português com um sotaque
muito engraçado, mas demonstrando interesse.
— Não sou uma passista, mas consigo me virar. — Sambei um pouco
na frente dele, que tentava me imitar, para a diversão de todos os presentes.
Sophia chegou perto de nós e nos observou com estranheza, como se
estivéssemos perdendo tempo dançando, quando ela comia tudo que via pela
frente. Eu a puxei pela mão cheia de gordura da carne e tentei mostrar como
se fazia, mas ela era ainda pior que Benjamin. Certamente, não seria uma
bailarina quando crescesse.
Passamos uma tarde super agradável com um pessoal que eu não via há
tanto tempo. Quando deixamos a casa de Leandro no início da noite, fomos
direto para o hotel. Não quisemos jantar, ninguém tinha estômago para comer
mais nada. Benjamin e Sophia, principalmente, os dois enlouqueceram com a
combinação carne, arroz, farofa e molho vinagrete.
Os dois dormiam quando despertei, perdendo o sono no meio da
madrugada. Levantei-me e fui para a varanda observar a praia. Perdi a noção
de quanto tempo passei ali, sozinha, olhando as ondas que estouravam ao
longe na arrebentação, apreciando a lua cheia no céu escuro. Estava feliz por
ter feito a viagem e já me despedia da minha cidade, tendo em vista que
começaria uma nova vida em breve.
Depois de tantos acontecimentos marcantes, foi difícil voltar à rotina
em casa. Todo dia morria de saudades de Benjamin, principalmente quando
ele ficava até mais tarde no escritório. Sophia também parecia sentir que o
clima de festas tinha ido embora, pois estava muito resmungona para
acordar. Na primeira semana tive literalmente que arrastá-la para fora da
cama, puxando cobertor e travesseiros, depois a pegando pelos pés.
Numa quarta-feira, duas semanas após o réveillon, fui até o shopping
encontrar Jessica. Ela parecia ter se recuperado da desilusão com Joseph e
estava melhor, portanto, queria conversar e desabafar. Eu adorei que
tivéssemos marcado algo, estava ansiosa para colocar o assunto em dia e
mostrar meu anel.
— Você é a garota mais sortuda que conheço. — Ela segurou minha
mão, com um sorriso de orelha a orelha. — Minha nossa, é incrível!
Parabéns, Bruna!
— Obrigada!
— Já marcou a data? Eu quero ser a primeira a saber.
— Ainda não, na verdade nem conversamos sobre isso. — Mordi o
lábio. — A rotina de Benjamin está muito corrida nesses primeiros dias do
ano e não estou com pressa alguma, então, acho que podemos deixar rolar.
Mexi o canudinho do meu suco, pensativa. Organização de casamento
era um dos momentos mais esperados pela maioria das mulheres e eu me
incluo na lista. Não queria que essa fase fosse estragada com os problemas
que envolviam Rose e sua gravidez. Mesmo não tendo conversado com
Benjamin sobre o assunto, pensei que talvez fosse melhor esperar tudo passar
para depois pensarmos em casamento.
— Que cara é essa? — perguntou Jessica. — Achei que estivesse feliz.
— Eu estou! — Suspirei e a encarei, até que decidi que precisava
desabar sobre o assunto com ela. — Tudo bem, o que eu vou contar, não
pode sair daqui, tudo bem?
— Claro, Bruna. Você é minha única amiga aqui no país.
— Lembra que o Benjamin namorava uma mulher que eu detestava?
Acontece que ele terminou com ela e nós dois começamos a namorar pouco
tempo depois. Estava tudo bem, achávamos que ela fosse passado, mas então
reapareceu. Grávida.
Jessica ficou chocada e tapou o rosto com as mãos. Quando me olhou
de novo, franziu os lábios. Sua expressão refletia exatamente a minha
frustração.
— O filho é dele?
— Ela diz que sim, mas eu não acredita nisso. Rose é o tipo de pessoa
que faria qualquer coisa para conseguir o que quer, inclusive usar uma
criança a seu favor. Benjamin fará exame de DNA quando o bebê nascer.
— Que droga, amiga, vou torcer para que não seja dele — Jessica
murmurou, com o mesmo desânimo que eu senti nos primeiros dias.
— Tem falado com Joseph? — perguntei, para desviar do assunto
Rose, pois não queria estragar meu dia.
— Ele me ligou na véspera de Ano Novo e disse estar arrependido que
gostaria de se explicar comigo sobre o que aconteceu, mas pelo menos, por
enquanto, eu não quero ouvir. — Ela ergueu os olhos para mim e vi como
estava triste com a situação. — Eu flagrei, sabe? Acho que isso foi o pior. Eu
vi os dois juntos, se agarrando como se não houvesse amanhã.
Era uma situação complicada e eu não iria me meter. Joseph tinha
simplesmente estragado uma relação que à primeira vista parecia ter tudo
para dar certo. Jessica era bonita, legal, inteligente e trabalhadora, e estava
animada com o namoro. Quem sairia perdendo na história, seria o professor.
Duas horas depois, com os pés cansados por ter rodado o shopping todo
com Jess, que queria comprar roupas novas para melhorar o humor, nós
fomos embora. Como ela tinha tirado habilitação e agora os patrões deixavam
um carro com ela, ia me dar carona até em casa. Estávamos próximas do
veículo e Jessica tinha destravado as portas quando agarrou minha mão com
força e me puxou para o lado.
— Olha ali o Joseph — sussurro, tentando usar o carro para nos
escondermos. — Não acredito! Ele está com a mesma mulher com quem me
traiu!
Não tinha como defender o idiota. Ficava ligando para Jessica e
pedindo desculpas, enquanto continuava vendo a outra? Até eu fiquei com
raiva e controlei a vontade de fazer um escândalo. Procurei por ele, olhando
para onde minha amiga olhava, e vi o professor caminhando de mãos dadas
com uma loira muito parecida com...
— Não! — Tapei a boca, chocada. — Aquela é a Rose do Benjamim.
— O quê? — Jessica virou o rosto para mim, horrorizada. Depois olhou
de novo para eles, que já sumiam dentro do shopping. — Você tem certeza?
Será que não é só alguém muito parecida?
— Eu reconheceria aquela vaca em qualquer curral.
Jessica ficou em negação por quase todo o trajeto, irritada porque ele
estava com a mulher, mais irritada ainda por saber que era a mesma pessoa
com quem Benjamin se relacionava. Quando será que os dois começaram a se
encontrar?
Quando Benjamin chegou em casa mais tarde, eu já estava prestes a
fazer um buraco no chão do meu quarto, de tanto que passei o resto do dia
andando de um lado para o outro, pensando no que tinha visto. Não
conseguia decidir se devia contar o que descobri. Faria alguma diferença?
Não queria estressá-lo e ele provavelmente ficaria com raiva, pois detestava
Joseph.
— Bruna, está tudo bem? — Benjamin perguntou, quando estávamos
deitados na cama.
Ainda era cedo, a televisão estava ligada e ele usava o notebook,
enquanto eu me sentia inquieta. Virava de um lado, depois virava para o
outro, deitava de bruços, de costas... Tinha muita coisa na cabeça, o caso de
Joseph e Rose, a ideia do casamento, a gravidez da loira...
— Preciso de um doce! — avisei, levantando-me e saindo do quarto.
Desci até a cozinha, acendi a luz e abri a geladeira, procurando alguma
coisa gostosa para beliscar. Enfiei a cabeça lá dentro, na esperança de
encontrar alguma coisa escondida. Eu começara a explorar Abigail e inventar
comidas para que ela cozinhasse, o que me garantiu com certeza o primeiro
lugar em seu caderninho de pessoas que odiava.
— Vai estragar toda a comida se continuar com a porta aberta por mais
meia hora. — Dei um pulo com a voz autoritária atrás de mim.
— Ai, Abigail! — Levei a mão ao peito. — Pare de me assustar assim!
— O que a senhora quer?
Fechei a porta da geladeira e sorri para ela. Desde que tinha visto o anel
em meu dedo, passou a me chamar de senhora. Eu ainda tinha esperança de
um dia domar o coração de pedra.
— Acabou a torta de pêssego? — perguntei, interessada.
— Acabou ontem, a senhora comeu quase tudo.
— Jura? — Franzi o nariz. — Tem certeza que fui eu?
— Foi a senhora.
Puxei uma cadeira e me sentei, pensando em alguma ideia para
cozinhar, que fosse rápido e fácil. Abigail bufou e começou a abrir os
armários, fazendo barulho para mostrar que não estava feliz com a situação.
A culpa era dela, que ainda estava ali na minha frente. Bastava me deixar
sozinha e se retirar para seus aposentos. Eu sabia me cuidar.
— O que a senhora quer? — perguntou. — Fala logo.
— Você vai fazer alguma coisa para mim? — Pisquei, seduzindo-a
com meu poder.
— Tenho opção?
Quinze minutos depois voltei para o quarto, com uma colher grande
cheia de brigadeiro e um sorriso estampado no rosto. Benjamin se
surpreendeu ao me ver comendo, mas bem que ficou de olho grande para
cima da minha colher. Ele me puxou pela cintura quando me aproximei e me
fez cair em seu colo, lambendo minha boca.
— Bruna de chocolate — murmurou. — Que doce gostoso!

No final de semana, estava me arrumando para sair com Benjamin e
Sophia, mas a menina ainda nem banho tinha tomado. Ela aprendeu
rapidamente a andar de patinete e se deixasse passava todo o tempo livre
fazendo isso. Agora mesmo, estava lá fora com o pai, desfilando no aparelho
para cima e para baixo. Preferi deixá-los sozinhos e me adiantar, pois teria
que gastar um tempo a mais no banho para depilar minhas pernas.
Quando saí pronta do quarto, colocando meus brincos e agitando o
cabelo para secá-lo ao natural, escutei uma conversa muito acalorada que
parecia acontecer lá na rua. Desci correndo a escada quando ouvi os gritos de
Benjamin e, ao abrir a porta, dei de cara com ele e Joseph quase saindo no
tapa.
— O que está acontecendo? — perguntei, me apressando em afastar os
dois.
— Deixe-a em paz! — disse Benjamin, enquanto eu tocava em seu
peito para que ficasse quieto. — Estou avisando.
— Porra, vocês dois querem me escutar? — O rosto do professor estava
vermelho de raiva. — Tenho uma coisa séria para contar que interessa a
vocês.
— Jura que você vai se dar ao trabalho de falar comigo, Joseph? —
Passei por Benjamin e me coloquei entre os dois. — Se liga, não adianta
tentar usar nenhuma desculpa, não vou intervir no seu problema com Jessica.
Você não a merece.
Respirei fundo. Se ele insistisse naquilo, eu contaria na frente de
Benjamin que já sabia sobre seu caso com Rose. Me senti ainda mais
confiante quando meu noivo colocou as mãos sobre meus ombros e parando
atrás de mim e me dando apoio.
— Seja esperto e escute a Bruna, saia daqui. Não o quero perto da
minha noiva, muito menos da minha filha.
Pensei que isso seria difícil, já que Joseph dava aulas no colégio de
Sophia e um dia, poderia ser até professor da garota. Mas fiquei calada para
não deixar Benjamin mais estressado.
— Sério que não vão me deixar falar? — Joseph se exaltou. — O que
eu tenho a dizer é sobre o seu filho com Rose, Benjamin.
Molhei meus lábios e fechei os olhos, esperando pela briga que se
desenrolaria de uma vez por todas. Olhei ao nosso redor, procurando por
objetos que poderiam ser fatais, para tirá-los do caminho antes que os dois
fossem ao chão. Sophia, graças a Deus, estava do outro lado da calçada,
andando em seu patinete, alheia à confusão que acontecia do lado de cá.
— Eu nem sei se quero saber como a gravidez de Rose chegou ao seu
conhecimento — disse Benjamin, e eu o sentia tremer com as mãos em meus
ombros. — Bruna, chame Sophia e vamos entrar.
— Olha, eu realmente gosto da Bruna, ok? Não sou um perigo para
você, pode ficar tranquilo. — Joseph se dirigiu ao Benjamin, levantando as
mãos em sinal de paz. — Acho a sua noiva uma garota muito legal e sei que
ela tentou fazer algo de bom para mim quando me juntou com a Jessica. Você
já deve saber que nós terminamos e...
— Sei que você a traiu — Benjamin o cortou. —
— Certo, é verdade. Quer dizer... não. — O professor sorriu. — Eu saí
a primeira vez com a Rose depois daquela festa absurda, quando rolou aquela
catástrofe dos vômitos. Estava bêbado, ela também, não usamos nenhuma
proteção e algumas semanas depois, ela me procurou para contar que estava
grávida.
O mundo parecia ter parado de girar depois de receber aquela notícia.
Pelo que entendi, havia alguma chance de Joseph ser o pai da criança que
Rose carregava? Acho que depois disso, nada mais seria capaz de me
surpreender.
Virei-me de frente para Benjamin e vi como estava sério, mas quando
seus olhos encontraram os meus, eu sabia que também estava aliviado e
esperançoso. Ele apertou meu ombro e voltou a encarar o professor.
— Conte mais sobre isso — Benjamin pediu e passou o braço pela
minha cintura.
— Bem, quando Rose me contou sobre a gravidez, confesso que não
reagi muito bem e como eu sabia que ela se relacionava com você, pensei
logo que pudesse ser seu Então Rose me garantiu que vocês dois sempre
usaram camisinha, que eu não podia duvidar da paternidade. No início,
pensei que ela quisesse me enrolar, mas então percebi que se Rose precisasse
dar um golpe em alguém, seria em você, que é rico, não em mim. Ela não
teria motivos para dizer que eu era o pai, se eu não fosse. — Joseph deu um
sorriso que não era realmente de felicidade e enfiou as mãos nos bolsos da
calça. — Não sou apaixonado por ela, pois gosto da Jessica e me vejo indo
além com ela. Porém, quero ser presente na vida do meu filho.
— Se gosta da Jessica, porque estava com Rose ontem no shopping? —
perguntei, desafiando-o a ser sincero.
Joseph me encarou com surpresa, ele não sabia que tinha sido flagrado.
— Olha, eu falei para a Jess que queria explicar tudo que aconteceu,
mas ela não me dá abertura para isso. Quando começamos a namorar, falei
para Rose que não queria mais nenhum envolvimento com ela, me manteria
apenas informado sobre a gravidez. Ela não aceitou isso muito bem. No dia
que a Jessica me viu com Rose, ela tinha ido tentar me convencer a ficarmos
juntos e me beijou.
Não conseguia saber se Joseph estava sendo sincero. A verdade era que
eu achava muito possível mesmo que Rose tenha tomado uma atitude como
aquela, pois ela era uma vaca que gostava de importunar a vida das pessoas.
— Passei esses dias do final do ano sozinho, tentando ajeitar minha
vida, tentando reatar com a Jess — disse o professor. — Ontem Rose pediu
que a levasse no shopping para comprar algumas coisas para o enxoval. Eu
aceitei, mas não temos nada. Ela tentou, mais uma vez, se jogar para cima de
mim, mas não possuo mais nenhum interesse nela.
— Por que você veio aqui? — Benjamin perguntou, entrando no
assunto depois de tanto tempo calado. — Não acho que Bruna deva se meter
em seus relacionamentos.
— Eu não quero isso — respondeu Joseph, sorrindo para mim. — Jess
me ligou ontem e começou a gritar comigo e me xingar. Foi quando soube
que vocês me viram no shopping e ela contou sobre Rose dizer que você é o
pai do bebê.
— Parece que a gracinha não sabe quem plantou a sementinha em seu
jardim de ervas daninhas, não é mesmo? — provoquei, olhando de um para o
outro. — Devi acrescentar que estou impressionada em ver como vocês
possuem péssimos gostos em comum.
Dei de ombros quando Benjamin me lançou um olhar chateado e sorri
para Joseph, que me encarou com os lábios franzidos.
— Só acho que deveria fazer minha parte, também porque Rose merece
sofrer as consequências disso que está fazendo com todos nós. Eu acredito
que o bebê seja meu.
A mulher era completamente louca e estava querendo nos enlouquecer
junto com ela. Inacreditável. Eu acreditava nas palavras de Joseph e pela
forma mais relaxada que Benjamin permanecia ao meu lado, sabia que ele
também acreditava. Não era nada concreto, claro, só saberíamos a verdade
quando o exame de DNA fosse realizado, mas pelo menos, agora, a gente
tinha a certeza de que Rose estava mesmo agindo de má fé, declarando dois
pais para um mesmo bebê.
Joseph estava se despedindo quando virei o rosto para observar a
brincadeira de Sophia e vi que ela estava vindo em nossa direção, deslizando
o patinete pela rua. Ela sorriu para mim e eu fui falar alguma coisa com
Benjamin, quando minha visão periférica captou um movimento ao longe.
Virei a cabeça no instante em que notei que um carro em alta velocidade se
aproximava e não acho que conseguiria parar a tempo, pois Sophia estava de
costas para ele.
— Soso! Cuidado! — Eu me desvencilhei dos braços de Benjamin e
corri pela calçada, lançando-me sobre ela e o patinete.
Dizem que momentos cruciais de nossas vidas passam em câmera lenta
e realmente é verdade. Enquanto eu corria para a rua, ouvia Benjamin e
Joseph gritando coisas incompreensíveis, como se estivessem com alguma
falha cerebral e falassem devagar demais. Assim que meus pés tocaram o
asfalto, senti o carro derrapando em cima de nós e só tive tempo de usar toda
minha força para arremessar Sophia mais adiante. Depois, tudo escureceu
diante dos meus olhos.
Benjamin

Enquanto corria hospital adentro, só conseguia pensar em que eu


poderia ter feito de ruim para passar por essa situação. Era a segunda vez que
uma mulher que eu amava se encontrava à beira da morte, enquanto eu me
sentia perdido, sem saber o que fazer. Os paramédicos a levaram por um
acesso ao qual eu não tinha autorização para entrar e só pude aguardar.
Tudo aconteceu tão rápido, que minhas mãos e pernas ainda tremiam
quando me encostei à parede. Num momento Bruna estava ao meu lado, com
o corpo colado ao meu e no segundo seguinte, estava caída e ensanguentada
no meio da rua. Meu cérebro demorou alguns segundos para registrar o
ocorrido, mas era tarde demais. Para evitar que minha filha fosse atropelada,
ela se jogou na frente do carro. Sophia estava alguns centímetros além,
deitada perto da calçada, e assim que a levantei do chão, vi que não tinha
sofrido um único arranhão.
A motorista do veículo saiu para prestar socorro e começou a chorar
quando se deu conta do desastre que não tinha sido sua culpa. Impedi que
mexesse em Bruna e falei para que chamasse a ambulância, enquanto eu
tomava conta dela. Sophia começou a chorar quando viu que minha noiva
estava desmaiada e com fratura exposta na perna, então pedi que Joseph a
pegasse no colo e a levasse para dentro de casa.
Até que o socorro chegasse, uma eternidade se passou. Fui de
acompanhante dentro da ambulância e acompanhei todo o atendimento que
fizeram em Bruna, sentindo meu coração em frangalhos.
— Senhor, precisa esperar aqui. — Uma mão empurrou meu peito e me
fez parar.
— Mas preciso...
— Não, senhor. — Alguém me segurou. — Ela já entrou para a
emergência, mas precisa aguardar aqui. Por favor, se dirigia à recepção para
passar os dados da vítima.
Algum enfermeiro me ajudou e me guiou até o local onde eu era
aguardado para preencher a ficha de Bruna, mas outra pessoa tocou meu
ombro e me fez parar. Era Joseph, que tinha acabado de chegar com Sophia e
Abigail. Elas se sentaram um pouco mais afastadas e ele murmurou alguma
coisa para mim, sobre ir esperar com elas.
Não soube quanto tempo se passou, nem pude dar atenção para Jessica,
que chegou uma hora depois e se sentou ao meu lado. Vi que ela tentava
distrair Sophia, mas eu só conseguia me concentrar e rezar, pedir, implorar
que não tirassem Bruna da minha vida. Passei muito tempo sem poder voltar
a amar ninguém, sem me sentir pronto. Seria injusto demais se eu a perdesse
também.
— Quem é o responsável por Bruna Brito? — Ergui minha cabeça
quando o médico parou bem perto de mim e olhou ao redor.
— Eu — respondi, com medo.
— Sou o Doutor Jenkins — disse o homem, esticando a mão para me
cumprimentar. — Pode me acompanhar, por favor?
Demorei a responder, fiquei encarando aqueles olhos castanhos que não
me diziam se a notícia era boa ou ruim. Respirei fundo, apertei a mão de
Sophia e me levantei para seguir o homem. Nós dobramos apenas um
corredor até que ele parou de andar e se virou para mim.
— O senhor é o noivo dela? — perguntou.
— Sim, sou Benjamin. Ela está viva?
— Bruna está viva, sim, Benjamin. E fora de perigo. — O Dr Jenkins
sorriu de forma complacente. — Ela sofreu algumas fraturas internas,
quebrou duas costelas e a perna direita. Sofreu pequenas escoriações na
cabeça, mas já fizemos tomografias e não há nada com o que se preocupar.
Eu não quis dar a notícia na sala de espera por causa da criança. — O homem
torceu a boca, parecia chateado. — A notícia ruim que tenho para dar, é que,
infelizmente, o bebê não sobreviveu. Fizemos de tudo para manter o feto a
salvo, mas não foi possível.
Encarei aquele homem estranho e não soube o que dizer ou o que ele
esperava que eu dissesse. Tinha agradecido a Deus pela notícia de que Bruna
ficaria bem, apesar de engessada. Mas o final não era condizente com o que
eu esperava. Minha mente gritou: QUE BEBÊ?
— Você está falando da Bruna? — perguntei, devagar, quase
soletrando o nome dela.
— Sim, a própria. — O médico franziu a testa. — Não sabia sobre a
gravidez?
Meu senhor amado, eu precisava me sentar.
Estou cega. Foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça quando
tentei abrir os olhos e não consegui. Entrei imediatamente em pânico, mas
procurei me controlar para não surtar e tentei novamente. Fiz muita força
dessa vez, até que senti a luz ofuscar minha visão, e percebi que minhas
pálpebras estavam apenas pesadas demais.
— Ela está acordando. Sophia, chame a enfermeira!
Procurei com os olhos pela origem daquela voz e encontrei Benjamin
sentado do lado esquerdo da cama, segurando minha mão. Tentei falar, mas
minha garganta estava seca demais e ele me ajudou, oferecendo-me um
pouco de água. Fiz menção de me sentar, mas mudei de ideia assim que senti
que sentia dor em alguns pontos do corpo. Olhei para baixo e notei um gesso
ridículo, cheio de flores desenhadas com canetinha colorida e caligrafia da
Sophia. Ótimo, eu estava engessada, uma inválida.
— Bruna! — A menina entrou correndo no quarto e as lembranças
retornaram à minha memória.
Senti meus olhos arderem com as lágrimas e depois senti dor quando a
criança pulou na cama para me abraçar. Eu sabia que tinha quase me
suicidado pela forma como me joguei na frente do carro, mas só de imaginar
que podia ser Sophia no meu lugar e que podia ter acontecido algo pior...
— Está tudo bem agora — disse Benjamin, beijando o topo da minha
cabeça e me olhando com ternura. Talvez soubesse o que eu estava pensando.
— Você é a heroína da Sophia.
Baixei meus olhos até encontrar com os dela, que ainda estava grudada
em mim, e vi seu sorriso gigante. Apertei a mão que Benjamin segurava e
pedi para que ele me contasse tudo que aconteceu depois que apaguei, mas
fomos interrompidos por uma enfermeira que entrou no quarto.
— Olá, Bruna! Como está se sentindo? — ela perguntou, mas não
esperou pela resposta. — Sou Margareth e estou feliz em vê-la acordada.
Você ainda vai se sentir um pouco sonolenta por efeito da medicação, mas é
normal, tudo bem? Daqui a pouco o Dr. Jenkins passará para fazer a ronda e
avaliá-la.
Ela deu um sorriso sincero e alisou meus cabelos enquanto mexia no
meu soro. Avisou que deveríamos chamar por ela caso precisássemos de
alguma coisa e voltou a nos deixar a sós. Sophia me observava com olhos
atentos e percebi que estava mordiscando o lábio inferior como eu tinha
mania de fazer. Achei fofo que estivesse pegando minhas manias e toquei o
rosto dela, sorrindo.
— Há quanto tempo estou aqui? — perguntei, porque parecia que tudo
acontecera minutos antes.
— Você deu entrada ontem, meu bem. — Benjamin apertou minha mão
e suspirou, me fazendo notar que estava com olheiras profundas. — Não dê
mais esses sustos na gente.
— Mas eu precisava... — Olhei para Sophia e tive certeza que faria de
novo.
— Sophia, pegue a carteira do papai em cima da poltrona e compre um
refrigerante na máquina do corredor — pediu Benjamin, aguardando que ela,
a contragosto, levantasse e saísse do quarto. Enfim, ele voltou a me olhar e
colou os lábios na minha testa. — Querida, você sabia que estava grávida?
Como assim? Eu bati a cabeça, mas era Benjamin que não estava
regulando bem. Que papo era aquele de gravidez?
— Como eu estaria grávida? — quase gritei, de tão chocada que me
senti. — Ficou maluco?
— Aquele dia que transamos no carro, nós não usamos camisinha.
— Eu saberia se estivesse grávida. — Para falar a verdade, nem sabia
se aquela conversa era real ou estava sonhando, porque meus olhos estavam
pesados e eu sentia um pouco de sono.
— Anjo, você estava grávida — declarou o meu noivo. — Algumas
poucas semanas, por isso não deve ter percebido. — Benjamin estava
chorando? — Fiquei sabendo quando o médico veio me contar que o bebê
não tinha sobrevivido.
Meu cérebro deu um nó, era muita coisa para assimilar. No mesmo
minuto eu descobria que estava grávida e que tinha perdido o bebê. Senti-me
estranha, porque não sabia direito como deveria reagir àquela notícia. Se num
momento normal eu descobrisse uma gravidez, primeiro me preocuparia e me
culparia por não ter sido mais cuidadosa, mas aceitaria a situação e teria a
criança. Agora, no entanto, a sensação que me consumia não era boa.
Parecia... impotência. Por não ter recebido a oportunidade de ter o bebê.
— Podemos... — Engoli em seco, fechando meus olhos e suspirando.
— Podemos falar disso depois?
Não me lembro se vi Benjamin assentir ou não, mas deixei que a
medicação me levasse para longe daquele quarto por algumas horas, na
tentativa de minimizar os efeitos da revelação.

Benjamin ainda estava ao meu lado quando acordei, sem ter noção de
quanto tempo dormi. Só estávamos nós dois no quarto, então a primeira coisa
que me veio à cabeça, foi me desculpar. Encarei os olhos verdes mais lindos
do mundo e senti quando meu rosto começou a ficar molhado pelas lágrimas.
— Perdoe-me por perder nosso bebê — falei, tentando controlar a
vontade de soluçar. — Não posso nem dizer que não teria feito o que fiz se
soubesse da gravidez porque então... Sophia...
Foi impossível terminar a frase porque minha voz ficou embargada
pelo choro. Benjamin sentou na cama e me envolveu com os braços,
embalando meu corpo com carinho. Eu me agarrei nele com a força que
consegui, lembrando de como era bom estar em seu colo.
— Pare de chorar, meu amor. — Seus dedos secaram minhas lágrimas
delicadamente, depois depositou um beijo sobre minha testa. — Nunca mais
se sinta culpada por isso. Você salvou minha filha, serei um homem
eternamente grato.
— Mas eu perdi...
— Você não sabia, eu não sabia. Aconteceu e não era a hora. — Ele
suspirou e levou minha mão à boca, beijando meus dedos. — Vamos confiar
que não era para ser, que nosso momento ainda vai chegar. Fui um idiota em
ter soltado essa notícia assim em cima de você. Por favor, não chore mais. Eu
não me oponho a ter um filho com você, que fique claro. Podemos tentar
depois do casamento.
Embalada pelos braços dele e pelas palavras carinhosas que me dizia ao
pé ouvido, deixei-me relaxar e lutei bravamente contra o efeito dos remédios.
Foi dessa forma que sobrevivi por mais dois dias naquele hospital, com a
promessa de que em breve teria alta.
Quando finalmente passei pela porta de casa, Benjamin me colocou no
sofá porque eu ainda estava com o gesso na perna. Ainda teria que encarar
aquela coisa horrorosa por longos e exaustivos dias, mas como tudo na vida
tinha um lado bom, eu seria mimada enquanto estivesse engessada.
Sophia tinha feito um desenho e dado para mim, como um presente
especial por voltar para casa — palavras dela. Logo vi que não era tão
especial assim, já que eu tinha sido retratada com um corpo todo torto, com
gesso na perna e uma camisola azul de hospital, enquanto ela e Benjamin
estavam arrumadinhos. Havia glitter espalhado em todo o papel e era
daqueles que contaminavam o ambiente, caindo pela casa toda. Uma graça.
— Vira atrás! — disse ela, sorrindo.
No verso da cartolina, em canetinha rosa, estava escrito: FAMÍLIA
REED.
— Obrigada, Soso — agradeci, jogando um beijo no ar. — Mas não
precisava me desenhar com a camisola azul.
— É só você nunca mais ir para o hospital. — Ela fez careta para mim.
— Aí desenho uma roupa bonita.
— Combinado. — Puxei-a pela cintura e abracei minha garota. —
Nunca mais irei para o hospital. Se um dia tiver um filho, vai ser na sua
banheira.
— Ecaaaaa, Bruna! — Ela se soltou de mim, com cara de nojo e eu
sorri, me sentindo vingada.
— O senhor não acha que ela deve descansar um pouco? — Abigail
perguntou ao aparecer na sala, de braços cruzados e me encarando como um
segurança.
— Eu descansei no hospital.
— Duas costelas quebradas! — A mulher apontou o dedo para mim. —
Não fique dando pitaco em assunto sério.
Contra minha vontade, fui levada para o andar de cima e depositada na
cama de Benjamin. Reclamei, dizendo que queria ficar no meu quarto, afinal,
eu era uma dama. Ele reclamou e avisou que não iria ficar lá, longe dos olhos
dele. Quando me deixou sozinha e foi pegar uma roupa mais confortável para
eu vestir, Abigail entrou.
— Estou descansando, não amola — avisei, já imaginando que levaria
algum sermão.
Ela me ignorou e se aproximou, puxando mais um travesseiro e
colocando atrás das minhas costas, me movimentando como se eu fosse
boneca de pano. Depois tirou o edredom debaixo do meu corpo e me cobriu,
afofando tudo à minha volta.
— Nossa, obrigada. — Encarei-a pelo tempo que consegui, tentando
decifrar a mulher. — Não sabia que bastava ser atropelada para você virar
minha amiga.
— Não fale besteira. — Abigail me deu um tapa na mão e voltou a
ficar ereta, ajeitando a roupa impecável. — Se não comesse só besteira, se
alimentasse direito, isso não teria acontecido. Não dá para segurar um bebê
nesse corpo frágil.
— Benjamin contou sobre o que aconteceu? — perguntei, porque fiquei
surpresa. Nós dois combinamos no hospital que não compartilharíamos
aquele assunto com ninguém até que nos sentíssemos melhor.
— O patrão? — Abigail riu com escárnio. — Não precisou, eu descobri
sozinha.
— Você sabia?
— Pensa que nasci ontem? — Ela entortou os lábios, nada satisfeita
com minhas perguntas. — A senhora comeu uma torta inteira sozinha! Em
um dia!
Abigail revirou os olhos e voltou a me encarar. No auge do meu
choque, ela sentou-se na beira da cama e deu dois tapinhas na minha mão.
— Vou deixá-la forte como um touro. Vai engravidar assim! — E
estalou os dedos na minha cara.

Dias depois da minha volta para casa, quando as coisas se acalmaram e
eu voltei à minha rotina, mesmo engessada, Benjamin marcou com Joseph de
irem os dois até a casa de Rose e resolver aquele problema de uma vez por
todas. Sendo confrontada pelos dois e sabendo que quando o bebê nascesse a
verdade seria revelada de qualquer forma, ela admitiu que nunca esteve
grávida. Pasmem! Nem mesmo de Joseph, coitado.
Benjamin me contou que eles pressionaram para que a loira explicasse
como tinha conseguido uma foto de ultrassom, mas ela começou a se
vitimizar, deu uma de louca e os expulsou da propriedade. É claro que
Benjamin ficou aliviado em descobrir que a ex-namorada era psicopata, mas
que pelo menos não esperava um filho dele. Já o pobre Joseph, ficou bem
frustrado em saber que não seria pai.
Não foi a última vez que tocamos no nome dela, infelizmente.
Percebemos que Rose tinha mesmo um pequeno desequilíbrio quando
começou a perseguir Benjamin de todas as formas. Ligava para ele, mandava
mensagens, chegou até a aparecer em casa e levou a porta na cara. Numa das
mensagens, ela dizia que por mais que não estivesse grávida, ainda seria uma
honra carregar um filho dele e estava disponível para isso.
Pensei de tramar com Sophia para colocarmos fogo na casa dela, mas
eu não queria gastar meu réu primário com quem não valia nem o preço da
caixa de fósforo. O melhor era ignorar e fizemos isso com tanto foco, que aos
poucos, Rose foi sumindo de nossas vidas.
Enquanto todo esse drama se desenrolava no mundo, fiquei na cama, de
repouso, comendo tudo que Abigail me preparava. Temia ganhar alguns
quilos extras, mas não tinha coragem de reclamar disso com ela porque pela
primeira vez em muito tempo, a governanta estava sendo legal comigo.
Jessica foi me visitar várias vezes, sempre que deixava os gêmeos na
escola, ela vinha me fazer companhia durante o dia. Ficou surpresa quando
contei sobre todo o caso de Joseph, Benjamin e Rose, mas deixou claro que
não queria mais saber do professor, pois tinha perdido a confiança nele. Eu
mesma não acreditei nisso, pois ela não parecia ter superado e mudava até a
postura quando o nome de Joseph era citado. Algo me dizia que eu ainda
testemunharia um reencontro.
Com tudo o que aconteceu, de acidente, traições, descobertas
reveladoras e, principalmente, perda de bebê, eu e Benjamin decidimos adiar
o casamento. Sim, aquele que nem chegamos a planejar. Estávamos em
fevereiro quando me recuperei completamente das costelas e da perna, mas
não tinha sido um início de ano tão favorável para nós. As lembranças ainda
estavam muito frescas e eu ainda mantinha a ideia de não querer contaminar a
experiência do casamento com os problemas que passamos.
Durante nossas conversas, em uma coisa concordamos: quando
chegasse o momento, queríamos que fosse uma cerimônia íntima e reservada.
Sem festas exuberantes e igrejas lotadas, eu me enxergava fazendo algo mais
simples e Benjamin, como já tinha vivido todas as pompas no primeiro
casamento, não se opôs à minha exigência. Dessa forma, chegamos à
conclusão que era perfeitamente possível esperar até a primavera do ano
seguinte para trocarmos alianças. Sobraria tempo suficiente para
amadurecermos nossa relação.
Em julho viajei com Benjamin novamente para o Rio, e dessa vez
deixamos Sophia aos cuidados de Abigail, o que culminou em algumas
bonecas morenas com cabeças decepadas pela casa. Mas de verdade, Soso
não tinha do que reclamar. A governanta estava muito melhor do que era e
nossa relação saiu do aceitável para o espetacular. Ela tinha até me ensinado a
cozinhar porque dizia que quando não fosse mais viva, eu deixaria a família
morrer de fome.
Quando Benjamin sugeriu a viagem, imaginei que ele quisesse tipo
antecipar nossa lua de mel ou só matar a saudade do país, mas fui
surpreendida quando ele tirou as mãos que tapavam meus olhos e eu encarei
o prédio elegante com amplas varandas na orla de Ipanema.
— O que exatamente eu estou olhando? — indaguei, confusa. — Você
alugou um Airbnb?
— A cobertura. — Ele puxou o chaveiro do bolso e o agitou diante do
meu rosto. — Mas não aluguei, eu comprei. Quando der vontade de visitar
seu país, teremos um local fixo para ficar. Acho que podemos criar uma
tradição de vir todo final de ano. O que acha?
— O quê? — gritei, assustando a velhinha que passava perto de nós, e
pulei no pescoço de Benjamin. — Não acredito! Eu amo você demais! Está
falando sério?
— Não tenho motivo para brincar com isso, minha brasileirinha. — Ele
sorriu e beijou a ponta do meu nariz. — Que tal subirmos, eu mostrar nossa
cobertura mobiliada para você, e mais tarde comermos um churrasquinho na
casa do Leandro?
Arregalei os olhos, chocada, pare logo descobrir que Benjamin era
sorrateiro e todos os meus amigos já sabiam da nossa viagem. Claro que
chegamos atrasados no churrasco, porque eu agradeci meu noivo montando
muitas e muitas vezes sobre ele, na cama king size da cobertura da Avenida
Vieira Souto.
Sim, eu estava feliz, mas também estava um pouco irritada. Apesar de
tudo parecer perfeito e como eu desejava, o vento me atrapalhava bastante.
Tentei parar de focar meus pés inchados e pensei na faculdade que queria
ingressar daqui um tempo, assim que fosse possível. Pensei na minha melhor
amiga que eu fizera ali, responsável por aturar grande parte das minhas
loucuras. Pensei em Abigail, que amoleceu o coração, mesmo que não
totalmente, num passe de mágica quando o inesperado aconteceu. E em
Benjamin e Sophia... meus. Minhas inspirações, meus motivos para meu
coração bater. Eu os amava como nunca amei nada nem ninguém na vida.
— Bruna, cuidado, amor — ele gritou para mim. — Quer ajuda?
Franzi meus lábios para não mandar o noivo à merda bem no meu
casamento. Tudo bem que não tínhamos muitas testemunhas, apenas Jessica e
seu namorado Joseph, além de Abigail e Sophia. O local escolhido para a
cerimônia tinha sido extremamente concorrido e de difícil acesso: a praia nos
fundos da nossa casa. Eu falei que queria algo simples, não falei?
Talvez eu tenha me arrependido só um pouco, considerando o cabelo
que voava na minha cara porque escolhemos um dia em que parecia muito
propício para ventanias. O batom tinha saído de tanto cabelo que eu comi no
caminho da casa até o portão que dava na areia. Além disso, eu estava um
pouco mais pesada que o habitual, portanto, era uma merda ter que andar com
os pés afundando na areia, enquanto o vestido de noiva esvoaçante se
enroscava nas minhas pernas.
Carregava uma barriga de trinta e oito semanas de gestação porque meu
futuro esposo achou muito sábio, em algum momento do ano passado, dar
uma rapidinha no chuveiro, sem preservativo. Edward não parava de se
mexer desde a manhã, parecia que sabia o que estava acontecendo e queria
participar da celebração. Convenci Benjamin a colocarmos esse nome no
menino que em breve nasceria, porque dessa forma ele poderia continuar
sendo chique nos Estados Unidos e, quando fosse ao Brasil, a gente poderia
abrasileirar para o bom e velho Dudu.
Conforme eu caminhava em direção a eles, meu sorriso se abria mais e
mais para Benjamin e Sophia. Ela estava linda com seu vestido azul da cor do
céu e tinha crescido muito nos últimos meses. Benjamin vestia branco como
eu e também estava descalço. Ao lado dele estava Jess, que a meu pedido fez
um curso online para receber um certificado e poder nos casar.
— Se tropeçar, não caia em cima da barriga — pediu Abigail, como se
eu fosse alguma incapaz de me manter em pé.
Por isso, eu corri, só para deixar claro a todos que estava no controle da
minha coordenação motora. Suspendi a barra do vestido e corri para os
braços de Benjamin, que me segurou no momento em que me aproximei o
suficiente.
— Sim, padre, eu aceito! — gritei, olhando para Jessica. — O que mais
tem para falar?
— Eu nem comecei ainda — ela reclamou, torcendo os lábios e me
olhando feio. — Dá para ficar quieta e esperar?
Revirei meus olhos, mas não sem antes roubar um beijo de Benjamin.
Ele riu e segurou minhas mãos no momento em que sorri e me senti plena de
tanta felicidade.
— Você, sem sombra de dúvida, é a luz que faltava em nossas vidas —
disse meu noivo, com os olhos verdes brilhando de emoção. — Eu não
imaginava que seria possível encontrar duas almas gêmeas em uma única
vida, mas fui um felizardo. Estou ansioso para que você me ensine a viver a
vida de forma mais leve e me ajude a ser um pai ainda melhor. Sou
completamente apaixonado por você, brasileirinha.
Respirei fundo, enxuguei minhas lágrimas e observei cada um que
estava ali. Depois, peguei o rosto de Benjamin em minhas mãos e o beijei,
pouco me importando se ainda não era hora. Ele alisou minha barriga e
beijou minha mão, me dando um tempo para falar.
— Escrevi os meus votos num papel que coloquei na calcinha, mas fui
ao banheiro e o deixei cair no vaso — confessei, frustrada. — Devia ter
aceitado a sugestão da Sophia e escrito tudo no braço, como ela costuma
fazer em dias de prova.
— Bruna! — a menina resmungou e desviou os olhos.
Encarei Joseph, que estava dando aula para ela aquele ano e sorri para
ele.
— É mentira minha, óbvio. Sophia nunca colou — pigarreei e baixei os
olhos, procurando me concentrar. Estava com vontade de fazer xixi pela
trigésima vez no dia. — Benjamin, eu sou muito grata por ter encontrado o
homem que me aceita como eu sou, que me apoia como mulher, esposa e
mãe, porque sabemos que hoje é apenas um ato simbólico, mas formamos a
nossa família já há algum tempo. Não conheço ninguém mais romântico,
cavalheiro e atencioso, sem deixar a safadeza de lado, e isso não tem preço.
— Engoli em seco, sentindo muitas coisas ao mesmo tempo, principalmente
o coração acelerado. — Tenho tanto mais a dizer, tantas declarações a fazer,
mas ou eu fiz xixi de novo ou a bolsa estourou. Não tenho certeza.
Meu noivo e futuro marido arregalou os olhos, enquanto Jessica soltou
um gritinho. Só consegui baixar a cabeça e levantar o vestido, mas a barriga
grande demais não me deixava ter uma visão decente das minhas pernas.
— Joseph, tire meu carro da garagem! — Benjamin pediu enquanto me
pegava no colo e todo mundo dispersava.
— Ah, meu Deus! É a cara da Bruna parir no meio do casamento! —
resmungou minha amiga, enrolando meu vestido para que meu noivo não
tropeçasse junto comigo. — Não acredito que fiz aquele curso à toa!
— Ei! — gritei, enquanto era carregada às pressas pela areia. —
Sophia, não mate a bichinha!
A menina tinha aproveitado nossa distração para correr atrás de uma
maria-farinha, que passeava tranquilamente pela areia da praia. Caranguejo
não estava na lista do buffet do casamento. Soso se apressou para nos
alcançar e entrou no banco do carona para esperar pelo pai, enquanto Abigail
ia atrás comigo para abanar meu rosto.
— Benjamin, escuta só! — Bati no banco do motorista quando ele deu
a partida no carro. — Edward ficará os dez primeiros anos da vida dele de
castigo só por ter estragado a nossa lua de mel!
— Pode ser alarme falso — comentou Abigail, deixando-me de mal
humor. — Talvez nem esteja com dilatação e tenha que voltar para casa.
Pensei que se ela tivesse razão, pelo menos eu ainda poderia tentar
aproveitar o restante do dia com Benjamin. Ele tinha me prometido muito
sexo oral para a noite de núpcias e eu estava bem ansiosa. Mas não era
alarme falso e Edward Reed nasceu naquele cinco de maio com cinquenta e
dois centímetros e quase três quilos e meio. Quando o peguei pela primeira
vez nos braços, depois que Sophia já tinha entrado no quarto, ela se sentou na
pontinha da cama para olhar o irmão e ali com os dois perto de mim, eu
entendi o que era o amor incondicional.
Horas mais tarde, eu estava grogue de sono quando ouvi o burburinho
no quarto e uma Jessica descabelada apareceu diante de mim. Com o
semblante emocionado, ela ergueu a mão e a mexeu no ar como se estivesse
fazendo uma prece.
— Pelo poder concedido a mim por... sei lá quem... eu os declaro
marido e mulher. — Suspirou, colocando as mãos na cintura. — Finalmente.
Não achei que era tão difícil casar alguém.
E foi exatamente assim que o clichê dos clichês aconteceu.
Espero que tenha gostado o suficiente do livro para chegar até aqui!
Então, se gostou, que tal expor sua opinião para que outros leitores possam se
interessar pela história? É rapidinho, basta deixar uma avaliação na Amazon
em poucas palavras (ou muitas, depende da sua inspiração) e eu vou ficar
extremamente feliz quando ler. Muita gente não sabe como a avaliação é
importante tanto para conquistar novos leitores como para incentivar a nós,
autores, escrevermos sempre mais.

Se você não curtiu o livro, tudo bem, acontece! Vou torcer para que em
outro momento encontre algum trabalho meu que te conquiste para podermos
mudar essa impressão ruim, ok?

Se encontrou algum erro de revisão durante a leitura, pode reportar à


Amazon que eles sinalizarão para que eu conserte. Ou pode me procurar
pelas redes sociais e falar diretamente comigo, eu não mordo e sou muito
tranquila com isso.

Obrigada!
Agradeço a Deus por me guiar nessa jornada e sempre abençoar meu
trabalho. Minha fé é inabalável e sei que ele sempre prepara meu caminho da
melhor forma possível.
Um “muito obrigada” especial a minha assessoria Damas que
administram minha vida profissional melhor do que eu mesma. Elas ajudaram
a preparar a surpresa para o lançamento e me ajudam todos os dias a dar
conta dessa minha mente doida.
Gratidão por cada calo fofo antigo, lá do tempo do Orkut, que leu a
fanfic, que curtiu, e que sempre torceu para que um dia virasse livro. O tempo
leva e traz as pessoas da nossa vida, mas algumas coisas e momentos vividos
nunca são esquecidos. Eu lembro de cada um que fez parte dessa época. Ah...
CF & MCF pra sempre... rsrs
Minhas meninas do Whatsapp, vocês são maravilhosas! Quando me
perguntam como dou conta de tantos grupos, eu percebo que, na verdade, não
sei viver sem essa loucura de estar perto de vocês. Obrigada pela companhia
todos os dias!
Estou tentando descobrir até hoje. Incrível, não é? Mas a vida é assim
mesmo, uma constante evolução, mudanças e mais mudanças, cicatrizes que
vão formando nossa história e sonhos que vão se renovando.
Eu comecei a escrever em 2008, quando me tornei uma fã obcecada por
Crepúsculo e passei a frequentar muitas comunidades no Orkut. Não
demorou para que decidisse me aventurar pelo universo das fanfics e tomei
coragem para criar as minhas, até que me vi ganhando certa relevância
naquela rede social e me animei a escrever as minhas próprias histórias.
Foi daí que surgiu Fortaleza Negra, o primeiro livro que publiquei por
uma editora tradicional. Inicialmente era para ser uma trilogia e só existia em
formato físico, mas no meio do caminho eu descobri o mundo dos livros
digitais e me apaixonei. Passei algum tempo trabalhando exclusivamente com
literatura fantástica até que decidi me arriscar a caminhar um pouco pelo
mundo dos romances. Foi um caminho sem volta e hoje não me vejo mais
parando de escrever o gênero, apesar de querer muito conciliá-lo com os
demais.
Nasci em 1983, faço aniversário dia 24 de agosto e sou uma virginiana
meio lá meio cá. Sabe? Aquele tipo de pessoa que se adequa pela metade em
seu signo. Por exemplo, sou muito perfeccionista, neurótica com coisas
desalinhadas, cores ou padrões descombinados, excessivamente pontual e
extremamente analítica, meio chata com higiene e racional demais para
relacionamentos. No entanto, você seria capaz de se perder em meu quarto de
tão bagunçado que ele é, minhas roupas estão sempre amarrotadas e sou uma
das maiores procrastinadoras que conheço.
Mas eu sou gente boa, juro que sou. Se me encontrar pessoalmente, não
pense que sou antipática, sou apenas tímida num primeiro momento. Sou
alguém que se for reconhecida na rua, primeiro vai olhar para trás só para
conferir se é comigo que estão falando, depois vai ficar vermelha, e em
seguida vai bater o maior papo com a pessoa. Nas redes sociais tendo a me
soltar muito mais, então não estranhe se você acessar meu Instagram e achar
que sou louca, que ninguém mais ou menos normal pagaria metade dos micos
que eu pago. Sou bem aleatória e posso falar sobre cachorros e gatos, sobre
músicas antigas, mecânica de carro, soltar minha afinação no seu ouvido ou
sei lá, postar uma foto de alguma comida bem gordurosa. E isso tudo pode
acontecer só num único dia. Ou eu posso simplesmente sumir por uma
semana porque deu vontade ou porque estava com a energia baixa. Todos nós
temos os nossos momentos bons e ruins.
Tenho tatuagens, moro no Rio de Janeiro, não sou muito fã de praia,
tenho certeza que sou um unicórnio e nunca passo muito tempo com o
mesmo corte ou cor de cabelo.
Acho que deu para me conhecer um pouquinho, mas se quiser saber
mais, eu estou sempre disponível nas redes sociais. É só clicar e começar a
me seguir!
Um beijo!


Instagram
@kelcosta.oficial

Facebook
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@KelCosta

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@escritorakelcosta

Twitter
@kelcosta_k
NÃO FOI AMOR À PRIMEIRA VISTA
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Romance listado nos MAIS VENDIDOS da Revista Veja


Sinopse

~ NUNCA FOI TÃO CERTO DIZER QUE OS OPOSTOS SE ATRAEM ~


SERÁ QUE AMOR E ÓDIO ANDAM MESMO JUNTOS?

- Magnólia: gata, gótica, estranha, ganhadora do troféu dedo podre.


- Eros: irmão de Odin, cafajeste, selo de comedor do Rio de Janeiro, aquele hétero
"topzera" irritante, Magnólia pensa que é gay.
- Odin: irmão de Eros, novo gay da cidade, saiu recentemente do armário (escondido
do pai), gostoso pra cacete, sonho de consumo de Magnólia, ela pensa que é hetero.
Uma bailarina totalmente fora dos padrões, tão azarada que se enrola toda na hora da
paquera.
Ela não poderia estar mais equivocada ao desejar o cirurgião gay, achando que ele é
hétero.
Ela não poderia ter se metido em enrascada maior ao pedir ajuda ao irmão hétero, que
ela pensa ser gay.
Os dois irmãos a envolvem nessa mentira que vai mexer com muitos sentimentos e
um deles vai acabar se apaixonando de verdade.
E quando Magnólia descobrir que foi enganada... seu coração já estará gravemente
comprometido.
A certeza é só uma: um deles ela não pode ter e o outro... ela gostaria de odiar.
CHEFE DA MÁFIA
Trilogia Soprattuto – Volume 1
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Sinopse

Aos sete anos, Giovanna Mancini foi apresentada ao homem com quem um dia se
casaria, dezesseis anos mais velho. De uma família tradicional da Sicília, ela crescera sendo
treinada para respeitar e obedecer ao futuro marido. Aos doze, um sentimento novo
começou a brotar no coração da adolescente. Mesmo que ele só a enxergasse como uma
criança boba, ela se sentia apaixonada por aquele que, um dia, seria o chefe da máfia
siciliana. Aos dezessete, a única coisa que desejava era ser livre, principalmente bem longe
do noivo arranjado.
Pietro Fillipo Greco se tornara o chefe dos chefes após a morte do pai. A vida seguia
os passos esperados e, assim que a jovem completasse vinte e um anos, o Don se casaria
com Giovanna. Gostava das mais velhas e experientes, mas conhecia a beleza da jovem e
sua educação exemplar. O que não estava em seus planos foi a ligação que recebeu de sua
mãe, pedindo que resgatasse Giovanna dos problemas em que ela mesma se metia e a
mantivesse sob seus cuidados até o dia do casamento, quando se tornasse maior de idade.
Contrariado em ter que levar uma garota de dezessete anos para dentro de casa e ter que
lidar com a rebeldia dela, Pietro se dá conta de que terá que domar a fera de olhos azuis,
nem que seja a última coisa que faça em vida.

O romance da máfia com mais de 20 milhões de leituras na Amazon!


Conteúdo adulto. Contém gatilhos emocionais e cenas eróticas.

Não se trata de um romance dark.


CONSELHEIRO DA MÁFIA
Trilogia Soprattuto – Volume 2
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Sinopse

Traições. Amores proibidos. Tráfico humano.


Tudo cai como uma bomba na cabeça do novo consiglieri da Soprattuto antes mesmo
que ele consiga sentir o gostinho do poder. Ele foi treinado para ser o melhor e mais
discreto naquilo que nasceu para fazer: ser um soldado da máfia, o homem que guarda a
vida do Don ao se tornar a sombra dele, o que envolve muito mais que apenas força física.
Carlo Moretti por muito tempo escolheu abdicar dele mesmo em prol de ser o melhor
homem da Soprattuto. Dono de elegância e educação que chamam a atenção das mulheres,
ele também se tornou o mais sagaz, perigoso e mortal para seus inimigos.
Sendo obrigado a encarar novos desafios, principalmente sobre os assuntos do
coração, Carlo se vê no meio de uma das maiores crises pela qual a família Greco já
passou. Ele se sente perdido entre a razão e a paixão, ao mesmo tempo em que luta para
fazer jus à sua nova posição e trazer justiça a quem merece - e sofrimento aos responsáveis.

Este livro pode acionar gatilhos emocionais por abordar temas como
estupro, violência e exploração sexual. Conteúdo adulto.

Não se trata de romance dark.


DONA DA MÁFIA
Trilogia Soprattuto – Volume 3
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Sinopse

O final da trilogia!
Ela foi criada sob normas rígidas dentro da máfia italiana, para que se tornasse a
esposa perfeita de um Don.
Ela foi subjugada por quem deveria protegê-la e teve seus sonhos de menina
arrancados da alma.
Ela foi testemunha de traições, de atos de tortura, de graves assassinatos.
Ela foi assassina.
Ela foi heroína.
Ela é brava, guerreira, corajosa, sonhadora, apaixonada.
Ela é o centro da sua família.
Ela é justiceira.
Ela é Giovanna Negri Greco. Ou apenas Carabina.
Ela é a DONA da máfia.

Conteúdo adulto.
Não se trata de romance dark.
MINHA PEQUENA MULHER
Volume único
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Compre o exemplar físico

Sinopse

Arthur Salazar é um advogado quarentão que leva seu trabalho muito a sério, vive
quase exclusivamente para isso e não dedica muito tempo da sua vida para relacionamentos
amorosos. Alguém que gosta de ouvir música enquanto toma um vinho na tranquilidade de
seu apartamento. Um homem de coração enorme, marcado por uma perda que jamais vai
esquecer.

Marina Leão é órfã e irmã caçula do melhor amigo de Arthur, que morreu num
acidente de moto e virou o mundo deles de cabeça para baixo. Ela era a "garotinha dos
olhos" dos dois, a princesa do trio, por quem eles dariam a própria vida. Quando Felipe
morreu, o advogado não viu outra solução a não ser deixar a pré-adolescente ir morar com
a tia no Rio de Janeiro, mas alguns anos depois, quando ela se torna maior de idade e
começa a demonstrar atitudes que ele desaprova, Arthur percebe que a decisão de afastá-la
não foi a melhor.

Os dois não poderiam ser mais diferentes. Ele, recluso, sério, fechado. Um homem
perspicaz, de convicções firmes, sócio de uma das maiores firmas de advocacia de São
Paulo. Ela, jovem demais, frequentadora dos bailes funks do Rio de Janeiro, digital
influencer e amante da exposição de imagem.

Voltando atrás na decisão de mantê-la afastada, Arthur traz Marina de volta para ser
criada sob seus cuidados. Ela tenta ignorar seu coração, mas a proximidade entre eles e a
reconquista da intimidade torna a convivência pacífica extremamente difícil. O homem
durão que lida facilmente com criminosos todos os dias está prestes a sofrer nas mãos de
uma morena que sabe bem os poderes que possui.

Conteúdo adulto, pois possui cenas eróticas.


A história aborda temas como bulimia e transtornos alimentares,
podendo acionar gatilhos em pessoas sensíveis ao assunto.
SS PLEASURY
Volume único
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Compre o exemplar físico
Sinopse

Algumas mulheres preferem gêmeos!


Sexo nunca foi tabu para Alex Simmons, filha do astro pornô mais famoso da
indústria americana nas décadas de 80 e 90. A jovem de 23 anos cresceu ciente da
profissão de seu pai e sempre manteve uma boa relação com os profissionais desse nicho.
Não é à toa que depois da morte dele, ela foi trabalhar como chef particular dos gêmeos
mais disputados da atualidade.
Conhecidos pelo nome artístico "SS PLEASURY", a dupla de loiros alemães ganha
rios de dinheiro fazendo o que mais gosta: atuando nas maiores produções da indústria
pornô. Stephan e Sven Heidemann são os melhores patrões que Alex poderia desejar,
mesmo que desde a adolescência ela seja apaixonada por eles, donos de um estilo de vida
totalmente promíscuo.

Eles a tratam como "apenas" uma boa amiga, uma menina de quem eles devem tomar
conta. Porém, tudo muda quando uma proposta indecente (e alcoolizada) surge entre os
três. Será que vale a pena se jogar de cabeça numa situação tão fora dos padrões?

• Este livro possui uma proposta diferente e trata sobre relacionamento a


três. Se é contra relações poliamorosas, talvez não seja a história certa para
você.
PERFEITO PRA MIM
Volume único
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Compre o exemplar físico

Sinopse

Rosa é uma médica veterinária porto-riquenha, moradora do Brooklyn, que trabalha


numa multinacional da construção naval para pagar as contas. A jovem não tem sorte no
amor, suas experiências sexuais e amorosas foram desastrosas, e ela tem o grave defeito de
se apaixonar facilmente. Quando conhece o cadeirante Christopher no elevador da empresa,
Rosa se impressiona por ele ser tão comunicativo, engraçado e charmoso. Os dois vão se
envolvendo naturalmente e ela não faz a menor ideia do pequeno segredo que ele esconde
por motivos pessoais.
Rosa não gostaria de se apaixonar de novo porque sabe que tem o dedo podre e só se
ferra em relacionamentos. Mas é impossível não se encantar pelo dono do sorriso mais
impressionante de todos. Sem saber o que esperar de uma relação com um paraplégico
sedutor, a veterinária acaba descobrindo que a perfeição está muito além do que a
sociedade enxerga.

• Um romance sobre superação, amor e altas doses de cenas quentes.


Conteúdo para maiores de 18 anos.
SEDUTORA AMIZADE
Volume único
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Sinopse

Sarah é uma jovem que gosta de viver a vida intensamente e não costuma se amarrar
a homem nenhum. Michael é um escritor nerd, tímido e dono de livros que se tornaram
best-sellers mundiais. Os dois são melhores amigos, muito íntimos, até dividem o mesmo
apartamento. Mas relação tão sólida e quase fraternal começa a se modificar quando
Michael cria Melanie, a protagonista de seu novo livro, inspirada fisicamente em Sarah.
Não seria nada tão absurdo, se a personagem não fosse uma garota de programa.

Onde acaba a ficção e começa a realidade, nem mesmo Michael consegue controlar,
pois ele descobre não ser fácil manter a tensão sexual apenas dentro das páginas de seu
livro, quando a tentação dorme no quarto ao lado.
• Sedutora Amizade possui uma narração diferenciada. O leitor contará com
capítulos narrados pelos dois amigos e, ainda, por Melanie vivendo sua
própria história dentro do livro.
UM SHOW DE BOLA
Duologia Artilheiros – Volume 1
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Sinopse

Tudo que a carioca Duda Ferrari mais desejava na vida era ser jogadora de futebol e
assinar contrato com um grande clube. De quebra, ela também adoraria conhecer o seu
maior ídolo, aquele por quem era obcecada: o brasileiro Leo Becker, jogador do Barcelona
e um dos melhores do mundo.
Os obstáculos da vida, no entanto, não deixaram que Duda seguisse o sonho de
criança. Foi preciso desistir da carreira como jogadora, mas, em contrapartida, ela passou
por cima de muitos tabus que cercam o mundo do futebol e conseguiu um estágio como
preparadora física no maior clube carioca, o Gladiadores Atlético Clube.
Logo ela descobre que o Barcelona acordou um empréstimo para que Leo Becker
possa jogar por seis meses no Gladiadores e a garota nem consegue acreditar na sorte que
tem. De volta ao Brasil, um dos jogadores mais caros do mundo está prestes a mudar
totalmente a vida de uma fã.
SURPRESAS DO CORAÇÃO
Conto independente
Compre em diversas plataformas (incluindo audibook)

Sinopse

Após uma temporada de cinco anos em Paris, a carioca Mariana retorna para a casa
dos patrões de seu pai. De volta ao Brasil, ela percebe que é impossível não se apaixonar
pelos dois filhos do casal. Em sua fase adolescente, a menina nutria uma quedinha por
Edgar e Josh, mas agora, adulta, as coisas se tornam muito mais sérias. E para piorar, Mari
também precisa lidar com dois pretendentes que conheceu por um aplicativo de namoro e
que não mandaram suas respectivas fotos para ela.

O destino pode pregar peças em nosso coração quando a gente menos espera. Como
escolher entre o belo e o perfeito? Mari nem imagina as surpresas que a vida - e encontros
às escuras - lhe reserva.
FORTALEZA NEGRA
Série Fortaleza Negra – Volume 1
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Sinopse

Não tema! Não se entregue! Resista!


O que aconteceria se a humanidade ficasse no meio de uma guerra sem precedentes
entre criaturas poderosas, de duas espécies predadoras e extremamente perigosas?
Em um mundo completamente diferente de tudo que conhecemos até então, começa a
aventura de uma adolescente rebelde e atrevida, que enfrentará os mais temidos vampiros e
seres mitológicos, para conquistar uma posição de respeito, graças a sua força e coragem.
TEMPESTADES DE SANGUE
Série Fortaleza Negra – Volume 2
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Sinopse

Até onde você iria para proteger aqueles que ama?

Na continuação da série Fortaleza Negra, ninguém está completamente a salvo. Mas a


coragem e a determinação de Sasha a transformam em uma destemida guerreira, capaz de
suportar as piores adversidades.
A adrenalina está de volta neste romance vertiginoso!
Mais intenso.
Mais sangrento.
Mais apaixonante.
Porque o medo não terá espaço na luta pela sobrevivência.
RUÍNAS DE GELO
Série Fortaleza Negra – Volume 3
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Sinopse

Uma nova ascensão.


Um elo de sangue sem precedentes.
Um poder capaz de transformar o mundo.

Na última parte da série Fortaleza Negra, Sasha precisa enfrentar as consequências de


seus mais recentes atos. A caça aos mitológicos se intensifica e a jovem se torna peça
fundamental na batalha que se aproxima.
Amor, amizade e lealdade se entrelaçam a cada nova decisão que precisa ser tomada
antes que o cronômetro pare de rodar.
DANÇA DAS SOMBRAS
Série Fortaleza Negra – Volume 3.1
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Sinopse

CONTO DA SÉRIE FORTALEZA NEGRA. TRATA-SE DE UM PREQUEL DO


QUARTO VOLUME (LANÇAMENTO EM 2021) DA SÉRIE.

ALERTA DE SPOILER: Este conto se passa após os acontecimentos de Ruínas de Gelo,


portanto, não leia se você ainda não leu o terceiro volume.

Quatro anos se passaram desde a última batalha com os mitológicos e os Mestres


reinam em paz, enquanto tentam restabelecer a ordem e devolver aos humanos suas antigas
tradições. Com isso, eles concordam que Sasha realize um baile de Halloween para os
moradores da Fortaleza. Porém, a noite sai do controle quando a jovem e Mestre Klaus
recebem visitas inesperadas que transformarão a vida de todos num inferno.
ENTRE FERAS
Série The Colt’s Secret – Volume 1
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Sinopse

Numa pacata cidade dos Estados Unidos, uma jovem universitária descobre que
vampiros não são seres míticos que existem apenas na ficção. Ela se vê envolvida com um
grupo bastante peculiar e percebe que o líder deles, apesar de muito atraente, é um pouco
sádico e sombrio.

Em um mecanismo de narrativa dupla, a série 'The Colt's Secret' é narrada por


Madison Foster, a garota que de um dia para outro tem sua vida mudada e Christopher
Colt, o misterioso galã que esconde um precioso segredo. Uma história de comédia com
muito humor ácido, ação e aventura!
"Se você não acredita em vampiros, talvez seja melhor reavaliar suas crenças."
ENTRE AMORES
Série The Colt’s Secret – Volume 2
Compre na Amazon (digital)

Sinopse

Madison engata num namoro com o vampiro Christopher Colt e, aos poucos, vai
descobrindo mais como é se relacionar com um ser imortal com uma rotina tão peculiar
como a dele. Mas nem tudo dá certo em sua vida. A jovem precisa aprender a conviver
com o clã de Christopher e os novos vampiros que chegam à cidade podem atrapalhar o
relacionamento deles. Novos desafios estão em jogo.

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