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CONTRATO DE PERDIÇÃO

1ª Edição
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Revisão: Lidiane Mastello (@lidiane_amorporlivros)

Betas: Jenniffer Fógos e Ka Morais

Capista: Jsummerdesign

Diagramação: Fox Assessoria Literária

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora.

Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da
autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA


LÍNGUA PORTUGUESA.

SINOPSE

DEDICATÓRIA:

PLAYLIST:

1.

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50.

EPÍLOGO 1

EPÍLOGO 2

AMOSTRA DO PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA

AGRADECIMENTOS

O que um bilionário cafajeste pode querer com uma garçonete virgem?

Bruno Magalhães precisa de uma namorada.

Conhecido por sua obsessão por vitórias, pela primeira vez, o CEO da
Magalhães Capital perdeu uma aposta e, agora, tem uma tarefa a cumprir:
passar três meses com a mesma mulher, e só com ela.

Exceto se ele puder evitar.

Como? Contratando a garçonete da padaria onde sempre toma café da


manhã para fingir ser sua namorada por esse período.
Milena Garcia não é santa, mas é virgem e está numa pindaíba sem fim.

Com apenas dezenove anos, uma mãe doente, um adolescente rebelde

como irmão e dois empregos em seu currículo, não lhe sobra tempo para
muita coisa.

Quando o cliente da padaria onde trabalha, por quem ela não tem uma
queda, mas um abismo inteiro, lhe faz uma proposta absurda de namoro de
mentira, ela não precisa nem pensar para lhe dar uma resposta: “Sim, por
favor! Mas sem sexo!”

Afinal, virgindade não é sinônimo de burrice e Milena sabe muito bem que
um homem capaz de propor uma coisa dessas pode ser ótimo para olhar, mas
nada bom de se manter.

Não importa o quanto seu corpo pareça determinado a ir contra a decisão de


sua mente.

Ela se recusa a ser mais uma em sua cama.

Ele está se tornando obcecado pela única mulher que não pode ter.

O desejo de que a mentira se torne verdade ameaça colocar tudo a perder.

Um namoro de mentira que vai conquistar você!

Para Eliza Porto,

Você sempre existiu, mas me


emprestou sua história para eu contar.

Já eu, antes de você, desconhecia a minha

própria existência. Obrigada por me inventar.

CLIQUE AQUI

01. Morena – Luan Santana

02. Perdão – Maria

03. Deixa tudo como tá – Thiaguinho

04. Mulher Feita – Projota

05. Modo Turbo – Luísa Sonza, Pablo Vittar e Anitta 06. Plano Perfeito –
Lourena, Haga, , MC Don Juan 07. Coringa – Jão

08. Geleira do Tempo – AnaVitoria, Jorge & Mateus 09. Ela tem o dom –
Tritom

10. Sosseguei – Jorge & Mateus

11. Happy – Pharel Wil iams

12. Sugar – Maroon 5


13. Sem Filtro – Iza

14. Transforma(dor) – Marina Nolasco

15. Fal in’ Al In You – Shawn Mendes

16. Adore You – Harry Styles

17. If I Could Fly – One Direction

18. Porque Eu Te Amo – Elenco Original do Filme Ana e Vitoria

— Aqui! E eu coloquei uma surpresa dentro! — Estendo a sacola de papel


para a mãe, mas olho para a filha quando praticamente sussurro as últimas
palavras e dou uma piscadinha. A menininha de cabelos escuros e traços
orientais, assim como sua mãe, sorri para mim e embora eu saiba que a
surpresa em questão é só um origami feito com guardanapo vagabundo, eu
me sinto uma super-heroína por colocar aquele sorriso em seu rosto.

— Obrigada, Mile! Você sempre salva a minha vida! — Bárbara diz com a
mão no peito, sobre a gola do terninho cinza que veste, em seu
agradecimento diário antes de deixar sua, também diária, contribuição no
pote de gorjetas ao lado do caixa.

Ergo meus olhos e dispenso suas palavras com um aceno rápido. Eu jamais
me recusaria a fazer qualquer coisa que pudesse para ajudar uma mãe solo.
Não quando eu tenho uma em casa que sempre fez das tripas ao coração por
meu irmão e eu. Sei bem que qualquer ajuda, mesmo que seja apenas
conseguir comprar o lanche favorito da filha cinco minutos antes do horário
oficial de abertura da padaria, faz toda a diferença.
— Imagina, Bárbara. Você sabe que pode contar comigo. — Ela se despede
com mais um sorriso agradecido antes de passar pela porta em que a placa
pendurada ainda tem a palavra “Aberto” virada para o interior do
estabelecimento.

Solto um suspiro longo e deslizo os olhos lentamente pelo lugar onde tenho
passado muito mais do meu tempo do que em casa nos últimos dois anos. A
Garden Gourmet nada mais é do que uma padaria para lá de gourmetizada,
exatamente como todos os estabelecimentos dos bairros Jardins, em São
Paulo.

Situada no térreo de um condomínio residencial de luxo, ela é parada


obrigatória tanto para os moradores do tal condomínio quanto para quem
trabalha ao redor e tem um vale refeição gordo o suficiente para pagar dez
reais em um brigadeiro.

Da primeira vez que passei pela Garden, mesmo que só em sua calçada, eu
tive certeza de que jamais poderia pagar pelo que quer que vendesse ali, eu
sequer tive coragem de entrar. Meses depois, quando comecei a trabalhar
aqui como jovem aprendiz, eu pude confirmar minhas suspeitas que, na
verdade, sempre haviam sido certezas.

A fachada azul Tiffany e branca só não é mais atrativa do que seu interior,
todo planejado para se parecer com um desenho de duas dimensões. Do chão
às luminárias, em uma foto, tudo parece exatamente como rabiscos
monocromáticos sobre uma folha de ofício branca.

Segundo seu José, o português mão de vaca dono da padaria, a arquitetura da


Garden foi inspirada em um café sul coreano e, de

acordo com o pai dos burros do século XXI e daqueles que não são ricos o
suficiente para conhecer presencialmente cafeterias que ficam do outro lado
do mundo, ele está certo, e dando a César o que lhe pertence, a padaria
paulistana é tão bonita quanto o café na Coréia do Sul.

Olho para o relógio que mais parece um desenho infantil rabiscado sobre a
porta. Seis e quarenta e cinco. Ainda faltam quinze minutos para abrirmos.
— Irritantemente eficiente, como sempre... — A voz arrastada e mal-
humorada me faz virar o pescoço. Encontro Clarissa passando pelas portas
vai e vem enquanto amarra o avental meio amarrotado na cintura.

— Bom dia pra você também, flor do dia.

— Bom dia pra quem, Mile? Você é o único ser humano capaz de estar de
bom humor às seis e quarenta e cinco da manhã. E logo você! De todas as
pessoas que eu conheço, você é a maior detentora do direito de ser mal-
humorada pela manhã! — Ela me encara com as sobrancelhas arqueadas
como se o que tivesse dito fosse óbvio. — A qualquer hora do dia, na
verdade — murmura as últimas palavras e eu não sei se deveria ter ouvido,
mas o comentário me faz bufar.

Não que eu discorde dela, mas quem é que tem tempo para perder com mau
humor quando se têm dois empregos, um irmão adolescente rebelde e uma
mãe precisando de tratamentos médicos que custam os olhos dos quais
preciso para enxergar? Por favor!

— Eu não tenho tempo pra ser mal-humorada, Clarissa.

— E quando eu crescer, eu vou ser igual a você! — diz, antes de seus olhos
negros mudarem drasticamente, passando, com uma velocidade
inacreditável, a se parecer exatamente como os do gato de botas e eu já sei
exatamente o que ela está prestes a me pedir.

— Posso ficar no caixa hoje? Por favorzinho?

Um som incrédulo se expulsa da minha garganta. A cara de pau dessa


mulher!

— A sua cara de pau não tem limites, Clarissa! — acuso e ela nem mesmo
se dá ao trabalho de negar.

— É um dom — confirma, parecendo muito mais orgulhosa do que deveria.


— Posso? — pede, outra vez, e eu reviro os olhos. —

E assim você vai poder trocar uma piadinha com o cliente gostoso das sete e
quinze. Eu sei que seu dia fica um pouco mais cinza quando você não
consegue fazer isso — ela comenta despretensiosamente e algo como um
guincho deixa minha boca quando eu me apresso em negar. Mas nem eu
acredito na minha tentativa ridícula.

O cliente das sete e quinze. Apenas pensar sobre ele faz um arrepio nervoso
atravessar minha espinha de ponta a ponta e uma sensação gelada tomar
conta da minha barriga. Eu não sei seu nome, não sei o que ele faz para
viver, não sei nada sobre ele, além de que é um feliz morador de algum dos
apartamentos luxuosos sobre as nossas cabeças e que todas as manhãs ele
pede um mocha e dois pães de queijo.

Parece pouco para um café da manhã, mas qualquer um que veja aquele
corpo esculpido por deuses e sempre exposto em

ternos, sem dúvida alguma feitos sob medida, entenderia. O homem tem a
pele morena num bronzeado eterno como se vivesse de sol e mar, mas isso
não é tudo. Está muito longe de ser tudo. Seus cabelos têm cachos caindo
pela nuca e cobrindo as orelhas em um comprimento que não é longo nem
curto e seus olhos são de um tom obsceno de azul.

Só não mais obsceno do que o conjunto de sua imagem e todas as manhãs,


quando ele passa pela porta, fazendo a sineta sobre ela soar, eu preciso reunir
toda a capacidade de concentração existente em meu corpo para não fazer
papel de tola, e, ainda assim, há dias em que eu simplesmente não consigo.
Mesmo nesses, principalmente nesses, como se soubesse que preciso de algo
para não babar em cima dele, o cliente das sete e quinze sempre tem uma
piadinha ou trocadilho engraçado para trocarmos durante os trinta segundos
em que lhe entrego seu Mocha.

Na verdade, pensar ou usar meu grande amigo google para pesquisar essas
piadas se tornou uma tarefa obrigatória no meu dia.

E eu sei que eu poderia aproveitar muito melhor o tempo que perco fazendo
isso, sendo mal-humorada, por exemplo. Mas prioridades, não é mesmo?

Nos últimos dois anos, o dono dos meus mochas melhores preparados, só
deixou de vir tomar café cinco vezes e só entrou aqui em qualquer outro
horário que não fosse às sete e quinze da manhã três vezes. Nas três, ele
comprou um brigadeiro depois do almoço e eu tenho certeza de que aquelas
foram fugas não planejadas.

— Tudo bem — balbucio quando me dou conta de que fiquei tempo demais
em silêncio, divagando sobre o cliente, para ser possível argumentar contra
as certezas de Clarissa e o sorrisinho em seu rosto não deixa qualquer dúvida
sobre isso.

— Ei, looser[1]! — No instante em que aceito a chamada e coloco o celular


no ouvido, arrependo-me. Eu sabia o que estava por vir e nem isso me
impede de ter vontade de arremessar o aparelho pela janela do carro.

— Sério? — é o melhor que consigo dizer em resposta e é claro que isso não
é o suficiente para evitar as palavras que eu sempre soube que ouviria.

— Ah, pode ter certeza de que é muito sério! — O sorriso na voz de Arthur
tem cheiro, cor e gosto. Eu os sinto, mesmo à distância. —

Você é o desgraçado mais competitivo que eu já conheci e é a primeira vez


em vinte e dois anos que eu tenho o prazer de dizer essas palavras. — Ele
faz uma pausa, saboreando a própria vitória e eu aperto os dentes, engolindo
todo o veneno que gostaria de destilar. — Acredite! Eu vou aproveitar! —
declara, satisfeito consigo mesmo e é mais forte do que eu. Um bufar sonoro
escapa por entre os meus lábios. Isso o estimula. Meu amigo de infância
gargalha, ouvindo através do meu silêncio e sabendo exatamente o quanto
ele está me custando. — Todos nós vamos! Na verdade, estamos fazendo
uma escala pra te ligar de uma em uma hora todos os dias pela próxima
semana só pra dizer isso, então esteja pronto.
É claro que estão. Passo a mão livre pelos cabelos, desejando poder puxá-los
até o ponto da dor. Estaciono o carro diante da escadaria de mármore branco
de acesso à casa dos meus pais. No meu atual humor, tudo o que eu não
preciso é a porra de um almoço de família, mas aqui estou eu.

Saio do carro e arremesso as chaves para Carlos. O funcionário as pega no ar


e me dá um sorriso gentil. Eu sorrio de volta, sem vontade alguma, mas o
pobre homem não tem culpa dos meus amigos serem uns filhos da puta.
Quatro barbados que, quando deixados sozinhos, ainda agem como os
moleques que se conheceram no internato há mais de duas décadas.

Mesmo que dadas às circunstâncias, sorrir não esteja entre as minhas


prioridades no momento, a imagem que pisca em minha mente faz com que
isso seja impossível de evitar. Nós cinco com olhos roxos, sentados em fila
na antessala do diretor do Colégio Saint Ives quando tínhamos dezesseis
anos, esperando pela repreensão após termos nos envolvido em uma briga.

Algum idiota, novo na escola, achou que seria uma boa ideia mexer com
Pedro por ele ser o típico garoto nerd de corpo franzino, sempre carregando
livros, usando óculos retangulares e com os cabelos bagunçados. Nós
mostramos ao imbecil e aos seus amigos que, não. Não era.

A verdade é que Arthur, Heitor, Conrado e eu também éramos o que se


chamava de nerds naquela época, mas diferente de Pedro, sempre nos
importamos em pegar mulher tanto quanto nos importávamos com números.
Então, àquela altura, nós quatro passávamos pelo menos um par de horas na
academia do internato

todos os dias. Pedro fazia o mesmo, mas ao invés de aproveitar o tempo que
estava lá usando barras e supinos, ele estava jogando LOL.

— Eu sempre posso não atender vocês... — digo o óbvio.

— E ser um perdedor duas vezes? Um que perde e que não aceita isso? Ah,
não. — Ele estala a língua, adorando cada segundo disso. — Isso não
combina com você, Bruninho. — Fodidos. Bando de fodidos que sabem
apertar todos os meus malditos botões. Todos eles, ainda que agora eu esteja
aturando apenas um. Eu simplesmente não conseguiria ignorar suas
chamadas e dizer, ainda que silenciosamente, que eles ganharam de novo.

Não. Eu vou aceitar em silêncio até que os cretinos se cansem.

Fingir que não me importo até ser verdade ou, pelo menos, até que eles
acreditem que sim. Apesar de duvidar muito que isso vá acontecer. Eles me
conhecem há tempo demais.

— Vocês não têm mais o que fazer, não? Da última vez que eu chequei,
vocês eram empresários renomados, não desocupados que podem ficar me
ligando de hora em hora pra me infernizar.

— Ah, nós somos! — Ele ri, uma gargalhada leve que me faz aumentar o
aperto da mão ao redor do aparelho celular. — E é por isso que cada um de
nós pediu às secretárias que acrescentasse à agenda um compromisso cíclico.
O código é beber água. Acredita?

— Vai se foder, Arthur. Essa ligação tem algum propósito?

— Me vangloriar? — O tom é calculadamente debochado e vai subindo nas


escalas de volume e ironia a cada palavra dita. —

Tripudiar em cima de você? Te dizer que você fracassou? Te lembrar

que você perdeu? Te chamar de perdedor de tantas maneiras quanto for


possível sem repetir o adjetivo?
— Uhum. Boa tarde, Arthur. — Sem qualquer remorso, desligo o telefone na
cara do meu amigo. Segundos depois, o telefone vibra em minha mão. Não é
outra chamada, mas uma notificação de nova mensagem.

— Filho da puta! — reclamo em voz alta, mesmo sabendo que se os papéis


fossem invertidos, eu seria ainda mais insuportável.

A verdade é que se estou me descobrindo um mau perdedor, não é novidade


para ninguém que eu sou um ganhador ainda pior. E

essa é única coisa na qual eu me admito ser ruim, porque, convenhamos, é


bom para caralho, como Arthur está adorando esfregar na minha cara.

Passando pela porta de entrada e atravessando os corredores de piso e


paredes brancas na direção da sala de estar, onde tenho certeza de que minha
família já está reunida, eu balanço a cabeça em negativa. Perder
definitivamente não é algo com o qual eu esteja acostumado, falhar não é, na
verdade.

Apostar? Sim. O tempo todo. Perder? Jamais. Exceto por essa vez. Essa
maldita vez em que, nem em um milhão de anos, eu teria previsto que minha
aposta estaria completamente equivocada.

— Meu filho! — minha mãe saúda assim que me vê.

A mulher elegante, vestida em seu conjunto de saia e blazer brancos


combina com o ambiente de decoração clássica, cercado por imensas
paredes de vidro que deixam a luz natural inundar o cômodo de piso
marmorizado.

Do imenso sofá cinza, Bárbara Magalhães se ergue em toda sua habitual


elegância. Seus cabelos estão presos em um coque no alto da cabeça e seus
olhos azuis, como os meus, sorriem, evidenciando as pequenas rugas ao
redor deles, segundos antes de eu envolve-la em meus braços.

— Oi, mãe. — Beijo sua testa quando ela se afasta ligeiramente.

— Como estava Paris? — pergunto.


Eu tenho bons pais. Não são os mais presentes do mundo, nunca foram e, na
verdade, ir para um colégio interno foi uma escolha minha. Filho único, eu
passava tempo demais sozinho enquanto meus pais estavam constantemente
viajando.

Uma escola que eu pudesse chamar de casa e que estaria sempre cheia,
diferente da minha casa de verdade constantemente vazia, simplesmente
pareceu uma boa opção, mesmo que eu só tivesse nove anos na época.

— Divina, como sempre — responde sorridente. — Nós sempre teremos


Paris... — cantarola a frase famosa, arrancando-me uma

risada. Ela me solta e eu puxo meu pai, já parado ao nosso lado, para um
abraço.

— E aí, velho? — O homem de barbas e cabelos grisalhos, tem a pele,


naturalmente morena e seus olhos escuros estão fixos em mim.

Diferente da minha mãe, que está sobre saltos, mesmo dentro de casa, meu
pai está confortavelmente vestido em bermudas e uma camiseta polo.

— E aí, jovem? — O abraço dura pouco. Demonstrações exageradas de


afeto também nunca fizeram parte da nossa dinâmica familiar. Eles retomam
os lugares que ocupavam antes e eu me sento no sofá, ao lado de minha mãe.

— Como estão os negócios? — É a primeira pergunta que meu pai faz e eu


bufo dramaticamente. Ele entende perfeitamente meu protesto ainda que eu
não tenha exatamente dito alguma coisa. — O

quê? Eu adoraria perguntar sobre sua namorada, noiva ou esposa se você


tivesse uma. Eu adoraria perguntar sobre os meus netos.

— Devagar aí, velho! Eu tenho trinta e três, não cinquenta e dois

— argumento e é a sua vez de bufar.

— Maurício e Joaquim já tem noras — resmunga baixinho e um som de


escárnio deixa minha garganta. Ótimo! Tudo o que eu precisava era ser
comparado com os malditos João Pedro Gouvêa e Marcos Valente.
Os filhos dos melhores amigos do meu pai sempre foram uma pedra no meu
sapato. Arrogantes, egocêntricos e presunçosos, nossa relação esteve fadada
ao fracasso desde que ainda usávamos fraldas. Apesar de termos a mesma
idade, percebi muito cedo que

reproduzir a amizade dos nossos pais nunca esteve nos planos de qualquer
um deles.

Aquela era uma relação a dois e eu estaria pouco me fodendo para o casal se
eles não fizessem questão de se exibir como se fossem sempre melhores do
que eu. Minha competitividade exagerada nunca foi injustificada. Primeiro,
eram os brinquedos, depois, as conquistas acadêmicas, e, por último, as
mulheres.

Dos dois, João Pedro sempre foi aquele que considerei o pior. O

imbecil sempre levou as competições ao extremo e dividir o mesmo


ambiente com ele se tornava uma prova de paciência. Porque ao mesmo
tempo em que eu queria ligar o foda-se e apenas ignorá-lo, não ceder às suas
provocações e não entrar no jogo de “quem é o melhor” foi ao algo que me
descobri incapaz de fazer.

Com Marcos as coisas eram diferentes. Nós nunca seríamos amigos, mas
quando ele estava sozinho, até podíamos manter uma conversa de um
minuto. Ele eu podia tolerar. Ou, pelo menos, costumava poder. O filho da
puta tinha que ser embocetado e me fazer perder, pela primeira vez na vida,
uma aposta?

Porra! Eu nunca teria imaginado! Nunca! Nem em um milhão de anos, ou


jamais teria sugerido a competição em primeiro lugar.

Quando anunciaram que o herdeiro da Valente & Camil advogados estava


prestes a se casar, foi impossível fugir do assunto e em uma das vezes em
que ele surgiu entre meus amigos e eu, fui taxativo em dizer que apostaria
minha nova Lamborghini que o casamento não duraria nem seis meses, antes
que ele traísse a tal Antonella.

Aquele bastardo nunca ficou com uma mulher por mais de uma semana. A
notícia de que ele estava prestes a se casar não soou
nada menos do que absurda. Ainda mais do que a do casamento de João
Pedro, algum tempo antes. Por isso, apostar que o filho dos amigos dos meus
pais trairia sua esposa na primeira oportunidade, quiçá, antes mesmo que
subissem ao altar, não era nada demais.

Deveria ter sido uma aposta ganha, como todas as outras.

Arthur, Pedro, Heitor, Conrado e eu sempre apostamos tudo. No início, eram


as coisas mais banais, como figurinhas, quando éramos moleques. Mas à
medida que crescemos as apostas também se tornaram maiores e em algum
momento, apostar dinheiro perdeu a graça, afinal, isso nunca nos faltou nem
faltará. Não era realmente algo que temêssemos perder. Herdeiros das
maiores fortunas do Brasil, ainda que não tivéssemos nos empenhado em
criar nossas próprias riquezas, pobres, definitivamente, não seríamos.

Então, começamos a subir os riscos: itens colecionáveis, carros raros e, por


último, tarefas impossíveis, ou tão difíceis quanto éramos capazes de pensar
acabaram por se mostrar o mais divertido. E

quando todos gostaram da ideia de apostar sobre o casamento de Marcos a


seu favor e contra mim, eu deveria ter desconfiado de algo.

Principalmente quando Arthur propôs o que eu deveria fazer, caso perdesse.

É provável que os infelizes que chamo de amigos soubessem de alguma


coisa. Porque, se para mim, que conhecia o homem, era inimaginável que,
agora, seis meses depois do dito casamento, ele andaria por aí parecendo não
apenas feliz, mas orgulhoso de ter sido encoleirado, para meus amigos, cujo
contato com o herdeiro Valente nunca tinha passado de cumprimentos em
eventos, deveria ter sido algo para além de impossível.

Deveria, mas não foi. E foi assim que me fodi. Porque, agora, além de ter,
pela primeira vez, perdido uma aposta, eu tenho em mãos uma tarefa ingrata.
Passar três meses com a mesma mulher, puta que pariu. Apenas repetir as
palavras em minha própria cabeça já faz com que eu a sinta latejar.

Eu não tenho nenhum tipo de desequilíbrio emocional que me impeça de


desenvolver relacionamentos, nem qualquer trauma num passado sombrio.
Não. Mas outra coisa que eu não tenho?
Paciência. E disso, relacionamentos exigem muito. Se há algo no qual eu não
tenho disposição para empenhar esforço é em me relacionar com uma
mulher. Não quando tudo o que sempre precisei fazer para conseguir
companhia foi sorrir.

E quando nem a isso eu estava disposto, eu sempre pude apenas pagar. O que
me leva à segunda razão que deveria ter me feito desconfiar das intenções
daqueles quatro filhos da puta. A regra da aposta, caso eu a perdesse. Três
meses com a mesma mulher, qualquer mulher, desde que não fosse uma
prostituta. Tratantes do caralho!

— Deixe o menino em paz, Bernardo! As coisas vão acontecer quando


tiverem que acontecer — minha mãe silencia meu pai e eu quase estalo um
beijo em sua bochecha por isso. O velho bufa, mas não insiste. — Como
estão os meninos? — pergunta e minha gratidão recém-adquirida é
imediatamente exterminada.

A alça da mochila pesa em meu ombro enquanto passo pela porta de serviço
do restaurante mexicano onde trabalho à noite. O

corpo cansado depois de dezoito horas em pé, indo e voltando, atendendo,


sorrindo e segurando uma e outra bandeja implora por descanso, mas ainda
tem um longo caminho a percorrer antes de chegar à merecida cama.

— Boa noite, Mile.

— Boa noite.

— Boa noite!
— Boa noite, gente. Até amanhã — meus colegas de trabalho desejam e eu
retribuo quando nos despedimos na porta fechada do restaurante.

Sentindo a familiar queimação nas solas dos pés, caminho na direção do


ponto de ônibus. As ruas bem iluminadas do bairro Jardins são a única coisa
que me impedem de dormir em pé e em movimento quando os sons ao meu
redor vão morrendo até se tornar completo e absoluto silêncio. Alcanço a
pequena estrutura de aço e plástico reservada àqueles que esperam pelo
transporte

público, solto um longo suspiro e olho para o relógio no meu pulso.

Meia-noite e vinte.

Se o ônibus não atrasar e se nada acontecer no caminho, consigo chegar em


casa uma da manhã. Até deixar tudo preparado para amanhã, uma e meia. Se
tudo der certo, hoje eu consigo dormir quatro horas. Quatro preciosas horas.

Passo a língua sobre os lábios e enfio as mãos nos bolsos traseiros da calça
jeans surrada sem jamais desviar os olhos da pista, onde em breve eu espero
avistar meu tapete mágico. O

cansaço é tamanho que eu sequer tenho forças para rir da minha própria
piada.

A essa hora, pelo menos o ônibus estará vazio o suficiente para que eu vá
sentada até em casa. As pontas dos meus dedos tateiam as moedas separadas
para o pagamento da passagem. Moedas contadas, já que eu precisei usar
meu bilhete único[2] em algumas das muitas idas da minha mãe ao médico
esse mês e o saldo acabou antes do que deveria. Como sempre, sobrou mês e
faltou dinheiro. Felizmente, amanhã é o dia da recarga.

Apoio a testa contra o aço frio, sentindo um arrepio quando o gelado entra
em contato com a pele quente. Meus olhos pesam, implorando para se
fecharem, mas eu resisto e me mantenho atenta aos letreiros luminosos que
aparecem pequenos e vão crescendo conforme os ônibus se aproximam. Dez
minutos de silêncio e solidão bem-vindos, depois de um dia inteiro cercada
de gente e barulho, estendo o braço, fazendo sinal para o ônibus 722 com
destino ao Itaim paulista.
Ele vai reduzindo a velocidade até parar diante de mim e eu desço do meio
fio, já esperando sua parada de pé, na rua. Puxo de dentro do bolso da calça
as moedas destinadas ao pagamento da passagem e a primeira sensação
errada é a de uma delas deslizando pelas costas do meu polegar quando
todas deveriam estar apertadas na palma da minha mão. Logo em seguida,
ouço o tilintar do metal assim que a moeda quica no asfalto e me viro
imediatamente com os olhos já vasculhando o chão à sua procura.

Quando a encontro, girando feito um peão, no limite da grade do bueiro cuja


existência eu sequer havia notado até então, o aperto que domina meu
estômago não pode ser descrito como nada além de desespero. “Não, por
favor, não! Deus, por favor, não deixe cair!”

É tudo o que tenho tempo de pensar antes de a moeda se lançar buraco


adentro e eu fechar meus olhos ardidos, agora, não apenas por cansaço
físico, mas com verdadeira exaustão mental.

— Entra, minha filha. — A voz alta me assusta e só então me dou conta de


que o meu ônibus está parado, esperando por mim e que seu motorista acaba
de testemunhar os últimos segundos miseráveis do meu dia. Olho para o
homem calvo de pele escura, cabelos e bigodes brancos, depois, para o
bueiro e por último para as moedas que sobraram na minha mão. Minha
aflição deve estar estampada no meu rosto, porque o motorista me dá um
sorriso gentil, de boca fechada, antes de acenar positivamente, dizendo-me
que está tudo bem.

Uma lágrima silenciosa rola sem a minha permissão quando eu lhe agradeço
tão silenciosamente quanto ele me presenteou e subo

no ônibus. Mais um pouco e esse dia acaba. Só mais um pouco, Milena, e


esse dia acaba.

Acordo na parada anterior à minha, como sempre. Movimento o pescoço


levemente, alongando-o antes de me levantar e jogar a mochila sobre o
ombro menos dolorido. Puxo a cigarra e as luzes de próxima parada
acendem. Seguro firmemente na barra de apoio até que o ônibus comece a
reduzir a velocidade e eu possa diminuir o aperto e caminhar até a porta de
desembarque.

As portas se abrem. Antes de descer, olho na direção da frente do ônibus e


mesmo sem conseguir enxergar o motorista, grito.

— Muito obrigada e boa noite! O senhor salvou a minha noite.

— Fica com Deus, minha filha. — Eu sorrio com a resposta e,


silenciosamente, desejo-lhe o mesmo.

Os cinco minutos de caminhada entre o ponto de ônibus e minha casa são


feitos no modo automático. Perto de casa, diferente dos Jardins, as ruas estão
mal iluminadas, porém movimentadas. Assim como eu, dezenas de outras
pessoas estão descendo de ônibus e encerrando suas jornadas depois de um
longo dia apenas para recomeçá-la em algumas horas.

Cumprimento alguns vizinhos, outros conhecidos e até mesmo pessoas que


nunca vi antes, mas que me dão boa noite ao passar por mim.

O portão de ferro cinza e enferrujado desponta em minha visão e, como uma


maratonista na última volta, minhas forças parecem subitamente renovadas
pela perspectiva de que em trinta minutos, ou menos, se eu conseguir ser
rápida, estarei deitada na minha cama. No entanto, ao alcançar o muro baixo
e que já viu dias melhores da minha casa, estranho a claridade que enxergo
através das cortinas fechadas.

O piscar característico de uma televisão ligada me faz abrir e fechar o portão


de casa com o cenho franzido. Passo a mão pelos cabelos, empurrando para
trás os fios que se soltaram do rabo de cavalo. Encaixo a chave na fechadura
e preciso respirar fundo, invocando paciência do mais íntimo do meu ser
para lidar com o que encontro. Ele é só um adolescente, Milena. Só um
adolescente. Ser estúpido faz parte da sua natureza. Repito silenciosamente
meu mantra quando o assunto é meu irmão sendo idiota.

Gabriel tem quinze anos e eu juro por Deus que todos os dias ele encontra
uma forma diferente de me irritar. Girando o pulso, constato que são uma e
dois da manhã. Ele deveria acordar às seis para ir à escola. Uma escola
muito, muito cara. A razão de eu precisar de um segundo emprego, na
verdade. Se tem algo que ele não deveria estar fazendo, é jogando o maldito
videogame!

Distraído como está, meu irmão nem mesmo reconheceu minha presença.
Fecho os olhos, decidindo internamente o que fazer.

Comprar essa briga significa dar adeus a pelo menos quinze minutos das
minhas preciosas três horas e cinquenta e oito minutos de sono. Levo a mão
à testa, apoio os dedos polegar, indicador e

médio na têmpora e um riso triste deixa meus lábios. Não é como se eu


tivesse qualquer opção, é?

Deixo a mochila pendurada no gancho ao lado da porta, conto de um a dez e


inflo o peito, prendendo o ar ali por cinco segundos antes de soltá-lo e
caminhar decidida até o móvel em que a televisão antiga e ainda de tubo
está. Com as luzes apagadas e os olhos completamente focados no cenário
pós-apocalíptico do jogo de tiros, Gabriel não me percebe até que seja tarde
demais e eu já tenha puxado o cabo de força da televisão para fora da
tomada.

No segundo que leva até que a sala seja tomada pela escuridão, vejo seus
cílios longos piscarem e sua boca se abrir em confusão. O

corpo magro e sem camisa, curvado sobre si mesmo, tem os ombros largos
encolhidos devido à posição.

— Você deveria estar dormindo — digo calma. Embora não consiga ver seu
rosto, tenho certeza de que ele foi tomado por uma expressão raivosa. Lá
vamos nós.

— E você deveria estar cuidando da sua vida — responde, sem empenhar


qualquer esforço e ouço o barulho do seu movimento, provavelmente se
recostando ao velho sofá marrom de couro rachado.

Ele é só um adolescente, Milena. Só um adolescente. Ser estúpido faz parte


da sua natureza. Respiro fundo e aperto os dentes.
— Eu estou cuidando da minha vida, Gabriel. Porque, caso você não tenha
notado, você é minha responsabilidade.

— Desde quando? — O tom é debochado, risonho. Cansada. Eu estou tão


cansada. Meus olhos ardem pela milésima vez nas últimas duas horas.

— Desde que você depende de mim pra comer, pra vestir e pra estudar na
droga da escola que custa uma fortuna, mas pode te garantir um futuro
melhor que o meu!

— E quem foi que te pediu pra fazer isso, Milena? Vê se me erra!

— Gabriel... — Tento, mais uma vez, ser racional. — Eu tô cansada. Por


favor... — peço, apelando. Para quê? Nem mesmo eu sei.

— Então vai dormir, porra! — Ele ergue a voz e eu fecho os olhos deixando
a primeira lágrima rolar. Não é tristeza, só exaustão. É

meu corpo e minha mente alertando-me de que estão chegando ao limite e


poucas coisas são mais dolorosas do que ignorar seus apelos.

— Fala baixo! — Meu sussurro não combina em nada com a intensidade das
minhas palavras e eu olho para o final do corredor escuro, do outro lado da
sala, conferindo se o faniquito do meu irmão não acordou minha mãe.

Ele vira o pescoço na mesma direção. Agora, com meus olhos já


acostumados ao breu, vejo a sombra de preocupação em seu rosto, mas ela
dura apenas o tempo necessário antes que ele volte a olhar para mim.

— Você não é minha mãe, Milena!

— E você acha que eu quero ser? — Algo que não se decide entre um riso
seco, choro contido ou som de escárnio deixa minha garganta e eu levo as
mãos ao rosto, esfregando-o. — Pelo amor de Deus, Gabriel! Se não tem
respeito, tenha pelo menos dó de mim.

— E lá se vai a abordagem calma e compreensiva. Esgotada. Eu estou


esgotada. — Eu tenho dezenove anos, Gabriel! Dezenove! —
Balanço os braços no ar e deixo minha cabeça cair para trás na tentativa de
conter as lágrimas. — Isso são quatro anos a mais que você. — Volto a olhar
para o meu irmão sem me importar se ele pode ou não ver meu rosto. —
Quatro anos, nada além disso. Tudo o que eu queria era que alguém se
preocupasse comigo como eu me preocupo com você. Era ter alguém que
pagasse a minha faculdade, como eu pago o seu colégio. Era que alguém me
dissesse que eu tenho uma misera chance de ter uma vida melhor do que
quatro horas de sono por noite — faço uma pausa —, mas você não se
importa, não é? — Ergo as mãos em sinal de rendição, balanço a cabeça de
um lado para o outro e, sem esperar por resposta, pego a mochila pendurada
e saio da sala.

***

Fecho o cesto de roupas sujas e olho para o relógio. Duas e cinco. Tudo bem.
Se eu tomar banho em cinco minutos, ainda terei três horas e vinte de sono.
Não é o ideal, mas posso trabalhar com isso. A discussão com Gabriel me
roubou mais do que quinze minutos, porém, teve algum efeito. Depois que o
deixei na sala ele não voltou a ligar a televisão.

Quando achou que já tinha se passado tempo o suficiente para que sua saída
não parecesse um acato ao meu pedido, mas fruto de

sua própria vontade, ele se levantou e foi dormir no quarto que dividimos. É
sempre a mesma coisa. Ele é só um adolescente, Milena. Só um adolescente.
Ser estúpido faz parte da sua natureza.

Empurro o ar pela boca, movimento os ombros e o pescoço e me viro, pronta


para entrar no banheiro. No entanto, assim que saio da área de serviço
minúscula e chego à cozinha não muito maior, encontro minha mãe parada
na porta.

Os cabelos escuros como os meus batem na altura dos ombros e estão


bagunçados como deveriam para alguém que acabou de acordar. A pele
branca tem as rugas características de alguém que já viveu quarenta e dois
anos, os últimos dezenove em uma corrida constante para dar aos filhos algo
melhor do que o que recebeu da vida.
— Sede? — pergunto oferecendo a ela um sorriso, apesar do cansaço. Ela
não me responde e coloca o corpo vestido por uma camisola florida em
movimento, mas diferente do que imaginei, ao invés de ir até a geladeira, ela
vai até a cafeteira e começa a colocar a pequena máquina para trabalhar.

Meu estômago gela com o pressentimento do que está por vir e quando
minha mãe se vira para mim, o olhar em seu rosto me diz que eu não estou
prestes a tomar banho, muito menos a dormir como gostaria.

— Vislumbrando seu futuro? — Heitor para ao meu lado, oferecendo-me um


copo de uísque. Aceito ainda sem conseguir desviar os olhos do grupo
alguns metros à frente.

João Pedro Govêa e Marcos Valente estão parados, pendurados em suas


esposas que provavelmente seguram coleiras invisíveis para os cachorrinhos
que eles se tornaram. Se eu não visse com meus próprios olhos e repetidas
vezes, eu não acreditaria.

— Vai se foder. — Meu amigo ri, atraindo meu olhar. Seus olhos azuis
reluzem com diversão indisfarçada e eu bufo. — Essa é a única competição
que eu vou ficar feliz em perder pra esses dois, Heitor.

Posso passar três horas, três meses ou três décadas com a mesma mulher e,
ainda assim, aquilo ali? — Inclino a cabeça para onde eu olhava antes e
estalo a língua. — Não mesmo.

— É o que veremos... — Dispensa minhas afirmações com o comentário


genérico e seus olhos castanhos faíscam com uma diversão inconveniente.
— Seu tempo está acabando — avisa, como se eu tivesse tido a chance de
esquecer e isso me faz rir.
— Achei que você estivesse aqui pra fazer um discurso, não pra encher a
porra do meu saco com algo que eu estou cansado de saber.

— Ele sorri de canto.

— Eu sou multitarefas. Posso perfeitamente fazer as duas coisas.

— Pisca para mim e eu reviro os olhos. Levo meu copo à boca, tomando um
gole da bebida âmbar e deixo que meus olhos deslizem pelo salão finamente
decorado.

Eu gosto de festas, mas, sem dúvida alguma, odeio eventos, mesmo aqueles
que são uma constante em minha vida, como o aniversário da Magalhães
Capital. Eu odiava estar aqui quando era uma criança, odiava quando era
meu pai a presidir a empresa e continuo odiando agora que sou eu à frente
dos negócios.

— Por que você não escolhe alguém aqui? Eu com certeza vou. —

Heitor varre o salão como uma águia em busca de sua próxima presa e eu
passo a língua sobre os lábios, pensando. Não seria uma ideia ruim e um
ménage o manteria distraído o suficiente da missão de infernizar a porra do
meu juízo pelo resto da noite.

— Por que nós não escolhemos juntos? — sugiro, como se a ideia tivesse
acabado de me ocorrer.

— Eu estava falando sobre os próximos três meses.

— Nós não estamos em um mercado, Heitor. Eu não posso simplesmente


escolher uma mulher, passar no caixa e levar pra casa, pelo amor de Deus!
— resmungo, fingindo ultraje com sua sugestão e isso faz com que ele
finalmente interrompa sua busca pela foda da noite e olhe para mim. A
expressão em seu rosto é puro deboche.

— Ah, claro! — Ele ensaia um arrependimento muito mal atuado. —

Me desculpe, mas você já não fodeu metade da população feminina nessa


festa? — Desvio os olhos, recusando-me a responder. — Me
poupe, Bruno. Boa parte da outra metade pularia alegremente na chance de
agarrar Bruno Magalhães pelos próximos três meses só pra poder dizer que
conseguiu. Eu não sei por que caralhos você tá demorando tanto, aliás. —
Ele estreita os olhos e eu expulso o ar dos pulmões com força.

Levo o copo à boca, ganhando tempo. Sabendo muito bem que ele está
prestes a descobrir o motivo, reflito sobre como levar seus pensamentos para
outro lugar antes que seja tarde demais.

— Acho que— começo a desconversar, mas ele me corta.

— Por acaso você não está tentando descobrir uma forma de se livrar disso?
Está? — Eu estava. Não de me livrar, mas de ganhar mesmo na derrota,
porque esse é o cretino calculista que eu sou.

— Não — minto depois de alguns instantes em silêncio e um movimento


facial calculado para não parecer nem ansioso nem displicente demais. — Eu
só não encontrei a pessoa certa ainda... —

A resposta tem o efeito que eu gostaria, o distrai. Mesmo que não de uma
maneira que eu aprecie. Heitor gargalha alto e escandalosamente.

Sopro o ar por entre os dentes, negando com a cabeça e revirando os olhos,


recusando-me a testemunhar seu escândalo. Meu olhar se move por vários
lugares, mas não se prende em nada antes de voltar a se fixar no meu amigo.
Ele limpa algumas lágrimas nos cantos dos olhos.

— Cuidado, Bruno... Você tá começando a soar com um excelente candidato


a cachorrinho.

— Vai se foder, Heitor. Última chance. Juntos ou separados? —

intimo e ele balança a cabeça, negando. Divertimento ainda está em todo o


seu rosto quando ele ergue o copo que segura em um brinde que é uma
concordância silenciosa. — Ok. Negra, loira, morena, ruiva ou oriental?
Eles têm que estar de brincadeira. Penso assim que coloco os pés dentro
meu apartamento e encontro três vagabundos espalhados pelas minhas salas
como se estivessem em casa, o que me dá a certeza de que o quarto está em
algum lugar por aqui também.

Conrado está sentado no meu sofá, com o tronco nu e a parte inferior do


corpo enrolada em nada além de uma toalha. Na porra de uma toalha!

E como se isso não fosse folga bastante, Buzz, meu buldogue inglês
preguiçoso, está deitado com a cabeça sobre suas pernas e sequer faz
menção de sair de seu lugar de conforto para me saudar.

Traidor.

— Vocês entendem o conceito de emergência, certo? Ou preciso explicar


que a chave de emergências só deve ser usada caso uma aconteça e não
quando vocês bem entenderem? — pergunto a todos eles e a nenhum em
particular, ainda parado na porta da minha própria casa como se fosse eu o
intruso.

— Mas isso é uma emergência — Pedro diz, vindo da cozinha com um bowl
de doritos em uma mão e um pack de long necks na outra.

Eu sabia que o miserável estaria por aí. — Nós estamos fazendo uma

intervenção. — A última frase me descongela e eu finalmente entro e fecho a


porta.

Isso desperta o buldogue gordo o suficiente para que ele levante a cabeça e
mexa o rabo curto, mas não para fazer com que Buzz saia do lugar. Deixo as
chaves sobre o aparador e levo a mão à nuca, coçando ali e pedindo a Deus
que me dê paciência. Alcanço a lateral, depois a frente do pescoço, subo os
dedos pela barba curta, esfrego os fios e apoio a mão livre à cintura.

— E eu posso saber por que caralhos eu precisaria de uma intervenção? —


indago, olhando para o imenso sofá cinza onde eles claramente planejaram
me emboscar na minha própria casa, já que essa é a única razão para que os
quatro estejam sentados de costas para a televisão e me encarando.
— Você está enrolando — Arthur responde.

— Enrolando pra caralho! — Heitor confirma e eu estreito meus olhos em


sua direção. — O quê? Achou que um ménage ia me transformar num
idiota? Idiota eu seria se dissesse não só porque sabia que você tava tentando
me distrair. E isso já tem quase uma semana, pelo amor de Deus!

Libero uma expiração profunda e pisco, mantendo os olhos fechados por


algum tempo. Abaixo a cabeça, pressiono um lábio contra o outro e levo a
mão que estava no rosto também à cintura antes de voltar a encarar meus
amigos. Eles me observam com diversão ansiosa nos rostos.

Empurro a língua contra a bochecha, faço um bico, mas não importa quanto
tempo eu ganhe, não encontrarei uma resposta

cabível, porque a situação é descabida como um todo. Caminho até a


mesinha de centro diante deles.

— Eu posso beber da minha própria cerveja? — Aceno para as duas garrafas


que sobraram em cima da mesa.

— Claro que pode! Nós somos generosos — Conrado debocha e eu bufo


antes de pegar a garrafa, abri-la, deixar a tampa sobre a mesa e me jogar na
poltrona em frente ao sofá. Isso faz o cachorro se mover. Ele desce do sofá e
deita aos meus pés. Mesmo contrariado por sua traição, vejo-me abaixando
para coçar sua orelha.

— Oi, amigão! — Buzz levanta a cabeça imensa e seu rosto veste a


expressão que eu gosto de pensar ser um sorriso. Suas dobras estão
concentradas em sua tez e a língua gigante está pendurada na lateral da boca.
— O que vocês querem? — pergunto, ainda olhando para o meu cachorro.

— Garantias. — Bufo e desvio os olhos para as janelas que formam a parede


lateral do apartamento e deixam ver a imensidão que é São Paulo.

— Minha palavra é a porra da garantia! — Volto a focar nos palermas.

— Nhe... — Arthur desdenha. — Achamos que não. Queremos algo mais


substancial... Mais... Tátil! — Franzo as sobrancelhas enquanto meu cérebro
corre uma maratona tentando desvendar onde eles querem chegar.

— Não vai acontecer — decreto, desistindo rápido de desvendar as intenções


mascaradas dos meus amigos, porque elas não importam.

— Não acho que seja você quem tenha que decidir isso. — Pedro dá o
palpite enquanto dobra uma perna e a apoia sobre a coxa da outra. Ele toma
um gole da cerveja e afasta os fios escuros de seu cabelo que caiam em sua
testa deixando a cicatriz em formato de raio, exatamente igual a do Harry
Potter, à mostra.

— Nós não te lembramos o suficiente que você perdeu a aposta?

— O sorrisinho barbado de Arthur me dá vontade socar sua cara.

— Ah, vocês lembraram. Lembraram sim. — Curvo o corpo e apoio os


cotovelos sobre os joelhos. — Agora é a minha vez de refrescar a memória
de vocês, filhos da puta. — Buzz entende a nova posição como um convite e
começa a lamber minha perna por cima do terno que sequer tive o
oportunidade de tirar. Pelo amor de Deus! É quinta-feira à noite! — Não se
muda as regras do jogo depois que a bola já começou a rolar e vocês estão
cansados de saber dessa merda. —

Largo o corpo na poltrona, de saco cheio de pensar e falar sobre a maldita


aposta. — Vocês escolheram a tarefa e o prazo que eu tenho até começar.
Pelo que me consta, ainda tenho dez dias e se eu quiser esperar até as 23:59h
da porra do último dia, eu vou, senhores. E

vocês precisam lidar com isso.

Os quatro resmungam impropérios, sabendo que estou certo, mas incapaz de


se dar por vencido, Arthur sente a necessidade de avisar.

— É bom que você saiba que nós já entramos em contato com todas as
agências de acompanhantes do Rio e de São Paulo.

Qualquer contato seu e nós seremos avisados. — Eu me levanto, revirando


os olhos.
— Agradeço pela informação, agora vão se foder! Eu vou tomar um banho.
— Saio da sala com Buzz no meu encalço e com a certeza de

que quando eu voltar, para minha frustração, eles ainda estarão aqui.

— O que você acha dessa aqui, amigão? — Depois de finalmente conseguir


me livrar dos babacas que chamo de amigos, jogado sobre a minha cama,
vestindo nada além de shorts de dormir, coloco a tela do celular na frente do
rosto de Buzz enquanto um filme qualquer passa na televisão. O buldogue
bufa em resposta. Acho que isso é um não. Deslizo a tela para a esquerda.

— E essa aqui? Ela é gostosa... — Mostro a foto de uma morena curvilínea


de peitos grandes e quadris largos no tinder e Buzz vira o rosto, recusando-
se a opinar sobre. — Tudo bem, tudo bem! Você é um público difícil, hein,
amigo? — Deslizo a tela para esquerda mais algumas vezes e nenhuma das
opções chega perto de parecer certa, porque eu simplesmente não quero
fazer essa escolha. — É. Eu te entendo, Buzz! Dar mach não vai resolver
nossos problemas. Eu sei...

— continuo minha conversa com Buzz e ele rola com a cabeça em meu colo,
ficando com a barriga e com as patas viradas para cima. —

Como isso é problema seu? — Rio e olho para ele que me encara com essa
pergunta silenciosa estampada em todas as dobrinhas do seu rosto. — Bom,
serão três longos meses, Buzz. Três meses longos pra caralho. — Coço sua
orelha. — Ela vai vir aqui, sabia? Ela vai precisar tratar você bem ou eu vou
perder essa merda em cinco segundos. — Passo a mão na barriga do
cachorro gordo, ele ressona pelo focinho curto e depois fecha os olhos. —
Vamos lá, Buzz! Eu estou ficando sem tempo. Você não tem nenhuma ideia
nessa sua cabeça grande que possa me ajudar?

O buldogue ronca e eu, mais uma vez, me impressiono com a velocidade


com que ele é capaz de dormir. Eu sempre me pergunto se ele está fingindo.
Se estiver, Buzz é um excelente ator.
Olho para o celular na palma da minha mão, fecho o aplicativo e bloqueio a
tela. Eu gosto do Tinder. Ele é um excelente aplicativo. O

problema não é ele, é a porra do propósito da minha procura. É isso o que


está errado. Solto uma longa expiração e balanço a cabeça. Nem pensar.
Nem fodendo.

Eu vou dar um jeito. Ainda não sei qual, mas vou.

— Infelizmente nós não podemos ajudar — o gerente do banco diz e eu


fecho os olhos lentamente, deixando que as palavras tomem seu lugar em
meu desespero. Eu já esperava por elas, mas isso não as torna menos
dolorosas. Não quando só eu sei o que elas realmente significam.

— Senhor Marcelo, por favor. E-eu — gaguejo, sem saber a que apelar.
Respiro fundo e fixo o olhar no homem calvo diante de mim. O

rosto oval sustenta armações retangulares de óculos de grau e um bigode


ridículo, cuja beleza eu seria capaz de atestar eternamente se isso me
garantisse o empréstimo que seu dono acabou de me negar.

— Eu preciso desse dinheiro, seu Marcelo. Eu sei que eu não tenho


garantias, mas eu vou pagar. Eu juro que eu vou — tento, mais uma vez,
mesmo sabendo que em vão.

— Milena, não depende de mim. — Ele suspira e a pena em seu rosto nem
mesmo me dói. Neste momento, eu simplesmente sei que sou digna de pena.
— Seu nome está negativado e seu score está baixíssimo. O banco não
liberou nenhuma alternativa de crédito para você. Podemos tentar uma
renegociação da dívida que você tem conosco. Você paga as primeiras duas
ou três parcelas e então, daqui a dois ou três meses, nós fazemos a análise de
crédito novamente —

sugere e eu quero rir de amargura. Se eu tivesse o dinheiro ou o tempo


necessários para fazer o que ele disse, eu não teria perdido minha única folga
da semana, sentada em uma sala de espera de banco, mesmo sabendo a
resposta que dariam para o pedido que eu tinha.

As últimas quarenta e oito horas da minha vida foram vividas no automático.


Levantar, trabalhar, pensar, deitar. Levantar, trabalhar, pensar, deitar. Comer
e dormir não fizeram parte delas nem qualquer outra coisa que consumisse o
tempo ou a energia que eu poderia usar para tentar descobrir o que fazer com
a notícia que minha mãe jogou no meu colo quando cheguei em casa na
segunda-feira.

Eu sabia que nunca deveria ter recorrido a um agiota, mas o desespero nos
leva a decisões estúpidas e nenhuma palavra descreve melhor o meu estado,
três meses atrás, do que desespero. A doença de Lúpus estava vencendo a
batalha que vínhamos travando há dois anos, desde que minha mãe
descobriu ser portadora dela.

Quando o médico disse que se não a internássemos dentro de vinte e quatro


horas, inevitavelmente, seus rins chegariam a um estado irrecuperável e ela
morreria, mas que não podia fazer nada, porque não havia leitos disponíveis
naquele hospital, nem em nenhum outro hospital público de São Paulo para
que ela pudesse ser transferida, eu morri um pouco.

E esse pouco foi o suficiente para eu ter certeza de que não poderia perder
minha mãe. Não ainda. Ela era minha melhor amiga e era cedo demais. Cedo
demais se eu pudesse evitar. Ela era forte e resistiria. Eu resistiria.

Não era a primeira e, sendo pobres, certamente não seria a última vez que os
recursos públicos deixariam a mim, à minha mãe ou ao meu irmão na mão.
Daise Garcia criou dois filhos sozinha. Depois de ser abandonada com duas
crianças por um marido que disse estar indo comprar cigarros e nunca mais
voltou, ela se reinventou, dia após dia, e venceu na maioria deles.
Eu tinha quatro anos e meu irmão era um recém-nascido. Se minha mãe não
havia se deixado abalar depois de passar por isso, definitivamente, eu não
me deixaria abalar por um não. Saímos daquele hospital em uma ambulância
rumo a um hospital particular.

Nós não tínhamos plano de saúde nem dinheiro para pagar pela internação,
mas eu conseguiria. Eu poderia conseguir. Depois de garantir que minha mãe
estava recebendo o tratamento adequado, eu poderia qualquer coisa.

Eu não consegui.

Meu nome já estava sujo e, assim como hoje, nenhum banco quis me dar
mais crédito. Ninguém que conhecemos tinha dinheiro para emprestar. Eu
precisava acompanhar minha mãe no hospital e garantir que Gabriel
estivesse, pelo menos, minimamente assistido, afinal, ele é menor de idade,
por isso me encher de trabalho não era uma opção.

O alívio de ter minha mãe recebendo o que precisava foi rapidamente


substituído pela agonia cruel de perceber que eu não teria como pagar por
isso. Foi nesse momento que uma vizinha disse que conhecia uma opção. Eu
sabia que a resposta certa era: “Não, obrigada. Eu vou dar um jeito.”

Mas a verdade é que ser pobre significa não ter escolhas e eu não tinha. Ou
eu pegava dinheiro emprestado a juros absurdos, ou minha mãe precisaria
sair do único lugar capaz de lhe dar o tratamento que ela precisava para se
manter viva. E naquela época eu nem imaginava que os juros absurdos
seriam os menores dos meus problemas.

— Seu Marcelo, minha mãe está doente. Muito doente. Eu não posso esperar
três meses. — Minha voz é uma mistura trêmula, baixa e desesperada. O
gelo em meu estômago parece estar tentando se alastrar por todos os outros
órgãos.

— Ela não pode sacar o FGTS antecipadamente? Em casos de doenças


graves, há essa opção.
— Não. — Balanço a cabeça, sentindo-me mal apenas por ter que lembrar
que a solução para os nossos problemas é apenas mais uma das vezes em que
os equipamentos públicos estão falhando conosco.

— Minha mãe é autônoma há alguns anos, e mesmo que não fosse, a doença
dela não está incluída nessa lei. É preciso um processo, processos levam
tempo e isso é tudo o que não temos, seu Marcelo.

— O olhar do homem se torna ainda mais penoso e eu sei que minhas


próximas palavras serão tão inúteis quantos os apelos anteriores, mas eu
tento, ainda assim. Uma semana é tudo o que me separa do dia em que
Patrão, o agiota, exige ser pago. — Por favor — sussurro e o gerente engole
em seco antes de me responder.

— Eu sinto muito.

— O que a senhora disse? — pergunto, pela segunda vez, em menos de duas


horas, sentindo o chão sumir sob os meus pés.

— Você está bem? — A mulher de quarenta e tantos anos, cabelos presos em


um coque firme e com o corpo vestido por um terninho elegante pergunta.
Eu pisco e demoro um pouco para processar que ela respondeu à minha
pergunta com outra.

— Desculpe. A senhora pode repetir? O que a senhora disse sobre o Gabriel?


— repito a pergunta para a diretora do colégio em que meu irmão estuda.
Essa foi a segunda notícia que minha mãe me deu na segunda-feira enquanto
estávamos sentadas na cozinha de casa às duas da manhã.

E, porque todo castigo é pouco, mas principalmente, porque eu não tinha


outra opção, pedi para que ela marcasse a reunião solicitada pela escola para
o mesmo dia em que eu sabia que precisaria ir ao banco, minha folga. Eu só
não esperava que a derrota na segunda parada parecesse ainda maior do que
a na primeira.

Esfrego as mãos no rosto, tentando limpar a confusão e afastar o cansaço e


falho miseravelmente em ambas as tentativas. Quando volto a olhar para a
mulher de olhos verde escuros, sentada à minha frente, encontro, repetindo a
cena que vivi mais cedo, ainda no banco, seus olhos repletos de pena.
— Eu disse que já faz duas semanas que seu irmão não comparece às aulas e
desse jeito vai ser impossível manter a bolsa de cinquenta porcento de
desconto. — Eu quero abrir a boca e dizer alguma coisa. Juro que quero,
mas sinto-me completamente incapaz.

O que eu diria se não faço a mínima ideia do que é que Gabriel pensa que
está fazendo? — Considerando o cenário geral do Gabriel na

escola nos últimos dois anos, o protocolo seria a retirada imediata da bolsa,
mas sabendo do que a família de vocês vem enfrentando, eu achei que
deveríamos conversar antes que uma decisão desse porte fosse tomada. —
Ainda em silêncio, engulo em seco e assinto. —

Como está sua mãe?

— Estável — é a única coisa que sou capaz de dizer. E o que mais eu


poderia? Que o dinheiro que eu peguei emprestado com um agiota que agora
está ameaçando minha vida pagou pelos remédios da minha mãe pelos
próximos dois meses? Acho que não.

— Bom. Muito bom. — Ela suspira e fecha os olhos, quando os abre, os


desvia, parecendo não conseguir mantê-los em mim por mais tempo do que
o necessário. — Eu odeio precisar colocar mais essa responsabilidade nos
seus ombros, Milena. Eu realmente sinto muito, estou fazendo o meu melhor
para manter a bolsa do seu irmão, mas ele precisa me ajudar. Primeiro a
atitude agressiva com os professores e colegas, depois, o péssimo
desempenho acadêmico e agora faltas?

Em sequência e sem uma justificativa plausível? — Meus olhos ardem e eu


sinto as lágrimas ansiosas para se acumularem e serem derramadas, mas
resisto e aceno com a cabeça. — Ele precisa mudar, Milena. Ou mesmo o
meu melhor não vai ser o suficiente.

— Ele vai — respondo com a garganta seca a promessa que não tenho ideia
se poderei cumprir. Afinal, não depende de mim.

Parecendo entender a situação deplorável em que me encontro, Zoé balança


a cabeça em concordância.
— É sempre um prazer rever você, Milena, mesmo nessas circunstâncias. —
Agradeço pela liberação e com uma despedida silenciosa, eu saio da sala e
da escola muito mal enxergando dois passos à minha frente.

Tudo o que consigo pensar é que esse dia não tem como ficar pior e eu não
tenho como me sentir mais exausta. Assim que me sento no metrô, de volta
para casa, a represa dentro de mim tem suas barragens explodidas e a
primeira lágrima que desliza pela minha bochecha deixa claro que eu não
tenho a menor condição de ir para casa agora. Tudo o que a minha mãe não
precisa é me ver nesse estado.

Fico sentada, sozinha, encolhida em um canto do último vagão do metrô e


choro tão silenciosamente como posso, porque, pelo menos isso, ainda me é
irrestritamente permitido. O trem vai de uma ponta à outra de sua linha
várias vezes e em algum momento eu começo a me perguntar se a vida é tão
difícil para todo mundo ou só para mim.

Pergunto-me, enquanto passo pela minha estação de destino pela oitava vez
antes de realmente me sentir pronta para descer, se todo mundo já teve
vontade de simplesmente não reagir e o que essas pessoas fizeram quando se
deram conta de que essa não era uma opção.

***

— Você vai queimar a pele dele se continuar encarando assim —

Clarissa debocha e eu reviro os olhos, desviando-os da nuca do cliente das


sete e quinze.

— Será que aconteceu alguma coisa? — pergunto baixo. — Ele nunca só


entra e senta. Nunca!

— Ah, não. — Ela dispensa minha preocupação com um aceno displicente.


— Provavelmente ele só tá usando o Wi-Fi de graça.

— Pelo amor de Deus, Clarissa! Esse homem tem cara de quem precisa de
alguma coisa de graça na vida? — Olho para o corpo alto e musculoso,
vestido por um terno perfeito, de costas para mim, outra vez.
Definitivamente, não. Provavelmente, só aquele terno já resolveria todos os
meus problemas.

Pensar nisso faz com que a nuvem que eu sempre em esforço para deixar do
lado de fora do trabalho ameace se esgueirar pelos cantos da minha mente
para me dominar e eu sacudo a cabeça, espantando-a. Mas Clarissa parece
estar tentando atrai-la.

— E você ainda não me disse como foi sua folga. Conseguiu alguma coisa
no banco? — inquire e o gelado toma conta do meu estômago. Não consegui
e agora só faltam cinco dias para o meu prazo acabar.

— Não. — Engulo em seco.

— Mile. — A voz de Clarissa abaixa muitos tons e se torna preocupada. —


Essas pessoas, elas... Elas são perigosas. — Suas intenções são boas, mas é
impossível sentir qualquer coisa além de desgosto por suas palavras. Eu sei
que elas são perigosas. Eu realmente sei.

— Eu sei disso, Clarissa. Eu sei e realmente não quero falar sobre agora.
Não aqui. — Minha amiga pisca e, logo depois, entendendo ou apenas
aceitando a minha necessidade, eu não sei, assente.

— Tudo bem. — Une as palmas das mãos em um gesto estranhamente


animado e eu estreito os olhos, desconfiada. — Eu sei o que pode te animar!
— Um sorrisinho nada confiável surge no canto da sua boca e eu balanço a
cabeça, negando qualquer que seja ideia que está passando pela sua
cabecinha. Imediatamente, ela faz o

gesto contrário. Balança a cabeça para cima e para baixo, dizendo que eu
vou sim fazer o que ela diz.

Clarissa pega de cima do caixa um bloquinho qualquer e o estende para mim


junto com uma caneta.

— Pra que isso?

— Vai perguntar se ele precisa de alguma coisa!


— Quê? Claro que não! Nós não atendemos mesas aqui. — Minha voz sai
quase como um guincho apenas pela expectativa de me aproximar e abordar,
por livre e espontânea escolha, o cliente das sete e quinze.

— Hoje você atende! E só uma, a dele. Vai!

— Não! — Balanço a cabeça, usando o movimento para colocar na negativa


toda a ênfase que meu tom sussurrado e minha voz semi-histérica não
permitem.

— Eu não vou te dar sossego se você não for — ameaça e eu abro a boca,
mas a fecho sem dizer nada.

— Clarissa! Para de ser louca — ordeno em vão.

— Nunca! Sua vida seria um porre se seu fosse tão sã quanto você. Eu sou a
dose de loucura necessária nos seus dias. Agora vai!

— Ela abre meus dedos e encaixa o bloco e a caneta entre eles.

Mordo o lábio sabendo exatamente o que eu quero fazer e sabendo também


que não quero.

O frio se espalha pela minha barriga quando me dou conta de Clarissa não
está mentindo. Ela não vai me dar paz enquanto eu não fizer o que disse.
Fecho os dedos ao redor do bloco de papel, expiro

curta e profundamente, viro e me segurando para não tremer dos pés à


cabeça, dou meia volta, passo pelo balcão e caminho na direção da mesa em
que o cliente das sete e quinze está sentado.
— Olá, bom dia! Posso te ajudar em alguma coisa? — Levanto os olhos do
celular em minhas mãos quando a atendente da padaria onde tomo café todos
os dias para ao meu lado e pergunta.

Hoje a minha inaptidão para resolver meu problema me roubou a porra da


fome, então simplesmente me sentei aqui e fiquei, incapaz de sair antes do
horário de sempre por pura força do hábito. E é também por força dele que
digo minhas próximas palavras. Afinal, trocar uma piadinha com a atendente
que, segundo a plaquinha presa à blusa azul de gola arredondada branca, se
chama Milena, é mais um dos meus rituais diários.

— A menos que você conheça alguma mulher desesperada por dinheiro o


suficiente pra aceitar fingir ser minha namorada por três meses, não. — Seus
olhos se arregalam por um segundo antes de ela soltar uma risadinha baixa,
tomando o que eu disse como uma piada.

Bom, deve ser, afinal, eu estou sorrindo para ela. Milena nem faz ideia.

— Bem, você acabou de me descrever. — Surpreende-me com a resposta,


usando o mesmo tom que eu, antes de rir baixinho outra vez. Estreito os
olhos, intrigado. — Sem café pra você hoje? — pede pela confirmação e
perdido na surpresa da sua resposta, demoro para

confirmar. As sobrancelhas da mulher de olhos azuis e cabelos escuros,


presos em um rabo de cavalo alto, se franzem e ela inclina a cabeça para o
lado.

— O que você disse? — pergunto e suas bochechas ganham um tom intenso


de vermelho. Isso, diferente da sua resposta, não me surpreende.

Sei reconhecer uma mulher que não é indiferente a mim e Milena,


definitivamente, não é. Desde que me lembro, ela se atrapalha quando me
vê, seu rosto esquenta e sua voz costumava sumir ou ficar aguda demais. Foi
por isso que comecei a fazer piadas bobas, para tentar deixá-la mais
confortável ao me atender. Funcionou.

Contudo, eu não sabia que tinha funcionado tão bem a ponto de ela me dizer
as palavras que disse. Então, ou eu fiquei muito desatento nos últimos
meses, ou foi uma resposta impensada. Pela cor do seu pescoço, bochechas e
orelhas ao notar que conquistou minha atenção demorada, certamente, se
trata da segunda opção.

Minha vontade imediata é de descer os olhos pelo seu corpo e dar uma
conferida. Mas assim como sei que a atendente se sente afetada por mim,
também sei que isso é tudo. Ela nunca me deu qualquer sinal de que gostaria
de ir além das nossas conversa curtas e engraçadinhas e esse é exatamente o
tipo de mulher do qual eu quero distância. Aquele que sabe o que é bom para
olhar e o que é bom para manter.

Meu tipo de mulher é o que sequer pensa no que seria bom manter, porque
não tem qualquer intenção de fazê-lo. Esse é o homem que eu sou e os iguais
se reconhecem. Por isso, ignoro meu primeiro instinto

e mantenho meus olhos nas esferas azuis que me encaram praticamente sem
piscar.

— É... — começa, mas pausa e engole em seco. — É... e-eu...

Eu... — gagueja e eu não consigo evitar o sorriso. Apoio um dos cotovelos


sobre a mesa e espalmo a mão em meu rosto. — Perguntei se você não vai
querer seu mocha hoje. — Sai pela tangente, mesmo sabendo perfeitamente
que não era essa a minha pergunta.

Ergo uma sobrancelha, dizendo-lhe exatamente isso, e a mulher desvia os


olhos. Milena umedece os lábios e por alguma razão eu gosto de vê-la
desconsertada. Estranho, mas interessante.

— Sem café pra mim hoje. Obrigado. — E, como se minhas palavras fossem
o combustível das suas pernas, incrivelmente longas, aliás, eu mal acabo de
falar e a garçonete já está voando para longe de mim com se fosse um
foguete.

Viro o rosto para disfarçar minha risada, no entanto, com a padaria vazia, é
impossível desviar meu foco de Milena, ainda que eu não esteja mais
olhando para ela.

— O que houve? Você tá branca! — a outra atendente murmura para a


fugitiva no momento em que imagino que ela tenha cruzado o balcão.
— Nada — responde rápido demais. Milena é uma amadora e sua colega
percebe sua mentira imediatamente.

— Uhum! Tá! E eu, na verdade, sou a herdeira de uma família riquíssima


que trabalha aqui só por rebeldia! Desembucha, Milena —

sussurra.

— Ele... Ele... Quer dizer... E-eu... Eu...

— Ele o quê? Você o quê? — Faz as duas perguntas em sequência,


esquecendo-se de sussurrar e logo em seguida ouço um chiado de Milena,
pedindo à amiga por discrição. — Pelo amor de Deus! Ele te chamou pra
sair? Finalmente? — Dessa vez, a mulher fala baixo, mas é tão efusiva que
teria dado no mesmo se tivesse gritado.

— Claro que não! Enlouqueceu, Clarissa? Eu só me envergonhei falando


besteira. Ele disse uma coisa e eu respondi sem pensar.

— Ele te destratou? — O tom da mulher muda, passando de muito


empolgado para extremamente contrariado.

— Não, Clarissa! Meu pai! Não! Podemos mudar de assunto? Você já assou
os rolinhos de canela?

— Sério? Rolinhos de canela, Milena? Você quer falar sobre rolinhos de


canela?

— Quero. Quero sim!

— Então talvez eu deva ir até a mesa do gostoso das sete e quinze e


perguntar a ele o que foi que aconteceu... — Gostoso das sete e quinze, é?
Dobro os lábios para dentro, engolindo a gargalhada.

— Você não faria isso! — A intenção era o que o tom soasse como desafio,
mas Milena não consegue soar como nada além de desesperada.

— Você quer me testar? — A mulher cujo rosto eu sequer consigo me


lembrar pergunta e eu decido que gosto dela, porque estou realmente curioso
sobre como ela vai descrever o que aconteceu para amiga, já que quando eu
perguntei, ela fugiu. Milena suspira em derrota e alguns segundos de silêncio
se passam antes que ela ceda.

— Ele falou sobre eu conhecer alguém desesperada o suficiente por dinheiro


pra aceitar fingir ser namorada dele por três meses e eu disse que ele tinha
acabado de me descrever — fala rápido demais, atropelando as palavras,
parecendo ansiosa para se livrar do assunto.

— O quê? — Se antes, a colega de Milena se esqueceu de sussurrar, agora,


ela manda a discrição pelos ares, porque praticamente grita.

— Fala baixo! Pelo amor de Deus! — Milena implora e eu quase posso


sentir seus olhos queimando minha nuca. — Foi uma piada, Clarissa! Uma
piada! Pelo amor de Deus!

— Ou esse foi o jeito dele de quebrar o gelo e quem sabe sua história de
cinderela não estava prestes a acontecer? Porque, curiosamente, você
realmente tá desesperada por dinheiro nesse nível. — Espera, o quê? Franzo
as sobrancelhas, confuso com a direção para onde a conversa das duas está
indo.

— E você acha o quê? Que um cara como aquele ali realmente precisa que
alguém finja ser namorada dele? Me poupe, se poupe, nos poupe, Clarissa!
— Pisco os olhos algumas vezes e passo a língua sobre os lábios, sentindo
meus neurônios começarem uma corrida imparável dentro da minha cabeça.

— Ele disse que precisava — Clarissa argumenta.

— Era uma piada, Clarissa! Uma piada!

— E por que ele faria uma piada como essas? Isso não faz o menor sentido!

— Eu não sei, Clarissa. Eu não faço a menor ideia. Mas se tem uma coisa
que faz menos sentido do que qualquer outra é o que você
tá dizendo. Tenha dó. Esse tipo de coisa não acontece na vida real.

Para de ser louca! — Milena finalmente para de falar e respira antes de dar o
assunto por encerrado. — Chega! Eu vou assar os rolinhos.

Se você consegue me enlouquecer e viajar ao mesmo tempo, consegue


atender o balcão e o caixa caso alguém chegue. — Logo depois, o som de
portas se movimentando soa, mas eu praticamente sinto as engrenagens do
meu cérebro se movendo.

Porque de repente, eu começo a achar que todo esse tempo eu estive olhando
para o meu problema sob o prisma errado. E se Milena estiver enganada?
Definitivamente, homens como eu só se apaixonam inesperadamente na
ficção, mas talvez eles possam fingir estar namorando uma garçonete na vida
real.

O suor escorrendo pelo meu corpo é bem-vindo e cada soco dado no saco de
areia parece descarregar uma tonelada inteira do peso que tenho carregado
nos ombros.

— O que foi que ele te fez? — Alex, meu treinador, se apoia na lateral do
ringue à minha frente e cruza os braços na frente do peito, observando-me.
Eu rio, mas não interrompo meus movimentos.

— Me deu algum tempo de silêncio na minha própria cabeça. —

respondo, alternando uma sequência de socos com uma de chutes na lateral


do saco. Meu treinador balança a cabeça, sabendo exatamente qual é a
sensação de que estou falando.

O cheiro de suor domina o ambiente ao meu redor, dando a ele a atmosfera


perfeita para que se esqueça de tudo o que não é a

atividade física em que se está envolvido.

— É por isso que você já passou duas horas do tempo de treino padrão?

— E mesmo assim você só apareceu agora... — Ele dispensa meu


comentário com um aceno.
— Você não queria treinar, queria descarregar. E pra isso não precisa de
mim, o saco de pancadas dá conta — afirma e eu meneio a cabeça, obrigado
a concordar com ele. — O que tá enchendo sua cabeça? Negócios ou
mulher? — questiona bem-humorado e, embora eu saiba que sem dúvida
alguma a resposta certa para essa pergunta seria “negócios”, é o rosto de
Milena que toma conta dos meus pensamentos de maneira tão vívida, que eu
pisco algumas vezes para ter certeza de que, de repente, ela não se
materializou diante de mim.

Desde que saí da padaria esta manhã, fui incapaz de afastar a ideia que se
formou lá. Pelo menos, até algumas horas atrás, quando cheguei à academia
e deixei que meu corpo exorcizasse todo o estresse com socos e chutes bem
dados. Porém, lembrar da mulher faz com que meus músculos recém-
aliviados comecem a se retesar de novo, o que é no mínimo curioso, uma vez
que até esta manhã, eu nunca lhe tinha dado um segundo olhar. Agora, ela é
tudo em que consigo pensar.

Não exatamente nela, mas na primeira ideia aproveitável que tenho em dias,
mesmo que soe absurda até para os meus próprios pensamentos. A questão é
que a minha ideia tem um rosto e é o rosto da garçonete.

Abaixo as mãos e ergo o corpo, mantendo as pernas levemente afastadas.


Puxo uma quantidade generosa de ar para os pulmões

algumas vezes antes de olhar para Alex.

— Negócios. Sempre os negócios. — Ele faz um bico com a boca e estreita


os olhos, como se soubesse que eu estou mentindo, mas não me contraria.
Depois de um aceno, começa a se afastar, deixando-me sozinho outra vez.

A caminho do vestiário, começo a desenrolar as faixas, ensopadas de suor,


das minhas mãos. Eu gostaria de poder fazer o mesmo com os pensamentos
no meu cérebro. Algo como uma penseira[3] seria realmente muito útil agora
quando os “E se’s” se atropelam na minha cabeça.

Quer dizer, e se funcionasse? Depois de semanas tentando encontrar uma


maneira de ganhar a maldita aposta mesmo na derrota, finalmente ter uma
solução seria bom pra caralho. As quatro marias fofoqueiras que eu chamo
de amigos foram claras sobre não poder contratar uma prostituta, mas nada
nunca foi mencionado sobre contratar uma mulher comum.

É claro que não. Quem, em sã consciência, acreditaria que eu pensaria nunca


coisa dessas? Ou, quem em sã consciência, aceitaria uma proposta como
essas? Alguém desesperado o suficiente por dinheiro. No entanto, onde
encontrar alguém nessas condições e que, ainda assim, seria confiável o
bastante para eu me arriscar e crível o suficiente para que os quatro babacas
não percebessem o que eu estou fazendo? Aparentemente, na Garden
Gourmet.

Tiro as roupas, tomo banho e saio da academia de Muay Thay do mesmo


jeito que fiz todas as outras coisas ao longo do dia, sem prestar atenção em
nada além do verdadeiro espetáculo que se desenrola por trás dos meus
olhos. Caminho pela noite paulistana

distraído, fazendo o caminho do centro de treinamento até meu prédio no


automático. Andar, parar, conferir o semáforo, atravessar e continuar
andando.

Milena. Qual é o sobrenome dela? Talvez eu devesse investigá-la.

Ou segui-la. Porra! Eu estou soando como um stalker de merda, e, ao olhar


para o lado, constato que estou até vendo a mulher em todos os lugares. Rio
de mim mesmo. Essa aposta vai me enlouquecer.

Desacelero os passos e olho uma segunda e última vez para a garçonete, a


julgar pelo uniforme, de costas para mim, dentro do restaurante mexicano
pelo qual estou passando. No entanto, a mulher se vira e eu paro de andar.
Eu não estou vendo coisas, aquela é, sim, a Milena.

Franzo as sobrancelhas e olho para o relógio. Onze e vinte da noite. Mas que
caralho? Sem pensar duas vezes, entro no restaurante e me sento em uma
mesa próxima à que está sendo atendida por ela.

Os cabelos escuros ainda estão presos exatamente como essa manhã. Ela
termina de anotar os pedidos no aparelho eletrônico que tem nas mãos, sorri
para o casal que atendia e, sem prestar atenção, vira-se na direção da minha
mesa. Provavelmente, percebeu minha chegada com a visão periférica.
— Olá, boa noite. Posso te ajudar em alguma coisa? — pergunta, ainda
distraída pela tela do aparelho.

— A menos que você conheça uma mulher desesperada o suficiente por


dinheiro pra fingir ser minha namorada por três meses, não — brinco,
repetindo a resposta dada mais cedo, já que ela me fez, pela segunda vez no
dia, ainda que inconscientemente, a mesma pergunta. No momento em que a
primeira palavra deixa minha boca,

seus olhos arregalados se erguem e focam em mim. — Olá, Milena —

saúdo e ela parece chocada demais para me responder, o que me faz sorrir.
Sua língua lambe o lábio superior lentamente e, depois, o inferior.

Agora, depois de ter passado o dia inteiro com seu rosto na cabeça, não me
nego o impulso de descer os olhos pelo seu corpo.

Do rosto até as coxas, eu a analiso e porra! Quero me dar um tapinha mental


por nunca ter feito isso antes. Caso contrário, com certeza Milena já teria
passado algum tempo em meus pensamentos muito antes que qualquer ideia
sobre um namoro de mentira com ela tivesse sido plantada neles.

Suas curvas suaves não são a única razão disso, porque não são tudo o que
vejo. Vejo ombros caídos que gritam exaustão, mãos e pés inquietos e pernas
que alternam o peso do próprio corpo constantemente. Vejo olhos
avermelhados e umedecimento constante dos lábios. Vejo uma ruga no
centro da testa que não se desfez nos últimos dois minutos e isso é indicador
mais do que suficiente de que ela tem feito dali seu lar.

— O-oi — gagueja a resposta curta.

— Eu devo denunciar o seu José? — Suas sobrancelhas se franzem em


confusão quando ela ouve minha pergunta, então explico:

— A legislação trabalhista brasileira só permite oito horas de trabalho por


dia e no máximo duas horas extras. Pelas minhas contas, mesmo que você
tivesse começado a trabalhar na hora em que me atendeu, na padaria, essa
manhã, ainda assim, você estaria trabalhando há dezesseis horas. Por um
acaso aquele português sovina está te forçando a trabalhar mais do que deve
pra economizar com impostos trabalhistas?

Apesar de perguntar com um sorriso no canto da boca, quero dizer


exatamente o que disse e Milena pisca lentamente enquanto processa minhas
palavras. Seu rosto passa rapidamente da confusão à compreensão e
estaciona no que eu consigo ler com facilidade como medo.

— Não! Pelo amor de Deus, não. Seu José não tem nada a ver com isso.
Quer dizer, ele me conseguiu esse trabalho, mas foi só porque eu pedi e ele
não é o dono daqui. É um amigo dele e, e, e...

— Respira — peço quando ela gagueja nas palavras depois de atirar tantas
delas de uma vez como se fosse uma metralhadora.

Milena engole em seco e morde o lábio inferior, atraindo meu olhar para ele
e me fazendo desejar soltá-lo de entre seus dentes.

Ele está olhando para a minha boca. Por que ele está olhando para a minha
boca? Pisco os olhos quando eles começam a arder por estarem abertos há
muito tempo. Minha língua parece uma esponja completamente seca e meu
coração bate acelerado no peito, exatamente como todas as vezes em que sou
obrigada a falar com o homem cujo nome eu só sei, porque li em seu cartão
do banco.

Por que ele está aqui, sentado diante de mim, pela segunda vez no dia
quando nos últimos dois anos eu nunca o tinha tido a disposição dos meus
olhos por mais do que os quinze minutos que ele costumava levar para
buscar seu mocha e seus pães de queijo?
Puxo pelo menos cinco inspirações profundas e solto antes de poder voltar a
falar.

— Eu tenho dois empregos e o seu José não tem nenhuma responsabilidade


nisso. — Ótimo. Fui perfeitamente clara, parabéns por ser capaz de se
comunicar, Milena! Quer uma estrela? Meu pai!

Eu quero me socar!

— E por que você tem dois empregos? — pergunta como se a resposta não
fosse óbvia, mas talvez para ele não seja mesmo. E

por que ele se importa, afinal? Fingindo uma calma que eu não sinto, mesmo
que, a essa altura, ela provavelmente não vá convencer ninguém, apenas
sorrio, recusando-me a lhe dar mais do que isso como resposta.

— Você conhece nosso cardápio? Já sabe o que vai pedir ou precisa de mais
tempo? — Seus olhos se estreitam quando me recuso a lhe dizer as palavras
que ele espera ouvir. Tenho a impressão de que Bruno não é um homem que
está acostumado a ter suas vontades negadas. Bom, sinto muito por isso.
Inveja, inclusive.

— A que horas você sai?

— Desculpe? — A palavra pula da minha boca imediatamente ao ouvir sua


pergunta e eu me lembro do que Clarissa disse mais cedo.

O tremor em meu peito não é expectativa, é autor recriminação, eu juro.

— A que horas você começou a trabalhar hoje? — faz outra pergunta sem se
importar em esclarecer a primeira.

A sineta irritante é massacrada pelos dedos gordos de Alexandre, o ajudante


de cozinha, o que só piora tudo. Meu pai, como eu odeio o som dessa coisa e
tudo de que eu não precisava era dele ecoando estridente no meu cérebro
enquanto fico parada aqui, olhando para o homem por quem eu sou obrigada
a admitir, pelo menos para mim mesma, que não tenho uma queda, mas um
penhasco inteiro, ao mesmo tempo em que tento não hiperventilar durante
minha fuga das suas perguntas invasivas.
— O que você acha de tortilhas? — sugiro, tentando tirar seu foco da minha
vida e ele sorri.

— Eu não sou um homem fácil de distrair, Milena.

— Então não me faça precisar te distrair — peço, sentindo-me mal por isso e
não entendendo o porquê. Ele me olha sem piscar por alguns segundos antes
de acenar em concordância.

— Você não vai poder me dizer que eu não te perguntei primeiro

— diz como um... Aviso? E se levanta. Só então eu reparo em suas roupas e


percebo que é a primeira vez que não o vejo dentro de um dos seus ternos
chiques. Desvio os olhos, engolindo o riso. O

homem é lindo mesmo em shorts e camiseta de treino. Quando acho que


posso olhar para ele sem devorá-lo indiscretamente, pergunto:

— O que você quer dizer?

— Apenas lembre. Obrigado, Milena.

— Você não vai pedir nada?

— Não. Eu já tenho o que vim procurar. — E, com um aceno, ele se vira e


sai, deixando-me plantada no chão enquanto observo, hipnotizada, o
movimento de sua bunda bonita e de suas coxas musculosas, até ser
despertada pelo toque ininterrupto da maldita sineta.

Acorda, Milena! Histórias de cinderela não acontecem na vida real! Acorda!

***

Desço do ônibus e olho para o relógio no meu pulso pela milésima vez para
conferir o horário. Deus abençoe a todos os envolvidos no milagre que é eu
chegar em casa antes de uma hora da manhã, hoje.

Ao meu gerente, que estava se sentindo bondoso e me liberou antes do


fechamento do restaurante; ao fiscal rodoviário, que autorizou a partida do
ônibus do ponto final mais cedo do que o normal e ao motorista, sim.
Definitivamente, ao motorista, que voou pelas ruas semidesertas da noite
paulistana como se quisesse me matar ou me dar algumas horas a mais de
sono. Felizmente, conquistamos a segunda opção.

A brisa quente do verão atinge meu rosto e eu nem me importo com o fato
de estar com a pele colando de suor. Mais meia hora e estarei de banho
tomado, na minha cama. Seis horas de sono! Meu pai! Nem me lembro
quando foi a última vez que tive esse luxo sem estar de folga no dia seguinte.
Sorrio quando chego ao semáforo e ele está aberto para os pedestres.

Hoje é um ótimo dia para se estar viva. Suspiro e atravesso a rua,


negligenciando a pequena parte da minha mente sugerindo que todas as boas
coincidências que me garantirão duas horas de sono a mais que o normal são
algumas da motivações do meu bom humor, mas não todas elas.

Bruno. A conversa estranha esta manhã, o segundo encontro do dia e até


mesmo suas perguntas descabidas. Por que, para que ele queria saber que
horas eu começo ou paro de trabalhar?

— Boa noite... — A voz me pega de surpresa e eu grito antes mesmo de


reconhecer de onde ela vem. Uma risada curta e seca se sobrepõe ao som
que deixou minha garganta e eu me obrigo a ignorar as batidas
descontroladas do meu coração para entender o que está acontecendo ao meu
redor. — Calma, princesa. Nós só queremos conversar.

— Patrão — sussurro, reconhecendo a voz, finalmente. Um tremor atravessa


meu corpo inteiro, olho para os lados e tudo o que há é uma rua vazia e
escura. Engulo em seco.

— Então a princesinha ainda lembra meu nome? Achei que tivesse


esquecido. — O som arrastado e rouco denuncia que o cigarro nas mãos do
homem alto e calvo é um hábito de muitos anos. — Eu estou esperando uma
visita sua há um mês.

— E-eu... E-eu — O medo me faz gaguejar e eu puxo uma inspiração


profunda antes de continuar, agora, mantendo o pavor longe pelo menos da
minha voz, já que não posso fazer o mesmo pelo meu coração. — Eu ainda
não consegui o dinheiro, Patrão. Por isso eu não fui. E você disse que eu
tinha até o meio de abril. Ainda faltam alguns dias — justifico. Tão
apavorada que todo o meu corpo parece prestes a convulsionar e se partir em
um milhão de pedaços.

— É, mas, nesse caso, era de bom tom que você tivesse feito uma visita de
cortesia. — Faz uma pausa, como se estivesse procurando pelas palavras
certas, mesmo que eu tenha certeza de que não há nele qualquer dúvida
sobre o que dizer. As visitas de cobrança do agiota são famosas. — Pra me
avisar, sabe? —

Aproxima-se de mim, permitindo que eu veja sua bermuda marrom e sua


camiseta azul.

O Patrão, como todos por aqui o chamam, está na casa dos quarenta anos, é
gordo, barrigudo, careca e usa um bigode ridículo, mas nada disso o torna
menos intimidador quando se sabe o tipo de coisas que ele já fez com
pessoas que ficaram lhe devendo. Os dois homens que guardam suas costas
também contribuem para isso.

Diferente do agiota, eles não são gordos. São altos, fortes e muito, muito
assustadores.

— Me desculpe — peço, falhando na missão de manter o medo longe da


superfície quando minha voz soa trêmula e baixa. Encolho os ombros em um
gesto involuntário.

— Bom... — Ele parece satisfeito. Se pelas minhas palavras ou pelo pavor


exalando dos meus poros, eu não sei. — Tudo bem. Eu já visitei sua mãe há
alguns dias. — Concordo silenciosamente.

Tudo em mim quer acabar com isso o mais rápido possível. Da minha pele
arrepiada ao meu estômago revirado e prestes a expulsar toda a comida que
ingeri hoje. — Mas eu queria garantir que o recado tinha chegado até você.
Afinal, foi com você que eu fiz um acordo, não foi?

— S-sim — murmuro e minha boca só não está mais seca do que meus
olhos. Eu simplesmente não consigo piscar.
— Sim... Então, eu pensei: bom, por que não esperar pela Milena na Borges?
Todo mundo adora essa rua, não é? Deserta, escura...

Perfeita pra uma conversa particular. Ninguém conseguiria ouvir nada do


que acontecesse aqui. Você acredita nisso? — ameaça nas entrelinhas. O
homem parece estar se divertindo, alimentando-se do meu desespero. O
sorriso horrendo em seu rosto poderia ser usado

em mil e uma outras situações. Situações que nada tem a ver com
intimidação.

—A-acredito. — Abaixo a cabeça, derrotada. Ele faz uma pausa longa e me


olha de cima a baixo. A sensação não é nada como a que senti algumas horas
atrás quando Bruno fez a mesmíssima coisa. Naquele momento, me senti
envergonhada, mas também senti calor. Agora, não há nada sob a minha pele
que não seja repulsa.

— Tudo bem. Você já pode ir. Foi ótimo conversar com você! —

Não preciso ouvir duas vezes. As palavras mal acabaram de sair da sua boca
e eu já estou praticamente correndo para longe do homem e seus abutres. No
entanto, alguns passos dados e ele me chama:

— Milena?

— Sim — respondo, sem olhar para trás, porque não quero arriscar que ele
veja as lágrimas escorrendo pela minha bochecha, mesmo que esteja escuro.

— Se não conseguir o dinheiro, eu não me importaria se você quisesse me


pagar de outra maneira. — A ânsia de vômito depois dessa sugestão é real.
Apenas balanço a cabeça para cima e para baixo, dizendo que entendi,
porque tenho medo de, se eu abrir a boca, vomitar. — Pense nisso — declara
e eu volto a caminhar.

Quando estou longe o suficiente dos seus olhos, eu corro e choro. Eu não sei
por que ainda acredito. Dias bons e coincidências boas parecem não ser
permitidos para mim há muito tempo.
— É uma oportunidade imperdível! Precisamos comprar na baixa

— Camilo defende.

— Precisamos vender antes da queda — é a vez de Marcia.

— Bruno, preciso que você autorize a negociação das ações da Sayo antes
que o mercado japonês abra — Jonas diz por último.

Os pedidos começaram a ser arremessados na minha direção no instante em


que pisei no corredor além da minha sala e a cada passo que dou, um novo
par de pernas se junta à nuvem de pessoas ao meu redor e uma nova tela é
colocada diante dos meus olhos.

O mercado de ações não é para amadores e se você não é capaz de executar


várias tarefas ao mesmo tempo, de falar sobre vários assuntos ao mesmo
tempo, nunca poderá ser um corretor, quem dirá o CIO da maior empresa de
investimentos da América Latina. Felizmente, eu posso fazer tudo isso e
muito mais.

— Quero ver a pesquisa sobre a oportunidade imperdível — digo para o


homem à minha direta, liberando-o. — Venda e acompanhe a baixa, quero
um relatório do quanto ganhamos com a venda

antecipada até o final do dia. — Dispenso a mulher à minha esquerda. — E


peça os documentos da Sayo à Neli. Eu os assinei hoje pela manhã —
respondo à última solicitação que me foi feita e me viro para os
remanescentes assim que paro diante da parede de vidro que separa o
corredor do interior do meu escritório. — Agora, senhores, eu tenho uma
reunião. Procurem o seu gerente se precisarem.
Todos concordam e se dispersam, sabendo que o momento de expor ideias
acabou. Quem não conseguiu vai precisar esperar pela próxima
oportunidade. Ansioso para finalmente descobrir aquilo pelo que estou na
expectativa desde a noite passada, entro em minha sala e fecho a porta.
Graças ao vidro transparente por todos os lados, isso não oferece qualquer
isolamento visual, mas proporciona o acústico, mais do que o suficiente.

Sentado diante da minha mesa, há um homem com os olhos fixos no


aparelho em suas mãos. Ele tem a pele negra, é alto, musculoso, careca e
está perfeitamente vestido por um terno impecável. Assim que me aproximo,
ele levanta e se vira em minha direção. Hudson, minha versão particular do
Jason Statan, estende a mão e eu a aperto antes de me sentar atrás da minha
mesa.

— Bruno — cumprimenta.

— Eu já estava começando a achar que você estava ficando mole. —


Pressiono a coluna contra o encosto da cadeira, fazendo com que ela recline
e movo os pés no chão, girando-a sobre as rodas em uma demonstração clara
da minha ansiedade. Hudson ri da minha provocação sem se importar com
ela.

— Faz menos de doze horas que você me ligou — responde, voltando a se


sentar, agora, em uma postura relaxada.

— E tudo o que você precisava era de um celular, o que eu tenho certeza de


que você tinha, já que foi através de um que eu consegui falar com você.
Então eu realmente não entendo a razão da demora.

— Fácil. Não era prioridade — explica com simplicidade sem nem mesmo
piscar e eu reviro os olhos.

— O que você descobriu? — Desisto da conversa fiada e apoio os


antebraços sobre o tampo da minha mesa.

— Que a garota tem uma vida fodida. Aliás, quem é ela?

— Não te interessa. O que exatamente fodida significa?


— Contas zeradas, dívidas em vários bancos, nome negativado em todos os
serviços de proteção ao crédito e no cadastro de emitentes de cheque sem
fundos e...

— Quantos anos ela tem? — interrompo, franzindo as sobrancelhas. Ela não


estava brincando sobre estar desesperada por dinheiro, afinal.

— Dezenove.

— Porra! — Passo a mão pelos cabelos, jogando os fios médios para trás e
solto um assobio. Isso é inesperado. Sem muito esforço, observo em meus
pensamentos o rosto que se fixou neles como um cartaz colado nas paredes
do viaduto do chá[4].

Um nariz pequeno e arrebitado, olhos azuis grandes, um queixo bem


desenhado, maçãs do rosto altas, sobrancelhas escuras e arqueadas e uma
boca volumosa e rosada se desenham sobre a pele clara e levemente
sardenta. Pela primeira vez, me permito admitir que Milena é linda. Uma
menina, é verdade, mas linda pra caralho.

Dezenove anos. Não é difícil de acreditar conhecendo seu rosto, mesmo que
como parte da beleza indiscutível haja algumas marcas que não deveriam
estar lá, como olheiras mal cobertas por maquiagem, o cansaço evidente por
horas demais trabalhando e uma ruga de preocupação na qual eu só reparei
na noite passada, mas que as últimas informações me deram toda a certeza
necessária de que é uma constante.

Pressiono os lábios e movimento a cabeça para cima e para baixo, devagar.

— Exatamente, e como eu ia dizendo — Hudson inclina a cabeça para baixo


fingindo incômodo por ter sido interrompido —, essa nem é a pior parte. —
Abro a boca para perguntar, mas a expressão do homem deixa claro que eu
não devo. — De acordo com suas conversas no WhatsApp, ela está devendo
a um agiota do bairro em que mora. Patrão é como o sujeito é conhecido.

— Puta que pariu — solto, indeciso sobre qual das informações é mais
inacreditável.
— E as finanças dela não são a única coisa em um estado crítico. — Essas
palavras me fazem franzir o cenho e eu me inclino sobre a mesa
imediatamente.

— Ela está doente?

— Ela não, a mãe. Lupus.

— Puta que pariu! Porra! Você não vai dizer que fica pior, vai?

— A dívida dela com o agiota vence semana que vem e ela não tem qualquer
perspectiva de como vai pagar.

— Quanto?

— Doze mil. Pegou pra conseguir bancar a internação da mãe três meses
atrás. — Coço a sobrancelha com a cabeça trabalhando em velocidade
máxima. — Ela é uma boa garota, Bruno. Nunca se meteu em confusão,
trabalha em dois empregos desde que a mãe foi diagnosticada, o que
aconteceu quando ela tinha dezessete anos. — Hudson faz uma pausa e
suspira, o que por si só já diz muita coisa.

O homem é um hacker especializado em investigações particulares. Isso


significa que ele está acostumado a descobrir todo tipo de coisa, desde os
gatilhos da última guerra no leste europeu que desencadearão a queda no
valor das ações de multinacionais, até casos extraconjugais de figuras
públicas. Se de todas as pessoas, ele se sente comovido pela situação de
Milena, é porque, definitivamente, ela merece atenção.

— O que mais? — pergunto, sentindo verdadeira necessidade por mais


informações.

— A menina paga a escola particular do irmão mais novo que, aliás, é um


problema em treinamento. Fiquei com pena. Quase fiz uma doação anônima,
mas como não sabia o que você queria,

achei melhor esperar. — Balanço a cabeça, concordando. — E

então?
— Então o quê?

— Quais são seus planos? — Ergo as sobrancelhas, mas a verdade é que em


algum momento minha decisão foi tomada sem que eu precisasse me
esforçar para isso.

— Eu vou contratá-la.

— Como você está se sentindo hoje?

— Bem, mãe. — Ando até ela, parada na entrada da cozinha e beijo sua
testa. Estou prestes a me virar para continuar a me servir de uma caneca de
café antes de sair para trabalhar, mas ela me segura.

O rosto exausto denuncia que essa foi mais uma das noites em que ela lutou
contra o sono. A doença lhe deixa exausta, mas como uma criança birrenta,
quando está com algo lhe preocupando, minha mãe se recusa a ser levada
pelo cansaço. O resultado? Olheiras que rapidamente se tornam profundas,
enfraquecimento, tontura e uma série de outros sintomas agravados. Tudo de
que ela não precisa agora.

Esfrego as mãos no rosto, querendo repreendê-la, mas isso nos levaria ao


assunto que estou tentando evitar a todo custo, porque se sem falar sobre ele,
dona Daise já está se recusando a dormir, se o discutirmos, eu não faço ideia
de quais serão as consequências.

Três noites atrás, depois de ser surpreendida por Patrão, foi simplesmente
impossível esconder sua armadilha de minha mãe. Em meu desespero para
chegar ao único lugar do mundo em que me sentiria segura naquele
momento, eu simplesmente ignorei quais
seriam as consequências de chegar em casa nas condições em que estava e
apenas corri.

Para meu azar, naquela noite, não foi Gabriel quem encontrei na sala,
acordado, mas minha mãe, aflita, esperando-me. Mais tarde, quando eu já
não tremia ou chorava mais, descobri que ela não conseguiu dormir,
preocupada, sentindo um aperto no peito. O maldito sexto sentido maternal
havia entrado em ação e tornado tudo ainda pior. Não sei se teria escondido a
situação dela caso não a tivesse encontrado acordada, contudo, ela com
certeza não precisava ter testemunhado o meu estado.

Minha mãe sempre foi minha amiga. Não sei se pela idade em que me teve,
se na tentativa de suprir a ausência do meu pai ela sentiu a necessidade de se
aproximar mais, ou se por qualquer outra coisa, mas o fato é que eu sempre
pude contar tudo para ela e odiaria começar a esconder agora. Entretanto,
dadas as circunstâncias, tudo o que eu não quero é que ela se sinta culpada
por tudo, que é exatamente como seu rosto, gestos e olhos me dizem que ela
está sentindo agora.

— Fala comigo. — É um pedido, uma súplica e eu solto um suspiro e fecho


os olhos, porque não sei o que dizer.

— Eu estou bem, mãe — minto, colocando nas palavras toda a força que não
sinto, implorando a Deus que seja o suficiente para que ela acredite, mesmo
que eu não consiga me lembrar de quando foi que eu contei uma mentira tão
grande para alguém.

Eu não estou bem.

Eu estou com medo, aterrorizada, na verdade. Porque sei exatamente o que


pode acontecer em menos de uma semana se eu

não conseguir o dinheiro que eu tenho certeza quase absoluta de que não
conseguirei. Doze mil reais.

Doze mil é quanto vale a minha vida, ou pelo menos, o meu eu que conheço
agora, porque se eu sobrevier a não pagar o que devo, tenho certeza de que
não vai ser inteira, se não for o meu corpo a ser quebrado, será meu espírito.
Isso são seis meses de trabalho nos meus dois empregos sem gastar uma
moeda sequer nem mesmo com uma bala. Isso é o impossível.

— Você nunca mentiu pra mim antes, Mile. Não começa agora. —

Viro as costas com a desculpa de buscar o café, mas minha única intenção é
fugir do seu olhar que me conhece tão bem.

— Eu não tô mentindo, mãe. Eu tô bem. Foi só um susto — pauso,


controlando meu hábito de falar feito uma metralhadora quando estou
nervosa — e, além disso, eu já até sei como vou conseguir o dinheiro

— minto mais. — Tenho uma entrevista de emprego hoje, depois que eu sair
da padaria e...

— E que horas você vai trabalhar? Mile, pelo amor de Deus! — O

tom de choro em sua voz ameaça arruinar a frágil cola que une as mil partes
do meu coração já quebrado e eu abaixo a cabeça, apertando os olhos,
engolindo em seco, lutando contra as lágrimas que viajam numa velocidade
inacreditável pelos meus canais lacrimais, ansiosas por se derramarem pelos
meus olhos. — Você já tem dois empregos, arruma bico nas folgas, não
dorme, mal come, eu nem te vejo se não colocar o relógio pra despertar,
porque essa doença maldita me deixa exausta. — E agora ela está chorando e
eu estou caindo e caindo e a sensação é mesma de sempre. É a que me faz
implorar pelo chão, pelo choque, apenas para sentir qualquer coisa além de
desespero e descontrole.

Perco a batalha injusta. Meus ombros sacudindo são o primeiro sinal do meu
choro, mas logo um soluço indisciplinado se recusa a ser contido e escapa
por entre meus dentes e lábios apertados. O som arrastado emitido pela
garganta o segue e então as lágrimas. Muitas.

Tantas. Eu estou tão cansada. Tão cansada de me sentir perdida e assustada.


Eu só quero que acabe. Eu só quero que isso acabe.

Braços me envolvem e eu deixo que o peso do meu corpo, pelo menos pelos
próximos segundos, seja apoiado por alguém além de mim mesma. Só por
agora. Só por uns segundos. Só por um instante.
No entanto, quando o soluçar da minha mãe se une ao meu em uma sinfonia
de desesperadas, qualquer controle que eu pudesse ainda manter se rompe,
transformando-me em uma completa e absoluta bagunça. Deus, como dói.
Como dói.

Todo e qualquer pensamento dói. O de não ser capaz. O de não ser o


suficiente. O de que a qualquer momento minha mãe pode simplesmente
partir. Partir e me deixar sozinha. Só Gabriel e eu, e eu vou fazer o quê? Sem
ela, quem serei eu? Deus. Por quê? Por que, de tantas pessoas no mundo,
tinha que ser justamente eu a passar por isso? Por quê? Por que eu?

O que é que eu tenho? Eu só queria ser a garota que pula o muro da escola
pra fugir da aula, a garota que vai a festas com amigos, a garota que pode
passar uma tarde batendo pernas no shopping sem precisar se preocupar com
o estado de saúde da mãe. Sem precisar se preocupar se vai sobrar mês no
fim do dinheiro. Sem precisar se preocupar com nada além dela mesma. Eu
só queria ter o direito de ser egoísta sem que isso tivesse consequências para
alguém além de mim.

— Minha filha, minha filha... — ela diz entre soluços e eu sequer sou capaz
de responder. Não agora. Não quando a dor e o medo se transformaram em
uma massa viva que rodopia no meu peito, consumindo cada grama de mim
mesma. Dói. Dói muito e eu só quero que acabe.

— Por que você tá triste? — A pergunta feita pela voz infantil me


surpreende e eu pisco algumas vezes antes de responder.

— Eu não estou triste — respondo à menininha com um sorriso no rosto que


definitivamente não pode ser descrito como feliz e torço para não estar
parecendo assustador. Diana me encara semicerrando os olhinhos já
pequenos e puxadinhos, fazendo com que eles pareçam estar fechados.

— Diana! — sua mãe a repreende e a criança olha para cima, procurando


descobrir o motivo de estar sendo censurada.
— Desculpa, Mile... — Bárbara pede, claramente constrangida e eu dispenso
o pedido. A criança está certa, eu estou triste e ela realmente não deveria ser
castigada por dizer a verdade. Eu é que preciso me esforçar mais para
disfarçar a realidade.

— Não tem pelo quê. Minha mãe me ensinou que quem fala a verdade não
merece castigo.

— Então você tá triste! — Diana imediatamente acusa, ressentida por eu ter


mentido antes.

— Diana, pelo amor de Deus! — Bárbara exclama, ficando vermelha e a


situação incomum me tira um sorriso verdadeiro. A mãe se apressa em pegar
a sacola com o lanche de todos os dias e já tendo pagado por ele, deixa a
gorjeta no pote antes de sair rapidamente do café com uma despedida rápida.
Eu vejo a porta se fechar, ouço o sino bater, sinto o silêncio ao meu redor e
continuo parada, exatamente no mesmo lugar, perguntando-me se eu vou
conseguir fazer melhor. Fingir melhor, porque o dia está só começando.

— Olá, Milena.

— Meu pai! — grito, assustada ao ser surpreendida, pela segunda vez em


três dias, em uma rua escura. Mas hoje, ao me virar, o que encontro não é
nada assustador.

Bruno está parado, na saída de serviço da Garden Gourmet, vestido por um


dos seus muitos ternos. É a primeira vez que o vejo hoje. Com os meus
atuais estados de humor e atenção, passei tanto tempo escondida na cozinha
da padaria quanto foi possível.

Especialmente entre as sete e oito da manhã.

Desde que vi o homem pela primeira vez há quase dois anos, nunca antes eu
havia evitado propositalmente nossos “encontros casuais”. Pelo contrário, de
alguma forma, ansiar por ele se tornou algo natural nos meus dias, tanto
quanto fingir que estava tudo bem.

Mas assim como o segundo foi impossível hoje, o primeiro pareceu


necessário.

Não havia espaço para nada em minha mente que não fosse buscar soluções
para o meu problema. Nem para sorrisos falsos, nem para o torpor que me
assalta de mim mesma toda vez que me deparo com Bruno. Acho que nem
quando adolescente me senti tão afetada por alguém do sexo oposto quanto
me sinto por esse homem e hoje eu simplesmente não tinha tempo para isso.

Não depois da maneira como dia o começou. Doeu me sentir


sobrecarregada, mas doeu ainda mais a sensação de ter falhado com a minha
mãe quando ela nunca falhou comigo. Eu vou dar um jeito, preciso dar. Se
não por mim, por ela.

Tive algumas ideias. Gabriel não vai gostar de nenhuma, porque todas
incluem vender coisas, como por exemplo, seu videogame, a televisão,
nossas camas e tudo o mais que não for de extrema necessidade e para o qual
eu seja capaz de encontrar um comprador.

Isso não vai chegar nem perto do suficiente para pagar a dívida, mas é um
começo com o qual eu espero conseguir mais prazo.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto, sem medir as palavras,


levando a mão ao peito na tentativa inútil de acalmar meu pobre coração que
corre no peito como se fosse um maratonista em treinamento. Fecho os olhos
e me esforço para controlar minha respiração. Meu pai! Quando os abro
novamente, encontro o homem à minha frente com um sorriso no rosto que
não faz qualquer sentido.

— Eu vim te fazer um convite. — Sem qualquer esforço, minhas


sobrancelhas se franzem.

— O quê?

— Eu vim te convidar pra jantar e fazer isso lá dentro não pareceu uma boa
ideia. — Indica o interior da padaria com o polegar.
— E me emboscar na saída do meu trabalho sim? — Solto um longo suspiro,
ainda sem filtro pelo susto.

O frenesi dentro de mim vai diminuindo e começa a dar lugar à outra


sensação. Aquela já tão caraterística dos meus encontros com esse homem.
O nervosismo que gela o estômago, faz minhas mãos perderem a firmeza,
minha boca secar e eu me tornar inteira muito mais atrapalhada do que
jamais fui.

É só quando meu corpo já está totalmente aliviado do medo que sentiu


graças à repetição de um dos momentos mais assustadores da minha vida, e
completamente dominado pela compreensão de que o homem diante de mim
é o cliente das sete quinze, que me dou conta do que as palavras que
deixaram sua boca realmente significam.

— Espera, o quê? O que você disse? — pergunto antes de ter a chance de


evitar parecer tão atordoada.

— Eu disse que quero te convidar pra jantar. — Confusão, aflição e


estranheza rodopiam dentro de mim e com a sorte que tenho, não demoram
muito a tomar conta do meu rosto. Bruno ri da minha expressão e enfia as
mãos nos bolsos.

Desço os olhos pela figura alta. Sua pele bronzeada parece reluzir, assim
como seus cachos curtos e seus olhos azuis. Deveria ser proibido um homem
parecer tão gostoso desse jeito. Sério, Milena? É

nisso que você está pensando agora? Acorda e para de ser louca! Ele te
convidou pra jantar! Pra um maldito jantar! Por quê? Por que ele me
convidaria pra jantar?

Em minha observação indiscreta e silenciosa, noto o inclinar se sua cabeça e


o erguer de uma sobrancelha. Percebo então que eu fiz a pergunta em voz
alta. Ótimo. Nada é tão ruim que não possa piorar,

certo? Ou, como eu gosto de dizer, não tem vergonha grande o suficiente que
não possa aumentar.

— Eu tenho uma proposta que pode te interessar.


— Trabalho? — É ridículo que eu não consiga evitar a decepção nas minhas
palavras e pior, no meu coração. Mas o que é que eu esperava?

Eu me pergunto quantas vezes terei que lidar com essa sensação antes de
internalizar que contos de fadas não existem na vida real.

Homens como esse não olham para garçonetes cujos cabelos são menos
sedosos que os seus.

— Você tem uma proposta de trabalho? Você é dono de um restaurante ou


algo assim?

— Sim e não. — É a minha vez de inclinar a cabeça. — Janta comigo e eu te


explico tudo. — Há algo de magnético na sua voz, quase hipnótico, avesso a
contrariá-lo.

Pondero rapidamente que mais um emprego realmente não seria uma má


ideia. Transformar a mentira que contei para minha mãe em verdade seria
uma grata surpresa. Mais trabalho significa mais dinheiro e isso,
definitivamente, é algo que eu posso usar.

E a que horas, Milena? Bem, eu ainda tenho as quatro ou cinco horas em


que eu durmo... Mordo o lábio sem saber se essa é uma boa ideia e os olhos
de Bruno se desviam para a minha boca. Prendo a respiração apenas até que
eu me lembre que é trabalho. É sobre trabalho que ele quer falar e eu não
estou em posição de recusar.

— Eu estou de folga do restaurante hoje. Então eu posso. — Ele sorri. Não


um sorriso qualquer, mas um que sugere que ele já sabia

disso. Eu balanço a cabeça, colocando o pensamento de lado. Eu só posso


estar louca, seria impossível que ele soubesse.

— Ótimo. Você primeiro. — Acena para que eu passe e só então presto


atenção no carro alto parado no meio fio.
Continuo parada no mesmo lugar, alternando meu olhar entre o homem e o
carro uma e outra vez, tentando descobrir o que fazer.

Quer dizer, ele é gato, gostosíssimo, eu já fantasiei estar sozinha com ele em
vários lugares, milhares de vezes, mas eu ainda não o conheço e não posso
simplesmente entrar dentro de um carro com ele. Sou iludida, não burra.

Quando contrariando seu pedido, eu não me movo, Bruno estreita as


sobrancelhas segundos antes de ser atingido pela compreensão do que está
acontecendo e começar a gargalhar. É a primeira vez que ouço sua risada. O
som é rouco, vibrante e contagioso. Acabo sorrindo também.

— Eu não vou sequestrar você, Milena.

— Isso é algo que um sequestrador diria — contesto e outra vez sua risada
alta ocupa o espaço entre nós. Ele balança a cabeça, negando, e ergue as
mãos, dizendo se render.

— Tudo bem. Eu conheço um restaurante discreto aqui perto, podemos ir a


pé — concede e eu concordo.

Olho ao meu redor, esforçando-me para fingir costume em meio ao luxo que
o ambiente ostenta e falhando miseravelmente. O que se

torna ainda mais óbvio quando as primeiras palavras que deixam a boca de
Bruno depois que nos sentamos é uma pergunta.

— Gostou? — Passo a língua sobre os lábios, mas nem mesmo tento dar
uma resposta.

O restaurante onde estamos tem dois andares, nossa mesa fica no segundo,
um mezanino que ocupa as laterais em formato de U e deixa ver o centro do
salão abaixo de nós. As mesas são postas com guardanapo de tecido e taças
brilhantes. Os móveis parecem que deveriam estar na sala de estar de alguém
com muito dinheiro ao invés de em um restaurante e até mesmo os garçons
parecem vestidos para reuniões de negócios, não para carregar bandejas.

É impossível não me perguntar se eu seria capaz de trabalhar num lugar


desses, com toda essa formalidade de gestos e roupas. E é claro que é esse o
motivo de estarmos aqui, que eu veja como o lugar funciona antes que ele
ofereça o trabalho. É um método estranho, Bruno poderia simplesmente ter
me mostrado o lugar pela cozinha, mas não serei eu a reclamar de um jantar
grátis, mesmo que a ostentação do lugar faça eu me sentir deslocada. A
comida boa deve valer o desconforto.

Percebo que mais tempo do que o esperado se passou desde que ouvi a voz
do homem diante de mim e eu ainda não lhe respondi, então balanço assinto
e limpo a garganta.

— Então. Um emprego? Você é dono daqui? — questiono, sentindo-me mais


confusa e inapropriada a cada segundo que passo sentada na cadeira tão
confortável quanto a melhor poltrona em que eu nunca coloquei minha
bunda.

Se ele é o dono de um restaurante e precisa de uma garçonete, porque não


fez como todos os outros donos de restaurantes e colocou o anúncio na
internet, ou pediu para um dos outros funcionários indicar alguém? Bruno
sorri e balança a cabeça.

— Não, Milena. O trabalho que quero te oferecer não tem nada a ver com
servir mesas. — Inclino levemente o pescoço enquanto as engrenagens do
meu cérebro giram, buscando respostas para as perguntas que eu não fiz,
mas das quais minha cabeça está lotada.

Ergo as sobrancelhas e aceno, pedindo silenciosamente que ele continue.

Bruno prende o lábio inferior entre os dentes e quando está prestes a falar, o
garçom se aproxima, oferecendo-nos menus envoltos em uma capa de couro
bordô. Até mesmo a sensação do tecido sob meus dedos é estranha, como
tudo mais nessa situação.

— Eu vou querer o de sempre, Bruno — diz e eu olho para a plaquinha de


metal, presa ao paletó do garçom, descobrindo que ele tem o mesmo nome
do cliente das sete e quinze. Olho outra vez para o menu em minhas mãos,
sentindo-me ansiosa, porque, agora, ele só está à minha espera. — Posso
escolher pra você? — pede e escondida pelo cardápio aberto, fecho os olhos
em um agradecimento silencioso.
— Claro.

— Ela vai querer o mesmo que eu. — Fecho o cardápio e o entrego ao


garçom.

— Bebem algo?

— Água, por favor — peço, certa de que mais tarde, se eu não cair da cama
e acordar, se isso realmente for realidade e não um sonho muito criativo da
minha cabeça atribulada, vou me arrepender de não ter olhado o menu com
mais atenção e escolhido alguma mistura exótica de frutas que eu nunca
mais vou ter a chance de experimentar.

— O mesmo pra mim, por favor — Bruno pede e o garçom se afasta,


deixando-nos sozinhos. Aperto as mãos em punho sobre o meu colo para
esconder o tremor ansioso dos meus dedos.

Minha companhia desvia os olhos brevemente antes de finalmente começar a


falar, mas sua primeira a frase não chega nem perto de ser o que eu espero.
Mesmo que eu não faça ideia do que estou esperando.

— Eu perdi uma aposta. — Milena franze as sobrancelhas, obviamente sem


entender o que isso tem a ver com ela.

O nervosismo está claro em cada um dos seus gestos, desde o olhar inquieto
ao tremor sutil em suas mãos, agora escondidas sob a mesa e a preocupação
é uma sensação nova para mim. Eu não sou um homem que mede palavras
para que elas soem agradáveis aos ouvidos de quem quer que seja, ainda
assim, estou há mais de meia hora tentando descobrir como dizer aquilo que
vim dizer.
Meu plano era simples. Pedir a ela cinco minutos hoje pela manhã, quando
passei na Garden para buscar o café de sempre, fazer minha proposta, deixar
que ela pensasse, receber sua resposta positiva amanhã pela manhã. Rápido,
fácil e eficiente, só que ela não estava lá.

Desde que me lembro, foi a primeira vez que ela não estava lá pela segunda
vez na mesma semana. Quando perguntei à sua colega sobre, descobri que
Milena estava, sim, na padaria, mas não se sentia bem e por isso estava
trabalhando internamente.

Estranhei, afinal, se ela não se sentia bem, a opção óbvia não seria o hospital
ao invés de trabalhos internos? Mas não estiquei o

assunto, afinal, não era problema meu. Eu poderia falar com Milena amanhã,
eu ainda tinha tempo.

Exceto que tanto quanto antes de decidir o que faria, durante todo o caralho
do dia, o rosto de Milena me atormentou e mais do que isso, a dúvida sobre
como ela estava se sentindo. Decidi não esperar mais e graças a Hudson,
sabendo o horário do fim do seu expediente na padaria e que hoje ela estava
de folga do restaurante, recalculei minha rota, saindo cedo do escritório para
encontrá-la na saída do seu trabalho.

Mas assim que a vi passar pela porta de serviço da Garden, tão abatida, foi
impossível não traçar, outra vez, um novo caminho para o mesmo destino.
Os cabelos que sempre vi presos, hoje estão soltos e essa é também a
primeira vez que a vejo sem estar vestida por algum tipo de uniforme. Não
me orgulho disso, mas foi impossível não olhar para o corpo pequeno,
coberto por jeans surrados e uma camiseta.

Milena não é uma mulher de muitas curvas, mas as que tem estão nos
lugares certos. Seus seios são pequenos, seus quadris arredondados e sua
cintura é estreita. Ela tem uma beleza comum, mas que ainda assim, guarda
algo de extraordinário. E, agora, quando ela me olha com seus olhos imensos
e cansados, sinto-me nada além de incapaz de não me preocupar com a
forma que ela receberá o que tenho a dizer.

— Tudo bem... — diz, sentindo que precisa e eu rio.


— Não foi uma aposta convencional, Milena. — Recosto-me na cadeira e
apoio o um antebraço sobre a mesa enquanto enfio a

outra mão no bolso da calça.

— Você apostou que precisaria contratar uma nova funcionária?

— Sua ansiedade em desvendar do que se trata é quase divertida.

— Não. — Seu rosto é pura confusão e impaciência.

— Então como isso tem relação com um trabalho pra mim? —

Levo a mão até a sobrancelha e coço. Vamos lá, Bruno! São só palavras,
porra! O garçom se aproxima, trazendo nossas bebidas e imediatamente
Milena leva seu copo de água à boca.

— Como consequência, eu preciso passa três meses com a mesma mulher.


— Ela cospe a água com um barulho indiscreto, molhando todo o meu rosto
e parte da toalha sobre a mesa, talheres e outras coisas, antes de se engasgar.

Fecho os olhos e sinto as gostas escorrendo pela minha pele.

Tudo bem, eu mereci essa. Deveria ter previsto essa reação e esperado que
ela terminasse de beber a água.

Pego o guardanapo aberto sobre o colo para me secar e me levanto para


tentar ajudá-la quando seu corpo é tomado por um acesso de tosse. Milena
aperta os olhos e seu tórax sobe e desce rapidamente à medida que ela é
sacudida uma vez atrás da outra pelo esforço. Agacho ao seu lado, apoio a
mão em suas costas, deslizando-a lentamente ali.

— Respira, Milena — peço, dando pequenas batidinhas em suas costas.

— Descul — ela começa, mas é interrompida por um novo acesso de tosse.

— Está tudo bem. Se concentra em respirar, só respira. — Ela obedece,


fechando os olhos novamente, abaixando a cabeça e espalmando as mãos nas
coxas. Aos poucos, seu corpo vai se acalmando e sua respiração encontra um
ritmo regular. — Melhor?

— pergunto e ela acena em concordância. — Ótimo. — Levanto-me e levo a


mão até sua bochecha.

Não é um gesto planejado. Simplesmente acontece e quando as íris azuis


imensas se focam totalmente em mim, interromper o toque parece errado. Eu
me vejo preso no seu olhar, em seu rosto, na verdade. Nas bochechas
avermelhadas, nos lábios rosados e entreabertos, nos cílios longos e úmidos,
nela.

— Os senhores gostariam de trocar de mesa? — Bruno surge, oferecendo e


interrompendo o momento que eu sequer sei como nomear. Milena vira o
rosto, constrangida e eu nego silenciosamente. O garçom se afasta e eu volto
a me sentar.

— Me desculpe, eu... eu...

— Está tudo bem, Milena. Eu devia ter previsto o risco. — Rio e isso parece
aliviar um pouco da sua vergonha.

— Eu acho que não entendi o que você quis dizer. — Suspiro, com os olhos
fixos nos seus. Aproximo-me da mesa, apoio os cotovelos sobre ela e
entrelaço meus dedos.

— Você entendeu certo. — Abaixo a cabeça e afundo os dentes no lábio


inferior. Quando volto a encará-la, a mulher está com os olhos levemente
arregalados, em expectativa. — Eu não sou um homem inclinado a
relacionamentos, na verdade, eu nunca tive um.

Por isso meus amigos acharam que me forçar a isso era uma boa
consequência pra uma aposta perdida.

— E por que você simplesmente não diz que não vai cumprir?

— Porque isso me faria perder duas vezes e uma é o suficiente pro resto da
minha vida. Eu nunca daria a eles esse gostinho. —
Apesar de ter entendido o que eu disse, Milena não parece compreender e
isso não me espanta. — Mas eles estão errados se acham que vão me forçar a
fazer algo que eu não quero. É aí que você entra.

— Eu?

— As regras da aposta estabelecem que eu sou obrigado a passar três meses


com a mesma mulher, mas nunca foi dito que eu não poderia pagá-la pra
isso. — Finalmente a compreensão lhe atinge e os cílios longos balançam
para cima e para baixo várias vezes. — E eu quero contratar você. — Agora,
não é mais compreensão em seu rosto. É horror e ofensa.

— Eu não sou — exclama com tanta ênfase que começa quase como um
grito, mas ela olha para os lados, preocupada que outras pessoas ouçam suas
próximas palavras — uma prostituta! —

termina de falar aos sussurros e eu não consigo evitar o sorriso, no entanto,


sua linguagem corporal grita o que está prestes a acontecer antes que
realmente aconteça, então eu me apresso em explicar.

— Eu sei! E esse é o ponto. Eu não posso contratar uma prostituta, isso faz
parte das regras da aposta. — Milena franze o cenho, voltando ao seu estado
inicial de confusão.

— Eu não estou entendendo.

— Veja bem, Milena, eu não posso contratar uma acompanhante, mas nada
nunca foi dito sobre uma mulher comum e desde que até o final da aposta
eles não descubram, eu venço, mesmo na derrota.

— E você quer me contratar? Eu sou a mulher comum?

— Exatamente. — Milena abre a boca, mas a fecha pelo menos três vezes
antes de virar o rosto para a janela. Seu olhar se perde na rua abaixo de nós
por minutos a fio, mas eu lhe dou todo o tempo que ela precisa.

Seu rosto procura o meu e ela me observa com atenção e em silêncio, lambe
os lábios e franze a testa como se estivesse se esforçando para entender algo.
— O que foi que eu fiz pra você achar que eu aceitaria dinheiro pra dormir
com você por três meses? — a pergunta é feita com interesse genuíno. Ela
está ofendida com a conclusão equivocada, mas não está indignada ou
histérica sobre ela, o que é no mínimo intrigante.

— Nada — nego também com a cabeça antes de apoiá-la entre os dedos


polegar e indicador. — Você nunca fez nada que me desse essa impressão e
eu, sinceramente, não espero que você faça isso.

— Minha resposta tem o efeito inverso do esperado e Milena consegue


parecer ainda mais confusa do que antes. Eu solto um suspiro e arrasto a
mão pelos cabelos antes de erguer a coluna.

Porra, isso deveria ser fácil. — Eu quero pagar pela sua companhia, Milena.
Nada além. Nós teríamos encontros públicos pra convencer a algumas
pessoas de que eu estou fazendo o que elas querem, só isso. — A ruga entre
suas sobrancelhas se desfaz e ela balança a

cabeça, afirmativamente, mas não acho que ela se dê conta do que está
fazendo. — Se em algum momento transarmos, isso não vai ter nada a ver
com o acordo que estou te oferecendo, nem com o dinheiro que estou
disposto a pagar pelo seu tempo.

O rosto da mulher assume um tom intenso de vermelho que me deixa


curioso. Foi ela quem trouxe o assunto sexo para a mesa, mas quando eu falo
ela se constrange? Meus dentes se afundam mais uma vez no meu lábio
inferior em um reflexo involuntário de curiosidade. Eu estreito os olhos,
porém não acho essa seja uma pergunta inteligente para se fazer agora.

— Encontros públicos? — questiona antes de sua língua umedecer os lábios.

— Festas, jantares, talvez uma viagem ou duas.

— Eu não posso, eu trabalho. Eu tenho dois empregos, eu pego outros


trabalhos, eu não posso. — A resposta soa muito mais como uma
pensamento em voz alta do que como qualquer outra coisa.

— Você teria que sair dos seus empregos, mas eu pretendo fazer isso ser
muito vantajoso pra você. Eu pago sua dívida e...
— Como você sabe da minha dívida? — Agora, ela parece ainda mais
horrorizada do que quando achou que eu estava sugerindo que ela era uma
prostituta. Seus olhos estão imensos e chega a ser impressionante o fato de
que com a mesma velocidade com que tingiu seu rosto, a cor some dele.

— Eu fiz o meu dever de casa — justifico, recriminando-me internamente


por ter soltado essa informação sem que ela fosse realmente necessária.

— E isso quer dizer me espionar? — Ela estufa o peito e ergue a coluna,


assumindo uma postura de combate. Levo algum tempo antes de encontrar
as palavras certas. Palavras que eu espero que a desarmem.

— Isso quer dizer que eu descobri como tornar essa proposta irrecusável pra
você antes de te abordar. — Sua resposta não é imediata. Milena me observa
com os lábios entreabertos, ponderando minhas palavras.

— E co-como você descobriu isso? Quem, quem contou isso pra você?

— Eu perguntei.

— Você perguntou a quem?

— Cem mil reais por mês, Milena — digo, sabendo exatamente o efeito que
o número terá em nossa conversa e o resultado é muito além do esperado.
Primeiro, o queixo de Milena quase vai ao chão, depois, ela abre a boca, mas
nenhum som sai dela por segundos e a mulher une os lábios, os aperta,
engole em seco e, só então, gagueja.

— O q-quê?

— Eu vou te pagar cem mil reais por mês por um trimestre pra que você
finja ser minha namorada. E se você for até o final, ganha um bônus de
duzentos mil reais. Totalizando meio milhão de reais já descontados dos
impostos.

— Isso não tem graça. — A princípio, eu acho sua conclusão engraçada, mas
quando seus olhos se enchem de água, eu percebo
que ela está falando sério. Milena acha que estou brincando com ela,
zombando da situação catastrófica em que sua vida financeira se encontra e
eu me pergunto se minha proposta é tão absurda assim.

Não é convencional, eu sei. Eu mesmo levei semanas até que ela passasse
pela minha cabeça e, mesmo assim, só aconteceu porque ouvi uma conversa
sussurrada para a qual eu não havia sido convidado. E é certo que Milena
não me conhece, nem sabe nada a meu respeito. Pelo amor de Deus, a
mulher se recusou a entrar dentro de um carro comigo. Porra, sim. É óbvio
que minha proposta soaria como uma piada.

— Eu não estou brincando, Milena — aviso assim que percebo que suas
conclusões não são infundadas. — Eu estou falando sério.

Muito sério.

— Por quê?

— Por que o quê?

— Por que você faria isso? Por que você gastaria uma fortuna?

São quinhentos mil reais! — pausa, mas parece precisar de um pouco mais
para expressar a própria incredulidade. — Quinhentos mil reais só pra ter
uma namorada de mentira quando uma de verdade sairia de graça? —
Começa firme, mas sua voz falha quando chega à última pergunta. A
maneira como ela diz cada uma das frases desenha o abismo social entre nós
como nem mesmo uma pesquisa do IBGE seria capaz.

Milena acha que meio milhão de reais é uma fortuna. E para ela, é. Eu sabia
disso quando estipulei o valor, mas a verdade é que

para mim, essa é uma quantia irrelevante. Completamente irrelevante.


Principalmente se esse é o preço da minha paz de espírito. Eu seria capaz de
pagar infinitamente mais por ela.

— Não é tanto assim e acredite, uma namorada de verdade me custaria


muito mais que dinheiro. Me custaria algo que eu não estou disposto a pagar.
Dinheiro é só papel.
— Esse é o tipo de coisa que só quem tem sobrando diz. — Solta uma risada
tão amarga que eu posso sentir o sabor em minha própria língua e não gosto
nem um pouco dele. Balanço a cabeça em concordância.

— Você poderia ser uma dessas pessoas, tudo o que eu peço são três meses
da sua companhia em momentos específicos.

— Festas, jantares e talvez algumas viagens?

— Isso.

— Então deixa eu ver se entendi. — Inclina-se um pouco para frente,


aproximando-se da mesa. — Você quer me pagar quinhentos mil reais pra eu
fingir ser sua namorada por três meses, em dias e horários específicos. No
resto do tempo, eu posso fazer o que quiser e sexo não está incluído no que
você espera de mim, é isso?

— Outra vez, a pergunta sobre sexo deixa sua pele quente.

— Exatamente. — Um som arranha sua garganta e ela balança a cabeça,


negando, gritando com sua expressão facial e gestos que tudo isso é um
grande absurdo.

— Eu aceito.

— Milena, vo — começo minha contestação, mas me interrompo quando


percebo tardiamente que ela não é necessária. Franzo o cenho, abro a boca,
mas acabo fechando e mordendo o lábio enquanto penso no que dizer para
não estragar aquilo que surpreendentemente, funcionou. — O que você
disse? — pergunto, precisando de uma confirmação. Eu tinha certeza de que
ela diria não. Um sim imediato não é apenas inesperado, é inacreditável.

— Eu disse que aceito. — Lambe os lábios e coça a bochecha.

— Eu acho que isso não faz o menor sentido, mas eu também acho que o
que faz sentido pra mim, não deve fazer pra você. Afinal, você é rico e eu
sou pobre. — Ela solta um longo suspiro, fecha os olhos e abaixa a cabeça.
Milena toma alguns segundos reunindo forças ou decidindo o que dirá, não
sei. Mas quando ela volta a olhar para mim, suas íris azuis não demonstram
nada além de determinação e, mesmo que eu saiba que não deveria estar
pensando nisso, não consigo evitar. Linda. A menina é linda para caralho. —
Eu não sou idiota — faz outra pausa, parecendo fazer questão de esclarecer
esse ponto —, e tô desesperada de verdade, essa sua proposta...

Essa sua proposta pode mudar tudo. — Por um segundo, seus olhos vão para
longe da mesa de restaurante onde estamos sentados. Concordo, apesar de a
notícia não ser novidade para mim. — Então, mesmo que você possa ser um
psicopata e que esses encontros pontuais possam resultar na minha morte em
algum quarto vermelho da dor[5] ou em um lugar pior, eu realmente estou
sem opções. Se você me der garantias, só precisa dizer onde e quando
começar. — Encerra o discurso com os ombros eretos e o rosto sério.

E embora eu saiba que sua preocupação com meu equilíbrio psicológico


deveria ter soado engraçada, não soou nada além de uma merda. Eu não sou
um psicopata e sei disso. Mas ela não. E, ainda assim, está disposta a se
arriscar, porque não tem outras opções. Mas que caralho! Aperto os dentes,
subitamente irritado por ela estar fazendo exatamente aquilo que eu desejo, o
que não tem qualquer sentido.

— Eu só tenho uma condição! — exclama, de repente, arrancando-me da


minha confusão interna para me arremessar em outra quando seu rosto
transparece, ao mesmo tempo, determinação e preocupação. Milena é
transparente demais. Se por sua idade ou natureza, não sei, mas me vejo
querendo descobrir.

— Qual?

— Eu não vou transar com você! — Minhas sobrancelhas se erguem


imediatamente. A rejeição declarada e incisiva é, definitivamente, uma
novidade, e, ainda assim, vinda dela, que eu mal conheço, não me
surpreende. Será que ela tem um namorado?

Se tiver, foda-se. Isso realmente não me importa agora, quer dizer, que
namoro vale o dinheiro que vai mudar a sua vida?

— Eu te disse. Sexo não faz parte do nosso acordo. Se...


— Não tem “se” — me interrompe e eu estaria mentindo se dissesse que
meu ego não foi atingido depois disso. — Eu não vou transar com você em
hipótese alguma. Eu posso fingir ser sua namorada. Mas eu não vou transar
com você. — Apoio os antebraços sobre a mesa e inclino a cabeça,
investigando-a, tentando desvendar seus motivos, mas além da ansiedade
para

descobrir se vou aceitar ou não sua condição, não há nada em seus olhos.
Balanço a cabeça, positivamente, e Milena solta um suspiro aliviado que me
deixa ainda mais incomodado.

Quer dizer, alívio? Mulheres sentem muitas coisas ao saber que não me terão
em um sua cama ou que não estarão na minha: decepção, frustração e até
raiva, mas alívio? Porra.

— Mas eu vou precisar tocar em você — o aviso soa muito mais rabugento
do que deveria. Não entendo por que me sinto tão afetado pela falta de
interesse de Milena. Ele nunca esteve nos meus planos, para começo de
conversa, então por que caralhos?

— Me tocar? — Pisca e, pelo que deve ser milésima vez desde que nos
sentamos, lambe os lábios.

— Se nós vamos fingir um namoro, pras pessoas acreditarem, vamos


precisar nos tocar publicamente.

— Aah...— Empurra a bochecha com a língua antes de deslizar a mão pelos


cabelos, desviar os olhos para um lado e para o outro e finalmente criar
coragem para perguntar. — Que toques?

— Eu não sei, Milena. — Solto o corpo no encosto da cadeira. —

Toques íntimos, carícias, mãos dadas, beijos.

— Beijos? — Ela estremece visivelmente, contudo não um estremecimento


coerente com suas recusas. Não. Um estremecimento coerente com a
maneira como ela me olha todas as manhãs desde que eu me lembro. Um
estremecimento coerente com a garota que fica atrapalhada quando se
aproxima de mim e que até mesmo se esquecia de falar.
Me beijar a deixa interessada, mas sexo não? Involuntariamente, ergo uma
sobrancelha, fazendo a pergunta que ela nunca responde.

Depois de engolir em seco, Milena concorda com a cabeça.

— Tudo bem — aceita, como se eu tivesse acabado de lhe oferecer veneno e


não beijos, mesmo que todo o seu corpo tenha respondido de maneira muito
diferente à ideia.

Porra! A garota é um livro aberto quando se trata de qualquer coisa, mas


quando o assunto é sexo, seu rosto diz uma coisa, seu corpo outra e sua boca
outra. O garçom se aproxima com os pratos e só então me lembro deles. A
chegada do jantar me diz que embora eu sinta que se passaram cinco anos,
não se passaram mais de vinte minutos.

Bom. Esse foi um começo interessante.

Olho para o meu prato enquanto calculo cada um dos meus próximos
movimentos para não parecer tão esfomeada quanto me sinto.

— Você não gostou?

— Gostei — me apresso em explicar. A massa coberta por molho branco


tem um cheiro delicioso e a porção de carne está dourada exatamente como
nas fotos que vemos na internet. Eu nunca vi um prato de comida tão bonito
quanto esse ao vivo e a cores. — Eu só estava admirando. — Sorrio,
envergonhada, e os lábios do homem não demoram a refletir os meus.

Ele indica os talheres, estimulando-me a comer e eu não preciso de um


segundo convite. A primeira garfada me faz gemer. Sim, embaraçosamente,
gemer. Mas o gosto é tão bom que eu sequer me preocupo realmente com
isso. Com os olhos fechados, aproveito o sabor se espalhando pela minha
boca.

A comida da minha mãe é gostosa, e que ela não me ouça, mas isso aqui é de
outro mundo. Todas as vezes em que passei pela porta de um restaurante
italiano chique como esse, perguntei-me por que

alguém pagaria caro para comer macarrão. Bom, eu tenho minha resposta
agora. Meu pai! Que coisa gostosa.

Abro os olhos, mas não os desvio do prato antes de dar a segunda, a terceira
e a quarta garfadas, que é quando me lembro dos meus movimentos
friamente calculados para não parecer esfomeada.

Merda. Por um segundo, eu congelo. Depois, devagar, apoio os talheres


sobre a porcelana exatamente como as pessoas ricas das novelas costumam
fazer e, só então, crio coragem o suficiente para encarar Bruno.

Como eu esperava, seus olhos estão em mim, mas, diferente do que eu


imaginei que encontraria, não há julgamento ou arrependimento neles. Ele só
está... Me olhando. É quase como se estivesse me enxergando e isso mais do
que qualquer outra coisa, me assusta. Eu não quero ser enxergada. Há coisas
que são mais seguras quando enterradas no mais profundo do nosso ser.

Toda essa noite ainda parece uma grande pegadinha do Silvio

Santos[6]. Ainda estou na expectativa de que a qualquer momento, Bruno


vai apontar para uma câmera escondida atrás de mim e me dizer que tudo
isso não passou de uma grande brincadeira, mesmo que ele já tenha me
garantido que não é.

Coisas boas simplesmente não acontecem comigo. Coisas incríveis, como


ganhar meio milhão de reais apenas para ser a namorada de mentirinha de
um ricaço? Bem, esse é o tipo de coisa que não apenas não acontece comigo,
como atravessa a rua quando me vê.

Pessoas cheias de grana têm hábitos estranhos, sei que sim. Eu costumava
assistir Mulheres Ricas[7] quando tinha tempo e é muito
improvável que a loucura daqueles gestos absurdamente caros e
desnecessários se restrinja à parcela feminina dos privilegiados com dinheiro
de sobra. Na verdade, uma aposta dessas parece exatamente o tipo de coisa
que homens com a mesma mentalidade das mulheres que participavam do
programa fariam.

Não que eu consiga entender. Eu não entendia na época em que via, pela
televisão, aos absurdos que o dinheiro pode bancar e não entendo hoje,
quando um deles está, literalmente, desenrolando-se ao vivo diante dos meus
olhos e me convidando a participar como um acessório. Mas eu não preciso.
Não se independente da minha compreensão essa aposta mudar a minha
vida.

Quinhentos mil reais.

Sem contar com férias e décimo terceiro, quarenta e um anos e meio de


trabalho. Se eu considerar que continuaria a ter dois empregos pelos
próximos anos, vinte e um. Quarenta e um anos em três meses.

Eu seria louca se simplesmente acreditasse. Quando a esmola é muita, o


santo desconfia. Ele precisa desconfiar. Hoje cedo eu pensava que minha
vida valia doze mil reais e, de repente, todos os meus problemas não apenas
estão prestes a sumir, como eu ganhei respostas para perguntas que nunca
sequer ousei fazer.

E, de todas as coisas que eu imaginei que sentiria todas as vezes em que


sonhei acordada com o impossível, sobrecarga, definitivamente, não era uma
delas. No entanto, sentada aqui, com um milhão de pensamentos povoando
meu cérebro que nunca teve muito mais para se preocupar além de
problemas financeiros, sobrecarregada é tudo o que me sinto.

Dentro de mim há desconfiança, insegurança, medo, expectativa.

Há ilusão, realização e, em algum cantinho escuro e úmido, felicidade.

Ela está encolhida, esperando que todos os outros sentimentos se dissolvam


ou, pelo menos se assentem, antes de poder encontrar seu próprio espaço na
minha consciência.
E há esse olhar. Esse olhar que parece querer me enxergar quando tudo o que
eu quero é permanecer invisível. Esse olhar que procura e quer revelar coisas
que eu preciso que permaneçam escondidas.

— Você tem um pix?

— Desculpe. O quê? — pergunto, porque realmente não ouvi o que ele


disse. Vi sua boca se mover, mas presa nos meus próprios pensamentos, não
o ouvi.

— Um pix. Você tem? — repete a pergunta, enfia a mão no bolso e tira o


celular de lá.

— Tenho. É meu número de telefone — respondo, franzindo as


sobrancelhas.

— Diz ele pra mim? — Bruno dá alguns toques na tela do seu celular que
obviamente faz o meu parecer um pedaço de plástico velho.

— 986458888 — recito os números numa velocidade que os deixa


incompreensíveis. — Pra quê? — Seus olhos encontram os meus antes de
ele me responder.

— Você ainda não acredita em mim. — Inclina levemente a cabeça para


frente. — Eu quero te dar uma prova de boa fé.

— Dinheiro?

— Um adiantamento.

— Quem é você? O que você faz? — Ele sorri, mas dessa vez é diferente.
Bruno sorri de um jeito menino, apesar de tudo nele gritar homem. —
Quantos anos você tem? — Meu pai. Eu só posso estar ficando louca. Eu
não sei nada sobre esse homem e, mesmo assim, só faltei lhe gritar um sim,
mas não é como se eu tivesse qualquer grande alternativa.

E, como se quisesse me lembrar disso, as palavras de Patrão nadam até a


superfície dos meus pensamentos e eu quase posso ouvir sua voz grossa e
rouca em alto e bom som, fazendo o pouco que comi se revirar dentro do
meu estômago: “Se não conseguir o dinheiro, eu não me importaria se você
quisesse me pagar de outra maneira.”

— Eu tenho trinta e três. — É impossível não fazer uma nova análise da


figura sentada diante de mim agora que sei sua idade. Uau.

Catorze anos mais velho. Uau. — E por que nós não fazemos o seguinte?
Você me diz seu pix, eu te dou uma prova de que estou falando sério, nós
jantamos antes que a comida esfrie e, depois, continuamos nossa conversa e
eu respondo todas as perguntas que você tiver? — Olho para o seu prato de
comida e o descubro intocado.

Bruno ainda não deu uma garfada sequer e eu me pergunto o que ele ficou
fazendo enquanto eu comia as minhas. Ou será que as engoli tão rápido que
uma pessoa educada não poderia usar esse tempo nem mesmo para dar uma,
quem dirá quatro?

— E quem me garante que você não é um criminoso? Que está querendo


colocar dinheiro na minha conta pra me incriminar de alguma forma? —
Suas sobrancelhas se erguem, demonstrando

surpresa com o que ouviu, antes de um sorriso imenso tomar conta do seu
rosto. Ele acha minha preocupação engraçada. Eu bufo.

— Pega o seu celular. — Não é um pedido e eu me vejo obedecendo. Enfio a


mão no bolso traseiro da calça e tiro o aparelho velho, porém bem cuidado
de dentro dela. Olho para Bruno, perguntando silenciosamente o que fazer.
— Me procure no google.

Bruno Magalhães. — Passo a língua sobre os lábios, mas esse não é um


pedido ao qual eu queira resistir. Se eu soubesse que encontraria alguma
coisa, teria feito isso antes.

Desbloqueio o celular e digito o nome na barra de pesquisas. Minha internet


pré-paga faz seu trabalho lentamente e quando a página finalmente carrega,
meus olhos quase saltam das órbitas com os mais de seis milhões de
resultados.
No topo da tela, há fotos de Bruno, resultado da busca automática por
imagens. Deslizo para o lado e uma infinidade de outras aparece.

Em muitas ele está de terno ou vestido em roupa de festa. Em todas essas,


está acompanhado por mulheres lindas e diferentes. Há fotos dele na praia,
surfando, e há também fotos posadas que parecem feitas para capas de
revistas. Mas é o texto logo abaixo que me choca mais do que qualquer
imagem.

“Bruno Magalhães é um empreendedor e filantropo brasileiro. CEO

e diretor de investimentos da Magalhães Capital, a maior empresa de


investimentos da América Latina e também herdeiro dela, o jovem bilionário
tem participação em várias empresas além daquela que comanda. Seja como
investidor maior, menor ou silencioso. Bruno Magalhães também é
conhecido por sua grife de roupas de surfe, a Naonda.”

Bilionário.

Bilionário.

Não rico. Não milionário.

Bilionário.

Passo algum tempo dividindo-me entre olhar abismada para a tela do celular
e para o homem diante de mim. Rolo a tela para baixo, visualizando todos os
links atrelados ao seu nome. Entrevistas, fofocas, notícias sobre ele e sua
empresa, sobre premiações, fotos de Bruno ao lado de figuras importantes.
Meu pai! Tem uma ao lado do Presidente! Ao lado da porra do Presidente!

Uma vez, assistindo a vídeos aleatórios no YouTube, fui parar em um canal


sobre finanças. O apresentador explicava a diferença entre uma pessoa
milionária e uma bilionária de forma lúdica. A conta era muito simples, na
verdade. Ele dizia que para contar de zero a um milhão ininterruptamente,
seriam necessários aproximadamente 14

dias. Já se fôssemos contar, unidade a unidade, um bilhão, seriam


necessários, aproximadamente, 38 anos.
E agora, há uma pessoa com todo esse dinheiro sentada diante de mim,
conversando comigo, esperando por uma reação minha. Eu acho que vou
desmaiar.

— Acredita em mim agora? — pergunta e minha boca, já aberta pelo


choque, não é capaz de emitir um som coerente. Eu a fecho, engulo a saliva
acumulada, abaixo a cabeça, olho a tela do meu próprio celular mais uma
vez.

— Aqui diz que você é bilionário. — Socorro, Deus! Com tanta coisa pra
falar, eu começo logo por essa? Eu estou ficando tonta.

Bruno balança a cabeça, concordando. — E como isso é possível? E-eu te


conheço há dois anos — gaguejo na pressa de falar tudo de uma vez, mas
não demoro a voltar a atropelar as palavras. — Você toma café na padaria.
Nunca tem repórteres atrás de vocês, as pessoas não pedem pra tirar foto
com você e nem cochicham a seu respeito —

enumero, uma a uma, as evidências de que ele não pode ser o que o google
está dizendo que é. — Você é uma pessoa comum! — Ele estava apenas me
olhando com diversão, mas quando passo da lista de evidências para a
acusação, Bruno solta uma risada alta que me irrita, porque não há nada de
engraçado em tudo isso.

— Graças a Deus por isso! — confirma e eu franzo o cenho. —

Milena, eu não sou uma celebridade. Não sou um artista ou um influenciador


digital, por exemplo, eu gosto demais da minha privacidade pra isso. Sou
conhecido onde importa que eu seja. Se você quiser provas, pesquise meu
nome no YouTube. Você vai encontrar uma quantidade sem fim de vídeos
que falam sobre mim ou comigo em canais com milhões de inscritos, vai
encontrar entrevistas minhas em programas de televisão, horas e horas e
material pra confirmar.

— Nem tudo que está na internet é verdade — digo só porque preciso dizer
alguma coisa.

— Então você acha que eu plantei milhões de Fake News só pra enganar
você? — Ele tem uma sobrancelha arqueada e uma pálpebra caída em uma
expressão que não precisa de tradução. Ela quer dizer:

“sério?!”.

— Não, mas bilionário? — pergunto outra vez e ele dá de ombros, como se


isso não fosse grande coisa. Suspiro e desvio os olhos. Meus pés batem
incessantemente contra o piso de madeira em um reflexo

nervoso. — Não. Eu... Eu só não entendo. — As palavras saem mesmo que


eu não tenha lhes dado permissão para isso. Eu não deveria estar fazendo
perguntas. Quer dizer, até deveria, mas apenas uma e ela deveria ser “onde
eu assino?”, no entanto, por mais que eu queira, não acho que sou capaz de
simplesmente passar por cima dessa dúvida, mais do que a qualquer outra.

Não depois de confirmar, vendo em todas essas fotos o que eu já sabia.


Bruno poderia ter qualquer mulher de graça. Ele inclina a cabeça, dizendo-
me para continuar.

— Por que você faria algo assim? Por que pagar alguém? Por que eu?

— Eu já disse — responde e é a minha vez de lhe dar um olhar irônico como


resposta. Ele sorri, estranhamente satisfeito com a minha recusa em ser
enrolada.

— Muito bem, é justo. Mas façamos um acordo — propõe e eu reviro os


olhos ao me dar conta de que esse homem gosta de ter o controle sobre as
coisas e está acostumado a torcer tudo até que os acontecimentos se
desenrolem exatamente da maneira que quer. —

Eu te respondo isso, você aceita meu sinal de boa fé, nós terminamos de
jantar e depois conversamos.

— Feito — concordo, balançando a cabeça muitas vezes e rápido.

— Você já quis muito alguma coisa? Algo pelo que você seria capaz de dar
qualquer tudo de si e o que mais custasse? — pergunta e eu não preciso
pensar. A saúde da minha mãe é a resposta óbvia.

Eu daria qualquer coisa em troca disso. Qualquer coisa mesmo.


Assinto. — Eu quero ser o melhor. As pessoas acham que o fato de eu ter
herdado minha empresa torna as coisas fáceis pra mim e, até certo

ponto, tornou mesmo. Mas eu não quero que ela seja mais uma. Eu quero
que a Magalhães seja a maior e a melhor. Eu quero ser o maior e o melhor.
Eu quero que quando meu pai ouvir o nome da empresa que foi do meu avô
e do meu bisavô, ele se orgulhe pelo que todos eles construíram, mas se
orgulhe ainda mais do que eu estou construindo.

A paixão com que ele fala quase me causa inveja. Eu nunca olhei para nada
além do essencial dessa forma. Nunca tive o privilégio de desejar nada que
não fosse a sobrevivência, minha ou de quem me é querido, com tanta força.
A sombra do garoto que vi há poucos minutos se foi. Diante de mim, há
apenas o homem. Um que é pura determinação. Outra vez, aceno em
concordância.

— Então eu não tenho tempo pra qualquer outra coisa. — Ele faz uma pausa,
apoia o dedo indicador nos lábios, depois, apoia os braços sobre a mesa e
balança a cabeça, negando. — Não. Isso é mentira. Eu não quero ter tempo
pra qualquer outra coisa. Eu sei, desde muito cedo o que eu quero fazer com
a minha vida. Eu quero investir e quero ser o melhor no que eu fizer. Eu
quero que grandes personalidades como Elon Musk, Thiago Nigro, eu quero
que a porra da lista da Forbes inteira saiba meu nome, e eu não quero que
nada fique entre esse objetivo e eu.

— Você nunca tentou — sussurro, impressionada e Bruno concorda.

— Eu não vou colocar o que eu quero em risco apenas para tentar ter algo
que não me faz falta e essa não é uma opinião sínica. —

Nega com a cabeça. — Sinceramente, não é. Eu pensei muito sobre isso,


pesei, calculei, ponderei. E, não importa quantas vezes eu os

fizesse, ou quanto tempo dedicasse a esses questionamentos, a resposta era


sempre a mesma.

— Não era o suficiente.


— Nem perto... Meus pais tem um casamento sólido, eu fui criado em uma
boa família, sempre tive tudo o que precisava e queria. Se me perguntarem,
eu vou dizer que sim, eu acredito no amor, e que, talvez, ele até seja uma
coisa boa, mas não é o melhor. Não pra mim. — Ele sorri pequeno. — Isso é
honestidade o suficiente pra você?

Não me resta opção além de concordar. Eu posso estar sendo ingênua em


acreditar que esses são seus motivos verdadeiros, mas eu acredito.

— Você não respondeu à segunda pergunta. Por que eu? — Ele empurra a
bochecha com a ponta da língua, como se estivesse pensando e, se eu tiver
que tentar adivinhar sobre o quê, sua dúvida sobre responder à essa pergunta
com tanta honestidade quanto respondeu à primeira.

— Eu não conheço muitas mulheres comuns — diz, por fim.

— Que sorte a minha, então.

— Agora, coma. — Penso em contestar, eu ainda tenho muitas perguntas,


mas o combinado não sai caro. Deixo meu celular sobre a mesa, virado com
a tela para baixo. Pego meu garfo e faço o delicioso sacrifício de me dedicar
a limpar meu prato. Bruno sorri, satisfeito.

Depois de mexer no próprio telefone mais algumas vezes, ele também o


coloca de lado e finalmente começa a comer.

— Ok. Terminamos — digo assim que o garçom se afasta com nossos pratos
vazios.

— Cheque seu telefone. — Ergo uma sobrancelha. Ele me mandou uma


mensagem ou algo assim? Como? Eu falei meu número rápido demais
justamente pra que ele não tivesse tempo de entender. Pego o telefone sobre
a mesa e no instante em que a tela se acende, exibindo uma notificação do
aplicativo do banco, eu quase tenho um ataque cardíaco.
— Que porra é essa? — grito, sem controle algum do meu próprio tom de
voz e me arrependo logo depois. Felizmente, a única mesa próxima que
estava ocupada, agora, já está vazia.

— Um prova de boa fé. Um adiantamento. — Sorri como se não tivesse feito


nada demais.

— C-como? — gaguejo uma única palavra, porque não sou capaz de dizer
mais nada. Não ainda.

— Você me disse seu pix.

— Eu falei rápido. — Forço a voz, mas ela falha na última palavra.

— Eu sou muito bom com números. — Nós nos encaramos. Quer dizer, ele
me encara. Tudo o que eu faço é piscar sem parar até me sentir segura de que
vou conseguir dizer mais do que uma única frase.

— Você me transferiu cem mil reais! Cem mil reais, Bruno! —

Dessa vez, consigo moderar o tom, mas a força das palavras quase arrebenta
minhas cordas vocais. Olho, novamente, para a tela.

Precisando ter certeza de que aquilo não é algum tipo de ilusão de ótica,
desbloqueio o celular e abro o aplicativo do banco.

O saldo da minha conta é R$98.943,00, afinal, eu estava no negativo. Encaro


a tela acesa, o número descrito nela e o mundo desabando das minhas costas
é um sensação física. A ausência do peso é tão real que eu me sinto mole,
desconhecedora da minha própria densidade corporal. Quem quer que tenha
dito que dinheiro não compra felicidade, não faz ideia do quão miserável é a
sensação de não ter escolhas imposta pela falta de dinheiro.

— Com licença, eu preciso ir ao banheiro — peço quando sinto a primeira


lágrima rolar e me levanto antes que ele tenha a chance de responder.

Meus passos são apressados. Assim que entro no banheiro, me enfio numa
cabine e sem me preocupar com o barulho, com o estado em que meu rosto
vai ficar ou com qualquer outra coisa, eu choro. Um choro doído, um choro
grato a quem, lá em cima, decidiu olhar para mim. Choro de alívio, choro de
desespero. Choro até os soluços irromperem pela minha garganta, até meus
ombros sacudirem, até a cabeça doer e o nariz corizar.

Não sei quanto tempo passo dentro da cabine, mas só saio dela quando
minha alma está tão lavada quanto meu rosto e ao me olhar no espelho e me
deparar com bagunça de nariz vermelho, olhos inchados e bochechas, colo e
orelhas quentes, eu simplesmente não me importo.

Ao contrário da minha saída, meu caminho de volta até a mesa é feito com
calma renovada e antes mesmo de alcançá-la eu vejo Bruno, de pé, andando
de um lado para o outro.

— Eu estava prestes a invadir o banheiro. — Com apenas dois passos seus,


tudo o que nos separa é uma distância mínima de não mais do que trinta
centímetros. — Me desculpe, eu não tive a intenção de te ofender. — Ele faz
uma pausa, vira o rosto de lado, deixando-me de frente para o seu perfil.

Não consigo deixar de admirar o maxilar forte, o nariz perfeito, os cachos


sobre a orelha. Abro e fecho os dedos. Nunca antes estivemos tão próximos
quanto agora. É claro que não. Eu sempre fui apenas barista que lhe atendia
todas as manhãs.

Quando ele volta a me encarar, não há bom senso no mundo que me obrigue
a interromper minha observação que, agora, com a mudança de posição, está
totalmente concentrada em seus lábios.

Eles são cheios, perfeitamente desenhados. Eu me pergunto qual seria a


sensação de beijá-los e ao me lembrar de que em breve descobrirei, um
arrepio atravessa minha espinha de ponta a ponta, mas eu me ressinto dele e
isso é o suficiente para me acordar.

— Você não me ofendeu — digo, dando um passo para trás. — O

que te fez pensar isso?

— Quando uma mulher sai correndo e chorando, é difícil chegar à outra


conclusão — reponde, parecendo contrariado e muito inclinado a não
acreditar em mim.
— Não eram lágrimas de tristeza, Bruno. Eu só precisava de um tempo
sozinha. Esse jantar, a proposta, o dinheiro... Foi muita coisa pra digerir e
quando eu me sinto sobrecarregada, eu choro. — Seus olhos analíticos
buscam em cada um dos meus gestos qualquer sinal de que eu esteja
mentindo e quando não encontram, Bruno solta um suspiro, parecendo
aliviado. — Por que não sentamos? Eu ainda

tenho algumas perguntas — peço e ele acena com o braço, dizendo para eu
vá na frente.

— Oi — Gabriel diz assim que passo pela porta. Semicerro os olhos ao


encontrá-lo sentado diante da pequena mesa da sala, rodeado de livros,
cadernos e outros materiais escolares.

— Oi — respondo desconfiada. — Mamãe está no quarto?

— Uhum — confirma, levantando-se. — Você tá com fome? Quer que eu


faça alguma coisa pra você comer? — Ok. Tem alguma coisa muito errada
aqui.

Primeiro, ele é educado e agora está sendo solícito? Se eu não tivesse certeza
de que sou a única com acesso, diria que ele, de alguma maneira, já tem
conhecimento do saldo da minha conta bancária, mas isso é impossível.
Solto um suspiro cansado antes de largar a mochila no gancho ao lado da
porta, caminhar até a mesa no centro da sala e parar de frente para o meu
irmão.

— Desembucha.

— O quê? — Ele tem a cara de pau de se fazer de sonso.

— Eu estou em casa há menos de dois minutos e você já foi mais gentil


comigo do que nos últimos seis meses. Só tem duas explicações pra isso,
Gabriel. Ou você não é meu irmão, mas um Alien infiltrado, ou você quer
alguma coisa. Eu não acredito em vida extraterrestre. Desembucha!
— Eu não posso ter acordado hoje e percebido que vinha agindo como um
babaca?

— Você percebeu? — Ergo uma sobrancelha, impaciente.

— Não tanto assim.

— Foi o que eu imaginei. O que você quer? — Ele ergue o braço acima da
cabeça, o dobra e coça o pescoço.

— Vai ter um passeio na escola...

— Ah, que você não vai? — o interrompo e como tenho feito todas as vezes
em que surge, aproveito a oportunidade para lhe alfinetar sobre suas faltas.

Depois da reunião com sua diretora, eu dei uma dura em Gabriel e, como
sempre que é pego em mentiras escabrosas, nos dias que se seguiram ele
apresentou uma mudança razoável de comportamento.

O problema é que ela nunca dura, então, dessa vez, estou tentando prolongar
sua miséria tanto tempo quanto for possível na esperança de prolongar
também o período de remorso.

— Eu não tô mais faltando, Mile. E os professores me passaram trabalhos


pra substituir as notas que eu perdi. Tô fazendo todos. Quer ver? — oferece
fácil demais.

— É me fala isso daqui a seis meses. Cinco dias depois é muito fácil.

— O passeio é importante, Mile. É uma visita à unidade projeto Tamar[8]


aqui de São Paulo. — Merda. Ele diz isso com olhos de cachorrinho que caiu
do caminhão de mudanças e mesmo que não

tivesse se esforçado na cara de coitado, eu não teria coragem de lhe negar


isso, não antes e, definitivamente, não agora.

Meu irmão é completamente apaixonado por animais. Não o vejo seguindo


uma profissão que não tenha relação com eles. O cretino é inteligente e se
tomar rumo e largar essa fase rebelde, não vai demorar a entender aquilo que
minha mãe e eu já sabemos há tempos. Se a noite de hoje não tivesse
terminado como terminou, eu ainda daria meu jeito de conseguir pagar pelo
passeio que, não tenho dúvidas, vai me custar um rim ou pelo menos parte
dele.

— Quanto custa?

— Duzentos e trinta — diz baixinho, mantendo o personagem de pobre


coitado e eu expulso o ar por entre os dentes.

— Vou à escola amanhã e pago.

— Vai?! — exclama, surpreso com a facilidade. Dou uma piscada longa e


expiro profundamente. Caminho até meu irmão e encaixo minha mão em sua
bochecha, deixando que a ponta dos meus dedos toque sua nuca.

— Não há nada que eu não faria por você, Gabriel. Nada. Eu só queria que
você valorizasse isso. — Colo minha testa na sua.

Querendo que sim, mas sabendo que o comportamento de Gabriel é um


problema que dinheiro no mundo nenhum vai ajudar a resolver.

Decido que dez gigantes por dia são o suficiente, hoje eu estou prestes a
bater minha meta e não me sinto nada disposta a superá-la.

— Desculpe, Mile. — Abro os olhos que havia fechado, surpresa com o


pedido. — Eu só... Às vezes é difícil lidar comigo mesmo e eu acabo
descontando em você. Desculpe. Eu te amo. Eu te amo

mesmo! Muito! — Aperto sua nuca já sentindo as lágrimas acumuladas. Eu


me tornei o que eu mais temia, uma manteiga derretida.

— Quando ficar difícil, conversa comigo, Gabriel. Eu sempre vou te ouvir e


tentar te ajudar, mas se você me afastar, não há nada que eu possa fazer. Nós
só temos a nós e a mamãe, um por...
— Todos e todos por um — fala junto comigo e eu confirmo com um aceno.
— Eu vou. Prometo. — Beijo sua bochecha e me afasto. Faço uma carícia
suave em seus cabelos antes de me erguer e deixá-lo sozinho com suas
tarefas.

É hora de enfrentar o último gigante do dia. A conversa com minha mãe.

— E ele te transferiu cem mil reais? Na hora? — Olhos escuros me encaram


sob sobrancelhas erguidas. Minha mãe pisca algumas vezes em expectativa
pela resposta e a ansiedade devora meu peito.

O que ela dirá sobre tudo isso? Esconder a situação nunca foi uma opção,
não posso, nem quero fazer isso. Até porque, se eu não puder contar para ela,
para quem eu vou? E, como dona Daise me disse ainda hoje pela manhã,
nunca escondi nada dela, não vou começar agora.

— Isso. E amanhã eu vou até o apartamento dele assinar o contrato e acertar


os detalhes. A história, sabe? Como nos conhecemos, todas essas coisas. Ele
disse que a nossa primeira

saída deve acontecer na sexta. — Levo a mão até a boca e mordisco a pele
ao redor da unha do dedo médio.

Minha mãe balança a cabeça para cima e para baixo, concordando devagar e
deixa que os segundos corram até se transformarem em minutos sem que
nada além do som do ventilador de teto possa ser ouvido no quarto.
Abandono as cutículas e passo a roer as unhas. Se ela não me disser algo
substancial nos próximos dez segundos, acho que vou enlouquecer.

— Será que ele tem um pai na mesma situação? — São as palavras que
deixam sua boca e elas são tudo o que eu não esperava.

— Mãe! — exclamo, mas, logo depois, gargalho alto, sentindo o último peso
no meu peito ser abandonado e meu coração bate leve como há muito, muito
tempo, não batia.

Dona Daise acaricia suavemente minha bochecha e com um olhar repleto de


amor.
— Eu nunca julgaria você por fazer o que quer que você decida fazer, minha
filha. E, se um homem me oferecesse meio milhão de reais só pra ir em uns
encontros com ele, mesmo na minha idade, eu gritaria sim.

— Isso vai resolver tudo — sussurro, já sentindo novas lágrimas de alívio se


formando. — Nós poderemos pagar um plano de saúde e...

— Ela estala a língua, interrompendo-me, e dispensa meus planos com um


aceno desdenhoso.

— Isso vai resolver tudo o que importa, mas um plano de saúde com certeza
não é o item número um da lista, minha filha.

— E o que é mais importante que a sua saúde, mãe? — questiono,


vasculhando minha mente atrás de um problema que possa ser considerado
maior do que àquele que temos administrado nos últimos anos. — Ela sorri
com ternura.

— A sua saúde. — Ela se inclina levemente para frente. — A sua juventude,


a sua vida. — É a minha vez de estalar a língua. Torço os lábios para o lado,
deixando clara a minha frustração com essa resposta.

— Minha vida vai bem, obrigada — resmungo.

— Não ia não. Há dois anos você sobrevive, Milena. Eu te amo e não


poderia ter pedido a Deus uma filha melhor do que você. Hum? —

Ergue as sobrancelhas e toca a testa na minha. — É por isso que mais do que
qualquer coisa, eu quero te ver feliz e, se esse homem é a porta que a vida
abriu pra você, passe por ela e não olhe pra trás.

— Mãe...

— Não olhe pra trás! — reforça, falando muito seriamente.

— Eu não vou precisar, porque tudo o que me importa vai estar ao meu lado
— respondo com a mesma seriedade. — Sempre!
— Sempre — concorda, sorrindo, antes de me envolver em um abraço e colo
que só ela tem.

Que porra de noite.

Quando fui ao encontro de Milena no início dela, achei que a essa hora eu
estaria comemorando minha vitória, não amargando um trilhão de
pensamentos controversos ou vendo um número cada vez maior de
perguntas sem resposta surgirem dentro da minha própria cabeça.

Jogo-me na cama vestindo nada além da cueca boxer e Buzz me segue


imediatamente. Ele senta ao meu lado, espera que eu puxe o cobertor sobre
as pernas e, depois, desaba sobre elas, deixando a cabeça apoiada em meu
colo.

Suas patas gordas arranham a lateral da minha coxa. Eu bufo, mas faço
exatamente o que ele quer, começo a coçar sua orelha e a acariciar a pelagem
branca e marrom. Sua respiração esforçada soa alta quando o buldogue
ressona, satisfeito. Cachorro mimado. Estalo a língua e balanço a cabeça,
mas acabo rindo, o que não dura muito.

Minha mente ansiosa corre para repassar os últimos acontecimentos, mas


não consegue se decidir em que se focar. Se neles, ou nas sensações
desconhecidas que me assaltaram desde o momento em que surpreendi
Milena do lado de fora da Garden.

As engrenagens do meu cérebro trabalham a todo vapor tentando entender


como é possível que por tanto tempo eu não tenha dado um segundo
pensamento à existência da mulher e, agora, poucos dias depois de ter
realmente olhado para ela, eu me veja incapaz de permanecer indiferente aos
sentimentos que ela tão naturalmente expõe.

Quase como a lei da ação e reação, para cada emoção que atravessava o
rosto ou os gestos de Milena esta noite, um desejo percorria o mesmo
caminho na minha consciência.

Quando a encontrei abatida, eu quis saber o porquê, quis fazer com que se
sentisse melhor. Quando ela se assustou, quis que ela se sentisse segura.
Quando ela teve dúvidas, eu quis ser capaz de lhe dar certezas. E até mesmo
quando ela chorou, desejei fazer algo para mudar isso e não apenas para me
afastar do inconveniente, mas porque vê-la se sentindo daquela forma
pareceu errado.

E se todos esses desejos não fossem estranhos por si só, eles seriam por me
pertencer. Eu não sou um homem com uma grande variedade de vontades.
Principalmente quando se trata de uma pessoa específica.

Até hoje, precisamente, minhas vontades tinham sido sempre as mesmas:


vencer, o que quer eu estivesse disputando; foder sempre que meu corpo
desse sinais de precisar, o que, aliás, acontece com muita frequência; e
aproveitar cada momento com a intensidade máxima.

Mas cuidar de alguém? Atender às suas necessidades sem qualquer interesse


além da minha satisfação pessoal? Essa,

definitivamente, é uma novidade. E não a única. Porque eu me peguei, mais


de uma vez, gostando de simplesmente olhar para ela.

Intrigante. Concluo, depois de vasculhar todo o meu vocabulário interno


atrás de uma palavra apropriada. Não consigo encontrar um adjetivo melhor
para a mulher que cativou minha atenção como jamais antes, mesmo que
seja, essencialmente, o oposto de tudo aquilo que eu sempre procuro.
A fragilidade impregnada em cada um dos seus gestos, geralmente, me faria
andar na direção contrária à sua em qualquer horário do dia. No entanto, foi
impossível dispensar a curiosidade quando a mesma mulher que saiu
correndo e chorando, voltou ostentando os sinais evidentes do choro como se
fossem marcas de guerra, algo do que ela se orgulhava. Uma mistura
inexplicável e contraditória de força e vulnerabilidade.

A respiração pesada de Buzz começa a se transformar em roncos e eu abaixo


os olhos para encará-lo, mas por ainda estar com a cabeça no jantar, tudo em
que consigo pensar é em como Milena reagirá a ele.

— É Buzz... Você tem razão. É melhor a gente ir dormir.

— Um aviso, pessoal, não é assim que vocês vão continuar ricos!

Nós precisamos de ideias melhores se quisermos continuar invictos na


contagem de trimestres positivos! — A sala de reuniões, lotada pelos meus
principais agentes e analistas, ouve com atenção e eu gosto da tensão
nervosa que começa a se espalhar por ela. — Se na próxima

reunião vocês não tirarem os rabos de vocês das poças de merda em que eles
estão descansando, acreditem. Seus bônus anuais também não vão superar os
do ano passado. Se eu não ganho, vocês não ganham! Se os clientes não
ganham, vocês não ganham. Agora, vão fazer algum dinheiro! — E, com a
última dispensa, todos se levantam.

Apenas Robson, meu gerente, permanece na sala. O sorriso em seu rosto me


arranca uma risada.

— Nada melhor do que um discurso motivacional...

— E é bom que funcione, porque nós estamos na porra da margem de


segurança e todo mundo sabe que quando se trata de mercado financeiro, só
existe uma verdade:

— Não existe margem de segurança! — falamos juntos. Rob se levanta,


abotoa o paletó e me segue quando eu passo pela porta de vidro que conecta
meu escritório com a sala de reuniões onde estávamos.
— O Rafa trouxe uma boa ideia hoje. Pode gerar trezentos milhões de lucro.

— O Rafa, é? — Dobro o lábio inferior para fora, surpreso. —

Bom...

— Porra nenhuma! Já tinha passado da hora! — ele expressa em voz alta os


meus pensamentos e eu confirmo enquanto fecho tudo o que estava aberto
em meu computador e o desligo. — Saindo mais cedo? — questiona.

Olho para o relógio apenas para constatar o que eu já sei e, como uma
confirmação do universo, recebo uma mensagem de Dara, minha
governanta.

Claro que está. Nem por um segundo imaginei que ela seria qualquer coisa
além de pontual. Não depois do nosso jantar de ontem cujos acontecimentos,
mesmo após uma noite e um dia inteiros, ainda estou tentando entender.

Investiguei suas necessidades assim como faço com qualquer parceiro de


negócios em potencial somente para ter certeza de que ela não estaria em
posição de me dizer não. No entanto, tudo o que descobri não significou
nada quando a menina me desmontou com a porra de um gemido de
satisfação.
Quero rir de mim mesmo. Uma garfada de talharim a

quatro formaggio[9] foi todo o necessário para que eu fosse hipnotizado

pelo rosto da garota catorze anos mais nova do que eu e por essa eu não
esperava. Assim como também não estava preparado para que essa fosse a
primeira das muitas surpresas da noite.

Milena ter aceitado minha proposta sem cu doce demonstrou uma


sagacidade inusitada. Embora soubesse que ela não tinha opção além de
aceitar o que eu propunha, imaginei que teria algum trabalho até fazê-la
perceber isso. Entretanto, a mulher sequer pestanejou quando a oportunidade
foi colocada à sua frente.

Mais inesperado que isso, apenas sua desconfiança sobre eu ser um


criminoso. O que, por sua vez, só foi superado pela sua defesa apaixonada de
que eu não poderia ser um bilionário porque não havia repórteres em meu
encalço ou pessoas me reconhecendo na rua.

Sorrio, lembrando-me da sua expressão convicta e de todas as outras que me


mantiveram mais presente em um jantar do que eu jamais estive, fosse uma
reunião de negócios ou um encontro.

— Posso rir também? — meu gerente pergunta, trazendo-me de volta ao


presente.

— Não. E, na verdade, Rob, eu tô atrasado.

— Negócios?

— E quando não são? Até amanhã. — Despeço-me, passando pela porta e


caminhando para fora do edifício de três andares, a sede da Magalhães
Capital.

O motorista já está parado, com a porta aberta, quando chego à calçada.


Entro no carro, sentindo-me ansioso para assinar os papéis que me esperam
em casa, mais do que isso, para começar a controlar o jogo no qual meus
amigos acreditam que eu fui derrotado. Aqueles filhos da puta não perdem
por esperar.
Encontro Milena observando São Paulo através das imensas janelas do chão
ao teto da minha sala de estar, apreciando, quase de maneira reverente, a
vista privilegiada da cobertura. Vestindo o que acredito ser a mesma calça
jeans surrada de ontem e uma camiseta vermelha de mangas curtas, ela tem
os cabelos soltos e os pés descalços, sobre os quais Buzz dorme calmamente,
como se a porta de sua casa não tivesse acabado de ser aberta, ou, mais
importante, seu dono não tivesse acabado de chegar.

Cachorro folgado. A visão me faz sorrir. Se eu tinha alguma dúvida sobre


eles se darem bem, acho que essa imagem a responde.

Balanço a cabeça, negando e não consigo evitar. Aproveito a distração de


Milena para observá-la.

O corpo mignon[10] tem uma postura engessada, os braços estão cruzados à


sua frente, na defensiva, e ela enrola uma mecha de cabelo entre os dedos.
Milena está nervosa e eu posso entender isso.

Talvez até ontem à noite eu não entendesse realmente a dimensão da


mudança que tudo isso vai causar na sua vida, mas agora eu entendo e o
mesmo desejo que me pegou completamente desprevenido na noite passada,
quando Milena fugiu para chorar sozinha, me assalta agora: que ela se sinta
segura comigo. Sacudo a cabeça, expulsando a sensação e o pensamento.

— Oi — digo, tendo urgência em interromper o caminho que minhas


divagações estavam tomando, mas ela estremece. Merda. Eu a assustei.

Seus ombros se movem, denunciando sua inspiração profunda antes que ela
se vire para mim com um sorriso tímido.

— Oi. Desculpe, eu não te ouvi chegar — pede e eu inclino a cabeça e coço


uma das sobrancelhas.

— Eu te assustei, Milena. Se alguém tem que se desculpar, sou eu.


— Você está na sua casa — argumenta e eu estreito os olhos enquanto um
pensamento me ocorre.

— Você é teimosa — constato em voz alta e ela solta uma risada baixa.

— É um dos meus defeitos. — E em mais um dos seus momentos de pura


contradição, não há qualquer sinal de constrangimento com a admissão.

— Eu chamaria de virtude. — Sua resposta é um dar de ombros. —

Tudo bem. — Deixo as chaves e o celular ao lado do aparador e entro na


sala. Atravesso o espaço entre nós até estar a poucos passos de distância. —
Dara te ofereceu alguma coisa? Você quer beber alguma coisa? — pergunto
desabotoando e tirando o paletó. Seus olhos acompanham o gesto, mas só até
ela se lembrar de que está encarando, desviar o olhar e balançar a cabeça em
negativa. Eu assinto. — Vamos nos sentar? — Com o braço, indico a mesa
de jantar atrás de nós.

Milena lidera o caminho e eu dobro as mangas da camisa, deixando-as na


altura dos cotovelos. Afrouxo a gravata e a retiro do pescoço. Sobre a mesa,
há o envelope que pedi que fosse entregue aqui esta tarde. Milena escolhe
uma cadeira e eu me sento ao seu lado em uma decisão friamente calculada.

A verdade é que se vamos fingir ser um casal, preciso que ela se acostume a
ter seu espaço pessoal sendo invadido por mim. E

honestamente, gosto da maneira como ela se arrepia se eu chego perto


demais. Ego do caralho, eu sei.

— Você vai precisar de roupas novas — comento, ganhando sua atenção.


Tão perto, consigo ver minúsculas linhas amarelas dentro de suas íris, assim
como o círculo cinza ao redor delas. Seus lábios se entreabrem e ela sopra
suavemente por entre eles antes de trazer o olhar até o meu.

— Roupas?

— Sim. Pros nossos encontros e pro dia a dia. — Seus lábios assumem o
formato de um O e eu inclino o pescoço, curioso. Comprar roupas é sempre
uma coisa boa, não é? Bem, eu gosto.
— Claro. — pausa e engole. — Eu vou... Vou cuidar disso. O que eu devo
comprar pra sexta? — Umedeço os lábios e, mais uma vez, Milena
acompanha o movimento. Minha mão formiga, pronta para tocar sua
bochecha sem que eu nem mesmo tenha pensado sobre isso, mas me impeço
a tempo.

— Deixa comigo. Eu providencio o que for necessário pra sexta. Se


preocupe com o resto. — Sua cabeça confirma e eu espelho o gesto.

— E talvez você queria já comprar algumas coisas pra deixar aqui.

— Aqui? — Arregala os olhos em surpresa.

— Não agora, mas eventualmente você vai precisar passar a noite aqui,
Milena, é mais fácil já nos prepararmos pra isso.

— Dormir? Aqui? Com você? — A maneira como as perguntas são feitas


pontualmente me faz sorrir. Bom, primeiro você vai precisar se

acostumar a ficar perto de mim sem parecer estar prestes a ter uma
convulsão. Penso, mas não digo.

— Eu tenho um quarto de hóspedes — aviso e ela respira aliviada.

De novo a porra do alívio contraditório. Concentro-me no que é importante,


deixando essa questão de lado, pelo menos, por enquanto. — Meus amigos e
eu, Milena, nós levamos apostas muito a sério. Eles não vão facilitar minha
vida e não serão facilmente convencidos de que eu estou fazendo o que eu
disser que estou. Eles nunca vão conseguir adivinhar isso — faço um sinal
entre nós dois —, mas eles vão procurar qualquer coisa que pareça fora do
lugar e se acharem uma letra sequer, acredite em mim, eles vão descobrir o
alfabeto inteiro. Você vai entender depois que conhecê-los. — Ela abre a
boca, pronta para fazer uma pergunta, porém desiste e fecha.

Inclino o pescoço e ergo uma sobrancelha. Ela estreita os olhos e bufa,


reconhecendo meu desafio silencioso.

— Você explicou porque não fazer isso de verdade. — Milena ajeita uma
mecha de cabelo atrás da orelha e deixa que os dentes deslizem sobre o lábio
inferior. — Mas eu ainda não entendo por que simplesmente não dizer que
não vai fazer o que eles querem? Quer dizer, você não é obrigado, é?

— Tecnicamente? Não. — Enfatizo a negativa com um balançar de cabeça.

— Então, por quê?

— Porque eu não perco.

— Mas você já perdeu — diz baixinho, inclina a cabeça e uma ruga surge
em sua testa quando a confusão estampa seu rosto. Acho graça

da expressão em seu rosto, mas também acho incrivelmente cativante.

— E é por isso que eu não posso me recusar a pagar o que devo.

Seria uma segunda derrota.

— Isso não faz qualquer sentido — fala para si mesma, olhando para baixo.

— Eu acho que você vai entender depois que conhecê-los.

— Eu te conto. — A resposta atrevida é bem-vinda e eu concordo, o sorriso


em meu rosto se torna ainda maior. Milena se mexe, claramente
desconfortável com a nossa proximidade, mas isso só nos aproxima mais e o
cheiro suave de seus cabelos se infiltra pelo meu nariz.

Ele é inédito para mim e sou obrigado a reconhecer que bom pra caralho. É
inevitável me perguntar qual será a sensação de senti-lo com o nariz grudado
aos fios ou em sua pele. A garganta de Milena se movimenta lentamente
quando ela engole, afetada pelo silêncio repentino e pelo meu foco
inesperado nas partes dela que estão na altura dos meus olhos, e outra vez,
sua reação, ao invés de me afastar, como teria feito em qualquer outro
momento, faz com que eu queira me aproximar ainda mais.

— Então — digo, deslizando o envelope pelo tampo de madeira da mesa


redonda até que ele esteja diante de nós e o abrindo, não querendo dar
atenção à maneira como as reações de Milena me afetam. — Esse é um
contrato padrão de serviço. Na teoria, você vai ser minha funcionária, é
assim que nós vamos justificar seu pagamento. As páginas com post-its são
as que precisam da sua assinatura. Vou te explicar todas as partes dele, mas
antes de assinar,

leia tudo. É importante. — Empurro as folhas na sua direção, deixo uma


caneta ao lado e me inclino para frente para mostrar do que estou falando.
Imediatamente, ela pega a caneta e leva aos lábios, deslizando a tampa por
eles antes de simplesmente chupá-la.

Perto demais. Ele está perto demais e eu não acredito que há um contrato de
meio milhão de reais diante de mim e tudo em que consigo pensar é no fato
de que Bruno está perto demais. Ele não podia ter sentado de frente para
mim? Como ontem? A uma distância segura?

— Você tá tremendo. — O tom duro é de repreensão e também de alguma


outra coisa que eu não consigo identificar.

— O q-quê? — Meu pai! Eu preciso parar de gaguejar. Fecho os olhos e


puxo uma inspiração profunda tão silenciosamente quanto sou capaz e
começo a soltá-la devagar. Não tiro os olhos do contrato à minha frente,
mesmo que, nesse momento, minha capacidade de concentração seja menor
do que a de um peixe.

Talvez menos.

Prendo os lábios ao redor da caneta entre eles sem me importar com o fato
de que a estou babando, mesmo que seu dono esteja bem ao meu lado, muito
mais perto do que gostaria e, provavelmente, insatisfeito por eu estar
fazendo isso.
— Tremendo, Milena. Você está tremendo. — Ele solta um suspiro
resignado. — Tenho quase certeza de que o motivo é eu

estar tão perto e isso já está assim há pelo menos dez minutos. —

O vermelho tinge minha pele de maneira imediata. Urgh! Eu só queria ter


sido abençoada com um pouquinho mais de melanina.

Era pedir muito, @Deus? Só um pouquinho mais? Mas não! Eu tinha que ser
branca feito um papel e ter todos os meus sentimentos, literalmente, pintados
na cor da minha pele. Recuso-me a olhar para ele e finjo estar realmente
empenhada em desvendar o mistério por trás do branco da folha de rosto do
contrato, mas Bruno não está disposto a facilitar minha vida.

— Pra isso dar certo, eu vou precisar me aproximar de você —

diz e, querendo provar o ponto, aproxima-se mais.

O calor do seu corpo parece envolver o meu, quase como se quisesse atraí-lo
e eu me vejo desejando responder ao chamado que só existe na minha
imaginação. Sua expiração quente bate atrás da minha orelha, eu me arrepio
inteira e fecho os olhos, buscando um controle que nunca antes precisei
exercitar e falhando miseravelmente quando um leve tremor atravessa meu
corpo.

Será que agora era um bom momento para eu dizer que sou virgem? Não.
Ele não tem nada a ver com isso. Pelo amor de Deus, Milena! Ele não tem
como saber se você é virgem só por estar perto! Você está parecendo sua
antiga vizinha maluca, a dona Mercedes, que não sentava no metrô para não
correr o risco de engravidar.

— E-eu... eu só não estou acostumada. — Ele ri baixo e o som reverbera por


todo meu corpo. Como é possível que eu o sinta de

maneira tão intensa sem que ele sequer tenha encostado um dedo em mim?

A risada rouca sugere que ele está se divertindo com a minha situação, mas
não ouso virar o rosto para descobrir. Perto demais.
Ele está perto demais e, de repente, se afasta. Minha mente sente alívio, meu
corpo sente falta. Aperto os lábios e sugo as bochechas, deixando-as fundas.

— Nós vamos precisar trabalhar isso. Talvez tenhamos que nos encontrar
antes de sexta. Você vai precisar se acostumar comigo. —

Assinto, incapaz de dizer qualquer coisa.

Com ele a uma distância relativamente segura, finalmente sinto que estou
respirando outra vez, mesmo sabendo que em nenhum momento o ar deixou
de entrar e sair dos meus pulmões.

— Então. O Contrato foi dividido em cinco partes. A primeira delas é


moradia, a...

— Espera. — Franzo as sobrancelhas. — Moradia? — Girar o pescoço em


sua direção é um ato involuntário e seu olhar cai direto para meus lábios ao
redor da caneta. Oh, merda. Tiro-a da boca e a largo em cima da mesa.
Bruno solta uma respiração ruidosa e sacode a cabeça rapidamente antes de
falar.
— Eu escolhi algumas opções. Não posso te colocar em nenhum dos meus
apartamentos, porque isso seria suspeito. Encontrei bons lugares perto daqui,
mas acho que você vai querer ficar perto da escola do seu irmão, certo?

— Do que você está falando? — pergunto, totalmente perdida e é a vez de


Bruno franzir as sobrancelhas e inclinar o pescoço. Ele

dobra o braço atrás da cabeça e coça a nuca antes de suas sobrancelhas


serem erguidas e ele morder o lábio inferior.

— Você não pensou sobre isso, pensou? — questiona e eu continuo tão sem
entender do que estamos falando quanto estava há dois minutos. — Milena,
você não pode fingir ser minha namorada e continuar morando onde mora.
— Abro a boca para contestar, mas o gosto amargo em minha língua me faz
fechá-la.

Quer dizer, o que há de errado com a minha casa? Ele não precisa ir até lá.
Eu tenho certeza de que ele nunca colocou os pés no bairro da Sé. É claro
que não, mas eu não vou me envergonhar por ter nascido pobre.

Me ressentir? Todo santo dia! Mas me envergonhar? Nunca!

Nossa casa foi paga com muito suor da minha mãe.

— Você não precisa ir até lá se não quiser, Bruno. Eu posso te encontrar


onde quer que precisemos estar. Pode ficar tranquilo. —

Seu rosto recua levemente quando ele entende o que está por trás da minha
declaração.

— Você acha que é disso que se trata? Eu não querer ir até o bairro da Sé?

— E não é? — Sou rápida em rebater, chateada. Mas meu tom desgostoso


passa muito longe de seu objetivo, porque a reação de Bruno é rir antes de
ele balançar a cabeça, negando.

— Eu estaria mentindo que não preferiria você perto o tempo todo, afinal,
tudo isso é sobre praticidade, o propósito da encenação é que seja
conveniente.

— Entendi — balbucio, engolindo meu orgulho, porque ele está certo. É


para isso que estou sendo paga, para ser conveniente. Ele treme os lábios e
revira os olhos.

— Pela sua cara, não entendeu não — afirma. — Olha pra mim, Milena —
pede, quando eu viro o rosto e ao voltar a encará-lo, encontro seus olhos
estreitados, mas não com aspereza. Bruno parece quase estar se divertindo.
— Eu posso não ter uma penca de repórteres atrás de mim, mas eu ainda sou
uma figura de interesse e no momento em que você começar a aparecer,
repetidamente, ao meu lado, também vai se tornar — explica devagar, como
se estivesse falando com uma criança e eu me ofenderia, se ele não estivesse
com razão.

Eu realmente não pensei sobre isso. Estupidamente, eu não considerei que


namorar um bilionário, de verdade ou de mentira, iria requerer adaptações
em todas as áreas da minha vida.

— A mudança é pra sua segurança, não por um capricho meu. —

O silêncio se instala entre nós quando ele termina de falar, porque eu ainda
estou processando as informações e não respondo nada.

Pisco, tentando entender até onde tudo isso vai se estender, mas quando
minhas sinapses nervosas parecem estar todas prestes a entrar em curto
circuito, eu desisto e apenas pergunto.

— O que mais vai precisar mudar?

— Tudo... — Bruno demonstra um cuidado inesperado ao pausar, dando-me


tempo para lidar com a informação. — Se eu tiver que dar um palpite, eu
arrisco que a imprensa vai apelar pra boa e velha história da cinderela. A
garota pobre que fisgou o cara rico.

Publicarão todo tipo de matéria: românticas, engraçadas, críticas e, é claro,


as maldosas. Seus amigos vão saber, seus atuais vizinhos vão saber, os
colegas de classe do seu irmão vão saber e todos eles vão, em algum
momento, julgar você. — Cada nova informação me acerta como uma
amêndoa, despencando da amendoeira e caindo bem em cima de mim,
atingindo diferentes partes do meu corpo em sequência.

Não é doloroso, é só uma sucessão de impactos para os quais eu não estava


preparada.

— Eu... Eu...

— Não tinha pensado em nada disso — ele me interrompe e suspira. Nego,


silenciosamente, concordando com sua afirmação.

— Não tinha. — Abaixo a cabeça e empurro os fios de cabelo que caem em


uma cortina na frente do meu rosto para trás. Mais silêncio se afunda entre
nós até que Bruno o quebre.

— Você quer desistir? — oferece e seu tom de voz me faz erguer os olhos
em busca dos seus. Suas palavras não soam raivosas nem preocupadas.
Talvez decepcionadas, mas também não acho que essa palavra faça justiça e
eu busco no seu olhar o significado que eu nem sei se existe. — Você ainda
não assinou nada, e mesmo que tivesse, eu nunca te obrigaria a fazer algo
que não quer por causa de um pedaço de papel, Milena. Eu... — É a vez dele
de arrastar as mãos pelos cabelos. — Me precipitei. Eu deveria ter te dado
tempo para pensar.

— Achei que você não perdesse — recito suas palavras, porque me liberar
enquanto nosso acordo já estivesse em vigor significaria

isso, que ele perderia. Bruno sorri de canto, atraindo-me com aquele
magnetismo tão natural e eu me vejo me inclinando em sua direção.

Ele puxa uma inspiração profunda, como se estivesse se aproveitando do


meu gesto para ter um pouco mais do meu cheiro, mas eu tenho certeza de
que isso é só fruto da minha imaginação.

— Você já me pagou — lembro.

— Isso pode ser revertido. — Dá de ombros, como se não tivesse qualquer


importância e eu rio da sua inocência de achar que o dinheiro permanece
intocado na minha conta quando mesmo que eu não tivesse pagado todas as
minhas dívidas hoje, o que eu fiz, isso seria impossível. O banco comeu uma
parte dele no instante em que foi transferido para mim.

— Eu já gastei parte do dinheiro, Bruno. E, de qualquer forma, está tudo


bem. Minha resposta ainda é sim, eu só preciso de uns minutos pra processar
as informações. — Ele assente e eu viro o rosto, deixando que meu olhar se
perca no nada.

— Vou fazer o seguinte, enquanto você absorve tudo isso, eu vou tomar um
banho — avisa, já arrastando a cadeira para trás e eu seria capaz de ajoelhar
e agradecer.

Sua presença sempre foi intoxicante para mim e ele está certo quando diz
que preciso aprender a lidar com ela. Só que é muito mais fácil falar do que
fazer. Meu corpo parece ser atingido por um milhão de pequenos raios
quando exposto à sua proximidade e minha mente se embaralha inteira.

É bom que ele esteja longe enquanto compreendo a importância do que estou
prestes a assinar. O ranger do piso é bem-vindo no

silêncio desconfortável ecoando dentro da minha própria cabeça.

Observo Bruno se afastar, pegar o celular sobre o aparador e, depois, subir as


escadas em sua confiança absoluta de sempre, aquela que eu tantas vezes
admirei de longe, por trás do balcão da Garden Gourmet. O homem
praticamente exala poder e segurança e é impossível impedir minha mente
de voltar aos pensamentos que tive enquanto o esperava chegar.

Minha primeira reação foi deixar meu queixo cair no chão com o tamanho e
beleza de seu apartamento, a segunda, foi recolhê-lo. O

lugar tem paredes e chão claros em sua grande área aberta. Assim que entrei,
fui recebida por um espaço imenso dividido em nada menos do que quatro
salas. À minha direita, uma sala de TV com um sofá enorme e toda a parede
revestida por uma madeira clara e bonita.

À minha esquerda, uma sala de estar com outro sofá e algumas poltronas.
Mas foi o que encontrei à minha frente que me atraiu exatamente como a
Mariposa é atraída pela luz. Para além de outras duas salas de convivência
com pequenas mesas e cadeiras, há imensas janelas do chão ao teto que
permitem que quem olha através delas, mergulhe em uma São Paulo acesa
sem precisar se mover.

E, embora eu quisesse absorver cada detalhe do lugar mais bonito em que já


estive na vida, desde os móveis aos tapetes, sem pedir permissão, meus pés
me levaram até as janelas e muito mais cedo do que eu planejava, eu me vi
parada diante delas, observando a beleza cinza paulistana e toda a vida que
circula e pulsa muitos andares abaixo de onde eu estava agora.

Eu olhava pela janela e pensava no quanto tudo e todos pareciam


insignificantes daqui de cima. Tudo é tão pequeno, distante: as pessoas, as
luzes, os prédios, as casas. Eu me perguntava como será viver a vida inteira
enxergando de cima, literal e metaforicamente. Talvez torne mais fácil
simplesmente não se importar.

Hoje foi um dia estranho. Depois de todas as emoções da noite passada,


achei que eu não conseguiria dormir, que passaria a noite em claro,
remoendo todos os acontecimentos. Não foi o que aconteceu. Assim que
minha mãe adormeceu, comecei a reorganizar minha vida, como ela seria a
partir daquela noite, ainda que àquela altura, eu só tivesse consciência de
parte da realidade.

As primeiras medidas foram ligações. Três telefonemas: um para seu José,


outro para o gerente do restaurante e outro para Clarissa.

Em todos, o objetivo era basicamente o mesmo: informar minha demissão.


Clarissa não é exatamente uma amiga, mas foi uma boa colega ao longo dos
últimos anos e achei que lhe devia isso.

Não contei a verdade. Essa, como prometi a Bruno, eu não revelei a ninguém
além da minha mãe. Para aquela que dividiu o balcão da Garden Gourmet
comigo pelos últimos dois anos, eu disse apenas que o auxílio doença da
minha mãe finalmente havia sido liberado pelo INSS[11].

Depois de tomar banho, deitei na minha cama pequena, de colchão velho.


No quarto que divido com Gabriel, fechei os olhos e só me lembro de
acordar hoje, às onze da manhã.
Eu dormi. De verdade. Profundamente. Sem sonhos, sem medos, sem
preocupações e não me lembro de ter feito isso antes, porque da última vez
em que tive esse privilégio, eu ainda não entendia que era isso o que era, um
privilégio. Solto um longo suspiro ao perceber que o lugar para onde olho já
está vazio.

Bruno já sumiu no segundo andar. Sacudo a cabeça, agora não é hora para
esse tipo de reflexão. Agora é hora de usar minha concentração e capacidade
de respirar recém-recuperadas no contrato à minha frente.

Sob os jatos potentes do chuveiro, olho para baixo sem conseguir acreditar.
De pau duro. As reações de Milena me deixaram com a porra do pau duro e
se eu não estivesse olhando para ele agora, eu não acreditaria. Mas que
caralho?!

A água gelada esfria a pele quente, mas não expulsa as imagens que minha
imaginação já criou de Milena sob mim. A menina é uma verdadeira
caixinha de surpresas e eu me pergunto quando é que isso vai parar. Eu já
havia conferido seu corpo, admitido sua beleza, mas reagir fisicamente é
uma coisa muito diferente.

Principalmente quando ela não fez nada para isso além de se mostrar afetada
pela minha presença, pela minha proximidade. A maldita fragilidade me
envolvendo, outra vez. Fecho o chuveiro, me seco e saio do box com a
toalha enrolada na cintura e a cabeça a mil mesmo que a solução para isso
seja óbvia.

Passo pelo closet em direção ao quarto. Alcanço o celular que havia


abandonado em cima da cama e envio algumas mensagens. A primeira
resposta é quase imediata e, um diálogo de três frases depois, eu o abandono
novamente sobre a cama e me visto antes de descer para reencontrar Milena.

Dessa vez, meus passos na decida da escada avisam minha aproximação e,


ainda assim, Milena não se vira.

— O que você quer comer? — pergunto ao me sentar ao seu lado


novamente, mas mantenho uma distância adequada.

— Comer?

— Sim, você jantou antes de vir pra cá? — Abro o aplicativo de entregas e
rolo a tela para baixo, considerando as opções.

— Não.

— E não está com fome? — Levanto os olhos para encará-la. Ela meneia a
cabeça e, por fim, assente. — E então? Lanche? Comida?

Massa? Japonês?

— Aquele restaurante de ontem, eles entregam? — indaga, acanhada,


surpreendendo-me com o pedido.

— Gostou de lá?

— Muito. — Sua resposta me dá uma satisfação estranha.

— Eu vou pedir lá, então. Quer ver o menu?

— Não, eu fico feliz com o mesmo prato da noite passada.

— Certo. — Escolho o restaurante e faço o pedido, hoje, escolho um vinho


também e, quando recebo a confirmação. Bloqueio a tela do celular e o
deixo sobre a mesa.
— Quando eu tenho que me mudar? — Milena inclina a cabeça ao fazer a
pergunta. Cruzo os braços na frente do peito e apoio a lateral do corpo no
encosto da cadeira.

— Até quinta seria o ideal.

— Mas hoje é terça! — exclama, fazendo parecer que isso é um empecilho.

— E qual é o problema?

— Não vai dar tempo! Quer dizer, há tantas coisas pra encaixotar e...

— Todos os apartamentos que estou sugerindo já estão mobiliados, Milena.


Você só precisa escolher para qual quer ir e sua família só precisará levar
roupas e objetos de valor sentimental. E mesmo pra isso nós podemos
contratar uma empresa se você achar necessário.

Mas se vamos aparecer juntos em público na sexta-feira, você precisa estar


em um lugar com portaria e segurança adequados. — Sua resposta não passa
de um balançar de cabeça e eu reparo que ela já começou a ler o contrato, as
folhas estão mexidas.

— Dúvidas?

— Na verdade, sim — diz, finalmente virando o rosto na minha direção.


Aceno para que continue e Milena esfrega as palmas das mãos nas coxas
antes de entrelaçar os dedos, engolir duramente e, por fim, falar. — A
cláusula quinta?

— Discrição — me lembro. — Qual é a sua dúvida? — As bochechas


vermelhas me respondem e eu a poupo do trabalho. —

Você pode ter ou manter quaisquer relacionamentos que quiser Milena,


desde que seja discreta sobre eles.

— Mas você disse que não tinha...

— Relacionamentos — completo sua frase. — E não tenho mesmo, mas eu


fodo, Milena, no entanto, te prometo a mesma discrição que estou te
pedindo.

— Aqui diz que você vai custear roupas e qualquer outra coisa necessária
pros encontros, mas você já está me pagando uma fortuna

— fala atropeladamente, com pressa de mudar de assunto. Qual é o


problema dela em falar de sexo, afinal?

— O que eu estou te pagando é seu. Roupas e o que quer que seja necessário
são responsabilidade minha. Pense nelas como um uniforme ou EPI.

— Eu não a...

— Você não vai me convencer do contrário, Milena. Poupe o fôlego

— aviso e ela demonstra surpresa por não mais do que dois segundos antes
de estalar a língua. Apoio o cotovelo sobre o tampo da mesa e prendo o
queixo entre os dedos indicador e médio. — Algo a dizer?

— Não — responde claramente contrariada.

— Ok. Nós precisamos acertar nossa história. Nos conhecemos na padaria,


nos falamos todos os dias nos últimos dois anos até que algumas semanas
atrás, uma conversa de verdade aconteceu quando você me atendeu na minha
mesa, ao invés de no balcão.

— Mas isso é quase verdade. — Franze as sobrancelhas e eu sorrio.

— Essa é a maneira mais eficiente de se contar uma mentira.

Quanto menos detalhes você precisar inventar, porque já os conhece,

menor a possibilidade de se esquecer ou se enrolar com alguma coisa. —


Seu rosto ganha uma expressão investigativa.

— Desse jeito, parece que você faz muito isso.

— Mentir?
— Uhum.

— E eu faço mesmo, mas só nas situações adequadas.

— O que seria uma situação adequada para mentir?

— Um jogo de cartas, uma situação que requeira um blefe, uma provocação


a alguém... A mentira não precisa ser um defeito, Milena.

Ela pode ser um recurso.

— É um jeito de se pensar.

— Você discorda?

— Não tenho uma opinião sobre isso. Até agora, eu nunca tinha olhado para
mentiras como algo além de uma forma de machucar pessoas que gostamos
e esse não é um risco que eu esteja disposta a correr, nunca. — Sua
explicação me revela mais um pedaço da sua personalidade intrigante e eu
não faço nada além de absorvê-lo. —

Me pergunte de novo em algumas semanas — pede e eu rio baixo antes de


concordar com a cabeça.

— Tudo bem. Então, já sabemos como nos conhecemos, não precisamos ir


muito além disso. Estamos começando a nos conhecer.

Mas precisamos saber por que você deixou de trabalhar na padaria.

— Juntei o dinheiro que precisava para conseguir estudar? —

sugere e eu assinto. Parece que ela aprendeu bem rápido a usar a mentira
como um recurso, mas não falo nada a respeito. — E tem algo

que você odeie e eu deva saber? Pra não dar bandeira? — Outra vez, me
pego rindo.

— Muitas coisas, mas duvido que você vá dar bandeira sobre qualquer uma
delas. E você? Alguma coisa?
— Cigarros. — É taxativa e eu franzo as sobrancelhas. Eu não fumo e todo
mundo sabe que cigarros não são a melhor estratégia para se manter
saudável, pelo amor de Deus, há imagens de pulmões podres na embalagem
da coisa. Mas odiar? Há uma história aí e se a resposta por si só não fosse o
suficiente, a centelha de dor que atravessa seus olhos seria. No entanto, eu
não a pressiono. Aperto os lábios e aceno.

— Ok! Você já conheceu o Buzz. — Aponto com o polegar para o cão


estirado no sofá, dormindo e roncando. Milena olha na direção e um sorriso
bonito pra caralho se espalha pelo seu rosto.

— Ele é uma graça. Muito carinhoso!

— E folgado! Se um ladrão entra aqui, rouba casa e o leva como mascote!


— Meu comentário a faz gargalhar e se eu a achei bonita antes, agora ela é a
personificação de um espetáculo com sua risada contagiante e gestos
espalhados. Distraída com seu humor, ela sequer nota a intensidade do meu
olhar, mas eu sim e, se em algum momento suspeitei de que a decisão
tomada em meu quarto, há alguns minutos, era exagero, agora ela parece
perfeitamente acertada.

— Me fala dos seus amigos, os que eu vou conhecer — pede, ainda entre
risos. E eu concordo. Essa é uma excelente pedida.

— São quatro filhos da puta. Arthur, Heitor, Pedro e Conrado.

— Onde vocês se conheceram?

— No internato, quando éramos crianças. — Sua boca ganha o formato de O


que faz seus lábios cheios judiarem da minha imaginação, principalmente
depois tê-la visto sugando a porra da tampa da caneta, e eu desvio os olhos.
— Não é tão ruim quanto parece. Os internatos de verdade não são como os
dos filmes e novelas.

— São melhores?

— Bem melhores. E dão a quem está lá um senso de família que muitas


vezes não temos em casa. Meus amigos e eu, todos nós tivemos essa
oportunidade. De pertencer a alguma coisa, sabe? E, até hoje, carregamos
isso.

— Parece uma amizade bonita — comenta e eu dou de ombros, mesmo que


saiba que sim, é isso e muito mais. Uma irmandade.

— Na sexta-feira, eles vão observar nossas interações, tentar se certificar de


que eu não estou furando a aposta.

— E como você faria isso?

— Contratando uma prostituta. — É imediato. O rubor toma conta das suas


bochechas, pescoço e colo. Eu quase lhe pergunto sobre a razão de o assunto
sexo lhe constranger tanto, quase. Contudo, não o faço. — Mas isso nos leva
a outro ponto. Você precisa relaxar quando eu estiver por perto. Eu não vou
fazer nada que você não me autorize, Milena. Não há com o quê se
preocupar. — Ela engole em seco e balança a cabeça para cima e para baixo.
— O que acha de nos encontrarmos antes de sexta?

— Não precisa — responde rápido. — Eu vou me acostumar, prometo. E se


eu preciso me mudar até quinta, as coisas vão ficar complicadas.

— Podemos contratar uma empresa. Tenho certeza de que minha secretária é


capaz de encontrar uma.

— Não precisa. Eu vou conseguir — afirma e eu balanço a cabeça.

— Você se adiantou às minhas explicações. — Aponto para as folhas do


contrato sobre a mesa. — Tem certeza de que entendeu tudo?

— Eu sei ler e interpretar, Bruno — responde, malcriada e eu sorrio.

Contradições, contradições, contradições...

Puxo os papéis para mim e, depois de conferir suas assinaturas e rubricas,


faço o mesmo.

— Ótimo. Agora, nós estamos oficialmente num relacionamento. —


Sorrindo mais largamente, estendo a mão para um aperto e Milena a olha
como se me tocar fosse o equivalente a colocar os dedos nus sobre um fio
desencapado. Percebo então que ela nunca fez isso. Não quando o toque era
a única intenção.

Sua língua sai para lamber os lábios enquanto ela pondera o que fazer a
seguir e eu espero pacientemente. A sensação estranha, essa atração
carregada de algo mais nos envolve com uma velocidade admirável e, outra
vez, sinto meu pau dar sinal de vida dentro dos shorts que estou vestindo.

Os olhos azuis de Milena piscam uma vez atrás da outra e quando ela
estende a mão para mim, suas pupilas se dilatam de maneira sutil e seu corpo
se inclina levemente para frente. Não sei se o meu repete

a sua aproximação ou se vem da parte dela a repetição, mas, o que deveria


ser um simples selo de acordo se torna um momento estranho e para o qual
eu não tenho explicação.

— A que horas vamos nos encontrar? — Quebra o silêncio, livrando-nos do


momento e eu franzo a sobrancelha ao me dar conta de que não queria que
tivesse acabado.

Pelos próximos minutos, continuamos combinando diferentes partes da


história que contaremos, Milena escolhe o apartamento onde quer morar
pelos próximos três meses, eu falo um pouco sobre cada um dos meus
amigos e o que ela pode esperar de cada um deles. Mostro algumas fotos
também. Quando o porteiro avisa que a comida chegou, vou até a porta
receber e, depois, nós nos sentamos para comer.

A tensão de Milena por me ter por perto é minimamente aliviada e a


conversa entre nós flui de maneira natural. Em algum momento,
abandonamos os combinados e passamos a falar do dia a dia.

Milena ouve com atenção e interesse quando falo do meu trabalho e eu lhe
retribuo quando ela me fala dos planos que tem de começar a estudar,
embora ainda não saiba o quê. E, um bom tempo depois de termos terminado
o jantar, ainda estamos sentados à mesa, sem nos importar com o fato.
A campainha toca, interrompendo nossa conversa e me fazendo perceber que
eu perdi completamente a noção do tempo. E, pela primeira vez em muito
tempo, me arrependo de uma decisão que tomei de forma completamente
consciente.

Bruno me explicava o que diabos é uma NFT[12] quando a campainha toca


e seu humor muda drasticamente. É uma transformação estranha. Ele vai da
descontração à seriedade em uma fração de segundo, como se tivesse se
lembrado, subitamente, de algo que não poderia ter esquecido.

Eu o observo com atenção, ainda parado, com a boca aberta, no meio de uma
palavra, mas agora, em silêncio. É inevitável não sentir meu próprio humor
mudando. Nas últimas horas a pressão da sua companhia foi aliviada. É
verdade que eu ainda preciso ficar alerta na batalha imparável de manter
meu corpo preso no lugar quando ele parece ser constantemente puxado na
direção de Bruno. Absurdo, eu sei, mas é o que acontece.

Uma pequena distração, e, como se fôssemos ímãs de polos opostos, vejo-


me aproximando-me. Entretanto, finalmente parei de tremer e até de
gaguejar. Graças a Deus, o homem é humano, não uma divindade digna dos
meus tremeliques. Contudo, observar a ruga de seriedade que se forma em
sua testa faz um peso desconhecido afundar no meu estômago. Olho para
baixo e só então reparo na tela do meu celular. Deus do céu! Foram muitas
horas!

— Eu preciso ir! — exclamo ao me dar conta de há quanto tempo estou aqui.


— Vou aproveitar que você vai abrir a porta — brinco, mas o rosto de Bruno
não demonstra qualquer sinal de diversão.
Muitíssimo pelo contrário. O olhar que ele dá à porta do próprio apartamento
é carregado e estranho. Tudo bem. Talvez ele queira que eu vá embora e só
não tem coragem de me dizer.

Hora de ir, Milena. Já passou da hora, na verdade.

Levanto-me da cadeira, mas o homem não me acompanha. Ele permanece


estático, sentado, com os olhos fixos à imensa estrutura de madeira que sela
a entrada de sua casa e é somente quando a campainha toca uma segunda vez
que ele parece ser despertado do torpor em que o primeiro toque o colocou.

Seu pescoço se inclina levemente, como se Bruno estivesse me analisando e


eu acho melhor repetir o que disse, por via das dúvidas.

— Eu preciso ir. Já está tarde. Vou aproveitar que você vai abrir a porta.

— Claro. Davi vai levar você — avisa e meu rosto deve deixar clara a minha
confusão, porque logo em seguida ele explica: — Meu motorista. Ele está te
esperando.

— Oh! Não! Não há necessidade. Eu posso ir sozinha perfeitamente.

— É quase meia-noite, Milena. Não tem a menor condição de você andar


por aí sozinha. — A certeza em seu tom é tão fofa que me faz rir.

— Bruno, eu passei os últimos anos transitando por essa cidade enquanto era
tarde ou cedo demais pra estar claro, acredite. A noite

paulistana não me assusta. — Suas sobrancelhas se erguem.

— Pois devia. De qualquer maneira, isso foi antes.

— Antes de quê?

— De mim. De nós — responde com simplicidade e o salto que meu coração


dá em reação às palavras não pode ser considerado uma coisa normal.
Entretanto, com a mesma velocidade com que sou impactada pela
declaração, me apresso em lembrar a mim mesma de que ele está falando do
nosso acordo, do nosso contrato.
Meu pai! Tenha dó! Se eu nunca fui iludida antes, não vai ser agora que vou
começar. Aviso a mim mesma. Nem que eu precise espalhar lembretes e
post-its por cada superfície ao meu redor, eu me recuso a esquecer do meu
papel nesse teatro.

Como ficou muito claro essa noite, a tranquilidade que virá com o dinheiro
de Bruno não será de graça. Ela vai me custar muito e eu não me importo
com o preço. A única coisa que eu definitivamente não estou disposta a
entregar como pagamento é um coração partido.

Bruno não se envolve, ele quer coisas que julga mais importantes.

E, agora que eu finalmente ganhei o direito de me perguntar o que eu quero,


eu posso ainda não ter descoberto a resposta, mas eu sei algumas das coisas
que eu não quero. Magoar-me com uma situação sobre a qual eu fui avisada
é uma delas.

E, como se o universo quisesse me ajudar a me agarrar a essa resolução,


quando Bruno abre a porta de seu apartamento para que eu saia, do outro
lado, com a mão prestes a tocar a campainha pela terceira vez, está uma
mulher que não pode ser descrita como nada além de estonteante.

Os cabelos escuros são volumosos e longos, formando uma nuvem de cachos


apertados que emoldura seu rosto com perfeição. A pele negra tem um tom
de chocolate e é lisa como eu acho que nunca vi, os lábios grossos estão
pintados de rosa choque e ela veste, no calor de quase trinta e seis graus do
verão paulista, um sobretudo, deixando muito claro para uma profunda
conhecedora de filmes de romance como eu, o que há por baixo, ou melhor,
o que não há: roupas.

Bruno fode. O lado sábio da minha mente me alerta e eu recebo o lembrete


de bom grado. Essa é a minha chance de mudar de vida, a chance da minha
família, e eu não vou arruiná-la com imaturidade emocional. De qualquer
tipo, aliás.

No instante em que a vejo, eu estaco, surpresa, mas me recupero


rapidamente e depois da minha admiração desvelada e inconsequente, sorrio
para ela, que parece tão pega de surpresa pela minha presença quanto eu fui
pela sua. Eu a cumprimento com um boa noite, a mulher olha para Bruno
com olhos questionadores, mas eu não planejo ficar para descobrir as
respostas que ela está procurando. Eu não tenho o direito de fazer perguntas
e esse é um excelente exercício.

Olho para o homem com o qual estarei ligada pelos próximos três meses, o
responsável pela mudança de 180° que minha vida está prestes a sofrer e,
dando a ele o mesmo sorriso que dei à estranha em sua porta, eu me despeço.

— Boa noite, Bruno.

— Boa noite — diz e eu me viro, passando pela sua convidada e


caminhando em direção ao elevador.

Não espero para ver o que vai acontecer, não olho para trás.

Coloco um pé na frente do outro, ignorando as manobras em meu peito,


porque não tenho tempo para descobrir se elas estão de acordo ou não com
todos os pensamentos e resoluções girando em minha cabeça. Pelo menos, é
isso o que o eu digo para mim mesma.

— Pegou tudo, Gabriel? — pergunto, arrastando a última mala para a


pequena varanda de casa.

— Peguei. — Meu irmão surge no fim do corredor com sua mochila


pendurada sobre os ombros.

O sorriso em seu rosto é luminoso. Minha mãe entendeu a mudança, mas


Gabriel está eufórico com ela, mais uma vez me lembrando de que é jovem
demais. Bastou saber que no condomínio para onde estamos nos mudando há
piscina, quadras de futebol, vôlei e outras conveniências, para que ele
deixasse de lado qualquer coisa que tivesse contra a mudança, até mesmo
seus preciosos amigos.
Honestamente, não posso dizer que estou triste por afastá-lo de certas
companhias, mesmo que temporariamente. Espero que os próximos meses
ensinem a Gabriel o que é amizade verdadeira e o que são oportunismo e
coleguismo. Espero também que ele encontre amigos de verdade em nossa
casa temporária.

Espero. Espero tantas coisas. Os últimos dias foram um verdadeiro festival


de expectativa com relação a tudo e só de pensar na maior delas, amanhã à
noite, uma revoada de borboletas bate asas em meu estômago. Uma balada.
Eu nunca estive em uma balada. Será que eu

vou gostar? Será que eu vou odiar? Será que é como eu sempre imaginei?
Será que o banheiro vai ser fedido?

Há tantas dúvidas na minha cabeça que quando penso na noite de sexta-feira,


Bruno, que deveria protagonizar minhas preocupações, não passa de um
coadjuvante. E também não posso dizer que estou triste sobre isso. Não
depois do que vi ao sair de sua casa na terça-feira. A linda mulher que ele
convidou para sua casa foi uma verdade esfregada em meu rosto.

Para além das fanfics que passei dois anos criando em minha cabeça, Bruno
nunca vai me enxergar como protagonista de nada.

Nem mesmo em nosso acordo. Tudo isso é apenas um jogo entre ele e os
amigos. Eu sou uma peça e essa é toda a informação de que preciso para
mantê-lo exatamente na mesma posição em minha vida.

Posso ser muitas coisas, inexperiente inclusive, afinal, eu nunca me


apaixonei.

Aceito até mesmo que me acusem de sonhadora, ainda assim, me recuso a


ser reduzida a nada além de uma opção. Eu quero um amor que me tire o
fôlego e roube o chão. Que acenda minha mente tanto quanto ao meu corpo,
que valorize meu espírito e me veja inteira e em detalhes. Eu quero alguém
que me escolha, entendendo o que isso significa.

Talvez, daqui a alguns anos eu entenda que isso é muito para querer. Talvez,
eu nunca encontre, talvez, eu encontre amanhã de manhã, enquanto
atravesso a rua. Talvez eu durma esta noite e acorde algumas horas depois
certa do exato oposto daquilo em que acredito agora. Talvez. Mas,
independente de qual dessas variantes se concretizará, a constante é uma só:
a vida é minha pra acreditar ou esquecer.

Olho para a casa em moro desde que nasci e solto um longo suspiro. Tantas
coisas foram vividas aqui, mas em meu coração não há desejo algum de que
outras venham a ser. Não desejo voltar para cá daqui a três meses. Ainda não
sei para onde quero ir, mas outra certeza? Eu vou descobrir.

— Cadê ela? — Arthur pergunta, parecendo mais ansioso pela chegada de


Milena do que costuma estar com a final da Champions

league[13]. Ele não é o único.

Heitor, Pedro e Conrado também transpiram expectativa em torno da minha


escolhida, como se tudo isso fosse sobre algum tipo de sacrifício sombrio e
não de eu ser capaz de passar três meses com a mesma mulher de maneira
consistente. Eu bufo, fingindo uma indignação que é tudo que eu não sinto,
mas que é o que eles esperam que sim.

Honestamente, também estou ansioso por sua chegada, para saber como ela
vai se comportar e não apenas com relação ao quarteto fantástico de idiotas
que eu chamo de amigos. Mais do que isso, para saber como ela se
comportará com relação a mim. Não nos vimos desde terça-feira, quando
Milena saiu da minha casa sorrindo, mesmo depois de encontrar Beatriz na
porta.

Não que eu quisesse algum tipo de reação da parte dela. Porra!


Não, eu não queria, mas talvez esperasse. E também não sei o que esperava,
no entanto, sua indiferença atingiu exatamente o mesmo lugar onde seu
alívio, por não ter que transar comigo, já havia

atingido repetidas vezes desde a noite de segunda-feira. Quase deixei Beatriz


em meu apartamento por um minuto e fui atrás de Milena no elevador.
Quase. Mas por quê? Por que eu faria isso?

Perguntei-me e não consegui encontrar uma resposta.

E se não havia resposta, não havia motivo. Fiquei e aproveitei a noite


exatamente como havia planejado fazer, ainda que a sensação não tenha sido
a que imaginei, a que sempre havia sido até então.

Pela primeira vez, minha cabeça não estava na mulher deslumbrante que
abriu seu sobretudo preto para revelar um corpo absolutamente delicioso e
nu diante dos meus olhos, mas na menina de cabelos maltratados, vestida por
jeans surrados e camiseta desbotada, com o rosto limpo de maquiagem na
companhia de quem eu havia passado as últimas duas noites.

E eu me perguntei se poderia ter interpretado os sinais do meu próprio corpo


tão equivocadamente. Em um intervalo de poucas horas, Milena havia me
dado duas ereções. O motivo parecia óbvio, eu precisava transar. Só que o
sexo não trouxe a satisfação esperada, porque ele não foi tudo no que
consegui me concentrar.

Por que caralhos? Mais uma pergunta sem resposta.

— Ela está a caminho e vai chegar quando tiver que chegar —

resmungo, dessa vez, não precisando fingir o mau humor. Ele foi facilmente
conquistado no que deve ter sido a milésima tentativa que faço de entender
os efeitos da menina em mim. Solto o corpo na poltrona acolchoada de
maneira relaxada.

Do pequeno mezanino, reservado apenas para nós e os clientes mais


exclusivos, monitoro a entrada da boate, procurando,
esperando pela sua entrada. Davi chegou ao seu novo apartamento há vinte
minutos. Eles não devem demorar a estar aqui.

O Clube Carmesim é a boate mais exclusiva de São Paulo.

Permitindo a entrada apenas de membros associados e seus convidados,


somente a elite brasileira ou estrangeira a frequenta e um convite,
dependendo da noite em questão, pode ser tão valioso quanto uma
Masserati[14].

Isso porquê, por trás das portas, há muito mais do que música.

Meus amigos e eu abrimos o Carmesim porque não encontrávamos em São


Paulo um lugar onde pudéssemos ter tudo o queríamos e tínhamos certeza de
que não éramos os únicos. Há dez anos, o conceito de balada liberal ainda
era novo no Brasil e depois de frequentarmos algumas no exterior, ter uma
em casa pareceu uma excelente ideia.

Estávamos todos entre os vinte e um e os vinte e cinco anos.

Para mim, aos vinte e três, que já havia ganhado muito mais dinheiro do que
seria capaz de gastar em sete vidas inteiras, o Carmesim pareceu o melhor
investimento possível. Nós podíamos ser moleques na época, mas havia três
coisas que já havíamos compreendido há algum tempo: o valor do dinheiro,
como ganhá-lo e que há poucas coisas pelas quais as pessoas estão tão
dispostas a pagar quanto pelo próprio prazer.

Seja na forma de uma boa refeição ou de uma boa foda, experiências


prazerosas acessam uma zona nebulosa e egoísta do cérebro humano que,
quanto mais espaço conquista, mais quer conquistar, a zona do “eu mereço”.
Com isso em mente, trabalhamos para que cada par de bolsos com grana o
suficiente e

um sobrenome que fosse interessante para nós quisesse colocar os pés na


Carmesim.

Sendo frequentada pelas pessoas certas e oferecendo discrição e qualidade,


mais rápido do que imaginávamos, o clube se tornou uma referência
internacional, atraindo um público tão exclusivo, que muitas vezes a
Carmesim se transforma no palco onde grandes negócios são realizados.

O clube de cinco andares tem apenas o primeiro no nível da rua e os demais


são subterrâneos. O acesso além da superfície requer uma autorização
diferenciada para cada um dos andares inferiores.

O primeiro, por onde se dá a entrada de qualquer convidado, é o único de


acesso livre a todos os membros e visitantes, uma boate normal, luxuosa, é
claro, mas com limites rígidos e bem estabelecidos com relação ao que é
permitido ou não, onde estamos agora.

O amplo salão é dividido em seções planejadas para acomodar um número


maior ou menor de pessoas. No centro de tudo, está o bar de mais de doze
metros de comprimento, impondo-se entre a área de mesas e sofás e a pista
de dança, diante do palco com o que há de mais moderno em termos de
mídias e onde está montada a mesa do DJ.

Luzes coloridas banham as paredes em tons de azul escuro e verde,


refletindo nas cortinas de cristal penduradas no teto e criando um efeito
incomparável. Cada detalhe da casa foi pensado e planejado para que ela
fosse, antes de qualquer coisa, um objeto de desejo. Mais do que um carro
potente ou um diamante de 20

quilates.

Pedro e eu somos os menos envolvidos com a administração da casa, agimos


muito mais como sócios silenciosos e frequentadores assíduos. Arthur,
Heitor e Conrado são os verdadeiros responsáveis pelo show, dividindo a
administração e o gerenciamento, fazendo um verdadeiro malabarismo para
equilibrar seus trabalhos diurnos com o noturno.

— Então, relembrando — jogado relaxadamente sobre o sofá à minha frente,


Pedro começa. — Você conheceu a garota na Garden há dois anos. Ela
trabalhava lá e vocês nunca tinham trocado mais que meia dúzia de palavras,
até que semana passada você achou que ela era digna da sua atenção e agora
vocês estão saindo?
— Vai se foder, Pedro. — dispenso sua ironia, mas os outros três estão
atentos à conversa iniciada. Com os vidros à prova de som fechados, o
camarote é o lugar ideal para se ter uma conversa que não precise ser
gritada.

— Milena não é o tipo de garota com quem eu normalmente saio, só isso.


Pelo menos, não saía.

— Uhum... — Conrado murmura. Eles estão desconfiados e eu tremo os


lábios, fingindo a indignação esperada.

— Eu não entendo vocês, semana passada estavam fazendo intervenção,


alegando enrolação da minha parte, agora, isso? Porra!

Vocês tão mais inconstantes que pau velho sem Viagra! Decidam, caralho!
— Meu teatro não comove a nenhum deles.

— Se você estivesse no nosso lugar, acreditaria na sua própria boa vontade


em cumprir essa aposta? — Heitor questiona e eu reviro os olhos, porque a
resposta é óbvia: nem fodendo. — Você tá

tramando alguma coisa, Bruno, porra! Você tá! Nenhuma tentativa de sair
pela tangente? Nenhuma enrolação malsucedida? Isso tá fácil demais. —
Suas conclusões colocam um sorriso em meu rosto.

— E com dezenove anos? Desde quando você cria pra comer, Bruno? Isso
tem muito mais a cara Conrado — Pedro analisa seriamente como se não
tivesse acabado de fazer a porra de um trocadilho imundo.

— Talvez eu seja um novo homem — sugiro.

— Talvez, de ontem pra hoje, o mundo tenha descoberto que a intolerância é


o recurso dos ignorantes e nunca mais vai praticá-la

— rebate.

— E talvez eu vá dar uma volta lá embaixo enquanto vocês decidem o que é


mais improvável — Arthur diz, levantando-se e enfiando as mãos nos bolsos
da calça. Ele caminha até o vidro de proteção com atenção focada, fazendo
com que todos nós saibamos exatamente o porquê. Sem dúvida alguma, é
mulher.

E, curiosos, todos seguimos seu olhar. Mas enquanto meus amigos analisam
cada centímetro da morena de vestido vermelho na entrada do salão, eu me
esqueço de como respirar quando sou atingido de súbito por uma certeza que
quase me derruba sentado, outra vez, no sofá.

Eu tenho um problema.

Os ombros, colo, braços e pernas expostos deixam uma pele clara e


imaculada à mostra, sobre a qual uma cortina de ondas escuras se derrama
em cascata e contrasta com o cetim brilhante e vermelho do vestido. O rosto
não está limpo de maquiagem, há algo

suave nele e um batom vermelho na boca carnuda capaz de enlouquecer


qualquer homem com um pouco de imaginação e eu realmente posso ser
muito inventivo.

A reação do meu corpo à sua presença é imediata e violenta, apesar da


distância. Meu pau engrossa, tornando minhas calças subitamente apertadas,
minha boca seca e a vontade de me colocar em movimento para alcançá-la é
quase insuportável. Mas que caralho? Se eu me senti fora de controle
algumas noites atrás, quando suas reações me deixaram de pau duro, eu
realmente não sei que nome dar à maneira como estou me sentindo agora.

Afundo os dentes no lábio inferior sem conseguir desviar os olhos,


completamente incapaz de ignorar o desejo que, de repente, se instalou em
minhas veias, requisitando espaço como se fosse o próprio sangue. Não sou
o tipo de homem que se torna obcecado por uma mulher, boceta é boceta, e
mesmo que as donas de algumas saibam usá-las melhor do que outras, não
há nada nesse mundo que não possa ser aprendido.

Mas a forma como estou olhando para ela? Como estou reagindo à sua
presença, mesmo sem jamais tê-la tocado além de um aperto de mãos? Pode
colocar na conta da obsessão, com certeza. Engulo em seco, e na tentativa de
fazer minha mente conturbada clarear, aperto os olhos rapidamente.
No entanto, mesmo por trás das pálpebras cerradas posso ver cada curva do
corpo pequeno, os cabelos espalhados pelos ombros, os lábios pintados, os
olhos azuis procurando por alguém, por mim, ainda que seus motivos não
tenham nada a ver com os meus nesse momento.

Milena não está super produzida. Não, o que chama atenção é justamente o
oposto. A beleza natural que mexeu com meu corpo e mente, a ponto de
sequestrar meu desejo, está apenas ressaltada pela roupa adequada, pelo
cuidado que essa menina deveria ter recebido desde sempre e há uma
satisfação inédita em saber que indiretamente, fui eu o responsável por ela
finalmente ter o que merece.

Escolher seu vestido não foi um gesto de bondade. Eu queria escolher algo
que a valorizasse o suficiente para que cada par de olhos na boate a
devorasse sabendo que esse era o mais perto que chegariam dela. Porém,
quando recebi as opções, foram necessárias mais três levas até que eu fosse
eu escolhesse, porque fui incapaz de trair o pouco de sua personalidade que
eu já conhecia.

As peças curtas ou reveladoras demais foram rapidamente descartadas, assim


como as recatadas demais, as discretas demais e as com personalidade de
menos. Se posso dizer algo sobre Milena é que a menina não é de extremos.
Ela é contradição e o vestido escolhido, embora brilhante e tomara que caia,
tem comprimento até os joelhos unindo provocação e elegância de forma
que pareceu perfeita para ela. E mesmo que o objetivo primário da minha
escolha tenha sido rapidamente colocado de lado, enquanto eu a olho
embasbacado, vejo-o se cumprir.

Cada maldito par de olhos se vira para Milena e eu descubro que não gosto
nenhum pouco disso. Carla, a hostess responsável por trazê-la até o camarote
no momento em que ela chegasse, surge ao seu lado, indicando as escadas e
os quatro patetas à minha frente,

que babavam na menina através do vidro, como se estivessem diante de uma


vitrine de doces, se viram para mim, percebendo em meu olhar indisfarçado
de quem se trata.
— Porra! — Arthur é o primeiro a reagir e eu ergo uma sobrancelha para ele
em uma advertência silenciosa.

Palavras não são necessárias entre nós, mas ele entende exatamente o que
quero dizer. E, porra! Eu quero! Quero dizer cada maldita palavra que
atravessa meu olhar. No seu, um brilho surpreso de divertimento acompanha
o erguer de suas mãos com as palmas para cima, em um gesto de rendição.

— Eu retiro o que eu disse! — Heitor dobra o lábio inferior para fora e


balança a cabeça para cima e para baixo. — Eu me renderia facinho! Na
verdade, se ela quiser te trocar por mim, eu não reclamaria.

Eu bufo e me viro para Pedro e Conrado, esperando os comentários dos dois


imbecis que faltam. Eles apenas riem e eu caminho a passos apressados até a
porta do camarote.

— Se comportem, caralho! — alerto e abro a porta. A música pulsante


imediatamente toma conta do espaço, atingindo meus ouvidos em cheio e
com o timing perfeito, Milena surge no fim do corredor, caminhando em
minha direção. A maneira como isso parece incrivelmente certo deveria me
alertar para a dimensão do meu problema, mas eu não me importo.

Não quando ao erguer os olhos e me encontrar, seu rosto transparece um


alívio e uma confiança que eu não fiz nada para merecer, mas adoro
constatar. Sorrio para ela e sua retribuição é

tímida, mas como das poucas vezes que vi, seu sorriso transforma sua beleza
em algo indescritível.

— Oi, linda — digo, enlaçando sua cintura em um dos meus braços no


instante em que ela está ao meu alcance e porra, fingir não tem nenhuma
responsabilidade no meu gesto.

Eu simplesmente precisava tocá-la. Milena estremece, deixando-me


impossivelmente mais duro ao reagir de maneira tão sensível. O

corpo quente e pequeno se encaixa no meu perfeitamente. Ela puxa uma


inspiração profunda e seus lábios tremem de maneira suave.
— Oi — responde baixinho, pega de surpresa pelo meu toque.

Ela provavelmente não esperava que ele viesse tão rápido, eu não planejava
que viesse, mas controle não faz parte da minha lista de virtudes nesse
momento.

Seus olhos estão presos aos meus e seu rosto se aproxima. Ela está, outra
vez, inclinando-se na minha direção de maneira inconsciente. Subo uma das
mãos e toco seu rosto. Pressiono minha palma contra sua bochecha e espalho
os dedos em seu maxilar e na lateral do seu pescoço. A pele macia se arrepia
sob o meu toque e o desejo ruge em minhas veias, exigindo mais, dizendo
que as migalhas oferecidas não o satisfarão.

Encaixo o rosto na curva entre seu pescoço e ombro e puxo uma inspiração
profunda, bebendo seu cheiro, mas ainda não é o suficiente. Arrasto a ponta
do nariz por sua pele sensível que reage ao toque com pelos eriçados e ainda
não é o suficiente. A carícia deixa nossos lábios perto, muito perto e muito
antes do que eu

planejava que acontecesse esta noite. Foda-se, eu não sou tão forte assim.

— Eu vou beijar você agora — murmuro, avisando-a um segundo antes de


tomar sua boca com uma fome inexplicável e descobrir, imediatamente, que
eu estou fodido pra caralho, porque enquanto minha língua varre sua boca
tímida em um beijo que pode ser descrito como qualquer coisa, menos
cenográfico, tudo em mim grita que ainda não é o suficiente.

Mesmo que minha mente ainda esteja anestesiada pela surpresa, meu corpo
reage instintivamente ao toque íntimo, correspondendo ao beijo e inundando
meu cérebro de endorfina. Entrelaço minhas mãos em seu pescoço quando
lábios e língua me assaltam, invadindo minha boca sem delicadeza, com
uma urgência extraordinária e totalmente enlouquecedora. O beijo desse
homem é como tudo o mais nele: imponente, seguro, delicioso.

Sua língua tem um objetivo, dissolver-me até que eu seja uma poça no chão
e o trabalho já começou a dar resultados em minha calcinha, subitamente
encharcada. Seu toque firme em minha nuca empurra minha boca contra a
sua, mas não é ela quem me mantém presa ali. É

seu cheiro, sua língua, seu queixo raspando minha pele em cada movimento,
sua mão em minha cintura, um desejo irrepreensível de que esse momento
dure para sempre.

Tudo em mim se entrega a Bruno sem qualquer resistência e, de repente, não


há mais música alta, não há pessoas ao nosso redor, não há luxo opressivo ou
nervosismo tátil. Há apenas essa boca consumindo-me, sua presença me
intoxicando, a necessidade latente em meu baixo ventre e todas as coisas que
minha imaginação fértil deseja que esse homem faça comigo.

Meus pulmões imploram por ar, mas eu me recuso a parar, não importa o
quanto eles gritem necessidade e Bruno parece tão indiferente quanto eu à
falta de oxigênio. Impulsiono meu corpo contra o seu, precisando de mais
contato e sentir sua ereção firme,

pressionando minha barriga, me faz gemer baixinho, completamente


descontrolada.

Eu não sabia que era possível querer tanto alguma coisa quanto quero seu
toque, quanto quero descobrir se a realidade pode superar as fantasias
inundando minha consciência nesse instante assim como o toque da sua boca
superou.

Em algum momento, o beijo ganha outro ritmo, um menos frenético, mas


ainda muito intenso. Enfio as unhas em sua nuca e arrasto-as para baixo,
arranhando a pele quente e recebendo um som rouco como reação. Assobios
altos furam a bolha que havia nos cercado e são seguidos pela música alta,
voltando a atacar meus sentidos. O
toque mais firme de Bruno me revela que ele também sentiu a mudança de
clima, mas, ainda assim, o beijo não é bruscamente interrompido.

Suavemente, sua língua abandona minha boca e apenas seus lábios beijam os
meus uma, duas, três vezes, antes de ele colar a testa na minha. Não ouso
abrir os olhos. Respiro ofegante, empurrando meu peito contra o seu a cada
inspiração e expiração descompassadas. Minha mente é uma bagunça de
excitação, pensamentos incoerentes, desejos não satisfeitos e poucas
certezas, como, por exemplo, que isso foi só encenação.

Não importa se tudo em mim acendeu ou se eu poderia continuar a beijar sua


boca pelas próximas vinte e quatro horas. Não importa se a atuação
despertou um desejo real de que ele vá muito além de me beijar, um desejo
que eu nunca havia sentido antes e que, ainda assim, parece incrivelmente
certo. Nada disso importa e, em meio ao meu caos interior, é a essa certeza
que eu me apego.

Com a calcinha molhada, o coração acelerado, as pernas bambas e um


magnetismo que beira o insuportável me atraindo na direção de Bruno para
que eu volte a beijá-lo até que fiquemos sem ar outra vez, digo para mim
mesma que isso é só trabalho e que eu devo aproveitar o que está ao meu
alcance esta noite.

Ele me avisou que teria que me tocar e eu disse que lidaria com isso. Bem!
A hora é agora! Só para garantir, repito três vezes, em

silêncio, que Bruno não faz parte das coisas que estão ao meu alcance, não
importa o quanto seus olhares e gestos digam o contrário. É mentira.

— Eu avisei que eles são idiotas — o alvo das minhas divagações


silenciosas sussurra com boca e testa ainda coladas às minhas. Sorrio e
concordo. — Pronta? — Minha resposta é uma risada baixa.

Se eu estive pronta para esse beijo, estarei pronta para qualquer outra coisa.
Isso sem mencionar o impacto que foi vê-lo assim que cheguei. Sim, seus
ternos sempre deram muito material para a minha imaginação. Sim, em sua
casa, pude ver uma versão mais descontraída sua, em shorts e camiseta que
só não me causaram um piripaque, porque eu estava concentrada demais em
não sucumbir ao meu despreparo para a sua proximidade.

Ainda assim, nenhuma dessas imagens me preparou ou pode ser comparada


a sua aparência calculadamente sensual de hoje, misturando o melhor dos
dois mundos que eu conhecia. O homem usa uma camiseta de mangas
compridas e gola v azul marinho, jeans escuros apertados e sapatos casuais.
Todos os músculos do seu corpo esculpido parecem ressaltados pelos tecidos
agarrados a eles e tê-lo com os olhos fixos em mim, acompanhando cada um
dos meus passos enquanto eu caminhava na sua direção, tornou impossível
que eu resistisse à sua boca.

Eu ainda não o havia alcançado e minhas pernas já estavam moles, meu


coração já estava acelerado e aquela sensação inebriante que marca sua
proximidade já havia me envolvido. Antes que sua língua me convencesse,
seu olhar parecendo me devorar já havia me persuadido. Bruno é um
excelente ator e eu espero conseguir acompanhá-lo esta noite. Vou me
esforçar, com certeza.

Ele parece entender o que minha risada não diz e dá um passo para trás, mas
não afasta o toque da minha pele.

— Você está linda — elogia.

Mordo o lábio, não conseguindo lhe dar mais do que um aceno tímido como
agradecimento, o que não faz qualquer sentido.

Pelo amor de Deus, Milena! O homem acabou de sugar sua boca como se
fosse um desentupidor e é um elogio que te deixa envergonhada? Só que o
beijo foi para a plateia, esse elogio foi só para mim e bem, não é o tipo de
coisa que espero ouvir de Bruno.

Então me deixem, neurônios inteligentes! Meu namorado de mentira abaixa


lentamente a cabeça, como um aviso, antes de se afastar um passo para o
lado, dando-me a visão do interior do camarote.

Minha virgem Santíssima! Eu pisco várias vezes, atordoada e se havia


alguma parte do meu corpo que não havia ficado quente pelo beijo e pelos
toques de Bruno, fica agora quando finalmente me dou conta da plateia que
nos assistiu. Quer dizer, eu sabia que eles estavam aqui, que esse beijo era
para eles, a parte racional de mim, pelo menos, sabia.

No entanto, a irracional agarrou Bruno, derreteu-se em seus braços e até


mesmo gemeu sem se importar com nada disso. Contudo, sendo muito
honesta, não é isso que faz todo o meu corpo ferver. Não. O que me leva ao
ponto de ebulição é a visão dos quatro homens que me investigam sem
qualquer discrição. Puta merda! Onde essas pessoas vivem? Porque,
definitivamente, não é ao meu redor. Eles parecem saídos de um catálogo de
modelos masculinos.

Dois estão sentados em imensos sofás escuros, um de frente para o outro, e


os outros dois estão de pé, atrás dos braços desses sofás, formando um
semicírculo cuja atenção é toda minha. Será que eu estou atirando neles?
Que meus mamilos estão dolorosamente duros eu já sei, mas será que o
vestido deixa isso à mostra? Deus queira que não! Milena, foco! Foco!

À minha esquerda, sentado, está um homem de cabelos loiros escuros


vestido por um conjunto de calça, colete e camisa com as mangas dobradas
até a altura dos cotovelos.. Seu rosto é triangular e liso, ele tem o maxilar
forte, olhos verdes e lábios finos.

Meu coração corre em voltas no peito, mas eu o obrigo a parar. É

hora de trabalhar coração, deixe para surtar quando estivermos sozinhos,


deitados na nossa nova cama macia, no quarto que não precisamos mais
dividir com ninguém. Ok? Ok! Se o pobre órgão

tivesse formas humanoides, ele daria pulinhos em preparação, estalaria o


pescoço e ensaiaria um gancho de direita e um de esquerda antes de acenar
positivamente para mim.

Ele não é doido! Sabe que o conforto recém-adquirido não é algo que
queremos perder. Visto um sorriso, ignorando o nervosismo que me faz
tamborilar os dedos dos pés dentro das sandálias de saltos altíssimos e,
agora, indiscriminadamente, giro o pescoço, olhando para cada um dos
rostos que me encara de volta.
— Deixa eu adivinhar — proponho e algumas sobrancelhas se erguem em
surpresa. — Pedro! — Aponto para o homem de colete. —

Heitor — me dirijo ao moreno de queixo quadrado, barba cerrada, olhos


castanhos e cabelos bagunçados, vestido por uma calça jeans escura,
camiseta e jaqueta de couro preta, parado de pé ao seu lado.

— Arthur. — Avanço para o outro de pé, mais um loiro, esse com porte de
surfista e tão musculoso quanto Bruno. Seus olhos verdes são divertidos. —
E você só pode ser o Conrado — termino, apontando para o segundo homem
sentado. Seus cabelos e barba são muito escuros, seus olhos são de um azul
cinzento, ele tem uma forma investigativa de olhar e é o único usando terno
e gravata.

— Uau! Impressionante! Ele nos descreveu em detalhes, é? — o que tem


diversão no olhar, Arthur, pergunta e sua voz é leve. Se Bruno não for o
palhaço do grupo, provavelmente, Arthur é.

— Ele fez melhor — finjo confidenciar e todos eles erguem as sobrancelhas,


curiosos. Seguro a informação por alguns segundos, alimentando sua
expectativa. — Ele me mostrou fotos! — Risadas soam altas e baixas. Viro o
rosto na direção de Bruno que também sorri daquele jeito menino que faz a
porcaria do meu peito se derreter.

Ele puxa meu corpo em sua direção e planta um beijo em meu pescoço. Que
Deus me ajude a chegar ao fim dessa noite inteira, porque esse homem, com
certeza, não vai ajudar.

— Quer beber alguma coisa? — Bruno pergunta.

— Tem Coca-Cola? — Ele me olha com uma expressão engraçada, como se


não pudesse acreditar que eu estou pedindo coca cola.

— Sério? — questiona, confirmando minhas suspeitas.


— Você pode pedir qualquer coisa. Tem certeza de que quer Coca-Cola?

— Eu não bebo — explico. — Nada alcoólico, pelo menos — digo baixinho


e ele balança a cabeça em concordância, ainda que seu rosto deixe clara a
sua incompreensão.

Ele chama a mulher uniformizada atrás do bar e pede minha Coca-Cola e um


drink chamado Pink elefant e eu acho graça em saber que um homem do
tamanho dele vai beber algo chamado elefante rosa.

Os rapazes, como os apelidei mentalmente, se mantém atentos a cada um dos


nossos gestos, investigando, como meu suposto namorado avisou que
fariam. Nós nos sentamos, a funcionária nos serviu e eu descobri que o
drink, na verdade, era para mim.

Bruno me perguntou se eu já tinha experimentado e quando respondi que


não, ele pareceu estranhamente satisfeito em descobrir.

O homem deixou claro que eu não era obrigada a beber, mas, caso quisesse
experimentar, estaria ali.

Por alguma razão, ele achava que eu ia gostar da mistura de espumante,


vodca, hortelã, limão e morangos e confesso que quanto mais olho para a
taça, maior é a vontade de dar pelo menos um gole para descobrir o sabor.

— Vocês vão assustá-la, porra! — Bruno reclama quando cinco minutos


depois de nos sentarmos, ninguém faz nada além de olhar para nós dois
como se fôssemos um animal extinto.

Nos primeiros trinta segundos, achei que estavam tentando me deixar


confortável. Nos próximos, comecei a me sentir exatamente o oposto disso e
deixei que meus olhos vagassem pelo ambiente.

Nenhuma das poucas imagens que encontrei no google foi capaz de pintar a
imagem completa deste lugar, principalmente do camarote.

Não havia nenhuma disponível on-line.


O Clube Carmesim poderia se chamar Clube do Luxo e eu tenho certeza de
que ninguém se atreveria a contestar. Dos móveis refinados à imensa
quantidade de tecnologia espalhada em todos os cantos, não há como
duvidar do quão exclusivo o ambiente é e eu tenho quase certeza de ter visto
um deputado famosinho no andar de baixo, quando cheguei.

— Desculpe. Nós só estamos tentando entender — Pedro diz para mim,


ignorando a expressão contrariada de seu amigo sentado ao meu lado, com o
braço em meus ombros e uma mão sobre a minha coxa. Eu não estou
tremendo e isso deve valer de alguma coisa, certo?

— Entender o quê? — pergunto, mesmo que seu olhar me diga que essa era
uma pergunta armadilha.

— Porque você está saindo com esse cara! Sério! Olha pra você!

Eu tenho certeza de que você tem opções muito melhores. —

Gesticula com as mãos, querendo demonstrar que está dizendo algo óbvio.
Eu sorrio, achando graça de verdade, porque os outros três estão balançando
as cabeças em concordância e Bruno está bufando, insatisfeito. — Aqui
mesmo, nessa sala, tem quatro. — Acena, indicando a si e aos outros, agora,
todos sentados lado a lado no sofá à minha frente. — Sério! Por quê? —
Franze as sobrancelhas e nega em silêncio.

Viro o rosto e olho para um Bruno mal-humorado sem conseguir apagar meu
próprio sorriso.

— Bem, deixa eu ver... — Inclino a cabeça, fingindo estar pensativa e Bruno


ergue uma sobrancelha. — Ele beija muito bem, sabe? —

respondo aos rapazes, mas não desvio os olhos dos seus. Sinto minhas
bochechas esquentarem imediatamente quando sua testa se franze em
surpresa, segundos antes de um sorriso safado se espalhar em seus lábios. —
E ele tem acesso a lugares muito legais, como

esse. — Fujo da intensidade do seu olhar, virando-me para os seus amigos.


— De novo... — Conrado começa e faz uma pausa, fingindo incompreensão
e eu acho graça de vê-lo fazer a brincadeira, apesar de aparentar ser o mais
sério dos cinco. — Quatro opções bem melhores nessa sala e com os
mesmos benefícios! — Espalma as mãos para cima e, de novo, os outros três
concordam. Tomo alguns goles da minha Coca-Cola, escondendo meu
sorriso atrás do copo.

— Vamos lá, linda! — Arthur sugere e mesmo que eu tenha acabado de


conhecê-lo, o sorrisinho pendurado no canto da sua boca é indicativo
suficiente de que ele está prestes a falar uma grande besteira. — Você pelo
menos precisa experimentar todos nós antes de tomar uma decisão — diz,
como se estivesse propondo que eu experimentasse copos de bebidas, não
homens, e eu me engasgo com meu refrigerante.

O acesso de tosse é inevitável. Puta merda! Puta merda! Viro-me,


escondendo meu rosto sem ar no peito de Bruno e luto para recuperar o
controle da minha respiração, mas é muito difícil, porque eu quero parar de
tossir e rir, tudo ao mesmo tempo. Meu pai! Que absurdo!

Que absurdo!

Bruno espalma as mãos em minhas bochechas e me obriga a manter os olhos


nos seus.

— Respira devagar, meu bem — orienta e eu me esforço para conseguir.


Muitas tosses depois, o ar finalmente recomeça a circular corretamente pelos
meus pulmões e eu paro de achar que vou morrer.

— Ótimo. Quer água? — Nego com a cabeça e como se soubesse que eu não
serei capaz de olhar para os seus amigos agora, pelo menos, não
imediatamente, anuncia: — Ok! Isso é o suficiente! —

Vira-se para os rapazes e seu tom é de aviso. Logo depois, volta a olhar para
mim. — O que você acha de conhecer o clube? — oferece e eu lambo os
lábios antes de concordar.

Pensar em passar a noite inteira dentro desse camarote na minha primeira


vez em uma boate estava mesmo me deixando um pouco frustrada e, depois
da sugestão de Arthur, que embora engraçada
também foi muito constrangedora, principalmente pela minha reação, sair
daqui é, literalmente, juntar o útil ao agradável.

— Mas ela acabou de chegar! — é justamente ele quem protesta como uma
criança que teve seu brinquedo guardado porque é hora do jantar.

— E vocês não souberam se comportar — é tudo o que Bruno diz antes de se


levantar, estimulando-me a fazer o mesmo. — E se quando voltarmos vocês
ainda não tiverem descoberto como se faz isso, eu juro por Deus que nós
vamos embora.

Minha vontade é colocar Milena no elevador, descer até o segundo andar do


clube, me enfiar com ela em um dos quartos privativos e terminar o que
começamos na porta do camarote, mas essa sequer é uma opção.

Sentar ao seu lado, com seu corpo tão perto, sabendo que aquelas migalhas
seriam tudo o que eu teria, começou a parecer tortura depois do primeiro
minuto e então aqueles filhos da puta a estavam comendo com os olhos sem
qualquer pudor, de novo.

Eu não queria ter parado de beijá-la. Eu não queria ter que dividir sua
atenção com aqueles quatro babacas, depois de finalmente entender do que
preciso para acabar com esse tesão que não é apenas por sexo, mas por sexo
com ela. Eu soube no instante em que minha boca tocou a sua, apenas para
ser lembrado no instante seguinte, de sua resolução de que nosso acordo não
incluiria sexo.

E, se isso não fosse o suficiente, houve o comentário de Arthur, ou, mais


precisamente, minha reação a ele. Para quem não nos conhece, as palavras
do cretino até poderiam soar como piada, mas eu sei bem o quão a sério elas
poderiam ser levadas, como tantas vezes já foram.

O problema é que a perspectiva que geralmente me excitaria, deixou-me à


beira do descontrole, não por ciúmes, mas por puro egoísmo.

E embora nunca houvesse faltado defeitos dos quais eu pudesse ser acusado,
descontrole nunca foi um deles. Mesmo os meus movimentos mais
irresponsáveis, sempre foram calculados. Porém, no

segundo em que coloquei meus olhos em Milena esta noite, meu domínio
sobre mim mesmo parece ter evaporado.

Bastou ouvir a sugestão besta para que eu me visse prestes a perder a cabeça
caso não tirasse Milena daquele camarote imediatamente. O mesmo lado que
não queria parar de beijá-la, recusava-se a dividi-la, mesmo que só em
pensamentos, antes que, primeiro, eu tivesse a chance de prová-la sozinho.

Mas eu não provaria, repreendo-me, forçando-me a sair dos meus próprios


pensamentos, passando a enxergar o que está à minha frente ao invés de
apenas ver e me mover no automático, e o que vejo não me ajuda muito.

Segurando minha mão, Milena caminha à frente, abrindo espaço entre as


pessoas no primeiro andar do clube. Meus olhos escorregam por seus
ombros, costas, quadris, pela bunda redonda e pelas pernas delineadas na
saia justa do vestido.

Sua cabeça se move, deslumbrada, olhando para todos os lugares alcançados


por seus olhos até se fixarem nos espelhos que rodeiam o mezanino. Ela gira
em torno de si mesma, bebendo da visão proporcionada pelos reflexos até
estar diante de mim.

— Aqueles espelhos? — pergunta e graças à curta distância entre nós, ao


mar de pessoas ao nosso redor e à música explodindo o vazio, eu não a ouço.

Consigo ler seus lábios e isso deveria ser o suficiente. No entanto, como
mais uma prova do meu descontrole, envolvo meus braços em sua cintura e a
puxo em minha direção. Sua boca bate em minha orelha com o timing
perfeito para que eu a ouça ofegar.
Meu pau reage imediatamente, desejando que fosse para ele. Eu só posso
estar ficando louco. E enquanto não consigo pensar em qualquer outra coisa
desde que nos devoramos, desde que saímos do camarote, Milena parece
muito mais interessada nas luzes, no bar, lotado de bebidas que ela não bebe,
no palco e até mesmo nas pessoas ao nosso redor do que na minha
companhia.

Ela correspondeu ao beijo e correspondeu pra caralho, então por que raios,
agora que voltamos a ficar sozinhos, ela está interessada no palco, no DJ, na
porra dos espelhos e em qualquer outra coisa que não seja a minha boca, se
tudo o que eu quero é a sua?

— São os vidros dos camarotes. Quem está dentro pode ver tudo, quem está
fora não vê nada — sussurro em seu ouvido e sinto seu corpo se derreter em
meus braços. Sua reação é tão gostosa quanto sua boca e eu me imagino
fodendo Milena contra esses espelhos.

Será que ela gostaria da falsa sensação de estar sendo observada por todas as
pessoas que estão aqui embaixo? Ela desencaixa o rosto do meu pescoço e
encontra meu olhar.

— Como nas salas de interrogatório da polícia? — A comparação inocente


me diverte. Porra, como nossos pensamentos são diferentes!

— Salas de interrogatório? — pergunto com a boca muito perto da sua.

— Eu gosto de séries de TV. — Sorri pequeno e dá de ombros, aproveitando


para se afastar.

Toco sua bochecha e deslizo o polegar ali algumas vezes. Milena fecha os
olhos brevemente, aproveitando a carícia, mas assim que os abre, está
determinada a fugir de mim. Isso fica óbvio quando ela inclina a cabeça para
trás e olha para cima, parecendo procurar alguma coisa.

— Aquele é o nosso? — indaga, apontando para um dos camarotes depois de


estudar vários deles. Ela erra por dois.

— Aquele lá. — Aponto para o segundo à direita do que ela havia indicado e
sua cabeça balança, concordando. Volta a olhar para mim e antes que ela
abra a boca ou consiga desviá-los, me descontrolo outra vez. — Você dança,
Milena? — Minha proposta não tem nada a ver com o fato de eu ter certeza
de que há quatro imbecis nos acompanhando pelo vidro, lá em cima, e tudo a
ver com o fato de que eu quero sua atenção e participar de sua exploração
pelo clube parece a única forma de conquistá-la. Milena inclina a cabeça,
começando a sorrir.

— Em público?

— Acho que sim — ironizo com os olhos estreitados, já que estamos no


meio da pista de dança. Ela me dá um tapa leve, reclamando.

— Nunca tentei — confessa antes de morder o lábio. Porra, eu quero mordê-


lo também.

— E o que você acha de uma primeira vez?

— Com você? — Parece surpresa e eu a puxo ainda mais, encaixando seu


corpo ao meu e começando a me movimentar, fazendo com que ela se mova
junto comigo. Sua gargalhada se sobrepõe ao som da música, tão gostosa
quanto sua dona e não leva nem dois minutos para que Milena se solte.

Ela move os quadris com desenvoltura e eu me vejo libertando-a dos meus


braços. A menina sabe exatamente o que fazer com a liberdade de
movimentos, dizendo-me sem usar uma palavra sequer que sim, quando está
sozinha, ela dança, e adora.

Meu olhar não é o único a ser atraído pelo seu corpo em movimento, cada
porra de par de bolas ao nosso redor parece lhe dedicar a mesma atenção que
eu, entretanto, os únicos olhos nos quais o seu par de pedras azuis está
concentrado são os meus. É nos meus braços que ela gira e para eles que ela
volta a cada movimento mais ousado fazendo muito mais do que dançar
comigo, como propus, mas dançando para mim e essa certeza é boa pra
caralho.

A sequência de músicas explosivas é substituída por uma batida um pouco


mais lenta, porém intensa e os movimentos da mulher diante de mim
acompanham a mudança, ganhando uma sensualidade natural e
completamente hipnotizante.
Milena ergue os braços acima da cabeça e solta o corpo em rebolados
ritmados. Seus cabelos se movem em uma nuvem castanha escura, grudando
na testa que já ganhou uma fina camada de suor depois de algumas danças,
assim como seus braços, colo e pescoço.

Mas o que torna a sua dança o movimento mais sexy que já vi na vida, é o
sorriso em seu rosto.

Há uma beleza diferente na descoberta de Milena. A felicidade em seu rosto


é leve, livre e linda. De novo, esgueirando-se pelos cantos da minha
consciência, aquela satisfação estranha por ter sido eu o responsável pelo seu
sorriso se instala em meu peito.

— É gostoso, mas eu ainda prefiro Coca-Cola — Milena afirma depois de


dar um gole no segundo pink elefant que pedi para ela, movido por aquele
desejo estranho de querer que ela experimente tudo, de ser eu a providenciar
que isso aconteça, já que ela nem tocou no primeiro.

Eu rio do seu comentário, mas concordo, estendendo para ela o copo de


Coca com gelo e limão. Sentada na banqueta do bar, suada, com o rosto,
colo, pescoço e braços quentes, ela leva o copo à boca, bebendo mais da
metade de uma vez, parecendo mais do que nunca a menina que é.

Milena não está preocupada em parecer sensual, ela foi ao banheiro e sequer
aproveitou para retocar a maquiagem ou alinhar os cabelos. Voltou de lá com
as ondas tão volumosas quanto foram e ainda sem o batom vermelho que se
perdeu de seus lábios em algum momento da noite.

— Você quer subir? — ofereço e ela morde os lábios, pensativa.

— Podemos ficar aqui embaixo mais um pouco?

— Você quer dançar mais ou está fugindo do que sabe que vai encontrar no
camarote? — Ela ri e dispensa minha pergunta com um aceno.
— Ah, não. Os rapazes parecem legais. Um pouco bobos, sem filtro, com
certeza. Mas legais.

— Os rapazes?

— Repetir Arthur, Heitor, Pedro e Conrado demora demais.

— Então você é uma preguiçosa? — Não evito o sorriso ao perguntar.

— Só quando me convém — concorda antes de gargalhar.

— E além de dizer nomes em sequência, em que outras ocasiões te convém?

— Exercícios físicos! Diferente de você, eu odeio fazer exercícios físicos.

— E como é que você sabe que eu gosto? — Seus olhos deixam meu rosto e
deslizam para baixo lentamente. Ela varre meu pescoço, ombros, peito e
coxas em uma resposta silenciosa antes de desviar os olhos. Ah, Milena.
Mas nem fodendo você vai escapar dessa. Desço do meu banco e com
apenas um passo, me encaixo entre as suas pernas, mesmo que o vestido
justo não permita que eu me aproxime tanto quanto eu gostaria. — Como,
Milena? — Sua língua lambe os lábios devagar e ela deixa o copo sobre o
balcão do bar.

Surpreendendo-me, seus braços envolvem meu pescoço e suas coxas


apertam as minhas. Meu pau, que não me deu descanso a noite inteira, mas
que já tinha se conformado em não chegar nem perto de onde gostaria de
estar, reage à proximidade voluntária de Milena, abandonando a postura
meia bomba e endurecendo completamente.

Suas mãos deslizam pelos meus ombros, apalpando os músculos com


delicadeza antes de os dedos finos subirem pela minha nunca, arrepiando-me
inteiro, e se entrelaçarem nos cachos curtos dali.

— Eu acho que eles falam por si mesmos. — Sorri, aproximando o rosto do


meu. Franzo a sobrancelha, surpreso, mas satisfeito pra caralho e subo minha
mão até enfiar os dedos pelas raízes dos cabelos acima de seu pescoço. Estou
prestes a acabar com a aproximação lenta e enfiar a língua em sua boca,
quando sinto uma mão que não é a de Milena em meu ombro.
Expiro com força, querendo mandar o fodido inconveniente para a puta que
pariu, mas antes que eu possa me virar para descobrir de quem se trata, a voz
familiar anuncia:

— Olá, casal.

— Arthur — resmungo, puto.

Não sei se mais pela interrupção ou se pela percepção de que toda a


aproximação súbita de Milena não passou de teatro, e não de ela finalmente
admitindo o próprio interesse, como acreditei inicialmente.

Ela apoia a cabeça em meu ombro quando me viro na direção do meu amigo
e seu olhar assiste atentamente à minha reação, que é envolver meu braço na
cintura estreita de Milena e trazê-la ainda mais para perto. O aceno que ele
dá é quase imperceptível, mas eu o identifico, assim como brilho de
curiosidade em seus olhos.

Eles acreditaram.

Mas, porra, seria impossível não acreditar, já que, contra as minhas próprias
expectativas e planos, cada uma das minhas reações foi verdadeira. É certo
que nada disso vai durar três meses, porém hoje, mais do que eu já quis
qualquer outra mulher, eu quero Milena e, pelo menos para alguma coisa
além de frustrar meu pau esse desejo serviu.

— Eu sou o mensageiro — Arthur avisa, erguendo as mãos e indicando


nosso camarote com a cabeça. — Vim avisar que nós estamos indo — diz
como um código para “Estamos descendo para onde a verdadeira festa vai
começar”.

Eu espero pela inveja ou, pelo menos, pelo desgosto por não fazer o mesmo,
afinal, acho que a última vez que um de nós cinco esteve no primeiro andar
da Carmesim por tanto tempo, foi no dia da sua inauguração. Nossas visitas
sempre começam, no mínimo, pelo segundo andar da casa, onde as coisas
começam a ficar interessantes. Estranhamente, não sinto nada além de
satisfação por estar exatamente onde estou.
— Tão cedo? — Milena pergunta inocentemente e Arthur dá de ombros,
evitando mentir.

— Foi um prazer conhecer você, Milena — fala, aproximando-se para deixar


um beijo em sua bochecha e eu bufo. Cretino. Milena

levanta a cabeça, deixando meu ombro vazio e aceita o cumprimento.

— Espero te ver no domingo.

— O que tem no domingo? — pergunta para ele, mas olha para mim que
logo depois, olho para ele, filho de uma puta.

— Nada — respondo entredentes.

— Ah, não seja ranzinza, Bruno! — ele diz para mim antes de focar em
Milena. — Uma festa, no meu barco, eu espero te ver lá.

— Nem fodendo, vocês não são confiáveis pra isso! — declaro, sabendo
bem o tipo de coisa que acontece nas festas de qualquer um de nós. Não nas
minhas, pelos próximos três meses, e ele bufa.

— Hipócrita! — acusa. — E Milena é bem grandinha pra decidir onde quer


ir. Pare de tratá-la como uma virgem imaculada! Se você quiser ir e esse
babaca se recusar a te levar, liga pra mim. Ele tem meu número. E você, pare
de agir como um babaca e a leve! Sem ela, você está desconvidado! —
exclama, cutucando meu peito com as sobrancelhas erguidas, deixando claro
que está falando sério. Ir sozinho não é opção. Filho de uma puta.

“Claro, porque eu vou me recusar a levá-la, mas vou dar seu número pra ela.
Com certeza, imbecil.” É o que eu gostaria de dizer, no entanto, apenas
reviro os olhos, recusando-me a lhe dar confiança.

Ao invés disso, observo o rosto de Milena se tornar vermelho rapidamente


com o comentário invasivo, como sempre. Arthur se vai, deixando um clima
bem diferente do que encontrou quando chegou.

Os olhos azuis à minha frente vagam sem objetivo por alguns segundos, os
dentes afundam no lábio inferior e quando Milena volta a me encarar, sei
que ela está prestes a me fazer uma pergunta antes mesmo que ela abra a
boca.

— Por que você não quer me levar? Achei que provar aos rapazes que
estamos juntos era o objetivo. — Sua cabeça inclinada e o bico em seus
lábios deixam claro que sua pergunta não tem nada a ver com confusão e
tudo a ver com curiosidade.

— As festas do Arthur não são ambiente pra você, Milena. — Seus olhos
arregalam, suas sobrancelhas franzem e sua boca abandona o bico para se
abrir em uma surpresa indignada, no entanto, ela não diz nada e eu percebo
que vou precisar ser mais claro. Suspiro e levo uma das mãos à sobrancelha,
coçando ali sem me desfazer do toque em sua cintura com a outra mão. —
Pense um pouco, Milena. Arthur, o solteiro convicto que te disse que você
devia dormir com ele e outros três antes de decidir ficar comigo dá uma festa
num barco. Você sabe o que acontece...

— Eu nunca fui numa festa no barco.

— O lugar realmente não é importante, Milena. O que acontece lá é o


mesmo que acontece em qualquer outra festa. Homens solteiros, algumas
mulheres na mesma condição, a bebida entra, as roupas saem e o que
acontece depois disso, você sabe, certo? — explico sorrindo, mas se antes
seu rosto ficou vermelho, agora ele parece prestes a explodir.

Ela engole rápido, desvia os olhos e, em seguida, pega o copo de Coca-Cola


que tinha deixado sobre o balcão como se ele fosse uma boia salva-vidas e se
esconde atrás dele, bebendo o que sobrou do refrigerante com uma lentidão
injustificada.

Primeiro, me divirto com a reação, achando que seria só mais um caso de


constrangimento ao mínimo sinal de que o assunto sexo será abordado. No
entanto, quando resta apenas gelo em seu copo e ela continua com o canudo
na boca, recusando-se a admitir que a bebida acabou, apenas para não
precisar me dar uma resposta, minha mente é incapaz de se manter
indiferente ao convite e começa a trabalhar nas possíveis razões para isso.
Milena desvia os olhos, foge do meu olhar, parecendo quase receosa de que
se abrir a boca ou mantiver minha atenção por mais de três segundos
ininterruptos, eu descobrirei um grande segredo seu.

De pé, entre as suas pernas, investigo seu perfil tentando compreender o que
pode estar passando por sua cabeça castanha escura. Pisco os olhos e recuo o
rosto quando uma ideia atravessa meus pensamentos, mas, não, porra. Nem
fodendo.

Como se soubesse exatamente o que está se passando pela minha cabeça, ela
se vira para mim, mas, rápido demais, desvia o olhar, fugindo outra vez e
dando força à alternativa em que não quero acreditar. Prendo seu queixo
entre meu polegar e indicador e, com delicadeza, trago seu rosto para mim.

O fenômeno do início da noite se repete e tudo o mais que não seja ela some
da minha visão. Somos apenas nós dois e antes que eu faça a pergunta, seu
rosto, tão fácil de ler, me responde. Pisco, algumas vezes, atordoado pela
compreensão.

Caralho! Eu sou um idiota! Um idiota fodido da porra! Como eu não pensei?


Como eu não entendi isso antes? Sua afetação apenas pela minha
proximidade, seus olhares furtivos, sua sensibilidade a toques mínimos, sua
reação toda vez que alguma referência a sexo é feita e, é claro, sua recusa
categórica, antes mesmo que houvesse uma proposta, a transar comigo.

Atribui tudo isso à inexperiência e puta que me pariu! Era mesmo!

Era pra caralho! A certeza chega sorrateira, mas se assenta soberana, ligando
cada ponto perdido, recuperando cada palavra dada e indício desperdiçado.

Em segundos, o mapa está completo em minha própria cabeça, eliminando


qualquer dúvida, ou esperança, que eu pudesse manter sobre estar enganado
e, pela terceira vez esta noite, me percebo mais fodido do que acreditei estar
apenas um minuto antes.

Primeiro, quando me dei conta de que estava ansioso pela chegada de


Milena.
Depois, quando me vi ansioso para provar sua boca sem qualquer outro
objetivo que não fosse sentir seu gosto.

E, agora, quando percebo aquilo que sempre esteve diante dos meus olhos e
que, mesmo assim, recusei-me a ver até que fosse tarde demais.

A menina por quem eu passei a noite inteira babando é a porra de uma


virgem, e essa sequer é a pior parte. Eu estou tão irremediavelmente ferrado,
que mesmo depois de saber disso, meu

pau continua tão duro por ela e para ela quanto no momento em que suas
coxas me apertaram e eu achei que ela estava prestes a admitir que está tão
atraída por mim quanto eu por ela.

Grudo o corpo à porta do meu quarto, finalmente soltando a respiração. A


sensação que tive durante o trajeto da boate até em casa, era que se qualquer
oxigênio saísse pela minha boca ou nariz, eu entraria em combustão. Fingi
dormir no carro para não precisar lidar com a presença intoxicante de Bruno
por mais tempo ou com o fato de que agora ele sabe.

Nenhuma palavra foi dita sobre o assunto, mas eu tenho certeza de que
minha reação estúpida às suas palavras sobre o que costuma acontecer nas
festas de Arthur me entregou. Sua descoberta estava escrita no seu rosto,
espalhada por todo ele, como provavelmente, minha verdade esteve no meu.

Não que fosse segredo, não era. Tampouco é motivo para me envergonhar. É
só que a última forma que eu esperava que a noite de hoje acabasse, era com
Bruno descobrindo sobre minha virgindade.
Nada esta noite saiu como eu esperava, do momento em que coloquei meus
pés na Carmesim e descobri aquele mundo de luxo, até o instante em que o
olhar de Bruno encontrou o meu após sua descoberta e ainda estava cheio do
que quer que seja essa coisa entre nós dois.

Essa coisa que me acende como uma árvore de natal e me faz refém do
desejo de que a promessa em seu olhar, que ele seria capaz de me devorar
apenas com um toque, seja cumprida. Como eu deveria ser capaz de suportar
isso pelos próximos três meses?

Lembranças da noite me assaltam. Os olhares, o beijo, os toques, a maneira


como Bruno parecia realmente interessado em cada um dos meus gestos,
como sorria quando eu sorri, como puxava inspirações profundas em meu
pescoço ou cabelo, como eu quis desesperadamente um segundo, um
terceiro, um quarto e um milionésimo beijo seu e até mesmo o fato de ele ter
respeitado minha recusa em falar sobre o assunto, mesmo quando ficou
evidente que ele entendeu o que tentei esconder com silêncio. Seria tão fácil
acreditar. Tão fácil.

Quando paro de tremer, largo a pequena bolsa em minha mão sobre o chão e
um pé depois do outro, tiro as sandálias. Meus pés afundam no tapete
felpudo do quarto todo em tons de cinza, rosa e branco, ligo o ar-
condicionado e vou direto para o banheiro, desesperada por água gelada.

Não adianta.

Depois de quase meia hora embaixo dele, o chuveiro potente ainda não faz
nada para acalmar minha pele, meus músculos parecem ter se transformado
em brasas e eu tenho quase certeza de tê-los ouvido chiar quando o primeiro
jato atingiu a pele que os cobre. Frustrada, saio do box ainda molhada e
deixo o banheiro sem nem mesmo vestir os pijamas pendurados. É capaz de
eles pegarem fogo se me tocarem.

O contato do ar gelado com o corpo molhado é gostoso, mas ainda não é o


suficiente. Deito na cama com a cabeça e peito cheios, insuportavelmente
cheios. O roçar da roupa de cama parece acentuar a necessidade vibrando
dentro de mim. Tenho a impressão de que eu poderia gozar apenas com um
olhar de Bruno para o meu corpo nu nesse momento, e basta pensar para que
a imagem ganhe corpo por trás dos meus olhos fechados.

Eu o ouço antes de vê-lo. A porta do meu quarto faz um barulho suave, são
seus passos pesados que me alertam da sua chegada.

Lambo os lábios em expectativa, mas ele não se aproxima. Ouço o

“click” da porta fechando, o “track” da chave girando e, depois, o som


abafado das suas costas tocando a madeira. Minha respiração está

ruidosa e mesmo com os olhos fechados, sei exatamente qual é a sua


posição. Ele está encostado à porta com um joelho dobrado e o outro
esticado, os braços cruzados na frente do peito e os olhos deslizando pela
minha pele, descobrindo cada cantinho exposto única e exclusivamente para
ele.

— Abre as pernas pra mim, meu bem. — Usa o apelido carinhoso que fez
meu coração se rebelar hoje mais cedo e eu me abro. —

Linda pra caralho, Mile. — A voz é um esgar rouco, infiltrando-se pelos


meus ouvidos e acariciando-me como um sussurro. — Eu quero ver você se
tocar. Se toca pra mim, Milena. — Não preciso ouvir duas vezes para,
novamente, obedecer.

Começo pelo pescoço, minhas mãos deslizam por ele e meus músculos
imediatamente se lembram da sensação de ter Bruno segurando ali,
aplicando a pressão perfeita enquanto sua boca dominava a minha. Eu gemo,
sentindo a palpitação entre as minhas pernas escancaradas aumentar. Meu
clitóris pulsa, dolorido, e minha excitação, pela primeira vez na vida,
escorre.

Meu namorado de mentira emite um som rouco, vindo direto de sua


garganta, e eu tenho certeza de que ele está vendo o que estou sentindo.
Estou gotejando por ele, para ele. Desço as palmas das mãos até meus seios.
Os mamilos, duros como pedras, protestam quando são apertados entre meus
polegares e indicadores e eu me remexo na cama, fecho as pernas,
pressionando uma coxa contra a outra.
— Pernas abertas, Milena. Mantenha essa boceta arreganhada pra mim! —
diz duramente, e como não há qualquer espaço do meu corpo ainda não
afetado pelo desejo, sua ordem parece acrescentar uma nova camada de
desespero à minha necessidade latente. — Isso, continua. Eu quero ver esses
dedos chegando ao grelinho inchado —

incentiva quando minhas mãos abandonam os seios, descendo pela barriga.

Finco as unhas nas laterais do corpo e desço arranhando, imaginando que se


fossem suas mãos no lugar das minhas, seu toque não seria leve ou delicado,
mas bruto e possessivo.

Uma risada baixa atinge meus ouvidos e eu sei que acertei.

Espalmo as mãos nas laterais das coxas e as aperto. O tremor em meu


abdômen é real, expectativa por estar tão perto do lugar onde eu seria capaz
de implorar para ser tocada nesse momento.

Minhas mãos alcançam a parte interna das coxas, eu sinto gotículas de suor
se acumulando no espaço entre meu nariz e boca, os lençóis pinicam minhas
costas e bunda. Eu me esfrego contra eles com força.

— Tsc, tsc, tsc. — Bruno estala a língua em negativa. — Nada de foder a


cama, gostosa. Eu quero ver você fodendo seus dedos. —

Solto uma expiração alta, transbordando excitação quando finalmente meus


dedos alcançam meu púbis e eu os tamborilo suavemente sobre o monte
coberto por pelos curtos, descendo pelos lábios até o final e subindo outra
vez. Mais um gemido baixo deixa minha boca. —

Arreganha essa boceta, linda — ordena e com uma mão, abro os grandes
lábios. O vento frio chicoteia meu clitóris agora exposto e é impossível me
manter calada.

— Bruno — choramingo seu nome baixinho.

— Você tá dolorida de tesão?


— Eu tô, Bruno! Por favor, por favor — peço, imploro, mesmo que eu não
saiba pelo que. É do meu corpo que estamos falando, mas quando a
autorização vem, eu tenho certeza de que não poderia ter feito nada antes de
recebê-la.

— Esfrega esse grelo, Milena. Esfrega até gozar. — E eu esfrego.

Começo com movimentos de sobe e desce, mas conforme vou perdendo o


controle, passo a tocá-lo em movimentos circulares, descendo até alcançar a
vulva, ansiosa pela sensação que ainda me é desconhecida, mas pela qual
todo o meu corpo pulsa.

No entanto, antes que eu possa brincar com a minha entrada, ouço o


grunhido de negação.

— Nem pense nisso. Só eu meto em você, meu bem. Mantenha esses dedos
gulosos do lado de fora — avisa e eu não tenho tempo

para contestar.

Não quando estou tão perto da borda. Volto a esfregar meu clitóris como se
minha vida dependesse disso, e depende. Se eu não gozar nos próximos
trinta segundos, vou enlouquecer e viver louca não é vida.

O calor que envolve meu corpo está em todos os lugares enquanto eu estou
gemendo despudoradamente, minha boca aberta está seca e meu maxilar está
dolorido pela força com que o mantenho aberto, mas eu não me importo,
tudo o que quero é chegar lá.

Mais prazer, eu preciso de mais. Acelero os movimentos dos meus dedos,


ouvindo o zíper de Bruno ser aberto e o imagino abaixando a cueca,
segurando seu membro duro, grosso. Eu o imagino se masturbando para
mim enquanto me vê me masturbar para ele e explodo.
O gozo é arrebatador e excruciante. Mordo meu antebraço para abafar o
grito do seu nome que deixa meus lábios e seria capaz de acordar a casa
toda, talvez até mesmo alguns vizinhos se não fosse silenciado.

Meu corpo inteiro convulsiona, arrebatado pelo orgasmo mais intenso que já
tive na vida e quando eu abro os olhos, preciso de alguns segundos antes que
alguns pontinhos pretos parem de dançar diante deles.

Sozinha, suada, melada de gozo e com os dedos pressionando meu clitóris,


uma certeza me atinge com tanta força quanto o orgasmo que acabei de ter:
eu estava completamente louca quando achei que conseguiria passar
psicológica e fisicamente ilesa por esse trimestre.

Eu já me sinto enlouquecendo e hoje é só o primeiro dia.

“Você tem medo de altura?” Dizia a mensagem que recebi de Bruno ontem e
me fez franzir as sobrancelhas. Que tipo de pergunta era

essa? Depois da noite de sexta, eu esperava muitas perguntas, essa,


definitivamente, não era uma delas.

Respondi que não e logo em seguida, recebi outra pergunta: “Você ainda
quer ir à festa dor Arthur?” Essa não respondi tão imediatamente. Levei
cinco minutos tentando entender o que deveria estar passando na cabeça do
homem por trás daquela pergunta.

Ele não precisava me perguntar e, ainda assim, estava fazendo isso. Ele
também não precisava me poupar e, ainda assim, essa foi a decisão que
tomou sozinho e agora, me dava a chance de mudá-la.

Por quê? Não tinha essa resposta, mas ao final das minhas divagações, eu
tinha a da pergunta dele.

“Quero.” Digitei e enviei. Eu queria ir desde o momento em que o amigo de


Bruno falou sobre a festa, estava curiosa. E, se o alerta de Bruno sobre o que
acontece em eventos como esse serviu para alguma coisa, foi para aumentar
a minha curiosidade.
Eu queria ver com os meus próprios olhos e, só então, decidir se como ele
havia dito, aquele era ou não ambiente para mim. A verdade é que não fazia
ideia e, junto a um pequeno exército de outros sentimentos, a ansiedade
marchava dentro de mim, pisoteando meu estômago com passos firmes e
cada vez mais intensos.

Tão rápido quanto possível, recebi a última mensagem enviada por ele:
“Tudo bem. Davi vai buscar você às 08h. Separe algumas trocas de roupa.
Até amanhã.”

Não disse nada, além disso. Não mencionou sua descoberta da minha
virgindade, não sugeriu o que eu deveria vestir, nem a que horas
voltaríamos. Agora, aqui estou.

Batidas suaves são dadas à porta e minha mãe coloca a cabeça para dentro.

— O carro chegou — avisa antes de sorrir e olhar meu corpo com atenção.
— Você está linda.

Olho para o reflexo no espelho conferindo pelo que deve ser a milésima vez
o biquíni azul marinho de tecido liso e decote profundo.

A parte de cima tem as alças largas, imitando uma camiseta e marcando


muito bem o vale dos seios. Nas costas, as alças se transformam em linhas,
presas a uma tira alguns dedos acima da cintura. A calcinha não é pequena,
mas é cavada, delineando as curvas dos quadris e empinando o bumbum.

Não estou indecente, mas não me lembro da última vez em que estive tão
exposta. Minha mente, brincalhona, exibe como se fosse a lembrança de um
filme, a imagem de mim mesma, deitada em minha cama duas noites atrás,
completamente nua, esfregando-me nos lençóis enquanto me masturbava
fantasiando que Bruno estava me observando.

O vermelho toma conta da minha pele imediatamente. Inferno.

Abaixo os olhos, encaixo polegar, indicador e dedo médio na têmpora e


inspiro profundamente. Me envergonho, sim? Me arrependo? Nem um
pouco! Eu não sou de ferro, oras!
E se ele me olhar hoje como me olhou em nosso último encontro, não tenho
dúvidas de que esta madrugada será um replay da de sexta, porque não há a
menor condição de eu viver como um vulcão, prestes a entrar em erupção.

O que eu queria? Sentar naquele homem! Repetidas vezes! Mas como essa
não é uma possibilidade, meus dedos e o vibrador que comprei ontem, junto
com alguns biquínis, terão que servir. Talvez esta noite seja a grande estreia
do brinquedo, afinal.

Não sei o que fez com que ele mudasse de ideia sobre irmos a tal festa, ele
não disse e eu não perguntei.

— O que foi? — minha mãe pergunta e eu saio do limbo que são meus
próprios pensamentos.

— Eu só... — Olho para ela, dividida, entre dizer a verdade ou engoli-la.


Passo a língua sobre os lábios e arrumo uma mecha de cabelo atrás da
orelha. Os olhos azuis de minha mãe aguardam pacientemente até que eu me
sinta pronta. Com um suspiro longo, me dou por vencida. — Ele me faz
sentir coisas... — É o melhor que

consigo fazer. Minha mãe ergue uma sobrancelha e então gargalha.

— Mãe! — reclamo de sua total insensibilidade ao meu problema.

— Ele te faz sentir coisas? Quantos anos você tem, Milena? Doze?

— Quando eu tinha doze anos, o máximo que eu sentia era vontade de socar
o filho do seu Malaquias. Lembra dele? — Jogo-me na cama, deitando com
a barriga para cima e deixando as pernas penduradas na borda.

Minha mãe entra no quarto e senta ao meu lado, na cama. É

impressionante como em menos de uma semana sua aparência já mudou.


Sem precisar se preocupar comigo, com meus horários de trabalho loucos,
ou com os sacrifícios que ela achava que eu estava fazendo, seu rosto está
mais descansado, há mais cor em suas bochechas e o que eram olheiras
profundas, agora são apenas sombras.
Isso porque os novos remédios e vitaminas, receitados pelo médico
particular com quem nos consultamos, ainda nem tiveram tempo de fazer
efeito. A perspectiva de como ela estará daqui a um mês ou dois alivia até
mesmo o peso que Bruno significa no meu peito.

Se a chave para ver minha mãe bem é morrer de vontade daquilo que eu não
posso ter, tudo bem! Eu aguento.

— Era Carlinhos o nome dele, não era? O que arrancava as cabeças das suas
bonecas e saía correndo?

— Esse mesmo. — Suspiro, lembrando-me de uma época não tão distante,


mas que ainda assim eu sinto ter sido há uma vida inteira.

Era tudo tão mais simples. Para começar, não havia boletos. Também não
havia problemas de saúde ou homens irritantemente lindos, deixando-me
praticamente de joelhos com apenas um toque.

— Então. — Pausa até que minha atenção esteja totalmente concentrada em


seu rosto. — Você tem cinco minutos, porque o pobre motorista não merece
esperar mais do que isso. Desembucha — avisa e eu fecho os olhos,
apertando-os.

— Esse... Fingimento... Pode estar me afetando mais do que eu acharia. Eu


fui estúpida. Só essa palavra justifica eu ter achado que conseguiria lidar
com Bruno me tocando ou me beijando quando eu mal conseguia respirar só
de olhar pra ele todas as vezes que o atendia na padaria. — Como sempre
que estou nervosa ou ansiosa, desembesto a falar com uma verdadeira
metralhadora de palavras.

Contudo, minha mãe, sendo minha mãe, me entende com perfeição. Afinal,
há dezoito anos lida com isso. Segundo ela, essa é uma mania que eu tenho
desde que aprendi minha segunda palavra.

— Bom assim? — pergunta com uma sobrancelha arqueada e embora nunca


tenhamos tido esse tipo de conversa, não me sinto desconfortável. Um pouco
envergonhada, com certeza, mas definitivamente, confortável.
— Bom assim. — Enfio os dedos pelas raízes dos cabelos em minha testa e
os deixo ali enquanto olho para o teto. — Acho que eu não esperava que
meu corpo reagisse, ainda mais de forma tão intensa, sabe? Achei que era
algo platônico. Que a convivência apagaria. Que minha atração por ele seria
como a que temos por atores ou cantores. É fogo de palha, é uma atração
pelo inalcançável.

— Fale por você, minha atração pelo Lian Neeson não é nada platônica. Em
qualquer dia, em qualquer horário, se aquele homem me perguntar, eu digo
sim, por favor, duas vezes, se possível. Três, se ele tiver disposição!

— Mãe! — grito, tapando os ouvidos. — Pelo amor de Deus!

Palavras geram imagens. Mãe! Eu não preciso dessas imagens!

— Ah, então eu posso ter minha cabeça povoada por imagens da minha
menininha transando, mas você não pode ter imagens minhas?

Muito justa, dona Milena! Muito justa!

— Eu nunca disse que queria transar — argumento, mas é perda de tempo.

— Ele me faz sentir coisas — repete minhas palavras com uma voz
ensaiadamente aguda e fazendo o sinal de aspas com os dedos. Eu bufo,
frustrada. — E qual é o problema em sentir?

— Eu posso ser inexperiente, mas não sou estúpida, mãe. Mesmo que ele
não tivesse me falado com todas as letras, eu saberia que homens como
Bruno não estão interessados no que eu tenho a oferecer.

— E o que seria isso? Não me diga que você está escrevendo seus nomes
com canetas coloridas em folhas de caderno, porque se sim, essa,
definitivamente, é uma coisa que você deveria ter parado de fazer aos doze
anos.

— Não, mãe! Mas... mas...

— Mas o quê, Milena? — Resmungo quando não encontro a justificativa


pela qual estava procurando. — Vamos fazer melhor. Que tal parar de se
perguntar o que o Bruno quer ou deixa de querer e focar em você? O que
você quer, filha? — A pergunta faz uma risadinha idiota escapar, porque a
resposta para ela não precisa sequer de um segundo para ser encontrada.

— Sentar nele até desmaiar — digo e logo depois gargalho. As sobrancelhas


da minha mãe se erguem, ela apruma os ombros e entrelaça os dedos sobre o
colo.

— Então você tem sua resposta. Só se vive uma vez, Mile. Faz o que você
quer fazer, certas oportunidades não se repetem.

— Eu não quero ser só mais uma... — confidencio meu medo mais íntimo.

— E o que há de tão errado assim em ser só mais uma? Contanto que ele
também seja só mais um... — Deixa o restante da frase subentendido e eu
arranho a garganta, desgostosa.

— Ele seria o primeiro. — Minha mãe já sabe disso, entretanto, parece ter se
esquecido.

— Porque alguém tem que ser — diz, mas logo em seguida faz uma pausa e
me encara como se quisesse descobrir algo apenas com o olhar. Não duvido
de sua capacidade. — Eu não sabia que você estava se guardando pra
alguém especial. — Seu tom é de surpresa contida quando ela inclina a
cabeça, investigando-me.

— Eu não estou — pondero com um suspiro. — Isso não é sobre a


virgindade. Eu não quero isso na vida, sabe? Ser só mais uma em qualquer
que seja a circunstância, na primeira ou na vigésima vez. Eu acho que se
importar é importante.

— E o que faz você ter tanta certeza de que ele não se importa?

— Ele me disse que esse não é o tipo de coisa que ele faz.

— Disse? — pergunta com aquele ar de sabedoria irritante, dizendo-me que


seus poderes psíquicos já me vasculharam de cabo a rabo e descobriram que
eu posso estar presumindo algumas coisas.
— Só se vive uma vez, Mile — repete a frase já dita antes. — O medo nunca
ensinou ninguém a voar. — Mordo o lábio com os olhos fixos nos seus,
querendo lhe dizer que meu mal não é medo, mas não sei se posso. — Seus
cinco minutos acabaram. É hora de ir. — Não me dá a chance de responder.

Minha mãe se levanta, deixa um beijo em minha testa e sai do quarto,


deixando-me sozinha para entender o que exatamente está me segurando.

— Eu juro por Deus que se vocês não mantiverem suas fodas dentro das
cabines...

— Você anda jurando muito por ele ultimamente, Bruno — Arthur debocha.
— Vai fazer o quê? Gostar de assistir? Se juntar a nós? Tá com medo de não
resistir e acabar pedindo pra participar? — Seu tom irônico não disfarça a
provocação séria.

É esse o meu medo? Franzo as sobrancelhas ao ecoar a pergunta


silenciosamente. Entretanto, a resposta vem tão fácil, que concluo nunca
realmente ter estado em dúvida sobre isso. Não, não é. Eu só não quero
expor Milena a isso.

Ir à festa foi uma decisão dela, porque percebi que não deveria ser minha.
Principalmente depois de descobrir o quão longe ia sua inexperiência. Por
algum motivo, meus primeiros instintos quando se trata da garota são sempre
proteger e satisfazer. Nesse caso, especificamente, embora a princípio eu
estivesse convencido a colocar o primeiro em ação, depois das últimas
revelações, percebi que, talvez, fosse o caso de usar o segundo.

E quando questionada sobre, ela concordou, mais rápido do que eu poderia


imaginar, inclusive. Milena é curiosa. Isso já havia ficado claro há muito
tempo, mesmo antes, quando nossas conversas eram restritas a pedidos de
café e a um trocadilho ou outro.

— Não, babaca! Mas eu já falei trinta vezes e vocês insistem em fingir não
escutar. Milena não é esse tipo de garota, porra! Você

aceitou minha condição pra levá-la, então cumpra com a merda da palavra.
— Um bufar soa alto, depois um estalar de língua.

— Eu vou. Nós vamos. Mas não posso prometer pelas garotas.

Nem elas podem?

— Eu não vou te dar uma resposta, Arthur. Milena chegou, tchau.

— Desligo o telefone antes que ele se despeça e enfio o aparelho no bolso.

Observo Davi se aproximando, reduzindo a velocidade até parar. O

SUV estaciona no meio fio e Milena não espera que o motorista saia do
carro para abrir sua porta, é claro que não. Sorrio, achando graça quando no
instante em que o carro está completamente parado, ela mesma abre a porta e
salta para a calçada.

O biquíni azul marinho chama atenção pelo contraste intenso com a cor de
sua pele clara, por ressaltar seus olhos azuis, mas principalmente por não
estar coberto por uma blusa. Os seios pequenos estão perfeitamente
acomodados dentro do tecido escuro, mas seu colo e mais de metade da
barriga estão completamente expostos.

Meu pau se sente convidado pela visão e imediatamente dá sinal de vida.


Porra, é irônico como a garota que sempre deixou claro como não queria
nada comigo, é capaz de me fazer duro apenas com a visão de um pedaço da
sua pele exposta.

Pelo menos suas pernas estão cobertas até abaixo dos joelhos por uma saia
de cintura alta. Podia ser pior, Bruno. Podia ser pior. Passo as mãos pelos
cabelos enquanto aproveito os óculos escuros para apreciar cada uma das
suas curvas sem qualquer descrição. Ela caminha até mim a passos lentos,
carregando uma pequena bolsa de tecido em que acredito trazer as trocas de
roupa que pedi.

— Oi — cumprimenta com um sorriso nervoso. Provavelmente, se


perguntando se ou quando vou abordar o assunto virgindade. Não vou.

— Oi. Você está bem? — Pego sua bolsa, juntando-a à minha em uma das
mãos. Milena acena, concordando, antes de morder o lábio e

eu espelho seu movimento de cabeça. A vontade de me aproximar e tocá-la é


imensa, no entanto, resisto. Sem plateia, sem toques. Tê-la ao meu lado
durante o dia e a noite inteiros sabendo que será só isso já é tortura o
suficiente. — Vamos? — Aceno para o interior do prédio diante do qual
estamos. As sobrancelhas de Milena se erguem.

— Achei que iríamos ao litoral — pondera e eu acho graça de sua confusão.

— Nós vamos — respondo, voltando a indicar com o braço que ela passe a
minha frente e entre no prédio comercial espelhado no meio da avenida
paulista. Seus ombros sobem e descem em um sinal de resignação antes que
ela comece a caminhar.

O elevador já está no térreo. Indico para que entre e a sigo. Aperto o botão
de fechar portas.

— Você sabia que esse botão não funciona? — Milena quebra o silencio
com a pergunta aleatória. Olho para o botão recém-pressionado investigando
sua luz acesa. — Não literalmente —

explica ao perceber o que estou fazendo. — Ele funciona, mas não tem
utilidade. — Minha dúvida deve ficar estampada em minhas sobrancelhas
arqueadas, porque ela continua: — Eles só são acionados em casos de
emergência, no restante do tempo, só servem pra dar a sensação de controle
aos passageiros. Apertando ou não, a porta leva o mesmo tempo pra fechar.

Inclino a cabeça, observando-a, mas não consigo evitar a risada.

Quer dizer, um minuto atrás ela estava retraída e quase amedrontada.


Agora, está soltando informações aleatórias sobre botões de elevadores.
Minha reação a deixa um pouco vermelha, então me apresso em responder.

— Eu não fazia ideia, mas obrigada por me contar. Onde você descobriu
isso?

— Em uma revista de divulgação de uma empresa de instalação de


elevadores.

— E por que você estava lendo uma dessas?

— Estava na sala de espera de um consultório.

— Ufa — solto, mesmo sabendo que ela não vai entender a piada
imediatamente.

— O quê? — soa preocupada.

— Eu estava começando a ficar preocupado que você pudesse ser algum tipo
de aficionada por elevadores e roldanas. — Seus olhos se estreitam e ela me
observa em silêncio por alguns segundos.

— Você está debochando de mim?

— Pode ter certeza! — respondo no exato instante em que as portas se


abrem e Milena passa por elas sem olhar para trás, bufando.

Meu sorriso discreto se transforma numa risada alta e permanece em meu


rosto quando a vejo estacar no lugar, finalmente se dando conta de como
chegaremos ao litoral de São Paulo.

Na cobertura do prédio a brisa suave que encontramos lá embaixo se torna


um pouco mais intensa, balançando os cabelos de Milena e quando estou
apenas um passo atrás dela, o cheiro dos seus cabelos me atinge em cheio.
Não é um cheiro de fruta como alguém que a vê de longe poderia esperar. É
um cheiro de ervas, forte, marcando mais uma das muitas contradições que
essa mulher é.
Não resisto, envolvo o corpo pequeno em meu braço, mandando para a puta
que pariu a resolução de que sem plateia, sem toques.

Quer dizer, o piloto do helicóptero pode ser considerado plateia, não pode?
Deve poder. Na minha cabeça estúpida e sem argumentos, com certeza,
pode. Milena é surpreendida pelo meu meio abraço e estremece, quase
fazendo eu me arrepender da aproximação.

Quase, porque quando seus olhos azuis se viram para mim, brilhantes pra
caralho, claramente excitados com a perspectiva da experiência diante dela,
eu me sinto a porra do super-homem, porque fui eu quem colocou aquele
brilho ali.

— Nós vamos de helicóptero? — pergunta sem conseguir conter o sorriso


que toma conta da sua boca gostosa. Caralho, eu queria beijá-la. Como eu
queria.

— Você disse que não tem medo de altura. — Não consigo evitar sorrir
também e levar mão livre até sua bochecha. Meu polegar acaricia ali com
movimentos suaves de sobe e desce. Por que isso parece tão absurdamente
natural?

— Eu não tenho! — exclama e sua voz sai aguda de tanta animação, porra!
Quando resistir a beijar sua boca começa a se tornar insuportável, Milena
joga os braços ao meu redor e cola o rosto ao meu peito em um abraço
apertado e totalmente surpreendente, mudando, em apenas um segundo, toda
a conotação do momento. —

Obrigada, obrigada, obrigada! Muito obrigada — murmura com o rosto


colado em meu corpo e eu acabo envolvendo-a também meu outro braço ao
seu redor. No momento em que ela inclina a cabeça para trás, olhando para
mim com os olhos marejados, puta que pariu!

— É só um helicóptero — sussurro baixinho, hipnotizado por cada pedaço


do seu rosto. O sol quente faz com que seus olhos úmidos pareçam ainda
mais azuis, as bochechas vermelhas, o sorriso bobo, o nariz pequeno se
mexendo.
— Mesmo assim, obrigada — repete e eu aceno com a cabeça antes de
concordar silenciosamente e deixar um beijo em sua testa.

UM. BEIJO. NA. PORRA. DA. TESTA. Eu devo estar ficando louco, mas
poucas coisas já pareceram tão certas quando isso.

Abraçados, caminhamos até o helicóptero onde eu prendo uma Milena


extremamente animada ao banco com um cinto X. Ela sorri o tempo todo e,
quando a aeronave ganha o ar, até mesmo balança as pernas, eufórica.

Milena passa os próximos quarenta e cinco minutos encantada com tudo e


qualquer coisa ao nosso redor, desde os pássaros distantes no céu até as
pessoas, prédios e carros se tornando minúsculos tantos metros abaixo de
nós. Sei disso porque enquanto seus olhos estavam completamente absortos
no passeio, os meus estavam totalmente hipnotizados por ela, resistindo até
mesmo à necessidade de piscar, com medo de perder qualquer gesto seu.

— Estamos descendo? — pergunta assustada ao perceber a mudança de


altitude. Balanço a cabeça como resposta. — Mas aqui

só tem água! — avisa como fosse sua missão mostrar a mim e ao piloto algo
que parecemos não estar vendo quando a situação é justamente o oposto. Ela
é a única a não enxergar algo.

— Lá — digo e aponto. Milena engole um arfar de espanto ao enxergar o


Iate prateado e preto de Arthur, nada discreto, que ela só não tinha percebido
ainda por estar muito distraída com a própria experiência de voo.

— Puta merda! Aquilo é...? — Não conclui a pergunta porque sua boca se
abre em choque.

— O barco, ué. — O fato de tudo a surpreender é, ao mesmo tempo, gostoso,


divertido e fofo para caralho.

— Eu achei que era uma lancha ou algo assim...


— Ele tem uma lancha, também... — esclareço e ela apenas balança a
cabeça, concordando em silêncio.

— Nós vamos pousar lá mesmo? Isso é seguro?

— É. Tá vendo as linhas pintadas de branco? Aponto para o último andar da


embarcação.

— Uhum.

— Aquilo é um heliponto.

— Meu Pai! Vocês são muito ricos, não são? — comenta para si mesma, tão
envolvida com os próprios pensamentos que sequer percebe ter dito em voz
alta.

Rio e deixo que ela aproveite o fim do passeio com tanto ou mais assombro
do que aproveitou seu início. Faço o mesmo, voltando a me concentrar em
cada uma das suas expressões e gestos, bebendo deles e me perguntando,
uma e outra vez, por que caralhos eu não consigo parar com isso?

— Você sabe como fazer uma grande chegada, não é filho da puta? — Heitor
pergunta assim que Milena e eu alcançamos o andar abaixo do heliponto. —
E funcionou? Se exibir desse jeito? — indaga para mim antes de se virar
para Milena. — Oi, linda! — Reviro os olhos com o cumprimento e o
babaca se aproxima dela para beijar suas bochechas. Milena retribui, mas em
momento algum solta minha mão.

— Oi — ela responde, ainda com os olhos brilhantes e as bochechas rosadas.


Seus cabelos estão uma bagunça, resultado da ventania provocada pelas
hélices, mas ela não dá quaisquer sinais de se importar com isso.

— Não sei — digo, e olho para ela. — Funcionou? — Dou uma piscadinha e
ela gargalha.
— Definitivamente! — exclama animada e eu puxo seu corpo contra o meu
ao mesmo tempo em que choco minha boca contra sua têmpora em mais um
beijo que não tem nada de sexual, mas me enche de satisfação. Não perco o
olhar estreitado de Heitor para a cena, contudo afasto o pensamento.

— Onde estão os outros? — questiono quando começamos a caminhar na


direção do terceiro andar, onde a festa realmente está acontecendo.

— É sério isso? Vocês vão ficar me encarando em silêncio como se eu fosse


a porra de um quadro em exposição? — Perco a paciência depois de quase
cinco minutos sob a observação silenciosa do quarteto de idiotas. Por que
mesmo eu insisto em ser amigo desses caras?

Horas depois de ter chegado, é a primeira vez em que ficamos sozinhos,


Milena foi ao banheiro e, desde que ela saiu, os babacas simplesmente
interromperam a conversa que estávamos tendo e decidiram me observar.

Eu sabia que algo viria, afinal, eles ainda não haviam tido a chance de me
espezinhar depois de sexta-feira. Falei muito mal com Arthur por telefone e
seu silêncio sobre o assunto gritava que o grupo tinha muito a dizer a
respeito.

— Nós estamos procurando possíveis falhas — Arthur, o palhaço do grupo,


avisa.

— Mas que po...

— Qualquer coisa fora do lugar — Pedro me interrompe.

— Ele tinha esse sinal embaixo do nariz? — Heitor pergunta e eu recuo a


cabeça, sem ter ideia de sobre o que os filhos da puta estão falando.

— Nós podemos só perguntar — Conrado sugere.

— Ele não diria. Diria? — Arthur questiona com uma sobrancelha


levantada.

— Diria o quê? — inquiro entredentes, perdendo a paciência.


— Você é um alienígena que está substituindo nosso amigo? — é Pedro
quem pergunta e eu paro com a garrafa de cerveja que levava à boca no meio
do caminho.

— O quê? — Me arrependo instantaneamente e mesmo depois de falar, meu


rosto continua congelado em uma careta de incredulidade.

— Quando a esmola é muita, o santo desconfia. — Arthur parece acreditar


estar explicando alguma coisa e eu fecho olhos antes de expulsar todo o ar
dos meus pulmões em uma única expiração e esperar. — Tudo isso está
muito fácil. — Cruzo os braços na frente do peito. — Primeiro, nós achamos
que mulher nenhuma ia aparecer na sexta, que você ia enrolar, dizer que ela
furou só pra ganhar tempo de tentar alguma outra desculpa ou golpe.

— Sério? — indago, mas ele continua seu teatro de absurdos como se eu não
tivesse dito nada.

— Mas aí a mulher não só apareceu como parecia exatamente o objeto raro


que você disse que ela era. Olhos tímidos, postura

confiante, divertida, gostosa e nem piscou pra nenhum de nós. Não era uma
prostituta, isso também ficou óbvio quando observamos a interação entre
vocês.

— Cogitamos que fosse uma atriz — Pedro avisa.

— Vocês têm que estar de brincadeira! — resmungo.

— Procuramos por ela em alguns sites. Passamos a manhã de ontem inteira


investigando isso, mas como não sabíamos qual seria o seu nome verdadeiro,
caso realmente fosse uma profissional, tivemos que procurar só pelo rosto.

— Pelo ros...

— Tiramos algumas fotos na sexta — me interrompe antes que eu possa


perguntar. — Você estava tão distraído babando em cima dela que nem
percebeu.
— Vocês são doentes — declaro, completamente certo disso. Nego com a
cabeça e levo a garrafa à boca. A cerveja desce gelada e porra!

Eu quero rir desses idiotas. Uma atriz? Quão estúpido eles acham que eu
sou?

— Então nós concluímos que você não faria algo tão idiota, seria como pedir
pra ser pego... — Arthur fala, parecendo ter ouvido meus pensamentos. Ergo
as sobrancelhas e torço os lábios em desdém, mas me torno mais atento ao
jogral ensaiado. — Se você estivesse tramando alguma coisa, seria algo bem
mais difícil de descobrir. —

Tremo os lábios, fingindo não ter ideia do que eles estão falando.

— Depois de não achar nada sobre a garota, percebemos que, talvez,


estivéssemos enxergando tudo pelo ângulo errado... — Heitor sugere e eu
coço a sobrancelha, tentando parecer displicente, mas começando a me
preocupar que a conversa que começou sem pé nem cabeça, realmente
chegue a algum lugar.

— Tudo isso é o ângulo errado — desconverso, fazendo um sinal, apontando


para nosso círculo. — Vocês estão loucos. Todos vocês.

— Interessante ele falar em loucura, não é gente? — Conrado questiona aos


outros com os olhos estreitados em minha direção. —

Porque, pra qualquer um que te conhece, você está agindo como um louco.

— Espera, o quê? — Qualquer desconfiança que eu pudesse ter sobre eles


estarem chegando perto da verdade esvai como água descendo pelo ralo.
Esses cretinos não fazem ideia do que estão falando. — Como assim eu
estou agindo como um louco?

— Tudo bem, tudo bem... Talvez louco seja uma palavra forte, mas,
definitivamente, você está agindo de um jeito estranho. — Coço a cabeça e
viro o rosto na direção para onde Milena foi. Será que ela ainda demora
muito?
— Olha aí, olha aí! — Arthur alerta imediatamente e eu recuo o rosto e
balanço a cabeça devagar em uma pergunta silenciosa. —

Você está procurando por ela! — acusa.

— E isso prova o quê exatamente? Além, é claro, do fato de ela estar comigo
exatamente como vocês, imbecis, exigiram? — digo devagar, como se o
ritmo lento das palavras pudesse colocar algum sentido nelas.

— Que você não está sendo você! Não importa se nós exigimos, na verdade,
justamente por ser uma exigência, essa maneira de lidar com a garota é a
última coisa que você faria! — Sopro o ar por entre os dentes e reviro os
olhos.

— Então eu devia tratá-la mal só pra afetar vocês? Ou vocês não me


conhecem, ou não sou eu quem está enlouquecendo.

— Não é tratar mal, mas se inclinar, toda vez que ela se aproxima?

— Heitor questiona.

— Ficar atento a cada gesto e sorrir só porque ela sorriu? — agora, é


Conrado quem fala.

— Me obrigar a manter as fodas da festa dentro das cabines para não ferir os
olhos sensíveis dela? — essa primeira parte é dita como um resmungo. Ele
ainda está inconformado com isso. — Ou, então, abastecer o barco com
refrigerante pra que ela tenha tudo o que possa desejar?

— Esse não é você, cara — Pedro conclui, fazendo-me inclinar a cabeça,


pensativo. Não, não sou, e saber que eu não fui o único a perceber todas
essas coisas é, no mínimo, perturbador. No entanto, as últimas pessoas no
mundo que eu permitiria que percebessem meu abalo, são os quatro à minha
frente, então mantenho a postura de indiferença e enfio uma das mãos no
bolso. — Isso sem falar na noite de sexta.

— Primeiro, você sentiu ciúmes, ficou putinho coma brincadeira do Arthur


— Heitor recomeça o jogral.
— Eu não senti ciúmes — argumento, porque é verdade. Eu estava sendo
egoísta, talvez ainda esteja. Talvez tudo isso seja sobre minha meu corpo,
mesmo contrariando minha mente, estar cortejando Milena na tentativa de
levá-la para cama.

— Uhum, e eu não tenho pau — Pedro, o babaca, continua. —

Depois, sumiu com a garota do camarote e, primeiro, achamos que você só


queria uma desculpa pra se enfiar com ela em um quarto e foder, isso é o que
você normalmente faria. Mas, ao invés disso, você desceu pra pista e fez
absolutamente tudo o que ela queria. Esse é o tipo de coisa que o Bruno faz,
gente? — pergunta ao grupo como se estivéssemos em algum tipo fodido de
terapia grupal e eu jogo a cabeça para trás e fecho os olhos, implorando,
mentalmente para quando voltar a abri-los, Milena já ter retornado e essa
conversa acabar.

— Não. Definitivamente, não é — Arthur responde e faz uma pausa


dramática em que mesmo com os olhos fechados, sou capaz de ouvir seus
suspiros combinados. De novo, por que caralhos eu insisto nessa amizade?
— E aí eu a convidei pra hoje e você reagiu como o king kong em defesa da
pequena e frágil loira! Essa, com certeza, tinha sido a cereja do bolo até você
chegar aqui de helicóptero. Você não usa o helicóptero pra impressionar uma
garota.

— A menos que queira muito uma foda — Conrado completa.

— Mas claramente Milena é uma foda que você já conseguiu —

Pedro diz e eu quase rio de desespero. Esse filho da puta nem faz

ideia. — Então, meu amigo, ou nós estamos perdendo alguma coisa aqui ou
o verdadeiro Bruno foi abduzido e você é uma cópia.

— Sério. — Dobro o lábio inferior para fora em uma falsa e mal atuada
demonstração de espanto. — Estou impressionado, caras! —

Balanço a cabeça, concordando. — Geniais! Vocês são geniais!


Realmente são detetives incríveis. — Deixo a garrafa que bebia no balcão à
nossa frente e ergo as mãos com as palmas viradas para eles. — Todo esse
raciocínio e análise incríveis pra chegar a essa conclusão formidável? —
Faço um bico de admiração e bato palmas.

— Me descobriram! Eu sou um Alien — reconheço, fingindo tristeza por ter


sido pego. — Agora que nós já resolvemos isso, podemos mudar de assunto?

— Primeira vez? — uma mulher morena de cabelos cacheados me pergunta


quando estou usando um dos banheiros comuns.

Apenas pensar sobre a existência de banheiros comuns e banheiros privados


me faz ter vontade de gargalhar. Meu pai! Bruno e seus amigos não são
somente ricos, eles são ofensivamente ricos!

Eu sabia, mas há uma enorme diferença entre saber e ver, principalmente


quando ver significa um barco maior do que dois prédios, um ao lado do
outro, ostentando mais luxo do que um hotel cinco estrelas. O lugar é tão
grande que mesmo com toda a disposição de Bruno para me dar um tour, eu
sequer quis conhecê-lo inteiro.

Quanto mais andávamos, mais coisas parecia ter para conhecer e por maior
que fosse a minha curiosidade, o que eu realmente queria desde o instante
em que pus meus pés a bordo do Sirius Black[15], era aproveitar a tal festa.

Como Bruno havia avisado, há mulheres, muitas delas, cinco para cada
homem, eu tentei contar porque estou muito curiosa sobre essa proporção.
Há um DJ famoso de quem eu obviamente nunca havia ouvido falar a bordo
e a música nunca para, mas há tanta coisa para se ver que desde que cheguei,
não fiz nada além de observar.
Os muitos bares espalhados pelo barco, as pessoas que são tão bonitas que
parecem estar aqui para algum tipo de ensaio fotográfico, as bebidas
coloridas, a alegria contagiante, as interações extremamente sensuais, a
energia sexual que parece vibrar entre as

paredes do Iate... Eu tenho quase certeza de ter visto um casal transando,


quase, contudo, precisei desviar os olhos antes que alguém percebesse minha
atenção, então nunca saberei.

E há Bruno, atento a mim o tempo todo. Como é fácil esquecer que é tudo
mentira quando ele me olha como se quisesse realizar cada um dos meus
desejos. Como eu deveria manter minha mente sã quando o homem manda
abastecer o barco que não é seu, de uma festa que não é sua, com
refrigerantes, apenas porque é a única coisa que eu bebo além de água?

Balanço a cabeça, fugindo das minhas perguntas infundadas, porque eu não


deveria estar me questionando essas coisas. Minha relação com Bruno é o
que é e acabou! Repito para mim mesma pela milésima vez.

— Tão óbvio assim? — Sorrio um pouco constrangida para a mulher. Ela me


dá um sorriso imenso antes de pegar um brilho labial na bolsa e começar a
deslizar pelos lábios na frente do espelho.

Seus olhos são escuros e ela veste um biquíni laranja com top cortininha e
parte de baixo de amarrar. Um clássico e em seu corpo curvilíneo, o
conjunto fica espetacular. Depois que termina de usar o produto, me oferece.

— Protetor labial?

— Não, obrigada — agradeço e ela dá de ombros.

— Você parece deslumbrada, exatamente como eu parecia na minha primeira


vez — explica o porquê de sua primeira pergunta e eu mordo o lábio antes
de concordar. Pego um dos protetores solares dispostos em um armário cheio
deles no banheiro e deposito um pouco em alguns pontos do meu rosto.

— É só... Muita coisa.


— Eu sei! — Ela dá um tapinha em sua coxa nua antes de jogar a cabeça
para trás e soltar uma risada. — E os homens? — Emite um som de
assombro e vira-se para mim com uma expressão tão deslumbrada quanto
ela diz que eu pareço.

— Você vem sempre? Quer dizer, essa festa acontece sempre? —

pergunto e agora seu olhar para mim é de curiosidade.

— Uma vez a cada dois meses. É a minha terceira, as duas últimas me


renderam quase um mês de agenda cheia. Já escolheu? Eu sou Giulia, aliás.
— Franzo as sobrancelhas para a pergunta direta

— Escolhi o quê? E eu sou a Milena. — Começo a espalhar o produto nas


bochechas em movimentos circulares.

— Seu alvo, ué! É bom escolher cedo, antes de ficarmos bêbados, depois
disso, tudo vira uma grande confusão e você corre um sério risco de acordar
pelada com um cara pra quem você nem sequer tinha olhado antes de se
embebedar. E se o cara for um ninguém, você perde a oportunidade de fazer
seu mês — explica com seriedade, como se estivesse me dando um tutorial e
eu pisco os olhos, confusa.

— O cara com quem dormi na última festa reservou três semanas de


exclusividade, e, depois, quando viajou pra fora do país, deixou meu contato
com um amigo que também curtiu um longo prazo. — Abro a boca para
dizer que não tenho certeza se estou entendendo o que ela quer dizer, mas a
mulher não me dá a chance. — Hoje meu alvo é o dono do barco, posso estar
sendo ambiciosa, mas... — Seu olhar se volta para o próprio reflexo no
espelho e se estreita, assumindo um ar determinado.

— Arthur? — questiono, surpresa, embora não saiba exatamente o porquê.


Todos os rapazes são incrivelmente lindos e nenhum deles está
acompanhado.

E, considerando o que essa mulher acabou de dizer, começo a entender o


motivo. Também começo a entender a razão de Bruno não estar interessado
em vir para começo de conversa. Não comigo a tira colo. Giulia foca seus
olhos escuros em mim com atenção, como se investigasse as intenções por
trás da minha pergunta e eu levo alguns segundos para perceber o porquê.

— Oh, não! — exclamo, ansiosa para desfazer qualquer mal-entendido. —


Eu o conheço, na verdade, estou com o amigo dele! —

Seu rosto se ilumina e um sorriso ainda maior do que o primeiro que ela me
ofereceu surge em seus lábios.

— Então você pode me apresentar! — Bate palminhas, animada. —

Ainda não consegui conhecê-lo e todo mundo diz que ele não se aproxima
de novatas. Nenhum dos poderosos se aproxima, na verdade. — Ela suspira
quase frustrada, apenas por um momento, mas logo depois, parece se
lembrar de que eu posso ser a solução para os seus problemas.

É exatamente isso que seus olhos me dizem que eu sou. Recuo a cabeça sem
conseguir evitar o pensamento de que essa conversa está cada vez mais
parecendo papo de bêbados e eu nem bebi.

— Os poderosos?

— Os amigos. Arthur, Heitor, Pedro, Conrado e Bruno. Inclusive, é sua


primeira vez e você já conseguiu um deles? — Seu rosto não é de surpresa,
mas algo como admiração? — Arrasou, garota! — Pisco.

Primeiro, chocada com a conclusão a que ela chegou, mesmo que eu ainda
não tenha certeza se estamos falando da mesma coisa. Se estivermos, ela
acha que eu sou uma acompanhante, algo que ela também seria.

Coço a orelha, perguntando-me se vale a pena tentar desfazer a confusão e


depois de quase um minuto inteiro de reflexão, decido que não e me seguro
para não rir disso.
— Então, você me apresenta? — pede e eu abro a boca, mas não digo nada e
acabo fechando-a. Giulia inclina a cabeça e a decepção começa a dar lugar à
animação em seu rosto quando eu não respondo. Ah, que se dane! A festa é
dele, afinal.

— Claro! — E, fácil assim, seu rosto volta a brilhar tanto quanto um


diamante.

— Você demorou. Está tudo bem? — Bruno pergunta, já envolvendo minha


cintura em um dos seus braços no instante em que me aproximo dele e dos
rapazes, todos de pé, próximo a um dos

bares, conversando entre si. De novo, esquecer seria tão simples.

Tão, tão simples.

Seus olhos caem para a minha boca e antes que eu possa pensar muito sobre
isso, faço o que estou morrendo de vontade de fazer desde que o vi através
da janela do carro esta manhã, em seus shorts e camiseta, tão informais
quanto na noite em que discutimos o contrato em sua casa. Colo minha boca
na sua e o contato é tão delicioso quanto eu me lembrava.

Era para ser um beijo rápido, suave, impulsivo. No entanto, ele prende meus
lábios entre os seus e passa a língua sobre meu lábio inferior antes de chupá-
lo suavemente, como se não pudesse perder a oportunidade, arrepiando-me
inteira.

Quando libera minha boca, eu estou vermelha e sentindo um leve palpitar


entre as pernas. Meu pai! Como eu sou fácil para esse homem! Ele me olha e
eu pisco lá embaixo. Ele me toca e eu me arrepio inteira. Ele me beija e eu
me derreto. Um arranhar suave de garganta me lembra do meu propósito e
me liberta do olhar de Bruno, no qual fui aprisionada assim que abri os
olhos.

— Estou. — Sorrio. — Eu fiz uma amiga. — Volto-me para os rapazes


apenas para perceber que estão todos olhando para nós com expressões
curiosas. Até olho para baixo, pensando que posso ter me sujado sem
perceber no trajeto entre o banheiro e a proa, mas não há nada fora do lugar,
então deixo a dúvida de lado.
— Essa é a Giulia — apresento a morena que rapidamente se torna o alvo da
atenção, não apenas de Arthur, mas de todos os homens da roda. Mesmo
Bruno a olha por um segundo antes de voltar a concentrar toda a sua atenção
em mim enquanto os outros esquadrinham a mulher ao meu lado como se ela
fosse um mapa para a invasão de terras inimigas que precisasse ser estudado
centímetro a centímetro.

Tento dizer a mim mesma que a pouca atenção dispensada por Bruno à
Giulia tem a ver com o fato de todos os seus amigos estarem presentes e ele
não poder dar bandeira. No entanto, minha mente iludida e traiçoeira se
apressa em lembrar que, desde que chegamos,

mesmo quando os rapazes estiveram distantes, em momento algum ele olhou


para qualquer outra mulher que não fosse eu por mais de dois segundos.

— O que você acha de irmos até a hidromassagem? — Bruno sussurra no


meu ouvido e eu inclino a cabeça, mas basta um segundo olhar para a
interação começando a se desenrolar ao nosso lado para eu perceber que
realmente não vou querer ficar para descobrir o que vai acontecer. Talvez eu
até quisesse, porém esse não é o tipo de coisa que se diz em voz alta.

— Ela é uma acompanhante? — Deslizo a saia pelas pernas antes de entrar


na hidromassagem do convés. A única vazia.

Aparentemente, ela não é aberta aos convidados e quando perguntei se


deveríamos usar, Bruno apenas riu, tirou a bermuda e se enfiou dentro dela.

— Você a apresentou — argumenta e eu lambo os lábios ao perceber seus


olhos fixos em meu corpo, mesmo que ele esteja usando óculos escuros.
Prendo os cabelos em um coque no alto da cabeça, não querendo molhá-los.

— Eu a conheci no banheiro e ainda não sei se estávamos falando da mesma


coisa — explico. — Tudo bem, vou reformular. — Entro na Jacuzzi de oito
lugares. — Há acompanhantes aqui? — De pé, dentro da água, não sei
exatamente onde devo me sentar, e é difícil raciocinar quando Bruno está tão
perto e seminu.

Pelo amor de Deus! Seu peito parece ter sido salpicado de óleo bronzeador, e
suas coxas? Ainda bem que elas estão submersas. As veias de seu pescoço,
os ombros largos, os braços maiores que as minhas próprias coxas, o tórax
definido e a barriga cheia de gominhos já são mais do que o suficiente para
minha visão lidar. Eu realmente não preciso das suas coxas disputando a
atenção dos meus olhos. Ele acena para o lugar ao seu lado e assim que me
sento, a pressão

calculada começa uma massagem em minhas costas que me arranca um


gemido inesperado.

— Bom, né? — pergunta rindo. Gemo uma resposta e apoio a cabeça na


borda acolchoada da hidro. — Sim, há acompanhantes.

Ponha suas pernas em cima das minhas, vai deixar seu corpo mais solto —
diz, já levantando minhas coxas e apoiando-as na sua, varrendo com o
contato todo e qualquer pensamento racional e pergunta que eu ainda
pretendesse fazer da minha cabeça.

Mordo o lábio, tentando manter o som que seu toque me arranca dentro da
minha própria boca, principalmente quando sua mão começa a fazer
movimentos de cima para baixo em minhas pernas.

Meu pai, isso não deveria ser tão bom, ele mal está me tocando e eu estou
me dissolvendo.

O sol quente, a água gostosa, o cheiro de água salgada se misturando ao


perfume marcante de Bruno e a brisa fria tornam o momento ainda mais
delicioso. Fecho os olhos, perdendo-me nas sensações que açoitam meu
corpo e mente.

— Como você está se sentindo?

— Como se meu corpo estivesse sendo desmontado, mas de um jeito bom.


— Forço as palavras para fora da minha boca. O toque das mãos de Bruno se
torna mais constante, as palmas das suas mãos deslizam com mais firmeza
pelas minhas panturrilhas e pelos meus joelhos.

— Vem aqui — pede e eu me obrigo a abrir os olhos para encontrar sua mão
estendida em um convite para que eu me sente em seu colo.

Eu o encaro aflita, porque não confio em mim mesma para isso, mas seus
olhos pedem que eu confie nele e mesmo sem saber o porquê, eu confio.

Com um movimento simples, Bruno está encaixado entre as minhas coxas e


meu coração está batendo na garganta, no pulso e no meu baixo ventre.

Seus olhos investigam todo o meu rosto antes de seu nariz deslizar por ele
em carícias suaves. Dessa vez, não consigo conter o gemido

ansioso por mais. O toque suave, vez ou outra, provoca também meus lábios
com os seus até que sua boca esteja em minha orelha. Sinto seu hálito antes
mesmo de ouvir sua voz e fecho os olhos, ansiosa pelo que ele está prestes a
dizer.

— Pedro está escondido no andar de cima, nos espionando —

sussurra como se estivesse me contando um segredo íntimo. — O

que você acha de darmos um show a ele?

— Um show? — A pergunta de apenas duas palavras sai num fiapo de voz e


a resposta que recebo é uma leve sucção no lóbulo da minha orelha.

— Uma cena — explica. — Vou tocar você da cintura pra cima, você pode
fazer o mesmo. Na distância em que ele está, vai ser o suficiente. — Ele vai
me tocar da cintura para cima.

Eu riria de desespero se meu cérebro se lembrasse de que é capaz de fazer


outras coisas além de surtar, neste momento. Se Bruno acha que me faz
algum favor me tocando apenas da cintura para cima é porque não sabe que
seu toque tem o poder de me transformar em uma construção prestes a
implodir. Tocar apenas a parte superior do meu corpo não muda isso. Não
muda nada.
— Tudo bem pra você? — pede minha autorização, mantendo as mãos
paradas em minha cintura.

— Tudo bem — digo, mas provavelmente não confiando no meu tom de voz
afetado, traz o rosto para o meu. Sua expiração quente bate em meus lábios e
eu os entreabro imediatamente em um reflexo, querendo sentir, nem que seja
só um pouquinho do seu gosto.

O toque de bruno abandona minha pele apenas por tempo o suficiente para
que ele tire os óculos escuros. Seus olhos azuis me puxam. O desejo que
vejo neles ameaça me engolir, porque eu quero acreditar que ele é real. Tão
real quanto o meu.

É uma loucura que em menos de uma semana esse homem tenha passado do
crush por quem eu tinha um abismo onde deveria haver uma queda para o
cara no colo de quem eu estou sentada, me

perguntando quão louca eu seria considerada se simplesmente atacasse sua


boca neste momento.

Se antes sentir suas mãos estava me afetando, agora, sentada nessa posição,
tudo em mim protesta em necessidade. Eu nunca achei que desejo pudesse
realmente doer, não até agora.

— Tem certeza? Nós não precisamos fazer isso se você não quiser

— oferece a saída, sem entender que o caso é justamente o contrário.

Receber seus toques e tocá-lo é tudo o que eu quero fazer e a expectativa e o


medo, que acompanham essas vontades são a razão da minha insegurança.

— Tenho. — Guardo para mim todas as outras palavras. Ele acena em


concordância e mesmo assim, não consigo desviar meus olhos dos seus
lábios grossos e rosados.

Ele toca sua testa na minha e volta a acariciar meu rosto com o seu. A ponta
do nariz brinca com minha bochecha enquanto as mãos deslizam lentamente
pelo meu corpo molhado. Um dos seus braços circula completamente minha
cintura enquanto o outro sobe e seus dedos longos tomam conta da minha
nuca.

As pontas massageiam ali, arrancando-me um gemido de satisfação e


fazendo com que eu me remexa. Minhas pernas abertas se pressionam contra
Bruno, revelando-me uma ereção perfeitamente encaixada em mim. Oh,
céus!

Abro os olhos que nem mesmo percebi ter fechado para encontrar os seus
fixos em mim. Seu cheiro, o gosto do seu hálito que, hoje, só provei através
das suas expirações que engoli, o sol sobre nós, o fato de estarmos
completamente expostos a qualquer par de olhos e certamente ao de Pedro,
tudo isso começa a parecer muito mais excitante do que acho que sou capaz
de suportar.

Seu rosto abaixa quando sua boca delineia a curva do meu queixo, do meu
pescoço, fingindo tocá-los mesmo que esteja mantendo uma distância
desesperadora da minha pele. O ar que deixa seus pulmões é o único que
ousa se aproximar através de sopros mornos expulsos por sua boca ou nariz.

— Bruno — chamo seu nome depois de longos segundos dessa tortura


chamada sua presença, querendo, desejando alertar que não sei se posso
fazer isso, mas tudo o que consigo é soar como se estivesse implorando por
mais, o que meu corpo definitivamente está.

Desde a noite de sexta, me sinto na borda quando o são seus toques e ter sua
ereção tão próxima do lugar onde tenho fantasiado com ela, é o empurrão
definitivo para aquele ponto a partir do qual eu simplesmente não sou mais
capaz de voltar atrás. Quando ele colocar a boca na frente da minha
novamente, não há dúvidas sobre qual é a coisa certa a fazer.

Encaixo meus lábios nos seus devagar, querendo sentir cada pedaço seu e ele
parece entender minha necessidade, porque suas mãos empenham mais força
em seus agarres ao ponto da dor enquanto sua boca deixa que eu a explore,
primeiro com os lábios, depois, com a língua.

Deslizo sobre o lábio inferior, experimentando, testando, depois, sobre o


superior, por último, sua língua me dá olá e deixa que eu a chupe devagar,
finalmente tendo minha boca inundada pelo seu gosto e não apenas pelo
fantasma dele. Nada nunca foi tão gostoso.

Remexo-me outra vez, agora, indo além de roçar sem querer minha boceta
em sua ereção, mas esfregando-me nela de propósito.

Isso acaba com sua disposição para me deixar explorar. Com um grunhido
rouco, Bruno assume o controle do beijo. Sua língua se enfia em minha boca
lambendo, chupando e massageando. Seus dedos em minha nuca sobem
alguns centímetros, enfiando-se em meus cabelos e empurrando minha boca
para a sua.

Seu peito nu, quente, se pressiona e esfrega contra minha pele.

Meus mamilos endurecem, meus peitos pesam e o mínimo toque me faz


gemer. Se Bruno quisesse tirar a parte de cima do meu biquíni agora, juro
por Deus que não protestaria. Sua língua é incansável em minha boca,
entrando e saindo, povoando minha cabeça com imagens de outra parte do
seu corpo entrando e saindo do meu.

Meus quadris se movem de maneira autônoma, rebolando em seu colo e em


algum momento, a calcinha do biquíni sai do lugar,

afundando-se entre os grandes lábios da minha boceta e separando-os. Um


gemido alto deixa minha boca e é engolido pela de Bruno. O

desejo por mais parece fogo líquido correndo por minhas veias e
alimentando o desespero dos meus pulmões. Bruno desce a boca pelo meu
queixo, arranha minha pele excitada com os dentes até alcançar o vale dos
meus seios e deixar beijos ali.

Sua boca percorre o volume não coberto pelo biquíni, deixando-me


desesperada para que a barreira entre meu corpo e sua boca seja eliminada,
mas ele não se demora ali, como se estivesse brincando comigo,
provocando-me, querendo apenas me dar uma amostra do que é capaz de
fazer comigo antes de me abandonar.

Seus lábios voltam a tomar os meus em um beijo ainda mais intenso e


dominador e embora nenhuma de suas mãos tenha chegado nem perto da
minha intimidade, eu estou completamente rendida e disposta a deixar que
ele faça comigo o que quiser.

A sensação é a de estar apostando uma corrida. O prazer tem pressa em me


subjugar e mais rápido do que nunca, a vibração em meu baixo-ventre
começa a se transformar em um terremoto. Bruno parece sentir isso, porque
são suas próximas palavras que me empurram do precipício.

— Goza, Mile — sussurra em minha boca quando os movimentos dos meus


quadris se tornam mais intensos e descontrolados, perseguindo loucamente o
ápice do prazer e como se tudo o que faltava fosse sua autorização, o
orgasmo explode um milhão de estrelas por trás dos meus olhos fechados
com um grito abafado pela língua de Bruno enroscada à minha.

Tremores intensos dominam meu corpo e mesmo que a luz do sol se infiltre
sob e através das minhas pálpebras, a escuridão permanece comigo por
alguns segundos bem-vindos em que tento controlar minha respiração.
Quando abro os olhos, pisco algumas vezes até ser capaz de enxergar com
clareza.

O que vejo sopra as brasas do meu desejo, transformando-as, outra vez, em


uma fogueira pronta para me consumir. Fome. Os olhos de Bruno me
devoram com uma intensidade tamanha, que seria

impossível permanecer indiferente à sua voracidade mesmo que eu quisesse.


A mão que estava embrenhada em meus cabelos alcança minha bochecha e
ele aperta os dentes enquanto acaricia meu rosto.

— Linda pra caralho, Milena...

— Bruno, eu... — começo, um pouco ofegante, mesmo sem fazer ideia de


como terminar. O que eu deveria dizer? Me desculpe por usar seu corpo para
gozar? Me deixe te ajudar a chegar lá também? A névoa da excitação ainda
embaralha meus pensamentos e eu não consigo raciocinar direito quando
todo o meu corpo parece estar vibrando em uma frequência irracional.

— Está tudo bem, Milena — diz, ainda com a mão traçando movimentos
suaves em minha bochecha. Ele relaxa a mandíbula e deixa a expressão dura
que estava em seu rosto de lado. — Nós perdemos o controle, acontece. É
um risco quando fazemos o que estamos fazendo. Você é uma mulher linda,
gostosa pra caralho... —

murmura a segunda parte da frase e meu coração estúpido e inconsequente


salta no peito ao ouvir aquela que parece ter sido uma confissão. Bruno
expira com força antes de com delicadeza me tirar do seu colo e me pôr
sentada onde eu estive antes, sem terminar de dizer o que começou. — Eu
volto já — avisa e não me dá chance de responder, sai da Jacuzzi a passos
largos, como se estivesse fugindo de algo, de mim, de si, eu não sei. Abalada
pelo orgasmo, mas, ainda assim, cheia de desejo, não faço nada além de
observar ele se afastando.

Respira, Bruno. Respira, porra! Com os braços esticados à frente do corpo,


as mãos espalmadas na parede e a cabeça baixa em um corredor qualquer,
mantenho os olhos fechados, lutando mais do que jamais precisei antes para
me controlar. Puxo inspirações profundas pelo nariz e as solto pela boca.

Meu peito é esmurrado como o caralho de um bumbo pelo meu coração que
reage como se eu tivesse acabado de sair de uma intensa sessão de aeróbicos,
e não de uns amassos na hidromassagem. Eu sequer toquei sua boceta e,
ainda assim, seu cheiro parece impregnado nas paredes internas do meu
nariz, deixando-me louco, completamente fora de mim.

O latejar em minha sunga de banho molhada beira o insuportável quase


como um protesto do meu pau ansioso pelo orgasmo que lhe foi negado. Eu
poderia ter gozado. Deus sabe que eu realmente poderia. Os rebolados de
Milena me levaram ao limite e me segurar foi a maior prova de autocontrole
que já fui capaz na vida, mas mesmo perdido na sensação foda de tê-la nas
mãos, gostosa e entregue, eu precisava ser aquele a racionalizar, já que
Milena com certeza não seria.
E ver seu olhar perdido quando ainda nem tinha se recuperado da euforia
pós-orgástica, deixou mais do que claro que eu estava certo em fazer isso.
Milena perdeu o controle, eu não poderia fazer isso também, mas
aproveitaria cada segundo fodido de sua perda, e foi isso que fiz.

A lembrança da sua boca aberta, do seu olhar perdido de prazer, da sensação


de seus dedos afundando em meus ombros, do som que deixou sua garganta
quando ela gozou acaba com os resultados medíocres que minha tentativa de
acalmar minha ereção tinha alcançado. Linda pra porra! Puta que pariu! Eu
vou enlouquecer!

— Oi, Bruno! Ainda não tinha te visto por aqui! — A voz melodiosa me faz
abrir os olhos, erguer a cabeça e olhar em sua direção. Ingrid sorri para mim
e se aproxima, envolvendo os braços ao redor do meu pescoço em um abraço
não solicitado, não se importando nem um pouco em me tirar da posição em
que eu estava.

A mulher que é linda, é também o extremo oposto daquela que me deu a


ereção dolorida rapidamente sentida por Ingrid ao se aproximar demais.
Onde Milena é clara, Ingrid é escura, onde Milena é lisa, Ingrid é cacheada,
onde Milena é pequena e suave, Ingrid é alta e voluptuosa. Onde há
inocência em Milena, em Ingrid há experiência abundante.

Os olhos escuros baixam para minha sunga e um sorriso safado toma conta
de seu rosto. Ingrid não é uma estranha, na verdade, por mais de uma vez ela
já esteve em minha cama e meus olhos fazem uma análise rápida do nosso
entorno em busca de testemunhas do que pode vir a acontecer.

— Ui! — exclama animada. — Te deixaram na mão, é lindo? — Faz um


bico com os lábios e o move de um lado para o outro. — Me deixa resolver
isso pra você. — Se voluntaria, já levando a mão para baixo, pronta para
agarrar meu pau por cima da cueca, mas em um movimento inesperado até
para mim mesmo, eu a seguro antes que ela consiga me tocar.

Primeiro, suas sobrancelhas se franzem, estranhando a negativa.

Não acho que esteja acostumada a elas, de mim ou de que qualquer outro
homem. Porra, a mulher é gostosa e está disposta.
— Ah! — Revira os olhos e volta a sorrir. — Você quer ir pra um lugar mais
reservado? Ou talvez um mais exposto? — oferece e eu inclino a cabeça,
sabendo a resposta para essa pergunta, mas tendo dificuldades para acreditar
nela.

— Não, Ingrid. Hoje não. — Dou um passo para trás, afastando-me de seu
toque e ela pisca algumas vezes, como se a palavra não estivesse fazendo
sentido para seus ouvidos. Acredite. Eu sei exatamente como você se sente.
Tenho vontade de dizer, mas, ao invés disso, cruzo os braços na frente do
peito e aguardo que ela se reestabeleça.

— Não? — pede pela confirmação com as sobrancelhas arqueadas.

— Não — enfatizo com um balançar de cabeça e seu rosto ganha uma


expressão que mistura curiosidade e divertimento. Com um aceno, ela se
despede sem dramas, e eu volto a olhar para um lado e para o outro. Pelo
menos esse encontro serviu para me tirar no poço de autocomiseração em
que eu estava afundando.

Meus olhos encontram um banheiro e eu os aperto, sem poder acreditar que,


depois de quase ter gozado, sarrando uma boceta meio coberta e meio
exposta, como a porra de um adolescente, eu vou ainda mais baixo, gozando
na minha própria mão em uma festa em que bocetas não me faltam apenas
porque, aparentemente, eu estou me tornando obcecado pela porra da única
que eu não posso ter e simplesmente não sei como lidar com isso.

— Você quer entrar? — pergunto quando Milena boceja pela terceira vez
num intervalo de dez minutos.

Já faz horas que o céu escureceu, mas aqueles que não estão trancados em
cabines fodendo, continuam na festa nas áreas comuns do barco como se o
dia não tivesse se transformado em noite e como se o amanhã não fosse
chegar nunca.
Depois que gozei, fui capaz de voltar à hidromassagem e encontrá-la. Milena
tentou falar outra vez sobre o assunto, mas repeti o que havia dito antes:
perdemos o controle, está tudo bem, acontece. Ela

não insistiu, mas tanto quanto eu, parecia incapaz de permanecer na Jacuzzi
e saímos de lá, voltando para a proa.

Milena não demorou a relaxar. Aparentemente, isso é algo natural dela, não
se apegar às chateações, algo do qual estou descobrindo gostar muito, como
outros tantos aspectos de sua personalidade. Ela aproveitou o dia. Dançou, se
entupiu de refrigerante, pulou no mar, tirou fotos, me pediu para fotografá-la
e até mesmo admirou o pôr do sol em silêncio. E a cada minuto ao seu lado,
eu me peguei querendo o próximo e me importando cada vez menos com os
motivos para não os aproveitar.

— Entrar?

— Sim, pra dormir? Você parece cansada. — Seus olhos piscam algumas
vezes antes de compreensão inundar seu rosto bonito.

— Nós vamos dormir aqui?

— Vamos. — Sua boca se abre, mas logo em seguida, fecha. Ela morde o
lábio, engole em seco e concorda lentamente. — Achei que você gostaria da
experiência, marquei o helicóptero pra amanhã de manhã. — Seus olhos se
fixam nos meus e quase lhe digo que essa decisão foi tomada antes do nosso
tempo na Jacuzzi. Dormir no mesmo quarto talvez não seja a melhor das
ideias agora, porra.

— Acho que ainda não quero ir dormir. — Decide adiar o momento.

— Quando quiser, é só me avisar. — Assente em silêncio e cinco segundos


depois, boceja outra vez. — Tem certeza disso? — pergunto com as
sobrancelhas arqueadas e, outra vez, Milena afunda os dentes no lábio
inferior.
— Tudo bem.

— Tudo bem?

— Vamos entrar.

Encosto-me à porta da cabine depois de fechá-la e cruzo os braços na frente


do peito, mais uma vez, sem conseguir me impedir de observar o
deslumbramento de Milena. Ela está parada alguns passos à minha frente,
tudo o que vejo são suas costas, mas seus pequenos gestos me contam tudo o
que preciso saber.

Seus ombros se alinhando, suas mãos abrindo e fechando antes de irem para
a frente da barriga, a leve inclinação de sua cabeça quando ele tenta
descobrir tudo ao seu redor ao mesmo tempo e até mesmo o suspiro baixo
que solta.

— Gostou? — Ela se vira para mim e dedica ao meu corpo a mesma atenção
que tinha no ambiente apenas alguns segundos atrás.

Olhos azuis me olham de cima a baixo antes de se desviarem para a


luminária na mesa de cabeceira ao lado da cama.

— É imenso. — Uma risada incrédula escapa por entre os lábios desenhados


e ela gira ao redor de si mesma, olhando mais uma vez o quarto. — Não sei
se algum dia vou me acostumar em ter estado em um lugar como esses.

Pressiono meu corpo contra a porta, agarrando-me a ela, precisando me


segurar para não avançar a distância entre Milena e eu e envolver seu corpo
em meus braços, afundar o nariz em seu pescoço.

— Sua bolsa está no banheiro — aviso, mas minha voz sai rouca e como se
reagisse a isso, suas próximas palavras são ditas de maneira trêmula.

— Eu não trouxe roupas de dormir, quer dizer, eu não tinha entendido que
seriam necessárias. — Ela me olha como se pedisse desculpas e eu inclino a
cabeça levemente.

— O que você trouxe?


— Biquínis e saídas de praia. Um short jeans, mas nenhuma camiseta. —
Quase respiro aliviado à menção de um short. Graças a Deus.

— Você pode usar uma camiseta minha. Tem algumas no armário.

— Indico o móvel com um aceno.

— Esse quarto é seu?

— É. — Penso em lhe dizer que meus amigos e eu passamos os fins de


semana no mar com frequência, mas mudo de ideia. Ela apenas acena e
caminha em direção ao armário sem dizer mais nada.

Milena desliza a porta de correr para o lado e ao se deparar com várias


camisetas penduradas, pega uma sem escolher e vai para o banheiro.

Solto o corpo no sofá, onde percebo, dormirei, dando-me conta de que esta
será uma longa, longa, muito longa noite.

Outro banho frio que não faz nada para acalmar o incêndio no meu baixo-
ventre. Enquanto seco os cabelos, enrolada na toalha, lamento pelo alívio
proporcionado que o orgasmo de hoje a tarde já tenha sido substituído pela
necessidade sufocante por mais e não haja nada que eu possa fazer quanto a
isso. Levo as mãos ao rosto, esfregando suavemente a pela avermelhada
depois de um dia inteiro de sol e quando meus olhos caem em meus lábios,
um formigamento fantasma toma conta deles, saudosos da boca de Bruno na
minha.

Olho para sua camiseta pendurada no gancho atrás da porta e me pergunto


como eu deveria ser capaz de dormir no mesmo quarto que aquele homem
depois de ter me esfregado em sua ereção esta tarde?

Não estou com vergonha, não. Definitivamente, não. O que estou é louca
para fazer de novo, de preferência, nua, exatamente como vim ao mundo.

Sacudo a cabeça, expulsando os desejos inconvenientes e me resignando a


me vestir. Coloco a única calcinha limpa que tinha na bolsa, visto os shorts
e, quando toco o algodão macio da camiseta emprestada, não resisto. Eu a
levo ao nariz, aspirando o cheiro do perfume gostoso de Bruno. Não sei se
ele realmente está na camiseta ou apenas na minha imaginação, mas ele é
delicioso de qualquer forma.

Passo o tecido pela cabeça, enfio os braços nas mangas e quando solto o
tecido no corpo, ele desce como um vestido, cobrindo até o meio das minhas
pernas. Pelo menos isso disfarça minha ausência de

sutiã. Olho-me no espelho e não gosto da aparência. Pareço uma criança


vestida pela blusa do pai. Que horror!

Junto as pontas da bainha em uma das mãos e dou um nós na barra da blusa,
depois, dobro as mangas das camisetas até que elas não passem dos meus
ombros. Menos pior, constato ao dar um segunda olhada no meu próprio
reflexo.

Tudo bem, hora de ir.

Bruno está de banho tomado, deitado no sofá, que fica na lateral do cômodo,
onde as roupas de cama arrumadas me dizem que ele pretende dormir.
Graças a Deus. Se descobrir que dormiríamos no mesmo quarto fez meu
estômago gelar, eu não quero saber o que a descoberta de que dividiríamos a
mesma cama faria com meu pobre órgão.

Tentando não o encarar e falhando, arrasto-me para debaixo das cobertas.


Meu corpo parece uma vara de tão tenso, não há a menor possibilidade de eu
realmente conseguir dormir esta noite. Bruno está mexendo em seu celular,
deslizando a tela para cima em alguma rede social.

Como se não bastasse eu ter seu cheiro atordoante em meu próprio corpo, na
camisa que visto, ele parece estar impregnado em todo o quarto em tons de
branco, azul e amadeirado. Olho, outra vez, ao meu redor, encantada com a
beleza do ambiente. Eu nunca imaginaria um quarto desse tamanho dentro
de um barco.

— Todos os quartos são desse tamanho? — a curiosidade me vence e eu me


vejo perguntando em voz alta. Bruno abaixa o aparelho celular e vira o rosto
para mim.

Deitada de lado, com as mãos embaixo do rosto, devo estar parecendo


ridícula, mas a forma como ele me encara por longos

segundos antes de finalmente me responder me dá a sensação de estar


parecendo mais do que isso, pelo menos, aos seus olhos.

— Não. Só os cinco principais.

— Principais? Quantos quartos têm aqui? — É impossível esconder meu


espanto.

— Vinte e oito. -responde e eu pisco, antes de simplesmente repetir as


palavras dando a elas uma entonação diferente.

— Vinte e oito?

— Vinte e oito.

— Vinte e oito? — pergunto mais uma vez, reproduzindo o meme dos três
reais.

— Vinte e oito — Bruno confirma aos risos e eu me viro na cama, ficando


com a barriga para cima.

— Você também tem um barco? — Não consigo conter a próxima pergunta.


— Não. Isso é mais a cara do Arthur mesmo.

— E o que é a sua cara? — Realmente me vejo querendo saber.

— Casas ao redor do mundo. Eu as coleciono.

— Você coleciona casas? — indago incrédula e sua risada gostosa me atrai.


Bruno se apoia nos cotovelos para me ver melhor e, de novo, seu olhar é de
apreciação e desejo, fazendo minha respiração recém-controlada voltar a
falhar.

— Coleciono. — Solta o corpo em cima do sofá e passa a olhar para o teto,


me sinto grata e já carente dos seus olhos, ao mesmo tempo. — Do ponto de
vista financeiro, é um péssimo investimento.

Quer dizer, não o setor imobiliário, ele é um bom investimento, mas comprar
casas não. O custo delas é infinitamente maior do que sua renda,
principalmente no caso das minhas, que não rendem absolutamente nada.

— Você poderia alugá-las — sugiro, mas logo depois me sinto estúpida por
isso. É claro que ele poderia alugá-las e é claro que ele sabe disso. Mais uma
risada sua me confirma isso.

— Eu poderia... Mas não quero. São, literalmente, objetos de coleção, gosto


de tê-las só para mim o tempo todo, independente do quanto me custe
mantê-las.

— Você pelo menos às visita?

— Uma vez por ano a cada uma, pelo menos. Isso me mantém viajando o
ano todo, quanto maior o número de casas, maior o de viagens, e quando eu
enjoo de algum destino em particular, eu vendo e substituo por outro.

— Parece um bom jeito de se viver — sussurro, pensando sobre.

Seu pescoço se inclina, fazendo barulho ao roçar no travesseiro.

— O que você gostaria de colecionar?


— Ingressos de shows — respondo rapidamente —, mas eu precisaria ir a
esses shows! — explico em seguida e ele dobra o lábio inferior para fora
antes de balançar a cabeça, concordando.

— Quantos você já tem?

— Nenhum.

— Nenhum? — Eu rio, porque, dessa vez, foi ele quem começou a


reprodução do meme dos três reais.

— Nenhum. Eu nunca fui a um show. Quer dizer, eu fui num do Baby


Looney Tunes[16] quando eu era criança, mas não acho que isso conte como
show.

— Definitivamente, não conta.

— Então, não, nunca fui. — As expressões em seu rosto parecem dispostas a


brincar de me acender e apagar.

— Podemos apagar as luzes? — peço.

— Podemos. Alexa, apagar as luzes do quarto — comanda e imediatamente,


o quarto cai na escuridão e eu me sinto um pouco

mais confortável, longe dos seus olhos.

— Quantas casas você tem?

— Hoje? Entre casas e apartamentos, trinta e uma.

— Uau! E qual é a sua preferida?

— Atualmente, a da Califórnia. Tem uma praia particular e as ondas são


perfeitas. Passo a maior parte do tempo em que estou lá surfando.

— Você tem cara de surfista. — Eu mesma rio do meu comentário.

— E o que é cara de surfista? — Há um sorriso em sua voz.


— Não é só a cara, na verdade. É o porte, a cor da pele, da boca, as pontas
mais claras nos cabelos e até um pouco do cheiro. Como se a água salgada
fizesse parte dele, mas só um pouquinho. —

Inconscientemente, puxo uma inspiração profunda no tecido de sua camiseta


e é só quando o silêncio se estende entre nós que me dou conta do que acabei
de dizer. Graças a Deus pelas luzes estarem apagadas, porque eu tenho
certeza de que os olhos de Bruno estão cravados em mim nesse momento. —
De onde veio o seu gosto por colecionar casas? — pergunto, desesperada
para fugir da sua atenção, mesmo que eu não possa vê-la.

— Meus pais sempre viajaram muito e quando eu era garoto, por um tempo,
eles costumavam me levar junto. Antes do internato. Eles sempre adoraram
hotéis, mas eu só queria estar em casa. Foi assim que a coleção começou,
quando eu tinha destinos fixos para viagens de negócios, comprava um casa
pra não precisar passar longos períodos em hotéis, com o tempo, virou outra
coisa.

— Você gosta de pertencer... — murmuro para mim mesma, sendo


surpreendida pela compreensão. Não é o que eu esperaria de Bruno
considerando o pouco que sei a seu respeito e me dou conta disso também.
Eu sei muitíssimo pouco a seu respeito.

— É uma forma de ver as coisas. — Como se percebesse ter me entregado


com a última revelação mais do que gostaria de compartilhar, Bruno abraça
o silêncio de deixa que ele tome conta do

quarto. Fecho os olhos, não querendo forçá-lo a nada e já tendo mais do que
eu imaginaria para lidar quando o assunto é esse homem.

Mas o problema é que basta que o assunto esteja oficialmente morto para
que a sensação anterior retorne com tudo. A tensão nervosa me envolve e
aperta como se essa fosse a missão da sua vida e meu corpo volta a
endurecer por completo na cama enorme e que parece vazia demais apenas
comigo. Devagar, expiro longa e o mais silenciosamente possível,
determinada a ignorar meus pelos arrepiados, o coração novamente
acelerado e a palpitação sutil entre minhas pernas apenas por saber que
Bruno está deitado aqui ao lado, no escuro. Eu só preciso vencer essa noite.
Só essa.

O relógio digital na bancada de frente para a cama marca duas horas da


manhã e eu ainda estou tão longe de conseguir dormir quanto estava há três
horas. Bruno também está acordado, mas não tentou reiniciar nossa
conversa, por isso continuei quieta, deitada, mantendo os olhos fechados por
tanto tempo quanto é possível sem enlouquecer.

Eu gostaria de rolar para um lado e para o outro, mas isso denunciaria minha
ansiedade, ou que ainda estou acordada, se ele já não souber. Ele se
movimenta mais intensamente do que vinha fazendo antes e eu aperto os
olhos, preocupada que descubra minha investigação.

De repente, ouço seus passos. Devagar, ele se afasta até abrir a porta e fechá-
la novamente, deixando-me sozinha, mas se a sua presença era sufocante,
sua ausência deixa uma sensação até então desconhecida, mas nada melhor
do que a anterior. Sento-me na cama, olho para um lado e para o outro.

— Alexa, acender as luzes. — A claridade súbita fere meus olhos,


obrigando-me a apertá-los. Pisco até me acostumar e estico a mão para
alcançar meu celular na mesa de cabeceira.

A resposta de minha mãe ao meu aviso de que dormiria fora foi uma carinha
sugestiva e a repetição da frase que me disse pela manhã, antes que eu saísse
de casa: “O medo nunca ensinou ninguém a voar.” Bem, eu acho que me
atracar com Bruno na Jacuzzi definitivamente pode ser descrito como
coragem.

Tremo os lábios, irritada com minha falta de controle do meu próprio corpo.
Abro o aplicativo Kindle em meu celular e procuro um dos muitos e-books
baixados gratuitamente nos últimos meses, que esperavam que eu tivesse
tempo para ler. Agora eu finalmente tenho.
Rolo a biblioteca, procurando por um texto curto, algo que eu possa começar
e terminar agora.

No entanto, após dez minutos tentando ler o mesmo parágrafo, desisto da


leitura, bloqueio o celular e o largo sobre a cama. Não há nem sinal de
Bruno, mas o ar dentro do quarto parece anda mais pesado em sua ausência.
Tudo bem, eu preciso respirar. Talvez achar um canto isolado lá fora onde eu
possa passar o restante da noite em claro sem hiperventilar. É isso! Decido.

Afasto as cobertas e procuro pelos chinelos. Não me preocupo com o que


estou vestindo, afinal, são duas da manhã, as pessoas normais devem estar
dormindo, certo?

O corredor dos quartos principais está vazio e eu agradeço por não encontrar
Bruno em meu caminho. Não quero que ele pense que o estou seguindo, eu
realmente só preciso respirar.

Desço as escadas até o andar inferior e caminho pelo longo corredor de


cabines, contando as portas. Exatamente vinte e oito. Aqui também está
silencioso e quando chego ao final, desço mais um lance de escadas. No
último degrau, ao invés de virar para a direita, na direção da proa, viro para
esquerda, seguindo para o convés.

Não porque eu precise olhar para a hidromassagem a fim de reviver as


memórias desta tarde. Elas estão vivíssimas. Mas me

lembro de ter visto um conjunto de sofás lá, talvez eu deite em um deles e


olhe para o mar até amanhecer. O nascer do sol deve ser bonito no meio do
oceano.

O que parece ter sido quase um quilômetro de caminhada depois, as portas


automáticas de vidro que isolam a área externa da interna se abrem para que
eu passe. Fecho os olhos sentindo o vento gelado na pele e o cheiro da
maresia invadir meu nariz. Puxo algumas inspirações profundas, deixando
que o ar frio me inunde e finalmente esfrie meu corpo.

Inclino a cabeça para trás e me abraço. Abro os olhos, encarando outra vez o
céu cheio de estrelas. Mais cedo, quando as vi pela primeira vez, não
consegui evitar uma lágrima silenciosa. O céu da cidade de São Paulo é
vazio e como eu nunca havia saído de lá, nunca tinha visto um céu estrelado
de verdade.

Por alguns minutos, permaneço parada, aproveitando o som calmante das


ondas se chocando contra o casco do barco. Um sorriso se abre em meu
rosto quando eu penso na quantidade de experiências que acumulei este fim
de semana. Três dias que me renderam mais do que os últimos dois anos.

De repente, um som se sobressai ao das ondas, arrancando-me do meu


momento de relaxamento. Franzo o cenho, acreditando estar ouvindo coisas.
Olho para um lado e para o outro, confirmando que estou sozinha, mas outro
som, dessa vez mais alto, atravessa o vazio ao meu redor, atingindo em cheio
os meus ouvidos.

O gemido feminino é longo e arrastado e imediatamente coloca todo o meu


corpo em alerta. Eu deveria dar meia volta e entrar, mas a curiosidade matou
o gato e eu sempre soube que um dia me mataria também. Eu só espero que
esse dia não seja hoje. Com passos calculadamente lentos, sigo o som,
esgueirando-me pela parede lateral, mantendo-me protegida por ela da visão
de quem está na direção do lugar para onde caminho.

Novos sons me alcançam, mais altos e parecendo mais intensos.

Agora, ouço um homem também, mas os sons emitidos por ele são muito
baixos. Vejo a Jacuzzi vazia e sorrateiramente, vou para trás da

estrutura alta que a abriga. Escondida, procuro a origem dos barulhos que
perturbam as estrelas e quando meus olhos encontram os sofás onde eu
pretendia me deitar para ter um restante de madrugada sossegado, minha
boca se abre em choque com a visão que encontro.

Há uma mulher nua deitada com a barriga para cima e as pernas abertas.
Uma de suas mãos está aninhada entre elas, acariciando a própria boceta
enquanto em seu rosto, uma outra mulher está sentada. É ela a dona dos
gemidos altos, interrompidos apenas quando ela engole o pau do homem nu,
sentado à sua frente, a quem ela se empenha em chupar.

Pisco os olhos com a boca subitamente seca ao reconhecer o homem com os


olhos penetrantes grudados no rosto da mulher e os dedos embrenhados nos
cabelos dela. Arthur tem o olhar verde atento a cada movimento da boca da
morena que eu descubro ser Giulia quando ela desliza todo o membro do
homem para fora da boca, vira o rosto com um sorriso lascivo de perfil,
antes de soltar mais um dos seus gemidos altos e se dedicar a lamber as
bolas dele enquanto rebola os quadris na boca da outra mulher.

Agora, eu definitivamente deveria dar meia volta e ir embora.

Contudo, meus pés parecem ter sido plantados no lugar, minhas pernas se
recusam a se mover e essa não é a mais estranha das reações do meu corpo.
Meus mamilos estão duros e doloridos e a palpitação do meu clitóris é tão
intensa agora quanto horas atrás, nesse mesmo lugar, enquanto eu tinha o
corpo musculoso de Bruno entre minhas pernas.

Ofego baixinho quando Giulia ergue a cabeça para gemer alto no exato
instante em que todo o seu corpo se entrega a espasmos, gozando. Arthur se
desencosta da parede e puxa a cabeça dela na direção da sua, tomando sua
boca num beijo que não poderia ser descrito como nada além de
pornográfico. Eu me arrepio inteira.

A mulher que chupava Giulia se levanta e, de joelhos, arrasta-se até estar


parada ao lado dos dois e transformar a bagunça de línguas e bocas em uma
coisa tripla.

As mãos de Arthur se espalham, tocando os peitos, as bundas e as bocetas


das duas sem qualquer cuidado. Seus toques são intensos, brutos e as duas
gemem ao mesmo tempo quando cada uma das mãos dele se enfia entre suas
pernas antes de ele dar uma ordem que eu não consigo ouvir, mas a que todo
o meu corpo sente e reage apenas pela expressão dura e dominante em seu
rosto.

Elas se deslizam para baixo, dando-me a visão completa do corpo musculoso


e dourado de Arthur, coberto por uma camada de suor, apesar do vento
constante aqui fora, mas não é difícil entender o porquê quando eu, uma
mera expectadora, sinto como se, repentinamente, todos os meus órgãos
internos tivessem sido substituídos por labaredas.
Mordo o lábio, engolindo um gemido, sentindo o latejar entre minhas pernas
se tornar insuportável, minha vulva dói, a sensação é de que eu vou gozar a
qualquer momento sem que qualquer ponto do meu corpo sequer tenha sido
tocado. Giulia e a mulher ruiva lambem, ao mesmo tempo, o pau duro de
Arthur.

Seu membro é largo e grande. Cada uma delas se ocupa de uma metade dele
por um longo tempo, espalhando saliva e hora ou outra misturando as
próprias línguas na coreografia mais erótica que eu jamais seria capaz de
imaginar, não importa o quanto minha mente seja criativa.

E quando eu acho que nada poderia ser mais excitante, a ruiva se deita de
barriga para cima e abre as pernas, Giulia se encaixa entre elas, de quatro,
deixando os quadris para o alto, na frente de Arthur.

Ele desenrola uma um preservativo em sua extensão e, sem aviso, se enfia


inteiro na boceta da mulher e minha vontade é de gemer junto com ela.

Não desvio os olhos, não pisco enquanto ele a fode sem parar e ela chupa a
outra mulher que agora também enche a noite com os próprios gemidos.
Aperto a estrutura plástica onde minhas mãos estão apoiadas com força ao
ouvir um gemido rouco de Arthur e sinto meu próprio corpo estremecer,
como se fosse ele a ser sacudido pelas investidas cada vez mais aceleradas
contra os quadris da morena.

Com a boca aberta, mesmo que muda, vejo o trio trocar de lugar e posição
uma e outra vez, vejo as mulheres gozarem no pau de Arthur e nas bocas
uma da outra, vejo até mesmo quando ele goza, afundado no cu da ruiva e
sua libertação é também a minha, porque somente quando ele goza, consigo
desviar o olhar.

Apoio o corpo na hidromassagem e fecho os olhos com a cabeça inclinada


para trás sem poder acreditar na necessidade latente borbulhando em meu
baixo-ventre. O tesão infinito rouba meu ar enquanto tento, inutilmente,
organizar meus pensamentos. Ofegante, abro os olhos, determinada a buscar
refúgio nas estrelas, a acalmar meu corpo e mente na visão pacífica, mesmo
que o meu desejo seja correr para o primeiro banheiro e apenas tocar meu
clitóris.
Um toque e tenho certeza de que todo o meu corpo vai explodir. No entanto,
assim que minha visão estabiliza, o que encontro não são pontos brilhantes
no céu, mas pedras azuis, sustentadas por um corpo alto e musculoso,
debruçado sobre o guarda corpo do andar de cima.

As pedras estão fixas em mim, prontas para me consumir.

A surpresa e o constrangimento em seu olhar não apagam nenhum dos


sentimentos que transbordavam dele antes. A curiosidade, o tesão, o prazer
que observar a cena descuidada de Arthur lhe deu. E não só o sexo. Seus
olhos passearam pelos corpos, pelos toques, seu corpo reagiu aos sons e eu
tenho certeza de que em algum momento, Milena até mesmo se imaginou lá,
participando do que via, foi provavelmente nesse instante que seu corpo se
perdeu.

A pele avermelhada, os lábios entreabertos, o peito arfante e a névoa de


desejo a deixam ainda mais linda e, pela segunda vez hoje, meu pau vibra
em desespero para se afundar nessa mulher.

No andar de baixo, escondida da visão do trio que observava, com o corpo


carregado de sinais da sua embriaguez que nada tem a ver com álcool,
Milena é a porra da perfeição.

Eu a assisto fugir de mim, praticamente correr para dentro do barco, mas não
me movo. Permaneço debruçado sobre o guarda-corpo do segundo andar,
para onde fui atraído pelos sons da foda de Arthur e de onde estava prestes a
sair quando avistei Milena, esgueirando-se pelas paredes do andar inferior
até encontrar um ménage se desenrolando bem diante dos seus olhos,
procurando por ele, na verdade.
Assistir às suas reações foi muito mais excitante do que qualquer coisa já foi.
Desejei estar lá, ao seu lado, conduzindo-a pelo momento. Guiando-a pela
percepção que ela provavelmente ainda

não teve. Uma percepção que embora impensável para ela nesse momento,
tenha ficado clara como água para mim. Milena é uma voyeur.

Minha vontade era de despi-la para que ela pudesse ser observada pelas
mesmas pessoas que estava observando.

Enquanto via seus olhos se embebedarem de tesão, quis arreganhar suas


pernas, escancarar sua boceta para que Arthur pudesse devorá-la com a
mesma intensidade que os olhos de Milena devoraram seu pau.

Porra, eu quis fodê-la ali, marcá-la como minha para que ele, a ruiva e
morena que fodiam com ele soubessem que poderiam olhá-la o quanto
quisessem, mas só a tocariam com a minha permissão.

Imaginá-la nesse momento, andando apressada pelos corredores,


pressionando uma coxa contra a outra, ter a certeza de que ela irá se
masturbar no instante em que trancar a porta do quarto, mesmo sabendo da
possibilidade de eu entrar no cômodo em seu encalço, apenas porque está
desesperada pelo gozo, faz meu pau babar dentro da cueca, mas é também a
única coisa que me mantém parado no lugar, dando-lhe tempo para
conseguir o que precisa sem interrupções, porque essa, sem dúvida alguma, é
a última vez.

Eu fui decente, respeitei os pedidos da sua boca, mesmo quando seu corpo
me implorou por coisas completamente diferentes.

Porém, há um limite para o que eu posso suportar e seu olhar me implorando


para acabar com o latejar da sua boceta excitada, com certeza o atingiu.
Parada diante da porta fechada, riso e lamento duelam em minha cabeça
quando penso no quanto sobre abrir, fechar ou me esconder atrás delas
minha vida se tornou nos últimos dias. A semana passou como um borrão de
noites ansiosas, dias dorminhocos e pensamentos sendo enviados para longe
da superfície, trancafiados nas profundezas do meu subconsciente apenas
para alguns momentos depois serem descobertos livres, leves e soltos,
rodopiando com nenhum outro objetivo além de me importunar.

Tentei assistir filmes, ler, pesquisar sobre o que farei da minha vida em três
meses, tentei passear no shopping, na 25 de março e no Ibirapuera, mas nada
foi capaz de manter minha atenção por mais do que alguns minutos. E, em
cada intervalo ou momento ocioso que tive, minha mente escorregou do
presente para a madrugada de domingo, mais especificamente, para o
momento em que descobri os olhos de Bruno me espionando enquanto eu
espionava Arthur, Giulia e a mulher ruiva. Solto um suspiro e mordo o lábio.

As imagens que me tornaram prisioneira não podem ser desvistas e


continuam me atormentando mesmo quando estou de olhos abertos.

Ainda não entendo como pude ficar ali, olhando, desejando observar, em
determinado momento, desejando até mesmo participar. Tudo sobre isso é
tão confuso. Eu me excitei assistindo duas mulheres se tocando, se beijando,
se... Chupando. Será que isso quer dizer que eu sou bissexual?

Se eu fechar os olhos, posso sentir o calor que percorreu meu corpo


enquanto assistia à cena todo de novo, e até mais do que isso, a verdadeira
explosão causada pelo olhar do meu observador. Gozar já era uma
necessidade antes mesmo que os nossos olhares tivessem se cruzado, depois,
passou a ser uma exigência e, mesmo sabendo que Bruno poderia entrar no
quarto a qualquer momento, assim que cheguei à cabine que ocupávamos,
tranquei-me no banheiro e me masturbei.

Mal precisei me tocar. Meu corpo estava tão pronto que em menos de um
minuto eu tremia, descontrolada, apertando olhos e lábios para conter
qualquer som teimoso que insistisse em sair.

Passei o resto da noite em claro e na expectativa, mas meu namorado de


mentira não voltou ao quarto até que o sol já tivesse nascido. E, mesmo
assim, não tocou no assunto. Nada. Nenhuma palavra. Agiu como se aquela
madrugada nunca tivesse acontecido. E

se não fosse pelas sensações ainda mais intensas que sua presença passou a
despertar em mim, sua suposta indiferença até poderia me fazer acreditar que
eu havia sonhado tudo aquilo.

Se antes sua companhia me deixava alerta, seu toque me acendia e meu


corpo parecia ser constantemente atraído na direção do seu, durante as horas
que passamos juntos na manhã de segunda-feira ao retornarmos para São
Paulo, tudo isso pareceu ser elevado à décima potência. Seu cheiro passou a
me dominar, a atração sutil se transformou em uma força motriz, puxando-
me o tempo todo, dizendo-me que o lugar do meu corpo era colado ao dele e
embora eu não tenha sentido sua pele na minha, seus olhos gritavam que
meu tempo estava acabando. Eu estava, definitivamente, perdendo a cabeça.

Olhos não gritam, afinal.

Seu silêncio seletivo se manteve ao longo de todos os dias seguintes, na


verdade, acho que o nome certo seria sua conversa seletiva. Bruno não fez
nada além de me mandar mensagens diárias perguntando como eu estava me
sentindo as quais nunca desenrolava em outros assuntos. Não. A pergunta
era direta, minha resposta era igualmente direta e educada quando eu
retribuía a preocupação e fim de papo.
E, mesmo que eu sentisse sua ausência, não era algo como abandono, não.
Embora eu não saiba explicar o porquê, a sensação de que Bruno estava me
dando espaço era persistente. Quase como se ele estivesse me preparando
para alguma coisa e isso apenas intensificou a ansiedade pelas suas
mensagens seguintes.

A cada dia, eu esperava que algo como “Você será oferecida em sacrifício a
um deus pagão” me seria informado em seu próximo contato. E essa
expectativa era, ao mesmo tempo, eletrizante e exaustiva, principalmente
quando dia após dia ela se mostrava injustificada. Até ontem à noite.

Como perder um homem em dez dias passava na imensa televisão da sala


pela terceira vez essa semana e meu celular vibrou ao meu lado, no sofá. Eu
sabia que era ele antes mesmo de ver seu nome na barra de notificações.
Simplesmente sabia, mesmo que já tivesse recebido minha cota diária de
contato horas mais cedo.

Quando desbloqueei a tela e li a mensagem no aplicativo, pensei que, talvez,


um sacrifício a um deus pagão fosse menos esmagador do que o que Bruno
dizia estar prestes a acontecer.
Seu cheiro é a primeira coisa a me atingir quando abro a porta.

Pelos últimos dez minutos, observei Milena através das câmeras desde sua
entrada no elevador. Não havia nenhum motivo especial, a urgência em vê-la
era apenas muito grande para que eu esperasse sua chegada até minha porta.

Manter-me longe nos últimos dias foi necessário. Eu precisava ter certeza de
que meu julgamento não estava sendo afetado por essa coisa inadministrável
que a mulher desperta em mim.

Precisava analisar todos os sinais minuciosamente, garantir que minhas


interpretações estavam corretas, limpas, e não havia a menor possibilidade
de eu fazer isso com ela por perto, mesmo que, mais de uma vez, eu tenha
me pegado querendo mandar toda a porra da interpretação para a puta que
pariu e simplesmente tomar aquilo que, cada vez mais, eu sentia como se já
fosse meu.

A distância também seria útil para que ela percebesse isso e cada um dos
gestos que observei nas filmagens pelos últimos minutos, me diz que foi
uma boa decisão. Mesmo que essa seja mais uma das coisas que Milena
ainda não entenda.

Sua aflição é denunciada pelas mordidas constantes no lábio inferior, pelas


mãos inquietas, pelos pés batendo incessantemente contra o chão, pelo girar
incessante do anel em seu dedo indicador, pelas expirações curtas, e,
principalmente, pelo fato de ela ter ficado parada por dez minutos, diante da
minha porta, sem ter a coragem de

bater. Como se temesse o que vai acontecer depois de passar pela soleira e
talvez realmente devesse.
— Olá — cumprimento e ela lambe os lábios antes de sorrir nervosamente.

— Olá. — Outra lambida de lábios e eu não me impeço de sorrir.

Minha vontade é de pressioná-la contra a parede, lamber a boca gostosa,


chupar a língua provocadora e seu olhar pedinte a alimenta.

Ficou claro para mim, no momento em que descobri Milena espionando o


sexo alheio, e sentindo prazer com isso, que haveria uma mudança na
dinâmica da nossa relação. Se foi a minha certeza que causou a mudança ou
a mudança quem gerou minha certeza, nós nunca saberemos, mas ela
aconteceu e é impossível de se ignorar.

O ar ao nosso redor estala e a energia sexual antes duramente reprimida,


agora corre solta, girando, serpenteando e nos envolvendo como se fosse um
organismo vivo. Milena arfa baixinho e eu não resisto. Levo a mão até seu
lábio, soltando-o de entre os seus dentes sem jamais desviar os olhos dos
seus.

Até o final da noite, darei a ela todas as coisas pelas quais seus olhos me
imploram, mas por ora, aceno para que ela passe pela porta.

Seus movimentos são cuidadosos, dão a impressão de que ela teme esbarrar
em alguma coisa se não tiver cuidado ao se mover. Ela descalça os pés e
deixa os sapatos ao lado da porta.

— Precisamos apresentar o segundo andar da casa pra você. —

Buzz levanta a cabeça de sua caminha, no canto da sala, parecendo


concordar com a ideia. O barulho do corpo gordo e cheio de dobras do
buldogue se arrastando para fora da superfície macia atrai a atenção de
Milena e ela se vira na direção do cachorro.

A imagem ridícula de Buzz movendo as patas dianteiras enquanto arrasta as


traseiras e os quadris pelo chão por pura preguiça faz com que Milena
esqueça momentaneamente da tensão que pesava sobre seus ombros e ela
solta uma risada gostosa que me faz sorrir também.
— Você é um cãozinho preguiçoso, não é? — pergunta, agachando-se no
lugar para aguardar a boa vontade do cachorro de alcançá-la.

— Cãozinho? — debocho e seu olhar para mim é divertido, mesmo que não
tão leve quanto foi para Buzz. Ele finalmente a alcança e ela coça sua orelha.
Ele ressona e, cinco segundos depois, está jogado aos seus pés, com os olhos
fechados, pronto para voltar a dormir.

Reviro os olhos e balanço a cabeça, negando. Milena continua a mimar o


cachorro sem se dar conta de que peguei a bolsa que ela deixou no chão e já
estou caminhando em direção às escadas.

Quando chego ao primeiro degrau, me viro para ela, estendendo a mão.

— Você vem?

— E esse é o meu quarto. — Milena me olha parecendo extremamente


preocupada quando abro a última porta do corredor para ela e eu riria, se não
estivesse me sentindo tão pressionado quanto ela por tê-la tão perto da minha
cama. — Quer saber? Talvez a gente deva deixar isso pra outra hora —
sugiro e o alívio em seu rosto é tão evidente quanto a pontada de decepção
que o atravessa. — Eu acho que você vai gostar da varanda.

— Lá em cima?

— Não, lá embaixo. — Suas sobrancelhas se franzem.

— Onde?

— Os vidros na sala são portas.

— Eu — começa, mas se interrompe e sacode a cabeça, negando.

— Não importa. Vamos então.


Descemos as escadas, atravessamos as salas e assim que passa pelas portas
de vidro, Milena assume o ar deslumbrado que já vi em seu rosto algumas
vezes.

Os lábios entreabertos, as sobrancelhas erguidas, os olhos inquietos, sem


saber no que se fixar primeiro. Seu primeiro destino é o guarda-corpo. Ela
vai até a borda do prédio e se apoia, olhando a cidade inteira de cima. Por
alguns minutos, fica em silêncio, apenas observando e eu faço o mesmo que
ela.

Os jeans claros de cintura alta deixam sua bunda ainda mais empinada e
delineiam as curvas sutis dos seus quadris. Os ombros estão expostos por
uma camiseta preta de mangas ¾ e seus cabelos soltos balançam com a brisa
suave do ar livre.

Ela me olha sobre o ombro por um instante e sorri timidamente antes de se


virar, passando a apoiar as costas na mureta de concreto e madeira.

— Não vi esse lugar da última vez que estive aqui — comenta, fazendo-me
pensar sobre isso. No dia em que assinamos o contrato eu a encontrei
olhando através das janelas, mas não desse lado da sala.

— De onde você estava não dava pra ver.

— É incrível. — Passeia os olhos ao redor até que eles encontrem à Jacuzzi


sobre elevada sobre uma estrutura à sua direita, ao lado da piscina.
Reconhecimento brilha em suas íris azuis e eu sei exatamente para onde seus
pensamentos vão. Ela suspira e eu faço uma nota mental para a
posterioridade. Afasto-me da porta de acesso e caminho em sua direção.

Milena endurece a postura imediatamente e vê-la tão alerta é quase


divertido. Para ao seu lado, com os quadris apoiados no mesmo lugar que
ela, centímetros separando nossos corpos. O calor do dela é quase um
choque físico.

— Precisamos preparar você. — Seu olhar curioso procura o meu e eu viro o


rosto, deixando-o de frente para o dela. Porra de boca
gostosa. Seus olhos não demoram a retribuir meu olhar, caindo para os meus
lábios.

— Me preparar pra quê? — pergunta baixinho.

— Pro quarteto de idiotas — respondo no mesmo tom.

— Mas eu já os conheci. — Não tenho ideia do porquê estamos sussurrando,


mas tenho certeza de que estamos mais perto agora do que estávamos há um
segundo.

— É... — Pauso, concentrado em sua língua que saiu para umedecer os


lábios. — Você foi apresentada a eles, mas conhecê-los? Talvez você comece
hoje. — Nenhum de nós dois está realmente atento às palavras que estão
sendo ditas e eu preciso desviar olhar antes que eu faça uma besteira.

Se eu começar, não vou conseguir parar. Porra! Solto um longo suspiro


dando as costas ao meu apartamento e me debruçando sobre o guarda-corpo.

— O que é a noite de jogos, afinal? — pergunta algum tempo depois,


desconfiada. — Vocês vão jogar videogame?

— Uma vez por mês, nos reunimos pra jogar. O jogo de hoje é Monopoly. —
Seu rosto procura o meu, mas continuo focado na cidade diante de mim.

— Monopoly? Vocês vão jogar monopoly? — A incredulidade em seu tom


seria o suficiente para deixar seu deboche evidente, mas pela visão
periférica, vejo Milena apoiar um dos braços na cintura, inclinar o pescoço e
um sorrisinho se pendurar no canto dos seus lábios.

— O que há de errado em jogar Monopoly? — pergunto, erguendo o corpo e


cruzando os braços na frente do corpo, estreitando meus olhos para sua
mudança súbita de atitude, mesmo que eu ainda não esteja olhando para ela.
Porra, eu adoro sua volatilidade. Seu olhar me investiga de ponta a ponta.

— Vocês não estão meio velhos pra isso? — Sua resposta me arranca uma
gargalhada e eu finalmente volto a focar minha atenção
completamente em sua figura e começo a caminhar de volta para o interior
do apartamento. Ela me segue.

— Não se valer dinheiro de verdade. Ao invés de distribuirmos $1.500 de


dinheiro de brinquedo, jogamos com o equivalente em ações das empresas
que mais estão rendendo na nossa carteira de rendimentos naquela semana.
— Suas sobrancelhas se franzem e seus olhos se movem sem destino pelos
segundos em que ela pensa sobre isso.

— Mas isso seriam...

— Centenas de milhares de reais em dinheiro de verdade? — a interrompo e


dou de ombros. — Eu disse que era divertido. E você também vai jogar —
aviso, mas sua reação é rir alto, fazendo-me parar de frente para um dos
sofás e encará-la.

Buzz reclama do barulho atrapalhando seu sono de beleza e eu levo a mão ao


queixo, observando todo o seu corpo se sacodir com a risada. É impossível
evitar o pensamento do quanto a menina é linda, assim como aquela
sensação gostosa por mais uma vez, ter sido eu o responsável pelo sorriso
em seu rosto, mesmo que, aparentemente, ela esteja rindo de mim.

— O que é tão engraçado?

— Pra começar, eu não tenho ações. Mas o engraçado mesmo é você achar
que se eu tivesse, as colocaria numa loucura dessas.

— Você é minha garota, Milena. É claro que tem. — Não calculo o impacto
das minhas palavras até que elas já tenham ganhado o mundo e ele fique
claro na mudança de expressão de Milena ou na porra da sensação que se
espalha no meu peito como fogo em rastro de pólvora.

Certas pra caralho, é como as palavras soam. Milena pisca, fingindo não ter
sido abalada pelo que eu disse, mas escolhe se sentar na poltrona de frente
para mim ao invés de ao meu lado no sofá, como se isso fosse fazer alguma
diferença nessa coisa ao nosso redor. Só há uma solução para isso e ela é o
extremo oposto de se afastar.
— Eu não vou apostar seu dinheiro — avisa, resoluta, fazendo-me sorrir. —
Vou apostar o meu. Aceito um empréstimo, mas você desconta do meu
pagamento depois.

— Eu não vou deixar você perder seu dinheiro, Milena.

— E quem foi que disse que eu vou perder? — É a minha vez de erguer as
sobrancelhas em surpresa.

— Se você ganhar, eu aceito — condiciono.

— Eu não sabia que nós estávamos negociando. — Sorrio com sua


inocência.

— Isso é porque você tem muito a aprender sobre mim, Milena. Eu estou
sempre negociando. — Seus olhos se estreitam e o ar de desafio neles me faz
morder meu próprio lábio.

— Eles vão tentar roubar você.

— Como?

— Eles podem ser muito criativos, mas principalmente, tentando nunca falir.
Nós usamos papéis marcados, mas, ainda assim, aqueles filhos da puta
sempre dão um jeito. — Milena abre a boca e balança a cabeça de um lado
para o outro, negando.

— Por que eles fariam isso?

— Porque nenhum de nós gosta de perder.

— Então você também rouba? — deduz o que eu não digo e dou de ombros,
desconversando, logo depois de dar uma piscadinha para ela.

— Eles vão tentar te convencer a apostar coisas. — Mudo de assunto.

— Que tipo de coisas?


— Coisas que você não vai querer perder, coisas quem vão me irritar...
Qualquer coisa.

— Vocês são viciados ou algo assim?

— Está mais pra maníacos.

— Eu não vejo como isso poderia soar melhor.

— Nós podemos parar a qualquer momento.

— Isso é o que todo viciado diz.

— Eu quero a Mile — Arthur diz assim que nos sentamos diante do


tabuleiro apenas para me fazer revirar os olhos.

Eles chegaram há algumas horas e embora Milena tenha ficado um pouco


constrangida na presença de Arthur a princípio, isso não durou muito.
Imagino que o fato de ele não ter ideia do papel desempenhado por ela na
sua foda a tenha confortado de alguma maneira.

— Não é um jogo de duplas, imbecil.

— Eu ainda quero a Milena — diz e eu tremo os lábios, ignorando-o.

— Desculpe, não estou disponível — ela mesma diz, fazendo uma careta,
como se fosse uma vendedora cuja mercadoria acabou um segundo antes de
o último cliente entrar na loja.

— Eu não sou ciumento, linda — ele insiste e eu corto o assunto.

— Você conhece as regras, certo? — pergunto a ela que confirma com um


menear de cabeça no qual eu não confio. Algo me diz que Milena está
escondendo o jogo. — Ok! Notas na mesa — aviso e todos tiram os maços
dos bolsos, mas Milena que já tinha o seu nas mãos, me olha com a
sobrancelha erguida.

— Alguém parece estar ciumento — Arthur cochicha para Heitor, sentado


ao seu lado na mesa redonda e eu solto um assobio ao expirar.

— Você é o banqueiro? Nós não vamos sortear ou algo assim? —

Milena questiona.

— Se você quiser se arriscar com um desses caras... — sugiro e pelo menos,


eles têm a decência de não negar. Os sorrisinhos estúpidos em suas caras
parece ser resposta o suficiente para ela.

— Tudo bem — aceita e escolhe seu totem. — Que comecem os jogos —


murmura para si mesma.

Ela está me roubando.

A filha da mãe está me roubando. Milena deveria ter falido há pelo menos
três rodadas, mas seu dinheiro não acaba. Eu não sei como ela está fazendo,
mas está e não posso acusá-la, porque eu deveria ter falido há seis rodadas.

Bufo quando ela rola os dados pela segunda vez tirando dois seis e avança
doze casas novamente. Na terceira vez consecutiva em que rola os dados,
como em todas as vezes anteriores, seus dados dão números diferentes,
evitando sua ida para a cadeia. Ela me lança um olhar provocador. Cretina
competitiva.

Puta que pariu! Eu não acredito que estou excitado jogando a porra de
Monopoly. Como se o ar pesado ao nosso redor já não fosse o suficiente, a
cada vez que ela me olha como se estivesse chutando a minha bunda, eu
quero mostrar a ela o que realmente estou disposto a fazer com a sua.
Todos os outros já saíram do jogo, foram falidos por mim ou por ela e agora
só restamos nós dois jogando, embora ela tenha toda a torcida. Até mesmo
Buzz está acordadíssimo, sentado ao seu lado, como estivesse lhe dando
força. Traidor.

Jogo os dados. Tiro um seis e um quatro. Conto as casas. Ah, caralho! Os


lábios de Milena se esticam em um sorriso imenso quando ela chega à
mesma conclusão que eu. Cadeia. Fui parar na porra da cadeia.

— Paga? — pergunta, sabendo muito bem que não tenho dinheiro o


suficiente para pagar a fiança, não sem falir. Eu poderia dar um jeito, mas
com cinco pares de olhos grudados a cada um dos meus movimentos, seis, se
eu contar o do Buldogue, seria impossível não ser pego.

— Dados — resmungo, inconformado por lhe dar essa satisfação.

No entanto, Milena não é a única que sabe como manipulá-los para que
caiam com os mesmos números virados para cima. Os dois caem com o
número dois para cima e é a minha vez de sorrir brilhantemente.

Empurro a ponta língua contra o interior de uma das bochechas, satisfeito, e


jogo os dados outra vez. O primeiro me dá o número um, o outro rodopia,
rodopia, rodopia, até parar com o dois virado para cima.

Todos olhamos ao mesmo tempo para o tabuleiro e eu fecho os olhos ao


descobrir o que está a apenas três casas da cadeia. Milena tem a porra de um
hotel e com a cabeça baixa, analiso minhas opções apenas para descobrir que
não tenho nenhuma. Ela estende a palma da mão para mim, sabendo
exatamente o que o movimento exigido pelos dados vai me custar.

Os quatro babacas que chamo de amigos estão gritando, urrando em


comemoração, bando de filhos da puta. Contudo, é em seus olhos que me
concentro, em sua respiração curta, na língua umedecendo os lábios devagar,
na pele arrepiando. Ela está excitada porque me venceu. Ah Milena...
Estreito os olhos e balanço a cabeça, assumindo a derrota.

Entrego para ela o pequeno bolo de papéis em minhas mãos, sabendo que ele
não será o suficiente para pagar o que a jogada exige e que isso significa que
ela é a vencedora da partida. Arthur, Heitor, Conrado e Pedro se levantam e
cantam qualquer besteira alto, como uma torcida organizada, mas eu não me
importo. Não. A única coisa que me interessa é que meu olhar deixe claro
para a mulher ansiosa diante de mim que o jogo entre nós está longe, muito
longe de acabar. Foda-se a calma.

Assim que a porta se fecha, deixando-nos sozinhos, todo o controle que eu


vinha exercendo sobre meu próprio corpo parece se quebrar. As contenções
que eu tão firmemente segurava para que mantivessem camufladas minhas
reações ao toque íntimo e quente de Bruno se rompem, todas ao mesmo
tempo, em uma bagunça de fios finos e rápidos que parecem loucos e
ansiosos para atingirem alguma coisa. No momento em que suas pontas
descontroladas me encontram, me chicoteiam de expectativa sem qualquer
remorso.

Minha pele arrepia, minha respiração descompassa, minhas pernas


bambeiam e quando seu nariz afunda na curva do meu pescoço, eu sei que
ele não vai me dar trégua. Parado atrás de mim, com os braços envolvendo-
me, o homem puxa uma inspiração profunda antes de roçar a ponta do nariz
por minha pele arrepiada até que sua boca esteja atrás da minha orelha e ele
sopre ali, suavemente.

Nem tento disfarçar, deixo que meu corpo se renda, mesmo que minha
mente ainda não esteja disposta a fazê-lo, porque eu não sou capaz de lutar
em duas frentes ao mesmo tempo.

— Gostou de me vencer, Milena? — Ah, o tom. Sua voz escorre ironia e eu


inclino o rosto, inconscientemente lhe dando mais acesso ao meu pescoço.

— Eles foram embora, não há mais plateia, Bruno. — Minha voz sai rouca,
deixando do lado de dentro da minha cabeça toda a credibilidade que eu
pretendia imprimir no lembrete. Nem eu

acredito na minha própria resolução, mas seu toque está tão gostoso.

Suas mãos me empurram para trás, na direção do peito duro, quente, e sua
ereção cava minha bunda. Eu quero me esfregar nela, eu deveria me esfregar
nela? Definitivamente, eu quero.

— Eu sei... — sussurra em minha orelha antes de lambê-la e eu gemo,


adorando a sensação da sua língua molhada provocando-me e incrivelmente,
sentindo-a em vários outros lugares. Isso não deveria ser possível. — Me diz
pra parar, Milena — pede em outro sussurro e eu deveria.

Pai amado, eu deveria. Juro que sim, mas se eu parar agora, vou secar e
explodir e eu não posso secar e explodir, ainda tenho muitas coisas para
fazer, para viver. Pelo amor de Deus! Eu posso me sacrificar, é em nome de
um bem maior, certo?

Ter suas mãos em meu corpo é uma necessidade. Depois de passar a noite
inteira lutando contra a natureza de cada um dos meus movimentos, o tempo
todo me puxando na direção de Bruno, não tenho mais forças para resistir.
Sim, definitivamente, em nome de um bem maior!

Com um movimento rápido, sou virada e prensada contra a parede ao nosso


lado, no hall de entrada do apartamento. Os olhos de Bruno são puro fogo,
lambendo minha pele de ponta a ponta, e, ao mesmo tempo, derramando
óleo sobre ela, lembrando-me da promessa que me fizeram há quase uma
semana, me consumir.

Eles vão me consumir.

— Me diz pra parar. — Labaredas azuis estão fixas em mim, ansiosas pela
minha resposta. Sua boca está a milímetros da minha e quando ele expira por
ela, o hálito quente e mentolado invade meu nariz. É assim que ele domina
quase todos os meus sentidos.

O calor do seu corpo irradia sob minhas mãos, sua expressão de desejo pinta
imagens pornográficas e deliciosas em minha mente, sua voz rouca e
sussurrada, sexy feito o inferno, enlouquece minha
audição e seu cheiro impregna meu nariz como se fosse o meu próprio.
Minha língua sente inveja dos companheiros e não posso culpá-la ou tentar
impedir quando ela decide conquistar sua própria parcela de afetação.

Sem a minha permissão, ela lambe meu lábio inferior até o limite, depois,
sobe, alcançando o superior tão devagar quanto fez com o primeiro antes de
finalmente buscar o que realmente quer e tocar, suavemente, o lábio inferior
de Bruno, sentindo seu gosto.

Autonomamente, repete os movimentos feitos em meus lábios, mas não é o


suficiente. No entanto, antes que a língua atrevida possa ir além, ele sorri.

— Provocadora — Bruno acusa e reivindica minha boca inteira, enfiando


sua língua daquele seu jeito tão particular e que eu adoro.

A verdade é que eu estou arruinada para qualquer boca que não seja a sua e
não há nada que eu possa fazer quanto a isso a não ser aproveitar o tempo
que tenho com ela.

A sensação é de imergir depois de um longo tempo submersa, mesmo que ar


seja o último pensamento dos meus pulmões agora.

A boca de Bruno desce, lambendo meu queixo, mordiscando, rolando a


língua pelo meu maxilar, pela minha garganta, ao mesmo tempo em que suas
mãos estão se espalhando por todo o meu corpo, agarrando minha bunda,
puxando meus cabelos e massacrando cada superfície minha que tocam.

Ele me manipula como se eu fosse uma boneca de pano, ao seu bel prazer.
Quando me dou conta, minhas pernas estão no ar, envolvendo-se em torno
de sua cintura e minhas costas estão sendo pressionadas contra a parede pela
potência da investida da sua pélvis contra a minha.

Já perdi o controle sobre os sons que deixam minha boca.

Gemidos arrastados, grunhidos e ofegos me resumem enquanto tento dar


conta de tudo que esse homem é.

Deslizo as mãos pelos músculos dos seus braços, afundo os dedos em seus
ombros, arranho sua nuca, cheiro seu pescoço e
lambo sua garganta de baixo para cima. O som que ele emite, tão perto da
minha orelha, reverbera em todo o meu corpo, mas sua mão em minha nuca
afasta minha boca da sua pele ao exigir que minha cabeça fique parada,
encostada à parede.

— Gostou de me vencer, porra? — rosna com os lábios praticamente colados


aos meus a repetição da pergunta que já tinha feito. — Responde! — exige e,
ofegante, eu pisco antes de ser capaz de raciocinar a resposta de apenas uma
palavra.

— Adorei! — admito. — Adorei! — grito quando ele esfrega a ereção


poderosa em minha boceta, causando-me um frisson mesmo por cima da
calça jeans. — Bruno — choramingo.

— Ah, menina! — Sua voz é meio risada, meio determinação e sua boca
volta a consumir a minha, dominando tudo, não me dando chance de nada
além da perdição.

Não há calma em nossos gestos. Somos uma explosão descontrolada,


eufórica e deliciosa que não se importa se é a primeira ou a milésima vez
que não há barreiras emocionais entre nós. Quanto mais tenho, mais quero
dele. Meus dedos alcançam a barra de sua camiseta e a puxam para cima,
deixando seu tronco nu e logo é a vez da minha.

Assim que seus olhos me descobrem completamente nua da cintura para


cima, sem sutiã, Bruno para a sinfonia de toques desesperados e me observa
quase com reverência. Cada segundo dos seus olhos em meus peitos parece
arrastar consigo garras, arranhando-os, maltratando meus mamilos
insuportavelmente duros, mesmo que o único toque que essa parte do meu
corpo esteja recebendo seja o do seu olhar.

No primeiro sinal de suavidade desde que me imprensou contra a parede,


meu namorado de mentira resvala as pontas dos dedos em minha pele acesa,
aproxima as palmas dos meus seios pequenos, testa o encaixe, mas não me
toca, não como eu estou desesperada para ser tocada.

— Sem sutiã, Milena? — A pergunta é retórica e se não fosse, eu pouco


poderia fazer. Transformei-me em uma massa irracional de expectativa cuja
única palavra capaz de movimentar entre mente e lábios são duas:

— Por favor — peço, sem qualquer quer pudor. — Por favor.

— Por favor, o quê, Milena?

— Me toca. Por favor, me toca. — Esperei tempo demais por isso. Desejei,
fantasiei por tempo demais para suportar um segundo a mais que seja de
expectativa. Tudo no homem diante de mim me diz que ele também, porque
no instante seguinte, meus peitos estão sendo massacrados pelas palmas de
suas mãos grandes.
Bato a cabeça na parede quando a jogo para trás, mas não me importo,
porque o prazer está percorrendo todo o meu corpo em uma intensidade
ímpar. O toque bruto, o deslizar, o apalpar, os apertões e beliscões, todos os
seus movimentos são sentidos em cada parte minúscula de mim. Bruno
lambe minha boca aberta sem parar o trabalho com as mãos.

— Vou te fazer gozar assim, bem aqui — avisa.

— Por favor, por favor — peço, outra vez, desesperada por isso e ele passa a
movimentar os quadris em um rebolado coordenado com as palmas das
mãos, feito para me enlouquecer.

As sensações me açoitam, desfazem, percorrem e espalham um milhão de


micro-choques sob meus músculos tensos. Nenhum orgasmo chegou nem
remotamente perto do que é senti-lo tão livremente e eu ainda estou vestindo
minhas calças.

— Bruno — grito quando ele para o rebolado com os quadris perfeitamente


encaixados em meu centro. Pressionando, ao mesmo tempo em que seus
dedos espremem meus mamilos. — Bruno! — o último grito é o gozo me
varrendo absoluto e sua língua invadindo minha boca quando eu espasmo
entre a parede e seu pau. Sua risada rouca se infiltra na névoa da satisfação
que me confunde.

— Agora nós vamos jogar.

De olhos fechados e segura em seus braços, sinto meu corpo ser descolado
da parede. Sinto seus passos nos movendo e a subida dos degraus, mas só
desperto ao ser arremessada sobre a cama, afundando no colchão e edredons
macios antes de ser impulsionada para cima outra vez.

Abro os olhos, deparando-me com o ambiente que não passa de um borrão


rodeado pelas luzes da cidade. Janelas do chão ao teto permitem que a noite
engula o quarto, mas nada disso importa agora. Não. O homem diante de
mim está enfiando a mão no bolso da bermuda. Ele tira de lá um
preservativo e joga sobre a cama antes de abaixar a peça de roupa. Bebo seus
gestos, ainda ofegante, arrepiada e necessitada.
Bruno não está preocupado em ser delicado. Quando reconhece minha
atenção, seu olhar se fixa no meu e seus dedos engancham as laterais da
cueca. Ele sorri, satisfeito com o estado de admiração em que me colocou e
como se estivesse dizendo xeque-mate, se livra da roupa.

O pau duro, grosso e enorme é uma visão melhor do que qualquer filme
pornô que eu já tenha assistido. Gemer é inevitável, mesmo que o membro
que provoca o meu corpo ainda esteja tão distante de mim. Mesmo que eu
não consiga entender como posso querer tanto algo que nunca realmente
tive.

O latejar entre minhas pernas, mesmo imediatamente após um orgasmo,


deixa claro que eu não preciso entender, só resolver.

Porque a cada pulsar em meu clitóris, eu me torno mais desesperada pela


sensação prometida.

— Agora vamos deixar você nua — diz e eu quase respondo:

“Sim, por favor!”, mas permaneço em silêncio, aproveitando a imagem que


alimentou tantas das minhas fantasias. Bruno se aproxima, seus dedos
deslizam em meu ventre, fazendo-me estremecer e ele ri. Não me importo,
não agora.

O botão da minha calça é aberto e enquanto seu corpo se movimenta sobre o


meu, o pau dura resvala em minha pele hora ou outra. Desejo em todas elas
que eu já estivesse despida, desejo que já não houvesse nada entre nós.

Meu zíper é aberto, dedos são enganchados nas laterais da minha calça e
assim como fez com a própria bermuda e cueca, Bruno a desliza pelas
minhas pernas. Levanto os quadris, permitindo que o tecido passe sem
barreiras pelos meus quadris, coxas, panturrilhas e pés, até finalmente ser
arremessado no chão, deixando-me só de calcinha.

A renda azul se torna o alvo do seu olhar minucioso e ele estala a língua ao
descobrir o tecido que cobre os lábios da minha boceta completamente
encharcado.

— A calcinha está arruinada, Mile. Você não vai precisar dela. —


Sem outro aviso, a rasga e por fim, levanta-se para contemplar sua obra.

Sua observação faz eu me sentir preciosa. Ele não me toca, mas, ainda
assim, me acaricia com a satisfação que vejo em seu olhar e eu gosto. Gosto
muito dos seus olhos no meu corpo. Não sinto vergonha. Eu poderia deitar
aqui e deixá-lo me observar por horas.

Eu me apoio sobre os cotovelos e percebo meus peitos se empinando por


causa da posição. Os olhos de Bruno também acompanham a mudança. Ele
se inclina e coloca a boca sobre a minha barriga, começando a lamber do
meu umbigo até alcançar meu pescoço e eu luto para não desmontar.

Sua língua em minha pele é ainda mais intensa do que eu me lembrava. No


entanto, Bruno não acha que essa tortura é o suficiente. Sua mão sobe e
desce por minha coxa, desliza de fora para dentro, ameaça, mas nunca chega
onde realmente preciso.

Dói. O desejo pelo seu toque é uma pontada constante de necessidade


dolorida. Rebolo contra os lençóis e gemo, outra vez.

— Eu vou te comer, Milena. Vou te comer pra caralho! Hoje, amanhã,


depois. Eu vou arregaçar essa tua boceta até que ela esteja marcada com a
forma do meu pau. Mas, essa noite, nós só temos um tiro e eu não vou
dispará-lo até você estar exausta de tanto gozar.

O efeito da minha promessa em seu corpo é imediato. Ele amolece ainda


mais diante dos meus olhos que, outra vez, se deliciam com a visão de
Milena completamente nua, deitada em minha cama, pronta para ser fodida.
Puta que pariu! Minhas bolas pesam e meu pau aponta para cima, duro e
latejante, babando pela garota sem nem mesmo ter sido tocado.
Eu me ajoelho. Encostado ao limite da cama, agarro suas coxas e a puxo, de
pernas abertas, na minha direção. Esfrego o nariz nos ossos proeminentes de
seus quadris, na púbis, na virilha, traço um caminho lento até a parte interna
de suas coxas com ele e, depois, com a língua.

Um arrepio atravessa minha espinha de ponta a ponta ao experimentar a


sensação da pele macia, cheirosa, salgada e extremamente sensível. Lambo,
beijo, escorrego as mãos por seu corpo. O gemido que sai da sua boca torna
o pulsar do meu pau ainda mais insano e molhado.

Minha língua faz e refaz o mesmo caminho várias vezes, alternando com os
lábios. Seus quadris ansiosos se contorcem na cama e eu aumento o agarre
em suas coxas. Um gemido mais alto que os outros é sua reação à minha
brutalidade e isso, mais do que qualquer outra coisa, me empurra para a
beirada.

— Bruno — chama meu nome num tom rouco, embriagado de tesão.


Afundo os dentes em sua carne macia, tão excitado quanto

ela. Se meu pau já não estivesse livre, ele teria furado sua libertação para
fora da cueca, com certeza.

Seus olhos se fecham em um movimento instintivo e as mãos de Milena


procuram pelos meus cabelos. Os dedos pequenos se infiltram pelos fios e
assim que minha boca chega mais perto da boceta lisa, sua carícia bagunçada
se transforma em puxões.

— Porra, Milena! Se você continuar assim, vai me enlouquecer, caralho!

Eu gostaria de torturá-la mais, deixá-la completamente louca pela minha


língua, mas a cada minuto que a mantenho longe da carne rosada, molhada e
quente de Milena, o feitiço se vira contra o feiticeiro e eu pareço um passo
mais perto da loucura, desesperado para sentir o gosto da garota.

Mergulho primeiro os lábios, sentindo a textura, o cheiro de mulher no corpo


da menina. Sua umidade se espalha em meus lábios, nos fios curtos da
minha barba e eu puxo uma inspiração profunda, completamente alucinado
por finalmente tocá-la ali.
Milena grita, gozando apenas com esse toque e minha risada vibra sobre seu
clitóris.

Deslizo a ponta do nariz pelos lábios melados até esfregá-la no líquido que
escorre da vulva, lambuzando-me mais antes de rodear sua entrada com a
ponta da língua, transformando o que eram os espasmos finais do seu
orgasmo rápido em tremores violentos e gritos pelo meu nome, implorando-
me para acabar com sua agonia.

Nem fodendo! Eu não a mandei gozar. Estalo a língua sobre seu clitóris,
maltratando os nervos sensíveis como castigo.

— Quem disse que você podia gozar? — Sua respiração ruidosa se mistura
aos gemidos e múrmuros aflitos, mas nenhuma palavra compreensível deixa
sua boca.

Suas pernas tentam se fechar, prendendo-me entre elas e eu deslizo as mãos


até seus tornozelos, mantendo-a arreganhada para mim com agarres firmes.
Ergo meu olhar por um segundo e

encontro o seu fechado. Sopro suas dobras, aumentando sua aflição. O peito
indo e vindo convida meus dedos.

— Aberta pra mim, porra! — exijo ao soltar suas pernas para acariciar seus
mamilos duros e volto a afundar minha língua em sua boceta.

O que começa como o circular lento da minha língua se transforma em


lambidas longas que varrem o sexo pequeno de ponta a ponta e transformam
os gemidos e gritos de Milena na porra do meu oásis particular.

Massacro seus peitos, espremendo-os em minhas palmas enquanto devoro


sua boceta não apenas pelo seu prazer, pelos sons que saem da sua boca, ou
pela excitação gostosa que escorre entre suas pernas, molhando meus lençóis
e deixando o cheiro dela impregnado na minha cama. Não.

Minha euforia é por mim, pelo prazer atravessando meu corpo inteiro,
reverberando no meu pau, nas minhas bolas, levando-me à beira do gozo
apenas por ter suas dobras em minha língua, sua pele nua em minhas mãos e
seus fluidos espalhados em minha cara.
Caralho! Mulher gostosa da porra!

Uma gota de suor escorre pela minha lombar quando me coloco de pé.
Observo os peitos pequenos, perfeitos para as minhas mãos, subirem e
descerem no corpo ofegante. Sento-me na cama e puxo Milena,
posicionando-a sobre minhas coxas. Ela se deixa manipular como se fosse
uma boneca, acabada. Mas, porra! Estou muito longe de terminar com ela.

— Sabe quantas vezes eu tive que me masturbar pensando nessa sua boceta
gostosa, Milena? — Nega com a cabeça. Seu rosto se ergue e ela tenta focar
os olhos aéreos em mim.

Enfio os dedos por seus cabelos bagunçados, obrigando sua cabeça a


permanecer firme, encarando-me. A pele avermelhada, os lábios
entreabertos e o suor em seu corpo me deixam perdido na imagem por
alguns segundos, antes de como um viciado, eu

procurar pelo seu cheiro, afundando o nariz no seu pescoço, arrastando pela
bochecha, escorregando até sua orelha.

Os sons fracos e roucos que saem da sua boca depois de tantos gritos, mal
podem ser chamados de gemidos, mesmo assim, são a porra da coisa mais
gostosa que eu já ouvi. Beijo sua boca, roubando-os, engolindo cada um e
sentindo suas mãos sem força procurarem meu corpo, o tocarem com leveza,
aumentarem meu nível de prazer e tesão em sua presença, em tê-la nua e
completamente rendida, participativa e ansiosa.

Sua língua não é tímida. Envolve, circula, chupa, lambe e baba a minha
antes de sua boca abandonar meus lábios para morder meu queixo. Quando
Milena puxa uma inspiração profunda nos fios curtos da minha barba,
sentindo o próprio cheiro e buscando por mais, é impossível conter meu
grunhido.

Sua sensualidade natural é acentuada pela sua entrega total.

Agora, seus olhos estão tão embriagados quanto estiveram na noite em que
eu decidi que não a tomar para mim não era uma opção.
Com seu corpo recuperado dos tremores, enfio uma mão entre suas pernas,
meus dedos por suas dobras, até encontrar o grelo sensível e massageá-lo
levemente.

— Bruno, por favor. —A súplica é baixa, gostosa. — Eu não aguento mais


— diz, mas logo depois geme.

— Aguenta, Mile. Aguenta sim. Você vai gozar nos meus dedos, porque eu
não sei se vai gozar no meu pau quando eu enfiar ele até o talo nessa sua
boceta apertada pra caralho.

— Bruno... — choraminga arrastado e eu puxo seu corpo ainda mais na


direção do meu, esfregando sua barriga em meu pau dolorido e gemendo
junto com ela.

Milena gosta da sensação de poder e passa a se mover, sarrando o corpo em


mim até o momento em que eu enfio um dedo em sua boceta e ela joga a
cabeça para trás, perdendo o controle

sobre os próprios gestos. Seus olhos se fecham enquanto ela se perde nas
sensações.

— Foi isso que você imaginou, Milena? — sussurro, mordendo seu queixo,
lambendo sua garganta. — Enquanto via o Arthur foder aquelas duas
mulheres, você me imaginou te fodendo enquanto os assistia? — Beijo seu
pescoço e a imagem erótica pintada pelas palavras leva sua entrega a outro
nível. — Imaginou meus dedos arregaçando esse grelo? Meu pau fodendo
essa boceta sem dó enquanto eles me viam te comer? — Outro gemido alto.
— Ou era Arthur que você imaginava? Se imaginou no lugar de uma delas,
Milena? — Meto outro dedo, alargando seu canal, afundando gostoso,
sentindo suas paredes estrangulando meus dedos.

Nossos corpos suados deslizam um no outro e os mamilos duros de Milena


se esfregam em mim com loucura. O quarto cheira a sexo e os sons dos meus
dedos deslizando na boceta encharcada completam o quadro do caralho.

— Responde, porra! — exijo, enfiando mais um dedo na boceta, metendo-os


até o limite, ainda não ultrapassado, antes de voltar, girando os três lá dentro.
Suas pernas abertas esfregam o clitóris no meu pau, ela treme e sua no meu
colo com os olhos fechados e a boca aberta. — Se imaginou no lugar de uma
das mulheres, se imaginou chupando a boceta de algumas delas enquanto ele
te comia? Enquanto fodia tua boceta e enfiava o dedo no seu cu?

— Não! — grita, perdida em prazer, suor e gozo — Foi você! Eu imaginei


você enquanto eu chupava a boceta delas! — E isso me destrói. Puta que
pariu!

Acelero as metidas ao mesmo tempo em que movo seu corpo, esfregando


seu clitóris em mim, precisando apertar os dentes para conter meu orgasmo
iminente, mas a levando ao limite. Milena explode gritando e se sacudindo
num gozo que dura segundos a fio.

Lambo sua garganta exposta e estico a mão, tateando a cama em busca do


preservativo. Quando o encontro, rasgo a embalagem com os dentes. O
barulho da embalagem plástica se rompendo faz

seus olhos se abrirem, ela apoia as mãos nos meus ombros, dando-me
liberdade para vestir o preservativo.

Roço meus lábios nos seus, sentindo seu corpo abandonar a postura relaxada
que tinha segundos antes apenas pela perspectiva do que está por vir.

— Relaxa, Milena. — Deslizo o polegar pela sua bochecha e ela confirma


com a cabeça.

Espalmo uma das mãos em sua bunda, incentivando-a a se levantar e ela


apoia os joelhos no colchão, impulsionando-se para cima. Sem desviar os
olhos dos seus, posiciono-me em sua entrada, roçando a cabeça dolorida do
meu pau ali. Circulando, testando.

Encaixado nela, abraço sua cintura.

— Cruza as pernas, Mile. Mas sem me apertar — peço e ela obedece. — Eu


vou descer você devagar e, depois, rápido. Tudo bem? — Milena balança a
cabeça em concordância e eu a deslizo alguns centímetros para baixo. O
aperto em meu pau me faz ranger os dentes, controlando a vontade de fazer
sua boceta me engolir de uma vez.
Seu rosto suado tem fios de cabelo grudados em todos os lugares e os olhos
azuis focados nos meus. Deixo que ela se acostume com meu corpo antes de
deslizar um pouco mais para dentro e o grunhido que escapa da minha
garganta é tão dolorido quanto o pulsar das minhas bolas.

Milena desliza devagar. Mesmo preparada, ela ainda é muito apertada e a


cada milímetro avançado pela minha ereção, seus músculos parecem ainda
mais determinados a expulsá-la, mesmo com sua lubrificação pingando.

Quando seu corpo desce até o limite, ainda tenho mais de metade do meu
pau fora dela e, apesar das sensações que beiram o insuportável, beijo sua
boca. Não é devagar. O beijo é intenso, molhado e longo. Milena inclina o
pescoço para trás, pedindo-me em silêncio que eu beije ali e eu obedeço.

Suas mãos deslizam pelo meu suor, eu a seguro com firmeza, mantendo-a
parada no lugar e quando minha boca volta à sua, ela parece à vontade. Eu a
puxo para baixo ao mesmo tempo em que impulsiono meus quadris para
cima em um empurrão forte, finalmente, rompendo a barreira física entre
nós.

Seu grito rasga o silêncio, antes perturbado apenas por nossas respirações
descompassadas e gemidos baixos. Fico parado para que seu corpo
reconheça que o pior já passou, mas sua boceta que antes me expulsava,
passa a me estrangular em suas contrações naturais, me mamando,
determinada a extrair cada gota de porra existente em meu corpo.

Puta que me pariu!

Prendo a respiração enquanto mantenho meus olhos atentos a ela. As


lágrimas acumuladas nos cantos dos seus olhos se derramam quando ela os
abre e cola a testa na minha antes de me dar um aceno positivo. Segurando
seus quadris, eu a levanto devagar e a deslizo para baixo sem nunca tirar
mais da metade do meu pau de dentro dela.

O calor do seu canal é inacreditável e preciso lutar para manter os olhos


abertos e focados às suas expressões. Seu rosto me conta toda a história.

No começo, há desconforto. Depois, ela se acostuma, mas conforme sente


minhas reações à delícia que é estar em sua boceta, Milena se permite
aproveitar também. Seu silêncio se transforma em arfar. O arfar dá lugar a
gemidos baixos. Até que depois do que parece uma eternidade, seus quadris
começam a se rebelar, tentando escapar do meu controle. Eu riria, se não
estivesse tão fodido.

Ela beija a minha boca, enfiando a língua, girando, lambendo e chupando


enquanto seus dedos arranham minha nuca, meus ombros e costas. Eu a
como devagar num vai e vem gostoso, sendo sugado por ela. O êxtase
circula meu corpo e se apossa da minha

mente. Caralho! Nunca foi tão bom! E essa é só a porra da primeira vez!

Gememos juntos quando a deslizo por toda a minha extensão pela primeira
vez, até que sua bunda bata contra minhas coxas, deixando-me ser
completamente engolido por ela. O ar some dos meus pulmões com a
sensação.

— Que boceta gostosa da porra, Milena. Puta que pariu! —

confesso com a boca colada à sua. Adorando quando ela revira os olhos e
pronuncia palavras impossíveis de compreender em uma urgência deliciosa.

Rebolo os quadris, empurrando suas paredes, sentindo-as me abraçarem e


me prenderem dentro de si em um vácuo que me rouba o ar e torna seu canal
cada vez mais molhado e apertado.

Milena levanta a bunda e passa a movimentar apenas ela, quase me fazendo


perder o controle ao me foder com movimentos curtos.

— Caralho, Mile! — grunho, mordendo seu lábio inferior com força antes de
chupá-lo e derrubar o corpo sobre o colchão, trazendo-a junto comigo.
Inverto nossas posições, deixando-a com as costas na cama comigo entre as
suas pernas.

Movimento seus membros como quero, deixando uma de suas pernas


esticada ao lado da minha e a outra flexionada. Milena ofega, sentindo o
novo ângulo do meu pau em sua boceta e arqueando as costas, mantendo os
ombros plantados no colchão.
Agarro a coxa da perna flexionada e seu pescoço.

Com o corpo todo beirando o desespero, aproximo meu rosto do seu até que
estejamos, outra vez, respirando o mesmo ar e só então volto a fodê-la. Com
cuidado, em estocadas curtas e rápidas.

Como sua boceta sem sair dela e as contrações de seus músculos me


alucinam duplamente. Por fazê-la gozar no meu pau na sua primeira vez e
porque quando ela explode com um grito mudo, me arrasta junto.

Meu gozo é tão violento quanto a foda foi e enche a camisinha em jatos
grossos. Gozo pra caralho, grunhindo, com sua língua em minha boca,
saboreando o som da minha libertação.

Encontro Bruno na cozinha, de costas para mim e penso no que eu deveria


falar. Inclino a cabeça com os olhos fixos em suas costas musculosas e
lambo os lábios ao perceber que não coloquei minha língua ali. Droga,
Milena! Droga!

— Café?

— Merda! — grito quando sua pergunta me assusta e ele se vira


imediatamente. Por alguns segundos seu olhar é de alerta, mas isso não dura
muito. Os olhos se estreitam antes de seu rosto ganhar um ar divertido e eu
mordo o lábio quando eles descem pelo meu corpo, analisando o que visto e
a bolsa em minha mão.

Será que ainda é considerada a caminhada da vergonha se não estamos


usando a mesma roupa da noite anterior? Espero que não, porque olhando
para o homem diante de mim, se eu tenho uma certeza, é de que não me
envergonho ou me arrependo do que fizemos.

— Você me assustou — explico com a mão no peito num gesto instintivo


que até agora sequer tinha percebido. Empurrando a mecha de cabelo que cai
sobre os olhos para trás.

— Vai a algum lugar? — pergunta antes de dar um gole em sua caneca. O


cheiro gostoso da bebida quente está por todo o lugar e eu sorrio ao me dar
conta da inversão de papéis que nunca imaginei que aconteceria.

— Mocha? — Mordo o lábio e o sorrisinho que surge neles. A risada de


Bruno tem um tom um pouco diferente do de sempre, não sei se por

ser de manhã, já que não tenho ideia de há quanto tempo ele está acordado.
Acordar com a cama vazia e os lençóis ao meu lado frios não me
incomodou.

— Não tão bom quanto o seu, mas podemos providenciar. — É a minha vez
de rir. Meu Mochaccino é mesmo muito bom.

— Eu te contaria o segredo... Mas... — ele aguarda —, isso tiraria toda a


graça da coisa. — Treme os lábios, dispensando minha afirmação, fazendo-
me rir de novo e a leveza do momento é uma pílula calmante para o meu
coração ansioso.

Eu não estava nervosa, mas não fazia ideia de como as coisas se


desenrolariam. Quer dizer, qual é o protocolo depois de ter uma noite de
sexo selvagem com o seu namorado de mentirinha que na verdade é meio
seu chefe e meio seu ex-cliente, não é seu amigo, mas na maioria do tempo,
age de maneira amigável? Meio que não há um tutorial para esse tipo de
situação no YouTube. Afinal, o que seria de bom tom?

Depois de passar dez minutos na cama pensando, pronta para fingir estar
dormindo a qualquer mínimo sinal de Bruno, decidi que eu estava surtando à
toa e que só havia realmente uma coisa a ser feita: ir embora. Se eu
encontrasse Bruno pelo caminho, sorriria, diria que a noite foi ótima e que
nos falaríamos.
Se não encontrasse, melhor ainda. Poderia mandar uma mensagem que
justificasse minha saída. Ou não. Talvez ele nem sentisse minha falta quando
voltasse para casa de onde quer que tivesse ido.

Talvez, ele tivesse saído e esperasse que ao retornar à própria casa, eu não
estaria mais lá. Talvez essa tivesse sido a intenção de sua saída. Como
naquele filme Qual é o seu número em que o personagem do Chris Evans se
esconde no apartamento da vizinha até que sua transa da noite anterior tenha
ido embora.

Meu pai! Eu sou uma transa da noite anterior! Dancei deitada na cama ao
constatar isso. A virgindade estava fora, muito fora! Apenas a sombra das
lembranças já era capaz de provocar um leve tremor em meu baixo-ventre.
Eu nunca achei que gozar tanto fosse algo que se fizesse na vida real.

Quer dizer, eu tinha certeza de que Bruno era mais do que capaz de me dar
um orgasmo, já que eu mesma me presenteei com um apenas me esfregando
em seu corpo, no entanto, o que aconteceu ontem à noite foi como viver os
minutos iniciais da noite de Ano Novo em um looping infinito. Fogos de
artifício e fogos de artifício e fogos de artifício.

Bruno parecia ter a capacidade de ler meus pensamentos, ou, pelo menos,
cada sinal que meu corpo dava. Quando pensava na minha primeira vez,
minhas fantasias nunca tinham nada a ver com romantismo, lentidão e
cuidado. Tinham a ver com explorar limites e entender até onde meu corpo
poderia me levar. Eu queria entender o que, de tão especial, havia no sexo
que fazia as pessoas ficarem tão enlouquecidas sobre ele e nunca tive
qualquer ilusão de que romantismo tivesse alguma a coisa a ver com isso.

Bem, agora, definitivamente, eu sei. Mesmo que eu também tenha certeza de


que não é sempre assim. É impossível que todas as transas, para todas as
pessoas, sejam como a da noite passada, ou o mundo seria um lugar muito
mais feliz.

Sacudo a cabeça, afastando-me dos meus próprios pensamentos e encontro o


olhar de Bruno fixo em mim, apesar do silêncio de seus lábios. Como se ele
soubesse que eu precisava de um tempo. Suas sobrancelhas se erguem em
uma pergunta silenciosa e eu dou de ombros antes de me colocar em
movimento, na direção da ilha de sua cozinha.

— Café puro — aceito a oferta que começou nossa conversa, ele acena e se
vira para me servir uma caneca.

— Como você está se sentindo? — pergunta quando me entrega a bebida.

— Muito bem-humorada. — Levo a caneca à boca. O café de Bruno é forte


e definitivamente amargo demais. — Açúcar? — peço e ele coloca o
açucareiro sobre o balcão.

— Eu quis dizer o seu corpo. Dolorida? — Ergo os olhos da minha bebida e


o encaro por uns segundos.

— Não precisamos ter essa conversa. — Ele ri.

— Você não tem vergonha de foder, não tem vergonha de dizer que está de
bom humor depois de ter fodido, mas se constrange em me dizer que está
dolorida? — Minha resposta é um dar de ombros e ele bufa. — Como você
está se sentindo, Milena? — Seu tom muda.

— Esse tom deveria me intimidar?

— Não. Ele deveria deixar claro que eu quero uma resposta e você vai me
dar uma.

— Eu estou bem — respondo, insatisfeita, sem saber porquê. Não era isso o
que eu queria? Não ser tratada como “mais uma”? Então por que essa
preocupação me incomoda? Suas sobrancelhas se erguem me dizendo que eu
vou precisar fazer melhor do que isso. Fecho os olhos e solto uma expiração
profunda. — Dolorida, alguns roxos pelo corpo, mas nada demais.

— Bom — murmura.

— Eu não fiquei constrangida — explico e ele inclina a cabeça. —

Com a pergunta, eu quero dizer. Só não acho que seja o tipo de coisa com
que você precisa se preocupar. — Seus olhos se movem pelo meu rosto, pela
parte que alcançam do meu corpo, atrás da bancada entre nós, até desviarem
para um ponto além de mim. Viro e percebo que foram até a bolsa que deixei
sobre a mesa.

— O que você acha que aconteceu noite passada? — Ok. Eu não estava
preparada para uma pergunta tão direta.

— Hum... — Bruno aguarda pacientemente pela minha resposta e continua


tomando seu café. Quanto mais segundos do que deveriam se passam entre o
“Hum” e qualquer outra palavra que deveria vir depois dele, um sorrisinho
se pendura no canto dos seus lábios.

— Sem constrangimento, hein? — ironiza e são meus olhos que se estreitam,


irritando-se com sua condescendência.

— Nós transamos, Bruno. Foi ótimo e é isso.

— Ótimo — repete a palavra e eu não entendo porque ele parece sentir como
se ela tivesse um gosto amargo antes de rir sem humor. —

Quando você diz assim não parece realmente ótimo... — Eu o observo

deixar sua caneca vazia sobre a pia, contornar a ilha e parar diante de mim.
Seu olhar é quase divertido. Seu nariz abaixa até meus cabelos e inspiram.

A reação do meu corpo à sua proximidade é imediata e me pega de surpresa.


Depois da noite passada, eu esperava que ela fosse aliviada, não que se
tornasse mais intensa a ponto de apenas olhar Bruno caminhando em minha
direção me atingir com a força de uma ventania.

— Eu acho que nós precisamos esclarecer algumas coisas. — Ele ri da


expressão de assombro que toma conta do meu rosto e toca minha bochecha
com o polegar.

Seu dedo sobe e desce ali em uma carícia lenta. A luta para manter os olhos
abertos e focados nos seus, ao invés de nos seus lábios que parecem perto
demais agora, é real. O que está acontecendo?
Aproveitando o silêncio que se instala entre nós, Bruno desliza o dedo para
baixo com uma lentidão perturbadora, passando pelo meu maxilar, pescoço,
colo e me arrepiando inteira quando continua descendo até alcançar meu
mamilo por cima do vestido.

— Eu estou com essa impressão... — começa e faz uma pausa, estreitando


os olhos e contraindo os lábios como se se esforçasse para entender alguma
coisa. Afundo os dentes em meu lábio inferior, engolindo um gemido e seu
sorriso se torna predador. “Não há a menor possibilidade de você guardá-los
para si quando eles são tudo o que eu quero” seus lábios esticados dizem.

— Que impressão? — pergunto num fio de voz.

— Que você acha que nós acabamos... — Faz outra pausa longa e pinça meu
mamilo entre os dedos polegar e indicador. Dessa vez, o som que sai da
minha garganta escapa mesmo por entre meus lábios e dentes. — Eu saí da
minha cama horas antes do que gostaria, porque assim que acordei e te vi lá,
eu quis me enterrar dentro de você, de novo, Milena. — Nós sentimos
quando nossas pupilas se dilatam?

Porque eu tenho quase certeza de que acabei de sentir as minhas fazerem


isso. Bruno estala a língua e balança a cabeça, negando. —

Vim beber café, Milena, quando o seu cheiro nos meus lençóis me deixou
louco pra beber seus gemidos. — Belisca meu mamilo, sendo

recompensado exatamente com o que queria, um gemido alto saindo da


minha boca aberta.

— Bruno... — murmuro quando ele enfia o nariz na curva entre meu ombro
e pescoço e, depois, lambe, beija e morde o ponto sensível.

Principalmente porque seu dedo continua o trabalho incansável de me


enlouquecer.

— Eu não estou te perguntando como você está se sentindo pela bondade do


meu coração, Milena. — A vibração da sua voz em minha pele, o hálito
quente no exato lugar onde seus dentes e língua judiaram, é impossível me
conter. Arqueio as costas contra a bancada, empinando meus peitos na sua
direção e ele entende o convite que é quase uma exigência.

Sua boca desce, abocanhando o bico até então intocado, por cima do tecido
fino. Sem sutiã, a umidade de sua língua e o calor dela logo alcançam minha
pele e combinados com a aspereza do tecido, me fazem revirar os olhos.

E quando acho que estou sobrecarregada pelo seu toque, seus dedos se
infiltram sob a saia do meu vestido e logo depois pela renda da minha
calcinha e roçam meu clitóris com uma delicadeza alucinante.

Nada abafa meu grito. Durante todo o tempo em que suas boca e mãos
cumprem a missão de me desintegrar, ele me olha nos olhos.

As carícias de Bruno são um vai e vem lento e constante que não só provoca
o formigamento em meu baixo-ventre, como continua estimulando minha
boceta por minutos a fio até que ele se torne insuportável. O orgasmo não é
gentil com meu corpo supersensível.

Ele me arrebata em espasmos descontrolados que parecem me despedaçar


em um milhão de partes e deixar todas elas espalhadas pelo chão.

Seus dedos não me deixam até que o pulsar do meu clitóris cesse e eu abra
os olhos para encontrar aquelas chamas azuis que anunciam minha total e
absoluta rendição diante de mim.

Com uma lentidão excruciante, sua mão é erguida até a altura do nariz e ele
aspira meu cheiro, fecha os olhos brevemente e enfia os dedos melados com
meu gozo na boca. Meu corpo amolecido, apoiado

à bancada, estremece com a visão antes de ser envolvido por um dos braços
de Bruno.

— Desde que você desceu as escadas, eu só consigo pensar em te deixar nua


e te foder em cima desse balcão, mas embora eu esteja parecendo um, não
sou a porra de um Neandertal — praticamente rosna, com a boca muito perto
da minha. Seu peito sobe e desce em uma respiração levemente acelerada e
meu arfar é a única resposta que sou capaz de lhe dar antes de sua boca
descer sobre a minha.

Os gostos de café e da minha boceta se misturam em nossas línguas


elevando o erotismo do momento a níveis estratosféricos. Sua mão livre
agarra meus cabelos, ele morde, chupa e lambe minha boca em um beijo
faminto, terminando com ele provando seu ponto: sou uma boneca com a
qual ele vai fazer o que quiser e vou adorar cada uma dessas coisas.

Em um minuto eu estava pensando que meu café precisava de mais açúcar,


no outro, eu não sou capaz de pensar em mais nada além da vontade de que
Bruno faça exatamente o que disse que está louco para fazer, me foda sobre
a mesa. Sua boca se separa da minha quando estou completamente sem ar,
obrigando-me a puxar uma inspiração desesperada.

— Então, isso definitivamente não acabou.

Depois de passar os últimos trinta minutos me perguntando se deveria rir do


pacote que recebi ou me sentir incomodada, decidi por uma terceira opção:
confrontar seu remetente e tentar entender o que diabos estava passando pela
sua cabeça ao me enviar uma coisa dessas.

Ontem, depois de exterminar meus planos de fuga e de tratar nossa transa


apenas como algo a ser tirado do caminho, Bruno me trouxe em casa com a
promessa de que entraria em contato. Eu esperava uma mensagem, no
máximo, uma ligação. Definitivamente, não um
motoboy, na portaria, com um pacote que deveria ser entregue em mãos.
Não resisto à provocação, não depois de ele ter dito com todas as letras que
pretendia fazer de dolorida o meu estado permanente assim que eu me
recuperasse.
Foco na parte da mensagem que não me provoca arrepios e Bruno
obviamente percebe.
“Nós transamos, Bruno. Foi ótimo e é isso.” Ela disse e lembrar de suas
palavras me arrancam uma risada solitária. “Foi ótimo e é isso.”

Ou ela é muito inocente, ou não tem o menor pudor em debochar de mim.

Olho para o telefone celular em minha mesa, releio as mensagens trocadas


com Milena, tentando entender a inevitabilidade dessa coisa, repassando a
noite de sábado, desde a tensão palpável que esteve por quase sete dias à
espera do nosso próximo encontro até a forma, como desde que a vi pelas
câmeras, o ponteiro do relógio não fez nada além de marcar a contagem
regressiva para o momento em que simplesmente cederíamos.

E cedemos. Derrubo o corpo contra o encosto da cadeira presidente e ela se


movimenta em um giro suave. A caixa de vidro que é o meu escritório na
Magalhães Capital parece um pouco inconveniente quando eu me sinto tão
estranhamente exposto, como eu nunca me senti antes. Mas qual é a
novidade nisso? Inclino a cabeça e foco meus olhos no teto. Provocar esse
tipo de sensação parece ser algum tipo de habilidade especial de Milena
sobre mim.

Eu poderia catalogar todas as malditas primeiras vezes que tive desde que
coloquei meus olhos nela e a enxerguei, ao invés de apenas vê-la, como fiz
por tanto tempo. A primeira vez que me importei, a primeira vez que desejei
ser algo além de uma noite gostosa, a primeira vez que desejei algo que não
poderia ter, alguém que estava fora do meu alcance.

A primeira vez que senti satisfação em apenas satisfazer, a primeira vez que
coloquei meus próprios desejos de lado em detrimento aos de outra pessoa, a
primeira vez que eu fiquei feliz por isso, a primeira vez que tirei uma
virgindade e, agora, a primeira vez que eu não tenho ideia do que fazer com
a maneira como me sinto.

Eu sabia que não a queria em minha cama apenas por uma noite.

Tinha certeza de que precisaria de bem mais do que isso para alimentar o
desejo que parece me consumir mesmo que tenha sido despertado há uma
quantidade tão ridiculamente pequena de tempo.

Há apenas duas semanas nós estávamos sentados no Capparellos, discutindo


a possibilidade de Milena trabalhar comigo para vencer uma aposta.

Como é possível que, apenas catorze dias depois, a última coisa em minha
cabeça seja a porra da aposta? Eu deveria estar me sentindo vitorioso. Desde
a boate, até a noite de jogos, tudo saiu exatamente como o planejado. Milena
foi perfeita em cada gesto, basta piscar para que a lembrança de como ela
recebeu meu primeiro beijo inunde minhas veias de outro sentimento
desconhecido. Seria impossível não acreditar.

— Pensando na morte da bezerra? — Pisco e franzo as sobrancelhas,


perguntando-me como é possível que eu não tenha visto Arthur se
aproximar, entrar na minha sala, sendo ela o caralho de uma caixa de vidro?
Eu o ignoro e viro o rosto na direção da mesa da minha secretária.

Ela está concentrada em algo em seu computador e eu tenciono a testa,


reconhecendo que não é sua culpa. Nenhum dos quatro cretinos precisa de
permissão ou anúncio para entrar em minha sala, a menos que eu esteja em
reunião. Raquel não fez nada de diferente, mas ter Arthur tão perto hoje,
especificamente, não é uma boa ideia e depois de reconhecer que não há
culpados, minha mente passa a procurar por saídas.

— O que você está fazendo aqui?

— Uau! Eu costumava ser melhor recebido! — reclama, jogando-se na


cadeira diante da minha mesa e entrelaçando os dedos sobre a

barriga. — Estava por perto e decidi fazer uma visita. — Seu sorriso é
interesseiro.

— O que você quer?

— Eu já disse, e...

— Me poupa, Arthur! O que você quer? — Concluo que a abordagem direta


é a maneira mais rápida de lidar com isso. Ele desvia os olhos, virando-se
para a parede por alguns instantes antes de voltar a olhar para mim. — O que
está acontecendo?

— Estou tentando encontrar um jeito de dizer o que preciso sem que você se
arme.

— Tenta só dizer — sugiro, cruzando os braços na frente do corpo.

Arthur revira os olhos, sinalizando minha postura defensiva e eu bufo ao


deixar os braços caírem ao lado do corpo.
— Nós somos filhos da puta competitivos — começa e eu arqueio uma
sobrancelha e coço a outra. — Mas nós somos amigos, antes de qualquer
coisa. E eu só queria que você tivesse a certeza de que pode contar comigo.
— Meu cenho se franze e eu passo a língua sobre os lábios.

— Acordou emotivo hoje, filho da puta? — Sua boca se abre, mas ele a
fecha antes de dizer qualquer coisa, tornando o momento ainda mais
estranho. Arthur suspira longamente, fecha os olhos, abaixa a cabeça e
quando a levanta, o reconhecimento me atinge em cheio. A fagulha de
arrependimento nas pedras verdes é impossível de não reconhecer e só há
uma coisa da qual meu amigo se arrepende. Tão rápido quanto vem, ela vai
embora, como se Arthur tivesse permitido que ela viesse à superfície para
que eu soubesse que ele está falando sério. — Arthur, eu...

— Algumas... — faz uma pausa, procurando pela palavra certa —

oportunidades — a encontra. — Não se repetem — conclui.

— Isso é sobre...

— Sim, não, talvez. Não importa — diz, levantando-se e abotoando o paletó.


— Não seja um imbecil. — Pisca para mim com um humor

que não combina com a situação, com suas palavras, com o clima que elas
estabeleceram. — E eu estou aqui. Independente de qualquer coisa.

— É diferente. — Sinto a necessidade de dizer quando ele está prestes a


alcançar a porta e seu olhar esverdeado me encontra. —

Só... — começo, mas agora sou eu quem tem dificuldades de encontrar


palavras.

— Não seja um imbecil — repete e, sem dizer nenhuma outra palavra, me


deixa sozinho com os pensamentos que já me sobrecarregavam e com os
milhares de novos que suas poucas palavras plantaram.
Puta que pariu.

— Impressionante. — Analiso com os olhos focados na tela diante de mim.


— As linhas circulares, os traços intensos, as cores fortes, quase agressivas...
— Aperto os lábios e assinto. — A forma espelhada. Tão reflexivo...
Provocante! — Milena não diz nada, apenas continua olhando para o quadro
em uma observação silenciosa. — É como se nos dissesse que as coisas
doloridas podem nos fazer sofrer ou nos ensinar. — Isso conquista sua
atenção.

Estreitados, seus olhos me procuram e me analisam por alguns segundos.


Faço um bico com os lábios, escondendo o sorriso.

Mais uma vez, meus olhar percorre seu corpo inteiro. Apesar do protesto, ela
realmente vestiu algo fácil de tirar. O vestido preto é ajustado ao corpo, mas
não é justo, tem comprimento até o meio das panturrilhas e há duas aberturas
laterais que deixam suas costelas e uma insinuação da curva de seus seios à
mostra, evidenciando que Milena não usa sutiã.

Seus cabelos estão soltos, repartidos ao meio, com mechas presas atrás das
orelhas em um penteado simples e ela usa saltos altos sem

os quais a diferença entre nossas alturas ficaria muito evidente e eu


simplesmente não conseguiria roçar meus lábios nos seus, como faço agora.

Não consigo parar de beijá-la. Desde que Davi estacionou o carro na porta
do seu prédio, já perdi as contas de quantas vezes fiz isso.

Primeiro, um beijo longo, quente. Cheguei muito perto de mudar nosso


destino, ao invés da galeria de arte, transformá-lo em meu apartamento.
Antes que eu fodesse Milena ali mesmo, no banco do carro, e o espaço
restrito ainda seria complicado para ela.

Seria sua segunda vez transando e eu estava prestes a agir como um bicho.
Não que eu tenha me comportado muito melhor na primeira, mas pelo
menos houve uma cama, caralho. Afastei-me a muito custo, deixando seus
lábios inchados, seu peito ofegante, sua pele exposta avermelhada e suas
pupilas dilatas.
Meu apartamento seria nosso destino final esta noite, não o único, disse para
mim mesmo e me apeguei à determinação de que eu era o senhor das minhas
vontades, não o contrário. Ainda que eu me sentisse ridiculamente disposto a
me tornar escravo dos desejos de Milena quando ela me olhava do jeito que
estava fazendo quando nossas bocas de separaram.

Mas enquanto meu tronco vem, aos trancos e barrancos, vencendo a batalha
de se manter longe do dela, minhas mãos e boca não podem dizer o mesmo.
Elas vêm sendo duramente derrotadas. A cada oportunidade que têm, minhas
mãos procuram sua pele, seu rosto, seus cabelos, seu pescoço, qualquer
pedaço dela que possam alcançar.

O mesmo acontece com meus lábios. Eu simplesmente não consigo evitar


essa necessidade inexplicável de mantê-los constantemente tocando os seus.
Quando alguns dias atrás, precisei me expulsar da minha própria cama após
acordar com Milena ao meu lado, quando a necessidade de deixar claro para
ela de que estávamos muito longe de acabar o que começamos me fez tocar
sua boceta, mesmo sabendo que ela deveria estar ultrassensível após a

noite que tivemos, justifiquei dizendo para mim mesmo que era essa a
questão.

A noite em que finalmente tive o que queria estava nublando meu juízo e
ainda moldando-o em uma massa de descontrole e necessidade. Contudo,
agora, quase quatro dias depois, ao invés de me sentir mais dominador de
mim mesmo, a sensação é o extremo oposto.

Milena balança a cabeça, negando, o riso que se apossa de sua boca é


refletido em seus olhos quando pergunta.

— Você realmente acabou de parafrasear o Rei Leão?

— Não? — nego e pergunto ao mesmo tempo, mas a expressão em seu rosto


deixa claro que fui pego no flagra.

— “O passado pode machucar, mas do jeito que vejo, você pode fugir dele
ou aprender.” — recita a frase original. — Você não faz ideia de sobre o que
é esse quadro, não é?
— Culpado. — Sua gargalhada é escandalosa e ilumina seu rosto exposto.
— Eu sou de exatas — me defendo.

— Uhum... Tá! — dispensa, ainda entre risos, e nos movemos para a


próxima pintura. — E esse? O que significa? O que nos diz? —

questiona sobre o desenho abstrato que mistura tons de vermelho e amarelo.

— Desonra! Desonra pra tu! Desonra pra tua casa! Desonra pra tua vaca! —
recito mais uma clássica frase de filmes da Disney, novamente fazendo com
que ela gargalhe alto.

Dessa vez, Milena tenta abafar o som colocando a mão na boca.

Alguns olhares reprovadores se viram em nossa direção, mas eu não me


importo e Milena sequer parece perceber.

— Ok! É melhor a gente parar com isso, ou seremos expulsos.

— Eu não fiz nada.

— Tá bom, senhor exatas. — Ela se move para a próxima sala da exposição.


Nessa, diferente das outras, não há quadros pendurados.

Aqui as paredes são pretas e a arte está projetada em todas elas, de maneira
que nós, os expectadores, acabamos, literalmente, dentro da obra.

— Quer saber o que essa significa? — sussurro em seu ouvido, envolvendo


meu braço em sua cintura.

Nós estamos sozinhos na sala e considerando que só é permitida a entrada de


duas pessoas por vez, isso não vai mudar por algum tempo. Puxo seu corpo
contra o meu, trazendo-o ao meu encontro sem nenhuma dificuldade.
Sua respiração rapidamente descompassa, passando a bater rapidamente em
meu queixo. Os olhos azuis, ao mesmo tempo, me descobrem e se revelam,
contraditórios, como tantas outras coisas na mulher que é especialista em
acabar com o meu juízo.

— É sempre assim? — pergunta, roçando o rosto no meu, provocando minha


pele com essa porra de entrega deliciosa a qual nem em um milhão de anos
eu vou me tornar capaz de resistir.

— Não, Milena. Nunca é assim — externo a certeza que tem assombrado


meus dias desde o momento em que qualquer barreira deixou de existir entre
nós dois e essa atração violenta e consumidora antes de me deixar ser
completamente dominado por ela e, mais uma vez, assaltar a boca da mulher
em meus braços.

— Sorria! — murmuro no ouvido de Milena apontando discretamente para o


fotógrafo, do outro lado do camarote, que tem sua câmera fixada em nós
dois.

— Jesus! Eles não cansam? — resmunga, tocando a testa na lateral do meu


corpo e eu envolvo meus braços ao seu redor antes de deixar um beijo em
seus cabelos, achando graça.

Desde a nossa primeira aparição pública, no vernissage, dias atrás, os sites


de fofoca e até mesmo alguns jornais respeitáveis começaram

a destrinchar nossa relação e Milena se tornou alvo da imprensa.

Ontem ela ficou indignada quando teve uma foto sua, no mercado, divulgada
em um blog sob o título “Acompanhante misteriosa de Bruno Magalhães
prefere pimentões vermelhos aos verdes.”

— Eu me lembro de você reclamando sobre não haver jornalistas atrás de


mim o tempo todo. — Ela levanta a cabeça com os lábios em um bico e as
sobrancelhas estreitadas em sua expressão nada convincente de braveza.

— Eu não reclamei. Eu só constatei e eles não ficavam mesmo.


Eles estão me perseguindo! — reclama e minha boca é puxada pela sua
como o caralho de um ímã.

— Em breve nós seremos notícia velha.

— Você está dando mais material pra eles. — Sua reclamação é tão
convincente quanto a expressão de brava que não durou dez segundos em
seu rosto.

— Eu estou beijando minha namorada — brinco, mas as palavras têm um


efeito estranho. Milena também o sente, embora nenhum de nós dois diga
nada. Após alguns instantes, ela volta a se virar para a pista de corrida
abaixo de nós.

A fórmula 1 não é meu esporte preferido, mas quando se é o patrocinador de


uma equipe, aparecer em uma corrida ou outra é uma política necessária.
Minhas visitas ao autódromo de Interlagos nunca puderam ser descritas
como chatas, no entanto, estar aqui com Milena colore a experiência com
aquela satisfação doce de estar proporcionando a ela mais uma primeira vez.

— O que você está achando até agora? — pergunto.

— Apavorante, porém empolgante — responde e eu ergo as sobrancelhas


para que continue. — Olha aquele “S” — aponta para a pista —, imagina
fazer essas curvas em alta velocidade? Deve ser muito, muito assustador.

— Não é tanto assim, o carro meio que te dá a sensação de segurança


necessária.

— Você diz isso porque patrocina o carro.

— Não, eu digo isso porque já dirigi um. — Ela arregala os olhos.

— Dirigiu tipo um teste drive ou tipo uma corrida? — Minha resposta é um


torcer de lábios e ela revira os olhos. — Arrogante! —

acusa, mas, logo depois, sorri.

— E você gosta.
— O que você está fazendo? — minha mãe pergunta ao colocar a cabeça
para dentro do meu quarto.

— Uma lista — respondo com os olhos ainda focados no papel praticamente


vazio em cima da escrivaninha diante da qual estou sentada.

Dona Daise entra em meu quarto e para às minhas costas, espiando por sobre
o meu ombro.

— Não se parece muito com uma lista pra mim. — Seu comentário arranca
um som arranhado da minha garganta. Eu sei bem que não se parece com
uma lista, ainda. Porém vou chegar lá. Torço os lábios, eu espero chegar lá.

— Eu estou só começando. — Inclino a cabeça para trás, apoiando-a em seu


abdômen enquanto procuro seu olhar.

— Você está presa nesse quarto desde que chegou. Ou seja, pelo menos duas
horas! “Coisas que preciso fazer”? — lê o título da minha lista em voz alta.
— O que é isso? Uma lista de tarefas pro fim de semana? Não vai sair com o
cliente gostoso?

— Mãe! Em primeiro lugar, você realmente precisa parar de chamá-lo


assim! Já reparou que parece estar falando de uma coisa completamente
diferente?

— Que coisa? — me interrompe e eu estreito os olhos antes de ignorar sua


pergunta.

— E em segundo lugar, não! Não é uma lista sobre o que fazer no fim de
semana. Tá mais pra uma lista do que fazer com a minha vida...
— É inevitável não soltar um som de frustração quando olho para o papel
com apenas dois itens preenchidos. Um saco!

Minha mãe ergue as sobrancelhas, mas rapidamente as abaixa. Ela inclina o


pescoço, empurra a bochecha com a língua e, por último, dá os passos
necessários até a minha cama e se senta próxima à cabeceira. Sua mão dá
batidinhas ao seu lado, em um convite.

Olho para a lista uma vez mais e não achando que vou fazer qualquer
progresso no que diz respeito a ela nos próximos cinco minutos, levanto e
vou até minha mãe. Mas ao invés de me sentar ao seu lado, deito na cama e
deixo a cabeça em seu colo. Suas mãos infiltram os dedos pelos meus
cabelos, começando uma carícia lenta e deliciosa.

— Por que você acha que precisa de uma lista de coisas que precisa fazer?
— pergunta, enfatizando a palavra precisa nas duas vezes em que a usa.

— Porque eu preciso?

— Isso foi uma pergunta ou uma resposta?

— Uma resposta pergunta?

— E isso? — Nós duas rimos do jogo sem sentido que se estabeleceu. — É


sério, por que você acha que precisa? — Suspiro, tentando organizar a
bagunça que tem ocupado minha cabeça nos dois últimos dias.

— Eu queria tantas coisas, mãe. Mas não tinha tempo e nem dinheiro, não é
de se esperar que agora que eu tenho os dois eu faça aquilo que eu queria
antes?

— De se esperar? Quem espera isso?

— Não sei! A sociedade? A senhora?

— Jura, Milena? A sociedade? Mande a sociedade pro inferno!

Você não deve nada a ela. Se alguém está em dívida nessa relação,
com certeza não é você.

— Você entendeu o que eu quis dizer, mãe. — Rio, achando graça de sua
reação.

— Não entendi, não. Na verdade, pra mim o que você disse não faz o menor
sentido. E vamos aproveitar pra deixar algumas coisas bem claras, minha
filha. Eu não espero nada de você além de que você seja feliz! — É ela quem
suspira. — Milena, você já fez mais por mim e pelo seu irmão nos últimos
anos do que qualquer mãe seria capaz de pedir...

— Mãe... — a interrompo, mas o olhar que ela me dá seria capaz de calar


um general.

— Não me interrompa — alerta e, mesmo deitada, ergo as mãos, rendendo-


me. — Você só tem dezenove anos, Milena. Ninguém espera que alguém da
sua idade tenha os próximos dez, os próximos vinte anos planejados. E os
afortunados que tem esse privilégio, provavelmente não passaram os dois
anos anteriores afundados em trabalho, sem ter tempo pra pensar em
qualquer coisa que não fosse o dia seguinte. É quase certo que eles
estivessem experimentando coisas novas, fazendo besteiras, errando! Então
pra que a sua pressa em acertar?

— Não quero me sentir uma inútil — sussurro, mas sua resposta é uma
gargalhada.

— Ah, minha filha! Você às vezes é tão engraçada. Liberdade não é


inutilidade. Você ganhou a sua e tem o direito de fazer o que quiser com ela,
inclusive, não fazer nada. Pelo amor de Deus, Milena! Não faz nem dez dias
que você está em casa.

— Eu só não quero perder tempo.

— Então comece a aproveitá-lo! — exclama, sem jamais parar a carícia em


meus cabelos. — Rasgue a lista, coloque-a na bolsa e carregue pra todo e
qualquer lugar, prenda na parede ou na porta da geladeira, faça dela um
objetivo, se quiser, só não a deixe te controlar, minha filha. Durma um, dois
ou dez dias inteiros, vire noites assistindo televisão, lendo, ou fazendo o que
quer que os jovens fazem hoje em
dia. — Pausa, olhando em meus olhos e me deixando absorver suas palavras.
— Vá a festas, leia, separe um tempo para essa pobre família que muito te
ama... — Rio do seu tom dramático ao fazer essa última sugestão. — Mas
viva... Sua vida não cabe em doze itens.

Cometa erros, corrija os erros e, então, erre de novo. Pare de se preocupar


em perder tempo e comece a se preocupar em aproveitá-lo, amor.

— Eu te amo. — São as únicas palavras possíveis, porque me sinto inundada


de amor neste momento. Minha mãe sorri e franze o nariz antes de deixar
um beijo em minha testa.

— E eu a você!

Dessa vez, a porta da cobertura de Bruno não me intimida. Se porque a


última vez em que estive diante dela não foi há uma semana, mas ontem,
quando entrei no apartamento aos beijos com seu dono, ou porque não há
incerteza corroendo meu estômago sobre o que vai acontecer assim que eu
cruzar a soleira, não sei.

Toco a campainha assim que saio do elevador e atravesso o hall de entrada,


mesmo que meu coração não esteja batendo exatamente em seu ritmo
normal. No entanto, isso não tem nada a ver com a porta, e sim com o
homem atrás dela.

— Oi, linda. — Um sorriso gostoso me recebe quando a porta é aberta quase


imediatamente. A quem eu estou querendo enganar? O

homem é todo gostoso e eu mal sei onde fixar meus olhos. Se no peito nu, no
rosto lindo, na boca irresistível ou nos olhos famintos, sempre famintos.

— Oi — foco em seu rosto e respondo, sendo puxada para dentro,


imprensada contra a porta e beijada até que meus pulmões estejam prestes a
declarar falência. A euforia por ter sua boca na minha é completamente
injustificada, ontem essa mesma boca passou horas beijando e lambendo
cada centímetro do meu corpo.

A última semana foi... Fácil. Tão fácil quanto assustadora.

A companhia constante de Bruno, a naturalidade da nossa relação, a maneira


como as palavras simplesmente são ditas, os gestos apenas acontecem, os
corpos se conhecem e os pensamentos parecem ser facilmente interpretados
no silêncio me dão medo. Eu não sei como um namoro de mentira deveria
funcionar, mas cada vez mais eu tenho a sensação de que nem mesmo os de
verdade funcionam como Bruno e eu andamos funcionando.

Eu continuo repassando suas palavras, ditas no Vernissage, na sala escura,


cujas paredes eram pontilhadas por projeções de estrelas: Nunca é assim.

Acreditei nele.

Acreditei e, por um momento, aquele durante o qual sua boca se aproximou


da minha, eu fiquei apavorada, porque não acho que eu queira me conformar
com menos do que isso quando em apenas alguns dias, tudo parece tão certo,
tão em seu devido lugar, mesmo que seja de mentira.

Naquele instante, a perspectiva de que quando o momento de viver algo de


verdade chegar, ele pode ser menos satisfatório do que a farsa haverá sido,
me apavorou.

Mas assim que nossos lábios se tocaram, como sempre, os pensamentos


sumiram. Pelo menos, até que eu estivesse longe o suficiente da boca, do
cheiro, do gosto e do toque de Bruno para me tornar uma pessoa
completamente racional outra vez.

Ele inspira profundamente, absorvendo o ar que expirei antes de soltá-lo


com força.

— Tudo bem? — Assinto em resposta.

— Quais são os planos de hoje? — pergunto com a boca colada à sua,


roçando a ponta do nariz em sua pele. — Achei que a noite de jogos fosse só
uma vez por mês — pauso para beijar o lugar onde acariciava —, e tenho
quase certeza de ter ouvido o Conrado dizer que a próxima seria na casa ele
— explico minha dúvida.

Ontem, quando me deixou em casa, Bruno disse que não sabia se faríamos
algo hoje, aparentemente, sua presença não estava sendo requisitada em
nenhum evento.

Foi somente esta tarde que ele me perguntou se eu já tinha feito planos para
a noite e isso, o pequeno fato de ele ter perguntado, mesmo que realmente
não fosse necessário, foi mais uma das coisas que gerou um sentimento
assustador no meu peito. Bruno não precisava me perguntar nada. Ele está
pagando, e muito, pelo meu tempo.

No entanto, quanto mais eu analiso as últimas semanas, mais isso parece ter
sido esquecido na mesa daquele restaurante Italiano.

Talvez eu estivesse enganada e seja tão boa em mentir quanto Bruno, ou,
talvez, eu precise começar a cuidar do meu coração.

— Você. — Deixa um beijo suave em minha boca e suas mãos passeiam


pelas minhas curvas. — Eu. — Outro beijo e ele agarra minha bunda sobre a
calça jeans. — E um filme. — Empurra-me contra sua ereção já
pronunciada, fazendo-me gemer.

Uma semana desde que o tive dentro de mim pela primeira vez e, a cada
transa, minha vontade é ignorar os limites do meu corpo para ter mais e
mais.

— Sério? — A pergunta não se decide entre ronronar e gemido.

— Uhum... — Morde meu queixo.

— Eu poderia dispensar o filme — sugiro, muito ansiosa para ficar pelada e


sentir o toque no qual estou me viciando.

O tom enrouquecido da risada denuncia que meu corpo não é o único


ansioso para pular algumas etapas, ou, pelo menos, adiantá-las.

— Eu acho que você vai gostar do filme que eu escolhi.


— Eu acho que vou gostar mais de ter você dentro de mim. —

Minha declaração despudorada é um sussurro completamente afetado por


sua língua lambendo minha garganta.

Ela anuncia o característico abandono total da minha vergonha na cara


quando o tesão assume o controle sobre o meu corpo, como estou
aprendendo que sempre acontece quando Bruno começa a me tocar.

— Confia em mim. Isso não vai demorar — promete antes de me beijar.

Confiança deveria ser o sobrenome de Bruno, mas há algo sobre seu jeito de
andar, sobre a forma como ele está me olhando e até mesmo sobre a
promessa recém-feita que deixa no ar a impressão de que ele não está me
contando tudo sobre sua proposta de assistirmos a um filme. Ele senta no
sofá enorme da sala de televisão e me puxa para que eu me sente entre suas
pernas.

Minhas costas ficam felizes em se aninhar em seu peito duro e quente.


Inclino mais o pescoço para o lado quando ele começa a beijar ali, devagar,
apenas com os lábios, depois, deslizando a língua.

Suas mãos seguram firmemente minha cintura e eu me remexo, já molhada


pela sua recepção e querendo que elas se movam alguns centímetros para
cima, apenas o suficiente para alcançarem meus seios.

Fecho os olhos, aproveitando as carícias até o som da televisão me fazer


abri-los. Bruno deu play no filme e eu pisco algumas vezes antes de me
sentir capaz de me concentrar na tela. Sua boca me dá trégua e seus dedos
fazem movimentos sutis em minha cintura, por cima da camiseta.

A cena de abertura é um casal chegando em casa. O homem tem cabelos e


barbas escuros e está vestindo jeans claros e uma camiseta azul marinho, a
mulher tem os cabelos loiros na altura dos ombros, sua pele é clara como a
minha e ela usa um vestido vermelho, justo no corpo, de comprimento até o
meio das coxas.

Parados no hall de entrada, onde há uma escada de madeira, o homem tranca


a porta da casa e joga as chaves sobre o aparador, parecendo irritado. A
mulher, de costas para ele, alguns passos à sua frente, abaixa a cabeça e leva
os dedos à ponte do nariz.

Ele fecha os olhos, como se buscasse controle, mas um segundo depois,


desiste e avança contra o corpo curvilíneo à sua frente.

Impulsiono-me para trás, espremendo-me contra Bruno, acreditando que o


personagem está prestes a agredir a mulher. No entanto, seus dedos se
enfiam nos cabelos dela e ele a puxa por ali, colando-a ao seu peito e a
reação da mulher não tem nada a ver com dor.

Ela geme com a boca aberta e já empinando a bunda, esfregando-se no


homem e meus olhos se arregalam. Pornô. Isso é um filme pornô, percebo,
mas não consigo desviar os olhos. O diálogo entre eles é curto e sussurrado,
mas eu não estou realmente prestando atenção em qualquer palavra que
troquem.

Não quando o homem alcança a barra do vestido vermelho e o ergue


revelando o corpo nu da loira. Os peitos são redondos e os bicos estão
eriçados. As mãos grandes e cheias de veias os alcançam e os apertam. A
reação da mulher é tão gostosa que me faz morder o lábio e sentir meus
próprios mamilos doerem. A palpitação entre as minhas pernas passa de
suave a constante em um piscar de olhos.

Bruno está em silêncio, o único som que ouço vindo dele é o de sua
respiração quente, batendo sobre o meu ombro. A imagem na televisão
imensa foca na boceta completamente sem pelos da mulher e nos dedos do
homem que agora esfregam entre os lábios. O gemido alto dela enche a sala,
assim como os sons dos dois batendo contra móveis e paredes enquanto se
empurram, atropeladamente, até um sofá.

Ele se senta e ela se encaixa em seu colo, deixando-o entre suas coxas e
arrancando a camiseta dele antes de beijar sua boca. O
tronco do homem é musculoso e as mãos dos dois estão por todos os lugares.
Ela o apalpa por cima da calça e ele grunhe com a boca colada a dela.

Não demora para que a câmera mude outra vez, passando a focar na mão
dele, afundando os dedos nas dobras da mulher que grita e rebola ao erguer
os quadris e ondulá-los, arrepiando-me inteira. Mordo o lábio e prendo a
respiração.

O formigamento em meu baixo-ventre começa a se espalhar pelas palmas


das minhas mãos e pela sola dos meus pés. De repente, labaredas estão
lambendo minha pele e eu estou desesperada para que consumam minhas
roupas e me deixem nua de uma vez.

O homem deita o corpo da mulher no sofá e se inclina sobre ele.

Sem delicadeza, raspa dois de seus dedos por toda a pele já avermelhada
dela até que eles sumam dentro da boceta e sejam socados nela uma e outra
vez antes de voltarem para fora, completamente melados, e ele fazer com
que ela os chupe.

Um gemido alto ecoa antes de um baixinho soar e só depois de alguns


segundos, percebo que fui eu quem gemeu baixo. Remexo-me no sofá,
sentindo minha própria excitação se transformar em necessidade e não
conseguindo desviar os olhos da boca do homem, chupando os peitos
redondos na tela ou de sua língua, rodeando os bicos rosados, ou da
expressão de prazer no rosto da mulher.

O calor do corpo de Bruno cercando o meu não faz nada para ajudar. Pelo
contrário, aumenta a expectativa de quando é que ele vai acabar com essa
tortura.

— Bruno... — choramingo baixinho e ele finalmente se aproxima.

Sua boca vai para trás da minha orelha.

— Oi, meu bem. — Somente ouvir sua voz termina de me arruinar.

— O que você quer? — pergunta num tom sussurrado e rouco. Eu empino a


bunda, esfregando-me em suas pernas abertas sem parar de olhar para a
televisão, onde agora o homem está chupando a boceta da loira.

As mãos de Bruno se infiltram por baixo da minha blusa e alcançam meus


seios, felizmente nus sob ela. Seus dedos massacram meus mamilos e
quando eu fecho os olhos e derrubo a cabeça para trás, em seu ombro, é
impossível não imaginar que é na minha boceta que a

língua do moreno da televisão está, ou que é a minha boca chupando a


mulher arreganhada.

— Gozar, Bruno! Eu quero gozar! Me masturba, me chupa e me fode! Me


faz gozar! — peço, desesperada e já com os olhos abertos, outra vez. Não
conseguindo mantê-los afastados por muito tempo das imagens que inundam
a cobertura com sons mais do que eróticos, enlouquecedores.

— Tudo o que você quiser, meu bem — responde, antes de afundar os dentes
no meu pescoço e abrir o botão da minha calça.

— Você se sente atraído por homens? — Milena pergunta ainda nua


enquanto estamos deitados no sofá, depois de algum tempo de silêncio.

Seu tronco está grudado ao meu, suas pernas entrelaçadas às minhas e seus
dedos sobem e descem em um vai e vem despretensioso pelo meu braço.

Ela reagiu exatamente como achei que reagiria ao filme, acendeu-se no


instante em que percebeu do que se tratava e, porra!

Foi uma delícia beber as reações do seu corpo. A pele arrepiando, a


respiração descompassando, os murmúrios baixos que deixaram seus lábios,
a excitação que a dominou apenas com a observação nos primeiros minutos,
antes mesmo que eu a tocasse.

Desde o momento em que a flagrei no barco, eu vinha me perguntando como


apresentar Milena ao próprio fetiche. Por mais que eu esteja louco para vê-la
se desvendar por completo, eu também sei que certas descobertas, se não
forem conduzidas adequadamente, podem fazer mais mal do que bem.

Precisei quebrar a porra da cabeça para saber qual seria meu primeiro passo.
Caralho, eu não sou um cara que ensina. Nunca tive paciência ou vontade
para isso, no entanto, quando se trata da mulher em meus braços, não há
qualquer outra opção. Quero todas as suas descobertas. Todas as que
importam, mesmo que eu não entenda o porquê.

— Não — respondo à sua pergunta que não me surpreende nem um pouco.

— Quando você vê um filme... — começa, mas pausa, ficando constrangida.

— Você não precisa ficar com vergonha, Milena. — Ela suspira.

— Isso não é estranho? — questiona. — Falar de ver outras pessoas


transarem quando nós dois acabamos de transar? Quer dizer, não é estranho
que a gente tenha transado assistindo outras pessoas transarem?

— Pareceu estranho meia hora atrás? — pergunto atento aos seus olhos e ela
nega com um aceno. — Pareceu estranho quando você viu o Arthur? — Ao
me ouvir falar sobre isso longe de qualquer neblina sexual, as bochechas de
Milena ficam extremamente vermelhas, mas ela balança a cabeça, negando
outra vez. —

Pareceu estranho no barco, quando você se masturbou, se imaginando na


cena?

— Co-como vo — começa a perguntar, mas meu inclinar de cabeça é


resposta mais do que suficiente e ela afunda o rosto em meu peito,
escondendo-se de mim. Engulo a risada baixa e levo a mão até o seu rosto.
Prendo seu queixo entre meus dedos polegar e indicador, forçando-a a olhar
para mim.
— Foi gostoso? Você gozou? — Meu tom é baixo e meu pau já ensaia ficar
duro outra vez. Ela me responde com outro aceno, mas dessa vez, quero
ouvir sua voz. — Foi gostoso? Você gozou? —

repito a pergunta, deixando claro com o tom o que espero. Seus cílios
tremem e ela expira pelo nariz pouco antes de soprar pela boca.

— Foi muito gostoso e sim, eu gozei.

— Então por que seria estranho, meu bem? Se é gostoso, se te dá prazer, se é


consensual e não é criminoso, então você não tem porquê se envergonhar.

— Não foi exatamente consensual... Eles não sabiam que eu estava vendo...
— externa sua preocupação inocente.

— Meu bem, eles estavam transando ao ar livre na porra de uma festa, eles
sabiam que alguém os veria, os escutaria, simplesmente não se importaram.
— Ela morde o lábio, pensativa. A dilatação das suas pupilas deixa clara a
excitação que as imagens povoando seus pensamentos causa. — Isso te
excita? A ideia de se exibir? — Sua respiração falha e eu deslizo o polegar
devagar pela bochecha avermelhada.

— Talvez.

— E mulheres? A ideia de tocar e ser tocada por elas. Te excita?

— As palavras são mais uma vez colocadas de lado e ela apenas acena,
concordando.

— Isso quer dizer que eu sou bissexual?

— Não necessariamente. Pode ser que o que te excita seja a situação como
um todo.

— Mas eu... — Pausa e desvia os olhos momentaneamente.

Chupo seu lábio, chamando sua atenção para que termine a pergunta. A
satisfação de tê-la buscando respostas em mim é tão gostosa quanto a de me
afundar em sua boceta apertada e, ainda assim, completamente diferente. —
Eu me imaginei. — Morde o lábio sem terminar a frase.

— Se imaginou...? — Afunda o rosto em meu peito outra vez, deixa um


beijo nele, mas antes que eu precise recuperar seu olhar, ela o traz para mim
voluntariamente.

— Eu me imaginei chupando-as... E sendo chupada.

— Na cena ou fora dela?

— Na cena.

— E quando você vê uma mulher que acha bonita, no dia a dia, tem
pensamentos sexuais sobre ela?

— Não. Nunca.

— E homens? — Sua voz falta e eu acho graça. — Responde, Milena.

— Às vezes... — Assinto.

— Bom, eu não tenho propriedade pra te responder sobre os seus próprios


desejos, mas acho que o que você sente está muito mais ligado às situações
do que às pessoas. Nós podemos testar, se você quiser.

— Testar? Você quer dizer...

— Eu. — Beijo sua boca. — Você. — Chupo seu lábio inferior. —

E uma outra mulher... — Chupo o lábio inferior.

— Um ménage?

— Só se você quiser... — ressalto.

— Eu não sei...

— Ninguém tá com pressa, meu bem. Você tem a vida toda. —


Seus olhos azuis estão totalmente concentrados nos meus quando ela assente
para as palavras que, de alguma maneira, tem gosto de promessa.

Apoio a bochecha na palma da mão e pisco os olhos, precisando lembrar a


mim mesma de prestar atenção no indivíduo barrigudo sobre o tablado,
vestido de jeans e camisa polo pelo que deve ser a quinta vez nos últimos
três minutos. A sala de aulas é pequena, as cadeiras universitárias reluzem,
parecendo terem acabado de sair da loja e no quadro branco não há nada
escrito além da data de hoje e um nome.

Olho para o lado e a mulher sentada a duas carteiras de distância está com
fones de ouvido, assistindo a um vídeo no celular apoiado sobre a mesa, não
dando qualquer importância para o que está sendo dito pelo instrutor da
autoescola. Não a julgo, estou a um passo de fazer o mesmo. Meu pai! Que
coisa chata e inútil.

O homem está há vinte minutos contando causos da própria vida, como se o


motivo de as quinze pessoas presentes na sala estarem aqui fosse esse, e não
aprender a teoria de direção defensiva. Eu sabia que as aulas teóricas seriam
chatas, mas não imaginei que também seria uma grande perda de tempo. No
entanto, essa é só a primeira e eu já estou sofrendo.

A vibração do celular no bolso dos shorts é bem-vinda. Qualquer distração


me seria útil neste momento, até mesmo uma mensagem da operadora de
telefonia. Enfio a mão o bolso, embora satisfeita com qualquer que seja o
motivo da vibração, ansiosa para uma específica e quando a tela se acende,
exibindo as notificações, eu não me decepciono. Bruno.

Meu corpo reage tanto quanto a minha mente. Se a segunda se torna quase
eufórica, o primeiro vibra em expectativa pelo que a
mensagem dirá. Assistir a um filme foi o primeiro programa que fizemos
sem nenhuma razão além da companhia um do outro, mas não último.

Na verdade, desde aquela noite em seu apartamento, quatro dias atrás, só não
nos vimos foi ontem, porque Bruno tinha uma reunião fora da cidade.
Digito uma mensagem dizendo que quero vê-lo, mas apago. Não pela
primeira vez, desejando isso, mas não sabendo se tenho esse direito. Na
verdade, sabendo que não tenho.

Quanto mais próximos Bruno e eu nos tornamos, maior o medo de estar


interpretando tudo errado se torna. É um saco não saber se estou sendo
estúpida, inexperiente, ou uma estúpida inexperiente. Será que todas as
relações casuais de Bruno são assim? Porque eu não me sinto como achei
que me sentiria sendo só mais uma das suas relações.

Ou será que ele decidiu aproveitar nosso status incomum e está agindo
diferente da maneira como costuma conduzir seus relacionamentos porque
temos um prazo de validade e regras bem estabelecidas?
Ou, será... Uma vozinha intrometida na minha cabeça começa a sussurrar
uma terceira opção, mas eu a calo. Não. Não mesmo. Forço-me a lembrar
das palavras tão categóricas de Bruno, um mês atrás: esse não é o tipo de
coisa que ele faz e eu não posso me esquecer disso.

As pessoas começam a se movimentar ao meu redor e só então me dou conta


de que o tablado agora está vazio. A aula acabou enquanto minha mente
divagava. Passei mais de uma hora em meio a debates internos. Balanço a
cabeça, negando. Eu realmente preciso parar com isso.

Pego a bolsa pendurada no encosto da carteira à minha frente, guardo o


pequeno livro encadernado com o conteúdo das aulas e saio da sala
determinada a passar as próximas horas pensando em qualquer coisa que não
seja Bruno. Qualquer coisa mesmo.

No entanto, minha determinação é nocauteada quando ao colocar os pés para


fora da autoescola, encontro o corpo musculoso, de pele bronzeada, vestido
por um dos ternos que tantas vezes me fez precisar limpar a baba, encostado
ao carro, com os braços cruzados, esperando por mim. E o mais indecente de
toda a imagem é o seu sorriso.

— O que você está fazendo aqui?

— Achei que era minha responsabilidade moral te ajudar a se recuperar da


tortura, já que você se recusa a abrir mão dela.

— Responsabilidade moral, é? — pergunto quando seus braços se esticam,


puxando meu corpo na direção do seu.

— E talvez eu estivesse com saudade dessa sua boca gostosa. — A


declaração faz meu peito vibrar e as dúvidas, tão cuidadosamente contidas
nele, se agitarem com o tremor.

— Isso soa mais como você — acuso antes de beijar sua boca, satisfazendo
meu mais novo vício: seu gosto.
— Almoça comigo? — pede, roçando o nariz em minha pele, aspirando meu
cheiro, deixando-me louca com sua presença, com suas carícias, com sua
existência.

— Onde?

— Onde você quiser.

— Sua obsessão é por comida italiana ou por esse restaurante, em particular?


— Bruno pergunta quando nos sentamos à mesa do Capparellos.

— Eu não sou obcecada!

— Senhorita Milena! Que bom recebê-la novamente. — Marco, o gerente do


restaurante, para ao lado da nossa mesa, arruinando minha negativa. Bruno
se recosta em sua cadeira e cruza os braços na frente do corpo, sorrindo
como um gato que acabou de capturar um passarinho.

— Oi, Marco! Tudo bem?

— Tudo ótimo! E sua mãe? Como vai? Seu irmão? — Conforme o homem
vai fazendo perguntas, a sobrancelha arqueada de Bruno vai alcançando
patamares mais altos em sua testa e eu me pergunto se, caso continuemos
assim, ela alcançará as raízes de seus cabelos.

— Todos bem, Marco. Obrigada por perguntar.

— Ótimo! Um garçom já virá atendê-los. — Se despede de Bruno com um


aceno e de mim com um sorriso.

— O que você ia dizendo? — indaga debochado e eu bufo.

— Você que me apresentou ao restaurante. E você disse que poderíamos ir


aonde eu quisesse.

— E isso te exime da obsessão por quê...

— Eu não tô obcecada! Pode ser que eu tenha trazido minha mãe e meu
irmão aqui três ou quatro vezes nas últimas semanas, ou que eu tenha vindo
aqui algumas outras só pra comprar tiramissu[17]... Mas é que é tão bom...
— Fecho os olhos e gemo ao lembrar o sabor da sobremesa.

— Três ou quatro? — desconfia.

— Tudo bem, cinco — admito, mas seus olhos continuam do mesmo jeito.
— Cinco! — exclamo e ele sorri imenso.

— Só checando... — Ergue as mãos em um sinal de rendição e dá uma


piscadinha. — Deixa eu adivinhar? Você vai pedir o mesmo prato?

— Você também pede sempre o mesmo prato! — acuso.

— Isso não vem ao caso. — Dispensa meu argumento com um aceno e eu


reviro os olhos antes de rir da nossa bobeira.

Meus olhos o espiam enquanto ele analisa a carta de vinhos. O frio na


barriga, cada vez mais recorrente na sua companhia, marca uma presença
quase sólida esta tarde. Eu queria vê-lo e ele veio, porque queria tanto
quanto eu, mesmo que nenhum de nós dois tenha dito algo a respeito. Eu
estou procurando pelo em ovo? Talvez. Porém esta tarde, decido afastar as
dúvidas e apenas aproveitar.

A mesa em que estamos sentados fica ao lado da janela e lá fora, um carro


passa tocando a música “Plano perfeito”[18] num volume altíssimo. É
impossível não acompanhar a batida gostosa. Só percebo que fui além e
cantarolei quando Bruno apoia o cotovelo sobre a mesa e o queixo na palma
da mão para me observar com mais atenção.

— Desculpa. Eu não sou uma boa cantora — peço, constrangida.

— Combina com você.

— O quê? Não ser uma boa cantora?

— A letra da música. “Quanto mais eu te quero, mais trabalho cê me dá.” —


repete um trecho e nos encaramos em silêncio por alguns segundos, cada um
lidando com os efeitos que sua afirmação causou em si mesmo.
— Tá reclamando que eu to te dando muito trabalho? — provoco. —

Será que a idade tá cobrando o preço.

— É... — Franze o nariz antes de dar um aceno curto com a cabeça.

— Continua me provocando e nós vamos ver a idade de quem vai ser um


problema quando eu decidir que vou te foder na porra do banheiro.

— A sugestão faz meus olhos brilharem com as imagens criadas e eu lambo


os lábios. — Talvez eu foda mesmo, afinal — diz, entendendo
completamente certo a minha reação e muda de assunto. — Eu achei que
você era da MPB.

— Você sabe que eu gosto de dançar. — Solto os cabelos, presos em um


rabo de cavalo, apenas para prendê-los outra vez. Os olhos de Bruno
acompanham cada segundo do movimento.

— Eu sei.

— Eu tenho um gosto... — Paro pensando um pouco a respeito da palavra e


rio, antes mesmo de dizer, porque ela me parece um pouco ridícula. —
Eclético! Sou louca pra ir ao Rock in Rio. Qualquer dia pra mim servia,
fosse dia de Ivete Sangalo ou de Metálica!

— Metálica? Você gosta de Metálica?

— Não como uma fã, mas é o Rock in Rio! — Minha afirmação empolgada
arranca uma gargalhada de Bruno.

— Certo — diz e o garçom chega à mesa e leva nossos pedidos.

— Vou fazer uma viagem rápida amanhã — avisa e eu tento impedir que a
decepção se espalhe por todo o meu rosto. É uma sensação sem sentido, mas,
ainda assim, não consigo evitá-la. — Volto no domingo à
tarde. — Assinto e ele continua: — À noite tem um evento na Carmesim, um
DJ e uma banda internacionais estarão lá. O que a senhorita eclética que
gosta de dançar acha? Quer ir? — Fácil demais.

Ele me faz sorrir fácil demais.

— A senhorita eclética que gosta de dançar quer muito ir!

— Eu vou pensar no que quero em troca e te aviso — Bruno fala no


momento em que passamos pela porta do restaurante, chegando à calçada.

Inclino a cabeça e franzo o cenho. Olho para os lados e para trás, conferindo
se ele não poderia estar falando com outra pessoa, mas seu olhar nunca
desviou do meu.

— O quê?

— Por te apresentar à sua nova sobremesa favorita — diz, apontando para a


sacola de papel em minha mão em que está um pequeno estoque de
Tiramissu. — Talvez eu também queira uma recompensa por ter te
apresentado seu restaurante favorito. — A audácia do homem me faz
gargalhar.

— Primeiro: você não me apresentou ao tiramissu, eu já conhecia a


sobremesa, só nunca tinha comido um tão gostoso e não comi no dia em que
vim com você, comi depois. Além disso, teria sido uma honra!

Você não pode me cobrar por isso! — Aquele sorriso indecente toma conta
da sua boca antes de ele a aproximar da minha orelha.

— Tudo pode ser cobrado em favores sexuais, Milena — sussurra antes de


plantar um beijo perturbador atrás dela. Estou pensando em como lhe
responder, quando meu celular vibra em meu bolso.

Acenando negativamente com a cabeça, eu o alcanço. A palavra mãe e a foto


de dona Daise estão acesas na tela e eu atendo à chamada antes de levar o
aparelho até a orelha não provocada por Bruno.
— Oi, mãe — digo, parando no meio fio, de frente para a SUV de Bruno que
já espera por nós. Quando percebe que não vou entrar, ele também não o faz.
Encosta o ombro no vidro do carro e enfia as mãos nos bolsos da calça. —
Não recebeu minha mensagem? Fiz um desvio, não vo...

— Milena, você precisa vir pra casa. Aconteceu...

— O que aconteceu? — Toda a leveza que eu sentia se esvai em um segundo


e meu sangue gela nas veias. A postura relaxada de Bruno também é
substituída por coluna reta e braços cruzados na frente do peito. Seus olhos
se focam em mim imediatamente. — A senhora está bem? Está passando
mal? Já chamou a ambulância? — disparo uma pergunta depois da outra,
mal respirando entre as palavras.

— Eu estou bem! Não me aconteceu nada. — Apressa-se em explicar e


meus ombros caem quando o alívio me inunda.

— Poxa, mãe. Não faz isso não — peço, contrariada.

— Minha filha, você não me deixou falar. Eu nunca disse que o problema
era eu. Aconteceu alguma coisa, mas foi com seu irmão.

— O que o Gabriel aprontou, mãe? A escola ligou?

— Você quer fazer o favor de se acalmar e me escutar? Mas que coisa! —


briga comigo, falando alto. Eu afasto o celular da orelha e Bruno morde o
sorriso que brota no canto da sua boca. Estreito os olhos para ele. — Seu
irmão não fez nada. Ele foi abordado por um repórter na rua, queria saber de
você. É melhor você vir pra casa conversar com ele — diz ainda no tom de
voz alterado e mudança na expressão facial de Bruno me diz que ele também
ouviu.

— O quê? — pergunto, não conseguindo acreditar no que acabei de ouvir.

— Milena, vem pra casa. Conversamos quando você chegar —

afirma e eu concordo antes de me despedir e desligar o telefone.


— Você pode me deixar em casa? — peço a Bruno que tem o cenho
franzido. Ele treme os lábios e ergue uma sobrancelha, dispensando meu
pedido.

— Pelo amor de Deus, Milena. Eu não vou só te deixar em casa, eu vou até
lá com você!

— Como foi que você conseguiu pensar em resistir a esse homem?

— minha mãe cochicha na minha orelha quando passa por mim, no corredor
de acesso aos quartos. Abro a boca para dizer algo, mas, no fim, me recuso.
Apenas estreito os olhos em uma careta de reprovação.

Bruno está na minha casa, no meu sofá, conversando com o meu irmão. É
bem verdade que o fato de ter sido ele a escolher esse apartamento torna as
coisas menos esquisitas, ou mais, dependendo do ponto de vista. Não vou
pensar nisso agora. O fato é que não houve santo que o convencesse de que
não havia necessidade de vir até aqui.

O homem colocou na cabeça que conversaria com Gabriel e aqui estamos.

Assim que chegamos, mesmo sem entender o que estava acontecendo, meu
irmão contou que foi abordado por um paparazzo quando voltava da escola.
O homem lhe ofereceu dinheiro em troca de algumas informações a meu
respeito e chegou a dizer que se Gabriel lhe dissesse por onde eu costumava
andar em que dias e horários, poderia pagar mais.

Por sorte, meu irmão é irritante, mas não é idiota. Mesmo sem entender os
motivos por trás daquilo, já que seu mundinho adolescente não tinha ideia
dos últimos acontecimentos da minha vida, ele mandou o jornalista “se
foder”, em suas palavras, e correu para casa.

A cara do meu irmão ao ver Bruno, entrando no apartamento com seu ar de


dono do mundo embrulhado num terno sob medida foi impagável. Só não
melhor do que a da minha mãe, que não para de olhar para o homem com
aquele olhar de mãe. Meu pai, que situação!

Meu namorado de mentira se apresentou exatamente assim para Gabriel,


exceto pelas últimas duas palavras. Meu irmão procurou meu olhar,
buscando uma confirmação que eu dei na forma de um aceno

positivo. A maneira como ele me olhou depois disso me disse que


precisaríamos conversar sobre o assunto em algum momento próximo.

Bruno lhe perguntou sobre a aparência do homem, quis saber cada palavra
trocada, o lugar e horário da abordagem e se em algum momento o homem
se identificou como algo além de jornalista, se havia dito, por exemplo, para
que jornal ou revista trabalharia. Infelizmente, Gabriel não tinha a maioria
das respostas. Ele simplesmente não fazia ideia de que deveria ter se
atentado àquelas perguntas enquanto a situação se desenrolava, e quem
poderia culpá-lo? Eu, certamente, não.

E, agora, depois de tomar café, comer bolo, biscoitos, conversar com minha
mãe, ver fotos da minha infância e até fazer umas queixas sem pé nem
cabeça a meu respeito para ela, Bruno está sentado ao lado de Gabriel,
conversando com ele sobre o que quer que eles tenham em comum.

Honestamente, eu não sei como me sinto. Isso parece tão absurdo que é
quase irreal. Bruno, o cliente das sete e quinze, com quem eu passei
praticamente o último mês inteiro transando, está na minha casa.

Tenho quase certeza de que minha mãe acabou de dizer que ele é um puta
gostoso, e não importa quantas vezes eu pisque ou aperte os olhos, a imagem
continua firme ao invés de se desfazer feito fumaça, como era de se esperar.

O que é completamente inesperada é a gargalhada escandalosa que irrompe


pela minha garganta, interrompendo a conversa que Gabriel e Bruno tinham
quando ambos se viram em minha direção, e fazendo com que minha mãe
coloque a cabeça para fora do quarto. Uso uma das mãos para cobrir a boca,
escondendo-a e abafando a risada que se recusa a acabar.

— Desculpe! — peço de maneira quase incompreensível e ando de costas,


quase corro, na verdade, até a porta do meu quarto, enfiando-me nele. Fecho
a porta e abro a boca. A risada corre solta, alta, imparável. Estou ficando
louca, só pode.

Jogo o corpo na cama e deixo que a risada se liberte, rolando no colchão,


sentindo as lágrimas escorrerem pelos cantos dos olhos, a

barriga começar a doer e até mesmo babo. A porta do quarto é aberta e eu


ainda não consigo parar.

Vejo Bruno entrar, fechar a porta atrás de si e se recostar nela com um


sorriso no rosto e mesmo isso não é o suficiente para pôr fim à minha crise
de risos. São necessários vários minutos e várias tentativas falhas de
recuperar o controle sobre mim mesma até que eu finalmente possa respirar
direito e sem interrupções.

— Passou? — pergunta e eu me sento na cama, limpando mais algumas


lágrimas teimosas.

— Isso é tão absurdo — explico e minha voz sai estranha.

— O que exatamente? — Ainda não se aproxima e eu ergo o braço em sua


direção.

— Você, aqui. Acho que se estivéssemos na minha casa de verdade eu ainda


estaria rindo.

— Sua casa de verdade?

— Na sé. — Uma ruga surge entre suas sobrancelhas antes que ele concorde
e erga os olhos, passando a observar meu ambiente com atenção.

Não há muito o que ver, considerando que estou aqui há algumas semanas e
o quarto já estava mobiliado. Comprei alguns objetos decorativos, roupa de
cama que me agradasse, mas nada que realmente fale sobre mim. E mesmo
que houvesse, Bruno acabou de ver minhas fotos de quando eu era um bebê.
O que eu teria de mais constrangedor no meu quarto do que uma foto minha
com as pernas abertas, exibindo minhas calças completamente encharcadas
de xixi e com uma mancha marrom de cocô?
Eu realmente não sei o que há de errado com a minha mãe. Quem exibe uma
coisa dessas por aí? A um desconhecido? Um que ela sabe que está
transando com a filha? Qual é o objetivo? O riso ameaça voltar à minha boca
e eu balanço a cabeça, negando e impedindo o som e o descontrole, mas não
o torcer dos meus lábios.

— Se nós estivéssemos no seu “quarto de verdade”. — Faz sinal de aspas


com os dedos ao dizer as três últimas palavras. — O que eu veria? — Bruno
me alcança na cama em três passadas largas e se senta ao meu lado. Eu
sorrio ao pensar no quarto onde vivi os últimos dezenove anos da minha
vida.

— Uma beliche de madeira clara arranhada e cheia de marcas... —

Pauso, observando dentro da minha própria cabeça a imagem, mas ele


interrompe antes que eu continue.

— Que tipo de marcas?

— Todo tipo de marcas. — Rio, pensando no estado deplorável do móvel,


que apesar disso, se mantinha firme. — De tempo, de brinquedos para os
quais a madeira serviu de autopista, de coisas que foram arremessadas contra
ela ou caíram em cima dela, iniciais de paixonites adolescentes dentro de
corações...

— Iniciais de paixonites adolescentes? — me interrompe — Minhas iniciais


estão lá? — Se diverte com a perspectiva.

— Eu disse adolescente! — Viro o rosto em sua direção, protestando.

— Não faz tanto tempo assim, faz? — Ele tem uma expressão vitoriosa no
rosto, satisfeito pela oportunidade de retribuir minhas piadinhas sobre sua
idade na mesma moeda.

— Certo — digo baixo e balanço a cabeça. — Você está certo... Eu acabei de


sair da adolescência... Não devia estar transando com homens velhos o
suficiente pra dizer algo assim com ironia, né? — Ele bufa e desvia os olhos.
Eu gargalho.
— E o que mais?

— Uma cômoda com uma gaveta faltando — continuo, ainda entre risos. —
Um teto com muitas manchas de infiltrações.

— Você não está me contando as coisas boas. O que mais? Eu quero as


vergonhas. O que eu veria nas suas paredes?

— O que faz você pensar que teria coisas vergonhosas para serem vistas? —
Sua resposta é uma cara debochada e eu estalo a língua. —

Talvez houvesse alguns pôsteres nas paredes...

— Talvez?

— Tudo bem... Definitivamente, há alguns pôsteres nas paredes!

— De quem? — Aquele sorrisinho maldito está me provocando.

Lambo os lábios e desvio os olhos.

— Donedirection — falo baixo e rápido e o som que arranha a garganta de


Bruno deixa muito claro que ele não entendeu, mas, ainda assim, ele
pergunta.

— De quem?

— Do One Direction! — Dessa vez, falo em alto e bom som.

— Boyband! É claro!

— O que você quer dizer com “Boyband, é claro!”? — pergunto imitando


sua voz ao repetir suas palavras e ele joga a cabeça para trás em uma
gargalhada irritantemente gostosa. — O quê? — reforço a pergunta quando
não recebo uma resposta.

— Nada, meu bem. — Inclina o pescoço, focando os olhos sorridentes em


mim, traz a mão até minha bochecha e acaricia. — Eu só... Eu tinha essa
impressão.
— Que impressão? — inquiro desconfiada.

— Não importa — diz já levantando.

— Bruno, que impressão? — Levanto-me também e ele enlaça minha


cintura, puxando meu corpo na direção do seu.

— Não importa. — O maldito me beija sem se importar que, do outro lado


da porta, estejam minha mãe e irmão. Toda a merda é que quando sua língua
invade minha boca, eu também não me importo. Nem com isso, nem com a
maldita impressão de que ele disse ter. Aliás, de que impressão eu estou
falando?

Rio de mim mesmo quando meu primeiro pensamento ao olhar para a cor do
mar são os olhos de Milena e o segundo, que preciso tirar uma foto desse
lugar e enviar para ela. Mais do que isso, me vejo desejando que ela
estivesse aqui para que eu pudesse ver a expressão de deslumbramento em
seu rosto, aquela assumida por ele todas as vezes que Milena descobre uma
coisa nova. Estou me descobrindo viciado nela.

Com a prancha sob o braço, faço meu caminho do estacionamento até a faixa
de areia da Praia da Joaquina. Sempre que venho a Florianópolis, passo por
aqui.

— Grande Bruno! — Viro-me, surpreso por ser encontrado por um


conhecido mesmo estando tão longe de casa. A surpresa se torna ainda maior
quando descubro de quem se trata.

— Mário Alberto? — O nome sai com entonação de pergunta, mesmo que


eu não tenha dúvidas de que se trata do homem. Inclino o pescoço,
rapidamente fazendo um apanhado geral de sua imagem que parece
exatamente a mesma desde a última vez que o vi. Quanto tempo faz? Dois
anos? Três?

— Em carne, osso, bronzeado e água salgada. — Finco a prancha na areia e


abraço o velho conhecido. O homem de cabelos, barbas e olhos escuros
costumava ser um bom adversário dentro do mar. —

Trabalho ou lazer? — pergunta quando nos afastamos.

— Trabalho e um pouquinho de lazer — respondo e ele balança a cabeça


com um sorrisinho que diz muito em seu rosto, principalmente

quando suas próximas palavras são tão específicas.

— Fica até quando?

— Amanhã à tarde. E você? Trabalho ou lazer? — Cruzo os braços e apoio


as palmas das mãos nos cotovelos.

— Na verdade, me mudei pra Floripa há seis meses.

— Porra, jura? — A notícia realmente me pega de surpresa, ninguém


comentou e as pessoas sempre comentam.

— É... As coisas estavam complicadas em São Paulo. — Ergo uma


sobrancelha, começando a entender onde ele quer chegar e por que ninguém
comentou.

— Negócios ou prazer? — repito a pergunta já feita anteriormente, agora


com um contexto completamente diferente.

— Digamos que eu tenha misturado os dois.

— Não costuma mesmo ser uma boa ideia.

— Não foi. — Apesar da seriedade do assunto, seu tom é brincalhão e ele


tem um sorriso ao dizer isso. Mario passa as mãos pelos cabelos e ri.
Por dois segundos, considero pedir detalhes, no entanto, decido que se ele
estivesse disposto a dar, eu não precisaria pedir.

— Surfando? — Não vejo sua prancha em qualquer lugar. Ele aponta para
alguns metros à nossa frente, fincada na areia, a preciosidade que eu já
conheço. A prancha preta, fabricada em Carbono enche os olhos de qualquer
surfista que se preze.

— Como está o mar hoje?

— Gordo[19].

— Do jeito que gostamos, então.

— Isso aí! — Assente e começamos a caminhar na direção da água. —


Planos pra hoje à noite? Um amigo meu vai dar uma festa —

sugere, fazendo-me pensar sobre o convite.

Os pensamentos provocados não são sobre a possibilidade de ir ou não, mas


sobre o fato de que desde que ele insinuou algo assim quando me perguntou
sobre quanto tempo duraria minha estadia, eu já tinha certeza da resposta
que daria a essa pergunta.

— Hoje não vai rolar. Já marquei um compromisso. — Pisco para ele e dou
de ombros. O compromisso? FaceTime com Milena até que ela adormeça
diante dos meus olhos. Eu deveria me preocupar que essa tenha sido uma
escolha tão fácil, que o convite de Mario sequer tenha se mostrado uma
opção mais interessante que ver Milena através de uma tela, na verdade.

Eu deveria, mas, ao invés disso, corro para o único lugar que sempre foi
capaz de me fazer esquecer o caos que habita minha cabeça matemática, o
mar. Ou, pelo menos, costumava ser o único, até pouco mais de um mês
atrás.
— É curioso que eu consiga encontrar com vocês com muito mais
frequência quando estou viajando do que quando estou em casa —

comento, mas nem minha mãe nem meu pai dão muita importância às
minhas palavras.

Sentados à mesa no restaurante do hotel onde estão hospedados, ambos me


olham assustadoramente focados. Recuo as costas levemente, recostando-
me, e inclino a cabeça quando começo a desconfiar dos motivos desse
hiperfoco.

— O que está acontecendo?

— Nós queremos conhecê-la. — surpreendentemente, mas não tanto assim,


a frase sai da boca do meu pai e eu termino de me largar sobre a cadeira
quando bufo. É claro que eles querem, até demorou.

Porra! Como é que eu não vi isso chegando?

— Nós esperamos, achamos que era algum caso passageiro, mas já faz quase
um mês agora! E vocês aparecem juntos o tempo todo.

Meu alerta do google pro seu nome mostra fotos novas, em lugares
diferentes, todos os dias, Bruno! Não pode ser só mais um caso, certo? — A
maneira como minha mãe argumenta e faz a pergunta soa quase esperançosa
e eu esfrego as mãos no rosto.

Mesmo sem querer, a imagem de Milena tendo uma conversa cotidiana com
meus pais surge em minha mente. Eles a mimariam pra caralho. Meus pais
sempre quiseram uma filha menina, mas também sempre quiseram ter
apenas um filho. Quando fui eu a nascer, eles tiveram que fazer uma escolha.
Uma que resultou na expectativa de que, no futuro, eu satisfaria suas
vontades. Pergunto-me o que fariam com elas se eu fosse gay. Ou se você
não tivesse a intenção de se estabelecer num relacionamento a longo prazo,
o que ainda é o caso, certo, Bruno?

A pergunta é um sussurro interior inesperado. Porra. É óbvio que ainda é o


caso! Milena é... Milena é... Como a porra de uma inspiração profunda
depois de muito tempo sem respirar. Ela é alívio e, ao mesmo tempo, frenesi.
Ela é a novidade bonita daquilo que é comum, ela é... Boba, ri de tudo, ela...

Rio sozinho quando todas as palavras que encontro para a descrever são
mais do que isso. São seus gestos, seus hábitos. São as coisas pequenas que
já me peguei observando-a fazer um milhão de vezes, como lavar os talheres
descartáveis antes de usá-los, devorar sobremesas em tempo recorde ou
soprar a mecha de cabelo que sempre cai na frente dos seus olhos, ao invés
de tirá-la com uma das mãos.

— Ela é uma amiga, mãe.

— Amiga? — A decepção na voz do meu pai é quase palpável e eu ergo as


sobrancelhas antes de soltar um suspiro.

— Vocês não parecem amigos nas fotos que andei vendo — minha mãe
insiste, olhando-me acusadoramente, dizendo, em silêncio, que sabe que
estou mentindo.

— Se você precisa de uma descrição mais abrangente, tudo bem.

Somos amigos com benefícios, mãe. Nada além disso. — Seus

ombros caem com a minha explicação e ela troca um olhar significativo com
meu pai. Balanço a cabeça em uma negativa curta para mim mesmo. — E
então? Qual será o próximo destino de vocês?

Davi estaciona o carro em frente ao condomínio de Milena e eu não consigo


me manter dentro dele. Salto para fora, decidido a esperá-la na calçada, mas
no momento em que a mulher pequena cruza a portaria, meu corpo é
empurrado contra a lataria do carro. Mordo o lábio antes de abrir a boca sem
ter a intenção de dizer nada para ninguém além de mim mesmo.

Se eu tinha alguma esperança de que a palavra obsessão fosse um exagero


para se referir à forma como me sinto sobre Milena, sobre sua companhia,
ela vai para o ralo no instante em que apenas a vê, depois de poucos dias
distante, parece roubar meu ar.

— Oi — é a única coisa que diz antes de assaltar minha boca sem me dar
tempo de respondê-la. A língua de Milena procura a minha com uma fome
que eu entendo muito bem, porque é a mesma que estou sentindo. Puta que
pariu!

Foi preciso uma dose cavalar de autocontrole para que vê-la não fosse a
primeira coisa que fiz assim que o avião pousou. Repetindo para mim
mesmo que essa era uma atitude irracional, uma vez que eu a veria esta
noite, busquei Buzz em seu tutor, levei-o para casa, trabalhei por algumas
horas, a maior parte delas, alternada entre realmente fazer algo produtivo e
me perguntar por que caralhos eu estava me segurando.

— Sentiu minha falta, linda? — pergunto com a boca ainda colada à sua,
sentindo seu cheiro gostoso pra porra, acariciando seus cabelos, bebendo sua
companhia.

Uma resposta divertida cruza seu olhar, mas Milena morde o lábio e assente
uma confirmação.

— Muita. — Uma palavra tão pequena não deveria me atingir com tanta
força. Os cílios longos e escuros tremem quando ela abaixa os olhos. Apoio
os dedos indicador e médio sob seu queixo, trazendo seu olhar para o meu.

— Eu estava louco pra tocar você. — Beijo cada uma das suas pálpebras
fechadas e o sorriso que se espalha em seus lábios é mais uma martelada no
peito. — Da próxima vez, eu vou sequestrar você.

— Talvez eu vá de bom grado. — Enlaça meu pescoço com os braços,


arrancando-me um sorriso imenso também.

Passo alguns segundos apenas olhando para o rosto pouco maquiado de


sobrancelhas grossas e lábios desenhados. Roço o nariz em sua bochecha,
sem conseguir controlar e puxo seu corpo contra o meu, querendo a sensação
de senti-la em meus braços. Antes que eu possa me impedir, estou a
beijando, outra vez. Devagar, gostoso, sem pressa até que nós dois
comecemos a perder o controle bem no meio da porra da calçada.

— Nós devíamos entrar no carro antes que eu perca o controle e decida te


comer bem aqui, Milena. — O brilho em seus olhos, como todas as vezes
que sugiro algo exibicionista, não é uma recusa, pelo contrário. É
curiosidade. Eu rio antes de lamber os meus lábios e os dela e me afastar.
Talvez um dia, mas hoje não.

Escapar das investidas de Milena dentro do carro foi a porra de uma tortura e
eu realmente deveria ser considerado alguma coisa por ter resistido tão
bravamente. Tenho planos para esta noite e não quero furar sua expectativa
por uma rapidinha, mesmo que ela não tenha feito qualquer questão de
esconder sua frustração por não receber o que queria. Ela terá sua primeira
foda sobre quatro rodas, só não será hoje.

— Você fica fofa quando está chateada por não ter sido bem comida —
sussurro em sua orelha assim que entramos na Carmesim

e ela dispara à minha frente, misturando-se à multidão e me deixando para


trás.

Acho graça, apesar da dor nas bolas. Contudo, sei que assim como o mau
humor de Milena, ela será deixada de lado muito em breve. É

impossível não prender os olhos à bunda pequena e redonda dela,


balançando a cada passo e eu não sou o único a apreciar a vista. No entanto,
quando ela interrompe os próprios passos e se vira, é para mim que olha,
irritada ou não.

Meus olhos beijam sua pele, aproveitando cada centímetro delicioso, sem
pressa. O vestido de seda é verde escuro e curto, cobrindo somente metade
das suas coxas. O decote em V

transpassado é perfeito para o que eu tenho em mente, seus saltos altos a


deixam na altura perfeita para ser fodida de pé e pela forma como as alças
finíssimas do vestido se cruzam em suas costas nuas, tenho certeza de que
Milena está sem sutiã, de novo.

Coloco todo o peso do corpo sobre uma perna, enfio as mãos nos bolsos e
permaneço parado no mesmo lugar por uns segundos, apenas olhando para
ela, devorando-a e deixando que ela saiba disso.

Seu colo esquenta, seus lábios entreabrem e seus cílios tremem, arruinando a
expressão malcriada que ela sustentava. Só então, aproximo-me.

Meus passos são lentos, predadores. Quando a alcanço, ela imediatamente


rodeia meu pescoço com os braços e eu à sua cintura.

Enfio a mão sob a saia solta de seu vestido e ignorando todas as pessoas ao
nosso redor, acaricio sua bunda antes de apertá-la.

— Paciência, meu bem. — Roço os lábios pela sua orelha. —

Prometo que vai valer a pena. — Deixo um beijo ali, sabendo que isso vai
arrepiá-la.

As caixas de som martelam as paredes com uma música sensual e, movendo


apenas a mão que não está agarrada à bunda gostosa de Milena em um gesto
que além de bom pra caralho, deixa evidente para todos ao nosso redor que
eles podem cobiçar a vontade, contanto que não toquem sem pedir
permissão, agarro seus quadris e começo a nos mover em um rebolado lento.

Milena revira os olhos, mas rapidamente se entrega à dança e, minutos


depois, esquece que estava chateada e me beija, completamente perdida em
mim, exatamente como eu estou nela.
O suor está escorrendo pelas minhas costas quando Bruno e eu entramos no
camarote. A gargalhada que eu dava é substituída por um som de surpresa
quando o encontro vazio.

— Onde estão os rapazes?

— Hoje somos só nós dois. — A maneira como diz as palavras me faz


lamber os lábios.

Ele caminha até o bar e assim que recebe as bebidas escolhidas diz algo para
a atendente em um tom baixo demais para que eu possa escutar, mesmo que
eu esteja prestando atenção.

A mulher sorri, educada, antes de organizar sua bancada e enquanto Bruno


corta o pouco espaço entre nós com passadas largas, meus olhos estão fixos
na atendente nos deixando sozinhos.

Ele me oferece o copo de refrigerante que eu aceito e termino com três ou


quatro goles. Depois de tanto tempo dançando, em meio ao mar de pessoas
lá embaixo, minha pele já parecia em chamas. Agora, com o olhar de Bruno
me dizendo que aquilo pelo que ele vem me fazendo esperar desde que me
buscou, está prestes a acontecer, o calor parece estar muito além de me
esquentar, ele parece prestes a me consumir.

Viro as costas, sentindo a energia que sempre está ao nosso redor ganhar
novas proporções até parece prestes a nos engolir.

Fecho os olhos, expiro longamente e quando volto a abri-los, minha visão


fica presa na movimentação do andar inferior.

A música pulsa através de cada corpo em movimento, das luzes coloridas e


do cheiro que, embora esteja distante agora, ainda posso sentir em meu
nariz: uma mistura de suor, álcool e perfumes diversos.

A ponta do nariz e os lábios de Bruno começam a percorrer um caminho no


meu pescoço e eu o inclino, dando mais acesso. Ele me puxa na direção do
seu peito e sou surpreendida ao sentir sua pele contra a minha, livre de
barreiras.
Bruno tirou a camisa e eu arfo quando me dou conta do que isso significa.
Meus olhos abaixam outra vez, agora, olhando para as pessoas lá embaixo de
uma maneira completamente diferente, eles não são mais apenas corpos
dançantes, são expectadores.

Minha boceta lateja apenas com a ideia de ser observada por todos eles, mais
do que isso de ter cada par de olhos ali observando enquanto sou tocada.
Enquanto Bruno me consome, sem parar, com força, exatamente como adora
fazer, como eu adoro que ele faça.

— No que você está pensando? — A voz é aquele sussurro rouco que tanto
me enlouquece e do qual eu tanto senti falta. Não respondo. Arquejo quando
suas mãos também se comprometem com a tarefa de me acariciar e
começam a subir pelas minhas pernas com uma lentidão agoniante.

Ele morde minha orelha, chupa atrás dela, encaixa o nariz na curva entre
meu ombro e pescoço, aspira meu cheiro e lambe meu suor.

— Gostosa, deliciosa — murmura. — Suada... Talvez a gente possa fazer


algo quanto a isso... — sugere, subindo as mãos até que elas tenham
alcançado o laço que mantém o transpassado do vestido no lugar. Meu
coração corre no peito com a perspectiva e quando levanto a cabeça,
encontro o olhar de Bruno pelo reflexo no vidro diante de nós dois.

Sem desviar os olhos de mim e com a boca plantada em minha pele, seus
dedos puxam a alça fina em minha cintura, desfazendo a amarração. Bruno a
solta, e o tecido se abre em duas partes que ficam penduradas nas laterais do
meu corpo, revelando meus seios, barriga e pernas nuas.

Labaredas azuis lambem minha pele por tempo o suficiente para incendiá-la
antes que ele volte a afogar meus olhos em chamas com elas.

— Não precisamos disso. — Puxa o vestido aberto pelos meus ombros. O


tecido cai em uma poça no chão e ele volta a colar o peito às minhas costas.
A sensação quente me faz fechar os olhos, mas ele repreende. — Olhos
abertos, Milena. Eu quero que você veja tudo. — Obedeço, lutando contra
meu instinto, porque, ao mesmo tempo em que estou pronta para me deixar
ser dominada pelas sensações prometidas sem qualquer desvio de atenção,
quero, sim, ver tudo.

Mãos deslizam em minhas coxas de baixo para cima, roçando o tecido da


calcinha, passando pelos meus quadris, espalhando os dedos pelo meu
abdômen até alcançarem meus seios. O toque das suas palmas roçando meus
mamilos é rude e me faz gemer e arfar.

— Olha pra baixo — ordena e eu olho. — Me diz o que você vê.

— Trêmulo. Todo o meu corpo está trêmulo, expectante.

— Pessoas, bebidas, luzes.

— E você quer alguma coisa dessas pessoas, Milena?

— Quero.

— O quê?

— Que elas vejam você me foder. — Pelo reflexo, vejo a satisfação quase
palpável que minhas palavras colocam em seu rosto e ele me vira em um
movimento rápido, prensando-me contra o vidro.

— Perfeita pra caralho! — rosna, antes de beijar minha boca.

Meus peitos roçam seu tórax e eu ondulo os quadris querendo mais contato.
Como sempre, as coisas com Bruno simplesmente se recusam a acontecer de
maneira suave. Somos línguas, mãos, dentes e saliva em todos os lugares,
sem parar, banqueteando-se um do outro, até Bruno girar nossos corpos,
deixando-nos com as laterais de frente para o vidro e enfiar as mãos pelos
meus cabelos.

— Vamos deixar que eles me vejam comer essa boceta gostosa que você
tem, Mile. Mas, primeiro, eles vão ver você me mamar. —

Arqueio o corpo apenas com o impacto de suas palavras. Elas parecem


chicotear meu clitóris e espremer meus mamilos. Eu latejo, desesperada.
— De joelhos, linda. — Lambo os lábios, mas não consigo disfarçar minha
pressa em obedecer. Já perdi a conta de quantas vezes Bruno esteve com a
língua afundada entre minhas pernas, mas é a primeira vez que vou sentir
seu gosto.

Ele desfaz o próprio cinto, eu abro seu botão, desço o zíper da sua calça e
suas mãos se espalham em minha nuca e pescoço.

Devagar, toco sua ereção por cima da cueca, sentindo a grossura que me
alucina, as veias cujas formas parecem gravadas em minha mente, ansiosa
para gravá-las também em minha língua.

Abaixo a malha preta. Seu membro salta duro, para cima, com a ponta
brilhante e eu aproximo o rosto. Cheiro seu pau e fecho os olhos quando sou
dominada pelo almiscarado da sua pele. A mistura de suor com sua
excitação parece tornar tudo ainda mais erótico.

— Porra, Milena! Puta que pariu! — brada, fazendo-me erguer os olhos na


direção dos seus. Sua mão desliza até que seu polegar roce meu lábio
inferior. — Você vai me enlouquecer desse jeito, Milena. Vai me fazer gozar
só pela cara que fez quando sentiu meu cheiro.

Lambo os lábios, como sempre, adorando saber que posso afetá-lo com tanta
facilidade quanto ele a mim.

— Bom, então é melhor eu sentir logo o seu gosto. — Sem esperar por
resposta, abocanho a glande, sentindo a língua ser inundada pelo sabor
amargo do seu pré-gozo. Chupo levemente antes de usar a língua para
acariciar o a abertura na parte de baixo dela.

— Puta que pariu! — O xingamento sai num grito que faz eu me sentir a
mulher mais poderosa do mundo e eu deslizo para frente, engolindo o pau de
Bruno até o limite permitido pela minha garganta, antes de recuar, com as
bochechas fundas e fazer tudo outra vez.

Seu membro é grosso e a cada vez que o tenho dentro da minha boca, circulo
toda a extensão com a língua, sentindo as veias pulsando sob ela. Lambo e
chupo enquanto mantenho as mãos segurando firmes em suas coxas.
— As bolas, meu bem. Lambe minhas bolas — pede sussurrado, ofegante,
antes de gemer. Desço os lábios, roço o nariz em suas bolas, aspirando mais
do cheiro gostoso e beijando primeiro com os lábios, só então, com a língua.

Faço uma verdadeira bagunça melada de saliva, subindo e descendo. Os


grunhidos de Bruno se tornam uma constante e quando seu agarre em meus
cabelos se torna ainda mais forte, deixo a língua dura e percorro todo o
caminho de volta até a glande com ela.

— Chega, porra! — Seus braços me puxam para cima e sua boca se choca
contra a minha imediatamente.

O beijo tem o gosto do seu pau misturado às nossas salivas e sou eu quem
geme. Bruno rasga a minha calcinha sem cuidado algum.

— Eu vou te comer aqui, depois nós vamos voltar lá pra baixo e você vai
dançar, vai rebolar a bunda com essa bocetinha completamente nua pra
quem quiser ver. — Gosta da ideia, Milena?

— Um gemido é tudo que consigo dar como resposta ao sentir um

de seus dedos roçando minha boceta antes de se enfiar com força em meu
canal. — Gosta? — repete, juntando um segundo dedo no trabalho de me
enlouquecer. — Gosta da ideia de cada homem lá embaixo sentir meu cheiro
em você? — Dentro de mim, seus dedos se movem em gancho, alcançando
um ponto que me alucina. —

Sentir o cheiro da tua excitação escorrendo pelas pernas, Milena?

Gosta? — Bruno soca em mim sem parar, fazendo-me derrubar a cabeça


para trás, sentir o prazer atravessar meu corpo, procurando saídas e cada um
dos meus poros ainda não são o suficiente.

— Gosto! — grito quando seus dedos incansáveis me fazem gozar, tremendo


e suando, com o corpo colado ao seu, pressionando seu pau duro entre nós.

— Ótimo! Então é assim que vai ser — determina e morde meu lábio antes
de me virar de costas e apoiar minhas mãos no vidro. —
Agora abre bem essas pernas e empina pra mim. — Ofegante e letárgica,
luto para obedecer enquanto o ouço se despir do resto de suas roupas e vestir
o preservativo. Suas coxas nuas tocam as minhas quando ele se encaixa em
minha entrada e eu adoro cada ponto de contato entre nós quando curva o
corpo sobre o meu. — E

não esquece de olhar pra baixo, meu bem. — São suas últimas palavras antes
de meter de uma vez em minha boceta, rasgando minha carne com a sua e
me arrancando um grito que eu não sei se o isolamento acústico do camarote
foi capaz de conter.

Seus quadris batem contra os meus num vai e vem perfeito, ritmado. Meus
olhos nunca se fecham e na minha imaginação, cada um dos olhos lá
embaixo, agora, está voltado para cima, encarando Bruno me comer gostoso,
com força. Os homens estão ficando duros, as mulheres estão ficando
molhadas, todos afetados pelo sexo que só o meu corpo é capaz de sentir.
Todos desejando me ter ou ser eu.

Meu segundo orgasmo me sacode e eu perco a força nas pernas. O braço de


Bruno circula minha cintura, sustentando-me de pé e suas investidas nunca
param. O cheiro de sexo já dominou o ambiente, assim como os sons, e o
suor. A cada metida, meus

gemidos se tornam menos espaçados, mais deliciosos. Meu canal pinga,


lateja, aperta, pede por mais.

Bruno mete profundamente e para, enterrado fundo dentro de mim, fazendo


um grito mudo morrer em minha garganta ao rebolar, alargando minhas
paredes, provocando minhas terminações nervosas ao limite, ao ponto de
lágrimas se acumularem nos cantos dos meus olhos.

— Goza, gostosa! Deixa essa bocetinha melar meu pau todo, vai.

— Seu pedido soa literalmente como uma ordem para o meu corpo
sobrecarregado e eu explodo pela terceira vez.

— Bruno! — choramingo, peço, imploro, mesmo que o restante das palavras


nunca deixe minha boca. Ele planta a língua bem no meio da minha espinha
e lambe para cima até que seu rosto se encaixe em meu pescoço.
— Tá gostoso, meu bem? — Rebola os quadris em movimentos lentos,
provocando meu êxtase para chegar a um ponto que eu não sou capaz de
alcançar.

— Muito... Muito gostoso. — Confirmando minhas palavras, um gemido


longo arranha minha garganta quando ele rebola.

— Olha pra baixo, Mile. — Abro os olhos, fechados desde a última


convulsão e olho. — Cada homem lá embaixo queria estar exatamente onde
estou agora — sussurra, deixando que seu hálito quente judie da pele
sensível atrás da minha orelha. Eu imagino os homens mais perto. Ao invés
de lá embaixo, aqui, ao nosso redor, vendo-me

completamente

entregue

minha

respiração

descontrolada até falha. — Enterrado no fundo da sua boceta, grudado no teu


corpo suado, gozado, exausto. Marcado com o teu gozo e te marcando com o
meu, meu bem.

— Bruno... — murmuro baixinho. Perdida nas imagens que suas palavras


projetaram em minha mente como um filme hollywoodiano.

Ele deixa outro beijo em minha orelha e minha visão, pontilhada de


pequenas sombras pretas, se torna um pouco mais clara. O suor

dança pela minha pele, as gotas se movimentam junto com os quadris de


Bruno e as minhas palmas suadas estão constantemente deslizando no vidro.

— Você quer, Mile? Quer outro pau se enterrando nessa boceta?

— pergunta, investindo contra mim e me sacudindo no lugar. —


Quer outras mãos no seu corpo, outra voz no seu ouvido? — Agora, ele
passa a estocar rápido e com força, cada metida me arremessando mais alto
no ar.

— Não — grito quando isso é tudo o que sou capaz de fazer. —

Eu quero você! Só você! — Dessa vez, o orgasmo não arrebata só a mim,


mas a Bruno também em uma sinfonia de sons descoordenados.

Quadris batendo, meu grito soando, seu rosnado arranhando e as palmas das
minhas mãos deslizando pelo vidro. Seus lábios desgrudam das minhas
costas suadas enquanto tentamos redescobrir como respirar e minha mente
enevoada pelo prazer, pelas palavras, por absolutamente tudo, só consegue
manter um pensamento claramente.

A paciência realmente valeu a pena.

Esfrego a toalha sobre os cabelos, secando-os, mas assim que saio do closet
e entro em meu próprio quarto, ainda sem me vestir, depois do banho,
interrompo meus passos apenas para observá-la.

Milena está deitada em minha cama, ocupando um espaço mínimo.

Ela não se move muito ou se espalha ao dormir. Na maior parte das noites,
percebi, acorda na mesma posição em que vai dormir e isso costuma ser em
meus braços, tornando difícil que eu realmente levante no meu horário de
costume para malhar.

Quase sempre que ela passa a noite comigo, na manhã seguinte, os dez
primeiros minutos após o toque do despertador são gastos comigo tentando
me convencer a levantar para ir à academia. Algo que sempre fiz de maneira
tão natural, de repente, é colocado na balança, porque me obriga a abrir mão
de uma outra coisa que se tornou extremamente natural, sua companhia. Seu
corpo nu colado ao meu, seu cheiro, a sensação que se apodera de mim a
cada vez que a tenho completamente entregue.

Nunca tive problemas em dormir com uma mulher. Sempre achei que era só
isso, dormir. Uma necessidade fisiológica. Nunca vi mérito em dar
importância para algo tão banal. Porém, olhando Milena deitada em minha
cama e desejando que ela não saísse nunca, porra!

Isso tem importância. Tem importância pra caralho.

E, contra todas as minhas expectativas, pego-me fazendo algo que parei de


fazer voluntariamente há muitos anos: pensar em João Pedro Govêa. Faz
muito tempo que não lhe dou um segundo pensamento,

exceto em situações específicas, ou quando sou obrigado a interagir com ele.

Contudo, ultimamente, todas as vezes que tento entender o motivo de não


me sentir sequer minimamente assustado pelas sensações que Milena
desperta em mim, minha mente viaja para a noite, meses atrás, em que João
Pedro e eu, pela primeira vez na vida, chegamos às vias de fato. E tudo por
causa de uma mulher. A mulher dele. Eu faria o mesmo se Milena fosse
colocada na situação em que eu coloquei Eliza?

Todos os segundos, de cada hora, de cada dia, de cada semana, de cada mês,
de cada ano, eu sei que seria capaz de matar o filho da puta que ousasse
magoá-la de qualquer forma que fosse. Como isso aconteceu?

Eu não sou um homem que espera. Nunca fui. No entanto, aqui estou,
incapaz de tomar uma decisão prática. Se há dois meses me perguntassem o
que fazer nessa situação, minha resposta seria óbvia: correr. Meus objetivos
sempre foram muito claros e uma mulher, a mesma mulher, dormindo em
minha cama, todas as noites, nunca fez parte deles.

Mas, agora que ela está ali, como eu deveria simplesmente abrir mão disso.
Porra, eu não posso. Desvio os olhos da mulher deitada na minha cama para
os papéis espalhados sobre a escrivaninha, redigidos e impressos hoje antes
mesmo que eu fosse à academia e, por algum tempo, continuo alternando os
olhos entre os dois pontos.

Não deveria haver dúvidas sobre o que fazer. Eu a quero, o conteúdo


daqueles papéis é a solução para mantê-la. Então por que caralhos a
sensação de que não devo fazer isso luta tão bravamente contra a certeza de
que preciso fazer alguma coisa? Porra...

Passo as mãos pelos cabelos molhados e em alguns passos alcanço os papéis.


Passos os olhos sobre as palavras que escrevi tendo a certeza de que soaria
certo caso se tratasse de qualquer outra pessoa, mas que se tratando dela...
Olho outra vez para o corpo pequeno, encolhido entre meus lençóis e
decidido guardá-los até ter certeza do que fazer.

— Vejam só! A bela adormecida acordou! — digo ao ver Milena descer as


escadas quando já passam das dez da manhã. A noite passada realmente a
exauriu.

Sentado à mesa da cozinha, eu observo seu corpo gostoso vestido por um


jeans e camiseta se aproximar até que ela esteja perto o suficiente para que
eu a puxe para se sentar em meu colo.

— Bom dia!

— Bom dia. Como você está se sentindo? — pergunto, tentado a não esperar
por uma resposta e apenas beijar sua boca. Milena revira os olhos, atrevida.

— Você quer dizer como minha boceta está se sentindo, certo? —

Ergo as sobrancelhas, segurando a vontade de rir da malcriação injustificada.

— Achei que ela fizesse parte do seu corpo...

— Graças a Deus por isso! Seria muito injusto que ela se divertisse sozinha!
— Estou criando um monstro — sussurra em seu ouvido antes de gargalhar
e ela torce os lábios, fingindo desgosto.

— Temos planos pra essa semana? — Ignora meu comentário, mudando de


assunto e a resposta que lhe dou não precisa de qualquer esforço para ser
encontrada.

— Você na minha cama todas as noites. — O sorriso em seus lábios me diz


que ela gosta tanto da ideia quanto eu, mas é claro que ela não vai se dobrar
tão facilmente.

— Eu tenho uma vida, sabe? Uma família? Não posso simplesmente me


tornar sua escrava sexual! — contesta e eu estreito os olhos.

— Isso é uma negociação?

— Talvez seja uma negociação.

— Tudo bem, como eu te transformo em minha escrava? — A pergunta faz


meu pau se agitar dentro dos shorts. Porra! Esse não é meu tipo de fetiche,
mas preciso admitir que a imagem mental formada pelas palavras, de Milena
de joelhos, nua, esperando pelas minhas ordens realmente tem seu apelo.

— Eu quero aprender a surfar! Quero que você me ensine — diz, como se


fosse absurdo e se ela acha que esse é o tipo de coisa para o qual eu diria
não, está redondamente enganada. Porque mais uma imagem mental me
assalta, a de Milena, em pé sobre uma prancha enquanto desliza por uma
onda e é sexy pra caralho! Até mais do que a anterior, eu diria.

— Feito!

— O quê? Não!

— Como não? Achei que era eu quem decidia. — Rio do seu nervosismo
aparente.

— Eu estava brincando! Você é um atleta, Bruno, me ensinar deveria te


causar repulsa.
— Você não pensou direito sobre isso, meu bem, porque se tem uma coisa
que te ver vestida em elastano e deitada com a bunda empinada pra mim não
me causa, é repulsa. Sinto muito! Tarde demais! — Ela abre a boca, mas
fecha.

— Eu posso desistir?

— Pode! Mas eu vou te atormentar pela sua covardia pra sempre!

— declaro e seus olhos se prendem aos meus em silêncio por alguns


segundos, sei exatamente por quê.

Lá estão aquelas duas palavras de novo: Para sempre. Não é a primeira vez
que as digo, assim como não é a primeira vez que Milena reage dessa forma,
como se me perguntasse, silenciosamente, se eu as estou dizendo
levianamente.

— Uma noite. — Quebra o silêncio, o contato visual e a minha linha de


raciocínio.

— O quê?

— Você vai ter uma noite. E eu quero uma palavra de segurança.

— Uma palavra de segurança? — pergunto sorrindo.

— Isso!

— E qual seria? — Ela olha ao nosso redor e, ao se deparar com a xícara


sobre a mesa, decide.

— Mocha! — Gargalho, porque esse seria uma excelente palavra de


segurança se nós realmente precisássemos de uma.

— Onde você aprendeu que precisaria de uma palavra de segurança? —


indago entre risos.

— Talvez eu tenha sido uma adolescente curiosa depois de ler cinquenta tons
de cinza.
— É claro que você leu cinquenta tons de cinza! — Gargalho com mais uma
imagem mental inesperada. Se Milena soubesse do quão diferentes as coisas
são do que aquele livro conta... Talvez um dia eu deixe que ela descubra.

— Então? Quando vou pagar minha dívida? — questiona com os olhos


estreitos e o sorriso que toma conta da minha boca é imenso.

— Eu te aviso.

— O que você vai fazer? — A desconfiança é clara em seus olhos, assim


como a expectativa.

— Você vai ter que esperar pra descobrir, mas vai valer a pena —

repito as palavras ditas na noite passada e ela morde o lábio, deixando sua
mente viajar para lá. — Passa o dia comigo? — peço, de repente, não
querendo que esse momento acabe.

— Você não precisa trabalhar? — É uma pergunta muito justa, eu preciso.


Mas se analisar friamente, decidi não ir ao escritório esta manhã, porque
queria estar aqui quando Milena acordasse e não

queria interromper seu sono por precisar sair. Então também é uma pergunta
com uma resposta muito complexa.

— Tenho, mas não quero. — Suas sobrancelhas se erguem antes de se


franzirem, como se essa resposta significasse mais do que apenas quatro
palavras ditas em sequência.

— Tudo bem, eu fico.


Eu me esforço para não chorar, mas é impossível não sentir os olhos
arderem. No auditório escolar do tamanho de um campo de futebol, as
cadeiras foram substituídas por barracas, como as de feira, mas muito mais
sofisticadas e um palco foi montado no centro.

O lugar, apesar do tamanho, está um caos de movimento formado por alunos


e seus familiares, além de professores e funcionários da escola. No palco, há
uma apresentação de dança acontecendo e, numa cena que eu não achei que
veria, Gabriel está lá, dançando uma coreografia em grupo, vestindo um
uniforme de jogador de basquete, e parecendo muito, muito satisfeito com
isso.

A gincana escolar é um projeto anual de sua escola e desde que ele chegou
às séries que de fato participam dela, há dois anos, eu nunca consegui vir,
afinal, precisava trabalhar. E durante esse tempo, em sua atitude rebelde,
meu irmão nunca fez mais do que o estritamente necessário para alcançar a
nota mínima exigida pelo bimestre, o que não incluía a gincana, apenas a
feira de ciências que acontece no mesmo dia.

Este ano, no entanto, algo mudou. Desde que fui convocada para ir à escola
pouco mais de um mês atrás, fico cada vez mais convencida de o que quer
que eu tenha dito a ele na ocasião, gerou mais do que remorso, gerou
arrependimento e uma mudança genuína de atitude.

Ele ainda é um adolescente, mas parece que a pior fase já passou.

Solto um suspiro ao pensar que essa foi só uma das coisas boas que
aconteceram todas ao mesmo tempo nos últimos meses. Por

mais que eu me sinta grata por cada uma delas, aquela sensação de que nada
tão bom dura por muito tempo é impossível de se ignorar.

Ao meu lado, minha mãe vibra, gritando e assobiando para Gabriel e sua
turma. O tema da gincana é diferenças sociais e a performance do grupo no
palco mistura encenações com dança, tudo ao longo de um mix de músicas
que dura 12 minutos. Eles devem fazer duas apresentações diferentes: uma
no estilo de líderes de torcida e outra em grupo, a que está acontecendo
agora, e ambas devem, de alguma maneira, propor reflexões a respeito do
tema debatido pelo evento.

Era por esse tipo de coisa, por saber que era essa a educação que meu eu
irmão estava recebendo, que cada maldito minuto em pé, carregando uma
bandeja, valia a pena. Pensar nisso me faz perder a batalha contra a vontade
de chorar e uma lágrima silenciosa desliza pela minha bochecha. Minha mãe
se vira no momento exato e eu sorrio e dou de ombros. Seus olhos que já
estavam vermelhos não demoram a ficar molhados.

— Você fez isso! Você! — declara e mesmo que o barulho ao nosso redor
torne ouvir sua voz uma coisa impossível de se fazer, consigo ler seus lábios
e balanço a cabeça, negando.

— Não, mãe. Você fez!

— Nós fizemos. — Encerra a discussão arrancando-me um sorriso molhado


e eu deixo um beijo em sua têmpora, sabendo que insistir em seu mérito será
perda de tempo. Ela se recusa a aceitar que o que quer que eu tenha sido
capaz de fazer, foi porque ela me criou assim.

A apresentação de dança continua e é realmente encantador ver a maneira


como os meninos e meninas se expressam, se movimentam.

É evidente todo o trabalho que empenharam para chegar àquele resultado.

— Parece que dançar é uma coisa de família! — a voz conhecida sussurra


em meu ouvido e eu me viro com os olhos arregalados para encontrar Bruno,
em carne, osso, um terno caro e um sorriso indecentemente lindo, parado
atrás de mim.

Seu primeiro movimento quando nossos olhares se encontram, é erguer mão


e secar o resquício das lágrimas que estava em meu rosto. Silenciosamente,
me pergunta se está tudo bem, e, da mesma forma, eu lhe digo que sim, antes
de usar as palavras para tentar entender o que está acontecendo.

— O que você está fazendo aqui?


— Eu fui convidado — responde presunçoso e eu olho para minha mãe que
sequer tenta fingir inocência.

— Oi, Bruno! Que bom que conseguiu vir! Gabriel está muito empolgado
pra te apresentar o trabalho!

— Trabalho? Por que ele está empolgado para apresentar o trabalho ao


Bruno? — pergunto, mas nenhum dos dois se incomoda em interromper a
própria conversa para me responder.

— E eu animado pra ver! Eu espero perder a aposta.

— Aposta? Que aposta? — inquiro apenas para ser ignorada mais uma vez.

— Ele não fala de outra coisa. — A frase de minha mãe me faz bufar,
porque, definitivamente, ele fala, sim, de outras coisas! Ou eu saberia de que
raio de aposta os dois estão falando. — Ele está muito animado com o
estágio. — Eu arranho a garganta, desistindo de fazer perguntas que serão
ignoradas e Bruno me olha de rabo de olho antes de voltar a se dirigir à
minha mãe.

— Você acha que devemos parar de ignorá-la?

— Acho que sim. Olha como ela está vermelha. Parece prestes a explodir!
— Ele vira o rosto na minha direção como se quisesse me analisar e eu
estreito meus olhos para ele.

— Você tem razão! Parece mesmo. — Abro a boca, pronta para mandá-lo
passear num lugar bem-feito, apesar da presença da minha mãe, mas engulo
a malcriação quando ele começa a explicar. — No dia em que fui até sua
casa, Gabriel me contou que estava fazendo um trabalho sobre criptomoedas.
Deixei meu número com ele e temos estado em contato desde então, eu o
ajudei com algumas informações

e materiais e nós apostamos que se ele tirasse dez, eu daria a ele um estágio
na Magalhães Capital.

Pisco os olhos atordoada com a quantidade de informações que recebo. Isso


foi há semanas! Bruno tem mantido contato com a minha família desde
então?

— E ninguém pensou em me falar?

— Não era da sua conta — responde com um sorriso e eu abro a boca,


ultrajada.

— Gabriel pediu pra ele não te contar. Não queria que você achasse que ele
estava se aproveitando do seu namorado. — Minha mãe dá uma explicação
de verdade.

— E por que eu pensaria uma coisa dessas? Se ele precisava de ajuda.—


Interrompo-me, porque eu realmente não sei o que eu teria feito. Deus, a
última coisa que eu esperava era que Bruno estabelecesse qualquer tipo de
relação com a minha família. Eu não precisava que a minha ilusão ocupasse
mais esse espaço da minha vida. Desvio os olhos quando encontro nesse
pensamento a resposta que eu não procurava. Eu teria, sim, implicado com
um acordo entre Bruno e Gabriel.

— Ainda assim, você deveria ter me contado! — Eu me viro para o homem


que parece completamente inadequado para uma feira de ciências e ele dá de
ombros.

— Estou contando agora. — Beija minha têmpora e cheira meu cabelo,


encerrando a discussão e minha mãe sorri em aprovação. É

claro que ela aprova. Esse é exatamente o tipo de coisa que ela faz.

Eu reviro os olhos e grunho. Irritantes!

— E como você me encontrou? Esse lugar tá lotado. — Mudo de assunto,


conformada. Mas o sorriso que chega antes da resposta anuncia, aos quatro
ventos, o poder de destruição que ela terá.

— Eu sempre vou te encontrar.


— Ao jovem aprendiz da Magalhães Capital! — Bruno ergue o brinde e
todos acompanhamos, juntando nossos copos de refrigerante à sua taça de
vinho.

Meu irmão tirou dez. É claro que tirou. Gabriel é inteligente e quando se
esforça, não há nada no mundo que não seja capaz de alcançar, para bem ou
para mal, isso era o que mais me preocupada durante seus meses de rebeldia.

Para comemorar, Bruno insistiu que viéssemos todos almoçar juntos e


quando perguntou a Gabriel onde ele gostaria de ir, a resposta do meu irmão
me rendeu uma sobrancelha arqueada de Bruno cuja mensagem, ainda que
silenciosa, me soou alta e clara

“Sua obsessão está fazendo discípulos!” ela dizia e eu gargalhei.

Agora, sentados no Caparellos, enquanto esperamos nossos pratos e


conversamos sobre todo tipo de coisa, o sentimento em meu peito é
completamente desconhecido. A companhia de Bruno sempre despertou em
mim coisas novas, mas tê-lo aqui, sentado junto com as duas pessoas que eu
mais amo no mundo, agindo como se essa fosse uma cena cotidiana, provoca
um frenesi no meu peito que eu tenho até medo de descobrir como se chama.

Recostado à cadeira do meu escritório, observo pelas paredes de vidro,


Milena atravessar os corredores da Magalhães Capital, sendo conduzida pela
minha secretária até mim e tê-la ocupando mais esse espaço da minha vida
parece encaixar mais uma peça de um quebra-cabeça que eu sequer sabia
estar sendo montado.

Como se tornou parte da nossa rotina, vamos almoçar juntos. No entanto, ela
não precisava vir aqui. Eu poderia buscá-la no curso de inglês onde Milena
começou a ter aulas semana passada, mas eu a queria aqui, mesmo que até
esse momento não entendesse o porquê.

Coço a nuca, sentindo a ansiedade corroer meu estômago como tem feito a
manhã inteira e digo para mim mesmo que isso não tem nada a ver com o
pequeno envelope sobre a mesa, mas sei que é mentira. Eu estou ansioso
como a porra de um adolescente prestes a convidar à garota que gosta para ir
ao baile.

Os cabelos escuros estão presos em um rabo de cavalo que deixa o rosto de


queixo pontudo completamente livre para ser admirado. Aquele
deslumbramento gostoso está lá, assim como sua curiosidade tão
característica. Mas é o sorriso que ela abre quando me avista que realmente
me deixa perdido, mas não de uma maneira que algum dia eu tenha
acreditado ser possível me sentir.

Sempre achei que não saber onde estava ou o que estava fazendo seriam
coisas ruins, no entanto, quanto mais desconhecido

é o terreno em que piso com Milena, mais intensas as coisas ficam e mais
descobertas eu quero fazer junto com ela.

— Oi — diz, mordendo o lábio, assim que passa pela porta aberta para ela
por Raquel. Minha secretária acena para mim antes de nos deixar sozinhos.

Levanto-me, dou a volta em minha mesa e com apenas alguns passos,


elimino a distância entre nós. O movimento do meu corpo, procurando pelo
seu é autônomo. Eu sequer penso antes que meus braços envolvam sua
cintura, que meus lábios rocem os seus, que minha língua esteja dentro da
sua boca.

— Oi — murmuro depois de aplacar minimamente a necessidade do seu


gosto, já que acabar com ela, não importa o quanto eu tente, parece
impossível.

— Oi — repete, brincando o nariz na minha pele em uma carícia que eu


adoro pra caralho.

— O que você achou do futuro local de trabalho do seu irmão?


— Ele vai enlouquecer com tantos computadores à disposição —

comenta e eu sorrio.

Gabriel é um nerd, isso ficou claro desde a primeira conversa que tive com
ele. A princípio, ele estava claramente desconfiado dos meus motivos para
estar ali, interrogando-o sobre o que exatamente havia acontecido em seu
encontro com o fotógrafo que o abordara.

Contudo, depois de alguns minutos de conversa, ele foi relaxando e quando


eu tinha todas as respostas que conseguiria, ele finalmente me perguntou o
que queria saber.

“Você é namorado da minha irmã?” Precisei conter o sorriso ao ouvir sua


pergunta e, depois, a gargalhada, quando ao receber uma resposta positiva,
ele me perguntou se eu não era velho demais para ela.

Isso me levou a dizer que eu não era velho, mas que o terno realmente não
ajudava com essa perspectiva, embora fosse

necessário para o trabalho. E o trabalho foi a porta de entrada para sua


simpatia. Assim que entramos no assunto criptomoedas, descobri que
Gabriel era um entusiasta e a partir disso, muitas outras coisas a seu respeito.

E ali, me vi, de novo, desfrutando de uma primeira vez intermediada por


Milena. A primeira vez que eu realmente me interessei em conversar com
um adolescente e, mesmo que tenha gostado disso e de toda a relação que se
desenvolveu depois, a verdade é que eu nunca teria começado essa conversa
se não fosse por ela.

Eu não teria tido qualquer interesse sobre o maldito repórter, que, aliás,
mesmo com as poucas informações fornecidas por Gabriel, fui capaz de
encontrar e ensinar uma lição sobre não chegar perto de quem não deve. O
idiota agora trabalha numa gráfica e até que eu decida o contrário, é o mais
perto que ele vai chegar do mercado editorial.

Se não fosse para fazer Milena se sentir bem e confortável com a minha
presença em sua casa, eu jamais teria estendido minha conversa com seu
irmão para além do necessário, jamais teria descoberto que ele é um garoto
cheio de potencial, eu jamais poderia ou desejaria descobrir que tinha o
poder de fazer alguma diferença em sua vida profissional, e isso, por si só,
seria imperdoável. O que acrescenta mais uma a minha pilha de dívidas
impagáveis com Milena. O que é no mínimo irônico, uma vez que tudo isso
começou com ela sendo a devedora. A vida é mesmo uma vadia caprichosa.

— Eu quero negociar — digo e ela inclina a cabeça para o lado, pensativa.

— Outra? — Sorrio ao pensar no que tenho em mente para a negociação que


fizemos há alguns dias.

— Sim, outra.

— Estou ouvindo.

— Eu tenho um presente.

— Se você quer algo em troca, então não é um presente! É

escambo!

— Escambo? — Gargalho com a palavra usada por ela. Milena mantém as


sobrancelhas erguidas em uma postura de confronto e eu não resisto, beijo
sua boca gostosa outra vez. — O que eu quero, vale muito menos do que o
presente, então não pode ser considerado escambo. E eu vou te dar o que
tenho de qualquer forma. — Seus olhos se estreitam, desconfiados.

— O que você quer?

— Almoçar em um restaurante que não seja o Capparellos, pelo amor de


Deus! — Faço minha demanda e agora é ela quem gargalha.

— Quem te ouve falar, acha que eu nunca vou a qualquer outro lugar. — A
diversão em meu rosto é substituída por desafio e a pergunta fica estampada
nele “Sério?!” porque ela nunca vai. — Eu vou a outros restaurantes! —
protesta e eu mantenho a mesmíssima expressão.

— Quando? — Sua boca se abre e passa pelo menos cinco segundos aberta
antes de ser fechada sem que eu tenha recebido uma resposta.
— Eu vou! — responde por fim e faz um bico que me desafia a contrariá-la
mais uma vez. Rindo como um idiota, acaricio sua bochecha antes de roçar o
nariz em sua pele e concordar, mesmo que não seja verdade.

— Vai sim. — A satisfação em seu rosto não esconde que ela sabe que estou
mentindo, mas ficou feliz do mesmo jeito.

— Hoje, por exemplo — afirma e é impossível não rir alto.

Cretina! — Agora, me dê meu presente! — Ergue as palmas das mãos entre


nós. Olhos brilhantes e cheios de expectativas estão fixos em mim quando
balança a cabeça para um lado e para o outro.

Estendo a mão até minha mesa e arrasto um pequeno envelope branco pela
superfície até entregá-lo para ela. Milena franze as sobrancelhas.

— Papel? Meu presente é de papel? — pensa em voz alta.

Reviro os olhos e dou um passo para trás, cruzando os braços.

— Abre, Milena. — Ela dá de ombros e levanta a aba. Olha dentro do


envelope, mas não acha nada interessante, então tira os dois pequenos tickets
de lá.

Ver a transformação em seu rosto é muito melhor do que eu imaginei que


seria. Ela vai do estranhamento à euforia em questão de segundos. A testa
franzida se estica antes de seus olhos piscarem várias vezes até pararem,
completamente arregalados e sua boca se abrir. Milena aproxima os dois
papéis pequenos dos olhos, como se precisasse ver melhor, antes de erguê-
los, marejados, para mim e abaixá-los outra vez para o papel.

— I-i — começa, olhando-me outra vez, mas gagueja e abaixa os olhos para
as mãos, para os objetos nelas. Sua garganta engole duramente e Milena
sopra uma expiração. Não consigo parar de sorrir. — São de verdade? — A
pergunta sai num fio de voz e suas mãos seguram os ingressos com tanta
força, que me preocupo que ela os rasgue sem querer.

Não que isso me importe, eu compraria todos os ingressos do show, eu


compraria a porra do Harry Styles se isso tornasse o tipo de felicidade que
está estampado em seu rosto, algo permanente.

De repente, Milena é só a garota frágil, sempre muito disposta, sempre muito


necessária para fazer as vontades dos outros, mas que nunca teve alguém que
pudesse fazer as suas. Essa compreensão me atinge num ponto muito
específico, promovendo a constante vontade de cuidar de Milena em
necessidade e isso sequer me espanta.

— Isso é impossível! Eles estão esgotados há meses! Eu... Eu...

— tenta argumentar, mas, outra vez, as palavras faltam.

— É claro que eles são de verdade — digo devagar, entendo que sua
pergunta não é desconfiança. — Nada é realmente impossível quando se está
motivado. — Desfaço a curta distância que coloquei entre nós ao lhe dar
espaço para abrir o envelope e toco sua bochecha. A pele é quente sob meus
dedos e quero colocar minha boca ali, mas me concentro em seus olhos.

— Motivado? — Milena parece ainda não ter entendido.

— Você disse que gostava da banda, ela acabou, mas um dos integrantes está
prestes a fazer um show aqui em São Paulo... —

Pauso quando ela pisca, as lágrimas não derramadas se acumulando. — Sua


coleção precisava começar. — As últimas palavras são ditas num sussurro.
Não quero violar este momento.

Há algo na maneira como Milena está me olhando que eu não posso perder,
não posso sequer correr o risco de mudar. Pelo contrário, preciso cultivar.
Não importa o que seja necessário.

— Tem dois ingressos — diz, por fim, e agora eu roço meus lábios nos seus.

— É — faço uma pausa sem conseguir impedir um sorrisinho —, preciso


descobrir o que faz você manter aqueles pôsteres na parede... — sussurro e
Milena sorri fraco, ainda emocionada. Ela morde o lábio antes de umedecê-
lo.
— Obrigada, Bruno. Eu... — Suspira e abaixa a cabeça, tentando assumir o
controle das próprias emoções e acho que consegue, porque quando seu
rosto se ergue, ele ostenta um sorriso capaz de competir com a produção de
energia de uma usina hidrelétrica inteira. — Obrigada! — repete, agora, com
a voz um pouco mais forte e eu não me contenho. Ensaio uma reverência
antes de lhe responder.

— Disponha. — Ela ri frouxo, apesar de menos emocionada, ainda


parecendo incrédula e suas próximas palavras confirmam minhas suspeitas.

— Eu vou ao show do Harry Styles! — exclama em voz alta para si mesma.


— Eu vou ao show do Harry Styles! — repete e, dessa vez, a voz sai um
pouco mais aguda. — EU VOU AO SHOW DO

HARRY STYLES! — Agora, Milena grita e começa a dar pulinhos,


finalmente, esbanjando a euforia que havia sido soterrada pela emoção.

Enquanto a vejo pular e fazer dancinhas toscas e extremamente


constrangedoras, me pergunto se hoje à noite é cedo demais para lhe dar
outro par de ingressos.

Eu vou ao show do Harry Styles!

Eu vou ao show do Harry Styles!

Eu vou ao show do Harry Styles!

Atravessando à rua, a caminho da autoescola, dois dias depois de ter


recebido os ingressos como presente, continuo repetindo as palavras na
tentativa de torná-las mais críveis. Ao mesmo tempo, me esforço para
manter afastada a sensação morna que parece determinada a se apossar do
meu coração a cada vez que penso no evento. É uma tarefa extremamente
ingrata e contraditória.

Bruno não deveria fazer esse tipo de coisa, é muito para lidar sem que a
minha cabeça exploda em um milhão de perguntas. Há tempos já admiti para
mim mesma que esperar que sua companhia não passasse disso foi tolice.
Ignorar a atração que sempre senti era impossível, principalmente ao
descobrir que ela era retribuída, mas com isso foi fácil de me conformar.

No entanto, há uma linha que eu não deveria cruzar e, a cada vez que Bruno
age como se não se importasse com sua existência, é impossível não me
perguntar por que eu deveria. E, em todas elas, preciso me convencer com a
mesma resposta.

Sair de um acordo para uma relação de sexo casual é aceitável, mas deixar
que meu coração estúpido promova o desejo, a paixão é estupidez, pura e
simples. Mesmo que Bruno pareça particularmente empenhado a provar o
contrário, é só isso! Ilusão!

Não importa se ele foi à minha casa e sentou com a minha família e aquele,
de alguma maneira pareceu ser o seu lugar. Não importa se ele ajudou meu
irmão em um projeto escolar no qual ele não tinha nenhum tipo de
responsabilidade. Não importa se cada vez que sua boca toca a minha, me
afastar parece um suplício.

Não importa se todas as vezes que estamos na cama, na parede, no chão, no


chuveiro ou em qualquer outro lugar, não sejamos capazes de resistir um ao
outro e isso, mais do que qualquer outra coisa, não apenas pareça certo, mas
seja certo de todas as formas que há para ser. Não importa. Preciso me
apegar às suas palavras, não àquilo que eu acho que seus gestos possam
significar.

Mesmo que o gesto em questão seja a porra do show do Harry Styles! Pelo
amor de Deus!

A Milena adolescente dentro de mim está em surto. Quantas vezes imaginei


o Liam cantando enquanto olhava no fundo dos meus olhos? Ou, que eu
seria uma expectadora sortuda num show dos meninos e eles me chamariam
ao palco enquanto cantavam ao meu redor?

Quantas vezes, mesmo depois de adulta, desejei ir a uma apresentação do


Harry? Mas isso nunca chegou a ser nem mesmo uma possibilidade remota!
O ingresso era caro demais, conseguir comprar demandava tempo demais,
tudo era demais e por muito tempo eu não tive sequer o suficiente.

Não acho que Bruno faça alguma ideia do significado que seu gesto teve
para mim, do impacto do seu olhar, de como ele parecia me dizer que
entendia que as minhas lágrimas eram mais do que alegria ou gratidão. Eram
desejo de que se minhas fantasias com o One Direction de alguma forma se
tornaram realidade, outras também pudessem.

Apego-me a essa certeza, que seu cuidado constante, seus olhares e cada
uma das vezes que ele mencionou um futuro de maneira despretensiosa ao
usar as palavras “sempre”, “para

sempre”, ou fazendo qualquer referência ao tempo além dos três meses que
temos, não quis dizer nada.

E mesmo que em todas elas eu tenha tido vontade de perguntar se ele estava
falando sério ou o alertar sobre não fazer promessas que não tem a intenção
de cumprir, eu não fiz. Não queria ouvir um não. Ainda temos um mês e
meio pela frente, eu não posso estragar tudo agora. Há coisas demais em
jogo e meu coração é a menos importante delas.

As imagens são tão claras em minha mente que poderiam ser fotografias ao
invés de meros desejos: minha mãe saudável, vivendo novas experiências,
voltando a trabalhar, talvez, até mesmo, se apaixonando de novo. Gabriel se
formando na escola, depois, na faculdade e então conquistando tudo o que
desejar. Eu quero tudo pra eles e é nisso que preciso me focar.

Paro na faixa de pedestres, conferindo os dois sentidos da avenida larga


antes de atravessar até a autoescola, do outro lado da rua, e me espanto ao
me dar conta de que caminhei cinco quarteirões sem perceber, enquanto
viajava em meus próprios pensamentos. Misericórdia, Milena. Balanço a
cabeça de um lado para o outro, espantando-os.
No entanto, a alternativa não é muito melhor. Apenas olhar para as imensas
janelas de vidro sob o letreiro azul e vermelho do centro de instrução para
motoristas faz meus ombros caírem com a perspectiva do que tenho pela
frente: duas horas e vinte daquele bendito instrutor falando sem parar da
própria vida e nunca do que realmente me interessa.

Exceto que não, porque um segundo depois desse pensamento, eu ouço o


barulho alto, depois, sinto a dor se espalhando por cada centímetro de mim e
abro a boca para gritar, mas antes que eu possa entender o motivo, o mundo
apaga.

Reuniões de conselhos são sempre exaustivas, mas também são um mal


necessário quando se tem uma quantidade razoável de ações em diferentes
empresas de diferentes tamanhos. O Grupo editorial Govêa não seria uma
escolha minha. O mercado editorial é volátil em muito sentidos e, embora
seja lucrativo, há negócios que são mais.

No entanto, a amizade do meu pai com Mauricio Govêa me precede, assim


como a parceria de negócios dos dois. Portanto, mesmo com o afastamento
do meu pai, quando o assunto é essa empresa em particular, a mim, cabe
apenas manter as coisas exatamente como sempre foram, com exceção da
conta de investimentos que o grupo mantém à cargo da Magalhães Capital.
A essa, meu trabalho é fazer crescer.

— O crescimento do fundo de previdência privado foi além da margem


esperada. — João Pedro, atual CEO da empresa, filho de Maurício Govêa, e
meu desafeto particular, reconhece com seu ar arrogante de sempre. Eu ainda
não suporto esse cara, mas ultimamente a sensação de que lhe devo um
pedido de desculpas, à sua esposa principalmente, tem se intensificado. —
Perspectivas futuras? — questiona.

— Um crescimento de trinta porcento no próximo trimestre, cento e


cinquenta nos próximos doze meses — respondo e suas sobrancelhas se
erguem, surpresas. É babaca! Eu sou muito bom no meu trabalho.

É o que minha expressão lhe diz, mesmo que minha boca permaneça
fechada. Sua garganta arranha em desdém, antes que ele passe para o
próximo tópico, já que não pode me contrariar.
— Com licença, senhores. — A esposa de João Pedro, que curiosamente
também é sua secretária, interrompe a reunião e ele ergue o olhar para ela.
Seus cabelos escuros estão presos em um coque que deixa seus olhos muito
azuis e muito claros quase gritando.

A impressão de que devo desculpas aos dois se transforma em certeza


quando vejo a preocupação no olhar que trocam por apenas dois segundos.
Porra! Passo as mãos pelos cabelos, perguntando-me quando foi que eu
comecei a me importar com esse tipo de coisa.

— Senhor Magalhães? — Sou surpreendido pela voz da mulher que não


deveria querer olhar na minha cara, chamando-me. Fui um filho da puta com
ela, eu sei disso e seu marido merecia, ela não. — O

senhor tem uma ligação. — Franzo o cenho. Por que caralhos alguém me
ligaria aqui? — É urgente — completa. Levanto-me da mesa e assim que
passo pela porta, ela me segue.

— Onde posso atender?

— O telefone da sala ao lado está pronto para você. — Seu tom e postura
são profissionais e eu apenas balanço a cabeça, mas assim que me viro,
percebo que isso não é algo que eu possa esperar mais para fazer.

— Eliza — chamo e ela para de andar, alguns passos à minha frente. Ao se


virar, seu corpo está rígido e eu acho que poucas coisas já me fizeram sentir
tão mal quanto a percepção do tamanho do desconforto que minha presença
causa à mulher.

— Sim? Você precisa de alguma coisa? — Inclino a cabeça, impressionado


com o fato de ela ainda estar aqui e decido que não preciso obrigá-la a passar
por isso por mais tempo do que o necessário.

— Eu sinto muito. Eu te devo um pedido de desculpas. — Suas sobrancelhas


se franzem, demonstrando surpresa. — O que eu fiz foi injustificável e eu
não espero que você de fato me desculpe, mas eu gostaria que você soubesse
que eu sinto muito. De verdade. — Os olhos azuis piscam várias vezes e é a
vez dela de inclinar a cabeça, estudando-me.
— Algum problema aqui? — A voz de João Pedro logo depois do som da
porta da sala de reuniões sendo aberta me faz abaixar a cabeça e sorrir, não
porque eu acho graça, mas porque agora, eu simplesmente entendo. Ergo o
olhar logo em seguida, aguardando à resposta de Eliza, porque sei que
independente do que eu diga, serão as palavras dela a terem importância.

— Não. Está tudo bem — diz, por fim, mas os olhos do marido se mantêm
fixos nos dela e, outra vez, eu entendo sua busca por

qualquer sinal de que ela esteja mentindo e eu não tenho a menor dúvida de
que se ele encontrasse, pouco se importaria por estarmos em um dos
corredores da sua própria empresa, ou por ter interrompido uma reunião para
isso, João Pedro começaria uma briga aqui mesmo.

Ele assente antes de me dirigir um olhar significativo e dessa vez, não reajo
da maneira de costume. Aceito o recado silencioso que é dado e o homem
retorna à sua reunião.

— Obrigado por isso — digo à Eliza.

— Por dizer a verdade? — Sua testa se franze.

— Sim. — Ela recua a cabeça, como se não entendesse porque eu me


preocuparia com o contrário e eu tenho vontade de rir ao pensar em Milena.

Eu tenho certeza de que ela numa situação parecida, ela não apenas
entenderia o porquê mentir faria sentido, como, apesar de sua relutância
constante em fazer isso, num caso específico como esse, ela cogitaria. Por
fim, Eliza balança à cabeça, desistindo de me entender.

— Considere-se desculpado — diz, inclina a cabeça para baixo suavemente


e me dá as costas. É mais do que eu poderia desejar.

— O mercado financeiro entrou em colapso nos últimos quarenta minutos,


Raquel? — brinco com minha secretária sobre o motivo de ela ter me tirado
da reunião.

— Não, Bruno. Você recebeu uma ligação urgente, não dava pra esperar.

— O que houve?

— A dona Daise, mãe do Gabriel, o estagiário novo, ligou — avisa e eu


franzo o cenho. — Ela disse que tentou falar com você no seu

celular, eu expliquei que ele deveria estar desligado por você estar em uma
reunião e...

— Ela está bem? — interrompo, começando a ficar preocupado.

— Está... — Raquel faz uma pausa e agora eu estou realmente preocupado.


— Parece que a filha dela sofreu um...

— O quê? — As palavras estão no mundo sem a necessidade de um


empurrão.

— Ela estava indo para o hospital, mas não queria contar pro Gabriel ainda,
eu...

— Qual hospital, Raquel?

— Mário terceiro, no Itaim.

— Quando você falou com ela?

— Há cinco minutos. Ela estava muito nervosa, Bruno. O hospital entrou em


contato e ela estava sozinha em casa, disse que ia pegar um táxi. Eu nem sei
o que exatamente aconteceu.

— Porra! Porra! Porra! — Os xingamentos saem em gritos e eu passo as


mãos pelos cabelos tentando me lembrar de como raciocinar. — Raquel, eu
preciso saber o que aconteceu! Eu —
expulso o ar dos pulmões, organizando as palavras em minha cabeça

—, vai pra lá agora, eu tô longe e nem fodendo vou conseguir atravessar a


cidade na velocidade necessária. Você vai chegar antes de mim. Vai e me
avisa!

Não consigo manter os pés parados enquanto o elevador faz seu caminho até
o andar de traumas do hospital em uma velocidade que não pode ser
considerada nada além de fodida, de tão lenta. Solto o ar pelo nariz com
força e aguardo alguns segundos antes de reabastecer meus pulmões com ar.

Atropelada. Milena foi atropelada enquanto atravessava a rua na faixa de


pedestres e todo o meu corpo parece dormente desde que fui informado do
que realmente aconteceu. Derrubo a cabeça para trás, focando na luz amarela
do elevador enquanto tento encontrar algum controle dentro de mim mesmo
e agradeço silenciosamente por estar sozinho.

Ainda não há notícias sobre seu estado de saúde. Tudo o que se sabe é que
ela chegou desacordada, que está sendo examinada e que o filho da puta do
motorista prestou socorro. Estou tentando concentrar toda a minha energia
nesse infeliz em particular, porque todas as vezes que me permiti me
perguntar “E se?” a sensação foi a de que era eu quem estava sendo
atropelado, repetidamente, e por um caminhão.

Milena é jovem, saudável, forte. Vai ficar bem. Ela vai. Repito as palavras
em silêncio mais uma vez, como um mantra. Seu sorriso toma minha mente
de assalto e eu fecho os olhos não sabendo como lidar com o tumulto em
meu peito. Ela... Ela... Sopro o ar pela boca novamente e volto a me
concentrar no motorista, enumerando, mentalmente, as providências que
tomei.

1) Já mandei um advogado até a delegacia onde o atropelamento foi


registrado.

2) Já mandei um investigador ao local do acidente para procurar


testemunhas.

3) Já mandei que os comércios locais fossem vasculhados atrás de filmagens


de segurança.
Se depender de mim, ele vai apodrecer na cadeia.

A cabeça loira de Raquel é a primeira coisa que vejo no instante em que as


portas do elevador se abrem e, atenta ao seu redor, os olhos de minha
secretária se viram para mim quase imediatamente. O

cheiro antisséptico do hospital perturba meu nariz conforme caminho em sua


direção.

Ao lado de Raquel, dona Daise tem os olhos inchados e o rosto vermelho.


Assim que me vê, levanta-se da poltrona em que estava sentada. Ela se
contém, aproximando-se de mim controlada, no

entanto, basta que eu a abrace para que ela desmonte. Daise chora
copiosamente e eu a ouço. Não faço ideia de qual é a sensação para uma mãe
de receber a notícia de que seu filho sofreu um acidente, de precisar esperar
por notícias, de permanecer na incerteza.

Contudo, sei qual é a sensação do medo de que algo grave ou irreversível


tenha acontecido com Milena, mesmo que eu sinta como se não estivesse
lidando com ela. A única coisa que reconheço é um medo tão visceral, tão
potente, que não me deixa pensar em mais nada, desejar mais nada, além de
ouvir três palavras dentro dos próximos trinta segundos: “Ela está bem.”

Mas isso não acontece.

Pelas próximas duas horas, nós aguardamos em um silêncio, ocasionalmente


quebrado pelo choro de dona Daise recomeçando e, todas as vezes em que
isso acontece, eu me levanto e a abraço, mas não tenho a capacidade de lhe
dizer que vai ficar tudo bem. A verdade é que há em mim um pavor
indescritível de dizer, de acreditar nas palavras, apenas para descobri-las
falsas quando o médico finalmente passar pela porta da sala de espera sóbria
com suas paredes e piso cinzas.

Um ambiente projetado para evocar calma e, ainda assim, aqui estou eu, com
a barriga gelada, as palmas das mãos suadas e empenhando todo o esforço
que há em mim em não movimentar meus pés, sentindo como se um botão
de abafar o som tivesse sido acionado em algum lugar do meu cérebro.
Raquel foi embora com a missão de manter Gabriel na Magalhães por tanto
tempo quanto for possível. Dona Daise tem a esperança de que quando o
momento inevitável chegar, teremos mais a dizer a ele do que “Sua irmã
sobre um acidente e não sabemos como ela está.”

— Milena Garcia — uma enfermeira entra na sala e chama, colocando meu


corpo de pé sem que eu precise comandá-lo. Sua voz o fez. Dona Daise volta
a chorar imediatamente e sou eu quem se dirige à enfermeira para nos
identificar.

— Nós. — Ela me dá um sorriso profissional antes de acenar para a porta.

— O médico vai conversar com vocês lá fora.

Fora da sala, um homem alto, de pele castanha, olhos, cabelos e barba


escuros nos aguarda segurando um tablet. Ele estende a mão assim que nos
avista.

— Boa tarde, eu sou Júlio. Fui eu quem recebeu a Milena quando a


ambulância chegou. A senhora é mãe, certo? — pergunta à dona Daise,
depois de cumprimentar a nós dois e ela assente.

— Vamos ao que interessa, certo? Milena está estável. — Preciso forçar


minha atenção a se manter focada nas palavras que estão sendo ditas. Porque
primeiro instinto do meu corpo é se escorar contra alguma superfície e
simplesmente desmontar de alívio. — O

atropelamento foi de baixa velocidade, mas de alto impacto. Milena sofreu


uma hemorragia interna causada pelo rompimento do baço e um
traumatismo craniano leve. — O choro de dona Daise se torna um pouco
menos controlado a cada palavra e eu passo meu braço por seus ombros,
tentando oferecer algum conforto. — Ela está recebendo uma transfusão de
sangue agora. Nós vamos precisar mantê-la em coma induzido pelas
próximas quarenta e oito horas para acompanhar se haverá inchaço no
cérebro e mesmo depois de acordar, ela vai precisar ser mantida aqui por
algum tempo antes de poder ser mandada para casa.

— Mas ela vai pra casa, certo? Minha filha vai voltar pra casa, doutor? — A
voz de Daise é um mistura de dor e alívio palpáveis.

— Se o quadro se mantiver estável, em breve. — Não é uma promessa, mas


é uma esperança, uma boa, que percebo ser tudo do que a mãe de Milena
estava em busca.

— Como ela está? — Arthur me abraça e, pelo tempo que o abraço dura, o
peso em meus ombros parece estar sendo dividido com mais alguém.

Não me lembro de em algum outro momento da minha vida ter me sentido


tão impotente. Comer, dormir e até mesmo raciocinar se tornaram coisas
senão impossíveis, secundárias, à minha espera para que ela abra os olhos.

Arthur, Heitor, Conrado e Pedro estiveram aqui apenas algumas horas depois
do parecer médico de Milena e têm se revezado para me fazer companhia
desde então. Eles assumiram todas as responsabilidades. Resolveram minha
agenda com Raquel, me trazem roupas e, quando acham que estou passando
dos limites, até me obrigam a engolir alguma coisa além de café.

— Estável — respondo ao me sentar em uma das cadeiras na cafeteria e meu


amigo espelha meu gesto.

— E como você está?

— Eu não sei — respondo a essa pergunta com mais do que um balançar de


cabeça pela primeira vez desde que tudo aconteceu. —

Eu esperava me sentir triste, preocupado, mas eu não esperava o pavor que


eu senti enquanto o médico não disse que ela estava bem.

Eu... Parecia que... — Ergo as sobrancelhas, estranhando a sensação de estar


perdido dessa maneira. Eu simplesmente não sei.

Arthur assente e cruza os braços na frente do corpo. Meus olhos vão e


voltam, subindo e descendo pelas paredes, pessoas, cadeiras e portas, mas
não se fixam em lugar algum.

— Que você não conseguia respirar... Como se todo o seu corpo estivesse
em espera pra decidir o que faria quando recebesse a notícia que mudaria
tudo. — É a minha vez de assentir.

— Quão fodido eu estou? — As palavras não precisavam ter sido ditas em


voz alta, porque era uma pergunta retórica. Ainda assim, recebo uma
resposta.

— Fodido pra caralho... — diz antes de arranhar a garganta. — Já tiraram os


sedativos?

— Já. — Enfatizo com um aceno de cabeça. — Ela deve acordar nas


próximas horas. — Porra, ela precisa! Realmente precisa. — Quer dizer, ela
po...

— Ela vai! — Não me deixa terminar o pensamento e eu finalmente me


obrigo a focar em alguma coisa, no rosto do meu amigo.

— Ela vai!

Como tantas vezes nas últimas semanas e, ainda assim, extremamente


diferente, observo o corpo pequeno de Milena deitado na cama. Seu peito
sobe e desce em movimentos lentos e ritmados confirmados pelo monitor
cardíaco ao seu lado em um bip-bip incessante.

Estamos sozinhos.

Daise foi convencida a muito custo de que, pelo menos durante as


madrugadas, precisava ir para casa descansar. O único argumento que
realmente funcionou foi dizer que se Milena acordasse e ela estivesse
hospitalizada, o que era um risco real caso ela levasse o próprio corpo ao
limite, dada a sua condição médica, isso não faria bem a nenhuma das duas.
Assim, entramos num acordo. Às 23h ela vai para casa e às 7h retorna,
trazida por Davi. Eu nunca vou. Não consigo. Tentaram fazer um acordo
comigo também, mas ninguém tem qualquer coisa que valha a pena
negociar.

Levanto-me da poltrona em que estou sentado, caminho até a lateral da sua


cama e pego sua mão pequena. Acaricio levemente sua bochecha
machucada. Há dois hematomas em seu rosto, um do lado esquerdo, na maçã
e o outro na testa. Além disso, ela tem alguns

arranhões e outras marcas roxas pelo corpo, mas nada realmente


preocupante, que pudesse infeccionar, por exemplo.

Felizmente, como o médico disse, o maldito carro estava em baixa


velocidade. Os maiores problemas foram o impacto com seu abdômen, que
ocasionou a ruptura do baço o desmaio provocado por ela, acabou fazendo
com que Milena batesse a cabeça, provocando o traumatismo.

Felizmente, não houve inchaço no cérebro e, assim que ela acordar, teremos
certeza de que não há nenhuma sequela. Seus exames estão limpos. Toco
minha testa na sua de leve, sentindo o coração bater acelerado apenas com a
proximidade do seu cheiro que, mesmo as roupas de cama e o ambiente
hospitalares não foram capazes de apagar.

— Acorda, Milena. Volta pra mim, meu bem — peço, pela primeira vez,
dando voz aos meus pensamentos, mas ela não volta.

É mais uma longa, muito longa, noite.

Alguém está puxando minha pálpebra para cima.

Nossa! Que dor de cabeça!

Nossa! Que dor na barriga!


Nossa! Que dor no corpo inteiro! Parece que eu fui atropelada!

Por que raios, Gabriel está puxando minhas pálpebras pra cima?

Será que eu caí da cama e ele acha que eu estou morta?

Percebo que fiz todas essas perguntas enquanto me arrastava para fora da
inconsciência quando finalmente desperto. Não recomendo.

A dor que achei estar sentindo antes de finalmente acordar não é páreo para
a que eu estou sentindo de verdade. Mal consigo me concentrar nas vozes ao
meu redor. Gemo, sem conseguir me conter, ao tentar me mexer e ser
atingida por um número infinito de agulhas, todas espetando meu corpo ao
mesmo tempo. Puta merda!

Concentrada na dor, não percebo que as vozes se calaram até que eu tenha
me convencido a ficar quieta o suficiente para as agulhas pararem de me
incomodar. Tenho medo até mesmo de respirar com muita força, mas a
sensação de estar sendo observada me obriga a abrir os olhos e, quando o
faço, franzo as sobrancelhas.

Este não é o meu quarto e eu, definitivamente, não estou no chão.

O que está acontecendo aqui?

— Essa cadeira de rodas é totalmente desnecessária! —

resmungo, três dias depois de ter acordado, quando recebo alta.

Graças a Deus!

Foram apenas cinco dias de internação, dois deles, passei desacordada, e,


ainda assim, Bruno e minha mãe estão me tratando

como uma pessoa doente. Imagina o que fariam se isso tivesse durado mais
tempo?

Aparentemente, o acidente os levou a formar uma aliança que não é


inesperada, dada a relação que conseguiram desenvolver em um curto
período de tempo que, na verdade, envolveu apenas um encontro. Dois se
contarmos com a apresentação escolar de Gabriel.

E eu entendo a preocupação e superproteção da minha mãe. Deus e eu


sabemos o quão desesperador foi quando a situação era a inversa. Quando
foi ela a precisar de cuidados médicos, houve momentos em que achei que
enlouqueceria de tanto pavor, mas havia motivos para isso. Seu médico usou
a palavra que começa com M, enquanto, que eu saiba, o meu nunca definiu
meu estado de saúde como nada menos do que estável.

Ou seja, não há justificativa para que a cada vez que eu me mexia na cama,
ela ou Bruno corressem para me ajudar a me mexer. Quem no mundo precisa
de ajuda para se mexer? Doía? Feito o inferno!

Ainda dói, na verdade e, de acordo com o médico, vai continuar doendo por
um bom tempo. Mas não vejo como a ajuda deles poderia mudar isso.

— Unhum... — é a única resposta que recebo de Bruno, empurrando a


cadeira em questão e minha mãe sequer se dá ao trabalho de me responder.
Graças a Deus eu só vou precisar aturar um deles enquanto estiver me
recuperando em casa.

Estou tentando controlar minhas caras e bocas e não reclamar da


preocupação excessiva, porque eu entendo. Eu realmente entendo, mas não
está nada fácil. O médico disse que eu estou bem. Não houve necessidade de
cirurgia e, se eu me comportar, fizer o repouso absoluto e seguir a dieta
recomendada, em duas semanas, estarei nova em folha.

Ainda não acredito que fui atropelada. Apesar das dores que insistem em
marcar o evento como verdadeiro, a situação ainda é toda muito surreal.
Lembro-me de estar distraída, mas eu olhei para os dois lados antes de
atravessar.

É claro que isso não faria qualquer diferença. Eu poderia ter olhado, poderia
não ter olhado, poderia atravessar a rua dando estrelinhas ou com os olhos
vendados. Nada teria mudado o fato de que o motorista que me atropelou
dormiu ao volante.
Camilo Rodrigues, um vigilante que tinha acabado de sair de um longo turno
noturno e, sem se dar conta, fechou os olhos e dormiu enquanto dirigia. Foi
o choque do meu corpo contra a lataria do seu carro que o despertou.

— Devagar. — Bruno me oferece a mão para me ajudar a me levantar da


cadeira assim que alcançamos o estacionamento. É

preciso um esforço genuíno para evitar o revirar dos meus olhos quando
percebo sua expressão de preocupação exagerada, como se o fato de eu me
levantar oferecesse um risco real à minha vida.

É estranho tê-lo agindo dessa forma. Não estranho de um jeito ruim, mas de
um jeito extremamente surpreendente. Ainda estou tentando descobrir como
encaixar seu comportamento na lista mental que eu fazia segundos antes de o
acidente acontecer.

Bruno não deixou o hospital por nenhum dia desde que acordei e, pelo que
eu soube, nenhum dia antes disso também. O homem enorme dormiu em
uma poltrona nas últimas cinco noites, guardando meu sono e, durante todo
o tempo em que estive acordada, ele também estava lá, certificando-se de
que nada me faltasse.

E sua atenção não foi a única inesperada. Hoje pela manhã meu quarto já
estava parecendo uma floricultura, tantos foram os buquês enviados pelos
rapazes. Todos eles vieram me visitar no dia seguinte ao que acordei e
embora ainda estivesse com a mente um pouco confusa por causa dos
remédios e tenha dormido no meio da visita, foi divertido, como sempre é,
testemunhar a relação deles com Bruno.

Na primeira oportunidade que teve de ficar sozinha comigo, minha mãe me


perguntou se eu tinha certeza sobre nenhum deles ter um pai solteiro e eu dei
minha primeira gargalhada depois de acordar, mesmo que isso não fosse
recomendado.
Assim que me levanto, os olhos azuis de Bruno vasculham meu rosto antes
de se fecharem brevemente e ele puxar uma inspiração profunda com o nariz
perto dos meus cabelos. Ele tem feito isso com frequência nos últimos dias e
cada vez que chega tão perto, a saudade da sua boca ergue um cartaz,
ricamente decorado com glitter e fitas coloridas onde se lê “Me beija,
Bruno!”, em meus pensamentos.

Enquanto estou distraída com seu olhar, minha mãe pega minha outra mão,
arrancando-me das minhas divagações. Juntos, os dois me ajudam a entrar
no SUV.

— Aonde a senhora vai? — questiono quando minha mãe está prestes a


fechar a porta.

— Eu vou na frente com o Bruno. — Olho para os bancos dianteiros do


carro, só então me dando conta de que Davi não está lá.

Bruno vai dirigir? — Você precisa de espaço para ir confortável.

— Mãe — chamo com toda paciência do mundo, mas é impossível conter a


risadinha que me escapa. — Cabem cinco pessoas confortavelmente aqui. —
Aponto o óbvio e ela pondera, analisando cuidadosamente o espaço ao meu
redor para se certificar de que eu estou certa. Na tentativa de conter a
gargalhada que está prestes a explodir, levo as mãos ao rosto e o esfrego,
esquecendo que ainda há alguns pontos doloridos nele e me arrependendo
disso imediatamente quando a pontada aguda me atinge. — Merda!

— Milena! — Meu nome é dito, ao mesmo tempo, por duas vozes


completamente diferentes, uma de cada lado da minha cabeça. Ao abrir os
olhos que a dor súbita me levou a fechar, encontro dona Daise e Bruno, um
em cada porta traseira do carro, observando-me como se eu fosse um filhote
que esteve prestes a rolar escada abaixo.

— Quer água? Você não pode beber muita, mas já faz mais de trinta minutos
desde a última vez — é uma das milhares perguntas que minha mãe faz num
intervalo de trinta minutos.

Chegamos em casa, eu fui devidamente instalada em meu quarto


— em minha cama — Gabriel foi repreendido ao tentar me abraçar, eu olhei
para dona Daise de cara feia, ela ignorou minha indignação e, desde então,
estão todos atentos a mim como se qualquer momento de distração pudesse
ocasionar minha morte.

— Acho que estou cansada — decido. Eu não estou. Na verdade,


considerando que eu não posso sequer me mexer sozinha, é impossível que
eu esteja cansada, mas como imaginei, isso surte o efeito desejado. Deixa
minha mãe feliz e me dá a chance de finalmente respirar sozinha.

Verdade seja dita, eu até estou cansada, mas de me sentir sufocada, mas eu
entendo a super-reação e, por isso, não vou reclamar dela. Enquanto minha
mãe se movimenta para deixar o quarto e obriga Gabriel a fazer o mesmo,
Bruno me observa com olhos estreitados.

— Vou ficar, caso você precise de alguma coisa — fala baixo e é óbvio que
minha progenitora não se opõe. Coço a sobrancelha. Lá se vai meu momento
de paz.

Minha mãe se aproxima, deixando um beijo em minha bochecha, alertando


de que, caso eu precise de alguma coisa, é só chamá-la e que em breve
voltará para me checar. Gabriel também se despede e quando a porta
finalmente se fecha, eu encosto a cabeça na cabeceira e fecho os olhos.

— Você é uma péssima paciente. — A voz é baixa e o tom passa longe da


diversão. Ele está falando sério. Pelo amor de Deus! Abaixo a cabeça e abro
os olhos.

— Vocês estão exagerando! — digo para ele o que não direi à minha mãe.

— Você ficou em coma, Milena. — Ele apoia as mãos na cintura, parecendo


irritado e eu nem sei por quê. Recuo a cabeça, não entendendo o
comportamento. Se alguém deveria estar irritada sou eu, e eu não estou.
Cansada? Me sentindo sufocada? Sim, mas irritada? Não. — Por dois
malditos dias! Nós não sabíamos se você ia

acordar! Por dois dias fodidos — faz uma pausa e suas narinas se alargam
quando uma expiração forte passa por elas — nós não tínhamos qualquer
ideia! — A força das suas palavras me faz piscar ao ser, inesperadamente,
atingida por ela.

Não sei o que dizer. Lambo os lábios antes de morder o inferior e Bruno me
dá as costas por alguns segundos. Quando se vira em minha direção
novamente, o que vi antes em seu rosto, já não está mais lá.

— O que você quer fazer? Porque eu tenho certeza de que não está cansada
de verdade. — Seus gestos e rosto sugerem uma piada, mas percebo que em
algum momento, passei a conhecer seu sorriso bem demais para acreditar na
mentira. — O que você acha de assistir a um filme? — Aceito a sugestão
com um aceno. Ele pega o controle da televisão sobre o móvel embaixo dela
e me entrega para que eu escolha.

— Você pode procurar meu celular, por favor? — peço, pensando que,
provavelmente, está descarregado. Não tinha me lembrado dele até agora.

Ao invés disso, Bruno caminha, mais uma vez, até o móvel sob a TV e pega
uma sacola de papel que eu não tinha reparado estar ali.

Ele e a entrega para mim em silêncio e eu franzo as sobrancelhas ao retirar lá


de dentro uma caixinha envolta em um laço de fita.

— Presente de boas-vindas?

— Seu celular quebrou durante o acidente. Ele estava no seu bolso e sofreu o
impacto junto com você. Felizmente, seu corpo era mais resistente. — Suas
últimas palavras atraem minha atenção por completo e isso, à sua
proximidade.

Bruno se senta na beirada da cama, mantendo alguns centímetros de


distância entre seus quadris e minha cintura. Sua mão alcança minha
bochecha, seu toque é suave e eu inclino o rosto, roçando-o em sua palma,
querendo mais da carícia.

Por minutos, nada é dito e mais um daqueles momentos em que eu tenho a


impressão de estar enxergando nos olhos de Bruno um milhão
de coisas, que vou negar depois, acontece. Em minha imaginação, seus olhos
me dizem que, tanto quanto à minha mãe, ele sentiu medo.

Medo pelo que poderia ter me acontecido.

Em minha imaginação, seus olhos me contam que sua presença aqui não é
por amizade ou por qualquer outra coisa que não o fato de ele não se sentir
capaz de ir a lugar algum a mais de dois passos da certeza de que eu estou
bem.

Em minha imaginação, ele me promete que não vai a lugar algum, mesmo
depois que eu já estiver completamente recuperada. E quando seus lábios
tocam os meus, me permito esquecer de que quando eu parar para refletir
sobre esse momento no futuro, direi para mim mesma que tudo não passou
de mera invencionice da minha cabeça.

Pelos instantes em que sua boca me beija com cuidado e um sentimento


inominável, eu me permito acreditar.

— Você precisa dormir — digo, bocejando, quando desperto de mais um


cochilo rápido.

Um filme se transformou em cinco e, por mais, que minha mente esteja tão
bem quanto sempre esteve, meu corpo se sente cansado muito facilmente.
Isso significa que dos cinco, o único filme que assisti inteiro, foi o primeiro.
Os outros foram vistos entre sonecas.

Bruno está encolhido no pequeno sofá em meu quarto e apenas olhar para
sua posição faz minha coluna ter vontade de chorar.

— Você tem razão. — Levanta-se e alonga os braços, esticando-os acima da


cabeça antes de dobrá-los atrás das costas e, por fim, soltá-los ao lado do
corpo.
— O que você está fazendo? — pergunto quando ele tira as poucas
almofadas do sofá e começar a esticar um lençol, que não sei de onde tirou,
sobre o móvel.

— Me preparando pra dormir? — responde sem se virar para mim.

— Espera! O quê? — Não recebo qualquer resposta enquanto ele continua o


trabalho de esticar a roupa de cama. — Bruno! —o chamo pelo nome e
finalmente ganho sua atenção.

Na penumbra do quarto semiapagado, só agora reparo que ele não está com a
mesma roupa de antes. Em algum momento entre meus cochilos, Bruno
tomou banho e se trocou. A lembrança de um dos banhos que tomamos
juntos surge em minha cabeça, fazendo-me morder o lábio e ficar em
silêncio quando deveria estar dizendo as palavras que me fizeram
praticamente gritar seu nome.

— Sim? — estimula e eu pisco, forçando-me de volta ao presente.

— Você não pode dormir aqui! Você precisa ir pra casa!

— Está me expulsando? — A pergunta me pega desprevenida ao me fazer


enxergar que sim, estou, mas meus motivos são nobres.
— Bruno, esse sofá tem metade do seu tamanho!

— Você tem razão — concorda e eu assinto, sem entender como ele pode
não ter percebido isso, afinal, estava encolhido na porcaria do sofá. Era
óbvio que ele não cabia ali.

O homem me dá as costas, puxa o lençol de cima do sofá e estou prestes a


lhe dizer que não precisa se preocupar com isso, quando ele o sacode para
esticar no chão.

— Bruno! — exclamo e a maneira como ele me olha é de um cinismo


tamanho que qualquer pessoa acreditaria que a louca sou eu.

— O que você está fazendo?

— Você tem razão! O sofá é muito pequeno, o chão vai ser mais confortável.

— Por que você não vai pra casa? Eu estou bem, você não precisa ficar aqui.
— Nenhuma palavra deixa sua boca, mas dessa vez eu não tenho qualquer
dúvida daquelas que interpreto em seu olhar quando um sorriso pequeno
domina o canto dos seus lábios: “Eu não vou a lugar algum!”.

Por quê? Eu também gostaria de saber por que a ideia de me afastar de


Milena soa tão absurda. Ela já está em recuperação, está em casa,
confortável, sob os cuidados de sua família.

Eu deveria ir para casa, depois de cinco dias dormindo sentado em uma


poltrona, minha cama deveria parecer mais confortável do que sempre foi, a
ideia de dormir nela deveria parecer a porra do Santo Graal, mas qualquer
lugar mais distante do que alguns metros da menina que me encara com os
olhos cheios de perguntas, neste momento, parece longe demais.

Solto um longo suspiro antes de deixar o lençol que tinha nas mãos em um
amontoado sobre o sofá e cobrir os poucos passos entre a cama e eu. Sento-
me na borda, tomando cuidado de manter alguma distância de Milena para
evitar acidentes.

— Eu não vou deixar você — declaro, porque não tenho como responder à
pergunta que ela fez. Acaricio sua bochecha, o hematoma ali já está bem
mais claro e, como todas as vezes, ela inclina a cabeça na direção do
carinho. — A condição da sua mãe é complicada, Milena. Não é justo
esperar que Gabriel seja responsável por vocês duas. — Dou a explicação
racional que eu sei que é parte da verdade, mas não toda ela.

Se esse de fato fosse todo o motivo para a minha recusa em ir embora, ele
poderia ser facilmente resolvido pela contratação de uma enfermeira, por
exemplo. Seria a decisão mais inteligente, na verdade.

Isso, é claro, se o que estivesse me mantendo aqui fossem as necessidades de


Milena, mas não são.

Minhas razões são egoístas. É a minha necessidade de me assegurar do seu


bem-estar, de que ela está recebendo todos os cuidados que precisa e merece,
que me impede de passar pela porta.

— Você não dorme direito há dias, Bruno.

— Acredite em mim quando eu digo que não vou dormir melhor longe
daqui. — Ela morde o lábio, provavelmente, engolindo a mesma pergunta
que ignorei segundos atrás: “por quê?” e boceja. — Você precisa dormir.

— Se você vai ficar, então deita na cama, não faz o menor sentido dormir no
chão.

— Não posso. Você gosta de dormir abraçada, em algum momento da noite,


iria se aninhar e poderia se machucar. Então ou eu não conseguiria dormir,
preocupado com isso, ou dormiria feito uma pedra, porque realmente estou
cansado, e não poderia fazer nada pra impedir. — Ela vira o rosto
suavemente e deixa um beijo na palma da minha mão.

— Então dorme no sofá da sala, ele é maior — sugere e eu sorrio.

— Eu não vou deixar você.

— Você está sendo teimoso — acusa, bocejando outra vez.

— É um dom. — Ela revira os olhos e eu sorrio. — Dorme, meu bem. Seu


corpo precisa descansar.

— O seu também.

— E vai. Logo depois do seu. — Milena gostaria de protestar, mas depois de


bocejar pela terceira vez, é vencida pelo cansaço e desliza na cama, para se
deitar. Eu a ajudo, tentando minimizar seus esforços e depois volto a me
sentar ao seu lado. Ela adormece segurando a minha mão e aquele quebra-
cabeça, descoberto pouco tempo atrás, parece quase completo agora.

Estou num mercado.

Olho ao meu redor, reparando nas gôndolas cheias e me pergunto quando foi
a última vez que estive em um mercado? Talvez, nunca?

Porra! Eu realmente não me lembro. Em minha mão há uma pequena lista de


três itens que dona Daise insistiu em me dar, mesmo depois de eu ter dito
que sabia o que precisava comprar: cenoura, abóbora e bertalha. Três
ingredientes importantes para o jantar de Milena cuja falta só foi dada na
hora do preparo.

E quando eu disse que pediria num delivery, a mãe de Milena argumentou


que era bobagem, “o mercado era pertinho e eu faria a compra muito mais
rápido do que uma encomenda”.
Coço a nuca, procurando com os olhos a seção de legumes e verduras. Existe
essa seção, certo? Deve existir. No fim do corredor à minha esquerda, vejo
uma enorme placa anunciando o hortifrúti e sorrio. É claro que existe a
seção.

No caminho até ela, passo por um corredor cheio de biscoitos que me lembra
do paladar infantil de Milena, mas ela não pode comer açúcar, então passo
direto, mesmo que hoje mais cedo a mulher estivesse resmungando sobre ser
adulta e dever poder comer o quisesse. Grande adulta ela é.

A cenoura e a abóbora são fáceis de identificar e rapidamente escolho as que


parecem mais bonitas, mas quando chego às verduras, elas simplesmente
parecem todas iguais e eu passo cinco minutos comparando uma imagem
que achei no google com cada uma das que encontro na prateleira antes de
desistir e fazer uma chamada de vídeo para dona Daise.

Enquanto ela me auxilia, ouço a risada de Milena no fundo e faço uma


anotação mental de fazê-la pagar por isso em um momento apropriado.

— Você mandou flores anteontem — reclamo ao abrir a porta do


apartamento de Milena para Arthur e encontrá-lo segurando um imenso
ramalhete de flores amarelas em uma das mãos e uma sacola de papel na
outra.

— Aquelas eram violetas para desejar melhoras, essas são girassóis, pra
trazer alegria.

— E você sabe disso por que...

— Porque eu sou um excelente ouvinte — justifica antes de dar um tapinha


em meu ombro e forçar a passagem para dentro do apartamento sem que eu
tivesse saído totalmente do caminho.

— Oi, dona Daise! Que bom ver a senhora! Já pensou na minha proposta?
— pergunta, oferecendo a ela as flores que tinha nas mãos.
Expulso o ar pelos dentes com um chiado quando a mãe de Milena o abraça
sorridente. Manipulador.

— Tudo bem, meu filho? — ela me pergunta, interpretando errado meu


desdém.

— É só inveja, dona Daise! Não liga pra ele, pensou na minha proposta? —
repete à pergunta, fazendo referência aos galanteios que começaram no
hospital. O cretino sabe como encantar uma mãe, isso é um fato.

— Não seja bobo, Arthur! Já te disse que você é jovem demais pra mim, mas
se você tiver um pai disponível... — Deixa o restante no ar e se desvencilha
do abraço. — E Bruno não tem do que ter inveja, quem beija meus filhos,
minha boca adoça, e até onde eu sei, ele está fazendo isso com ambos,
felizmente, só com um deles a coisa é literal

— comenta, levando Arthur a gargalhar e eu também rio. Mas assim que ela
nos dá as costas, movimento os lábios, sem produzir som algum, mas tendo a
certeza de que Arthur entendeu às palavras. “Se

fodeu, otário!” — Agora vão ver a Milena, ela está começando a se sentir
entediada.

— Controle as piadinhas! — aviso quando estamos no corredor. —

Ela não pode fazer movimentos bruscos, isso inclui gargalhadas.

— Você é fiscal de sorriso agora?

— Estou falando sério! — enfatizo antes de abrir a porta e meu amigo revira
os olhos ao passar por ela.

— Arthur! — Milena desvia o olhar da televisão no instante em que percebe


a porta ser aberta. — Você veio me salvar do tédio? Por favor! Me diz que
você veio me salvar do tédio — choraminga e o babaca faz uma reverência
ensaiada antes de mostrar a ela a sacola de papel que tem nas mãos e que,
agora, me arrependo de não ter dado importância.
— Eu trouxe o banco imobiliário — anuncia e Milena sorri de orelha a
orelha. Perco-me no sorriso por alguns instantes antes de cortar suas asas.

— Nem fodendo ela vai jogar banco imobiliário! — aviso.

— O quê? Por quê? — Ao mesmo tempo, ela murcha e se indigna.

— Sem movimentos bruscos — lembro.

— Mas eu estou sentada. Não preciso sair daqui.

— Além de fiscal de sorrisos você também virou fiscal de felicidade? —


Arthur implica e eu lhe dou um olhar de canto de olho.

— A única coisa que ele não anda fiscalizando esses dias é a minha
paciência — Milena reclama. — Se ele estivesse, saberia que ela está muito
perto do fim.

— Lamento que você sinta assim, mas é pro seu bem. Quando o médico te
liberar, saltamos de paraquedas, se você quiser — digo e suas sobrancelhas
se erguem. Seus olhos se arregalam antes de ela inclinar a cabeça,
estudando-me.

— Você está me enrolando? — pergunta. — Arthur, ele está me enrolando


ou me comprando?

— Eu acho que ele está te comprando enquanto te enrola. — O

filho da puta dá de ombros depois de responder.

— Tudo bem! Eu aceito o salto de paraquedas! Mas por que, em nome de


Deus, eu não posso jogar banco imobiliário? Eu fico imóvel, nem preciso
jogar os dados, deixo que você jogue pra mim.

— Isso seria perfeitamente aceitável, se você não fosse tão competitiva.

— Eu não sou competitiva! — protesta e eu sequer me dou ao trabalho de


responder. Arthur assiste ao nosso embate, movendo a cabeça de um lado
para o outro, o que me lembra de outra coisa.
— Como você fez? — pergunto a ela que imediatamente desvia os olhos,
sabendo exatamente do que eu estou falando.

— O quê? — Ela se faz de desentendida.

— Você me roubou no banco imobiliário, eu quero saber como você fez.

— Eu não faço a menor ideia do que você está falando.

— Sério? Você vai negar descaradamente? Na minha cara?

— Arthur, você faz alguma ideia de sobre o que ele está falando?

— Meu amigo, que está se esforçando bastante para ser destituído deste
posto, nega com a cabeça antes de fazê-lo com as palavras.

— Não... Nenhuma! — O sorrisinho preso ao canto dos seus lábios me diz


que ele não só sabe, como a ajudou. Filho de uma puta! É

claro que ele ajudou.

— Uhum... Eu vou fingir que acredito, já que vocês estão tão empenhados
em fingir que me enganam. — Ambos dão de ombros.

— Se nós não podemos jogar banco imobiliário e eu não posso contar


piadas, nós podemos conversar, pelo menos? — É a minha vez

de dar de ombros. — Ótimo! Milena, eu tenho algumas histórias realmente


constrangedoras pra te contar!

— Arthur!

— Me sinto pronta! — Ela e eu dizemos ao mesmo tempo e o sorriso


estampado na cara de Arthur não deixa dúvidas sobre a qual de nós dois ele
pretende dar ouvidos.
— Bom dia, dorminhoca — Bruno saúda assim que eu abro os olhos.

— Pra quem? — resmungo, querendo fechá-los outra vez.

— Você costumava acordar com um humor melhor...

— Ah! Quando eu não dormia congelada em uma única posição, não


passava o dia fazendo turismo da cama pro sofá e do sofá pra cama, não
precisava acordar duas vezes a cada noite pra tomar remédios, podia comer
quantos tiramissus eu quisesse e, claro, não precisava de ajuda pra fazer
xixi? Ah, sim! Nessa época? É claro! Eu realmente acordava.

— Como eu disse... Costumava acordar com um humor bem melhor... —


murmura e eu estreito os olhos para ele. — Banheiro?

— Sim, por favor. — A contragosto, aceito sua ajuda para me levantar da


cama e sou amparada até minha suíte. É tão embaraçoso saber que ele está
me ouvindo fazer xixi.

Quando termino, faço minha higiene e me sentindo confiante, preparo-me


para tomar meu primeiro banho sozinha em uma semana.

No entanto, meus planos são frustrados quando Bruno entra no banheiro sem
ter sido chamado.

— O que você pensa que está fazendo? — pergunta, ao se deparar comigo


nua e eu bufo. E ele não sabe o motivo do meu mau humor?

Eu acordava de excelente humor quando sua primeira reação ao me


encontrar nua era me comer com os olhos, não me recriminar.

Saudades de ser comida, inclusive. E não apenas com os olhos.

— Tomando banho?

— E por que você não esperou sua mãe? Por que não me pediu ajuda?

— Porque eu não sou uma boneca de porcelana e eu não planejo desfilar no


carnaval, só tomar um banho sentada. Já se passaram sete dias, Bruno! Eu
sou capaz de me lavar! — Meu tom deve denunciar que me contrariar agora
não é uma boa ideia. Deus, ele tem razão! Eu acordei com um humor do cão
e não o vejo melhorando nem tão cedo.

— Tudo bem. Mas eu vou ficar aqui.

— Eu vou estar sentada — argumento.

— Não importa. Esse é o máximo que vou ceder. É pegar ou largar.

Mentira, e pegar ou pegar. Você decide. — Eu grunho, irritada, mas sem


opções, entro no box e sob sua observação atenta, tomo meu maldito banho
e, em algum momento, o ouço resmungar baixinho sobre o quão péssima
paciente eu sou. Que se dane!

— Posso entrar? — Já é o final do dia quando Bruno pergunta ao bater na


porta do meu quarto e eu ergo os olhos do livro que tenho em mãos.

— Você está, literalmente, morando aqui. É claro que você pode entrar —
respondo, tentando não soar tão mal-humorada quanto me sinto e falhando
miseravelmente. Aquele sorriso de menino toma conta do seu rosto, ele entra
com as mãos escondidas atrás das costas e senta ao meu lado do jeito
cuidadoso de sempre.
— Eu sei que essa situação não é confortável — começa e eu torço os lábios,
esse é o eufemismo do século. Ele ri baixo antes de continuar. — É uma
situação de merda.

— Definitivamente.

— E eu também sei que é ainda pior porque você está acostumada a fazer
tudo sozinha, Milena. Eu posso imaginar o quão fodido é estar precisando
depender de outras pessoas, mesmo que sejam pessoas que te adoram e só
querem o melhor pra você, meu bem. — Mordo o lábio ao ouvir a
declaração indireta e ele se aproxima, colando a testa à minha e espalmando
a mão gelada em minha bochecha.

— Que me adoram, é? — Não resisto e pergunto. Bruno sorri um sorriso


imenso.

— Eu te adoro pra caralho e tô louco pra te ver completamente bem de novo,


só isso. — Seu tom é baixo, sua boca está tão perto da minha.

— Meu mau humor conseguiu te espantar? Você tá louco pra se livrar de


mim, é?

— Bem... — começa e eu abro a boca e arregalo os olhos, incrédula que ele


realmente vá concordar com isso. — Não posso dizer que não estou ansioso
pra ter suas manhãs bem-humoradas de volta, mas há outras coisas que eu
quero tanto ou mais que elas.

— Jura? E o que seriam? — questiono, estreitando os olhos em espera,


embora eu já imagine a resposta ao pensar nas noites deliciosas que
precedem as manhãs.

— Eu estou louco pra ter você só pra mim, sua companhia. —

Surpreende-me e estica os dedos, alcançando atrás da minha orelha, a lateral


do meu pescoço. — Louco pra te ver dançar, pra ouvir sua gargalhada sem
precisar me preocupar com isso te fazendo mal —

sussurra e seu hálito quente é uma provocação muito maior do que eu


consigo lidar. Inclino a cabeça para frente e capturo seus lábios.
Começo passando a língua sobre eles, devagar, saboreando, sentindo a
textura macia, testando a receptividade de Bruno já que ele não se
voluntariou a me dar mais do que selinhos nos últimos dias.

Ele entreabre os lábios para mim, dando-me passagem e eu a aceito, com


uma saudade imensa da sua boca, do seu gosto.

Eu o beijo intensamente, mesmo que aquele desespero habitual não esteja


presente. Eu gostaria, mas tenho medo de Bruno interromper, dizendo que é
esforço demais. Então aproveito a oportunidade sem correr o risco de perdê-
la e é uma delícia.

— Estou louco pra te beijar até não conseguir mais respirar, porra!

— diz, quando interrompe o beijo antes que eu possa realmente sentir falta
de ar, mas mantém a boca colada à minha. — Louco pra te ter na minha
casa, na minha cama de novo, de novo e de novo. Louco pra viajar com você
e fazer todas as coisas que ainda não fizemos juntos, mas vamos. — A
promessa contida me leva a mergulhar nos seus olhos e eu percebo que
nunca quis tanto algo na vida, quanto desejo que elas sejam verdadeiras. A
carícia de seu polegar em minha bochecha e das pontas dos seus outros
dedos em minha nuca não para, dificultando que eu me concentre em
qualquer coisa que não seja o homem à minha frente, seu cheiro, sua boca,
tudo nele. — Eu preciso que você melhore, meu bem. Preciso.

Permanecemos trocando toques e beijos suaves por muito tempo até que
Bruno se lembre do que o fez bater na porta, em primeiro lugar.

— Tenho uma coisa pra você — diz e estica a mão até a mesa de cabeceira,
pegando dali um saco de papel envolvendo um formato que eu conheço
muito bem.

— Não! — Arregalo os olhos, eufórica. — Isso é?

— Sim! Isso é tiramissu do Caparellos — confirma minhas suspeitas e


minha boca se enche d’água. — Mas calma, ou eu não vou te dar. — Estreito
os olhos em uma ameaça silenciosa, mas puxo uma inspiração profunda
antes de soltá-la devagar.
— Como isso chegou aqui?

— Eu trouxe quando entrei. Você estava distraída e não me viu colocar bem
ao seu lado — responde com um sorrisinho safado no canto da boca. —
Quer?

— Claro que eu quero! — Abro as mãos, prontíssima para receber.

— Você trouxe uma colher?

— Trouxe. Está aí dentro — diz, entregando-me o saco que eu aceito, quase


desesperada, e não demoro a rasgar para encontrar o copo plástico em
formato de taça. — E você não pode comer tudo.

Seu médico disse que um terço dessa porção é o limite.

— E eu vou poder comer os outros dois terços em outros dias? —

Faço um bico, esperançosa.

— Vai, só não serão dias seguidos.

— Tudo bem — respondo com pressa e depois de pegar uma porção bem
pequena, porque quero comer devagar, já que não posso comer muito, levo o
doce à boca e é impossível conter o gemido.

Bruno ri sem se importar em fazer isso escondido. — O que te convenceu a


me dar doce? — pergunto, curiosa e sua expressão me diz que ele pensa que
a resposta é óbvia.

— Queria melhorar seu humor — pausa para o meu coração acelerar —, te


deixar um pouco mais feliz. — Agora, o pobre órgão erra umas duas batidas.

— Funcionou — admito. — Obrigada.

— De nada. — Beija minha testa e se afasta para me deixar comer meu doce
e quando eu estou com a colher na boca, ele murmura: —

Graças a Deus!
— Só vou te perdoar porque você me deu tiramissu.

— E beijos — negocia.

— Um beijo! — protesto.

— Oi, garoto! — Abaixo-me para coçar a orelha do cachorro que em uma


rara ocasião, hoje decidiu que eu sou digno da sua atenção e assim que me
vê, coloca a preguiça de lado e vem me saudar, balançando o rabo curto,
correndo e pulando com a língua imensa para fora.

Desde o acidente de Milena, ele tem ficado com um tutor. É a opção que uso
quando viajo e foi a que recorri desta vez, quando apesar de estar na cidade,
só tenho ido à cobertura a cada dois ou três dias para buscar trocas de roupas
e com a mesma frequência, venho até o tutor visitar o buldogue gordo.

— É garoto, eu sei. Eu sei. Também estava com saudades. —

Buzz esfrega seu nariz achatado em mim, farejando o cheiro diferente, que
não é o da nossa casa, como em minhas últimas visitas e, depois de um
tempo, senta, levanta a cabeçorra e a inclina, deixando os dentes tortos
presos do lado de fora da boca fechada. Eu rio, porque essa é uma de suas
expressões mais engraçadas.

— O que foi, Buzz? — pergunto, ao me agachar e ele continua na mesma


posição antes de esfregar o focinho em minha calça. —

Está com saudades dela? Ou quer saber onde ela está? —


questiono ao me dar conta de que ele também deve estar sentindo falta de
Milena.

Buzz é um cachorro extremamente carinhoso e nas últimas semanas, Milena


se tornou sua grande amiga, parte da nossa rotina.

Ele passava todo o tempo possível andando atrás dela, esfregando-se em


suas pernas ou dormindo sobre seus pés enquanto ela estivesse pela
cobertura.

— A nossa garota está se recuperando, amigão. Falta pouco agora — digo e,


no momento em que as palavras ganham o mundo, percebo que é a primeira
vez que as digo em voz alta, ainda que, silenciosamente, eu já tenha dito
essas e uma série de outras com o mesmo significado, um milhão de vezes,
na última semana e meia.

Durante aquele período filho da puta no hospital, eu soube que estava


fodido. Rio de mim mesmo e solto o corpo no chão, sentando no piso frio da
varanda coberta onde estamos. Buzz não se faz de rogado e imitando meu
gesto, larga o corpanzil no chão, apoiando a cabeça em minhas pernas
cruzadas.

Porra nenhuma! Eu soube antes, dias antes, quando observei Milena


dormindo em minha cama, depois da nossa noite privada no camarote da
Carmesim, e desejei tê-la ali por muito mais do que apenas três meses.
Naquela manhã, sem perceber, pela primeira vez, eu coloquei algo na frente
daquilo que eu sempre achei ser meu maior objetivo, o trabalho.

Pedir à Milena que passasse o dia comigo não foi nada planejado. Até alguns
dias atrás, eu sequer tinha me dado conta da importância daquela atitude. Foi
só quando estive a beira de dizer à mulher pequena de olhos azuis, que
estava louco por ela, mesmo que ela estivesse com um humor ruim pra
caralho, que percebi que minhas atitudes já a haviam escolhido antes mesmo
do meu cérebro admitir.

Jogo a cabeça para trás em uma gargalhada solta. Marcos Valente filho de
uma puta! Se fodeu e, sem ter a menor ideia, arrastou-me junto. Porra, os
caras vão me infernizar com essa merda. Porém, primeiro eu preciso
descobrir uma forma de contar para ela.

Não me faltaram oportunidades, o dia do seu mau humor colossal foi apenas
a mais recente delas, no entanto,

aparentemente, eu sou um romântico, ou, pelo menos, Milena me faz desejar


ser. Eu quero que esse seja um momento perfeito para ela e não acho que
dizer isso enquanto ela resmungava sobre não poder fazer xixi sozinha possa
ser descrito dessa maneira.

Alguém precisa pará-lo. Há limites para o que o coração de uma mulher


pode suportar sem se apaixonar e desde que acordei no hospital, há dez dias,
Bruno não fez nada além de continuar cruzando-os, uma vez depois da outra,
sem se importar com as consequências.

Primeiro, ele praticamente se mudou para a minha casa, e, definitivamente,


mudou-se para o meu quarto. Sob a alegação de uma licença no trabalho,
Bruno mal deixou o apartamento em que moro, exceto para buscar roupas,
visitar Buzz ou em situações em que a empresa realmente exigia sua
presença.

Todas as vezes que isso aconteceu, ele saiu daqui extremamente irritado,
resmungando sobre pagar salários altos demais e, ainda assim, as pessoas
serem incapazes de resolver problemas sem a presença dele. Mesmo nessas
ocasiões, ele nunca demorou mais do que duas ou três horas.

Depois, há sua relação com minha mãe. Apesar da minha situação atual, a
condição médica da minha mãe é o que é, uma condição, e ela não daria
trégua só porque fui atropelada. Seus remédios continuaram precisando ser
tomados nos mesmos horários e suas consultas de acompanhamento
continuaram precisando ser frequentadas. Desde que fui obrigada a fazer
repouso absoluto, tivemos duas e Bruno a acompanhou em ambas.

Sua relação com Gabriel dispensa comentários. Meu irmão está cada dia
mais radiante com seu estágio e eu, mais iludida ao ver Bruno ser para
Gabriel o que ele nunca teve, uma figura masculina,

mesmo que, às vezes, como por exemplo, quando eles jogam videogame, eu
me pergunte qual dos dois é o mais imaturo.

Além disso, as palavras “Eu preciso que você melhore, meu bem.

Preciso.” Foram só o começo de uma onda de declarações desleais com o


meu coração.

E é claro, há o agravante de seu corpo não ter se tornado um pouco menos


gostoso a cada dia que se passou. Ele foi além e teve a audácia de se tornar
mais gostoso a cada minuto que esteve longe do meu alcance. Seus lábios
parecem mais cheios, seus olhos mais azuis, seu maxilar mais forte e seu
cheiro mais intenso a cada dia que Bruno não me toca. E ele não toca.

Essa é mais uma das coisas que alguém precisa lhe dizer. Alguém precisa
explicar a ele que eu não quero beijinhos castos, quero sua língua roçando a
minha, massageando, como no dia em que me trouxe tiramissu para
melhorar meu humor. Quero seus lábios chupando minha língua e seus
dentes mordendo meus lábios. Deus, eu pareço estar desesperada por isso. A
cada segundo longe da intimidade na qual eu me viciei, um nervo meu morre
para que um mais atormentado nasça em seu lugar.

Até este momento da minha vida, eu não sabia que era possível ter
abstinência de alguém e Bruno não parece ter qualquer intenção de colocar
os dedos em mim nem tão cedo. Eu estou enlouquecendo.
Não há outra explicação. Porque, enquanto emocionalmente eu preciso que
ele pare, fisicamente, preciso que ele comece. E a pior parte é que eu tenho
certeza de que mesmo que ele fizesse as duas coisas, ao mesmo tempo, ainda
assim, não seria o suficiente.

Sentada na cama, com as costas apoiadas a uma pilha de travesseiros e as


pernas esticadas sobre o colchão, na posição da qual acho que posso ter
dificuldades de me descongelar quando não for mais necessária, olho de rabo
de olho para Bruno, ao meu lado.

Ele está concentrado em seu computador, trabalhando em alguma coisa.


Depois de treze dias, somente ontem consegui convencê-lo a dividir a cama
comigo e dormir agarrado ao seu peito, com o seu cheiro me inundando a
cada inspiração, transformou o que era desespero em necessidade. É um
absurdo, eu sei que é, mas não consigo evitar a sensação.

— Para de me olhar assim — pede, mas eu me faço de desentendida.

— Assim, como?

— Como se fosse pular em cima de mim a qualquer momento.

— Talvez eu pule — sugiro, agora o olhando de frente. Bruno tira os olhos


da tela do notebook em seu colo e os coloca em mim.

— Não pula não — diz sério e eu reviro os olhos.

— Já faz catorze dias desde o acidente, Bruno! Amanhã eu vou receber alta!
Uma mulher tem necessidades! — reclamo e ele ri, virando o rosto na
direção da parede por alguns segundos antes de fechar o notebook, o colocar
sobre a mesinha de cabeceira e girar, deixando o tronco de frente para mim.

Nós nos encaramos por algum tempo sem que nenhum de nós faça qualquer
movimento. É ele quem cede, ou pelo menos, é isso que eu acho que está
acontecendo quando seus dedos vão para minha nuca e movendo apenas a
cabeça, ele aproxima o rosto do meu.

Nossas respirações se misturam e o calor que vejo em seus olhos


rapidamente se espalha por cada centímetro meu. Deus, que saudade!
— Tá com saudade, meu bem? — Parecendo ouvir meus pensamentos,
pergunta em uma voz sussurrada que faz um arrepio gostoso subir pela
minha coluna.

— Muita — meio sussurro, meio gemo a palavra solitária. Bruno roça o


nariz pelo meu rosto, acariciando, provocando, mas com o agarre firme em
minha nuca, me mantém presa no lugar.

— Eu também, meu bem. Eu também. — Fecho os olhos quando seus lábios


alcançam minha orelha e seus dentes mordem o lóbulo. —

E é por isso que eu não vou te foder antes de você receber a maldita alta,
nem na casa da sua mãe, Milena. — Seu tom é definitivo e eu choramingo,
frustrada por não receber o que eu tanto quero e aquilo que acreditei que
receberia. — Porra, meu bem — faz uma pausa e lambe atrás da minha
orelha —, eu quero ouvir você gritar e ela e seu irmão realmente não
precisam fazer parte disso. — Ele me solta e se levanta da cama de maneira
abrupta e, depois de me lançar um olhar que diz muito, agarra um travesseiro
e começa a caminhar na direção da porta.

— Onde você sai? — Minha voz sai rouca, excitada.

— Dormir na sala, Milena.

— Bruno! — me lamurio, roçando os quadris contra o colchão.

— Sem Bruno, Milena. Você não vai me convencer! — determina e expira


com força. Ele dá meia volta e se inclina na minha direção.

Beija minha testa, depois minha boca com suavidade. Deus! Eu não quero
suavidade. — E não se atreva a gozar! — Seu tom é imperativo e por um
segundo, quero desafiá-lo, mas a quem eu estou querendo enganar? Me
masturbar não me daria o que eu quero. Eu gozaria, gozaria! Talvez até me
sentisse aliviada, mas é pelo toque dele que me sinto desesperada, não pelo
alívio.

Portanto, eu apenas bufo, malcriada, e o cretino tem a audácia de soltar uma


risadinha antes de beijar minha boca sumir porta a fora.
— Inferno! — resmungo.

De pé, no canto do consultório, observo cheio de expectativas, enquanto o


médico examina Milena. Acho que nunca esperei tanto por uma notícia
quanto estou esperando pela sua alta médica. Porra! Nem a notícia de que
tinha conquistado meu primeiro bilhão foi tão aguardada. Meu coração
retumba no peito, ansioso por três malditas palavras: “Ela está bem!”

Milena procura meu olhar, sentindo-se tão ansiosa, provavelmente até mais
do que eu. Ela não aguenta mais o repouso e, se a noite passada deixou algo
claro, é que também não aguenta mais a abstinência sexual. “Uma mulher
tem necessidades!” disse.

Se não fosse trágico, seria cômico. Sua determinação, como sempre me


deixou imediatamente duro e eu precisei dormir na sala, porque não confiava
em mim, mas confiava ainda menos nela. A cretina poderia tentar me seduzir
de madrugada, e porra! Achei melhor não arriscar.

— Parece que está tudo como deveria estar, Milena. Você está oficialmente
de alta! — Milena pula da maca em que estava sentada e abraça a mãe que já
está chorando. — Mas vamos manter um ritmo reduzido pelas próximas
semanas, tudo bem? — As duas se desvencilham do abraço e se viram para o
médico, mantendo somente os dedos entrelaçados. — O repouso absoluto
está suspenso, mas você ainda não pode praticar atividades físicas de
impacto, nem quaisquer atividades que demandem muito esforço físico.

A recomendação faz com que Milena olhe para mim e eu assinto.

Já esperava por isso, passei as últimas semanas conversando diretamente


com seu médico sobre seu progresso e sobre os prognósticos.
— Que tipo de atividade, além de exercícios físicos, deve ser evitada? —
Milena pergunta.

— Caminhadas longas, escadas com uma grande quantidade de degraus,


danças intensas ou que exijam muito do seu corpo. Apesar de estar sendo
liberada do repouso, Milena, é importante que você entenda que seu corpo
ainda está em recuperação. O baço é um órgão sensível e importante do seu
corpo que sofreu uma lesão.

Felizmente, não foi necessária uma cirurgia, mas seu corpo vai precisar de
tempo. — Ela morde o lábio inferior e balança a cabeça em concordância.
Outra vez, seus olhos me procuram, mas logo depois, param na mãe, ao seu
lado e, então, voltam para o médico.

Franzo a sobrancelha, estranhando quando ela repete o tour visual e solta


uma expiração profunda, como se estivesse tomando coragem para fazer
uma per...

— E sexo? — Minha boca se abre, refletindo meu choque por apenas um


segundo antes de eu controlar minha expressão fácil. Puta que pariu! É claro
que ela fez isso. Dona Daise, ao invés de demonstrar algum tipo de
constrangimento, joga a cabeça para trás e gargalha alto enquanto eu coço a
cabeça. Apesar da coragem para perguntar, o constrangimento pinta o rosto
de Milena de vermelho.

— Não será um problema, desde que não envolva situações de alto estresse
físico. — Dona Daise se esforça para conter uma segunda gargalhada, mas
não consegue e seu riso enche o consultório.

— Eu posso ir a um show? — expressa aquela que eu achei ser sua maior


preocupação, mas claramente estava enganado. Pelo menos eu sou mais
importante do que o Harry Styles. Que bom, não é?

— Desde que siga as orientações sobre esforço físico, sim.


— E a alimentação? Posso voltar a comer doces? — Milena pergunta,
esforçando-se para deixar sua curiosidade já satisfeita para trás, mesmo que
sua mãe não pareça estar com a mesma disposição.

— Vamos manter sua dieta por um tempo, mas podemos aumentar a


quantidade de porções de doce para mais uma vez na semana.

Ela assente, satisfeita, e pelos próximos trinta minutos, todas as suas dúvidas
são sanadas e novos exames e consultas marcados.

Quando saímos do consultório, a sensação é de que um caminhão cegonha


foi retirado das minhas costas.

Deixo o hospital com o braço enrolado na cintura de Milena e a certeza de


que, agora, é hora de colocar meu plano em prática. O

primeiro passo envolve quatro idiotas e uma aposta, mas antes, eu preciso
cuidar das necessidades da minha mulher.

O bater incessante do pé de Milena contra o chão me deixa dividido entre rir


da ansiedade exposta em seu rosto, gestos e respiração irregular, ou em
aproveitá-la. O ar ao nosso redor estala com uma energia pesada,
alimentando a expectativa do que nós dois sabemos que está prestes a
acontecer.

Deixamos dona Daise em casa, passamos algum tempo lá, com sua família, e
mesmo que Milena estivesse aproveitando a reunião sem o peso do repouso
absoluto, seus olhares de esguelha para mim deixavam bem claro que ela
estava ansiosa para o momento em que nos despediríamos de sua mãe e
irmão e finalmente ficaríamos verdadeiramente sozinhos em semanas.

Eu gostaria de ter brincado com sua expectativa, de ter fingido estar sem
quaisquer intenções para esta noite, seria fácil argumentar que a ida ao
médico já havia sido esforço o suficiente para o dia de hoje, mas eu não
enganaria ninguém. Tanto quanto ela, estou louco de saudade, de vontade e
necessidade dela. Da conexão que só

descobri no seu corpo e da conversa deliciosa que aprendi existir entre os


nossos gemidos.
As portas do elevador se abrem com um apito e os olhos azuis e expectantes
procuram os meus. Ela suspira, pisca algumas vezes e morde o lábio, linda
para caralho no vestidinho solto que eu tenho certeza de que foi escolhido
porque é fácil de tirar. Essa é só uma das muitas contradições que eu adoro
nela. Sua capacidade de unir inexperiência e ousadia em doses de igual
medida quando o assunto é sexo.

Milena sai do elevador em passos moderados e eu vou logo depois.

Abro a porta da cobertura e deixo que ela seja a primeira a entrar, seguindo-
a, antes de fechar e me recostar à porta. Ela já se distanciou alguns passos
quando percebe que fiquei para trás e se vira para mim.

— O que foi? — questiona e eu balanço a cabeça de um lado para o outro.

— Nada... Eu só estou olhando pra você. — não tenho qualquer ilusão de


não soar como idiota apaixonado.

— Olhando pra mim? — Move os lábios cheios e rosados na sugestão de um


sorriso.

— Olhando pra você. — repito.

— Você já não fez isso o bastante nas últimas semanas? —

pergunta, voltando os passos que nos afastaram e tocando meu rosto com as
mãos pequenas.

Em silêncio, nos encaramos até que a realidade da força do que Milena me


faz sentir me obriga a fechar os olhos. Porra, um idiota, completamente
apaixonado, é o que eu sou.
Com as mãos espalmadas nas bochechas de Bruno, enquanto encaro seu
rosto perfeito e seus olhos fechados, sentindo todo o meu corpo reagir à sua
presença, à sua proximidade, à mera certeza de que ele está aqui, ao alcance
das minhas mãos, quero rir de mim mesma.

Minha boca pode negar o quanto quiser e minha mente pode tentar fugir o
quanto se achar capaz, mas a verdade é que não estou prestes a me apaixonar
por este homem. Eu já me apaixonei, perdida e irremediavelmente.

Depois de tanto tempo negando, é engraçada a maneira calma como essa


constatação me atinge. Talvez seja porque depois das últimas semanas, quero
acreditar que não sou a única, não posso acreditar que eu seja. O medo, a
dúvida, eles ainda estão aqui, em algum cantinho meu que presa pela
autopreservação, mas, nesse momento, eu acho esse cantinho
particularmente tolo.

Mais do que um dia achei que eu seria, caso permitisse que meu coração se
apaixonasse pelo homem devastadoramente lindo que, todos os dias, às sete
e quinze da manhã, passava pelas portas do meu local de trabalho e fazia
minhas pernas bambearem apenas por sorrir para mim e me desejar bom dia
antes de pedir seu café.

— Você está se sentindo bem? — pergunta ao abrir os olhos.

— Na verdade, não. — Seu cenho se franze e a preocupação veste seu rosto


imediatamente.

— O que você está sentindo? — Espalma ambas as mãos em meu rosto e


foca nele toda a sua atenção, procurando quaisquer sinais do
que pode estar errado.

— Tem um frio na barriga. — digo e suas mãos deslizam em minha cintura


até alcançar o abdômen, que ele apalpa com cuidado.

— E dói?

— Não... Mas tem essa sensação...

— Que sensação? — A pergunta é ansiosa, aflita, não espera que eu conclua


o pensamento.

— Meu coração... Ele... Tá acelerado sabe? Descompassado! —

Seus olhos se arregalam, e, agora, ele parece quase desesperado. — E

o ar, eu—

— Você está com falta de ar? Porra, Milena— Me interrompe com os olhos
se movendo rapidamente de um lado para o outro na cobertura.

Quase posso ver as engrenagens do seu cérebro trabalhando, tentando


descobrir qual é a melhor forma de agir.

— Eu acho que não vou mais conseguir respirar se você não me beijar agora.
— sussurro e leva alguns segundos até que minhas palavras façam sentido
para ele.

Vejo a transformação em seu rosto uma vez atrás da outra. Ele vai do
semidesespero, à compreensão, depois, muito brevemente, ao alívio e, por
fim, a algo parecido com braveza, me fazendo sorrir.

— Não tem graça. — reclama.

— A saudade que eu tô da sua boca também não tem. — Alcanço sua mão e
trago até meus lábios, deixando seu polegar sobre eles e beijando
suavemente. — Nem um pouco.
— Você me assustou pra caralho, Milena. — Solta um suspiro longo e fecha
os olhos, tão sério, que até me sinto culpada.

— Foram só alguns segundos, Bruno. — murmuro. Ele ri sem humor e roça


sua palma em minha bochecha na carícia que eu adoro.

— Não foi só a brincadeira, meu bem.

Pela primeira vez, em todos os dias que se passaram desde que acordei no
hospital, vejo Bruno demonstrar qualquer coisa que não seja força e
segurança. Ele foi o apoio que minha família precisou durante todo esse
tempo, o apoio que eu precisei. Sua expiração cessa, denunciando que ele
está prendendo a respiração.

— Foi tudo, porra! — solta a respiração. — Tudo! — exclama, com os olhos


presos aos meus, deixando claro que quer dizer cada palavra.

— As duas horas em que eu não sabia o que estava acontecendo com você
foram as mais assustadoras da minha vida. — Meu coração, que eu já sentia
bater acelerado no peito, com a declaração, passa a pulsar na minha
garganta. — Eu só... Eu quero te mostrar tantas coisas. —

Inclina o pescoço, me observando com aquelas pedras azuis capazes de


despertar tantas sensações tanto no meu corpo quanto na minha mente. —
Eu quero ver tanta coisa com você e, até perceber que eu estava apavorado
com a possibilidade de não ter tempo pra isso, eu nem tinha notado quantos
planos eu já tinha feito pra nós dois, menina.

Sorrio, de novo, pensando na calma estranhamente natural que acompanha o


momento. Bruno é tão intenso, tão seguro, tão intempestivo, mas a verdade é
que nós nunca fomos só explosão.

Na cama, sim, uma atrás da outra, uma sempre parecendo maior do que a
outra. Mas nossas vidas foram entrelaçadas lenta e sutilmente, apesar da
forma inesperada como tudo começou. Primeiro havia essa atração
insuportável, que se recusa a aceitar não como resposta.

Depois, a descoberta da delícia que é ceder a ela e, então, tudo o que se


perder para ela proporcionou.
O prazer, o companheirismo, a cumplicidade, o conforto e tantas outras
coisas, que é difícil enumerar. E pensar que há, não muito tempo, acreditei
que estaria perdida caso ultrapassasse a zona segura para o meu coração.

O pensamento é até divertido agora, porque contra todas as expectativas,


com Bruno ao meu lado, cada passo dado me mostrou que, às vezes, é
justamente em se perder que está a felicidade.

Nossos olhos conversam em silêncio por longos minutos e mesmo sabendo


que ainda há palavras que precisam ser ditas, minha boca

procura a sua, declarando que sentir o gosto das suas emoções é muito mais
urgente do que ouvir a maneira como elas soam.

O beijo tem gosto de certeza e de felicidade. Os lábios de Bruno se


movimentam nos meus com a intensidade de sempre, mas com uma lentidão
nunca antes experimentada por nós dois. Sua língua conquista a minha,
dança com ela. Sua boca saboreia e entrega na mesma medida, até que
apenas essa troca deixa de ser o suficiente e nossas mãos começam a passear
sobre as peles um do outro.

Entre suspiros e gemidos, meu vestido solto é arremessado para longe, assim
como a camiseta que Bruno vestia. O contato dos corpos seminus estende
uma rede elétrica sobre meus músculos, intensificando cada uma das
sensações. Bruno me pega no colo, exatamente como na nossa primeira vez
e eu penso que essa, não deixa de ser mais uma.

Seus passos firmes me levam escada acima e seus lábios espalham beijinhos
pelo meu rosto, pescoço e nariz me arrancando sorrisos e declarações mudas.
Abro a porta do quarto, facilitando nossas vidas, e ele se senta na cama
comigo, encaixa os dedos em minha nuca, infiltra-os pelos fios dos meus
cabelos enquanto me olha com adoração e me faz sentir cada um dos seus
toques com muito mais intensidade.
Minha boca volta aos lábios de Milena, desce pelo seu queixo, lambe sua
garganta e morde seu pescoço, querendo tudo dela e querendo agora. Ela
desliza as mãos pelas minhas costas, acariciando, provocando e me
enlouquecendo.

Me mexo devagar, aproveitando a sensação do roçar dos nosso corpos, me


sentindo completo de um jeito inexplicável, sabendo que não há outro lugar
no mundo para ela do que aqui, em meus braços.

Seu cheiro me domina, seu gosto me descontrola e sua entrega como sempre,
me escraviza.

As contrações em minhas bolas se tornam cada vez mais intensas como um


protesto do meu pau, dizendo que está há tempo demais longe da boceta
dela. Com os dedos de uma mão enfiados em seus cabelos e a outra
segurando firmemente sua cintura, inverto nossas posições em um
movimento cuidadoso, deixando Milena sentada na cama, antes de me
levantar. Sorrio ao olhar para o seu corpo, já pintado de diferentes tons de
vermelho com o peito subindo e descendo ofegantes.

Tiro a carteira do bolso, alcançando um preservativo e o deixando ao lado


dela na cama, antes de me despir completamente. Nu, me curvo sobre ela e
bebo seu olhar de expectativa, a expressão de prazer em seu rosto de olhos
brilhantes e lábios entreabertos. Beijo seu colo uma e outra vez, espalhando
meus lábios por todo ele, antes de lamber a pele macia até alcançar um dos
biquinhos rosados e chupar. Ela se contorce sobre os lençóis, esfregando-se
na cama em busca de alívio.

Mas não demoro ali, terei tempo para isso depois. Ajoelho aos seus pés,
alisando suas coxas, incentivando-a a ficar de pé enquanto espalho beijos
pelas suas pernas. Milena se ergue e eu inclino a cabeça para trás, focando
meus olhos nos seus ao deslizar sua calcinha para baixo, deixando-a
completamente nua.

Minha própria respiração está descompassada, completamente entregue ao


momento. Assim que me livro do pequeno pedaço de tecido, o cheiro da sua
excitação me atrai como um imã. Afundo o nariz entre os grandes lábios da
sua boceta, deixando-o completamente lambuzado e aspirando como tanto
senti saudades nas últimas semanas.

— Eu adoro teu cheiro, meu bem. — Ela solta um gemido baixo quando as
palavras vibram em suas dobras sensíveis antes de a ponta do meu nariz
roçá-las. Inclino mais a cabeça, levando meus lábios até a boceta gostosa e
beijando ali sem jamais desviar os olhos dos seus.

Seu olhar sensual acompanha um gemido mais alto e sua atenção ainda está
em mim quando abro a boca e enfio a língua em seu calor.

Seu gosto é uma delícia e me alucina. Lambo até que ela esteja com a cabeça
inclinada para trás, revirando os olhos e precisando apoiar o peso do próprio
corpo em meus ombros.

— Sentiu saudades disso, Milena? — murmuro sem tirar a boca de sua


boceta, antes de chupar o grelo duro.

— Muita, Bruno! Muita! — fala alto e impulsiona os quadris para frente.

— Senta, meu bem. Me deixa devorar você. — Sua resposta é me obedecer.


Milena volta a se sentar na cama e arreganha as pernas, expondo
completamente a bocetinha melada e já vermelha para os meus olhos. Meu
pau lateja e baba, ansioso pela sua vez.

Precisando sentir a textura da sua pele em minhas mãos, posiciono o polegar


sobre o clitóris e massageio em movimentos circulares. Ela recomeça a
gemer e eu não sei do que gosto mais, se do som dos seus gemidos, do seu
gosto em minha língua ou de vê-la se perdendo em mim.

Volto a lambê-la, mas não paro o trabalho do meu dedo até que ela esteja
gritando, com a mão agarrada aos meus cabelos, empurrando minha cabeça
contra a boceta, tão alucinada quanto eu, e seu corpo convulsione, sentado,
com a cabeça jogada para trás e a boca aberta.

Linda. Linda para caralho.

— Eu adoro ver você gozar — sussurro em seu ouvido, depois de ter me


levantado e antes de beijar sua boca devagar para que ela possa sentir o
próprio gosto delicioso em minha língua. Subo na cama de joelhos e deito de
lado, levando o preservativo comigo.

— Vem cá, linda. — chamo, depois de rasgar a embalagem e vestir meu pau.
Ainda letárgica pelo orgasmo, ela reclama.

— Eu também quero chupar você.

— E você vai, mais tarde. Agora eu tô desesperado pra estar dentro de você.
— confesso e isso a trás imediatamente para a posição que eu queria.
Acariciando seu corpo, a viro, deixando suas costas coladas ao meu peito e
meu braço sob a sua cabeça. — Vou te comer assim, meu bem: de ladinho e
bem gostoso. — Minhas palavras a fazem gemer.

Movo sua perna, deixando-a sobre a minha e me encaixo em sua entrada.


Deslizo para dentro devagar, a boceta apertada me suga, arrancando suspiros
de nós dois.

— Gostosa. — sussurro em sua orelha antes de lamber atrás dela.

— Gostosa pra caralho, meu bem. Porra! Puta que pariu! — Os xingamentos
deixam minha boca sem que eu tenha controle, completamente alucinado
pelo seu calor, ficar parado para que ela se acostume ao meu tamanho está
exigindo toda a minha sanidade.

— Bruno. — choraminga baixinho, depois do que pareceu uma vida inteira,


e move os quadris, pedindo que eu faça o mesmo. Obedeço imediatamente,
desesperado por isso.

Apesar da urgência em senti-la, meus movimentos são lentos em uma


tentativa de fazer esse momento durar tanto quanto for possível.
Beijo seu pescoço, massageio seus peitos, brincando com os bicos duros
entre os meus dedos.

Rebolo os quadris e ela grita a cada movimento, empenhada em frustrar


meus planos de levar muito tempo me deliciando em seu corpo.

Seus gemidos e a maneira como move os quadris me arrastam para a borda


com uma velocidade inexplicável.

Deliro de prazer quando sua boceta estrangula meu pau, anunciando que
Milena está prestes a gozar de novo. Trago sua boca para mim, virando seu
rosto, e enfio a língua nela, engolindo seus gemidos e desistindo de lutar.

Me perco junto com Milena em um orgasmo intenso e impossível de segurar.


Sua boceta apertada ordenha meu pau com fome de porra até a última gota,
me dizendo que, tanto quanto eu, ela está longe de se sentir satisfeita, mas
não é só isso.

Há algo mais, e, com o peito ofegante, continuo olhando para ela, tentando
descobrir o que é. Seu rosto suado e vermelho está uma bagunça, com fios
de cabelo grudados na testa, nas bochechas e no pescoço, seus olhos azuis
estão brilhantes, seus lábios cheios estão vermelhos e eu realmente preciso
dizer que a amo.

Que me apaixonei pela mulher com alma e jeito de menina, que não há
nenhum lugar no mundo onde eu planeje estar sem ela ao meu lado e para o
caralho com um grande momento, esse é o momento, percebo, porque basta
estar com ela para que qualquer momento seja grande.

Rio do meu próprio pensamento, atraindo um olhar com cenho enrugado de


Milena.

— Eu tinha um plano, sabia? — pergunto, virando seu corpo e deixando-o


com a barriga para cima. Seu rosto está me encarando, concentrado, e sua
testa continua franzida por ela não ter ideia do que caralhos eu estou falando.
— Meu plano envolvia flores, o Caparellos, quatro idiotas que eu chamo de
amigos, uma nova aposta, o Buzz e, talvez, um balão.
— Um balão? — Toca a ponta da língua sobre o lábio inferior e solta uma
risada baixa. — Tipo balão de festa?

— Não. Balões tipo os da Turquia, que você entra e ele te leva ao céu. —
Agora, seu risinho se transforma em uma gargalhada.

— E que tipo de plano era esse? Pra quê você, talvez, precisasse de um
balão?

— Pra dizer que te amo. — Solto as palavras sem cerimônia alguma e o


sorriso em seu rosto é substituído por lábios entreabertos quando ela arfa
com os olhos azuis piscando sem parar. — Pra dizer que eu, na verdade,
tinha um milhão de outros planos... — pauso e assinto, dizendo as palavras
não só para ela, mas para mim também. — Planos pelos quais eu vinha
trabalhando há muito tempo e que eu poderia continuar perseguindo, mas eu
não quero. — Me inclino sobre o seu corpo, aproximando meu rosto ainda
mais do seu, vendo seus olhos se tornarem vermelhos e o brilho de lágrimas
não derramadas tomar conta deles. — Pra dizer — Toco minha testa na sua.
—Que eu poderia fingir que nós dois nunca passamos de uma aposta, de um
contrato idiota, eu poderia tentar me convencer de que é cedo demais, que
dois meses não são o suficiente pra que eu tenha tanta certeza, mas eu não
quero.

— Capturo a primeira lágrima que escorre em sua pele e deixo um beijo no


exato lugar onde a sequei. — Eu poderia dizer que não passou de acaso, de
uma coincidência, mas seria mentira. — Minha própria voz embarga e
Milena traz a mão até o meu rosto, como se estivesse se preparando para
fazer por mim o mesmo que fiz por ela. — Porque eu te amo e quero acordar
com você na minha cama todos os dias, quero seu vício por massa e
tiramissu, quero descobrir de quantos filmes da Disney você tem as falas
decoradas e te levar pra conhecer o mundo, mas eu quero mais, Milena. Eu
quero muito mais. Eu quero te apresentar aos meus pais e deixá-los
completamente loucos por você, assim como eu sou. — Brinco com nossos
narizes. — Eu quero ver suas primeiras rugas, vai demorar, é verdade. — Ela
ri. — Você com certeza verá as minhas primeiro, mesmo que eu tenha
certeza de que serei um velho muito gostoso. — Agora, nós dois rimos da
bobeira. —
Eu quero ver seus primeiros fios de cabelo branco, Milena. Eu quero estar
aqui pra ver você descobrir que pode ser o que quiser...Eu quero você,
porque eu te amo. — Seu rosto ainda mais vermelho, agora, pela emoção e
molhado por alguns rastros de lágrimas, é a coisa mais linda que eu já vi na
vida e ela morde o lábio, deixando meu coração beirar um AVC antes de
dizer alguma coisa.

— Você parafraseou a música da Anavitória? — E quando fala, é claro que


suas palavras não são nada do que eu esperava. Gargalho alto antes de colar
minha boca na sua. É um toque de lábios, nada além. — E eu também te
amo... — sussurra com os lábios colados aos meus, me levando a descobrir
que, se a primeira melhor coisa que ouvi na vida foi que Milena estava bem,
a segunda, certamente, é que ela me ama. — Eu não tenho uma letra de
música pra recitar — alfineta —, Mas eu te amo Bruno, e não me importa
que tenha dois meses, poderiam ser dois dias, não mudaria nada. — Novas
lágrimas escorrem pelos cantos dos seus olhos. — Não me importa que
tenha começado porque você queria ganhar uma aposta que, aliás, já tinha
perdido. —

dá uma risadinha e seu polegar desliza pelos fios curtos da minha barba. —
Eu ainda não mudaria nada. Nenhuma linha. — Roça o nariz no meu.

— Nem a parte em que eu parafraseio frases de filmes ou letras de músicas?


— provoco e ela franze o nariz e estreita os olhos.

— Talvez eu mudasse essa parte. — responde depois de alguns segundos


pensando e eu sorrio imenso.

— Você é a razão da minha felicidade... — Começo, mas antes que eu possa


chegar ao segundo verso da música da banda Melin, ela já está gargalhando
alto.
— Ok! Você pode fazer isso! — digo para mim mesma com o coração
batendo na garganta.

Passo os olhos pela mesa posta na cozinha de Bruno. Os pratos e


guardanapos de tecido estão colocados no lugar, assim como as taças e a
comida que obviamente pedi no Capparellos. Há até um vinho escolhido por
Marco.

Não há velas, pétalas de flores, nem balões ou qualquer outra coisa


caracterizada como romântica em filmes e novelas. Ao invés disso, ao lado
dos pratos e talheres, está um contrato. Meu próprio contrato. Eu não deveria
estar tão nervosa, mas não consigo evitar.

Mordo o lábio, olhando para a porta, depois para o relógio, sabendo que
Bruno vai chegar à qualquer momento. Pedi à chave do seu apartamento à
Arthur. E, depois de um pequeno interrogatório, segundo ele, para garantir
que eu não estava planejando envenenar os suplementos de seu amigo, ou
substituir seus xampus por cola, ele me emprestou sua cópia.

Nunca me imaginei fazendo esse tipo de coisa, mas desde que Bruno me
disse que tinha planos e que nossa urgência os arruinou, eu quis dar isso a
ele. E não haveria um dia melhor para isso do que, hoje, o dia em que o
nosso contrato inicial, já descartado há algumas semanas, terminaria
oficialmente se tivesse sido levado até o fim.

Pego as duas folhas sobre a mesa e releio as palavras ali escritas,


grosseiramente, por mim mesma.

CONTRATO DE PERDIÇÃO
O presente instrumento pretende firmar um acordo de relacionamento entre
as duas partes envolvidas a serem denominadas i)namorado e ii) namorada.

Tendo como objetivo garantir o comprometimento do namorado e da


namorada no cumprimento das tarefas pertinentes ao que se define como
relacionamento no ANEXO 1 deste documento, fica estabelecido que todo e
qualquer acordo anteriormente assinado pelas duas partes será considerado
anulado e que ambos o fazem de bom grado.

Além disso, fica também registrado o conhecimento do namorado e da


namorada de que é de suma importância, para que esse documento
permaneça sendo considerado válido, que a lista da perdição (ANEXO

2) seja cumprida no prazo de 12 meses e então, renovada com novos itens,


podendo, se for do interesse de ambas as partes, repetir-se tarefas já
anteriormente executadas.

Desta forma, namorado e namorada se comprometem a se empenharem em


cumprir todas as tarefas por este contrato estabelecidas e quaisquer outras
que uma das partes considerarem interessantes, desde que sejam
consensuais, lícitas e motivadoras de felicidade e/ou prazer.

São Paulo, _____,__________ de 2022.

____________________________________________

Bruno Magalhães

___________________________________________

Milena Garcia

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ANEXO 1 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO.

Relacionamento
substantivo masculino

1. ato ou efeito de relacionar(-se).

2. capacidade de manter relacionamentos, de conviver bem com seus

semelhantes.

3. interações sociais e sexuais de caráter monogâmico. (significado ao qual

o contrato em questão se refere)

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ANEXO 2 DO CONTRATO DE PERDIÇÃO

Lista da Perdição:

1) Transar esta noite.

2)

3)

4)

5)

6)

7)

8)

9)

10)
11)

12)

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A lista em branco, para que possamos preenchê-la juntos, intensifica o frio


em minha barriga e me lembra de que precisaremos de canetas. Droga,
Milena! Passo os olhos ao meu redor, procurando um porta lápis ou algo
assim, mas não encontro nada. Enquanto em minha casa, em todos os
cômodos há lápis e canetas espalhados por todo o lugar, aqui não há nada.

Penso, tentando me lembrar onde posso já ter visto material de papelaria


pela cobertura e só depois de quase cinco minutos, me lembro da
escrivaninha no quarto. Há também o escritório, mas não me sinto
confortável de entrar lá sozinha. O quarto é mais meu ambiente, literalmente.

Com as folhas nas mãos, para o caso de Bruno chegar enquanto estou lá em
cima, subo as escadas e faço meu caminho até o quarto.

Ainda na porta, bufo, ao não ver qualquer sinal de um lápis ou uma caneta.
Maldito homem organizado.

Deixo os papeis sobre a escrivaninha e abro a primeira gaveta de baixo para


cima. Não encontro nada além de algumas pastas e um grampeador. A
segunda está vazia, a terceira também e, na quarta e última, encontro uma
infinidade papeis, mas o barulho que ouço quando a gaveta corre, me dá
esperanças de que eu possa encontrar o que preciso sob eles.

Tiro as folhas, as coloco sobre a escrivaninha, ao lado do meu contrato, e


sorrio imenso quando encontro três canetas soltas lá dentro. Retiro o que
preciso, e ao pegar as folhas para devolver ao seu devido lugar, o maldito
bloco escorrega da minha mão e todas elas se espalham pelo chão.

— Merda, Milena! Merda! — passo alguns segundos, atordoada, querendo


descobrir como vou colocar tudo isso no lugar na mesma ordem que
encontrei. Obviamente, eu não vou. O jeito vai ser, mais tarde, contar a
Bruno o que aconteceu e esperar em Deus que ele seja capaz de reorganizar
tudo isso da maneira que precisa.

Com um suspiro, me ajoelho para recolher folha a folha e realmente são


muitas. Vou juntando a pilha e alinhando, juntando e alinhando, juntando e
alinhando, até que ao alinhar uma leva, a primeira folha chama a minha
atenção. Meu nome está escrito nela.

Pisco e inclino a cabeça. Eu não deveria bisbilhotar, certo? Não, não deveria.
Mas tem meu nome... Se tem meu nome, deve ser do meu interesse. Justifico
para ninguém além de mim mesma enquanto encaro a folha. Só uma
espiadinha não vai machucar ninguém.

Subo os olhos pelas letras acima do meu nome e encontro as palavras


Assinatura da parte 1. Isso me faz erguer a sobrancelha.

Um contrato? Quer dizer, seria essa uma cópia do nosso contrato?

Folheio a pilha já organizada, querendo descobrir se a folha atrás dessa é sua


continuação, não é, então folheio a próxima e a próxima e a próxima, e
quando vejo, já não se trata mais de uma espiadinha, mas quase de uma
pesquisa profunda e é tarde demais para desistir.

O bicho da curiosidade já me mordeu e já está me mastigando por dentro.

Apesar de tentar manter os ouvidos atentos, sei que é inútil, seria impossível
ouvir a porta do primeiro andar ser aberta de onde estou, o que significa que
não tenho muito tempo. Já estou quase desistindo quando percebo que o
tempo todo as folhas estavam identificadas como Adendo 1 e numeração,
então tudo o que eu tinha que fazer era procurar por outras com as mesmas
identificações laterais.

Folheando o bloco de uma vez, rapidamente encontro três folhas, mas


quando as coloco em ordem e leio, eu descubro que estava enganada.

Uma espiadinha pode, sim, machucar. E muito.


— Meu bem? — chamo sorrindo ao passar pela porta e sentir o cheiro
incrível, mas não recebo qualquer resposta. — Milena? — tento outra vez
enquanto atravesso o Hall de entrada, mas como antes, nada além de
silêncio.

Assim que de fato entro em casa, constato que ela realmente está aqui,
afinal, a mesa de jantar está posta. Deixo as chaves e o celular sobre o
aparador e começo a desfazer a gravata enquanto subo as escadas até o
segundo andar. Não ouço nada até estar próximo à porta do meu quarto e
quando ouço, não entendo. Isso é farfalhar de papel?

Minha incompreensão voa pelos ares quando ao alcançar meu quarto,


encontro Milena de joelhos, no chão, rodeada por uma infinidade de folhas
espalhadas, além de uma pilha sobre a qual sua mão está pousada, além da
gaveta da minha escrivaninha estar aberta.

Gelo percorre minhas veias quando uma possibilidade atravessa meus


pensamentos. Ela ergue a cabeça quando me ouve e eu procuro em seus
olhos quaisquer sinais, mas ela não me entrega nada.

— Milena? — O arquear de sobrancelha, seguido dos olhos desviando para


as folhas de papel em suas mãos são a resposta que procurei antes e não
encontrei.

— Não é o que você está pensando. — Me defendo e ela inclina a cabeça


com uma expressão de incredulidade no rosto. Caralho!

Justamente hoje ela tinha que mexer na porra da gaveta?

— Ah, não? — questiona e eu me apresso em afirmar.


— Não! Não é!

— Tem certeza?

— Absoluta! — Ela se levanta, trazendo consigo três folhas de papel nas


mãos. Três malditas folhas. Como, naquela infinidade ao seu redor, Milena
foi achar justamente essas três?

— Interessante... — comenta, olhando para os objetos nas próprias mãos. —


Porque eu tinha quase certeza de que esse adendo de contrato, foi algum tipo
de idiotice sua, achando que poderia me comprar, baseado em nada além de
vozes da sua cabeça, antes de ser capaz de entender e admitir seus
sentimentos. Mas não é nada disso, certo? Então, você pode, por favor, me
explicar o que é? — Eu pisco com a boca escancarada e, ao invés de lhe
dizer qualquer palavra, enfio as mãos por seus cabelos e beijo sua boca.

Deixo que minha língua a invada e faça tudo o que tem vontade, lambendo,
chupando e massageando até que nós dois estejamos sem ar.

— Você. — Lhe dou um selinho — É! — Outro selinho — A! — Outro


selinho. — Porra! — Mais um — Da! — Outro — Mulher! — Outro beijo
rápido. — Perfeita!

Milena gargalha e envolve os braços no meu pescoço antes de me dar, ela


mesma, um selinho atrás do outro.

— Jura que você achou que eu ia entender errado?

— Sinceramente? Achei sim. — Encosto minha testa na sua. — Mas porra,


Milena. Nessa infinidade de papéis. — digo, inclinando a cabeça na direção
da bagunça. — Você tinha que achar justo esses?

— Se você não os estivesse guardando, eu não teria o que achar e, pra falar a
verdade, foram eles que me acharam. Tinha meu nome, eu quis saber o que
eram. Agora, você! É sério que em algum momento você pensou em me
apresentar isso? — pergunta, sacudindo as folhas.

— Sim e não. Eu as redigi na noite depois do camarote quando percebi que


três meses não seriam o suficiente, mas eu ainda não entendia que não era só
sexo, o seu corpo é uma delícia, fiquei confuso. — justifico e ela ri. — Mas
mesmo naquela época, eu sentia que uma proposta como essa—

— Me oferecer mais dinheiro, como se eu fosse uma prostituta... —

me interrompe.

— Eu não penso desse jeito. Dinheiro trás comodidade, foi assim que nós
começamos e você disse que não se arrepende.

— Não me arrependo, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

— Pra mim é tudo a mesma coisa

— Então por que você nunca me mostrou ? — pergunta desconfiada.

— Porque eu tinha a impressão de que você não veria as coisas da mesma


maneira que eu.

— impressão certa! Eu teria ficado muito, muito brava. — Sorrio fraco e


concordo. Não tenho quaisquer dúvidas sobre isso.

Cheiro seus cabelos, matando a saudade da porra que estou sentindo depois
de apenas um dia longe. As semanas em seu apartamento me deixaram mal
acostumado e desde então, tenho tido que lidar com isso.

— O que você estava procurando?

— Canetas. — responde sorridente e eu estreito os olhos.

— Pra quê?

— Vamos precisar assinar alguns papéis. — pausa dramaticamente.

— Eu quero te contratar. — primeiro, eu acho que ela está brincando, mas


quando Milena se desvencilha de mim, vai até a escrivaninha e pega três
folhas que eu nunca vi antes, não me resta outra opção além de gargalhar.

— Então agora eu sou oficialmente seu namorado? — Estamos sentados à


mesa e ambos já assinamos seu contrato.

— Ainda não. Precisamos preencher a lista em anexo. — Estende uma


segunda folha para mim.

— Eu gosto muito do item número um. Podemos repeti-lo por mais onze
vezes?

— De maneiras criativas? Com certeza! — Olho para a mulher diante de


mim, incapaz de não babar. Porra! Eu não quero nada além de dividir o resto
da minha vida com ela.

— E tudo o que escrevermos precisará ser feito nos próximos doze meses?

— Sim, senhor. — Assinto, sabendo que o que estou prestes a fazer é


loucura, mas não me importando nem um pouco.

Nossa relação nunca pode ser enquadrada nos moldes de normalidade de


qualquer maneira. Com a caneta em minha mão, escrevo apenas duas
palavras antes de entregar a lista à Milena.

Ela pega o papel sorrindo, acreditando que escrevi, em suas próprias


palavras, uma “maneira criativa” de transarmos, e aproveito o momento em
que ela é distraída pelo choque de ver palavras completamente inesperadas
escritas no papel para me ajoelhar.

— Você enlouqueceu? — pergunta ao erguer os olhos arregalados da lista


procurando por mim onde eu estava sentado e não encontrando. Seus olhos
se desviam para o chão e quando ela me encontra, de joelhos, joga a cabeça
para trás, gargalhando. — Bruno, para de brincadeira, vai! Levanta daí!

— Essa, com certeza, é a recepção mais inesperada que um pedido de


casamento já recebeu.

— Você está gastando palavras! Quando realmente precisar usá-las, não vai
ter.
— E por que eu não posso usá-las agora?

— Porque é muito cedo.

— Achei que tivéssemos concordado que isso não importa. —

Franzo as sobrancelhas e as suas se erguem quando ela se dá conta.

— Você está falando sério. — diz em voz alta.

— Estou.

— Bruno. — começa, solta a lista sobre a mesa e passa a mão pelos cabelos.
— Eu... — fecha a boca, procurando o que dizer. Milena levanta e vem para
o chão, ajoelhando-se diante de mim. — Amor, não é cedo demais pra nós, é
cedo demais pra mim. Eu só tenho dezenove anos. — Usa as palavras ditas
devagar como se elas fossem argumentos.

— E que diferença isso faz?

— Eu não quero me casar com dezenove anos. — Ergue a mão em uma


aceno, deixando claro acreditar que essa seja uma informação óbvia. — Eu
quero... Eu nem sei o que eu quero, pra falar a verdade. E

eu gostaria de descobrir antes de ser a esposa de alguém.

— De alguém?

— A sua esposa, Bruno. Antes de ser a sua esposa. — Se corrige, revirando


os olhos.

— E por que você não pode descobrir as outras coisas que quer ser depois
que já for minha esposa? — Um sorriso lindo toma conta do seu rosto e ela
arrasta os joelhos até que suas coxas encostem-se às minhas. Logo depois,
envolve os braços ao redor do meu pescoço.

— Por que eu não preciso. Você não vai a lugar algum. — Usa minhas
próprias palavras, ditas em um contexto completamente diferente, contra
mim.
— Eu não vou. — Bufo, mas admito. — Ainda assim, eu quero me casar
com você.

— E a gente vai. Só não nos próximos doze meses.

— Nos próximos vinte e quatro?

— Não, Bruno! Também não.

— Sabe? Eu ganhei uma aposta hoje que deixou quatro babacas muito
frustrados. — Ela ri.

— Na verdade, você conseguiu cumprir a tarefa que só teve que cumprir


porque tinha perdido uma aposta. Você contou pra eles sobre o contrato?

— Claro que não. Não era da conta deles, assim como não importa que eu
tenho perdido uma batalha se eu ganhei a guerra. — dispenso sua colocação.
— O que importa é que eles estavam errados, eu estava certo e o mundo está
girando outra vez.

— Uhum...

— Mas eu fiz uma nova aposta.

— É claro que você fez. — comenta, aos risos. — E o que foi dessa vez?

— Que eu vou passar o resto da minha vida com você. — Minha declaração
a faz vacilar e morder o lábio inferior. — E você sabe... Eu não perco.
Nunca.

— Então esse pedido é sobre isso? Sobre outra aposta? É por isso que você
quer se casar comigo?

— Não, meu bem. Eu fiz a aposta porque eu sei que vou me casar com você.
— Beijo seus lábios com suavidade e Milena se derrete em meus braços.

— Eu te amo. — sussurra em minha boca.


— Perdidamente. — respondo e, quando nossos lábios se tocam outra vez,
há apenas uma verdade inegável: às vezes é preciso perder para que
possamos nos encontrar.

Mas só às vezes, em todas as outras ocasiões, ganhar é sempre o melhor.

DOIS MESES DEPOIS.

— Todo esse suspense pra vir à Carmesim? — pergunto, levemente


frustrada. Quer dizer, eu adoro dançar e realmente poderia repetir o que
fizemos no camarote pouco antes do acidente acontecer, mas desde que o
médico disse que as relações sexuais estavam permitidas, se não
significassem nada radical, todas as vezes que eu quis ultrapassar os limites
só um pouquinho, Bruno me pediu para ter paciência sob a promessa de que,
quando eu finalmente estivesse liberada para voltar a ter uma vida
completamente normal, ele a compensaria.

Este dia chegou e eu estava muito ansiosa, esperando algo completamente


novo. Aparentemente, eu estava enganada.

— Mulher ansiosa! Calma! Alguma vez eu já te decepcionei? — diz rindo e


eu estreito os olhos, fingindo pensar, antes de sorrir e negar.

— Nunca!

— Prometo que não vou começar hoje. — Deixa um selinho em meus lábios
e nós entramos na boate que é a minha preferida, embora também seja a
única que eu conheço.
Bruno me conduz através da pista de dança, da área dos sofás e da escada
para os camarotes, me fazendo franzir as sobrancelhas, sem entender para
onde estamos indo.

Sabendo que ele não vai me ouvir se eu simplesmente perguntar, dou um


leve puxão em seu braço. Seu olhar encontra o meu e o

sorriso em seu rosto denuncia que ele está aprontando alguma coisa.

Deus, eu o amo tanto.

Os últimos dois meses foram perfeitos em tantos sentidos. Tanto quanto quis
beijá-lo, eu quis matá-lo, mas ainda assim, exatamente como disse na noite
em que admitimos nossos sentimentos, eu não mudaria nada. Nem uma
vírgula ou ponto da história que estamos construindo.

Eu me lembro de uma vez pensar que queria um amor que me tirasse o


fôlego e roubasse o chão. Que acendesse minha mente tanto quanto ao meu
corpo, que valorizasse meu espírito e me visse inteira e em detalhes. Alguém
que me escolhesse entendendo o que isso significaria. Bruno é exatamente
essa pessoa, a minha pessoa, e todos os dias eu descubro uma coisa nova que
eu não sabia que queria nela, mas Bruno tem.

— Onde estamos indo?

— Confia em mim. — pede e eu assinto.

Voltamos a caminhar até entrarmos em um corredor lateral escondido. Em


poucos passos, chegamos a um elevador e eu fico cada vem mais confusa,
porque não fazia ideia de que essas partes da Carmesim existiam. Assim que
Bruno pressiona o botão, as portas do elevador se abrem, revelando um
homem uniformizado. Um assessorista?

O homem negro é lindo, alto e atlético. Sua pele parece reluzir sob a luz
amarela da caixa metálica, ele tem os cabelos cortados rentes ao couro
cabeludo, olhos amendoados e castanhos de um tom brilhante que parece
chocolate derretido e seu sorriso é uau! Desvio o olhar, temendo estar
encarando.
— Boa noite, Bruno. Qual andar? — pergunta e eu mordo o lábio para
engolir a pergunta.

— O primeiro. — Meu namorado responde e o homem assente, aperta o


botão e, logo depois, posiciona o dedo sobre um... Aquilo é um leitor de
digitais?

O elevador se move, mas não leva sequer dez segundos antes de parar
novamente. As portas se abrem em um novo corredor vazio e com os dedos
entrelaçados, saímos.

Nos deparamos imediatamente com uma espécie de recepção, eu acho, atrás


da qual uma mulher bonita está, também uniformizada, mas enquanto no
andar da entrada os uniformes são práticos, a mulher de longos cabelos
loiros diante de mim usa um vestido preto, colado ao corpo, de comprimento
até a altura dos joelhos. O decote é farto e apesar de não ser vulgar, deixa
uma quantidade considerável de pele à mostra.

— Olá, Bruno. — Sorri para ele de maneira amigável e, logo em seguida,


para mim da mesma forma. — Qual é a cor? — pergunta a nós dois e eu
procuro Bruno com os olhos, já que não tenho ideia do que ela está falando.

— Vermelho, por enquanto. — responde e ela estende para ele duas


pulseiras. — Obrigada, Vanessa. — Pega as finas tiras de cor berrante e se
vira para mim.

Seus olhos vão para o meu pulso e só então me dou conta da coisa óbvia.
Estendo o braço e Bruno envolve a pulseira nele antes de prender a outra ao
seu. Ele dá uma piscadinha, se vira e começa a caminhar.

Andamos até o final do corredor curto e chegamos a uma espécie de lounge.


Das paredes à mobília, tudo é preto e azul escuro, mas não é isso o que
chama a minha atenção.

Apesar de não ver nada de diferente num primeiro momento, eu sinto o


cheiro e esse é inconfundível: sexo. Pisco os olhos e Bruno interrompe
nossos passos. Ele se vira para mim e espalma ambas as mãos em meu rosto.
— Nós podemos ir embora a qualquer momento, basta você dizer se quiser
ir. — De repente, meu coração acelera com a expectativa do que estou
prestes a descobrir.

Eu deveria ter desconfiado. Deveria ter, pelo menos, me inclinado a acreditar


que cinco homens como Bruno e seus amigos não abririam

uma boate como outra qualquer em São Paulo, é claro que não. E, agora,
mesmo ainda não sabendo do que se trata, tenho certeza de que estará tão
distante do comum quanto for possível.

— Tudo bem. — concordo em voz alta quando me dou conta de que é isso o
que ele está esperando.

Seu braço envolve minha cintura e nós entramos no lounge que, na verdade,
é o centro de dois espaços diferentes. Bruno aproxima a boca da minha
orelha, disparando um arrepio que percorre todo o meu corpo já ansioso.

— À esquerda, temos a área de solteiros. À direita, a de casais.

Vamos dar uma volta. — avisa e eu assinto, nervosa.

Entramos no corredor à direita. A primeira coisa que noto é uma grande


quantidade de cabines com sofás e as observo com curiosidade conforme
passamos por elas. Algumas estão abertas e vazias, outras têm as cortinas
fechadas, mas é possível sentir e ouvir o movimento dentro delas.

Continuamos seguindo em frente, devagar. Bruno me dá tempo para


observar tudo o que me interessa.

Primeiro, eu ouço e, só então, vejo. Há uma cabine aberta a alguns passos de


nós, mas essa, diferente das outras que eu havia visto na mesma condição até
agora, não está vazia. Passo a língua sobre os lábios, sentindo a respiração
mudar de ritmo, ansiosa, e quando nos aproximamos, Bruno volta a colar a
boca em meu ouvido.

— Quer assistir? — pergunta e antes que eu perceba, estou assentindo em


resposta.
Nós paramos bem de frente para o casal. A mulher está usando apenas um
sutiã, mas ele está preso abaixo dos seus seios. O homem está nu e tem o pau
deslizando na boca da mulher. Seu corpo musculoso se ergue muito mais
alto que o dela, de joelhos, e suas mãos estão enterradas nos cabelos dela,
ditando o ritmo com o qual ela o chupa.

Minha boceta contrai com a imagem quando meus olhos descobrem o


quadro completo, desde o piercing no mamilo rosado direito da mulher até
os pelos ruivos em sua púbis, assim como seus cabelos.

Ela está muito molhada. Noto a excitação escorrendo entre suas pernas e a
mulher geme alto enquanto engole, cada vez mais fundo, o pau sendo
enterrado em sua boca. Meus mamilos já estão rígidos e doloridos.

A risada rouca de Bruno em minha orelha me diz que ele já percebeu isso e
eu engulo, sem conseguir parar de olhar até o homem se derramar e seu gozo
escorrer pelos cantos da boca da ruiva. Estou dolorosamente excitada e
procuro o olhar de Bruno, levemente atordoada.

Ele sorri para mim e beija a minha boca com suavidade antes de inclinar a
cabeça, me dizendo que vamos continuar nosso passeio.

Nada do que vejo a partir dali faz qualquer coisa para aliviar a necessidade
crescente em meu baixo ventre. Mais cabines, algumas completamente
escuras, diante das quais me sinto compelida a parar e observo o movimento
de muitas pessoas sobre sofás imensos.

Há também os tatames, espalhados em áreas comuns onde pessoas se beijam


e tocam diante dos olhos de todos e qualquer pessoa é bem-vinda à
participar, Bruno me explica.

E, o mais curioso de todos os cenários que me são apresentados, certamente


são os Glory Holes. Cabines por trás das quais as pessoas ficam e não podem
ter nenhuma parte do corpo vistas, além daquelas que disponibilizam através
dos buracos que essas cabines têm. Há buracos na altura do púbis,
obviamente. Na altura dos peitos e dos braços.

Conforme caminhamos e Bruno vai me explicando as dinâmicas, entendo


também a razão das pulseiras. O andar subterrâneo da Carmesim é uma casa
de Swing e as cores das pulseiras marcam a disponibilidade do visitante.
Verde para totalmente disponível, amarelo para quem é preciso pedir o
consentimento verbal e vermelho para quem só veio observar, como nós.

— Como você está se sentindo? — Parado atrás de mim, meu namorado


esfrega sua ereção em minha bunda enquanto assistimos a uma cena
performada por quatro mulheres em um dos tatames.

Elas se beijam, se chupam e se tocam, uma a outra, formando uma imagem


que termina de arruinar o que havia sobrado da minha calcinha.

— Muito excitada. — respondo, sem me importar em desviar os olhos para


responder. Eu acho que sequer sou capaz de piscar.

— Mas não quer participar de nada que viu, quer? — Não é uma pergunta. É
uma afirmação e isso sim me faz desviar os olhos para ele. Sorrio ao acenar
negativamente, devagar. — Imaginei que esse não seria o seu andar.

— Tem mais? — pergunto, surpresa. Quer dizer, é claro que eu reparei que o
elevador tinha mais botões, mas imaginei que todos os outros andares seriam
como esse.

— Mais três. — Minha boca se abre choque e ele aproveita para passar a
língua nela. Nosso beijo é deliciosamente obsceno, mas não chega nem perto
de tudo o que está acontecendo ao nosso redor. —

O que você quer fazer? Continuar explorando ou deixar eu te foder do jeito


que nós dois estamos ansiosos há malditos dois meses?

— Que você me foda, por favor! Definitivamente, que você me foda!

— respondo rápido demais, mas no meu atual estado, ninguém pode me


julgar.

— Então vamos.
Não consigo decidir para onde olhar. Não consigo nem mesmo desviar
minha atenção por tempo o suficiente para dizer a Bruno que

ele estava coberto de razão. Esse é o meu andar.

O segundo pavimento subterrâneo da Carmesim é um salão imenso, imenso


de verdade, e, espalhados por ele, há uma infinidade de quartos, trinta, pelo
menos, caixas de vidro de tamanhos e mobília variados.

Alguns estão vazios, muitos outros estão ocupados, exibindo interações de


todos os tipos. Casais heterossexuais, casais homossexuais femininos e
masculinos, trios, quartetos e grupos com tanta gente, que tenho dificuldade
de contar. Meus olhos não conseguem escolher uma única caixa para se
fixar.

Corpos nus estão por todos os lados, há até mesmo algumas caixas em que
mulheres e homens estão sendo açoitados ou tendo cera derretida derramada
em suas peles. Aqui, eu me sinto mais do que excitada, me sinto desesperada
com tantos estímulos e com a segurança de que ninguém que eu não quero
vai me tocar.

Não que no andar de cima houvesse essa possibilidade. Não havia.

Bruno me garantiu que o sistema de pulseiras é seguro, no entanto, com as


interações acontecendo sem barreira alguma em todos os lugares, eu não
consegui relaxar completamente. Mas aqui, tudo o que consigo fazer é me
conter para não gemer sem sequer estar sendo tocada, ou fazer como muitos
dos observadores, que se masturbam enquanto acompanham aquilo que
acontece dentro das caixa.

— Escolha um dos que estão com a luz verde acesa, meu bem. —

Bruno sussurra em minha orelha antes de lamber o ponto que sabe que me
enlouquece. — Escolhe um, porque eu preciso te foder e preciso agora. —
avisa e eu engulo em seco. A perspectiva de ser fodida aqui, diante dos olhos
de todas essas pessoas despeja combustível sobre a minha pele.

— Qualquer um?
— Qualquer um. Os verdes estão limpos e disponíveis. Os vermelhos,
ocupados ou já foram usados esta noite.

— Aquele. — aponto para um de mobília simples à nossa direita.

Não há nada além de uma cama de ferro retorcido, uma cômoda, uma
poltrona e uma mesa de centro dentro do quarto.

— Vamos.

O quarto é cheiroso, limpo, os móveis são luxuosos e, diferente da área de


observação em que o chão é de piso frio, aqui, há um carpete fofo e que
parece quente. Meu corpo inteiro zumbe em expectativa quando Bruno fecha
a porta atrás de mim. Ele me abraça por trás e afunda o nariz na curva entre
meu ombro e pescoço. Eu me arrepio inteira.

Sua ereção cava minha bunda por cima do vestido e, sem poder me
controlar, eu me esfrego nela. Não fecho os olhos. Deixo que eles corram
pelas cenas ao meu redor e pelos expectadores também.

Saber que eles estão ali, que estão nos observando, me deixa num estado de
excitação inexplicável. Uma das mãos de Bruno sobe, infiltrando-se pelos
meus cabelos e obrigando minha cabeça a se manter inclinada com um
agarre firme.

Eu gemo com seus lábios em meu pescoço e depois, mais alto, quando ele
afunda os dentes no mesmo lugar. Seu toque, apesar de intenso, é lento. Ele
está me provocando, eu sei que está e, por isso, deixo que faça. Pressiono-
me contra seus quadris, gemo, aproveito as migalhas quando aquilo pelo que
estou desesperada é o banquete.

— Casa comigo? — pede sussurrado, pela terceira vez, me arrancando uma


risada em meio aos gemidos baixos.

— Não. — protesto quando sinto o abandono do seu toque.


Ele dá a volta em meu corpo e para de frente para mim já com os dedos
desfazendo os botões da camisa preta que tem as mangas compridas
dobradas até a altura dos cotovelos. Lambo os lábios quando o primeiro
pedaço da sua pele exposta aparece e aprecio os

movimentos da sua mão até que a camisa seja arrancada do seu corpo e
descartada sobre o encosto da Poltrona.

Acho que ele vai continuar o que começou, mas ele não o faz.

Bruno senta relaxadamente na mesmíssima poltrona sobre o encosto da qual


apoiou sua camisa e leva os dedos indicador e polegar até o queixo.

— Tira a roupa pra mim. — pede com a voz rouca, excitado. Solto o lábio
que tinha preso entre os dentes e começo a me movimentar para tirar os
saltos. Ele estala a língua em negativa. — Os sapatos ficam.

Minhas mãos procuram o zíper na lateral do vestido e o descem devagar.


Chego ao final e a peça tomara que caia já está exibindo meu colo e parte
dos seios. Os olhos do meu namorado acompanham cada um dos meus
movimentos e quando foco os meus em sua ereção, minha boca se enche
d’água, me fazendo engolir duro.

Ele ri, acompanhando meu olhar e sabendo exatamente o que se passou pela
minha cabeça. Saio completamente de dentro do vestido e, agora, estou
praticamente nua. O único tecido em meu corpo é a calcinha, que já não tem
qualquer serventia. Bruno olha para ela em um pedido claro.

Eu a deslizo pelas pernas e reparo na presença de algumas pessoas diante da


nossa caixa. Minha respiração fica difícil e minha pele ainda mais sensível.
Bruno acompanha meu olhar, fixo nos três homens e nas duas mulheres que
nos observam de tão perto.

— Se exiba pra eles, meu bem. — sugere e a contração em minha boceta é


violenta. Eu quero. Quero muito.

Com passos inseguros e sentindo o coração na garganta, caminho até estar


há menos de um metro do vidro. Os cinco pares de olhos deslizam pelo meu
corpo, me deixando ainda mais excitada e eu gemo, sem ter ideia de como
controlar minhas reações.

A presença de Bruno em minhas costas é um alívio. Ele se aproxima, beija


minha bochecha e desliza a mão pela lateral do meu corpo como se
direcionasse o olhar dos nossos observadores para

essa parte específica. Seu dedo indicador avança mais para o centro, na
altura dos seios, alcançando um mamilo.

— Quer gozar pra eles, meu bem? — pergunta, colando a boca ao meu
ouvido. — Quer arreganhar essa boceta gostosa e deixar eles verem como eu
te masturbo bem gostoso?

— Quero. — respondo num fio de voz, completamente perdida no desejo.


Ele volta a se posicionar atrás de mim e, agora, sua pele quente contra a
minha é apenas mais um estímulo.

Bruno espalma as mãos em minha cintura e as desliza até alcançar meus


seios. Com o rosto virado de lado, procuro sua boca, desesperada pelo seu
beijo enquanto suas mãos judiam dos meus mamilos. Ele me lambe antes de
me beijar, mas não dura muito.

— Olhe pra eles, Milena. Olhe o quanto eles adoram te ver gemer, como
somente te ver nua deixa os homens duros e os mamilos das mulheres
eriçados. — Eu olho e a névoa de desespero ao meu redor se torna mais
densa conforme as mãos de Bruno vão descendo. —

Abre as pernas, linda. — sussurra e eu abro.

Seus dedos arreganham os grandes lábios da minha boceta imediatamente e


os olhos dos três homens caem para ela enquanto os das mulheres continuam
fixos na forma como bruno beija e lambe minha pele, como ele me provoca
com a ponta do nariz, como sua conversa suja nunca cessa.

A sensação é de que eu me tornei observadora da minha própria interação.


Bruno desliza os dedos pelos pequenos lábios, me arrancando gemidos
longos antes de tocar meu clitóris inchado e se dedicar a fazer movimentos
circulares ali.
Começa devagar, mas vai aumentando gradualmente a velocidade, a pressão,
me fazendo gritar, me levando a loucura sem que eu jamais feche os olhos.

Não quero perder um segundo que seja do desejo que vejo estampado em
nossos expectadores. Quando acho que não posso sentir mais, um dos
homens liberta o próprio pau, veste um

preservativo e começa a se masturbar com os olhos fixos nos movimentos


dos dedos de Bruno em minha boceta.

Estou beirando o orgasmo, ele afunda os dedos em meu canal e suas


investidas rápidas, alternadas com movimentos de gancho dentro de mim,
tocando aquele ponto que me faz delirar, terminam o trabalho. Gozo com um
grito potente e o corpo inteiro entregue a espasmos.

Bruno enlaça minha cintura, me mantendo no lugar, e eu fecho os olhos, me


entregando completamente aos efeitos de seu toque em meu corpo. Ele me
vira, eu envolvo os braços em seu pescoço e sua boca assalta a minha ao
mesmo tempo em que suas mãos desfazem seu cinto, o botão da sua calça e,
por último, o zíper.

Nosso contato se desfaz apenas para que ele possa se livrar dos sapatos e das
roupas e, assim que está livre e completamente nu, Bruno volta a me beijar.
Sua língua domina minha boca, ocupando cada pequeno espaço que
encontra, lambendo, chupando, massageando e eu adoro cada uma das
sensações causadas por ela e pelas mãos de Bruno, me apertando e tocando,
mas eu quero mais.

Me desvencilho da sua boca e me ajoelho a sua frente. Um sorriso safado


surge em seus lábios quando enfia os dedos pelos meus cabelos com os
olhos presos ao meu rosto. Ele se movimenta um passo para o lado,
deixando a visão do que estamos fazendo completamente desimpedida para
quem estiver nos observando pelo vidro, mesmo que, no momento, não haja
ninguém lá.

Começo rodeando a glande com a língua, depois a deslizo por toda a


extensão antes de abocanhar o pau de Bruno com vontade. Deixo que minha
boca engula tudo o que consigo, espalhando saliva e chupando até que
minhas bochechas estejam fundas. Seus gemidos alimentam meu desejo, me
deixam molhada outra vez. O levo até o limite da minha garganta e engulo.

O movimento o faz gemer alto e eu repito uma vez atrás da outra até que ele
me erga pelos braços e choque a boca contra a minha, me conduzindo até a
parede diante da qual estivemos antes.

— Empina esse rabo gostoso, meu bem. — pede ao interromper o beijo e eu


obedeço, louca, completamente ansiosa por esse momento.

Me viro, espalmo as mãos sobre o vidro e empino a bunda. Bruno se


posiciona atrás de mim e roça o pau em minha entrada várias vezes, me
provocando. Há um mês deixamos de usar preservativos e o contato pele na
pele não pode ser explicado como nada além do que algo de outro mundo.

— Bruno! — Meio resmungo, meio choramingo e ele finalmente se encaixa


em mim no exato instante em que uma figura alta e musculosa desponta,
caminhando na nossa direção, com os olhos esverdeados fixos em nós.

Abro a boca, sentindo-me impossivelmente mais nua e mais excitada a cada


passo que Arthur dá em nossa direção. As lembranças da cena que flagrei no
barco, meses atrás, retornam violentas e a visão de Arthur nu enche meus
olhos ainda que, agora, ele esteja vestido.

Bruno mete sem qualquer delicadeza, me arrancando um grito, mas


mantenho os olhos abertos acompanhando cada passo dado por nosso amigo
até que ele esteja a apenas uma parede de vidro de distância. Seu olhar beija
meu corpo, deslizando pelos meus cabelos, reunidos em um agarre forte na
mão de Bruno, descendo pelo meu pescoço, seios empinados e mamilos
duros, passando pela minha barriga e alcançando minha boceta.

É impossível não olhar para o seu pau. Encontrá-lo duro me faz lamber os
lábios e como se entendesse isso como um convite, ele começa a abrir sua
calça. As investidas de Bruno me alargam, roçando minhas paredes e me
afogando em prazer enquanto Arthur, a minha frente, tirando o pau grosso e
cheio de veias da cueca, exibindo-o para mim, me faz imaginá-lo em minha
boca.
De repente, me vejo desejando ser preenchida pelos dois homens que me
cercam, ao mesmo tempo. Gemo e rebolo proporcionalmente, como se isso
não estivesse acontecendo apenas na minha cabeça.

Arthur veste uma camisinha e se masturba para os meus olhos,

exibindo-se e deixando que eu beba da sua visão tanto quanto ele está
bebendo da nossa.

— Você quer o pau dele na sua boca, Milena? Quer ter dois buracos fodidos
ao mesmo tempo? — Bruno pergunta, conhecendo meu corpo e reações com
perícia e metendo com ainda mais potência.

As palmas suadas das minhas mãos escorregam no vidro e meu corpo é


sacudido com a potência das suas investidas. — Quer? —

reforça a pergunta ao meter tudo e rebolar deliciosamente, me fazendo rolar


os olhos para trás. — Responde, caralho!

— Não, amor! Eu quero você! Só você! — Minha resposta é acompanhada


de mais um orgasmo e esse não apenas me faz ver estrelas. Ele me parte ao
meio e não faz qualquer esforço para me colar de volta no lugar.

Sinto Bruno continuar a investir, sei que Arthur está vidrado em nossa foda,
mas por longos segundos, eu não consigo raciocinar e entender o que
qualquer coisa além da sensação adormecendo meu corpo significa.

Quando volto a sentir o suor escorrendo pela minha pele e o ar entrando e


saindo dos meus pulmões, é o no momento exato em que Bruno e Arthur
alcançam suas libertações.

Através do vidro, vejo Arthur jogar a cabeça para trás e esporrar a camisinha
com jatos grossos e potentes e, refletido na parede transparente, vejo Bruno
se entregando ao gozo com os olhos fixos no meu reflexo absolutamente
exausto e deliciado.

E, mais uma vez, ele tinha razão. Bruno nunca me decepciona.


7 ANOS DEPOIS

— Eu acho que essa é a minha nova casa favorita. — Milena afirma,


olhando através das janelas. Bufo e reviro olhos.

— Você diz isso sobre todas as casas que compramos ou construímos.

— Não é minha culpa se você continua comprando casas incríveis! Quer


dizer, olha esse lugar! — Gira ao redor de si mesma, demonstrando a casa
realmente linda em Bariloche, que só não é mais bonita do que a mulher
sorridente à minha frente.

Sete anos. Eu mal posso acreditar que já se passaram sete anos desde que
uma aposta mudou a minha vida, porra! Eu tenho quarenta anos! Um
quarentão gostoso, é verdade, mas ainda assim.

Quarenta anos e ela ainda não aceitou fazer de mim um homem respeitável.

Aos vinte e seis anos, Milena foi capaz de, com a minha ajuda, é claro,
administrar e multiplicar consideravelmente o dinheiro que recebeu dos
nossos primeiros meses de contrato, o que tornou muitas coisas possíveis.
Ela não precisava, eu teria lhe dado tudo o que quisesse, mas a mulher tem
uma determinação que me deixa louco, em todos os sentidos.

Ela se formou em arquitetura, projetou algumas das nossas casas pelo mundo
e viajou boa parte dele ao meu lado, visitando a cada uma delas. Milena
pulou de bung jump, saltou de paraquedas,

nadou com golfinhos e tubarões, apertou a mão dos presidentes de algumas


repúblicas, fez um safari, apoiou causas sociais importantíssimas, construiu a
própria empresa, foi à formatura do irmão, ao casamento da mãe e, mesmo
depois de tudo isso, ainda não me disse sim.

Ela me dá as costas para olhar, outra vez, pela janela, e eu acho que essa é
uma excelente oportunidade. Repetindo o gesto que já fiz oitenta e quatro
vezes nos últimos sete anos, me ajoelho e puxo do bolso a caixinha que está
sempre comigo.

Sou capaz de sair de casa sem a carteira, sem o celular, mas nunca sem o
anel. Nunca se sabe quando vai surgir uma oportunidade. E hoje é nosso
aniversário, talvez isso me dê sorte.

Coço a garganta para chamar sua atenção e ela sequer tem a decência de
parecer surpresa ao me encontrar de joelhos, lhe oferecendo um anel.

— Quantas vezes já são agora? — pergunta, com um sorrisinho debochado


pendurado no canto dos lábios. — Oitenta e duas? —

Faz um biquinho pensativo.

— Essa é a octagésima quinta. — respondo, orgulhoso.

Nenhuma das suas negativas jamais me abalou. Eu não preciso de um papel


para saber que essa mulher é minha, mas eu gostaria de ter um. Por isso, não
me abalo, mas também não desisto.

— Eu aceito.

— Tudo bem, eu tento de no— Estou quase colocando a caixinha no bolso


outra vez quando entendo que ela disse que aceita e, repetindo a cena de sete
anos atrás, quando eu lhe propus um namoro de mentirinha por três meses e
ela aceitou sem pestanejar, pergunto — O que você disse?

— Eu disse que aceito. — pisco, me sentindo tonto, porra! Eu acho que meu
coração está falhando! — Só tenho uma condição.

— Não me diz que é sem sexo, meu bem. Eu sou viciado em você há sete
anos, não tem a menor condição de você querer me
reabilitar agora! — digo e ela joga a cabeça para trás em uma gargalhada
escandalosa.

— Não! Não é essa a minha condição!

— Então tudo o que você quiser! O que é? Uma casa nova em cada país do
mundo? Projetada por você? Você quer morar em um país diferente a cada
três meses? A gente vai!

— Não. — Estende a mão para mim, para que eu me levante e eu aceito,


imediatamente enlaçando sua cintura. Beijo a ponta do seu nariz, depois,
seus lábios. — Nós só precisamos nos casar dentro dos próximos sete meses.
— Inclino a cabeça e franzo o cenho.

— Meu amor, eu casaria com você hoje, agora. A gente pega o avião e vai
pra Vegas se você me disser que topa.

— Não, Bruno... — Morde o lábio, me encarando com um sorriso pequeno,


contido, misterioso. — Nós precisamos nos casar em sete meses, porque já
se passaram dois.

— Dois? Dois de— Então eu entendo. Ou eu acho que entendo.

Recuo a cabeça e meus braços caem ao lado do meu corpo.

— Vo— Não consigo sequer dizer uma palavra inteira, porque, de repente,
falar se tornou difícil. Aperto os lábios, a porra da ardência nos olhos é
impossível de conter. — Você?

— Eu preciso tornar o pai do meu filho um homem respeitável antes que ele
nasça, vai saber quais são as consequências se eu não fizer? — responde
como se estivesse me dizendo que foi à feira e comprou bananas.

— Eu vou ser pai? Eu vou ser a porra de um pai? De um filho seu? Você vai
ser a mãe do meu filho? — pergunto atropeladamente como os anos de
convivência com Milena acabaram me ensinando a fazer. Minha voz já está
para lá de embargada, e eu já desisti completamente de conter a emoção.
— Ou filha. — diz e imaginar uma garotinha com os olhos de Milena é o
tiro de misericórdia. Eu choro. Não uma lágrima discreta.

Várias, deslizando pelo meu rosto e fazendo uma bagunça. Abraço o corpo
da minha mulher e colo minha boca na sua.

— Nós vamos ser pais? — repito a pergunta, ainda sem poder acreditar e ela
balança a cabeça, concordando. Toco minha testa na sua, fecho os olhos,
deixando que o choro flua livre e quando volto a abri-los, impossivelmente,
da mesma maneira que acontece todos os dias, eu amo mais a essa mulher e,
finalmente posso dizer que venci a aposta mais importante da minha vida. —
Eu te disse. —

aviso e ela joga a cabeça para trás, gargalhando, antes de me responder.

— Você nunca perde uma aposta. — declara e eu concordo.

— Nunca. Mesmo quando eu perco, eu ganho. Eu te amo.

— Perdidamente! Parabéns, papai!


Eliza Porto está falida.

Na verdade, ela nasceu falida. Mas, agora, aos 22

anos, chegou a um ponto crítico. Desempregada há nove meses, seu aluguel


está atrasado, sua geladeira está vazia, e se ela não conseguir uma forma de
ganhar dinheiro logo, provavelmente, vai parar debaixo de uma ponte. Tudo
o que Eliza quer é um emprego, e ela daria qualquer coisa por um, por isso,
todos os dias, envia dezenas de currículos por e-mail.

Um dia, sua amiga faz piada dizendo que ela deveria se tornar uma sugar
baby. Mas aos vinte e dois anos, Eliza acha que está velha demais para
competir com meninas de dezoito, então para rir da sua própria desgraça,
decide enviar um e-mail para sua amiga com um currículo sexual e um
contrato de prazer.

Era para ser uma piada, mas por um erro de digitação, seu e-mail vai parar
na caixa de entrada de João Pedro Govêa, um CEO paulistano,
sobrecarregado de trabalho e necessitado de novos desafios.

João Pedro está acostumado a ter tudo o que quer, e o que começa como
curiosidade para saber de onde veio o e-mail absurdo que recebeu, se
transforma em determinação quando coloca seus olhos pela primeira

vez na mulher pequena e com os olhos mais transparentes que ele já viu na
vida.

João Pedro decide que a quer, e se ele quer, ele tem.

Na cabeça dela, era uma piada.

Nas mãos dele, se tornou uma proposta indecente.

Um contrato de prazer que vai enlouquecer você.

Pernas doendo de tanto andar, pés latejando dentro dos tênis velhos e duros,
cabeça explodindo de tanto tomar sol quente, boca seca de sede e corpo mole
de exaustão, esse é o resumo do meu dia. Com os olhos pesados e a pele
colando de suor seco, giro a chave na fechadura. Finalmente, cheguei.
Finalmente, em casa. Mas o que vejo é tão desanimador, ou mais, do que a
imagem que, contra a minha vontade, sou obrigada a encarar no espelho
pendurado de frente para a porta. Uma imagem que rouba a minha atenção
por parecer terrível, eu mesma.

A pele pálida poderia assustar até mesmo

alienígenas moradores de planetas sem Sol. Quando foi a última vez que eu
fui à praia? Meus cabelos longos e castanho-escuros parecem palha, já que
há semanas eu não sei o que é um condicionador e tenho usado detergente de
cozinha para lavá-los. Os círculos quase pretos ao redor dos meus olhos, que
foram

muito mal disfarçados por um corretivo barato ainda pela manhã, voltam a
dar sinal de vida, depois de horas suando e andando a pé, derretendo minha
pele, minha maquiagem e minha força de espírito.

Com os pés descalçados, tiro a bolsa desgastada do ombro e a deixo sobre a


cadeira ao lado da porta.

Balanço a cabeça negativamente e tento afastar meu desgosto comigo


mesma. Não é culpa sua, Eliza! Não é culpa sua! Amanhã vai ser melhor do
que hoje e depois vai ser melhor do que amanhã! Você só precisa de fé!

Meu estômago ronca e eu torço os lábios em desgosto, já antecipando o que


encontrarei na cozinha.

Cinco passos são suficientes para atravessar a distância ínfima entre a porta
da casa e a geladeira.

Todo o meu glorioso espaço tem apenas um cômodo que, no fim das contas,
abriga todos: quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. É quase como
voltar à infância, quando eu imaginava que uma caixa de papelão era o
castelo da Barbie, só que agora eu brinco de imaginar que esse cubículo é o
lar dos meus sonhos.
Porque da maneira como as coisas andam, por mais esperançosa que eu seja
capaz de me manter, ainda assim, a improbabilidade de que um dia eu possa
ter esse lar continua a mesma, altíssima. Morar em São Paulo custa uma
pequena fortuna, uma que eu não posso pagar. O segredo mais mal guardado
da história da humanidade? Eu estou falida! Absoluta e completamente.
Nem um real no bolso, nada na conta, debaixo do colchão ou no fundo do
guarda-roupa.

Na verdade, nem um desses eu tenho mais, vendi há dois meses e ando


guardando meus poucos panos

de bunda em caixas de papelão. Mas dívidas? Ah, essas eu tenho! Muitas,


muitas dívidas! No cheque especial, em sei lá quantos cartões de crédito, na
padaria da esquina e na mercearia do bairro. Ah! E não podemos esquecer do
boteco do seu Luiz, o último recurso dos desesperados.

A cama, feita de dois paletes e alguns colchonetes, me chama. É quase como


o canto de uma sereia, mas eu não posso apenas ouvi-lo e me jogar nela, a
menos que queira me quebrar inteira, ou quebrar a cama.

Deitar nela requer paciência, tenho que deitar devagar para ter certeza de que
vai ficar tudo bem, porque nem

dez reais para comprar dois paletes, e substituir esses, eu tenho.

Suspiro derrotada e abro a geladeira. Uma dúzia de ovos, meia caixa de leite,
três garrafas de água e duas bananas. É tudo o que há. Curvo a cabeça para o
lado, perguntando-me o que fazer, mas não é como se eu tivesse muitas
opções. Vitamina de banana, então, tomo todos os dias nos últimos quase
dois meses. Às vezes consigo comprar outras frutas, mas, no geral, a banana
é a mais barata. E, apesar de parecer pouca coisa, a diferença entre a banana
e o mamão, que é a segunda fruta mais barata, muitas vezes, é preço da
batata.

Enquanto preparo minha última/única refeição do dia, a cama segue com sua
cantiga encantada. Mas um banho, eu preciso de um banho para esquecer
esse dia de derrota. Oito horas andando a pé, entregando currículos. Gastei
meus últimos centavos para imprimi-los e andei até onde meu corpo
aguentou, entregando-os em todos os lugares que vi: lojas, restaurantes,
lanchonetes, bares, todo e qualquer lugar que pudesse ter uma vaga, e em
nenhum, nem mesmo

em um único deles, qualquer pessoa me deu esperanças de conseguir alguma


coisa.

Despejo a vitamina no copo e assim que o levo à boca, o sabor adocicado da


vitamina me faz fechar os olhos. Enjoado, é isso o que é, pelo menos quando
se está há mais de um mês tomando a mesma coisa todos os dias. Enquanto
engulo o líquido cremoso, penso em uma lasanha, sim! Definitivamente,
uma lasanha, quase posso sentir o cheiro da massa em camadas com uma
carne moída bem temperada, tudo

isso coberto por queijo derretido. Salivo, prolongando na língua o sabor da


banana e do leite e, sem que eu me dê conta disso, a primeira lágrima rola.

Nove meses. Nove meses desde o último “Você está demitida”. Três meses.
Três meses desde a última parcela de seguro desemprego. E a dez reais. Eu
estou a exatos dez reais de passar fome. Jogo a cabeça para traz, encostando-
a na geladeira atrás de mim e deixando que mais lágrimas escorram pelo
meu rosto.

Quando saí de São Roque, minha cidade, no interior do estado, foi porque a
vida que eu via as pessoas levando lá não era a que eu queria para mim.
Homens

que trabalhavam fora, enquanto as mulheres ficavam em casa, cuidando do


lar e fazendo comida. Quatro das minhas colegas de turma se formaram no
ensino médio em dezembro e se casaram em janeiro. Advinha só? Em Abril
elas já estavam grávidas…

Mas eu não, eu não seria mais uma. A verdade é que eu não fazia ideia do
que eu queria ser, mas eu tinha absoluta certeza daquilo que eu não queria. E
foi assim que eu fiz dezoito anos num dia e, no outro, estava dentro de um
ônibus, com uma mochila nas costas, carregando nela não só roupas, mas
mil e um planos de futuro e todo o dinheiro que eu economizei desde o meu
aniversário de quinze anos, fosse vendendo doces na escola, cuidando de
crianças aos sábados e domingos, ou fazendo toda e qualquer atividade que
pudesse me render alguns trocados.

Passei os primeiros dias na casa de uma prima distante que eu nunca tinha
visto antes, mas eu logo percebi que o marido dela não estava muito feliz
pela minha estadia. Duas semanas depois da minha chegada, ele disse que eu
precisava mostrar gratidão pelo que estava fazendo por mim, e aquilo não
me soou bem.

No dia seguinte, comecei a procurar um lugar para morar, o que rapidamente


me fez descobrir que o dinheiro que eu tinha, que não era muito, mas para
mim, era tudo, porque era mais do que minha mãe ganhava com quatro
meses de trabalho, na verdade, não era nada. O dinheiro durou dois meses, a
maior parte dele foi gasta com o depósito de aluguel. Quando pisei na minha
casa de vila pela primeira vez, eu sorria de orelha a orelha, o primeiro dos
meus sonhos tinha se realizado, agora só restavam mil. Hoje, quatro anos
depois, ainda resta exatamente o mesmo número, isso se eu não contar os
que acrescentei desde então, e isso dói, dói demais. Às vezes, mais do que eu
acho que posso suportar.

Com uma última expiração profunda, me

desencosto da geladeira e, deixando o copo sujo dentro da pia, vou em


direção ao banheiro. A miniatura de 1x1m tem um vaso sanitário encardido,
uma pia suspensa e uma área para o chuveiro, separada do restante do espaço
por uma cortina plástica com desenhos de peixinhos. As paredes cobertas
por um azulejo marrom escuro deixam tudo ainda mais feio, e o chão frio
belisca meus pés, mas meus últimos

tapetinhos se rasgaram há alguns meses e eu não tive dinheiro para comprar


novos.

A primeira peça de roupa a sair é a camiseta preta desbotada que eu vestia.


Depois, a calça jeans, deixando-me só de sutiã e calcinha, sendo obrigada a
lidar com a imagem que, mais uma vez, encara-me do espelho. Magra,
pálida e cansada. Eu costumava me sentir bonita e, por isso, eu costumava
ser bonita.
Agora… agora há momentos em que eu nem mesmo sei se me sinto algo
além de sozinha.

Eu poderia voltar para casa. Mas voltaria para o quê? Para ser empregada
doméstica em uma casa de

interior? Não que isso seja um problema, só não é o que eu quero, nunca foi.
Os filhos não deveriam caminhar mais léguas do que os pais caminharam ao
longo de suas vidas? Repetir os passos de minha mãe sempre foi exatamente
do que eu fugi. Por mais que eu a ame, não quero a vida dela para mim. Ou,
talvez, eu pudesse voltar para casa para um casamento, não seria exatamente
igual à minha mãe, mas também não seria exatamente diferente, não é
mesmo?! Dormir, eu só preciso dormir e amanhã vai ser um dia bem melhor
do que hoje.

Passo as mãos sobre os ossos pontudos da minha clavícula, notando que eles
estão cada vez mais aparentes, provas incontestáveis de que estou cada vez
mais magra. Mas, também, o que eu queria? Mal tenho dinheiro para comer,
engordar é que eu não iria.

Aperto os olhos com força, desfazendo-me também do sutiã velho e da


calcinha de algodão cinza.

O registro do chuveiro é duro e eu faço força para abri-lo, quando a água


gelada finalmente cai sobre o meu corpo, tenho o primeiro prazer do dia
inteiro, o toque dela em minha pele. Enfio a cabeça embaixo d’água e ela
molha meus cabelos, grudando-os em minha testa, ombros e costas, passo as
mãos pelos fios, fazendo o melhor que posso para penteá-los com os dedos.

O banho limpa meu corpo e alivia a exaustão dos meus músculos, mas não
faz nada pelo meu espírito desanimado ou pela minha alma dolorida. Fico
ali, sentindo o jato de água acertar meu corpo como um chicote gelado por
muito mais tempo do que deveria, e muito menos do que gostaria. Mas,
sabendo que não posso abusar da água, ou o dono da casa vai reclamar da
conta, e que eu não posso dar motivos para isso,

afinal, já tenho dois meses de aluguel atrasado, fecho o chuveiro e saio do


pequeno espaço, enrolando-me na toalha, depois de secar o cabelo
minimamente com ela.

Olho para as caixas de papelão cheias de roupas, mas a vontade de procurar


qualquer coisa que seja nelas sai correndo no mesmo instante em que cogito
a ideia. Ansiosa pelo fim do dia, eu me jogo na cama ainda enrolada na
toalha e com os cabelos úmidos, mesmo sabendo que, quando eu acordar,
terei um verdadeiro ninho de passarinhos na cabeça.

Fecho os olhos e me estico, enquanto tomo

respirações profundas, esperando pela dormência do sono, mas antes que ela
possa me alcançar, meu celular toca. Gemo, frustrada, porque ele está na
bolsa que deixei sobre a cadeira ao lado da porta.

Contrariada, levanto-me e vou arrastando os pés até lá.

O nome no visor multiplica meu desânimo por mil.

Mãe. Eu adoraria falar com ela, Deus sabe o quanto eu preciso de colo, mas
não estou com disposição para fingir hoje. Hoje não. O toque do celular,
uma música que eu adoro, mas que diz muito pouco a meu próprio

respeito estes dias, “Dona de mim” da Iza, vai morrendo à medida que a
chamada vai sendo

encerrada e direcionada para a caixa postal, mas logo em seguida recomeça,


fazendo o aparelho voltar a vibrar na minha mão. Deixo que toque até que,
mais uma vez, o som diminui e para, só para recomeçar uma terceira vez.

Dividida entre a exaustão e a preocupação, encaro o aparelho em minhas


mãos e decido que se ela ligar uma quarta vez, eu atenderei. A música toca,
repete e, por fim, morre. Aguardo ansiosa os segundos seguintes e, para meu
desespero, o celular volta a tocar. Respiro fundo e troco o peso dos pés de
um para o outro. Com os olhos fechados, toco no ícone verde na tela e levo o
aparelho ao ouvido.

— Oi, mãezinha! Tudo bem? — falo alto e com força, fingindo uma
animação que estou longe de ter.
— Ô, minha filha! Que susto! Por que demorou tanto pra atender?

— Eu estava no banho, mãe — minto.

— Ah, sim! Como estão as coisas por aí? Você não

me ligou nem sábado nem ontem. Passou o fim de semana estudando?

Aperto os olhos ainda fechados e levo a mão à ponte do meu nariz, fazendo
pressão ali também.

Suspiro, tentando não fazer barulho e buscando coragem para não


desmoronar, sentindo-me muito perto disso.

— Me desculpe, mamãe. É que eu estou em

semana de provas na faculdade e acabei me

desligando do mundo enquanto estudava no fim de semana. Quando me dava


conta, já era de madrugada, aí não dava pra te ligar. Mas eu devia ter
mandado uma mensagem pelo menos, me desculpa mesmo. —

Acrescento mais alguns pontos à minha rede de mentiras, semanalmente


tecida para minha mãe durante nossas conversas por telefone, aos sábados de
manhã.

Mas a última semana foi tão terrível que foi simplesmente impossível ligar e
fingir que estava tudo bem. Fingir que eu tenho uma casa que não é uma
espelunca. Fingir que eu tenho um emprego com ótimos colegas de trabalho
e um chefe muito chato em uma loja de roupas. Fingir que estou no terceiro
período da faculdade de nutrição. No sábado pela manhã, eu me senti tão
sobrecarregada pela minha

realidade, que preferi abrir mão do único momento na semana em que não
me sinto só ultimamente — o telefonema para minha mãe — a precisar
fingir qualquer coisa.

Parada, enrolada na toalha, com os cabelos úmidos caídos sobre os ombros,


os pés descalços, a mente exausta e o corpo esgotado, fazendo um imenso
esforço para me manter de pé, de frente para a porta marrom e descascada da
minha casa, eu me pergunto pela milésima vez se não seria melhor contar a
verdade para ela. Mas a simples ideia de decepcioná-la, de tirar da voz dela o
sorriso que ela tem toda vez que conversa comigo sobre a minha vida
incrível na cidade, faz-me escolher o meu próprio sofrimento ao dela. Mil
vezes o meu ao dela, mil vezes.

Escuto tudo o que ela fala, mas não ouço

absolutamente nada. Concordo quando percebo que o silêncio se estendeu


por tempo demais e, vez ou outra, digo qualquer bobagem para mantê-la
satisfeita.

Depois de mais ou menos vinte minutos, ela diz que precisa desligar, pois
está me ligando da casa dos patrões. Nós nos despedimos e, quando ela diz
que me ama, coloco meu punho na boca, mordendo-o, para

impedir que o soluço irrompa por ela, mas quando a chamada finalmente é
desligada, eu me arrasto até a cama e lá eu choro, sozinha, completa e
totalmente sozinha.

Do alto do mezanino, observo a festa se desenrolando no andar inferior. O


hotel fazenda Belanucci foi uma boa escolha, apesar de afastado do centro
da cidade, é espaçoso e conseguiu entregar exatamente o que planejamos
para o lançamento da ArquiCasa, a mais nova revista de arquitetura e design
de interiores do grupo editorial Govêa.

Os vários estilos de móveis espalhados pelo salão cumprem seu papel, dando
à festa a identidade perfeita para a ocasião. Debruçado sobre o guarda-corpo,
levo meu copo à boca, apreciando o sabor do Macal an 18.
Porra, eu não poderia ser pobre! Tem gente que não vive sem café, eu não
vivo sem um Uísque que tenha idade para pedir seu próprio uísque.

Apesar disso, esta noite, nem mesmo a minha bebida preferida espanta o
tédio. A festa está perfeita, exatamente

que

deveria

ser,

chata.

Incontestavelmente chata. Enquanto observo tudo se desenrolar no andar


abaixo, sinto o telefone vibrar no

bolso do terno. Ao pegá-lo, um sorriso cresce em meu rosto


automaticamente, já não era sem tempo.

— Espero que você tenha trazido um pouco de diversão com você! Porque
essa porra tá um saco. — O

filho da puta do outro lado da linha gargalha.

— Claro que está! Você sabe que eu sou a alma da

festa, sem mim, qualquer uma fica morta. Mas pode relaxar, eu cheguei! —
É a resposta que ouço e o sorriso na voz do meu amigo é tão claro quanto as
vogais e consoantes que ele pronuncia.

— Se você conseguir animar essa festa, Marcos!

Você é muito mais que a alma dela, você pode ser declarado, oficialmente, a
porra de um santo! — Uma gargalhada efusiva alcança meus ouvidos e eu
preciso afastar o telefone para não ficar surdo.
— Você sabe que foi você quem organizou essa festa, né?

— Porra nenhuma! Foi o setor de eventos e eles fizeram um excelente


trabalho para o público da revista.

Mas, definitivamente, eu não faço parte desse grupo.

— Nem eu! Cheguei há cinco minutos e essa música

já tá me dando nos nervos!

— Eu estou aqui há horas, meu amigo! Horas!

— Onde você está?

— No mezanino.

— Beleza! Chego aí em vinte minutos.

— E vai fazer o que durante esse tempo, Marcos?

— Cumprimentar as pessoas, porra! Minha mãe me deu educação.

— Vai pra porra, filho da puta! — Digo por último e desligo o telefone.

Com o celular em mãos e sem nada melhor para fazer, aproveito para
conferir minhas mensagens: mãe, trabalho, trabalho, trabalho, mulher,
trabalho, trabalho, trabalho, mulher, trabalho, mulher, mulher, mulher,
trabalho… nada importante. Deixo para responder minha mãe quando entrar
no avião mais tarde. O

próximo aplicativo a ser conferido é o de e-mails, o de trabalho está, como


sempre, superlotado, e o pessoal, vazio.

Ninguém me manda um e-mail pessoal. Para o endereço eletrônico meu CPF


não existe. Dos e-mails, passo para o Instagram, passeio por alguns perfis de

arquitetos e empresas do ramo que estão presentes na festa, acompanhando


por ali a cobertura que estão fazendo do evento em suas páginas. Leio
comentários, vejo a repercussão e o número de pessoas

acompanhando a transmissão ao vivo do evento, perdendo-me em trabalho,


como sempre.

— Quem é vivo sempre aparece! — A voz de Marcos

soa alta em meio à música ambiente, chata para um caralho, tocando ao meu
redor.

Eu me viro, encarando meu amigo, o filho da puta é uma vadia! Vestindo um


terno azul marinho e camisa branca, o barbado loiro anda na minha direção
já com os braços abertos para um abraço que eu recebo e retribuo de bom
grado.

— Você sabe que foi você quem acabou de chegar,

certo? — pergunto, com as sobrancelhas arqueadas.

— E eu só vim porque, ultimamente, a única maneira de te ver é no seu


trabalho. Pelo menos hoje ele é uma festa, ainda que chata para um
caralho… — Marcos responde, arrastando a frase no final.

Com o abraço desfeito, encaro meu amigo dando-lhe a única resposta


possível:

— Tá foda! Desde a aposentadoria do velho, tá foda pra caralho!

— Você sabia que não ia ser fácil… — diz, caminhando na direção de um


conjunto de sofás próximo ao guarda-corpo do mezanino em que antes eu
estava apoiado, vendo a festa lá embaixo acontecer.

Abrindo o botão do terno, sento-me e apoio meu copo sobre a mesa,


enquanto Marcos senta-se no sofá de frente para mim.

— Eu não queria que fosse fácil, puto! Mas um pouco mais de tempo não me
faria mal. Tem meses que eu não consigo uma porra de uma noite de folga!
Fora que tudo parece tão igual esses dias, o trabalho é exaustivo, mas
constante… Constante demais pro meu gosto.
— Tá precisando transar, é? — Ele debocha com uma sobrancelha arqueada,
cruzando uma perna sobre a outra, enquanto se recosta no sofá.

— Marcos, eu estou sempre precisando transar, mas ultimamente eu estou


começando a me perguntar se não devia foder minha secretária, afinal, ela
passa mais tempo comigo do que com qualquer outra pessoa.

— Mas a sua secretária não é uma senhora de idade?

— Eis o problema, meu amigo! Eis o problema! —

Deslizo a palma das mãos pela lateral do cabelo e Marcos ri alto do meu
comentário, chamando a atenção de algumas pessoas ao nosso redor. Estreito
meus olhos para ele, apenas para ser completamente ignorado.

— Sabe, Marcos, vai chegar o dia em que vai ser você assumindo a
presidência do seu escritório e quando esse momento chegar, você pode ter
certeza, eu vou rir do quão fodido você vai ficar!

— Ah, mas ainda falta muito pra isso acontecer. Ao contrário do seu pai, o
meu não quer largar o osso! E eu não vejo nenhum problema nisso! Porque,
enquanto ele estiver lá, eu sou livre pra…

— Vadiar! — Corto sua fala e é a minha vez de gargalhar, mas ele não
discorda.

— Pode rir, eu sei que é inveja! Você só tá com saudade da vida que levava e
que eu continuo levando…

— Saudade? Talvez! Inveja, com certeza não. Você sabe que eu me preparei
a vida toda pra estar onde estou agora. O cargo de CEO do grupo Govêa
sempre foi meu objetivo. Mas eu realmente estou sentindo falta de ter uma
companhia além do trabalho constante…

Recosto minha coluna e estalo o pescoço. Não vou contar para ele ou ele vai
ficar ainda mais fodidamente convencido, mas até de conversas simples
como essa, cara a cara, sem que o propósito seja trabalho, eu estou sentindo
falta.
— Se o problema é companhia, a solução tem quase

o mesmo nome. Acompanhante…

Encaro Marcos com as sobrancelhas arqueadas em um questionamento


mudo e ele meio se defende, meio responde à pergunta que eu não fiz:

— O quê? Você precisa de alguém que esteja disponível pra você 24/7,
porque vossa excelência está com uma agenda infernal. A única outra
solução que eu consigo imaginar pra isso se chama relacionamento, e eu não
acho que você esteja interessado…

Olho para ele incrédulo, antes soltar um riso desgostoso:

— Mas é claro que eu não quero a porra de um relacionamento, Marcos! Se


eu tô te dizendo que estou sem tempo pra arrumar uma foda, mesmo que eu
quisesse um, o que, definitivamente, não é o caso, como é que você acha que
eu conseguiria administrar um relacionamento? Nem minhas noites são
minhas…

tô aqui nesse evento chato e em quatro horas vou estar em um avião rumo à
Nova Iorque!

Então

solução

continua

válida…

acompanhante… posso te indicar uma agência muito boa.

— Tá usando os serviços, Marcos? — questiono, curvando o canto dos


lábios e alisando os cabelos para trás.
— Às vezes sim! E a Blaséè oferece um serviço como nenhuma outra
agência oferece. Te juro, aquelas mulheres parecem ser treinadas pra isso…

— Blaséè? Não sei, Marcos, porque uma coisa é fazer disso algo esporádico.
Mas a ideia de tornar um hábito, o que acabaria se tornando… Não gosto
muito da ideia…

— Então, talvez, você devesse mesmo comer sua secretária! — diz,


enquanto eu levo um novo copo de uísque à boca, e preciso fazer um enorme
esforço para engolir a bebida sem engasgar depois dessa afirmação.

Tossindo, coloco o copo sobre a mesa entre nós e puxo o ar com fora para os
meus pulmões, enquanto o desgraçado ri frouxamente.

— Mas que porra, Marcos! Dona Norma tem

sessenta anos, caralho!

— Você poderia ter desenvolvido um desejo proibido por milfs… — Ele


começa e eu dirijo a ele um olhar muito mais significativo do que qualquer
palavra que eu pudesse dizer. Marcos levanta as mãos e, ainda com um
sorriso no rosto, continua a falar:

— Eu quis dizer que você deveria contratar uma secretária com esse único
propósito…

— E depois ser processado por assédio?

Enlouqueceu, Marcos?!

— Deixa claro no processo seletivo o que você quer, ué!

— Ah, claro! Eu já posso imaginar o anúncio de vaga que vou mandar para
as agências de emprego que

usamos no Govêa: Procura-se secretária para serviço de foda 24/7. Salário,


PPR e outros benefícios.

Marcos ri com deboche e balança a cabeça


negativamente.

— Tudo bem, se você não quer, não quer! Mas é uma boa ideia! Jeito de
fazer dar certo, tem! Enfim…

Você disse que seu voo sai em quatro horas?

Levo meus olhos até meu pulso esquerdo, conferindo o horário.

— Aproximadamente…

— Ótimo! Isso quer dizer que você tem três horas pra melhorar esse humor.

— Marcos, sem chance de ir à caça em uma festa oferecida pela minha


própria empresa. Tudo o que eu não preciso é acabar na cama com alguma
funcionária que eu não conheça…

— Então que bom que você encontrou seu grande amigo Marcos, não é? —
Eu o encaro com um sorriso de canto de boca e franzo o cenho, curioso. Ele
se levanta dos sofás e caminha na direção do guarda-corpo do mezanino.
Sem opção, eu o sigo. — Bom, não!

Melhor amigo Marcos! — afirma, com uma entonação debochada.

— O que? Vai querer que a gente penteie os cabelos um do outro e pinte as


unhas, agora?

Ele me olha com um sorriso enorme.

— Se você não tivesse um voo pra pegar, nós poderíamos fazer algo muito
melhor juntos, algo que não inclui você tocando em nenhuma parte de mim,
ou eu sua, mas nós dois tocando muitas partes de uma terceira e quarta
pessoas… Mas como você está com pressa… Eu vou aproveitar meu tempo
muito melhor sem você… Ali, à sua direita, ao lado do bar.

Marcos me diz, apontando com a cabeça e, ao levar meu olhar para a direção
apontada, encontro duas mulheres paradas de frente para uma mesa de
coquetel.
A primeira é loira e alta, tem os cabelos curtos na altura do queixo e usa um
vestido vermelho que se agarra às suas curvas, deixando seus quadris
evidentes e os seios pequenos à mostra em um decote generoso.

Bonita, mas eu não sou muito de loiras.

É a segunda quem chama a minha atenção. Uma morena um pouco mais


baixa e curvilínea. Seu corpo

não é magro, tem as curvas nos lugares certos, e seu vestido azul escuro,
ajustado até a cintura, contorna os seios, deixando claro o quão volumosos
são. A imagem deles nus na minha boca faz meu pau dar sinal de vida.

O vestido até seria comportado, se não fosse por uma fenda um pouco
abaixo dos quadris pela qual, na posição em que a mulher está agora, eu
consigo ver perfeitamente sua coxa deliciosamente torneada. E

aquilo ali, aquilo ali é uma cinta liga? Porra…

Subo meu olhar pelo corpo da morena que não me vê. Além de estarmos
distantes, ela está distraída em uma conversa com a amiga. Inclino a cabeça
levemente para o lado, fazendo cálculos mentais de quanto tempo eu ainda
tenho, mas quando a mulher morde o lábio, eu mando os cálculos para a casa
do caralho.

— Eu realmente não tenho muito tempo… — divago

em voz alta.

— Então que bom que elas já estão esperando por nós! — Marcos me diz e,
ao virar meu rosto para ele, deparo-me com um sorriso de gato da Alice

escancarado em sua boca.

— O quê? Como?

— Eu te disse que ia cumprimentar as pessoas quando eu cheguei… —


responde, simplesmente, e eu estreito meus olhos para ele, mas não consigo
me impedir de sorrir antes de balbuciar:
— Filho da puta…

— Não, não! Melhor amigo do mundo! Vamos! Agora

você só tem duas horas e cinquenta e cinco minutos…

— Marcos, me diz que você tem a porra de…

— Um quarto aqui no hotel? — Ele me corta, tirando do bolso do paletó


escuro um cartão magnético.

— Porra, Marcos! Eu te daria um beijo na boca agora, mas não! —


respondo, pegando a chave da mão dele e deslizando para o bolso da calça,
enquanto fazemos nosso caminho até o primeiro andar da festa.

A tela acesa à minha frente parece debochar de mim, assim como os


milhares de boletos espalhados sobre a mesa, enfiados nas gavetas, nas
bolsas e na minha caixa de e-mail. Todos vencidos, todos implorando para
serem pagos e eu aqui, ainda sem um real furado no bolso. Como dizia
minha avó, mais dura que pau de tarado. O notebook emprestado é lento,
mas serve ao seu propósito.

Depois de dormir mais de doze horas seguidas, na terça-feira acordei com a


cara inchada de tanto chorar e dormir, mas me sentindo muito melhor do que
na segunda. Alguns dias são realmente piores do que outros. Mas é como
dizem, depois da chuva, sempre vem o Sol. É com isso que eu conto.
Embora, torcendo para que sua chegada não saia queimando tudo e
transformando em deserto, porque na minha vida já está chovendo há tanto
tempo que, se o Sol quiser equilibrar as coisas, o resultado provavelmente
será trágico.
O que me acordou do meu sono de ignorância na terça-feira foi um
telefonema. Daquela vez, não era minha mãe, mas Sheil a, uma colega que
trabalhou comigo no meu último emprego e com quem eu às vezes converso
pelo Facebook. Da última vez em que nos falamos, eu disse que as coisas
estavam complicadas e que eu estava procurando qualquer trabalho, desde
que fosse digno.

O celular tocou debaixo do meu travesseiro e eu atendi ainda de olhos


fechados, recebi um boa-tarde animado de volta, de uma Sheila me dizendo
que tinha conseguido uma faxina para eu fazer. Naquele momento, eu quase
ajoelhei para agradecer. Uma faxina poderia até não pagar as contas, ou
comprar minha tão sonhada lasanha, mas me impediria de passar fome. E

ainda que eu queira, desesperadamente, um emprego fixo e que ser


empregada doméstica não seja meu grande objetivo de vida, eu não tenho
medo de trabalho honesto, principalmente de um que vai colocar comida na
minha geladeira.

Desde que cheguei à São Paulo, já fiz quase tudo que se possa imaginar. Já
fui manicure, mas minhas clientes não concordaram com a frase que dizia
que a

prática leva à perfeição, já que não importava quantas unhas eu fizesse,


continuava tirando bifes, até que eu não tinha mais nenhuma cliente. Já fui
atendente de telemarketing, mas, aparentemente, eu sou péssima em cobrar
dinheiro das pessoas, mesmo tendo um roteiro para seguir, ficava com pena
e nunca conseguia bater a meta. Resultado? Demitida de quatro empresas
diferentes, depois mais ninguém da área quis me contratar.

Eu também já trabalhei como atendente de fast food, só que por mais que eu
precise muito do emprego e do mísero salário mínimo, você sabe o que é
carma? É

aquilo que não importa o quanto você fuja, sempre vem atrás de você! O
meu se chama chefes prepotentes e arrogantes, e quem é que consegue
tolerar um gerente de fast food que se acha o poderoso CEO?! Deus, eu não!
E aí está, cinco demissões em cinco redes diferentes, e bum! Marcada como
uma má profissional, como se fosse eu a problemática.
Com os olhos cansados e o corpo travado por estar na mesma posição pelos
últimos vinte minutos, encaro o milésimo e-mail que estou enviando esta
semana. O

título? Vaga para vendedora. Nisso eu ainda não tenho

demissões suficientes para ser descartada, também não tenho nenhuma


experiência para ser considerada uma boa candidata, mas a verdade é que
estou atirando para todos os lados.

Não é como se eu pudesse escolher o emprego que

quero. Vejo a vaga e verifico os requisitos, se eu me encaixar, envio o


currículo. Senão, passo para a próxima. Com um olhar já treinado de tanto
fazer a mesma coisa, confiro na tela do computador o endereço de destino e
o arquivo anexado, meu extenso currículo de apenas uma página, a
mensagem curta de

apresentação no corpo do texto, e então, clico em enviar. A página atualiza,


mas depois de tantas tentativas e nenhum retorno, custo a acreditar que
algum desses e-mails vá dar em alguma coisa, envio só porque não tenho
nada melhor para fazer, afinal, meu checklist da falência está para lá de
completo: Dispensa e geladeira quase vazias? Checado!

Casa suja e sem material de limpeza para resolver?

Checado também!

Nenhum lugar melhor para ir ou estar? Checado!

Celular sem créditos para internet e ligações? Desde que acordei na terça-
feira!

Consegui enviar os e-mails porque neste horário eu roubo o wi-fi lento do


vizinho, enquanto ele vai buscar o filho na escola. Mas a coisa é tão lenta,
que se eu roubar enquanto ele está em casa e nós dois usarmos ao mesmo
tempo, o sinal cai e ambos ficamos sem nada. Então, só tenho mais dez
minutos de sinal, já que ele leva trinta para buscar o moleque, e já fazem
vinte que ele saiu.
Remexendo-me no chão duro, enquanto as

pequenas farpas dos paletes que formam minha cama maltratam minhas
costas apoiadas neles, suspiro derrotada, torço os lábios e inclino a cabeça
para o lado.

O que fazer, o que fazer?

A página de e-mail me devolve o olhar, mas, ao contrário de mim, ela não


tem boletos, então simplesmente não se importa. Oh, céus! Estou
enlouquecendo! Divagando sobre uma tela que se importa ou não comigo,
fala sério! E o maior problema nem mesmo é o fato de que estou imaginando
os pensamentos de um objeto inanimado que, obviamente, não tem
pensamentos, mas, sim, que quase ninguém se

importa comigo! E, definitivamente, a tela do computador não pode ser


incluída neste grupo mínimo.

É isso! E quando se trata de possíveis empregadores?

Aí ninguém se importa mesmo! Nenhuma das pessoas para quem eu venho


enviando e-mails há meses, pelo menos.

Nunca recebi nenhum tipo de retorno. Nenhum telefonema, nem para dizer:
não, obrigado, não estamos interessados. Nenhuma resposta de e-mail,
sequer algo absurdo ou ofensivo, como: recebemos seu e-mail, mas seu
currículo é péssimo! Não queremos você!

Estreito os olhos para a tela à minha frente, tendo meus pensamentos como
combustível para uma raiva da qual absolutamente ninguém é culpada, só a
vida.

Mas quando minha barriga ronca e me lembro de que tudo o que tenho para
comer é um miojo que precisará ser feito no micro-ondas, porque o gás
acabou semana passada, e porque estou racionando os 120 reais que recebi
da faxina que fiz na quarta-feira, a raiva cresce, ainda que eu não possa
acusar ninguém como culpado dela. Felizmente, o sentimento dura pouco,
porque, desde a noite passada, a constatação da minha falta de opções
acabou se tornando agridoce. Ao mesmo tempo
que me deixa triste, agora também me faz sorrir ao me lembrar da outra
pessoa nesse mundo inteiro, além da minha mãe, é claro, que se importa
comigo. Alguém que faz isso há muito tempo, minha melhor amiga, Joana
Pietra Goulart.

Ontem à noite nos falávamos no telefone e eu contava vantagem sobre a


competição idiota que faço comigo mesma todos os dias, sempre tentando
enviar mais e-mails do que enviei no dia anterior, apenas porque não tenho
nada realmente empolgante para fazer, e agradecia a ela, porque, sem o seu
notebook, eu jamais poderia bater meus próprios recordes, ou enviar
currículos e ter chances reais de sair da pindaíba em que me encontro, mas,
naquele momento, superar meus próprios recordes realmente parecia mais
importante.

Enfim, durante a ligação, ela me disse para comer o miojo e imaginar que
era um espaguete com molho de quatro queijos. Respondi que tentaria,
porque se eu consigo imaginar lasanha enquanto tomo vitamina de banana,
com certeza posso imaginar espaguete enquanto como miojo. A verdade é
que se não fosse por ela, talvez meus dias mais difíceis já tivessem se

tornado impossíveis. São suas mensagens e ligações que, mesmo de longe,


permitem que a sensação de solidão seja absoluta em alguns dias, não todos
eles.

A linda mulher loira de olhos azuis e corpo esguio já foi uma menina, e foi
nessa fase das nossas vidas que nos conhecemos, na escola, mas seu pai foi
transferido para São Paulo capital quando estávamos no segundo ano do
ensino médio, por isso nos separamos. Aqui na cidade o pai dela melhorou
de vida e agora a Jô faz faculdade particular, enquanto ainda mora com os
pais, que podem sustentá-la. Assim que me mudei para cá, nós nos
reencontramos, porque apesar da distância, nunca perdemos o contato.

Na infância brincamos de boneca. Na adolescência falamos de meninos. Na


época do ensino médio, fizemos planos para o futuro. Desde então a gente se
apoia na busca por eles. Os da Jô estão muito melhor encaminhados que os
meus, mas, ainda assim, ela sempre consegue tempo para estar comigo. É
para ela que eu choro minhas dores, conto minhas verdades, e é só com ela
também que nos últimos tempos tenho tido motivos para sorrir.
Ontem, quando me ligou, a Jô fez piada sobre eu me inscrever num site para
ser sugar baby. Falei para ela que eu já estava velha demais para ser baby de
alguém.

Não que eu me ache velha aos vinte e dois anos, mas para “competir” com
garotas de dezoito… Depois disso ela me perguntou se era essa, realmente, a
única razão para eu não fazer uma coisa dessas e, então, nós duas
explodimos em gargalhadas. Depois começamos a falar sobre possibilidades
reais de trabalho.

Conseguimos pensar em várias coisas, como, por exemplo, vender


brigadeiros na rua. O problema é que, para todas elas, eu preciso investir
algum dinheiro, mesmo que seja pouco. Por isso, decidi racionar o dinheiro
da faxina e Joana ficou de ver com tias e amigas da mãe dela se conseguia
mais algumas para mim. A conversa colocou alguns tijolinhos a mais na
reconstrução do meu estado de espírito. É sempre assim. Conversar com ela
sempre torna meus dias melhores.

Mas a vida adulta é muito diferente da infância e da adolescência, distanciar-


se dos amigos é inevitável, simplesmente não existe tempo o suficiente para
viver a própria vida e manter a mesma frequência de encontros

com os amigos. Joana faz o que pode, liga-me pelo menos duas vezes na
semana, sempre, não importa o momento, atende minhas ligações, e sempre
que pode vem me visitar ou me convida para visitá-la. Seus pais sempre me
trataram muito bem, mas nos últimos tempos evitei ir até a casa deles. O
olhar de pena em seus olhos não ajudava em nada a encontrar a melhora no
meu estado de espírito que costumo buscar em Joana.

A alegria que pensar na minha amiga me traz quase me faz esquecer o


famigerado miojo, só a lembrança da sugestão de arrumar um Sugar Dady
me faz gargalhar.

Decido melhorar a piada, já que estou velha para isso.


Com a cabeça cheia de ideias malucas implorando para serem exibidas para
algum par de olhos, clico em enviar um novo e-mail e escrevo o título: Vaga
para assistente pessoal.

Dessa vez não anexo meu currículo, mas, determinada a pagar minha amiga
nem que seja com alguns sorrisos, escrevo todas as minhas informações e as
coisas mais absurdas que consigo pensar no corpo do e-mail:

Eliza Salvador Porto

Brasileira — solteira — 22 anos

Rua Juvêncio Mariápolis, número 87, fundos,

Paraisópolis, São Paulo – SP

22 987655666 / elizasalporto@gipsymail.com

OBJETIVO:

Ocupar o cargo de assistente pessoal assistindo a todos os desejos pessoais


de meu empregador.

FORMAÇÃO ACADÊMICA:

2015 — Curso de informática básica

2016 — Ensino médio — Escola estadual Mariângela

Belize

2014 até a presente data — Extensa formação na arte do prazer adquirida em


romances de banca e em literatura consumida gratuitamente na internet.

EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS:

Nenhuma na área mencionada, mas estou mais do que disposta a aprender a


satisfazer todos os desejos do meu empregador exatamente como ele me
ensinar.
Sou muito rápida em aprender coisas novas e ser testada sobre elas é algo
que me deixa muito excitada.

PRÊMIOS E RECONHECIMENTOS:

— Cabelos longos, excelente para serem puxados;

— Pele clara, excelente para receber marcas de leves palmadas;

— Melhor beijo da cidade;

— Melhor boquete do estado

— Pepeca virgem, pronta para uma mudança de status.

A última frase me choca e me faz gargalhar ao mesmo tempo. Olho para as


pontas dos meus dedos, mal acreditando que realmente tenha sido eu a
escrever aquilo. Pepeca?

A tela do computador me recriminaria se pudesse e, enquanto gargalho, uma


outra ideia toma forma em minha mente. Bem, se é para ser absurda, vamos
ser direito, certo? Aos risos, no espaço abaixo do meu currículo, transfiro
para o computador as palavras que surgem na minha cabeça:

CONTRATO DE PRAZER

O presente instrumento pretende firmar um acordo empregatício entre as


partes contratada e contratante.

Tendo

como

seu
único

objetivo

garantir

comprometimento da contratada com sua tarefa. Para que, como


consequência, seja garantida também a satisfação do contratante.

Desta forma, a Contratada se compromete a se empenhar em cumprir todas


as tarefas que lhe forem solicitadas e em aprender e praticar tudo o que lhe
for ensinado.

São Paulo, _____,__________ de 2021.

__________________________________________

__

Assinatura da contratada

__________________________________________

___

Assinatura do contratante

O riso volta a tomar conta de mim com tudo e eu só volto a mim quando
ouço passos no corredor, meu

vizinho está chegando. Rapidamente, digito o destinatário do email:

jpgov.pessoal@gipsymail.com

Passo os olhos sobre o endereço, confirmando que é mesmo aquilo que eu já


sei de cor e clico em enviar, lamentando apenas o fato de que ficarei sem
internet e, caso Joana me envie uma mensagem, não poderemos
rir juntas da minha idiotice.

O ponteiro do relógio me afronta, enquanto continua a girar como se não


importasse o fato de ser sexta-feira à noite e eu ainda estar no escritório,
diante de uma mesa cheia de papéis, com a caixa de e-mails lotada e sem a
menor perspectiva de que horas sairei daqui. Do lado de fora São Paulo se
acende e a famosa selva de pedra se torna um grande show de luzes e
movimento.

Giro a cadeira, deslizando minhas pernas para fora da mesa, e não sei se sou
eu quem aprecia a vista da cidade, quarenta e dois andares abaixo de mim
através das janelas do chão ao teto, ou se é ela que me engole, enquanto me
desfaço em pensamentos e exaustão. Há seis meses, a uma hora dessas, eu
estaria a caminho de casa, para me preparar para uma noitada de respeito, ou
já estaria em uma. É engraçado como uma decisão muda tudo. Porra, eu
costumava ser o cara engraçado da roda! Eu! Agora, sou só o rabugento, o
que está sempre trabalhando ou falando de trabalho.

Com um suspiro, meus olhos se desviam das janelas e olho com atenção o
espaço em que estou. O escritório amplo, de chão e paredes revestidos por
mármore escuro, é cercado por vidro, com exceção da parede diante de mim,
aquela que me separa do restante da firma, assim ninguém vê o que acontece
aqui dentro.

Obras de arte, móveis assinados por grandes nomes, um bar com as bebidas
mais caras que o dinheiro pode comprar e, é claro, a cereja do bolo, uma
peça de design expondo todos os produtos atuais do grupo editorial Govêa:
revistas, jornais, folhetins, tudo o que trabalhamos aqui para produzir e
distribuir lá fora. Por tanto tempo estar nessa sala foi meu objetivo e agora
aqui estou eu, olhando para ela, questionando-me.
Não tenho dúvidas de que vale a pena, mas, definitivamente, eu esperava
que fosse diferente. Quer dizer, eu tive um pai presente, então porque
caralhos eu não tenho conseguido me fazer presente na minha própria vida?
Eram outros tempos… O tempo valia e durava mais do que hoje em dia…
Ainda assim, essa constatação apenas traz de volta à minha mente a pergunta
que eu venho repetindo com frequência há pelo menos dois meses: o que eu
estou fazendo de

errado? Porque alguma coisa, com certeza, não está certa…

Resignado, sacudo a cabeça, afastando de mim os pensamentos e decidindo


voltar a trabalhar. Quando abaixo meus olhos para as planilhas na tela do
computador, um pequeno tremor atinge a mesa e o zumbido de vibração soa
no escritório. Ao olhar para a tela do celular, vejo uma notificação de novo
e-mail e ignoro. Norma fará a triagem, e depois que eu responder todos os
que já estavam na caixa de entrada, em algum momento, chegarei a ele.

É o toque sutil do telefone de mesa e a luz vermelha piscando, indicativa de


que é uma chamada da minha secretária, que me arranca dos meus
pensamentos.

— O senhor ainda vai precisar de alguma coisa hoje, Sr. Govêa?

— Não, Norma! Está tudo bem por hoje! Tenha um bom fim de semana.

— Tudo bem, meu filho! Eu pedi para o Fazzano’s entregar o seu jantar às
21h. —Tudo na frase me faz sorrir. Do vocativo informal, agora que o seu
horário de expediente foi oficialmente encerrado, ao cuidado em

pedir meu jantar antes de ir embora, mesmo que eu não tenha pedido que
fizesse isso, ela nunca me deixa antes de ter certeza de que irei me alimentar
corretamente, como se eu ainda tivesse dez anos de idade e não fosse capaz
de cuidar de mim mesmo.

Norma faz parte da família Govêa há quase quarenta anos, chegou aqui aos
vinte, como datilógrafa, quando essa profissão ainda existia. Depois foi
secretária do meu pai por todo o tempo em que ele comandou o grupo, agora
é a minha. Ela conhece o funcionamento da empresa melhor do que muitos
novos profissionais que chegam aqui com seus diplomas e Mba’s ainda
reluzindo, de tão novos. Nenhuma faculdade ensina o que ela sabe, nenhum
curso de graduação, pós-graduação ou especialização ensina o que ela já viu.

A pequena mulher de cabelos curtos e corpo arredondado me viu crescer,


literal e figurativamente.

Viu-me na barriga da minha mãe, depois moleque, andando deslumbrado por


esses corredores. Viu também bem de perto a fase em que me achei o dono
do mundo e andava por aqui com o nariz empinado e o peito estufado,
achando-me melhor do que os

funcionários, porque sabia que um dia eu seria o que sou hoje, aquele quem
controla tudo isso.

Tratei-a mal uma única vez. Moleque, eu a diminuí.

Disse que deveria fazer o que eu mandasse, porque eu era o dono de tudo
isso. Meu pai descobriu, um outro funcionário viu e contou. Ele me chamou
para conversar e, mesmo que não tenha feito diferença na minha forma
rebelde de pensar da época, ele me fez pedir desculpas à Norma. Foi a
primeira lição de negócios que me ensinou explicitamente: “Nenhum
funcionário respeita um patrão que não os respeita”, disse e, mesmo pedindo
desculpas, só fui entender o que aquilo realmente significava anos depois.

Que foi também quando perguntei à própria Norma: por que ela não contou
ao meu pai o que eu fiz? Por que foi preciso que uma terceira pessoa
contasse? Eu estava começando a faculdade na época e ela me disse que não
importa o que vistam, como cheirem ou o que comam, crianças são apenas
crianças.

— Você não precisava ter se preocupado em me alimentar, Norma! Eu não


sou mais criança. —

resmungo em tom de brincadeira.

— Não importa o que vistam, como cheirem, ou o que comam, crianças são
apenas crianças, e sempre serão crianças, minha criança — recita a frase dita
anos atrás e repetida muitas outras vezes depois, fazendo-me sorrir e
concordar com a cabeça.
— Obrigado, Norma! Até segunda.

— Até! Os e-mails recebidos até às 18:30h foram separados e organizados


nas pastas por ordem de prioridade, já suspendi o recebimento de
notificações até segunda-feira. E sua agenda de segunda também foi
atualizada e já está disponível para você — diz, enquanto anda até o
aparador de frente para a mesa redonda de oito lugares que ocupa parte do
lado esquerdo da sala e retira de lá um prato e talheres, para, logo depois,
deixar tudo sobre a mesa.

— Eficiente até o último fio de cabelo branco —

brinco, já que ela é uma senhora de pele morena e absolutamente todos os


fios de seus cabelos são brancos.

— É a única maneira de fazer as coisas. — Sorri para mim, dá uma piscadela


e se vira, saindo da sala.

Quando ouço o apito do elevador avisando que Norma já não está no andar,
o sorriso plantado por ela ainda está no meu rosto. A vida pode não estar
exatamente como eu gostaria, mas não está ruim e em algum momento vai
chegar aonde deve. Com isso em mente, abandono as reflexões, tiro o
relógio do pulso, deixando-o com o visor voltado para baixo, e mergulho no
trabalho. Comparo planilhas, aprovo comunicados e relatórios, peço o
agendamento de reuniões, confiro balancetes e planos de negócios.

— Sr. Govêa? — Surpreendido pelo som súbito depois de tanto tempo em


silêncio, levanto a cabeça e me deparo com Jhonatan, um dos seguranças do
andar, parado na porta da minha sala, com uma sacola de papelão erguida
nas mãos em uma declaração

silenciosa. Eu me dou conta de que, provavelmente, já passa das 21h e levo


as mãos ao rosto, esfregando-o nas palmas, tentando espantar o cansaço.

— Desculpe, senhor. Eu bati, mas acho que o senhor não ouviu.

— Está tudo bem, Jhonatan. Não tem problema nenhum. Você pode deixar
em cima da mesa, por favor?
Isso é coisa da Norma. — Respondo, cansado, ansioso por uma chuveirada e
pela minha cama.

— É a única maneira de fazer as coisas? — Ele entra na sala, deixando a


sacola de papel sobre a mesa, enquanto faz a pergunta e eu sorrio.

— Exatamente, meu caro.

—Boa noite, Sr. Govêa.

— Boa noite, Jhonatan. Obrigado. — Eu o observo fechar a porta e logo


depois recosto na cadeira, fechando os olhos e, mesmo com eles fechados,
vejo números e mais números.

— Porraaa… — Em um único impulso levanto,

dirigindo-me até o bar. Sirvo uma dose dupla de Macal an e giro-o no copo
algumas vezes antes de levar o primeiro gole à boca. O cheiro forte afeta
meus sentidos antes do sabor, relaxando-me. O gosto amargo, seco e frutado
se desdobra em minha língua e eu aproveito cada gota que desliza garganta
abaixo.

Lá fora, a noite alta de São Paulo se desenrola, com as ruas comerciais ao


redor da sede da Gôvea desertas e silenciosas. Alguns carros passam hora ou
outra, mas o vazio predomina. Enquanto observo o nada pela

janela, vejo as primeiras gotas de chuva caírem, primeiro elas vêm finas e
espaçadas, mas em questão de minutos tornam-se grossas e rápidas, uma
chuva cada vez mais volumosa. Mas como chuva de verão, antes que eu
esvazie meu copo, já passou.

O carro desliza pelas avenidas de São Paulo, saindo da avenida paulista e


indo na direção dos bairros Jardins, deixo minha cabeça pender para trás e
mantenho meus olhos fechados. Com as mangas da camisa dobradas, os
primeiros botões abertos e o paletó e a gravata jogados ao meu lado no
banco do carro, respiro fundo, ansiando pela minha cama.

O celular vibra no meu bolso, despertando-me, penso em ignorá-lo, mas me


lembro de que minha mãe me enviou uma mensagem hoje de manhã e eu
ainda não respondi. Assim que desbloqueio a tela, a notificação de um novo
e-mail chama minha atenção, afinal, Norma disse que havia bloqueado novas
notificações de e-mail.

Franzo as sobrancelhas, confuso. Isso não faz sentido, se ela tivesse


esquecido, com certeza eu teria muito mais do que uma única notificação.
Ao abrir o aplicativo já logado na conta comercial, eu me surpreendo ao me
deparar com a caixa principal vazia.

Será possível? Mas ninguém nunca envia e-mails para o meu pessoal…
Basta deslizar o dedo pela barra de notificações para constatar que eu estava
errado, aparentemente, alguém me enviou, sim, um e-mail para a conta
particular, mas isso nem é o mais surpreendente. O que me faz arquear uma
sobrancelha e me sentir ainda mais confuso sobre a situação inusitada é o
título da mensagem eletrônica: Vaga para assistente pessoal. Mas que
porra…

Curioso com a primeira situação inocentemente inesperada em meses, abro o


e-mail. Porque, ultimamente, todas as surpresas que tenho recebido são
problemáticas. Falha de fornecedores, contratos vencidos, contas
inconsistentes… Merda atrás de merda. Meus olhos acompanham as
palavras e minhas sobrancelhas se franzem, é realmente um currículo.

Leio a primeira parte, com os dados pessoais da remetente. Que perigo! Isso
poderia ter ido parar na mão de um psicopata, ao invés de nas minhas… A
mulher mora em Paraisópolis? Que merda…

Vinte e dois anos… Eliza Porto… objetivo… espera, o quê? Leio o texto
pelo menos três vezes para ter certeza de que não estou vendo coisas ou
imaginando

ambiguidades e estou quase me convencendo disso, quando chego ao último


item descrito na sessão de Formação do documento e eu rio. Que porra é
essa?

Se o primeiro parágrafo deixou dúvidas sobre a existência de um duplo


sentido, o terceiro não deixa nenhuma! Está, literalmente, dizendo que a
mulher faria qualquer coisa que lhe fosse ensinada. Uma risada baixa me
escapa e minhas sobrancelhas, que já haviam relaxado, voltam a se franzir
levemente enquanto eu balanço a cabeça em negação. De onde isso veio?!

Finalmente, chego à última sessão do currículo, o primeiro item me faz


arregalar os olhos, o último me faz perder completamente o controle e eu
gargalho. O riso brota no fundo da garganta e sai descontrolado, fazendo
com que eu me contorça e com que meus olhos lacrimejem. Rio como há
muito tempo eu não ria. Rio até perder o ar, começar a soluçar e precisar me
obrigar a me acalmar.

— Marcos, seu filho da puta! — Preciso dizer em voz alta, mesmo que só
para eu mesmo escutar. Eu sabia que ele era uma vadia, mas, porra! Olho
para o celular nas minhas mãos, acendo a tela e releio a última frase

“Pepeca virgem pronta para uma mudança de status”. E

quando leio as últimas linhas, um “contrato de prazer”

ridiculamente escrito, perco a batalha interna que vinha travando, o riso


volta a irromper da minha boca, até que minha barriga esteja doendo
novamente, e eu levo alguns minutos para perceber que o carro está parado e
que minha porta está aberta, enquanto Luiz, meu motorista, me encara com
uma expressão divertida no rosto.

Respiro fundo várias vezes, esforçando-me para recuperar o controle pela


segunda vez, nem me preocupo em reunir minhas coisas espalhadas pelo
carro, apenas me viro, passando pela porta e fazendo um aceno para Luiz,
porque se eu precisar explicar o que está acontecendo, provavelmente terei
outra crise de risos. Faço o caminho até a entrada de casa, balançando a
cabeça para os lados, incrédulo. O infeliz fez um e-mail falso só para me
sacanear. Deve realmente estar com tempo sobrando… Mesmo

sabendo que a vadia do Marcos com certeza está na noite a essa hora e não
vai me responder, mando uma mensagem para ele: “Assistente pessoal?
Você é um filho da puta! Kkkkkk”

Diante de uma mesa diferente da que eu estava na noite anterior, mas


igualmente cheia de papéis espalhados, passo a tarde de sábado trancado no
escritório de casa, resolvendo pendências atrás de pendências.
É só à noite, quando estou prestes a sair de casa para um jantar de negócios
com um cliente que só estará em São Paulo este fim de semana, que recebo
um sinal de vida de Marcos. Um que me faz estreitar meus olhos para o
telefone ao ler sua mensagem:

“Não sei do que você está falando, mas fico feliz de servir de palhaço para
você a qualquer hora. E quanto à idade, a mesma que você, babaca. Só que
sou mais bonito e inteligente!”

Interrompo meus passos quando vejo a mensagem recebida, arqueando uma


sobrancelha para o aparelho celular na minha mão. Filho da puta, miserável!
Vai mesmo negar? Ah, mas não vai! Faço, então, a única coisa possível,
reabrindo o e-mail, tiro um print da tela e envio para ele, só então volto a
caminhar.

Entro no carro e me acomodo, o telefone em minha mão vibra e toca,


enquanto a foto de um Marcos

sorridente, sem camisa, com o mar ao fundo, acende na tela. Inclino a cabeça
para o lado, provavelmente ele quer se gabar da sacanagem que fez. Bufo,
meio indignado, meio divertido, e toco o ícone verde, atendendo ao telefone.
As gargalhadas escandalosas inundam o carro de tão altas, ainda que o
celular não esteja no viva-voz.

— Tudo bem, eu tenho que admitir! Essa sua ideia adolescente me fez quase
rolar no chão de rir. —

reconheço a contragosto. Ele demora vários segundos para parar de rir e


responder e eu mesmo me pego sorrindo, quando me lembro de todos os
absurdos escritos naquele e-mail. Ouço Marcos respirar fundo várias vezes,
o som baixo de um assobio de quem tenta se controlar e até mesmo alguns
ai, ai antes que eu finalmente ouça sua voz em uma frase completa.

— Porra, João! Isso é sério? Alguém realmente te mandou esse e-mail? —


pergunta com o tom de voz abafado pela tentativa de controlar a respiração,
mas ele falha e volta a explodir em risos. Eu afasto o telefone da orelha,
rindo também.

— Marcos, deixa de ser vadia! Eu sei que você que me enviou essa porra…
— Eu adoraria levar o crédito, porque, sério! A ideia é genial! Eu te disse
que você deveria contratar uma secretária pra foder, e olha só! Esse currículo
seria perfeito! Pele clara pra marcas de leves palmadas? Puta que pariu,
João! Se isso fosse verdade e você não contratasse, eu contrataria! — diz
depois de várias respirações profundas, mas sua última frase faz com que
nós dois gargalhemos.

— Não fode, Marcos! Você parece um adolescente, tá te sobrando tempo pra


ficar fazendo contas aleatórias de e-mail só pra me sacanear. Quer que eu
processe alguém pra você ter trabalho? — pergunto, irônico, e em instantes,
aparentemente recuperado da crise de risos, ele me responde.

— João, eu realmente não acho que essa

genialidade possa ser chamada de desperdício de tempo, mas eu não tive


nada a ver com isso. — Seu tom é leve e divertido, mas eu franzo as
sobrancelhas.

— Não? — pergunto, sério.

— Não, meu amigo! Infelizmente, alguém foi mais rápido que eu dessa vez.

— Mas que porra! — As palavras saem sem que eu perceba que estou
falando em voz alta.

— Que foi?

— Que foi? Como o que foi, Marcos? Se não foi você, então quem?

— Algum amigo?

— Por que algum amigo, além de você que é babaca

por natureza, me enviaria algo assim?

— Pela piada, porra!

— Marcos, essa piada só tem graça com contexto.


Sem contexto, não faz o menor sentido…

— Acho que você tá pensando demais sobre isso, foi só uma brincadeira de
algum idiota…

— Talvez…

— Com certeza! Escuta, tô indo pra Biach, o que acha? Vamos?

— Não, tô a caminho de uma reunião, não sei que horas vou sair de lá e
ainda tenho uma porrada de coisa pra fazer no escritório quando voltar…

— Trabalhando no fim de semana, João?! Porra!

— Pesada é a cabeça que usa a coroa, meu amigo!

E um dia será a sua! — Respondo, sorrindo com a perspectiva.

— Vai agourar o cu, filho da puta! — É a resposta infantil que recebo e que
me faz gargalhar. — Deixa de ser frouxo, porra! Desde quando virar a noite
é problema? —questiona minha negativa.

— E quem foi que disse que eu não vou passar a noite acordado? Só não vai
ser vadiando, caralho!

— Bom, peso demais pode causar decapitação.

Cuidado com essa coroa, meu bom! —Seu tom é debochado e eu apenas
repito para ele o discurso que sempre funciona com as suas provocações.

— Um dia vai ser a sua…

— Vai-pra-porra!

— Tchau, Marquinhos! Boa noite! — Eu me despeço,

mas ele não tem a mesma cortesia e simplesmente desliga o telefone.


Quando olho para o aparelho com a intenção de confirmar o fim da
chamada, a tela se acende e a imagem do print do e-mail faz com que todos
os meus pensamentos se voltem para uma pergunta: de onde isso veio?

Durante o restante da noite e todo o domingo, esse questionamento me


atormenta. Eu poderia responder perguntando quem é, mas realmente não
acho que tenha sido a brincadeira de um conhecido, e caso seja um
desconhecido que sabe quem eu sou, um jornalista, por exemplo, uma
resposta só vai criar confusão.

O problema é que não importa quantas vezes eu desvie meus pensamentos,


eles sempre voltam para o mesmo lugar. De onde veio essa porra de e-mail?
Quem enviou? Como tinham meu endereço pessoal? Depois que a manhã de
segunda-feira passa sem que eu tenha produzido nem mesmo metade do que
deveria, tomo uma decisão. Abrindo mais uma vez o e-mail, que já li pelo
menos cinquenta vezes desde que recebi, anoto em um pedaço de papel o
nome e o telefone registrados, depois faço uma ligação para minha
secretária.

— Norma, você pode vir até aqui, por favor?

— Pois não, Sr. Govêa? — pergunta ao entrar na sala.

— Norma, eu preciso que você tente marcar uma entrevista de emprego com
essa pessoa pra mim. —

Digo, estendendo para ela o papel com os dados e Norma franze as


sobrancelhas.

— Desculpe, senhor. Nós estamos contratando? E

não é o setor de recursos humanos quem conduz os processos seletivos? —


questiona, como sempre muito atenta a tudo o que acontece na empresa.

— Não é para a empresa, Norma. É pra um cargo pessoal. Você pode fazer
isso, por favor? Tente contato e se conseguir agende para amanhã aqui no
escritório às… — pauso um instante, pensando qual seria o melhor horário
para receber essa pessoa que pode ser um amigo idiota, um jornalista
armando para mim ou uma prostituta testando novos métodos de captação de
clientes. Depois do expediente, então. Definitivamente, depois do
expediente. — Às dezenove e trinta. Me avise assim que tiver uma resposta.

— Tudo bem, e qual é o cargo? — Ela questiona e eu arqueio as


sobrancelhas em uma pergunta silenciosa.

Ela se explica: — Senhor, eu devo dizer que é uma entrevista para quê?

— A candidata está a par, só faça o mais rápido possível e me informe assim


que tiver um retorno.

— Tudo bem. — Balança a cabeça e logo depois se retira.

Fico encarando a porta por vários minutos, pensando nas possibilidades de


ser um jornalista, um engano, ou de o telefone nem mesmo existir. Passo um
bom tempo olhando para a tela do computador à minha frente sem que
minha mente realmente processe as informações ali escritas. Mas no
momento em que a luz vermelha do telefone de mesa acende pela primeira
vez, antes mesmo que ele possa tocar, eu já atendi a ligação de Norma.

— Sim! — digo rápido, sem me lembrar de esconder

a ansiedade.

— Está marcado, senhor. Amanhã às dezenove e trinta. Precisa que eu


providencie alguma coisa? — Só presto atenção na primeira parte. Como
assim está marcado? Puta que pariu! Era uma prostituta! Mas como caralhos
uma prostituta conseguiu meu e-mail pessoal?

Ou não, afinal, ainda pode ser um jornalista esperando que eu caia nessa…

— Senhor? — Norma me chama e eu desperto dos meus próprios


pensamentos.

— Sim, Norma! Me desculpe, o que você disse?

— Perguntei se o senhor precisa que eu prepare algo para a entrevista.


— Não, só vou precisar que você fique até o horário de início para receber a
candidata. Ok?

— Perfeito. Algo mais, senhor?

— Por enquanto, não, Norma, obrigado. — Desligo a chamada atônito.


Achei que a ligação seria a prova dos nove e me devolveria a paz que perdi
desde que Marcos me disse que não foi ele quem enviou o e-mail, mas
parece que o universo tinha outros planos.

— Que porra!

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AGORA MESMO!

Em todos os livros, apesar de ser a última, essa é sempre a página em branco


mais fácil de preencher. Mas não nesse.

Não, porque agradecer por esse livro, especificamente, é mais do que


agradecer pelas páginas que você, querida leitora, acabou de ler. É agradecer
por você e por cada engrenagem no universo que, no dia 7 de maio de 2021,
dia em que o primeiro livro dessa trilogia foi lançado, girou e cooperou para
que a minha vida fosse completamente transformada através dos livros.

Então, antes de qualquer coisa, obrigada àquele que gira as engrenagens do


universo. Obrigada, @Deus! O Senhor é top!
Obrigada ao meu parceiro de vida, que acredita nos meus sonhos e os
incentiva todos os dias, Daniel, isso é por nós.

Obrigada à minha parceira de crime, que leu um absurdo no WhatsApp e ao


invés de me mandar parar de ser louca, disse: Bora!

Obrigada à minha família, pelo apoio de sempre. Vocês seguraram a minha


mão quando eu não sabia para onde ir e disseram que estava tudo bem, eu
tinha todo tempo do mundo.

Obrigada a cada um que entrou na minha vida através dos livros e fez dessa
mudança algo magnifico, amigas, leitoras e autoras.

E, àquela, onde tudo começou. Obrigada, Eliza. Esse ponto final é para você.

Obrigada, querida leitora! A Lola só existe por que você permite!

Ah, me segue no insta! @lola.belluci.autora

[1] A expressão significa “perdedor” em inglês.

[2] O Bilhete Único é um sistema de bilhetagem eletrônica que unifica em


apenas um sistema, toda a bilhetagem dos meios de transportes [1], gerando
assim benefícios aos seus usuários, tais como as tarifas integradas, ou seja, o
Bilhete Único oferece desconto ou isenção da tarifa ao se utilizar meios de
transporte dentro de um determinado período de tempo.

[3] Objeto do universo Harry Potter em que é possível expor e guardar


pensamentos de maneira externa à própria consciência.

[4] O Viaduto do Chá foi o primeiro viaduto a ser construído na cidade de


São Paulo, localizado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Foi
idealizado pelo francês Jules Martin em 1877, mas inaugurado apenas em 6
de novembro de 1892.

[5] Quarto vermelho da dor é como a personagem Anastasia Steele se refere


ao quarto de jogos BDSM de Christian Grey no livro Cinquenta tons de
cinza.
[6] Silvio Santos OMC, nome artístico de Senor Abravanel, é um
apresentador de televisão e empresário brasileiro. Possui mais de sessenta
anos de carreira.

Nasceu no bairro da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro,


então capital do Brasil e sede do então Distrito Federal.

[7] Reality show brasileiro que acompanhava o cotidiano de mulheres ricas e


poderosas e mostrava em detalhes o que o dinheiro pode fazer.

[8] O Projeto TAMAR é um projeto conservacionista brasileiro que atua na


preservação das tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção. É uma entidade
de direito privado, sem fins lucrativos e fica sediado em Praia do Forte, na
Bahia.

[9] Receita italiana de massa coberta por um molho de quatro queijos.

[10] Que possui tamanho reduzido e simultaneamente refinado, elegante,


delicado.

[11] Instituto Nacional do Seguro Social[1] (INSS) é uma autarquia do


Governo do

Brasil vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Provisória[2] que


recebe

as contribuições para a manutenção do Regime Geral da Previdência Social,

responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão


por

morte, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão e outros benefícios

[12] Um NFT (non-fungible token/token não fungível) é uma tecnologia que


permite a criação de uma assinatura única, um certificado digital que
assegura a autenticidade de algo. Isso pode ser um arquivo de imagem, uma
música, um tweet, um texto publicado num site, itens físicos e diversos
outros formatos digitais.
[13] A liga dos campeões da UEFA (em inglês: UEFA Champions League) é
uma competição anual de clubes de futebol a nível continental, organizada
pela união das associações Europeias de Futebol (UEFA) e disputada por
clubes europeus.

[14] A Maserati é uma tradicional fabricante de automóveis italiana fundada


em Bolonha.

[15] Sirius Black é um personagem da série Harry Potter de J. K.

Rowling.

[16] "Baby Looney Tunes" foi uma série de televisão animada co-
produzida entre os Estados Unidos e o Canadá que descreve as versões
infantil e pré-escolar dos personagens de Looney Tunes. Foi produzido pela
Warner Bros. Animation. [1][2]

O programa estreou como uma série completa em 3 de junho de 2001 e


retornou às estações WB geralmente antes ou depois do bloco WB para
crianças de 2001

a 2003 e continuou a ser exibido na Cartoon Network de 2004 a 2006

[17] O tiramissu é uma sobremesa tipicamente italiana, possivelmente


originária da cidade de Treviso, na região do Vêneto, e que consiste em
camadas de biscoitos de champagne, também chamados de biscoitos.

[18] Plano Perfeito - canção de Lourena e MC Don Juan

[19] Quando o mar está com ondas muito largas, que são difíceis de pegar
quando se está próximo a elas.
Document Outline
SINOPSE
DEDICATÓRIA:
PLAYLIST:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
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23.
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26.
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34.
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37.
38.
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40.
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42.
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44.
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46.
47.
48.
49.
50.
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
AMOSTRA DO PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA
AGRADECIMENTOS

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