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CONTRATO DE PERDIÇÃO
1ª Edição
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.
Capista: Jsummerdesign
Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da
autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.
SINOPSE
DEDICATÓRIA:
PLAYLIST:
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EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
AGRADECIMENTOS
Conhecido por sua obsessão por vitórias, pela primeira vez, o CEO da
Magalhães Capital perdeu uma aposta e, agora, tem uma tarefa a cumprir:
passar três meses com a mesma mulher, e só com ela.
como irmão e dois empregos em seu currículo, não lhe sobra tempo para
muita coisa.
Quando o cliente da padaria onde trabalha, por quem ela não tem uma
queda, mas um abismo inteiro, lhe faz uma proposta absurda de namoro de
mentira, ela não precisa nem pensar para lhe dar uma resposta: “Sim, por
favor! Mas sem sexo!”
Afinal, virgindade não é sinônimo de burrice e Milena sabe muito bem que
um homem capaz de propor uma coisa dessas pode ser ótimo para olhar, mas
nada bom de se manter.
Ele está se tornando obcecado pela única mulher que não pode ter.
CLIQUE AQUI
05. Modo Turbo – Luísa Sonza, Pablo Vittar e Anitta 06. Plano Perfeito –
Lourena, Haga, , MC Don Juan 07. Coringa – Jão
08. Geleira do Tempo – AnaVitoria, Jorge & Mateus 09. Ela tem o dom –
Tritom
— Obrigada, Mile! Você sempre salva a minha vida! — Bárbara diz com a
mão no peito, sobre a gola do terninho cinza que veste, em seu
agradecimento diário antes de deixar sua, também diária, contribuição no
pote de gorjetas ao lado do caixa.
Ergo meus olhos e dispenso suas palavras com um aceno rápido. Eu jamais
me recusaria a fazer qualquer coisa que pudesse para ajudar uma mãe solo.
Não quando eu tenho uma em casa que sempre fez das tripas ao coração por
meu irmão e eu. Sei bem que qualquer ajuda, mesmo que seja apenas
conseguir comprar o lanche favorito da filha cinco minutos antes do horário
oficial de abertura da padaria, faz toda a diferença.
— Imagina, Bárbara. Você sabe que pode contar comigo. — Ela se despede
com mais um sorriso agradecido antes de passar pela porta em que a placa
pendurada ainda tem a palavra “Aberto” virada para o interior do
estabelecimento.
Solto um suspiro longo e deslizo os olhos lentamente pelo lugar onde tenho
passado muito mais do meu tempo do que em casa nos últimos dois anos. A
Garden Gourmet nada mais é do que uma padaria para lá de gourmetizada,
exatamente como todos os estabelecimentos dos bairros Jardins, em São
Paulo.
Da primeira vez que passei pela Garden, mesmo que só em sua calçada, eu
tive certeza de que jamais poderia pagar pelo que quer que vendesse ali, eu
sequer tive coragem de entrar. Meses depois, quando comecei a trabalhar
aqui como jovem aprendiz, eu pude confirmar minhas suspeitas que, na
verdade, sempre haviam sido certezas.
A fachada azul Tiffany e branca só não é mais atrativa do que seu interior,
todo planejado para se parecer com um desenho de duas dimensões. Do chão
às luminárias, em uma foto, tudo parece exatamente como rabiscos
monocromáticos sobre uma folha de ofício branca.
acordo com o pai dos burros do século XXI e daqueles que não são ricos o
suficiente para conhecer presencialmente cafeterias que ficam do outro lado
do mundo, ele está certo, e dando a César o que lhe pertence, a padaria
paulistana é tão bonita quanto o café na Coréia do Sul.
Olho para o relógio que mais parece um desenho infantil rabiscado sobre a
porta. Seis e quarenta e cinco. Ainda faltam quinze minutos para abrirmos.
— Irritantemente eficiente, como sempre... — A voz arrastada e mal-
humorada me faz virar o pescoço. Encontro Clarissa passando pelas portas
vai e vem enquanto amarra o avental meio amarrotado na cintura.
— Bom dia pra quem, Mile? Você é o único ser humano capaz de estar de
bom humor às seis e quarenta e cinco da manhã. E logo você! De todas as
pessoas que eu conheço, você é a maior detentora do direito de ser mal-
humorada pela manhã! — Ela me encara com as sobrancelhas arqueadas
como se o que tivesse dito fosse óbvio. — A qualquer hora do dia, na
verdade — murmura as últimas palavras e eu não sei se deveria ter ouvido,
mas o comentário me faz bufar.
Não que eu discorde dela, mas quem é que tem tempo para perder com mau
humor quando se têm dois empregos, um irmão adolescente rebelde e uma
mãe precisando de tratamentos médicos que custam os olhos dos quais
preciso para enxergar? Por favor!
— E quando eu crescer, eu vou ser igual a você! — diz, antes de seus olhos
negros mudarem drasticamente, passando, com uma velocidade
inacreditável, a se parecer exatamente como os do gato de botas e eu já sei
exatamente o que ela está prestes a me pedir.
— A sua cara de pau não tem limites, Clarissa! — acuso e ela nem mesmo
se dá ao trabalho de negar.
E assim você vai poder trocar uma piadinha com o cliente gostoso das sete e
quinze. Eu sei que seu dia fica um pouco mais cinza quando você não
consegue fazer isso — ela comenta despretensiosamente e algo como um
guincho deixa minha boca quando eu me apresso em negar. Mas nem eu
acredito na minha tentativa ridícula.
O cliente das sete e quinze. Apenas pensar sobre ele faz um arrepio nervoso
atravessar minha espinha de ponta a ponta e uma sensação gelada tomar
conta da minha barriga. Eu não sei seu nome, não sei o que ele faz para
viver, não sei nada sobre ele, além de que é um feliz morador de algum dos
apartamentos luxuosos sobre as nossas cabeças e que todas as manhãs ele
pede um mocha e dois pães de queijo.
Parece pouco para um café da manhã, mas qualquer um que veja aquele
corpo esculpido por deuses e sempre exposto em
ternos, sem dúvida alguma feitos sob medida, entenderia. O homem tem a
pele morena num bronzeado eterno como se vivesse de sol e mar, mas isso
não é tudo. Está muito longe de ser tudo. Seus cabelos têm cachos caindo
pela nuca e cobrindo as orelhas em um comprimento que não é longo nem
curto e seus olhos são de um tom obsceno de azul.
Na verdade, pensar ou usar meu grande amigo google para pesquisar essas
piadas se tornou uma tarefa obrigatória no meu dia.
E eu sei que eu poderia aproveitar muito melhor o tempo que perco fazendo
isso, sendo mal-humorada, por exemplo. Mas prioridades, não é mesmo?
Nos últimos dois anos, o dono dos meus mochas melhores preparados, só
deixou de vir tomar café cinco vezes e só entrou aqui em qualquer outro
horário que não fosse às sete e quinze da manhã três vezes. Nas três, ele
comprou um brigadeiro depois do almoço e eu tenho certeza de que aquelas
foram fugas não planejadas.
— Tudo bem — balbucio quando me dou conta de que fiquei tempo demais
em silêncio, divagando sobre o cliente, para ser possível argumentar contra
as certezas de Clarissa e o sorrisinho em seu rosto não deixa qualquer dúvida
sobre isso.
— Sério? — é o melhor que consigo dizer em resposta e é claro que isso não
é o suficiente para evitar as palavras que eu sempre soube que ouviria.
— Ah, pode ter certeza de que é muito sério! — O sorriso na voz de Arthur
tem cheiro, cor e gosto. Eu os sinto, mesmo à distância. —
Algum idiota, novo na escola, achou que seria uma boa ideia mexer com
Pedro por ele ser o típico garoto nerd de corpo franzino, sempre carregando
livros, usando óculos retangulares e com os cabelos bagunçados. Nós
mostramos ao imbecil e aos seus amigos que, não. Não era.
todos os dias. Pedro fazia o mesmo, mas ao invés de aproveitar o tempo que
estava lá usando barras e supinos, ele estava jogando LOL.
— E ser um perdedor duas vezes? Um que perde e que não aceita isso? Ah,
não. — Ele estala a língua, adorando cada segundo disso. — Isso não
combina com você, Bruninho. — Fodidos. Bando de fodidos que sabem
apertar todos os meus malditos botões. Todos eles, ainda que agora eu esteja
aturando apenas um. Eu simplesmente não conseguiria ignorar suas
chamadas e dizer, ainda que silenciosamente, que eles ganharam de novo.
Fingir que não me importo até ser verdade ou, pelo menos, até que eles
acreditem que sim. Apesar de duvidar muito que isso vá acontecer. Eles me
conhecem há tempo demais.
— Vocês não têm mais o que fazer, não? Da última vez que eu chequei,
vocês eram empresários renomados, não desocupados que podem ficar me
ligando de hora em hora pra me infernizar.
— Ah, nós somos! — Ele ri, uma gargalhada leve que me faz aumentar o
aperto da mão ao redor do aparelho celular. — E é por isso que cada um de
nós pediu às secretárias que acrescentasse à agenda um compromisso cíclico.
O código é beber água. Acredita?
Apostar? Sim. O tempo todo. Perder? Jamais. Exceto por essa vez. Essa
maldita vez em que, nem em um milhão de anos, eu teria previsto que minha
aposta estaria completamente equivocada.
Uma escola que eu pudesse chamar de casa e que estaria sempre cheia,
diferente da minha casa de verdade constantemente vazia, simplesmente
pareceu uma boa opção, mesmo que eu só tivesse nove anos na época.
risada. Ela me solta e eu puxo meu pai, já parado ao nosso lado, para um
abraço.
Diferente da minha mãe, que está sobre saltos, mesmo dentro de casa, meu
pai está confortavelmente vestido em bermudas e uma camiseta polo.
reproduzir a amizade dos nossos pais nunca esteve nos planos de qualquer
um deles.
Aquela era uma relação a dois e eu estaria pouco me fodendo para o casal se
eles não fizessem questão de se exibir como se fossem sempre melhores do
que eu. Minha competitividade exagerada nunca foi injustificada. Primeiro,
eram os brinquedos, depois, as conquistas acadêmicas, e, por último, as
mulheres.
Dos dois, João Pedro sempre foi aquele que considerei o pior. O
Com Marcos as coisas eram diferentes. Nós nunca seríamos amigos, mas
quando ele estava sozinho, até podíamos manter uma conversa de um
minuto. Ele eu podia tolerar. Ou, pelo menos, costumava poder. O filho da
puta tinha que ser embocetado e me fazer perder, pela primeira vez na vida,
uma aposta?
Aquele bastardo nunca ficou com uma mulher por mais de uma semana. A
notícia de que ele estava prestes a se casar não soou
nada menos do que absurda. Ainda mais do que a do casamento de João
Pedro, algum tempo antes. Por isso, apostar que o filho dos amigos dos meus
pais trairia sua esposa na primeira oportunidade, quiçá, antes mesmo que
subissem ao altar, não era nada demais.
Deveria, mas não foi. E foi assim que me fodi. Porque, agora, além de ter,
pela primeira vez, perdido uma aposta, eu tenho em mãos uma tarefa ingrata.
Passar três meses com a mesma mulher, puta que pariu. Apenas repetir as
palavras em minha própria cabeça já faz com que eu a sinta latejar.
E quando nem a isso eu estava disposto, eu sempre pude apenas pagar. O que
me leva à segunda razão que deveria ter me feito desconfiar das intenções
daqueles quatro filhos da puta. A regra da aposta, caso eu a perdesse. Três
meses com a mesma mulher, qualquer mulher, desde que não fosse uma
prostituta. Tratantes do caralho!
A alça da mochila pesa em meu ombro enquanto passo pela porta de serviço
do restaurante mexicano onde trabalho à noite. O
— Boa noite.
— Boa noite!
— Boa noite, gente. Até amanhã — meus colegas de trabalho desejam e eu
retribuo quando nos despedimos na porta fechada do restaurante.
Meia-noite e vinte.
Passo a língua sobre os lábios e enfio as mãos nos bolsos traseiros da calça
jeans surrada sem jamais desviar os olhos da pista, onde em breve eu espero
avistar meu tapete mágico. O
cansaço é tamanho que eu sequer tenho forças para rir da minha própria
piada.
A essa hora, pelo menos o ônibus estará vazio o suficiente para que eu vá
sentada até em casa. As pontas dos meus dedos tateiam as moedas separadas
para o pagamento da passagem. Moedas contadas, já que eu precisei usar
meu bilhete único[2] em algumas das muitas idas da minha mãe ao médico
esse mês e o saldo acabou antes do que deveria. Como sempre, sobrou mês e
faltou dinheiro. Felizmente, amanhã é o dia da recarga.
Apoio a testa contra o aço frio, sentindo um arrepio quando o gelado entra
em contato com a pele quente. Meus olhos pesam, implorando para se
fecharem, mas eu resisto e me mantenho atenta aos letreiros luminosos que
aparecem pequenos e vão crescendo conforme os ônibus se aproximam. Dez
minutos de silêncio e solidão bem-vindos, depois de um dia inteiro cercada
de gente e barulho, estendo o braço, fazendo sinal para o ônibus 722 com
destino ao Itaim paulista.
Ele vai reduzindo a velocidade até parar diante de mim e eu desço do meio
fio, já esperando sua parada de pé, na rua. Puxo de dentro do bolso da calça
as moedas destinadas ao pagamento da passagem e a primeira sensação
errada é a de uma delas deslizando pelas costas do meu polegar quando
todas deveriam estar apertadas na palma da minha mão. Logo em seguida,
ouço o tilintar do metal assim que a moeda quica no asfalto e me viro
imediatamente com os olhos já vasculhando o chão à sua procura.
Uma lágrima silenciosa rola sem a minha permissão quando eu lhe agradeço
tão silenciosamente quanto ele me presenteou e subo
Gabriel tem quinze anos e eu juro por Deus que todos os dias ele encontra
uma forma diferente de me irritar. Girando o pulso, constato que são uma e
dois da manhã. Ele deveria acordar às seis para ir à escola. Uma escola
muito, muito cara. A razão de eu precisar de um segundo emprego, na
verdade. Se tem algo que ele não deveria estar fazendo, é jogando o maldito
videogame!
Distraído como está, meu irmão nem mesmo reconheceu minha presença.
Fecho os olhos, decidindo internamente o que fazer.
Comprar essa briga significa dar adeus a pelo menos quinze minutos das
minhas preciosas três horas e cinquenta e oito minutos de sono. Levo a mão
à testa, apoio os dedos polegar, indicador e
No segundo que leva até que a sala seja tomada pela escuridão, vejo seus
cílios longos piscarem e sua boca se abrir em confusão. O
corpo magro e sem camisa, curvado sobre si mesmo, tem os ombros largos
encolhidos devido à posição.
— Você deveria estar dormindo — digo calma. Embora não consiga ver seu
rosto, tenho certeza de que ele foi tomado por uma expressão raivosa. Lá
vamos nós.
— Desde que você depende de mim pra comer, pra vestir e pra estudar na
droga da escola que custa uma fortuna, mas pode te garantir um futuro
melhor que o meu!
— Então vai dormir, porra! — Ele ergue a voz e eu fecho os olhos deixando
a primeira lágrima rolar. Não é tristeza, só exaustão. É
— Fala baixo! — Meu sussurro não combina em nada com a intensidade das
minhas palavras e eu olho para o final do corredor escuro, do outro lado da
sala, conferindo se o faniquito do meu irmão não acordou minha mãe.
— E você acha que eu quero ser? — Algo que não se decide entre um riso
seco, choro contido ou som de escárnio deixa minha garganta e eu levo as
mãos ao rosto, esfregando-o. — Pelo amor de Deus, Gabriel! Se não tem
respeito, tenha pelo menos dó de mim.
***
Fecho o cesto de roupas sujas e olho para o relógio. Duas e cinco. Tudo bem.
Se eu tomar banho em cinco minutos, ainda terei três horas e vinte de sono.
Não é o ideal, mas posso trabalhar com isso. A discussão com Gabriel me
roubou mais do que quinze minutos, porém, teve algum efeito. Depois que o
deixei na sala ele não voltou a ligar a televisão.
Quando achou que já tinha se passado tempo o suficiente para que sua saída
não parecesse um acato ao meu pedido, mas fruto de
sua própria vontade, ele se levantou e foi dormir no quarto que dividimos. É
sempre a mesma coisa. Ele é só um adolescente, Milena. Só um adolescente.
Ser estúpido faz parte da sua natureza.
Meu estômago gela com o pressentimento do que está por vir e quando
minha mãe se vira para mim, o olhar em seu rosto me diz que eu não estou
prestes a tomar banho, muito menos a dormir como gostaria.
— Vai se foder. — Meu amigo ri, atraindo meu olhar. Seus olhos azuis
reluzem com diversão indisfarçada e eu bufo. — Essa é a única competição
que eu vou ficar feliz em perder pra esses dois, Heitor.
Posso passar três horas, três meses ou três décadas com a mesma mulher e,
ainda assim, aquilo ali? — Inclino a cabeça para onde eu olhava antes e
estalo a língua. — Não mesmo.
— Pisca para mim e eu reviro os olhos. Levo meu copo à boca, tomando um
gole da bebida âmbar e deixo que meus olhos deslizem pelo salão finamente
decorado.
Eu gosto de festas, mas, sem dúvida alguma, odeio eventos, mesmo aqueles
que são uma constante em minha vida, como o aniversário da Magalhães
Capital. Eu odiava estar aqui quando era uma criança, odiava quando era
meu pai a presidir a empresa e continuo odiando agora que sou eu à frente
dos negócios.
— Por que você não escolhe alguém aqui? Eu com certeza vou. —
Heitor varre o salão como uma águia em busca de sua próxima presa e eu
passo a língua sobre os lábios, pensando. Não seria uma ideia ruim e um
ménage o manteria distraído o suficiente da missão de infernizar a porra do
meu juízo pelo resto da noite.
— Por que nós não escolhemos juntos? — sugiro, como se a ideia tivesse
acabado de me ocorrer.
Levo o copo à boca, ganhando tempo. Sabendo muito bem que ele está
prestes a descobrir o motivo, reflito sobre como levar seus pensamentos para
outro lugar antes que seja tarde demais.
— Por acaso você não está tentando descobrir uma forma de se livrar disso?
Está? — Eu estava. Não de me livrar, mas de ganhar mesmo na derrota,
porque esse é o cretino calculista que eu sou.
A resposta tem o efeito que eu gostaria, o distrai. Mesmo que não de uma
maneira que eu aprecie. Heitor gargalha alto e escandalosamente.
E como se isso não fosse folga bastante, Buzz, meu buldogue inglês
preguiçoso, está deitado com a cabeça sobre suas pernas e sequer faz
menção de sair de seu lugar de conforto para me saudar.
Traidor.
— Mas isso é uma emergência — Pedro diz, vindo da cozinha com um bowl
de doritos em uma mão e um pack de long necks na outra.
Eu sabia que o miserável estaria por aí. — Nós estamos fazendo uma
Isso desperta o buldogue gordo o suficiente para que ele levante a cabeça e
mexa o rabo curto, mas não para fazer com que Buzz saia do lugar. Deixo as
chaves sobre o aparador e levo a mão à nuca, coçando ali e pedindo a Deus
que me dê paciência. Alcanço a lateral, depois a frente do pescoço, subo os
dedos pela barba curta, esfrego os fios e apoio a mão livre à cintura.
Empurro a língua contra a bochecha, faço um bico, mas não importa quanto
tempo eu ganhe, não encontrarei uma resposta
— Não acho que seja você quem tenha que decidir isso. — Pedro dá o
palpite enquanto dobra uma perna e a apoia sobre a coxa da outra. Ele toma
um gole da cerveja e afasta os fios escuros de seu cabelo que caiam em sua
testa deixando a cicatriz em formato de raio, exatamente igual a do Harry
Potter, à mostra.
— É bom que você saiba que nós já entramos em contato com todas as
agências de acompanhantes do Rio e de São Paulo.
que quando eu voltar, para minha frustração, eles ainda estarão aqui.
— continuo minha conversa com Buzz e ele rola com a cabeça em meu colo,
ficando com a barriga e com as patas viradas para cima. —
Como isso é problema seu? — Rio e olho para ele que me encara com essa
pergunta silenciosa estampada em todas as dobrinhas do seu rosto. — Bom,
serão três longos meses, Buzz. Três meses longos pra caralho. — Coço sua
orelha. — Ela vai vir aqui, sabia? Ela vai precisar tratar você bem ou eu vou
perder essa merda em cinco segundos. — Passo a mão na barriga do
cachorro gordo, ele ressona pelo focinho curto e depois fecha os olhos. —
Vamos lá, Buzz! Eu estou ficando sem tempo. Você não tem nenhuma ideia
nessa sua cabeça grande que possa me ajudar?
— Senhor Marcelo, por favor. E-eu — gaguejo, sem saber a que apelar.
Respiro fundo e fixo o olhar no homem calvo diante de mim. O
— Milena, não depende de mim. — Ele suspira e a pena em seu rosto nem
mesmo me dói. Neste momento, eu simplesmente sei que sou digna de pena.
— Seu nome está negativado e seu score está baixíssimo. O banco não
liberou nenhuma alternativa de crédito para você. Podemos tentar uma
renegociação da dívida que você tem conosco. Você paga as primeiras duas
ou três parcelas e então, daqui a dois ou três meses, nós fazemos a análise de
crédito novamente —
Eu sabia que nunca deveria ter recorrido a um agiota, mas o desespero nos
leva a decisões estúpidas e nenhuma palavra descreve melhor o meu estado,
três meses atrás, do que desespero. A doença de Lúpus estava vencendo a
batalha que vínhamos travando há dois anos, desde que minha mãe
descobriu ser portadora dela.
E esse pouco foi o suficiente para eu ter certeza de que não poderia perder
minha mãe. Não ainda. Ela era minha melhor amiga e era cedo demais. Cedo
demais se eu pudesse evitar. Ela era forte e resistiria. Eu resistiria.
Não era a primeira e, sendo pobres, certamente não seria a última vez que os
recursos públicos deixariam a mim, à minha mãe ou ao meu irmão na mão.
Daise Garcia criou dois filhos sozinha. Depois de ser abandonada com duas
crianças por um marido que disse estar indo comprar cigarros e nunca mais
voltou, ela se reinventou, dia após dia, e venceu na maioria deles.
Eu tinha quatro anos e meu irmão era um recém-nascido. Se minha mãe não
havia se deixado abalar depois de passar por isso, definitivamente, eu não
me deixaria abalar por um não. Saímos daquele hospital em uma ambulância
rumo a um hospital particular.
Nós não tínhamos plano de saúde nem dinheiro para pagar pela internação,
mas eu conseguiria. Eu poderia conseguir. Depois de garantir que minha mãe
estava recebendo o tratamento adequado, eu poderia qualquer coisa.
Eu não consegui.
Meu nome já estava sujo e, assim como hoje, nenhum banco quis me dar
mais crédito. Ninguém que conhecemos tinha dinheiro para emprestar. Eu
precisava acompanhar minha mãe no hospital e garantir que Gabriel
estivesse, pelo menos, minimamente assistido, afinal, ele é menor de idade,
por isso me encher de trabalho não era uma opção.
Mas a verdade é que ser pobre significa não ter escolhas e eu não tinha. Ou
eu pegava dinheiro emprestado a juros absurdos, ou minha mãe precisaria
sair do único lugar capaz de lhe dar o tratamento que ela precisava para se
manter viva. E naquela época eu nem imaginava que os juros absurdos
seriam os menores dos meus problemas.
— Seu Marcelo, minha mãe está doente. Muito doente. Eu não posso esperar
três meses. — Minha voz é uma mistura trêmula, baixa e desesperada. O
gelo em meu estômago parece estar tentando se alastrar por todos os outros
órgãos.
— Minha mãe é autônoma há alguns anos, e mesmo que não fosse, a doença
dela não está incluída nessa lei. É preciso um processo, processos levam
tempo e isso é tudo o que não temos, seu Marcelo.
— Eu sinto muito.
O que eu diria se não faço a mínima ideia do que é que Gabriel pensa que
está fazendo? — Considerando o cenário geral do Gabriel na
escola nos últimos dois anos, o protocolo seria a retirada imediata da bolsa,
mas sabendo do que a família de vocês vem enfrentando, eu achei que
deveríamos conversar antes que uma decisão desse porte fosse tomada. —
Ainda em silêncio, engulo em seco e assinto. —
— Ele vai — respondo com a garganta seca a promessa que não tenho ideia
se poderei cumprir. Afinal, não depende de mim.
Tudo o que consigo pensar é que esse dia não tem como ficar pior e eu não
tenho como me sentir mais exausta. Assim que me sento no metrô, de volta
para casa, a represa dentro de mim tem suas barragens explodidas e a
primeira lágrima que desliza pela minha bochecha deixa claro que eu não
tenho a menor condição de ir para casa agora. Tudo o que a minha mãe não
precisa é me ver nesse estado.
Pergunto-me, enquanto passo pela minha estação de destino pela oitava vez
antes de realmente me sentir pronta para descer, se todo mundo já teve
vontade de simplesmente não reagir e o que essas pessoas fizeram quando se
deram conta de que essa não era uma opção.
***
— Pelo amor de Deus, Clarissa! Esse homem tem cara de quem precisa de
alguma coisa de graça na vida? — Olho para o corpo alto e musculoso,
vestido por um terno perfeito, de costas para mim, outra vez.
Definitivamente, não. Provavelmente, só aquele terno já resolveria todos os
meus problemas.
Pensar nisso faz com que a nuvem que eu sempre em esforço para deixar do
lado de fora do trabalho ameace se esgueirar pelos cantos da minha mente
para me dominar e eu sacudo a cabeça, espantando-a. Mas Clarissa parece
estar tentando atrai-la.
— E você ainda não me disse como foi sua folga. Conseguiu alguma coisa
no banco? — inquire e o gelado toma conta do meu estômago. Não consegui
e agora só faltam cinco dias para o meu prazo acabar.
— Eu sei disso, Clarissa. Eu sei e realmente não quero falar sobre agora.
Não aqui. — Minha amiga pisca e, logo depois, entendendo ou apenas
aceitando a minha necessidade, eu não sei, assente.
gesto contrário. Balança a cabeça para cima e para baixo, dizendo que eu
vou sim fazer o que ela diz.
— Eu não vou te dar sossego se você não for — ameaça e eu abro a boca,
mas a fecho sem dizer nada.
— Nunca! Sua vida seria um porre se seu fosse tão sã quanto você. Eu sou a
dose de loucura necessária nos seus dias. Agora vai!
O frio se espalha pela minha barriga quando me dou conta de Clarissa não
está mentindo. Ela não vai me dar paz enquanto eu não fizer o que disse.
Fecho os dedos ao redor do bloco de papel, expiro
Bom, deve ser, afinal, eu estou sorrindo para ela. Milena nem faz ideia.
Contudo, eu não sabia que tinha funcionado tão bem a ponto de ela me dizer
as palavras que disse. Então, ou eu fiquei muito desatento nos últimos
meses, ou foi uma resposta impensada. Pela cor do seu pescoço, bochechas e
orelhas ao notar que conquistou minha atenção demorada, certamente, se
trata da segunda opção.
Minha vontade imediata é de descer os olhos pelo seu corpo e dar uma
conferida. Mas assim como sei que a atendente se sente afetada por mim,
também sei que isso é tudo. Ela nunca me deu qualquer sinal de que gostaria
de ir além das nossas conversa curtas e engraçadinhas e esse é exatamente o
tipo de mulher do qual eu quero distância. Aquele que sabe o que é bom para
olhar e o que é bom para manter.
Meu tipo de mulher é o que sequer pensa no que seria bom manter, porque
não tem qualquer intenção de fazê-lo. Esse é o homem que eu sou e os iguais
se reconhecem. Por isso, ignoro meu primeiro instinto
e mantenho meus olhos nas esferas azuis que me encaram praticamente sem
piscar.
— Sem café pra mim hoje. Obrigado. — E, como se minhas palavras fossem
o combustível das suas pernas, incrivelmente longas, aliás, eu mal acabo de
falar e a garçonete já está voando para longe de mim com se fosse um
foguete.
Viro o rosto para disfarçar minha risada, no entanto, com a padaria vazia, é
impossível desviar meu foco de Milena, ainda que eu não esteja mais
olhando para ela.
sussurra.
— Não, Clarissa! Meu pai! Não! Podemos mudar de assunto? Você já assou
os rolinhos de canela?
— Você não faria isso! — A intenção era o que o tom soasse como desafio,
mas Milena não consegue soar como nada além de desesperada.
— Ou esse foi o jeito dele de quebrar o gelo e quem sabe sua história de
cinderela não estava prestes a acontecer? Porque, curiosamente, você
realmente tá desesperada por dinheiro nesse nível. — Espera, o quê? Franzo
as sobrancelhas, confuso com a direção para onde a conversa das duas está
indo.
— E você acha o quê? Que um cara como aquele ali realmente precisa que
alguém finja ser namorada dele? Me poupe, se poupe, nos poupe, Clarissa!
— Pisco os olhos algumas vezes e passo a língua sobre os lábios, sentindo
meus neurônios começarem uma corrida imparável dentro da minha cabeça.
— E por que ele faria uma piada como essas? Isso não faz o menor sentido!
— Eu não sei, Clarissa. Eu não faço a menor ideia. Mas se tem uma coisa
que faz menos sentido do que qualquer outra é o que você
tá dizendo. Tenha dó. Esse tipo de coisa não acontece na vida real.
Para de ser louca! — Milena finalmente para de falar e respira antes de dar o
assunto por encerrado. — Chega! Eu vou assar os rolinhos.
Porque de repente, eu começo a achar que todo esse tempo eu estive olhando
para o meu problema sob o prisma errado. E se Milena estiver enganada?
Definitivamente, homens como eu só se apaixonam inesperadamente na
ficção, mas talvez eles possam fingir estar namorando uma garçonete na vida
real.
O suor escorrendo pelo meu corpo é bem-vindo e cada soco dado no saco de
areia parece descarregar uma tonelada inteira do peso que tenho carregado
nos ombros.
— O que foi que ele te fez? — Alex, meu treinador, se apoia na lateral do
ringue à minha frente e cruza os braços na frente do peito, observando-me.
Eu rio, mas não interrompo meus movimentos.
— É por isso que você já passou duas horas do tempo de treino padrão?
Desde que saí da padaria esta manhã, fui incapaz de afastar a ideia que se
formou lá. Pelo menos, até algumas horas atrás, quando cheguei à academia
e deixei que meu corpo exorcizasse todo o estresse com socos e chutes bem
dados. Porém, lembrar da mulher faz com que meus músculos recém-
aliviados comecem a se retesar de novo, o que é no mínimo curioso, uma vez
que até esta manhã, eu nunca lhe tinha dado um segundo olhar. Agora, ela é
tudo em que consigo pensar.
Não exatamente nela, mas na primeira ideia aproveitável que tenho em dias,
mesmo que soe absurda até para os meus próprios pensamentos. A questão é
que a minha ideia tem um rosto e é o rosto da garçonete.
Franzo as sobrancelhas e olho para o relógio. Onze e vinte da noite. Mas que
caralho? Sem pensar duas vezes, entro no restaurante e me sento em uma
mesa próxima à que está sendo atendida por ela.
Os cabelos escuros ainda estão presos exatamente como essa manhã. Ela
termina de anotar os pedidos no aparelho eletrônico que tem nas mãos, sorri
para o casal que atendia e, sem prestar atenção, vira-se na direção da minha
mesa. Provavelmente, percebeu minha chegada com a visão periférica.
— Olá, boa noite. Posso te ajudar em alguma coisa? — pergunta, ainda
distraída pela tela do aparelho.
saúdo e ela parece chocada demais para me responder, o que me faz sorrir.
Sua língua lambe o lábio superior lentamente e, depois, o inferior.
Agora, depois de ter passado o dia inteiro com seu rosto na cabeça, não me
nego o impulso de descer os olhos pelo seu corpo.
Suas curvas suaves não são a única razão disso, porque não são tudo o que
vejo. Vejo ombros caídos que gritam exaustão, mãos e pés inquietos e pernas
que alternam o peso do próprio corpo constantemente. Vejo olhos
avermelhados e umedecimento constante dos lábios. Vejo uma ruga no
centro da testa que não se desfez nos últimos dois minutos e isso é indicador
mais do que suficiente de que ela tem feito dali seu lar.
— Não! Pelo amor de Deus, não. Seu José não tem nada a ver com isso.
Quer dizer, ele me conseguiu esse trabalho, mas foi só porque eu pedi e ele
não é o dono daqui. É um amigo dele e, e, e...
— Respira — peço quando ela gagueja nas palavras depois de atirar tantas
delas de uma vez como se fosse uma metralhadora.
Milena engole em seco e morde o lábio inferior, atraindo meu olhar para ele
e me fazendo desejar soltá-lo de entre seus dentes.
Ele está olhando para a minha boca. Por que ele está olhando para a minha
boca? Pisco os olhos quando eles começam a arder por estarem abertos há
muito tempo. Minha língua parece uma esponja completamente seca e meu
coração bate acelerado no peito, exatamente como todas as vezes em que sou
obrigada a falar com o homem cujo nome eu só sei, porque li em seu cartão
do banco.
Por que ele está aqui, sentado diante de mim, pela segunda vez no dia
quando nos últimos dois anos eu nunca o tinha tido a disposição dos meus
olhos por mais do que os quinze minutos que ele costumava levar para
buscar seu mocha e seus pães de queijo?
Puxo pelo menos cinco inspirações profundas e solto antes de poder voltar a
falar.
Eu quero me socar!
— E por que você tem dois empregos? — pergunta como se a resposta não
fosse óbvia, mas talvez para ele não seja mesmo. E
por que ele se importa, afinal? Fingindo uma calma que eu não sinto, mesmo
que, a essa altura, ela provavelmente não vá convencer ninguém, apenas
sorrio, recusando-me a lhe dar mais do que isso como resposta.
— Você conhece nosso cardápio? Já sabe o que vai pedir ou precisa de mais
tempo? — Seus olhos se estreitam quando me recuso a lhe dizer as palavras
que ele espera ouvir. Tenho a impressão de que Bruno não é um homem que
está acostumado a ter suas vontades negadas. Bom, sinto muito por isso.
Inveja, inclusive.
— A que horas você começou a trabalhar hoje? — faz outra pergunta sem se
importar em esclarecer a primeira.
— Então não me faça precisar te distrair — peço, sentindo-me mal por isso e
não entendendo o porquê. Ele me olha sem piscar por alguns segundos antes
de acenar em concordância.
***
Desço do ônibus e olho para o relógio no meu pulso pela milésima vez para
conferir o horário. Deus abençoe a todos os envolvidos no milagre que é eu
chegar em casa antes de uma hora da manhã, hoje.
A brisa quente do verão atinge meu rosto e eu nem me importo com o fato
de estar com a pele colando de suor. Mais meia hora e estarei de banho
tomado, na minha cama. Seis horas de sono! Meu pai! Nem me lembro
quando foi a última vez que tive esse luxo sem estar de folga no dia seguinte.
Sorrio quando chego ao semáforo e ele está aberto para os pedestres.
— É, mas, nesse caso, era de bom tom que você tivesse feito uma visita de
cortesia. — Faz uma pausa, como se estivesse procurando pelas palavras
certas, mesmo que eu tenha certeza de que não há nele qualquer dúvida
sobre o que dizer. As visitas de cobrança do agiota são famosas. — Pra me
avisar, sabe? —
O Patrão, como todos por aqui o chamam, está na casa dos quarenta anos, é
gordo, barrigudo, careca e usa um bigode ridículo, mas nada disso o torna
menos intimidador quando se sabe o tipo de coisas que ele já fez com
pessoas que ficaram lhe devendo. Os dois homens que guardam suas costas
também contribuem para isso.
Diferente do agiota, eles não são gordos. São altos, fortes e muito, muito
assustadores.
Tudo em mim quer acabar com isso o mais rápido possível. Da minha pele
arrepiada ao meu estômago revirado e prestes a expulsar toda a comida que
ingeri hoje. — Mas eu queria garantir que o recado tinha chegado até você.
Afinal, foi com você que eu fiz um acordo, não foi?
— S-sim — murmuro e minha boca só não está mais seca do que meus
olhos. Eu simplesmente não consigo piscar.
— Sim... Então, eu pensei: bom, por que não esperar pela Milena na Borges?
Todo mundo adora essa rua, não é? Deserta, escura...
em mil e uma outras situações. Situações que nada tem a ver com
intimidação.
— Tudo bem. Você já pode ir. Foi ótimo conversar com você! —
Não preciso ouvir duas vezes. As palavras mal acabaram de sair da sua boca
e eu já estou praticamente correndo para longe do homem e seus abutres. No
entanto, alguns passos dados e ele me chama:
— Milena?
— Sim — respondo, sem olhar para trás, porque não quero arriscar que ele
veja as lágrimas escorrendo pela minha bochecha, mesmo que esteja escuro.
Quando estou longe o suficiente dos seus olhos, eu corro e choro. Eu não sei
por que ainda acredito. Dias bons e coincidências boas parecem não ser
permitidos para mim há muito tempo.
— É uma oportunidade imperdível! Precisamos comprar na baixa
— Camilo defende.
— Bruno, preciso que você autorize a negociação das ações da Sayo antes
que o mercado japonês abra — Jonas diz por último.
— Bruno — cumprimenta.
— Fácil. Não era prioridade — explica com simplicidade sem nem mesmo
piscar e eu reviro os olhos.
— Dezenove.
— Porra! — Passo a mão pelos cabelos, jogando os fios médios para trás e
solto um assobio. Isso é inesperado. Sem muito esforço, observo em meus
pensamentos o rosto que se fixou neles como um cartaz colado nas paredes
do viaduto do chá[4].
Dezenove anos. Não é difícil de acreditar conhecendo seu rosto, mesmo que
como parte da beleza indiscutível haja algumas marcas que não deveriam
estar lá, como olheiras mal cobertas por maquiagem, o cansaço evidente por
horas demais trabalhando e uma ruga de preocupação na qual eu só reparei
na noite passada, mas que as últimas informações me deram toda a certeza
necessária de que é uma constante.
— Puta que pariu — solto, indeciso sobre qual das informações é mais
inacreditável.
— E as finanças dela não são a única coisa em um estado crítico. — Essas
palavras me fazem franzir o cenho e eu me inclino sobre a mesa
imediatamente.
— Puta que pariu! Porra! Você não vai dizer que fica pior, vai?
— A dívida dela com o agiota vence semana que vem e ela não tem qualquer
perspectiva de como vai pagar.
— Quanto?
— Doze mil. Pegou pra conseguir bancar a internação da mãe três meses
atrás. — Coço a sobrancelha com a cabeça trabalhando em velocidade
máxima. — Ela é uma boa garota, Bruno. Nunca se meteu em confusão,
trabalha em dois empregos desde que a mãe foi diagnosticada, o que
aconteceu quando ela tinha dezessete anos. — Hudson faz uma pausa e
suspira, o que por si só já diz muita coisa.
então?
— Então o quê?
— Eu vou contratá-la.
— Bem, mãe. — Ando até ela, parada na entrada da cozinha e beijo sua
testa. Estou prestes a me virar para continuar a me servir de uma caneca de
café antes de sair para trabalhar, mas ela me segura.
O rosto exausto denuncia que essa foi mais uma das noites em que ela lutou
contra o sono. A doença lhe deixa exausta, mas como uma criança birrenta,
quando está com algo lhe preocupando, minha mãe se recusa a ser levada
pelo cansaço. O resultado? Olheiras que rapidamente se tornam profundas,
enfraquecimento, tontura e uma série de outros sintomas agravados. Tudo de
que ela não precisa agora.
Três noites atrás, depois de ser surpreendida por Patrão, foi simplesmente
impossível esconder sua armadilha de minha mãe. Em meu desespero para
chegar ao único lugar do mundo em que me sentiria segura naquele
momento, eu simplesmente ignorei quais
seriam as consequências de chegar em casa nas condições em que estava e
apenas corri.
Para meu azar, naquela noite, não foi Gabriel quem encontrei na sala,
acordado, mas minha mãe, aflita, esperando-me. Mais tarde, quando eu já
não tremia ou chorava mais, descobri que ela não conseguiu dormir,
preocupada, sentindo um aperto no peito. O maldito sexto sentido maternal
havia entrado em ação e tornado tudo ainda pior. Não sei se teria escondido a
situação dela caso não a tivesse encontrado acordada, contudo, ela com
certeza não precisava ter testemunhado o meu estado.
Minha mãe sempre foi minha amiga. Não sei se pela idade em que me teve,
se na tentativa de suprir a ausência do meu pai ela sentiu a necessidade de se
aproximar mais, ou se por qualquer outra coisa, mas o fato é que eu sempre
pude contar tudo para ela e odiaria começar a esconder agora. Entretanto,
dadas as circunstâncias, tudo o que eu não quero é que ela se sinta culpada
por tudo, que é exatamente como seu rosto, gestos e olhos me dizem que ela
está sentindo agora.
— Eu estou bem, mãe — minto, colocando nas palavras toda a força que não
sinto, implorando a Deus que seja o suficiente para que ela acredite, mesmo
que eu não consiga me lembrar de quando foi que eu contei uma mentira tão
grande para alguém.
não conseguir o dinheiro que eu tenho certeza quase absoluta de que não
conseguirei. Doze mil reais.
Doze mil é quanto vale a minha vida, ou pelo menos, o meu eu que conheço
agora, porque se eu sobrevier a não pagar o que devo, tenho certeza de que
não vai ser inteira, se não for o meu corpo a ser quebrado, será meu espírito.
Isso são seis meses de trabalho nos meus dois empregos sem gastar uma
moeda sequer nem mesmo com uma bala. Isso é o impossível.
— Você nunca mentiu pra mim antes, Mile. Não começa agora. —
Viro as costas com a desculpa de buscar o café, mas minha única intenção é
fugir do seu olhar que me conhece tão bem.
— minto mais. — Tenho uma entrevista de emprego hoje, depois que eu sair
da padaria e...
tom de choro em sua voz ameaça arruinar a frágil cola que une as mil partes
do meu coração já quebrado e eu abaixo a cabeça, apertando os olhos,
engolindo em seco, lutando contra as lágrimas que viajam numa velocidade
inacreditável pelos meus canais lacrimais, ansiosas por se derramarem pelos
meus olhos. — Você já tem dois empregos, arruma bico nas folgas, não
dorme, mal come, eu nem te vejo se não colocar o relógio pra despertar,
porque essa doença maldita me deixa exausta. — E agora ela está chorando e
eu estou caindo e caindo e a sensação é mesma de sempre. É a que me faz
implorar pelo chão, pelo choque, apenas para sentir qualquer coisa além de
desespero e descontrole.
Perco a batalha injusta. Meus ombros sacudindo são o primeiro sinal do meu
choro, mas logo um soluço indisciplinado se recusa a ser contido e escapa
por entre meus dentes e lábios apertados. O som arrastado emitido pela
garganta o segue e então as lágrimas. Muitas.
Braços me envolvem e eu deixo que o peso do meu corpo, pelo menos pelos
próximos segundos, seja apoiado por alguém além de mim mesma. Só por
agora. Só por uns segundos. Só por um instante.
No entanto, quando o soluçar da minha mãe se une ao meu em uma sinfonia
de desesperadas, qualquer controle que eu pudesse ainda manter se rompe,
transformando-me em uma completa e absoluta bagunça. Deus, como dói.
Como dói.
O que é que eu tenho? Eu só queria ser a garota que pula o muro da escola
pra fugir da aula, a garota que vai a festas com amigos, a garota que pode
passar uma tarde batendo pernas no shopping sem precisar se preocupar com
o estado de saúde da mãe. Sem precisar se preocupar se vai sobrar mês no
fim do dinheiro. Sem precisar se preocupar com nada além dela mesma. Eu
só queria ter o direito de ser egoísta sem que isso tivesse consequências para
alguém além de mim.
— Minha filha, minha filha... — ela diz entre soluços e eu sequer sou capaz
de responder. Não agora. Não quando a dor e o medo se transformaram em
uma massa viva que rodopia no meu peito, consumindo cada grama de mim
mesma. Dói. Dói muito e eu só quero que acabe.
— Não tem pelo quê. Minha mãe me ensinou que quem fala a verdade não
merece castigo.
— Olá, Milena.
Desde que vi o homem pela primeira vez há quase dois anos, nunca antes eu
havia evitado propositalmente nossos “encontros casuais”. Pelo contrário, de
alguma forma, ansiar por ele se tornou algo natural nos meus dias, tanto
quanto fingir que estava tudo bem.
Não havia espaço para nada em minha mente que não fosse buscar soluções
para o meu problema. Nem para sorrisos falsos, nem para o torpor que me
assalta de mim mesma toda vez que me deparo com Bruno. Acho que nem
quando adolescente me senti tão afetada por alguém do sexo oposto quanto
me sinto por esse homem e hoje eu simplesmente não tinha tempo para isso.
Tive algumas ideias. Gabriel não vai gostar de nenhuma, porque todas
incluem vender coisas, como por exemplo, seu videogame, a televisão,
nossas camas e tudo o mais que não for de extrema necessidade e para o qual
eu seja capaz de encontrar um comprador.
Isso não vai chegar nem perto do suficiente para pagar a dívida, mas é um
começo com o qual eu espero conseguir mais prazo.
— O quê?
— Eu vim te convidar pra jantar e fazer isso lá dentro não pareceu uma boa
ideia. — Indica o interior da padaria com o polegar.
— E me emboscar na saída do meu trabalho sim? — Solto um longo suspiro,
ainda sem filtro pelo susto.
Desço os olhos pela figura alta. Sua pele bronzeada parece reluzir, assim
como seus cachos curtos e seus olhos azuis. Deveria ser proibido um homem
parecer tão gostoso desse jeito. Sério, Milena? É
nisso que você está pensando agora? Acorda e para de ser louca! Ele te
convidou pra jantar! Pra um maldito jantar! Por quê? Por que ele me
convidaria pra jantar?
certo? Ou, como eu gosto de dizer, não tem vergonha grande o suficiente que
não possa aumentar.
Eu me pergunto quantas vezes terei que lidar com essa sensação antes de
internalizar que contos de fadas não existem na vida real.
Homens como esse não olham para garçonetes cujos cabelos são menos
sedosos que os seus.
Quer dizer, ele é gato, gostosíssimo, eu já fantasiei estar sozinha com ele em
vários lugares, milhares de vezes, mas eu ainda não o conheço e não posso
simplesmente entrar dentro de um carro com ele. Sou iludida, não burra.
— Isso é algo que um sequestrador diria — contesto e outra vez sua risada
alta ocupa o espaço entre nós. Ele balança a cabeça, negando, e ergue as
mãos, dizendo se render.
Olho ao meu redor, esforçando-me para fingir costume em meio ao luxo que
o ambiente ostenta e falhando miseravelmente. O que se
torna ainda mais óbvio quando as primeiras palavras que deixam a boca de
Bruno depois que nos sentamos é uma pergunta.
— Gostou? — Passo a língua sobre os lábios, mas nem mesmo tento dar
uma resposta.
O restaurante onde estamos tem dois andares, nossa mesa fica no segundo,
um mezanino que ocupa as laterais em formato de U e deixa ver o centro do
salão abaixo de nós. As mesas são postas com guardanapo de tecido e taças
brilhantes. Os móveis parecem que deveriam estar na sala de estar de alguém
com muito dinheiro ao invés de em um restaurante e até mesmo os garçons
parecem vestidos para reuniões de negócios, não para carregar bandejas.
Percebo que mais tempo do que o esperado se passou desde que ouvi a voz
do homem diante de mim e eu ainda não lhe respondi, então balanço assinto
e limpo a garganta.
— Não, Milena. O trabalho que quero te oferecer não tem nada a ver com
servir mesas. — Inclino levemente o pescoço enquanto as engrenagens do
meu cérebro giram, buscando respostas para as perguntas que eu não fiz,
mas das quais minha cabeça está lotada.
Bruno prende o lábio inferior entre os dentes e quando está prestes a falar, o
garçom se aproxima, oferecendo-nos menus envoltos em uma capa de couro
bordô. Até mesmo a sensação do tecido sob meus dedos é estranha, como
tudo mais nessa situação.
— Bebem algo?
— Água, por favor — peço, certa de que mais tarde, se eu não cair da cama
e acordar, se isso realmente for realidade e não um sonho muito criativo da
minha cabeça atribulada, vou me arrepender de não ter olhado o menu com
mais atenção e escolhido alguma mistura exótica de frutas que eu nunca
mais vou ter a chance de experimentar.
O nervosismo está claro em cada um dos seus gestos, desde o olhar inquieto
ao tremor sutil em suas mãos, agora escondidas sob a mesa e a preocupação
é uma sensação nova para mim. Eu não sou um homem que mede palavras
para que elas soem agradáveis aos ouvidos de quem quer que seja, ainda
assim, estou há mais de meia hora tentando descobrir como dizer aquilo que
vim dizer.
Meu plano era simples. Pedir a ela cinco minutos hoje pela manhã, quando
passei na Garden para buscar o café de sempre, fazer minha proposta, deixar
que ela pensasse, receber sua resposta positiva amanhã pela manhã. Rápido,
fácil e eficiente, só que ela não estava lá.
Desde que me lembro, foi a primeira vez que ela não estava lá pela segunda
vez na mesma semana. Quando perguntei à sua colega sobre, descobri que
Milena estava, sim, na padaria, mas não se sentia bem e por isso estava
trabalhando internamente.
Estranhei, afinal, se ela não se sentia bem, a opção óbvia não seria o hospital
ao invés de trabalhos internos? Mas não estiquei o
assunto, afinal, não era problema meu. Eu poderia falar com Milena amanhã,
eu ainda tinha tempo.
Exceto que tanto quanto antes de decidir o que faria, durante todo o caralho
do dia, o rosto de Milena me atormentou e mais do que isso, a dúvida sobre
como ela estava se sentindo. Decidi não esperar mais e graças a Hudson,
sabendo o horário do fim do seu expediente na padaria e que hoje ela estava
de folga do restaurante, recalculei minha rota, saindo cedo do escritório para
encontrá-la na saída do seu trabalho.
Mas assim que a vi passar pela porta de serviço da Garden, tão abatida, foi
impossível não traçar, outra vez, um novo caminho para o mesmo destino.
Os cabelos que sempre vi presos, hoje estão soltos e essa é também a
primeira vez que a vejo sem estar vestida por algum tipo de uniforme. Não
me orgulho disso, mas foi impossível não olhar para o corpo pequeno,
coberto por jeans surrados e uma camiseta.
Milena não é uma mulher de muitas curvas, mas as que tem estão nos
lugares certos. Seus seios são pequenos, seus quadris arredondados e sua
cintura é estreita. Ela tem uma beleza comum, mas que ainda assim, guarda
algo de extraordinário. E, agora, quando ela me olha com seus olhos imensos
e cansados, sinto-me nada além de incapaz de não me preocupar com a
forma que ela receberá o que tenho a dizer.
Levo a mão até a sobrancelha e coço. Vamos lá, Bruno! São só palavras,
porra! O garçom se aproxima, trazendo nossas bebidas e imediatamente
Milena leva seu copo de água à boca.
Tudo bem, eu mereci essa. Deveria ter previsto essa reação e esperado que
ela terminasse de beber a água.
— Está tudo bem, Milena. Eu devia ter previsto o risco. — Rio e isso parece
aliviar um pouco da sua vergonha.
— Eu acho que não entendi o que você quis dizer. — Suspiro, com os olhos
fixos nos seus. Aproximo-me da mesa, apoio os cotovelos sobre ela e
entrelaço meus dedos.
Por isso meus amigos acharam que me forçar a isso era uma boa
consequência pra uma aposta perdida.
— E por que você simplesmente não diz que não vai cumprir?
— Porque isso me faria perder duas vezes e uma é o suficiente pro resto da
minha vida. Eu nunca daria a eles esse gostinho. —
Apesar de ter entendido o que eu disse, Milena não parece compreender e
isso não me espanta. — Mas eles estão errados se acham que vão me forçar a
fazer algo que eu não quero. É aí que você entra.
— Eu?
— Eu não sou — exclama com tanta ênfase que começa quase como um
grito, mas ela olha para os lados, preocupada que outras pessoas ouçam suas
próximas palavras — uma prostituta! —
— Eu sei! E esse é o ponto. Eu não posso contratar uma prostituta, isso faz
parte das regras da aposta. — Milena franze o cenho, voltando ao seu estado
inicial de confusão.
— Veja bem, Milena, eu não posso contratar uma acompanhante, mas nada
nunca foi dito sobre uma mulher comum e desde que até o final da aposta
eles não descubram, eu venço, mesmo na derrota.
— Exatamente. — Milena abre a boca, mas a fecha pelo menos três vezes
antes de virar o rosto para a janela. Seu olhar se perde na rua abaixo de nós
por minutos a fio, mas eu lhe dou todo o tempo que ela precisa.
Seu rosto procura o meu e ela me observa com atenção e em silêncio, lambe
os lábios e franze a testa como se estivesse se esforçando para entender algo.
— O que foi que eu fiz pra você achar que eu aceitaria dinheiro pra dormir
com você por três meses? — a pergunta é feita com interesse genuíno. Ela
está ofendida com a conclusão equivocada, mas não está indignada ou
histérica sobre ela, o que é no mínimo intrigante.
Porra, isso deveria ser fácil. — Eu quero pagar pela sua companhia, Milena.
Nada além. Nós teríamos encontros públicos pra convencer a algumas
pessoas de que eu estou fazendo o que elas querem, só isso. — A ruga entre
suas sobrancelhas se desfaz e ela balança a
cabeça, afirmativamente, mas não acho que ela se dê conta do que está
fazendo. — Se em algum momento transarmos, isso não vai ter nada a ver
com o acordo que estou te oferecendo, nem com o dinheiro que estou
disposto a pagar pelo seu tempo.
— Você teria que sair dos seus empregos, mas eu pretendo fazer isso ser
muito vantajoso pra você. Eu pago sua dívida e...
— Como você sabe da minha dívida? — Agora, ela parece ainda mais
horrorizada do que quando achou que eu estava sugerindo que ela era uma
prostituta. Seus olhos estão imensos e chega a ser impressionante o fato de
que com a mesma velocidade com que tingiu seu rosto, a cor some dele.
— Isso quer dizer que eu descobri como tornar essa proposta irrecusável pra
você antes de te abordar. — Sua resposta não é imediata. Milena me observa
com os lábios entreabertos, ponderando minhas palavras.
— E co-como você descobriu isso? Quem, quem contou isso pra você?
— Eu perguntei.
— Cem mil reais por mês, Milena — digo, sabendo exatamente o efeito que
o número terá em nossa conversa e o resultado é muito além do esperado.
Primeiro, o queixo de Milena quase vai ao chão, depois, ela abre a boca, mas
nenhum som sai dela por segundos e a mulher une os lábios, os aperta,
engole em seco e, só então, gagueja.
— O q-quê?
— Eu vou te pagar cem mil reais por mês por um trimestre pra que você
finja ser minha namorada. E se você for até o final, ganha um bônus de
duzentos mil reais. Totalizando meio milhão de reais já descontados dos
impostos.
— Isso não tem graça. — A princípio, eu acho sua conclusão engraçada, mas
quando seus olhos se enchem de água, eu percebo
que ela está falando sério. Milena acha que estou brincando com ela,
zombando da situação catastrófica em que sua vida financeira se encontra e
eu me pergunto se minha proposta é tão absurda assim.
Não é convencional, eu sei. Eu mesmo levei semanas até que ela passasse
pela minha cabeça e, mesmo assim, só aconteceu porque ouvi uma conversa
sussurrada para a qual eu não havia sido convidado. E é certo que Milena
não me conhece, nem sabe nada a meu respeito. Pelo amor de Deus, a
mulher se recusou a entrar dentro de um carro comigo. Porra, sim. É óbvio
que minha proposta soaria como uma piada.
— Eu não estou brincando, Milena — aviso assim que percebo que suas
conclusões não são infundadas. — Eu estou falando sério.
Muito sério.
— Por quê?
— Por que você faria isso? Por que você gastaria uma fortuna?
São quinhentos mil reais! — pausa, mas parece precisar de um pouco mais
para expressar a própria incredulidade. — Quinhentos mil reais só pra ter
uma namorada de mentira quando uma de verdade sairia de graça? —
Começa firme, mas sua voz falha quando chega à última pergunta. A
maneira como ela diz cada uma das frases desenha o abismo social entre nós
como nem mesmo uma pesquisa do IBGE seria capaz.
Milena acha que meio milhão de reais é uma fortuna. E para ela, é. Eu sabia
disso quando estipulei o valor, mas a verdade é que
— Você poderia ser uma dessas pessoas, tudo o que eu peço são três meses
da sua companhia em momentos específicos.
— Isso.
— Eu aceito.
— Eu acho que isso não faz o menor sentido, mas eu também acho que o
que faz sentido pra mim, não deve fazer pra você. Afinal, você é rico e eu
sou pobre. — Ela solta um longo suspiro, fecha os olhos e abaixa a cabeça.
Milena toma alguns segundos reunindo forças ou decidindo o que dirá, não
sei. Mas quando ela volta a olhar para mim, suas íris azuis não demonstram
nada além de determinação e, mesmo que eu saiba que não deveria estar
pensando nisso, não consigo evitar. Linda. A menina é linda para caralho. —
Eu não sou idiota — faz outra pausa, parecendo fazer questão de esclarecer
esse ponto —, e tô desesperada de verdade, essa sua proposta...
Essa sua proposta pode mudar tudo. — Por um segundo, seus olhos vão para
longe da mesa de restaurante onde estamos sentados. Concordo, apesar de a
notícia não ser novidade para mim. — Então, mesmo que você possa ser um
psicopata e que esses encontros pontuais possam resultar na minha morte em
algum quarto vermelho da dor[5] ou em um lugar pior, eu realmente estou
sem opções. Se você me der garantias, só precisa dizer onde e quando
começar. — Encerra o discurso com os ombros eretos e o rosto sério.
— Qual?
Se tiver, foda-se. Isso realmente não me importa agora, quer dizer, que
namoro vale o dinheiro que vai mudar a sua vida?
descobrir se vou aceitar ou não sua condição, não há nada em seus olhos.
Balanço a cabeça, positivamente, e Milena solta um suspiro aliviado que me
deixa ainda mais incomodado.
Quer dizer, alívio? Mulheres sentem muitas coisas ao saber que não me terão
em um sua cama ou que não estarão na minha: decepção, frustração e até
raiva, mas alívio? Porra.
— Mas eu vou precisar tocar em você — o aviso soa muito mais rabugento
do que deveria. Não entendo por que me sinto tão afetado pela falta de
interesse de Milena. Ele nunca esteve nos meus planos, para começo de
conversa, então por que caralhos?
— Me tocar? — Pisca e, pelo que deve ser milésima vez desde que nos
sentamos, lambe os lábios.
Olho para o meu prato enquanto calculo cada um dos meus próximos
movimentos para não parecer tão esfomeada quanto me sinto.
A comida da minha mãe é gostosa, e que ela não me ouça, mas isso aqui é de
outro mundo. Todas as vezes em que passei pela porta de um restaurante
italiano chique como esse, perguntei-me por que
alguém pagaria caro para comer macarrão. Bom, eu tenho minha resposta
agora. Meu pai! Que coisa gostosa.
Abro os olhos, mas não os desvio do prato antes de dar a segunda, a terceira
e a quarta garfadas, que é quando me lembro dos meus movimentos
friamente calculados para não parecer esfomeada.
Pessoas cheias de grana têm hábitos estranhos, sei que sim. Eu costumava
assistir Mulheres Ricas[7] quando tinha tempo e é muito
improvável que a loucura daqueles gestos absurdamente caros e
desnecessários se restrinja à parcela feminina dos privilegiados com dinheiro
de sobra. Na verdade, uma aposta dessas parece exatamente o tipo de coisa
que homens com a mesma mentalidade das mulheres que participavam do
programa fariam.
Não que eu consiga entender. Eu não entendia na época em que via, pela
televisão, aos absurdos que o dinheiro pode bancar e não entendo hoje,
quando um deles está, literalmente, desenrolando-se ao vivo diante dos meus
olhos e me convidando a participar como um acessório. Mas eu não preciso.
Não se independente da minha compreensão essa aposta mudar a minha
vida.
— Diz ele pra mim? — Bruno dá alguns toques na tela do seu celular que
obviamente faz o meu parecer um pedaço de plástico velho.
— Dinheiro?
— Um adiantamento.
— Quem é você? O que você faz? — Ele sorri, mas dessa vez é diferente.
Bruno sorri de um jeito menino, apesar de tudo nele gritar homem. —
Quantos anos você tem? — Meu pai. Eu só posso estar ficando louca. Eu
não sei nada sobre esse homem e, mesmo assim, só faltei lhe gritar um sim,
mas não é como se eu tivesse qualquer grande alternativa.
Catorze anos mais velho. Uau. — E por que nós não fazemos o seguinte?
Você me diz seu pix, eu te dou uma prova de que estou falando sério, nós
jantamos antes que a comida esfrie e, depois, continuamos nossa conversa e
eu respondo todas as perguntas que você tiver? — Olho para o seu prato de
comida e o descubro intocado.
Bruno ainda não deu uma garfada sequer e eu me pergunto o que ele ficou
fazendo enquanto eu comia as minhas. Ou será que as engoli tão rápido que
uma pessoa educada não poderia usar esse tempo nem mesmo para dar uma,
quem dirá quatro?
surpresa com o que ouviu, antes de um sorriso imenso tomar conta do seu
rosto. Ele acha minha preocupação engraçada. Eu bufo.
Bilionário.
Bilionário.
Bilionário.
Passo algum tempo dividindo-me entre olhar abismada para a tela do celular
e para o homem diante de mim. Rolo a tela para baixo, visualizando todos os
links atrelados ao seu nome. Entrevistas, fofocas, notícias sobre ele e sua
empresa, sobre premiações, fotos de Bruno ao lado de figuras importantes.
Meu pai! Tem uma ao lado do Presidente! Ao lado da porra do Presidente!
— Aqui diz que você é bilionário. — Socorro, Deus! Com tanta coisa pra
falar, eu começo logo por essa? Eu estou ficando tonta.
enumero, uma a uma, as evidências de que ele não pode ser o que o google
está dizendo que é. — Você é uma pessoa comum! — Ele estava apenas me
olhando com diversão, mas quando passo da lista de evidências para a
acusação, Bruno solta uma risada alta que me irrita, porque não há nada de
engraçado em tudo isso.
— Nem tudo que está na internet é verdade — digo só porque preciso dizer
alguma coisa.
— Então você acha que eu plantei milhões de Fake News só pra enganar
você? — Ele tem uma sobrancelha arqueada e uma pálpebra caída em uma
expressão que não precisa de tradução. Ela quer dizer:
“sério?!”.
— Por que você faria algo assim? Por que pagar alguém? Por que eu?
Eu te respondo isso, você aceita meu sinal de boa fé, nós terminamos de
jantar e depois conversamos.
— Você já quis muito alguma coisa? Algo pelo que você seria capaz de dar
qualquer tudo de si e o que mais custasse? — pergunta e eu não preciso
pensar. A saúde da minha mãe é a resposta óbvia.
ponto, tornou mesmo. Mas eu não quero que ela seja mais uma. Eu quero
que a Magalhães seja a maior e a melhor. Eu quero ser o maior e o melhor.
Eu quero que quando meu pai ouvir o nome da empresa que foi do meu avô
e do meu bisavô, ele se orgulhe pelo que todos eles construíram, mas se
orgulhe ainda mais do que eu estou construindo.
A paixão com que ele fala quase me causa inveja. Eu nunca olhei para nada
além do essencial dessa forma. Nunca tive o privilégio de desejar nada que
não fosse a sobrevivência, minha ou de quem me é querido, com tanta força.
A sombra do garoto que vi há poucos minutos se foi. Diante de mim, há
apenas o homem. Um que é pura determinação. Outra vez, aceno em
concordância.
— Então eu não tenho tempo pra qualquer outra coisa. — Ele faz uma pausa,
apoia o dedo indicador nos lábios, depois, apoia os braços sobre a mesa e
balança a cabeça, negando. — Não. Isso é mentira. Eu não quero ter tempo
pra qualquer outra coisa. Eu sei, desde muito cedo o que eu quero fazer com
a minha vida. Eu quero investir e quero ser o melhor no que eu fizer. Eu
quero que grandes personalidades como Elon Musk, Thiago Nigro, eu quero
que a porra da lista da Forbes inteira saiba meu nome, e eu não quero que
nada fique entre esse objetivo e eu.
— Eu não vou colocar o que eu quero em risco apenas para tentar ter algo
que não me faz falta e essa não é uma opinião sínica. —
— Você não respondeu à segunda pergunta. Por que eu? — Ele empurra a
bochecha com a ponta da língua, como se estivesse pensando e, se eu tiver
que tentar adivinhar sobre o quê, sua dúvida sobre responder à essa pergunta
com tanta honestidade quanto respondeu à primeira.
— Ok. Terminamos — digo assim que o garçom se afasta com nossos pratos
vazios.
— C-como? — gaguejo uma única palavra, porque não sou capaz de dizer
mais nada. Não ainda.
— Eu sou muito bom com números. — Nós nos encaramos. Quer dizer, ele
me encara. Tudo o que eu faço é piscar sem parar até me sentir segura de que
vou conseguir dizer mais do que uma única frase.
Dessa vez, consigo moderar o tom, mas a força das palavras quase arrebenta
minhas cordas vocais. Olho, novamente, para a tela.
Precisando ter certeza de que aquilo não é algum tipo de ilusão de ótica,
desbloqueio o celular e abro o aplicativo do banco.
Meus passos são apressados. Assim que entro no banheiro, me enfio numa
cabine e sem me preocupar com o barulho, com o estado em que meu rosto
vai ficar ou com qualquer outra coisa, eu choro. Um choro doído, um choro
grato a quem, lá em cima, decidiu olhar para mim. Choro de alívio, choro de
desespero. Choro até os soluços irromperem pela minha garganta, até meus
ombros sacudirem, até a cabeça doer e o nariz corizar.
Não sei quanto tempo passo dentro da cabine, mas só saio dela quando
minha alma está tão lavada quanto meu rosto e ao me olhar no espelho e me
deparar com bagunça de nariz vermelho, olhos inchados e bochechas, colo e
orelhas quentes, eu simplesmente não me importo.
Ao contrário da minha saída, meu caminho de volta até a mesa é feito com
calma renovada e antes mesmo de alcançá-la eu vejo Bruno, de pé, andando
de um lado para o outro.
Quando ele volta a me encarar, não há bom senso no mundo que me obrigue
a interromper minha observação que, agora, com a mudança de posição, está
totalmente concentrada em seus lábios.
tenho algumas perguntas — peço e ele acena com o braço, dizendo para eu
vá na frente.
Primeiro, ele é educado e agora está sendo solícito? Se eu não tivesse certeza
de que sou a única com acesso, diria que ele, de alguma maneira, já tem
conhecimento do saldo da minha conta bancária, mas isso é impossível.
Solto um suspiro cansado antes de largar a mochila no gancho ao lado da
porta, caminhar até a mesa no centro da sala e parar de frente para o meu
irmão.
— Desembucha.
— Foi o que eu imaginei. O que você quer? — Ele ergue o braço acima da
cabeça, o dobra e coça o pescoço.
— Ah, que você não vai? — o interrompo e como tenho feito todas as vezes
em que surge, aproveito a oportunidade para lhe alfinetar sobre suas faltas.
Depois da reunião com sua diretora, eu dei uma dura em Gabriel e, como
sempre que é pego em mentiras escabrosas, nos dias que se seguiram ele
apresentou uma mudança razoável de comportamento.
O problema é que ela nunca dura, então, dessa vez, estou tentando prolongar
sua miséria tanto tempo quanto for possível na esperança de prolongar
também o período de remorso.
— É me fala isso daqui a seis meses. Cinco dias depois é muito fácil.
— Quanto custa?
— Não há nada que eu não faria por você, Gabriel. Nada. Eu só queria que
você valorizasse isso. — Colo minha testa na sua.
Decido que dez gigantes por dia são o suficiente, hoje eu estou prestes a
bater minha meta e não me sinto nada disposta a superá-la.
O que ela dirá sobre tudo isso? Esconder a situação nunca foi uma opção,
não posso, nem quero fazer isso. Até porque, se eu não puder contar para ela,
para quem eu vou? E, como dona Daise me disse ainda hoje pela manhã,
nunca escondi nada dela, não vou começar agora.
saída deve acontecer na sexta. — Levo a mão até a boca e mordisco a pele
ao redor da unha do dedo médio.
Minha mãe balança a cabeça para cima e para baixo, concordando devagar e
deixa que os segundos corram até se transformarem em minutos sem que
nada além do som do ventilador de teto possa ser ouvido no quarto.
Abandono as cutículas e passo a roer as unhas. Se ela não me disser algo
substancial nos próximos dez segundos, acho que vou enlouquecer.
— Será que ele tem um pai na mesma situação? — São as palavras que
deixam sua boca e elas são tudo o que eu não esperava.
— Mãe! — exclamo, mas, logo depois, gargalho alto, sentindo o último peso
no meu peito ser abandonado e meu coração bate leve como há muito, muito
tempo, não batia.
— Isso vai resolver tudo o que importa, mas um plano de saúde com certeza
não é o item número um da lista, minha filha.
Ergue as sobrancelhas e toca a testa na minha. — É por isso que mais do que
qualquer coisa, eu quero te ver feliz e, se esse homem é a porta que a vida
abriu pra você, passe por ela e não olhe pra trás.
— Mãe...
— Eu não vou precisar, porque tudo o que me importa vai estar ao meu lado
— respondo com a mesma seriedade. — Sempre!
— Sempre — concorda, sorrindo, antes de me envolver em um abraço e colo
que só ela tem.
Quando fui ao encontro de Milena no início dela, achei que a essa hora eu
estaria comemorando minha vitória, não amargando um trilhão de
pensamentos controversos ou vendo um número cada vez maior de
perguntas sem resposta surgirem dentro da minha própria cabeça.
Suas patas gordas arranham a lateral da minha coxa. Eu bufo, mas faço
exatamente o que ele quer, começo a coçar sua orelha e a acariciar a pelagem
branca e marrom. Sua respiração esforçada soa alta quando o buldogue
ressona, satisfeito. Cachorro mimado. Estalo a língua e balanço a cabeça,
mas acabo rindo, o que não dura muito.
Quase como a lei da ação e reação, para cada emoção que atravessava o
rosto ou os gestos de Milena esta noite, um desejo percorria o mesmo
caminho na minha consciência.
Quando a encontrei abatida, eu quis saber o porquê, quis fazer com que se
sentisse melhor. Quando ela se assustou, quis que ela se sentisse segura.
Quando ela teve dúvidas, eu quis ser capaz de lhe dar certezas. E até mesmo
quando ela chorou, desejei fazer algo para mudar isso e não apenas para me
afastar do inconveniente, mas porque vê-la se sentindo daquela forma
pareceu errado.
E se todos esses desejos não fossem estranhos por si só, eles seriam por me
pertencer. Eu não sou um homem com uma grande variedade de vontades.
Principalmente quando se trata de uma pessoa específica.
reunião vocês não tirarem os rabos de vocês das poças de merda em que eles
estão descansando, acreditem. Seus bônus anuais também não vão superar os
do ano passado. Se eu não ganho, vocês não ganham! Se os clientes não
ganham, vocês não ganham. Agora, vão fazer algum dinheiro! — E, com a
última dispensa, todos se levantam.
Bom...
Olho para o relógio apenas para constatar o que eu já sei e, como uma
confirmação do universo, recebo uma mensagem de Dara, minha
governanta.
Claro que está. Nem por um segundo imaginei que ela seria qualquer coisa
além de pontual. Não depois do nosso jantar de ontem cujos acontecimentos,
mesmo após uma noite e um dia inteiros, ainda estou tentando entender.
pelo rosto da garota catorze anos mais nova do que eu e por essa eu não
esperava. Assim como também não estava preparado para que essa fosse a
primeira das muitas surpresas da noite.
— Negócios?
Seus ombros se movem, denunciando sua inspiração profunda antes que ela
se vire para mim com um sorriso tímido.
— Você é teimosa — constato em voz alta e ela solta uma risada baixa.
A verdade é que se vamos fingir ser um casal, preciso que ela se acostume a
ter seu espaço pessoal sendo invadido por mim. E
— Roupas?
— Sim. Pros nossos encontros e pro dia a dia. — Seus lábios assumem o
formato de um O e eu inclino o pescoço, curioso. Comprar roupas é sempre
uma coisa boa, não é? Bem, eu gosto.
— Claro. — pausa e engole. — Eu vou... Vou cuidar disso. O que eu devo
comprar pra sexta? — Umedeço os lábios e, mais uma vez, Milena
acompanha o movimento. Minha mão formiga, pronta para tocar sua
bochecha sem que eu nem mesmo tenha pensado sobre isso, mas me impeço
a tempo.
— Não agora, mas eventualmente você vai precisar passar a noite aqui,
Milena, é mais fácil já nos prepararmos pra isso.
acostumar a ficar perto de mim sem parecer estar prestes a ter uma
convulsão. Penso, mas não digo.
— Você explicou porque não fazer isso de verdade. — Milena ajeita uma
mecha de cabelo atrás da orelha e deixa que os dentes deslizem sobre o lábio
inferior. — Mas eu ainda não entendo por que simplesmente não dizer que
não vai fazer o que eles querem? Quer dizer, você não é obrigado, é?
— Mas você já perdeu — diz baixinho, inclina a cabeça e uma ruga surge
em sua testa quando a confusão estampa seu rosto. Acho graça
— Isso não faz qualquer sentido — fala para si mesma, olhando para baixo.
Ele é inédito para mim e sou obrigado a reconhecer que bom pra caralho. É
inevitável me perguntar qual será a sensação de senti-lo com o nariz grudado
aos fios ou em sua pele. A garganta de Milena se movimenta lentamente
quando ela engole, afetada pelo silêncio repentino e pelo meu foco
inesperado nas partes dela que estão na altura dos meus olhos, e outra vez,
sua reação, ao invés de me afastar, como teria feito em qualquer outro
momento, faz com que eu queira me aproximar ainda mais.
Perto demais. Ele está perto demais e eu não acredito que há um contrato de
meio milhão de reais diante de mim e tudo em que consigo pensar é no fato
de que Bruno está perto demais. Ele não podia ter sentado de frente para
mim? Como ontem? A uma distância segura?
Talvez menos.
Prendo os lábios ao redor da caneta entre eles sem me importar com o fato
de que a estou babando, mesmo que seu dono esteja bem ao meu lado, muito
mais perto do que gostaria e, provavelmente, insatisfeito por eu estar
fazendo isso.
— Tremendo, Milena. Você está tremendo. — Ele solta um suspiro
resignado. — Tenho quase certeza de que o motivo é eu
estar tão perto e isso já está assim há pelo menos dez minutos. —
Era pedir muito, @Deus? Só um pouquinho mais? Mas não! Eu tinha que ser
branca feito um papel e ter todos os meus sentimentos, literalmente, pintados
na cor da minha pele. Recuso-me a olhar para ele e finjo estar realmente
empenhada em desvendar o mistério por trás do branco da folha de rosto do
contrato, mas Bruno não está disposto a facilitar minha vida.
O calor do seu corpo parece envolver o meu, quase como se quisesse atraí-lo
e eu me vejo desejando responder ao chamado que só existe na minha
imaginação. Sua expiração quente bate atrás da minha orelha, eu me arrepio
inteira e fecho os olhos, buscando um controle que nunca antes precisei
exercitar e falhando miseravelmente quando um leve tremor atravessa meu
corpo.
Será que agora era um bom momento para eu dizer que sou virgem? Não.
Ele não tem nada a ver com isso. Pelo amor de Deus, Milena! Ele não tem
como saber se você é virgem só por estar perto! Você está parecendo sua
antiga vizinha maluca, a dona Mercedes, que não sentava no metrô para não
correr o risco de engravidar.
maneira tão intensa sem que ele sequer tenha encostado um dedo em mim?
A risada rouca sugere que ele está se divertindo com a minha situação, mas
não ouso virar o rosto para descobrir. Perto demais.
Ele está perto demais e, de repente, se afasta. Minha mente sente alívio, meu
corpo sente falta. Aperto os lábios e sugo as bochechas, deixando-as fundas.
— Nós vamos precisar trabalhar isso. Talvez tenhamos que nos encontrar
antes de sexta. Você vai precisar se acostumar comigo. —
Com ele a uma distância relativamente segura, finalmente sinto que estou
respirando outra vez, mesmo sabendo que em nenhum momento o ar deixou
de entrar e sair dos meus pulmões.
— Você não pensou sobre isso, pensou? — questiona e eu continuo tão sem
entender do que estamos falando quanto estava há dois minutos. — Milena,
você não pode fingir ser minha namorada e continuar morando onde mora.
— Abro a boca para contestar, mas o gosto amargo em minha língua me faz
fechá-la.
Quer dizer, o que há de errado com a minha casa? Ele não precisa ir até lá.
Eu tenho certeza de que ele nunca colocou os pés no bairro da Sé. É claro
que não, mas eu não vou me envergonhar por ter nascido pobre.
Seu rosto recua levemente quando ele entende o que está por trás da minha
declaração.
— Você acha que é disso que se trata? Eu não querer ir até o bairro da Sé?
— Eu estaria mentindo que não preferiria você perto o tempo todo, afinal,
tudo isso é sobre praticidade, o propósito da encenação é que seja
conveniente.
— Pela sua cara, não entendeu não — afirma. — Olha pra mim, Milena —
pede, quando eu viro o rosto e ao voltar a encará-lo, encontro seus olhos
estreitados, mas não com aspereza. Bruno parece quase estar se divertindo.
— Eu posso não ter uma penca de repórteres atrás de mim, mas eu ainda sou
uma figura de interesse e no momento em que você começar a aparecer,
repetidamente, ao meu lado, também vai se tornar — explica devagar, como
se estivesse falando com uma criança e eu me ofenderia, se ele não estivesse
com razão.
O silêncio se instala entre nós quando ele termina de falar, porque eu ainda
estou processando as informações e não respondo nada.
Pisco, tentando entender até onde tudo isso vai se estender, mas quando
minhas sinapses nervosas parecem estar todas prestes a entrar em curto
circuito, eu desisto e apenas pergunto.
— Eu... Eu...
— Você quer desistir? — oferece e seu tom de voz me faz erguer os olhos
em busca dos seus. Suas palavras não soam raivosas nem preocupadas.
Talvez decepcionadas, mas também não acho que essa palavra faça justiça e
eu busco no seu olhar o significado que eu nem sei se existe. — Você ainda
não assinou nada, e mesmo que tivesse, eu nunca te obrigaria a fazer algo
que não quer por causa de um pedaço de papel, Milena. Eu... — É a vez dele
de arrastar as mãos pelos cabelos. — Me precipitei. Eu deveria ter te dado
tempo para pensar.
— Achei que você não perdesse — recito suas palavras, porque me liberar
enquanto nosso acordo já estivesse em vigor significaria
isso, que ele perderia. Bruno sorri de canto, atraindo-me com aquele
magnetismo tão natural e eu me vejo me inclinando em sua direção.
— Vou fazer o seguinte, enquanto você absorve tudo isso, eu vou tomar um
banho — avisa, já arrastando a cadeira para trás e eu seria capaz de ajoelhar
e agradecer.
Sua presença sempre foi intoxicante para mim e ele está certo quando diz
que preciso aprender a lidar com ela. Só que é muito mais fácil falar do que
fazer. Meu corpo parece ser atingido por um milhão de pequenos raios
quando exposto à sua proximidade e minha mente se embaralha inteira.
É bom que ele esteja longe enquanto compreendo a importância do que estou
prestes a assinar. O ranger do piso é bem-vindo no
Minha primeira reação foi deixar meu queixo cair no chão com o tamanho e
beleza de seu apartamento, a segunda, foi recolhê-lo. O
lugar tem paredes e chão claros em sua grande área aberta. Assim que entrei,
fui recebida por um espaço imenso dividido em nada menos do que quatro
salas. À minha direita, uma sala de TV com um sofá enorme e toda a parede
revestida por uma madeira clara e bonita.
À minha esquerda, uma sala de estar com outro sofá e algumas poltronas.
Mas foi o que encontrei à minha frente que me atraiu exatamente como a
Mariposa é atraída pela luz. Para além de outras duas salas de convivência
com pequenas mesas e cadeiras, há imensas janelas do chão ao teto que
permitem que quem olha através delas, mergulhe em uma São Paulo acesa
sem precisar se mover.
Não contei a verdade. Essa, como prometi a Bruno, eu não revelei a ninguém
além da minha mãe. Para aquela que dividiu o balcão da Garden Gourmet
comigo pelos últimos dois anos, eu disse apenas que o auxílio doença da
minha mãe finalmente havia sido liberado pelo INSS[11].
Bruno já sumiu no segundo andar. Sacudo a cabeça, agora não é hora para
esse tipo de reflexão. Agora é hora de usar minha concentração e capacidade
de respirar recém-recuperadas no contrato à minha frente.
Sob os jatos potentes do chuveiro, olho para baixo sem conseguir acreditar.
De pau duro. As reações de Milena me deixaram com a porra do pau duro e
se eu não estivesse olhando para ele agora, eu não acreditaria. Mas que
caralho?!
A água gelada esfria a pele quente, mas não expulsa as imagens que minha
imaginação já criou de Milena sob mim. A menina é uma verdadeira
caixinha de surpresas e eu me pergunto quando é que isso vai parar. Eu já
havia conferido seu corpo, admitido sua beleza, mas reagir fisicamente é
uma coisa muito diferente.
Principalmente quando ela não fez nada para isso além de se mostrar afetada
pela minha presença, pela minha proximidade. A maldita fragilidade me
envolvendo, outra vez. Fecho o chuveiro, me seco e saio do box com a
toalha enrolada na cintura e a cabeça a mil mesmo que a solução para isso
seja óbvia.
— Comer?
— Sim, você jantou antes de vir pra cá? — Abro o aplicativo de entregas e
rolo a tela para baixo, considerando as opções.
— Não.
— E não está com fome? — Levanto os olhos para encará-la. Ela meneia a
cabeça e, por fim, assente. — E então? Lanche? Comida?
Massa? Japonês?
— Gostou de lá?
— E qual é o problema?
— Não vai dar tempo! Quer dizer, há tantas coisas pra encaixotar e...
— Dúvidas?
— Aqui diz que você vai custear roupas e qualquer outra coisa necessária
pros encontros, mas você já está me pagando uma fortuna
— O que eu estou te pagando é seu. Roupas e o que quer que seja necessário
são responsabilidade minha. Pense nelas como um uniforme ou EPI.
— Eu não a...
— aviso e ela demonstra surpresa por não mais do que dois segundos antes
de estalar a língua. Apoio o cotovelo sobre o tampo da mesa e prendo o
queixo entre os dedos indicador e médio. — Algo a dizer?
— Mentir?
— Uhum.
— É um jeito de se pensar.
— Você discorda?
— Não tenho uma opinião sobre isso. Até agora, eu nunca tinha olhado para
mentiras como algo além de uma forma de machucar pessoas que gostamos
e esse não é um risco que eu esteja disposta a correr, nunca. — Sua
explicação me revela mais um pedaço da sua personalidade intrigante e eu
não faço nada além de absorvê-lo. —
sugere e eu assinto. Parece que ela aprendeu bem rápido a usar a mentira
como um recurso, mas não falo nada a respeito. — E tem algo
que você odeie e eu deva saber? Pra não dar bandeira? — Outra vez, me
pego rindo.
— Muitas coisas, mas duvido que você vá dar bandeira sobre qualquer uma
delas. E você? Alguma coisa?
— Cigarros. — É taxativa e eu franzo as sobrancelhas. Eu não fumo e todo
mundo sabe que cigarros não são a melhor estratégia para se manter
saudável, pelo amor de Deus, há imagens de pulmões podres na embalagem
da coisa. Mas odiar? Há uma história aí e se a resposta por si só não fosse o
suficiente, a centelha de dor que atravessa seus olhos seria. No entanto, eu
não a pressiono. Aperto os lábios e aceno.
— Me fala dos seus amigos, os que eu vou conhecer — pede, ainda entre
risos. E eu concordo. Essa é uma excelente pedida.
— São melhores?
Sua língua sai para lamber os lábios enquanto ela pondera o que fazer a
seguir e eu espero pacientemente. A sensação estranha, essa atração
carregada de algo mais nos envolve com uma velocidade admirável e, outra
vez, sinto meu pau dar sinal de vida dentro dos shorts que estou vestindo.
Os olhos azuis de Milena piscam uma vez atrás da outra e quando ela
estende a mão para mim, suas pupilas se dilatam de maneira sutil e seu corpo
se inclina levemente para frente. Não sei se o meu repete
Milena ouve com atenção e interesse quando falo do meu trabalho e eu lhe
retribuo quando ela me fala dos planos que tem de começar a estudar,
embora ainda não saiba o quê. E, um bom tempo depois de termos terminado
o jantar, ainda estamos sentados à mesa, sem nos importar com o fato.
A campainha toca, interrompendo nossa conversa e me fazendo perceber que
eu perdi completamente a noção do tempo. E, pela primeira vez em muito
tempo, me arrependo de uma decisão que tomei de forma completamente
consciente.
Eu o observo com atenção, ainda parado, com a boca aberta, no meio de uma
palavra, mas agora, em silêncio. É inevitável não sentir meu próprio humor
mudando. Nas últimas horas a pressão da sua companhia foi aliviada. É
verdade que eu ainda preciso ficar alerta na batalha imparável de manter
meu corpo preso no lugar quando ele parece ser constantemente puxado na
direção de Bruno. Absurdo, eu sei, mas é o que acontece.
— Eu preciso ir. Já está tarde. Vou aproveitar que você vai abrir a porta.
— Claro. Davi vai levar você — avisa e meu rosto deve deixar clara a minha
confusão, porque logo em seguida ele explica: — Meu motorista. Ele está te
esperando.
— Bruno, eu passei os últimos anos transitando por essa cidade enquanto era
tarde ou cedo demais pra estar claro, acredite. A noite
— Antes de quê?
Como ficou muito claro essa noite, a tranquilidade que virá com o dinheiro
de Bruno não será de graça. Ela vai me custar muito e eu não me importo
com o preço. A única coisa que eu definitivamente não estou disposta a
entregar como pagamento é um coração partido.
Bruno não se envolve, ele quer coisas que julga mais importantes.
Olho para o homem com o qual estarei ligada pelos próximos três meses, o
responsável pela mudança de 180° que minha vida está prestes a sofrer e,
dando a ele o mesmo sorriso que dei à estranha em sua porta, eu me despeço.
Não espero para ver o que vai acontecer, não olho para trás.
vou gostar? Será que eu vou odiar? Será que é como eu sempre imaginei?
Será que o banheiro vai ser fedido?
Para além das fanfics que passei dois anos criando em minha cabeça, Bruno
nunca vai me enxergar como protagonista de nada.
Nem mesmo em nosso acordo. Tudo isso é apenas um jogo entre ele e os
amigos. Eu sou uma peça e essa é toda a informação de que preciso para
mantê-lo exatamente na mesma posição em minha vida.
Talvez, daqui a alguns anos eu entenda que isso é muito para querer. Talvez,
eu nunca encontre, talvez, eu encontre amanhã de manhã, enquanto
atravesso a rua. Talvez eu durma esta noite e acorde algumas horas depois
certa do exato oposto daquilo em que acredito agora. Talvez. Mas,
independente de qual dessas variantes se concretizará, a constante é uma só:
a vida é minha pra acreditar ou esquecer.
Olho para a casa em moro desde que nasci e solto um longo suspiro. Tantas
coisas foram vividas aqui, mas em meu coração não há desejo algum de que
outras venham a ser. Não desejo voltar para cá daqui a três meses. Ainda não
sei para onde quero ir, mas outra certeza? Eu vou descobrir.
Honestamente, também estou ansioso por sua chegada, para saber como ela
vai se comportar e não apenas com relação ao quarteto fantástico de idiotas
que eu chamo de amigos. Mais do que isso, para saber como ela se
comportará com relação a mim. Não nos vimos desde terça-feira, quando
Milena saiu da minha casa sorrindo, mesmo depois de encontrar Beatriz na
porta.
Pela primeira vez, minha cabeça não estava na mulher deslumbrante que
abriu seu sobretudo preto para revelar um corpo absolutamente delicioso e
nu diante dos meus olhos, mas na menina de cabelos maltratados, vestida por
jeans surrados e camiseta desbotada, com o rosto limpo de maquiagem na
companhia de quem eu havia passado as últimas duas noites.
resmungo, dessa vez, não precisando fingir o mau humor. Ele foi facilmente
conquistado no que deve ter sido a milésima tentativa que faço de entender
os efeitos da menina em mim. Solto o corpo na poltrona acolchoada de
maneira relaxada.
Isso porquê, por trás das portas, há muito mais do que música.
Para mim, aos vinte e três, que já havia ganhado muito mais dinheiro do que
seria capaz de gastar em sete vidas inteiras, o Carmesim pareceu o melhor
investimento possível. Nós podíamos ser moleques na época, mas havia três
coisas que já havíamos compreendido há algum tempo: o valor do dinheiro,
como ganhá-lo e que há poucas coisas pelas quais as pessoas estão tão
dispostas a pagar quanto pelo próprio prazer.
quilates.
Vocês tão mais inconstantes que pau velho sem Viagra! Decidam, caralho!
— Meu teatro não comove a nenhum deles.
tramando alguma coisa, Bruno, porra! Você tá! Nenhuma tentativa de sair
pela tangente? Nenhuma enrolação malsucedida? Isso tá fácil demais. —
Suas conclusões colocam um sorriso em meu rosto.
— E com dezenove anos? Desde quando você cria pra comer, Bruno? Isso
tem muito mais a cara Conrado — Pedro analisa seriamente como se não
tivesse acabado de fazer a porra de um trocadilho imundo.
— rebate.
E, curiosos, todos seguimos seu olhar. Mas enquanto meus amigos analisam
cada centímetro da morena de vestido vermelho na entrada do salão, eu me
esqueço de como respirar quando sou atingido de súbito por uma certeza que
quase me derruba sentado, outra vez, no sofá.
Eu tenho um problema.
Mas a forma como estou olhando para ela? Como estou reagindo à sua
presença, mesmo sem jamais tê-la tocado além de um aperto de mãos? Pode
colocar na conta da obsessão, com certeza. Engulo em seco, e na tentativa de
fazer minha mente conturbada clarear, aperto os olhos rapidamente.
No entanto, mesmo por trás das pálpebras cerradas posso ver cada curva do
corpo pequeno, os cabelos espalhados pelos ombros, os lábios pintados, os
olhos azuis procurando por alguém, por mim, ainda que seus motivos não
tenham nada a ver com os meus nesse momento.
Milena não está super produzida. Não, o que chama atenção é justamente o
oposto. A beleza natural que mexeu com meu corpo e mente, a ponto de
sequestrar meu desejo, está apenas ressaltada pela roupa adequada, pelo
cuidado que essa menina deveria ter recebido desde sempre e há uma
satisfação inédita em saber que indiretamente, fui eu o responsável por ela
finalmente ter o que merece.
Escolher seu vestido não foi um gesto de bondade. Eu queria escolher algo
que a valorizasse o suficiente para que cada par de olhos na boate a
devorasse sabendo que esse era o mais perto que chegariam dela. Porém,
quando recebi as opções, foram necessárias mais três levas até que eu fosse
eu escolhesse, porque fui incapaz de trair o pouco de sua personalidade que
eu já conhecia.
Cada maldito par de olhos se vira para Milena e eu descubro que não gosto
nenhum pouco disso. Carla, a hostess responsável por trazê-la até o camarote
no momento em que ela chegasse, surge ao seu lado, indicando as escadas e
os quatro patetas à minha frente,
Palavras não são necessárias entre nós, mas ele entende exatamente o que
quero dizer. E, porra! Eu quero! Quero dizer cada maldita palavra que
atravessa meu olhar. No seu, um brilho surpreso de divertimento acompanha
o erguer de suas mãos com as palmas para cima, em um gesto de rendição.
tímida, mas como das poucas vezes que vi, seu sorriso transforma sua beleza
em algo indescritível.
Ela provavelmente não esperava que ele viesse tão rápido, eu não planejava
que viesse, mas controle não faz parte da minha lista de virtudes nesse
momento.
Seus olhos estão presos aos meus e seu rosto se aproxima. Ela está, outra
vez, inclinando-se na minha direção de maneira inconsciente. Subo uma das
mãos e toco seu rosto. Pressiono minha palma contra sua bochecha e espalho
os dedos em seu maxilar e na lateral do seu pescoço. A pele macia se arrepia
sob o meu toque e o desejo ruge em minhas veias, exigindo mais, dizendo
que as migalhas oferecidas não o satisfarão.
Encaixo o rosto na curva entre seu pescoço e ombro e puxo uma inspiração
profunda, bebendo seu cheiro, mas ainda não é o suficiente. Arrasto a ponta
do nariz por sua pele sensível que reage ao toque com pelos eriçados e ainda
não é o suficiente. A carícia deixa nossos lábios perto, muito perto e muito
antes do que eu
planejava que acontecesse esta noite. Foda-se, eu não sou tão forte assim.
Mesmo que minha mente ainda esteja anestesiada pela surpresa, meu corpo
reage instintivamente ao toque íntimo, correspondendo ao beijo e inundando
meu cérebro de endorfina. Entrelaço minhas mãos em seu pescoço quando
lábios e língua me assaltam, invadindo minha boca sem delicadeza, com
uma urgência extraordinária e totalmente enlouquecedora. O beijo desse
homem é como tudo o mais nele: imponente, seguro, delicioso.
Sua língua tem um objetivo, dissolver-me até que eu seja uma poça no chão
e o trabalho já começou a dar resultados em minha calcinha, subitamente
encharcada. Seu toque firme em minha nuca empurra minha boca contra a
sua, mas não é ela quem me mantém presa ali. É
seu cheiro, sua língua, seu queixo raspando minha pele em cada movimento,
sua mão em minha cintura, um desejo irrepreensível de que esse momento
dure para sempre.
Meus pulmões imploram por ar, mas eu me recuso a parar, não importa o
quanto eles gritem necessidade e Bruno parece tão indiferente quanto eu à
falta de oxigênio. Impulsiono meu corpo contra o seu, precisando de mais
contato e sentir sua ereção firme,
Eu não sabia que era possível querer tanto alguma coisa quanto quero seu
toque, quanto quero descobrir se a realidade pode superar as fantasias
inundando minha consciência nesse instante assim como o toque da sua boca
superou.
Suavemente, sua língua abandona minha boca e apenas seus lábios beijam os
meus uma, duas, três vezes, antes de ele colar a testa na minha. Não ouso
abrir os olhos. Respiro ofegante, empurrando meu peito contra o seu a cada
inspiração e expiração descompassadas. Minha mente é uma bagunça de
excitação, pensamentos incoerentes, desejos não satisfeitos e poucas
certezas, como, por exemplo, que isso foi só encenação.
Ele me avisou que teria que me tocar e eu disse que lidaria com isso. Bem!
A hora é agora! Só para garantir, repito três vezes, em
silêncio, que Bruno não faz parte das coisas que estão ao meu alcance, não
importa o quanto seus olhares e gestos digam o contrário. É mentira.
Se eu estive pronta para esse beijo, estarei pronta para qualquer outra coisa.
Isso sem mencionar o impacto que foi vê-lo assim que cheguei. Sim, seus
ternos sempre deram muito material para a minha imaginação. Sim, em sua
casa, pude ver uma versão mais descontraída sua, em shorts e camiseta que
só não me causaram um piripaque, porque eu estava concentrada demais em
não sucumbir ao meu despreparo para a sua proximidade.
Ele parece entender o que minha risada não diz e dá um passo para trás, mas
não afasta o toque da minha pele.
Mordo o lábio, não conseguindo lhe dar mais do que um aceno tímido como
agradecimento, o que não faz qualquer sentido.
Pelo amor de Deus, Milena! O homem acabou de sugar sua boca como se
fosse um desentupidor e é um elogio que te deixa envergonhada? Só que o
beijo foi para a plateia, esse elogio foi só para mim e bem, não é o tipo de
coisa que espero ouvir de Bruno.
Ele não é doido! Sabe que o conforto recém-adquirido não é algo que
queremos perder. Visto um sorriso, ignorando o nervosismo que me faz
tamborilar os dedos dos pés dentro das sandálias de saltos altíssimos e,
agora, indiscriminadamente, giro o pescoço, olhando para cada um dos
rostos que me encara de volta.
— Deixa eu adivinhar — proponho e algumas sobrancelhas se erguem em
surpresa. — Pedro! — Aponto para o homem de colete. —
— Arthur. — Avanço para o outro de pé, mais um loiro, esse com porte de
surfista e tão musculoso quanto Bruno. Seus olhos verdes são divertidos. —
E você só pode ser o Conrado — termino, apontando para o segundo homem
sentado. Seus cabelos e barba são muito escuros, seus olhos são de um azul
cinzento, ele tem uma forma investigativa de olhar e é o único usando terno
e gravata.
Ele puxa meu corpo em sua direção e planta um beijo em meu pescoço. Que
Deus me ajude a chegar ao fim dessa noite inteira, porque esse homem, com
certeza, não vai ajudar.
O homem deixou claro que eu não era obrigada a beber, mas, caso quisesse
experimentar, estaria ali.
Nenhuma das poucas imagens que encontrei no google foi capaz de pintar a
imagem completa deste lugar, principalmente do camarote.
— Entender o quê? — pergunto, mesmo que seu olhar me diga que essa era
uma pergunta armadilha.
— Porque você está saindo com esse cara! Sério! Olha pra você!
Gesticula com as mãos, querendo demonstrar que está dizendo algo óbvio.
Eu sorrio, achando graça de verdade, porque os outros três estão balançando
as cabeças em concordância e Bruno está bufando, insatisfeito. — Aqui
mesmo, nessa sala, tem quatro. — Acena, indicando a si e aos outros, agora,
todos sentados lado a lado no sofá à minha frente. — Sério! Por quê? —
Franze as sobrancelhas e nega em silêncio.
Viro o rosto e olho para um Bruno mal-humorado sem conseguir apagar meu
próprio sorriso.
respondo aos rapazes, mas não desvio os olhos dos seus. Sinto minhas
bochechas esquentarem imediatamente quando sua testa se franze em
surpresa, segundos antes de um sorriso safado se espalhar em seus lábios. —
E ele tem acesso a lugares muito legais, como
Que absurdo!
— Ótimo. Quer água? — Nego com a cabeça e como se soubesse que eu não
serei capaz de olhar para os seus amigos agora, pelo menos, não
imediatamente, anuncia: — Ok! Isso é o suficiente! —
Vira-se para os rapazes e seu tom é de aviso. Logo depois, volta a olhar para
mim. — O que você acha de conhecer o clube? — oferece e eu lambo os
lábios antes de concordar.
— Mas ela acabou de chegar! — é justamente ele quem protesta como uma
criança que teve seu brinquedo guardado porque é hora do jantar.
Sentar ao seu lado, com seu corpo tão perto, sabendo que aquelas migalhas
seriam tudo o que eu teria, começou a parecer tortura depois do primeiro
minuto e então aqueles filhos da puta a estavam comendo com os olhos sem
qualquer pudor, de novo.
Eu não queria ter parado de beijá-la. Eu não queria ter que dividir sua
atenção com aqueles quatro babacas, depois de finalmente entender do que
preciso para acabar com esse tesão que não é apenas por sexo, mas por sexo
com ela. Eu soube no instante em que minha boca tocou a sua, apenas para
ser lembrado no instante seguinte, de sua resolução de que nosso acordo não
incluiria sexo.
E embora nunca houvesse faltado defeitos dos quais eu pudesse ser acusado,
descontrole nunca foi um deles. Mesmo os meus movimentos mais
irresponsáveis, sempre foram calculados. Porém, no
segundo em que coloquei meus olhos em Milena esta noite, meu domínio
sobre mim mesmo parece ter evaporado.
Bastou ouvir a sugestão besta para que eu me visse prestes a perder a cabeça
caso não tirasse Milena daquele camarote imediatamente. O mesmo lado que
não queria parar de beijá-la, recusava-se a dividi-la, mesmo que só em
pensamentos, antes que, primeiro, eu tivesse a chance de prová-la sozinho.
Consigo ler seus lábios e isso deveria ser o suficiente. No entanto, como
mais uma prova do meu descontrole, envolvo meus braços em sua cintura e a
puxo em minha direção. Sua boca bate em minha orelha com o timing
perfeito para que eu a ouça ofegar.
Meu pau reage imediatamente, desejando que fosse para ele. Eu só posso
estar ficando louco. E enquanto não consigo pensar em qualquer outra coisa
desde que nos devoramos, desde que saímos do camarote, Milena parece
muito mais interessada nas luzes, no bar, lotado de bebidas que ela não bebe,
no palco e até mesmo nas pessoas ao nosso redor do que na minha
companhia.
Ela correspondeu ao beijo e correspondeu pra caralho, então por que raios,
agora que voltamos a ficar sozinhos, ela está interessada no palco, no DJ, na
porra dos espelhos e em qualquer outra coisa que não seja a minha boca, se
tudo o que eu quero é a sua?
— São os vidros dos camarotes. Quem está dentro pode ver tudo, quem está
fora não vê nada — sussurro em seu ouvido e sinto seu corpo se derreter em
meus braços. Sua reação é tão gostosa quanto sua boca e eu me imagino
fodendo Milena contra esses espelhos.
Será que ela gostaria da falsa sensação de estar sendo observada por todas as
pessoas que estão aqui embaixo? Ela desencaixa o rosto do meu pescoço e
encontra meu olhar.
Toco sua bochecha e deslizo o polegar ali algumas vezes. Milena fecha os
olhos brevemente, aproveitando a carícia, mas assim que os abre, está
determinada a fugir de mim. Isso fica óbvio quando ela inclina a cabeça para
trás e olha para cima, parecendo procurar alguma coisa.
— Aquele lá. — Aponto para o segundo à direita do que ela havia indicado e
sua cabeça balança, concordando. Volta a olhar para mim e antes que ela
abra a boca ou consiga desviá-los, me descontrolo outra vez. — Você dança,
Milena? — Minha proposta não tem nada a ver com o fato de eu ter certeza
de que há quatro imbecis nos acompanhando pelo vidro, lá em cima, e tudo a
ver com o fato de que eu quero sua atenção e participar de sua exploração
pelo clube parece a única forma de conquistá-la. Milena inclina a cabeça,
começando a sorrir.
— Em público?
Meu olhar não é o único a ser atraído pelo seu corpo em movimento, cada
porra de par de bolas ao nosso redor parece lhe dedicar a mesma atenção que
eu, entretanto, os únicos olhos nos quais o seu par de pedras azuis está
concentrado são os meus. É nos meus braços que ela gira e para eles que ela
volta a cada movimento mais ousado fazendo muito mais do que dançar
comigo, como propus, mas dançando para mim e essa certeza é boa pra
caralho.
Mas o que torna a sua dança o movimento mais sexy que já vi na vida, é o
sorriso em seu rosto.
Milena não está preocupada em parecer sensual, ela foi ao banheiro e sequer
aproveitou para retocar a maquiagem ou alinhar os cabelos. Voltou de lá com
as ondas tão volumosas quanto foram e ainda sem o batom vermelho que se
perdeu de seus lábios em algum momento da noite.
— Você quer dançar mais ou está fugindo do que sabe que vai encontrar no
camarote? — Ela ri e dispensa minha pergunta com um aceno.
— Ah, não. Os rapazes parecem legais. Um pouco bobos, sem filtro, com
certeza. Mas legais.
— Os rapazes?
— E como é que você sabe que eu gosto? — Seus olhos deixam meu rosto e
deslizam para baixo lentamente. Ela varre meu pescoço, ombros, peito e
coxas em uma resposta silenciosa antes de desviar os olhos. Ah, Milena.
Mas nem fodendo você vai escapar dessa. Desço do meu banco e com
apenas um passo, me encaixo entre as suas pernas, mesmo que o vestido
justo não permita que eu me aproxime tanto quanto eu gostaria. — Como,
Milena? — Sua língua lambe os lábios devagar e ela deixa o copo sobre o
balcão do bar.
— Olá, casal.
Ela apoia a cabeça em meu ombro quando me viro na direção do meu amigo
e seu olhar assiste atentamente à minha reação, que é envolver meu braço na
cintura estreita de Milena e trazê-la ainda mais para perto. O aceno que ele
dá é quase imperceptível, mas eu o identifico, assim como brilho de
curiosidade em seus olhos.
Eles acreditaram.
Mas, porra, seria impossível não acreditar, já que, contra as minhas próprias
expectativas e planos, cada uma das minhas reações foi verdadeira. É certo
que nada disso vai durar três meses, porém hoje, mais do que eu já quis
qualquer outra mulher, eu quero Milena e, pelo menos para alguma coisa
além de frustrar meu pau esse desejo serviu.
Eu espero pela inveja ou, pelo menos, pelo desgosto por não fazer o mesmo,
afinal, acho que a última vez que um de nós cinco esteve no primeiro andar
da Carmesim por tanto tempo, foi no dia da sua inauguração. Nossas visitas
sempre começam, no mínimo, pelo segundo andar da casa, onde as coisas
começam a ficar interessantes. Estranhamente, não sinto nada além de
satisfação por estar exatamente onde estou.
— Tão cedo? — Milena pergunta inocentemente e Arthur dá de ombros,
evitando mentir.
— O que tem no domingo? — pergunta para ele, mas olha para mim que
logo depois, olho para ele, filho de uma puta.
— Ah, não seja ranzinza, Bruno! — ele diz para mim antes de focar em
Milena. — Uma festa, no meu barco, eu espero te ver lá.
— Nem fodendo, vocês não são confiáveis pra isso! — declaro, sabendo
bem o tipo de coisa que acontece nas festas de qualquer um de nós. Não nas
minhas, pelos próximos três meses, e ele bufa.
“Claro, porque eu vou me recusar a levá-la, mas vou dar seu número pra ela.
Com certeza, imbecil.” É o que eu gostaria de dizer, no entanto, apenas
reviro os olhos, recusando-me a lhe dar confiança.
Os olhos azuis à minha frente vagam sem objetivo por alguns segundos, os
dentes afundam no lábio inferior e quando Milena volta a me encarar, sei
que ela está prestes a me fazer uma pergunta antes mesmo que ela abra a
boca.
— Por que você não quer me levar? Achei que provar aos rapazes que
estamos juntos era o objetivo. — Sua cabeça inclinada e o bico em seus
lábios deixam claro que sua pergunta não tem nada a ver com confusão e
tudo a ver com curiosidade.
— As festas do Arthur não são ambiente pra você, Milena. — Seus olhos
arregalam, suas sobrancelhas franzem e sua boca abandona o bico para se
abrir em uma surpresa indignada, no entanto, ela não diz nada e eu percebo
que vou precisar ser mais claro. Suspiro e levo uma das mãos à sobrancelha,
coçando ali sem me desfazer do toque em sua cintura com a outra mão. —
Pense um pouco, Milena. Arthur, o solteiro convicto que te disse que você
devia dormir com ele e outros três antes de decidir ficar comigo dá uma festa
num barco. Você sabe o que acontece...
De pé, entre as suas pernas, investigo seu perfil tentando compreender o que
pode estar passando por sua cabeça castanha escura. Pisco os olhos e recuo o
rosto quando uma ideia atravessa meus pensamentos, mas, não, porra. Nem
fodendo.
Como se soubesse exatamente o que está se passando pela minha cabeça, ela
se vira para mim, mas, rápido demais, desvia o olhar, fugindo outra vez e
dando força à alternativa em que não quero acreditar. Prendo seu queixo
entre meu polegar e indicador e, com delicadeza, trago seu rosto para mim.
O fenômeno do início da noite se repete e tudo o mais que não seja ela some
da minha visão. Somos apenas nós dois e antes que eu faça a pergunta, seu
rosto, tão fácil de ler, me responde. Pisco, algumas vezes, atordoado pela
compreensão.
Era pra caralho! A certeza chega sorrateira, mas se assenta soberana, ligando
cada ponto perdido, recuperando cada palavra dada e indício desperdiçado.
E, agora, quando percebo aquilo que sempre esteve diante dos meus olhos e
que, mesmo assim, recusei-me a ver até que fosse tarde demais.
pau continua tão duro por ela e para ela quanto no momento em que suas
coxas me apertaram e eu achei que ela estava prestes a admitir que está tão
atraída por mim quanto eu por ela.
Nenhuma palavra foi dita sobre o assunto, mas eu tenho certeza de que
minha reação estúpida às suas palavras sobre o que costuma acontecer nas
festas de Arthur me entregou. Sua descoberta estava escrita no seu rosto,
espalhada por todo ele, como provavelmente, minha verdade esteve no meu.
Não que fosse segredo, não era. Tampouco é motivo para me envergonhar. É
só que a última forma que eu esperava que a noite de hoje acabasse, era com
Bruno descobrindo sobre minha virgindade.
Nada esta noite saiu como eu esperava, do momento em que coloquei meus
pés na Carmesim e descobri aquele mundo de luxo, até o instante em que o
olhar de Bruno encontrou o meu após sua descoberta e ainda estava cheio do
que quer que seja essa coisa entre nós dois.
Essa coisa que me acende como uma árvore de natal e me faz refém do
desejo de que a promessa em seu olhar, que ele seria capaz de me devorar
apenas com um toque, seja cumprida. Como eu deveria ser capaz de suportar
isso pelos próximos três meses?
Quando paro de tremer, largo a pequena bolsa em minha mão sobre o chão e
um pé depois do outro, tiro as sandálias. Meus pés afundam no tapete
felpudo do quarto todo em tons de cinza, rosa e branco, ligo o ar-
condicionado e vou direto para o banheiro, desesperada por água gelada.
Não adianta.
Depois de quase meia hora embaixo dele, o chuveiro potente ainda não faz
nada para acalmar minha pele, meus músculos parecem ter se transformado
em brasas e eu tenho quase certeza de tê-los ouvido chiar quando o primeiro
jato atingiu a pele que os cobre. Frustrada, saio do box ainda molhada e
deixo o banheiro sem nem mesmo vestir os pijamas pendurados. É capaz de
eles pegarem fogo se me tocarem.
Eu o ouço antes de vê-lo. A porta do meu quarto faz um barulho suave, são
seus passos pesados que me alertam da sua chegada.
— Abre as pernas pra mim, meu bem. — Usa o apelido carinhoso que fez
meu coração se rebelar hoje mais cedo e eu me abro. —
Começo pelo pescoço, minhas mãos deslizam por ele e meus músculos
imediatamente se lembram da sensação de ter Bruno segurando ali,
aplicando a pressão perfeita enquanto sua boca dominava a minha. Eu gemo,
sentindo a palpitação entre as minhas pernas escancaradas aumentar. Meu
clitóris pulsa, dolorido, e minha excitação, pela primeira vez na vida,
escorre.
Minhas mãos alcançam a parte interna das coxas, eu sinto gotículas de suor
se acumulando no espaço entre meu nariz e boca, os lençóis pinicam minhas
costas e bunda. Eu me esfrego contra eles com força.
Arreganha essa boceta, linda — ordena e com uma mão, abro os grandes
lábios. O vento frio chicoteia meu clitóris agora exposto e é impossível me
manter calada.
— Nem pense nisso. Só eu meto em você, meu bem. Mantenha esses dedos
gulosos do lado de fora — avisa e eu não tenho tempo
para contestar.
Não quando estou tão perto da borda. Volto a esfregar meu clitóris como se
minha vida dependesse disso, e depende. Se eu não gozar nos próximos
trinta segundos, vou enlouquecer e viver louca não é vida.
O calor que envolve meu corpo está em todos os lugares enquanto eu estou
gemendo despudoradamente, minha boca aberta está seca e meu maxilar está
dolorido pela força com que o mantenho aberto, mas eu não me importo,
tudo o que quero é chegar lá.
Meu corpo inteiro convulsiona, arrebatado pelo orgasmo mais intenso que já
tive na vida e quando eu abro os olhos, preciso de alguns segundos antes que
alguns pontinhos pretos parem de dançar diante deles.
“Você tem medo de altura?” Dizia a mensagem que recebi de Bruno ontem e
me fez franzir as sobrancelhas. Que tipo de pergunta era
Respondi que não e logo em seguida, recebi outra pergunta: “Você ainda
quer ir à festa dor Arthur?” Essa não respondi tão imediatamente. Levei
cinco minutos tentando entender o que deveria estar passando na cabeça do
homem por trás daquela pergunta.
Ele não precisava me perguntar e, ainda assim, estava fazendo isso. Ele
também não precisava me poupar e, ainda assim, essa foi a decisão que
tomou sozinho e agora, me dava a chance de mudá-la.
Por quê? Não tinha essa resposta, mas ao final das minhas divagações, eu
tinha a da pergunta dele.
Tão rápido quanto possível, recebi a última mensagem enviada por ele:
“Tudo bem. Davi vai buscar você às 08h. Separe algumas trocas de roupa.
Até amanhã.”
Não disse nada, além disso. Não mencionou sua descoberta da minha
virgindade, não sugeriu o que eu deveria vestir, nem a que horas
voltaríamos. Agora, aqui estou.
Batidas suaves são dadas à porta e minha mãe coloca a cabeça para dentro.
— O carro chegou — avisa antes de sorrir e olhar meu corpo com atenção.
— Você está linda.
Olho para o reflexo no espelho conferindo pelo que deve ser a milésima vez
o biquíni azul marinho de tecido liso e decote profundo.
Não estou indecente, mas não me lembro da última vez em que estive tão
exposta. Minha mente, brincalhona, exibe como se fosse a lembrança de um
filme, a imagem de mim mesma, deitada em minha cama duas noites atrás,
completamente nua, esfregando-me nos lençóis enquanto me masturbava
fantasiando que Bruno estava me observando.
O que eu queria? Sentar naquele homem! Repetidas vezes! Mas como essa
não é uma possibilidade, meus dedos e o vibrador que comprei ontem, junto
com alguns biquínis, terão que servir. Talvez esta noite seja a grande estreia
do brinquedo, afinal.
Não sei o que fez com que ele mudasse de ideia sobre irmos a tal festa, ele
não disse e eu não perguntei.
— O que foi? — minha mãe pergunta e eu saio do limbo que são meus
próprios pensamentos.
— Ele te faz sentir coisas? Quantos anos você tem, Milena? Doze?
— Quando eu tinha doze anos, o máximo que eu sentia era vontade de socar
o filho do seu Malaquias. Lembra dele? — Jogo-me na cama, deitando com
a barriga para cima e deixando as pernas penduradas na borda.
Se a chave para ver minha mãe bem é morrer de vontade daquilo que eu não
posso ter, tudo bem! Eu aguento.
— Era Carlinhos o nome dele, não era? O que arrancava as cabeças das suas
bonecas e saía correndo?
Era tudo tão mais simples. Para começar, não havia boletos. Também não
havia problemas de saúde ou homens irritantemente lindos, deixando-me
praticamente de joelhos com apenas um toque.
Contudo, minha mãe, sendo minha mãe, me entende com perfeição. Afinal,
há dezoito anos lida com isso. Segundo ela, essa é uma mania que eu tenho
desde que aprendi minha segunda palavra.
— Fale por você, minha atração pelo Lian Neeson não é nada platônica. Em
qualquer dia, em qualquer horário, se aquele homem me perguntar, eu digo
sim, por favor, duas vezes, se possível. Três, se ele tiver disposição!
— Ah, então eu posso ter minha cabeça povoada por imagens da minha
menininha transando, mas você não pode ter imagens minhas?
— Ele me faz sentir coisas — repete minhas palavras com uma voz
ensaiadamente aguda e fazendo o sinal de aspas com os dedos. Eu bufo,
frustrada. — E qual é o problema em sentir?
— Eu posso ser inexperiente, mas não sou estúpida, mãe. Mesmo que ele
não tivesse me falado com todas as letras, eu saberia que homens como
Bruno não estão interessados no que eu tenho a oferecer.
— E o que seria isso? Não me diga que você está escrevendo seus nomes
com canetas coloridas em folhas de caderno, porque se sim, essa,
definitivamente, é uma coisa que você deveria ter parado de fazer aos doze
anos.
— Então você tem sua resposta. Só se vive uma vez, Mile. Faz o que você
quer fazer, certas oportunidades não se repetem.
— Eu não quero ser só mais uma... — confidencio meu medo mais íntimo.
— E o que há de tão errado assim em ser só mais uma? Contanto que ele
também seja só mais um... — Deixa o restante da frase subentendido e eu
arranho a garganta, desgostosa.
— Ele seria o primeiro. — Minha mãe já sabe disso, entretanto, parece ter se
esquecido.
— Porque alguém tem que ser — diz, mas logo em seguida faz uma pausa e
me encara como se quisesse descobrir algo apenas com o olhar. Não duvido
de sua capacidade. — Eu não sabia que você estava se guardando pra
alguém especial. — Seu tom é de surpresa contida quando ela inclina a
cabeça, investigando-me.
— E o que faz você ter tanta certeza de que ele não se importa?
— Ele me disse que esse não é o tipo de coisa que ele faz.
— Eu juro por Deus que se vocês não mantiverem suas fodas dentro das
cabines...
— Você anda jurando muito por ele ultimamente, Bruno — Arthur debocha.
— Vai fazer o quê? Gostar de assistir? Se juntar a nós? Tá com medo de não
resistir e acabar pedindo pra participar? — Seu tom irônico não disfarça a
provocação séria.
Ir à festa foi uma decisão dela, porque percebi que não deveria ser minha.
Principalmente depois de descobrir o quão longe ia sua inexperiência. Por
algum motivo, meus primeiros instintos quando se trata da garota são sempre
proteger e satisfazer. Nesse caso, especificamente, embora a princípio eu
estivesse convencido a colocar o primeiro em ação, depois das últimas
revelações, percebi que, talvez, fosse o caso de usar o segundo.
— Não, babaca! Mas eu já falei trinta vezes e vocês insistem em fingir não
escutar. Milena não é esse tipo de garota, porra! Você
aceitou minha condição pra levá-la, então cumpra com a merda da palavra.
— Um bufar soa alto, depois um estalar de língua.
SUV estaciona no meio fio e Milena não espera que o motorista saia do
carro para abrir sua porta, é claro que não. Sorrio, achando graça quando no
instante em que o carro está completamente parado, ela mesma abre a porta e
salta para a calçada.
O biquíni azul marinho chama atenção pelo contraste intenso com a cor de
sua pele clara, por ressaltar seus olhos azuis, mas principalmente por não
estar coberto por uma blusa. Os seios pequenos estão perfeitamente
acomodados dentro do tecido escuro, mas seu colo e mais de metade da
barriga estão completamente expostos.
Pelo menos suas pernas estão cobertas até abaixo dos joelhos por uma saia
de cintura alta. Podia ser pior, Bruno. Podia ser pior. Passo as mãos pelos
cabelos enquanto aproveito os óculos escuros para apreciar cada uma das
suas curvas sem qualquer descrição. Ela caminha até mim a passos lentos,
carregando uma pequena bolsa de tecido em que acredito trazer as trocas de
roupa que pedi.
— Oi. Você está bem? — Pego sua bolsa, juntando-a à minha em uma das
mãos. Milena acena, concordando, antes de morder o lábio e
— Nós vamos — respondo, voltando a indicar com o braço que ela passe a
minha frente e entre no prédio comercial espelhado no meio da avenida
paulista. Seus ombros sobem e descem em um sinal de resignação antes que
ela comece a caminhar.
O elevador já está no térreo. Indico para que entre e a sigo. Aperto o botão
de fechar portas.
— Você sabia que esse botão não funciona? — Milena quebra o silencio
com a pergunta aleatória. Olho para o botão recém-pressionado investigando
sua luz acesa. — Não literalmente —
explica ao perceber o que estou fazendo. — Ele funciona, mas não tem
utilidade. — Minha dúvida deve ficar estampada em minhas sobrancelhas
arqueadas, porque ela continua: — Eles só são acionados em casos de
emergência, no restante do tempo, só servem pra dar a sensação de controle
aos passageiros. Apertando ou não, a porta leva o mesmo tempo pra fechar.
— Eu não fazia ideia, mas obrigada por me contar. Onde você descobriu
isso?
— Ufa — solto, mesmo sabendo que ela não vai entender a piada
imediatamente.
— Eu estava começando a ficar preocupado que você pudesse ser algum tipo
de aficionada por elevadores e roldanas. — Seus olhos se estreitam e ela me
observa em silêncio por alguns segundos.
Quer dizer, o piloto do helicóptero pode ser considerado plateia, não pode?
Deve poder. Na minha cabeça estúpida e sem argumentos, com certeza,
pode. Milena é surpreendida pelo meu meio abraço e estremece, quase
fazendo eu me arrepender da aproximação.
Quase, porque quando seus olhos azuis se viram para mim, brilhantes pra
caralho, claramente excitados com a perspectiva da experiência diante dela,
eu me sinto a porra do super-homem, porque fui eu quem colocou aquele
brilho ali.
— Você disse que não tem medo de altura. — Não consigo evitar sorrir
também e levar mão livre até sua bochecha. Meu polegar acaricia ali com
movimentos suaves de sobe e desce. Por que isso parece tão absurdamente
natural?
— Eu não tenho! — exclama e sua voz sai aguda de tanta animação, porra!
Quando resistir a beijar sua boca começa a se tornar insuportável, Milena
joga os braços ao meu redor e cola o rosto ao meu peito em um abraço
apertado e totalmente surpreendente, mudando, em apenas um segundo, toda
a conotação do momento. —
UM. BEIJO. NA. PORRA. DA. TESTA. Eu devo estar ficando louco, mas
poucas coisas já pareceram tão certas quando isso.
só tem água! — avisa como fosse sua missão mostrar a mim e ao piloto algo
que parecemos não estar vendo quando a situação é justamente o oposto. Ela
é a única a não enxergar algo.
— Puta merda! Aquilo é...? — Não conclui a pergunta porque sua boca se
abre em choque.
— Uhum.
— Aquilo é um heliponto.
— Meu Pai! Vocês são muito ricos, não são? — comenta para si mesma, tão
envolvida com os próprios pensamentos que sequer percebe ter dito em voz
alta.
Rio e deixo que ela aproveite o fim do passeio com tanto ou mais assombro
do que aproveitou seu início. Faço o mesmo, voltando a me concentrar em
cada uma das suas expressões e gestos, bebendo deles e me perguntando,
uma e outra vez, por que caralhos eu não consigo parar com isso?
— Você sabe como fazer uma grande chegada, não é filho da puta? — Heitor
pergunta assim que Milena e eu alcançamos o andar abaixo do heliponto. —
E funcionou? Se exibir desse jeito? — indaga para mim antes de se virar
para Milena. — Oi, linda! — Reviro os olhos com o cumprimento e o
babaca se aproxima dela para beijar suas bochechas. Milena retribui, mas em
momento algum solta minha mão.
— Não sei — digo, e olho para ela. — Funcionou? — Dou uma piscadinha e
ela gargalha.
— Definitivamente! — exclama animada e eu puxo seu corpo contra o meu
ao mesmo tempo em que choco minha boca contra sua têmpora em mais um
beijo que não tem nada de sexual, mas me enche de satisfação. Não perco o
olhar estreitado de Heitor para a cena, contudo afasto o pensamento.
Eu sabia que algo viria, afinal, eles ainda não haviam tido a chance de me
espezinhar depois de sexta-feira. Falei muito mal com Arthur por telefone e
seu silêncio sobre o assunto gritava que o grupo tinha muito a dizer a
respeito.
— Sério? — indago, mas ele continua seu teatro de absurdos como se eu não
tivesse dito nada.
confiante, divertida, gostosa e nem piscou pra nenhum de nós. Não era uma
prostituta, isso também ficou óbvio quando observamos a interação entre
vocês.
— Pelo ros...
Eu quero rir desses idiotas. Uma atriz? Quão estúpido eles acham que eu
sou?
— Então nós concluímos que você não faria algo tão idiota, seria como pedir
pra ser pego... — Arthur fala, parecendo ter ouvido meus pensamentos. Ergo
as sobrancelhas e torço os lábios em desdém, mas me torno mais atento ao
jogral ensaiado. — Se você estivesse tramando alguma coisa, seria algo bem
mais difícil de descobrir. —
Tremo os lábios, fingindo não ter ideia do que eles estão falando.
Porque, pra qualquer um que te conhece, você está agindo como um louco.
— Tudo bem, tudo bem... Talvez louco seja uma palavra forte, mas,
definitivamente, você está agindo de um jeito estranho. — Coço a cabeça e
viro o rosto na direção para onde Milena foi. Será que ela ainda demora
muito?
— Olha aí, olha aí! — Arthur alerta imediatamente e eu recuo o rosto e
balanço a cabeça devagar em uma pergunta silenciosa. —
— E isso prova o quê exatamente? Além, é claro, do fato de ela estar comigo
exatamente como vocês, imbecis, exigiram? — digo devagar, como se o
ritmo lento das palavras pudesse colocar algum sentido nelas.
— Que você não está sendo você! Não importa se nós exigimos, na verdade,
justamente por ser uma exigência, essa maneira de lidar com a garota é a
última coisa que você faria! — Sopro o ar por entre os dentes e reviro os
olhos.
— Não é tratar mal, mas se inclinar, toda vez que ela se aproxima?
— Heitor questiona.
— Me obrigar a manter as fodas da festa dentro das cabines para não ferir os
olhos sensíveis dela? — essa primeira parte é dita como um resmungo. Ele
ainda está inconformado com isso. — Ou, então, abastecer o barco com
refrigerante pra que ela tenha tudo o que possa desejar?
Pedro diz e eu quase rio de desespero. Esse filho da puta nem faz
ideia. — Então, meu amigo, ou nós estamos perdendo alguma coisa aqui ou
o verdadeiro Bruno foi abduzido e você é uma cópia.
— Sério. — Dobro o lábio inferior para fora em uma falsa e mal atuada
demonstração de espanto. — Estou impressionado, caras! —
Quanto mais andávamos, mais coisas parecia ter para conhecer e por maior
que fosse a minha curiosidade, o que eu realmente queria desde o instante
em que pus meus pés a bordo do Sirius Black[15], era aproveitar a tal festa.
Como Bruno havia avisado, há mulheres, muitas delas, cinco para cada
homem, eu tentei contar porque estou muito curiosa sobre essa proporção.
Há um DJ famoso de quem eu obviamente nunca havia ouvido falar a bordo
e a música nunca para, mas há tanta coisa para se ver que desde que cheguei,
não fiz nada além de observar.
Os muitos bares espalhados pelo barco, as pessoas que são tão bonitas que
parecem estar aqui para algum tipo de ensaio fotográfico, as bebidas
coloridas, a alegria contagiante, as interações extremamente sensuais, a
energia sexual que parece vibrar entre as
E há Bruno, atento a mim o tempo todo. Como é fácil esquecer que é tudo
mentira quando ele me olha como se quisesse realizar cada um dos meus
desejos. Como eu deveria manter minha mente sã quando o homem manda
abastecer o barco que não é seu, de uma festa que não é sua, com
refrigerantes, apenas porque é a única coisa que eu bebo além de água?
Seus olhos são escuros e ela veste um biquíni laranja com top cortininha e
parte de baixo de amarrar. Um clássico e em seu corpo curvilíneo, o
conjunto fica espetacular. Depois que termina de usar o produto, me oferece.
— Protetor labial?
— Seu alvo, ué! É bom escolher cedo, antes de ficarmos bêbados, depois
disso, tudo vira uma grande confusão e você corre um sério risco de acordar
pelada com um cara pra quem você nem sequer tinha olhado antes de se
embebedar. E se o cara for um ninguém, você perde a oportunidade de fazer
seu mês — explica com seriedade, como se estivesse me dando um tutorial e
eu pisco os olhos, confusa.
Seu rosto se ilumina e um sorriso ainda maior do que o primeiro que ela me
ofereceu surge em seus lábios.
Ainda não consegui conhecê-lo e todo mundo diz que ele não se aproxima
de novatas. Nenhum dos poderosos se aproxima, na verdade. — Ela suspira
quase frustrada, apenas por um momento, mas logo depois, parece se
lembrar de que eu posso ser a solução para os seus problemas.
É exatamente isso que seus olhos me dizem que eu sou. Recuo a cabeça sem
conseguir evitar o pensamento de que essa conversa está cada vez mais
parecendo papo de bêbados e eu nem bebi.
— Os poderosos?
Primeiro, chocada com a conclusão a que ela chegou, mesmo que eu ainda
não tenha certeza se estamos falando da mesma coisa. Se estivermos, ela
acha que eu sou uma acompanhante, algo que ela também seria.
Seus olhos caem para a minha boca e antes que eu possa pensar muito sobre
isso, faço o que estou morrendo de vontade de fazer desde que o vi através
da janela do carro esta manhã, em seus shorts e camiseta, tão informais
quanto na noite em que discutimos o contrato em sua casa. Colo minha boca
na sua e o contato é tão delicioso quanto eu me lembrava.
Era para ser um beijo rápido, suave, impulsivo. No entanto, ele prende meus
lábios entre os seus e passa a língua sobre meu lábio inferior antes de chupá-
lo suavemente, como se não pudesse perder a oportunidade, arrepiando-me
inteira.
Tento dizer a mim mesma que a pouca atenção dispensada por Bruno à
Giulia tem a ver com o fato de todos os seus amigos estarem presentes e ele
não poder dar bandeira. No entanto, minha mente iludida e traiçoeira se
apressa em lembrar que, desde que chegamos,
Pelo amor de Deus! Seu peito parece ter sido salpicado de óleo bronzeador, e
suas coxas? Ainda bem que elas estão submersas. As veias de seu pescoço,
os ombros largos, os braços maiores que as minhas próprias coxas, o tórax
definido e a barriga cheia de gominhos já são mais do que o suficiente para
minha visão lidar. Eu realmente não preciso das suas coxas disputando a
atenção dos meus olhos. Ele acena para o lugar ao seu lado e assim que me
sento, a pressão
Ponha suas pernas em cima das minhas, vai deixar seu corpo mais solto —
diz, já levantando minhas coxas e apoiando-as na sua, varrendo com o
contato todo e qualquer pensamento racional e pergunta que eu ainda
pretendesse fazer da minha cabeça.
Mordo o lábio, tentando manter o som que seu toque me arranca dentro da
minha própria boca, principalmente quando sua mão começa a fazer
movimentos de cima para baixo em minhas pernas.
Meu pai, isso não deveria ser tão bom, ele mal está me tocando e eu estou
me dissolvendo.
— Vem aqui — pede e eu me obrigo a abrir os olhos para encontrar sua mão
estendida em um convite para que eu me sente em seu colo.
Eu o encaro aflita, porque não confio em mim mesma para isso, mas seus
olhos pedem que eu confie nele e mesmo sem saber o porquê, eu confio.
Seus olhos investigam todo o meu rosto antes de seu nariz deslizar por ele
em carícias suaves. Dessa vez, não consigo conter o gemido
ansioso por mais. O toque suave, vez ou outra, provoca também meus lábios
com os seus até que sua boca esteja em minha orelha. Sinto seu hálito antes
mesmo de ouvir sua voz e fecho os olhos, ansiosa pelo que ele está prestes a
dizer.
— Uma cena — explica. — Vou tocar você da cintura pra cima, você pode
fazer o mesmo. Na distância em que ele está, vai ser o suficiente. — Ele vai
me tocar da cintura para cima.
— Tudo bem — digo, mas provavelmente não confiando no meu tom de voz
afetado, traz o rosto para o meu. Sua expiração quente bate em meus lábios e
eu os entreabro imediatamente em um reflexo, querendo sentir, nem que seja
só um pouquinho do seu gosto.
O toque de bruno abandona minha pele apenas por tempo o suficiente para
que ele tire os óculos escuros. Seus olhos azuis me puxam. O desejo que
vejo neles ameaça me engolir, porque eu quero acreditar que ele é real. Tão
real quanto o meu.
É uma loucura que em menos de uma semana esse homem tenha passado do
crush por quem eu tinha um abismo onde deveria haver uma queda para o
cara no colo de quem eu estou sentada, me
Se antes sentir suas mãos estava me afetando, agora, sentada nessa posição,
tudo em mim protesta em necessidade. Eu nunca achei que desejo pudesse
realmente doer, não até agora.
— Tem certeza? Nós não precisamos fazer isso se você não quiser
Ele toca sua testa na minha e volta a acariciar meu rosto com o seu. A ponta
do nariz brinca com minha bochecha enquanto as mãos deslizam lentamente
pelo meu corpo molhado. Um dos seus braços circula completamente minha
cintura enquanto o outro sobe e seus dedos longos tomam conta da minha
nuca.
Abro os olhos que nem mesmo percebi ter fechado para encontrar os seus
fixos em mim. Seu cheiro, o gosto do seu hálito que, hoje, só provei através
das suas expirações que engoli, o sol sobre nós, o fato de estarmos
completamente expostos a qualquer par de olhos e certamente ao de Pedro,
tudo isso começa a parecer muito mais excitante do que acho que sou capaz
de suportar.
Seu rosto abaixa quando sua boca delineia a curva do meu queixo, do meu
pescoço, fingindo tocá-los mesmo que esteja mantendo uma distância
desesperadora da minha pele. O ar que deixa seus pulmões é o único que
ousa se aproximar através de sopros mornos expulsos por sua boca ou nariz.
Desde a noite de sexta, me sinto na borda quando o são seus toques e ter sua
ereção tão próxima do lugar onde tenho fantasiado com ela, é o empurrão
definitivo para aquele ponto a partir do qual eu simplesmente não sou mais
capaz de voltar atrás. Quando ele colocar a boca na frente da minha
novamente, não há dúvidas sobre qual é a coisa certa a fazer.
Encaixo meus lábios nos seus devagar, querendo sentir cada pedaço seu e ele
parece entender minha necessidade, porque suas mãos empenham mais força
em seus agarres ao ponto da dor enquanto sua boca deixa que eu a explore,
primeiro com os lábios, depois, com a língua.
Remexo-me outra vez, agora, indo além de roçar sem querer minha boceta
em sua ereção, mas esfregando-me nela de propósito.
Isso acaba com sua disposição para me deixar explorar. Com um grunhido
rouco, Bruno assume o controle do beijo. Sua língua se enfia em minha boca
lambendo, chupando e massageando. Seus dedos em minha nuca sobem
alguns centímetros, enfiando-se em meus cabelos e empurrando minha boca
para a sua.
desejo por mais parece fogo líquido correndo por minhas veias e
alimentando o desespero dos meus pulmões. Bruno desce a boca pelo meu
queixo, arranha minha pele excitada com os dentes até alcançar o vale dos
meus seios e deixar beijos ali.
Tremores intensos dominam meu corpo e mesmo que a luz do sol se infiltre
sob e através das minhas pálpebras, a escuridão permanece comigo por
alguns segundos bem-vindos em que tento controlar minha respiração.
Quando abro os olhos, pisco algumas vezes até ser capaz de enxergar com
clareza.
— Está tudo bem, Milena — diz, ainda com a mão traçando movimentos
suaves em minha bochecha. Ele relaxa a mandíbula e deixa a expressão dura
que estava em seu rosto de lado. — Nós perdemos o controle, acontece. É
um risco quando fazemos o que estamos fazendo. Você é uma mulher linda,
gostosa pra caralho... —
Meu peito é esmurrado como o caralho de um bumbo pelo meu coração que
reage como se eu tivesse acabado de sair de uma intensa sessão de aeróbicos,
e não de uns amassos na hidromassagem. Eu sequer toquei sua boceta e,
ainda assim, seu cheiro parece impregnado nas paredes internas do meu
nariz, deixando-me louco, completamente fora de mim.
— Oi, Bruno! Ainda não tinha te visto por aqui! — A voz melodiosa me faz
abrir os olhos, erguer a cabeça e olhar em sua direção. Ingrid sorri para mim
e se aproxima, envolvendo os braços ao redor do meu pescoço em um abraço
não solicitado, não se importando nem um pouco em me tirar da posição em
que eu estava.
Os olhos escuros baixam para minha sunga e um sorriso safado toma conta
de seu rosto. Ingrid não é uma estranha, na verdade, por mais de uma vez ela
já esteve em minha cama e meus olhos fazem uma análise rápida do nosso
entorno em busca de testemunhas do que pode vir a acontecer.
Não acho que esteja acostumada a elas, de mim ou de que qualquer outro
homem. Porra, a mulher é gostosa e está disposta.
— Ah! — Revira os olhos e volta a sorrir. — Você quer ir pra um lugar mais
reservado? Ou talvez um mais exposto? — oferece e eu inclino a cabeça,
sabendo a resposta para essa pergunta, mas tendo dificuldades para acreditar
nela.
— Não, Ingrid. Hoje não. — Dou um passo para trás, afastando-me de seu
toque e ela pisca algumas vezes, como se a palavra não estivesse fazendo
sentido para seus ouvidos. Acredite. Eu sei exatamente como você se sente.
Tenho vontade de dizer, mas, ao invés disso, cruzo os braços na frente do
peito e aguardo que ela se reestabeleça.
— Você quer entrar? — pergunto quando Milena boceja pela terceira vez
num intervalo de dez minutos.
Já faz horas que o céu escureceu, mas aqueles que não estão trancados em
cabines fodendo, continuam na festa nas áreas comuns do barco como se o
dia não tivesse se transformado em noite e como se o amanhã não fosse
chegar nunca.
Depois que gozei, fui capaz de voltar à hidromassagem e encontrá-la. Milena
tentou falar outra vez sobre o assunto, mas repeti o que havia dito antes:
perdemos o controle, está tudo bem, acontece. Ela
não insistiu, mas tanto quanto eu, parecia incapaz de permanecer na Jacuzzi
e saímos de lá, voltando para a proa.
Milena não demorou a relaxar. Aparentemente, isso é algo natural dela, não
se apegar às chateações, algo do qual estou descobrindo gostar muito, como
outros tantos aspectos de sua personalidade. Ela aproveitou o dia. Dançou, se
entupiu de refrigerante, pulou no mar, tirou fotos, me pediu para fotografá-la
e até mesmo admirou o pôr do sol em silêncio. E a cada minuto ao seu lado,
eu me peguei querendo o próximo e me importando cada vez menos com os
motivos para não os aproveitar.
— Entrar?
— Sim, pra dormir? Você parece cansada. — Seus olhos piscam algumas
vezes antes de compreensão inundar seu rosto bonito.
— Vamos. — Sua boca se abre, mas logo em seguida, fecha. Ela morde o
lábio, engole em seco e concorda lentamente. — Achei que você gostaria da
experiência, marquei o helicóptero pra amanhã de manhã. — Seus olhos se
fixam nos meus e quase lhe digo que essa decisão foi tomada antes do nosso
tempo na Jacuzzi. Dormir no mesmo quarto talvez não seja a melhor das
ideias agora, porra.
— Tudo bem?
— Vamos entrar.
Seus ombros se alinhando, suas mãos abrindo e fechando antes de irem para
a frente da barriga, a leve inclinação de sua cabeça quando ele tenta
descobrir tudo ao seu redor ao mesmo tempo e até mesmo o suspiro baixo
que solta.
— Gostou? — Ela se vira para mim e dedica ao meu corpo a mesma atenção
que tinha no ambiente apenas alguns segundos atrás.
— Sua bolsa está no banheiro — aviso, mas minha voz sai rouca e como se
reagisse a isso, suas próximas palavras são ditas de maneira trêmula.
— Eu não trouxe roupas de dormir, quer dizer, eu não tinha entendido que
seriam necessárias. — Ela me olha como se pedisse desculpas e eu inclino a
cabeça levemente.
Solto o corpo no sofá, onde percebo, dormirei, dando-me conta de que esta
será uma longa, longa, muito longa noite.
Outro banho frio que não faz nada para acalmar o incêndio no meu baixo-
ventre. Enquanto seco os cabelos, enrolada na toalha, lamento pelo alívio
proporcionado que o orgasmo de hoje a tarde já tenha sido substituído pela
necessidade sufocante por mais e não haja nada que eu possa fazer quanto a
isso. Levo as mãos ao rosto, esfregando suavemente a pela avermelhada
depois de um dia inteiro de sol e quando meus olhos caem em meus lábios,
um formigamento fantasma toma conta deles, saudosos da boca de Bruno na
minha.
Não estou com vergonha, não. Definitivamente, não. O que estou é louca
para fazer de novo, de preferência, nua, exatamente como vim ao mundo.
Passo o tecido pela cabeça, enfio os braços nas mangas e quando solto o
tecido no corpo, ele desce como um vestido, cobrindo até o meio das minhas
pernas. Pelo menos isso disfarça minha ausência de
Junto as pontas da bainha em uma das mãos e dou um nós na barra da blusa,
depois, dobro as mangas das camisetas até que elas não passem dos meus
ombros. Menos pior, constato ao dar um segunda olhada no meu próprio
reflexo.
Bruno está de banho tomado, deitado no sofá, que fica na lateral do cômodo,
onde as roupas de cama arrumadas me dizem que ele pretende dormir.
Graças a Deus. Se descobrir que dormiríamos no mesmo quarto fez meu
estômago gelar, eu não quero saber o que a descoberta de que dividiríamos a
mesma cama faria com meu pobre órgão.
Como se não bastasse eu ter seu cheiro atordoante em meu próprio corpo, na
camisa que visto, ele parece estar impregnado em todo o quarto em tons de
branco, azul e amadeirado. Olho, outra vez, ao meu redor, encantada com a
beleza do ambiente. Eu nunca imaginaria um quarto desse tamanho dentro
de um barco.
— Vinte e oito?
— Vinte e oito.
— Vinte e oito? — pergunto mais uma vez, reproduzindo o meme dos três
reais.
Quer dizer, não o setor imobiliário, ele é um bom investimento, mas comprar
casas não. O custo delas é infinitamente maior do que sua renda,
principalmente no caso das minhas, que não rendem absolutamente nada.
— Você poderia alugá-las — sugiro, mas logo depois me sinto estúpida por
isso. É claro que ele poderia alugá-las e é claro que ele sabe disso. Mais uma
risada sua me confirma isso.
— Uma vez por ano a cada uma, pelo menos. Isso me mantém viajando o
ano todo, quanto maior o número de casas, maior o de viagens, e quando eu
enjoo de algum destino em particular, eu vendo e substituo por outro.
— Nenhum.
— Meus pais sempre viajaram muito e quando eu era garoto, por um tempo,
eles costumavam me levar junto. Antes do internato. Eles sempre adoraram
hotéis, mas eu só queria estar em casa. Foi assim que a coleção começou,
quando eu tinha destinos fixos para viagens de negócios, comprava um casa
pra não precisar passar longos períodos em hotéis, com o tempo, virou outra
coisa.
quarto. Fecho os olhos, não querendo forçá-lo a nada e já tendo mais do que
eu imaginaria para lidar quando o assunto é esse homem.
Mas o problema é que basta que o assunto esteja oficialmente morto para
que a sensação anterior retorne com tudo. A tensão nervosa me envolve e
aperta como se essa fosse a missão da sua vida e meu corpo volta a
endurecer por completo na cama enorme e que parece vazia demais apenas
comigo. Devagar, expiro longa e o mais silenciosamente possível,
determinada a ignorar meus pelos arrepiados, o coração novamente
acelerado e a palpitação sutil entre minhas pernas apenas por saber que
Bruno está deitado aqui ao lado, no escuro. Eu só preciso vencer essa noite.
Só essa.
Eu gostaria de rolar para um lado e para o outro, mas isso denunciaria minha
ansiedade, ou que ainda estou acordada, se ele já não souber. Ele se
movimenta mais intensamente do que vinha fazendo antes e eu aperto os
olhos, preocupada que descubra minha investigação.
De repente, ouço seus passos. Devagar, ele se afasta até abrir a porta e fechá-
la novamente, deixando-me sozinha, mas se a sua presença era sufocante,
sua ausência deixa uma sensação até então desconhecida, mas nada melhor
do que a anterior. Sento-me na cama, olho para um lado e para o outro.
A resposta de minha mãe ao meu aviso de que dormiria fora foi uma carinha
sugestiva e a repetição da frase que me disse pela manhã, antes que eu saísse
de casa: “O medo nunca ensinou ninguém a voar.” Bem, eu acho que me
atracar com Bruno na Jacuzzi definitivamente pode ser descrito como
coragem.
Tremo os lábios, irritada com minha falta de controle do meu próprio corpo.
Abro o aplicativo Kindle em meu celular e procuro um dos muitos e-books
baixados gratuitamente nos últimos meses, que esperavam que eu tivesse
tempo para ler. Agora eu finalmente tenho.
Rolo a biblioteca, procurando por um texto curto, algo que eu possa começar
e terminar agora.
O corredor dos quartos principais está vazio e eu agradeço por não encontrar
Bruno em meu caminho. Não quero que ele pense que o estou seguindo, eu
realmente só preciso respirar.
Inclino a cabeça para trás e me abraço. Abro os olhos, encarando outra vez o
céu cheio de estrelas. Mais cedo, quando as vi pela primeira vez, não
consegui evitar uma lágrima silenciosa. O céu da cidade de São Paulo é
vazio e como eu nunca havia saído de lá, nunca tinha visto um céu estrelado
de verdade.
Agora, ouço um homem também, mas os sons emitidos por ele são muito
baixos. Vejo a Jacuzzi vazia e sorrateiramente, vou para trás da
estrutura alta que a abriga. Escondida, procuro a origem dos barulhos que
perturbam as estrelas e quando meus olhos encontram os sofás onde eu
pretendia me deitar para ter um restante de madrugada sossegado, minha
boca se abre em choque com a visão que encontro.
Há uma mulher nua deitada com a barriga para cima e as pernas abertas.
Uma de suas mãos está aninhada entre elas, acariciando a própria boceta
enquanto em seu rosto, uma outra mulher está sentada. É ela a dona dos
gemidos altos, interrompidos apenas quando ela engole o pau do homem nu,
sentado à sua frente, a quem ela se empenha em chupar.
Contudo, meus pés parecem ter sido plantados no lugar, minhas pernas se
recusam a se mover e essa não é a mais estranha das reações do meu corpo.
Meus mamilos estão duros e doloridos e a palpitação do meu clitóris é tão
intensa agora quanto horas atrás, nesse mesmo lugar, enquanto eu tinha o
corpo musculoso de Bruno entre minhas pernas.
Ofego baixinho quando Giulia ergue a cabeça para gemer alto no exato
instante em que todo o seu corpo se entrega a espasmos, gozando. Arthur se
desencosta da parede e puxa a cabeça dela na direção da sua, tomando sua
boca num beijo que não poderia ser descrito como nada além de
pornográfico. Eu me arrepio inteira.
Seu membro é largo e grande. Cada uma delas se ocupa de uma metade dele
por um longo tempo, espalhando saliva e hora ou outra misturando as
próprias línguas na coreografia mais erótica que eu jamais seria capaz de
imaginar, não importa o quanto minha mente seja criativa.
E quando eu acho que nada poderia ser mais excitante, a ruiva se deita de
barriga para cima e abre as pernas, Giulia se encaixa entre elas, de quatro,
deixando os quadris para o alto, na frente de Arthur.
Não desvio os olhos, não pisco enquanto ele a fode sem parar e ela chupa a
outra mulher que agora também enche a noite com os próprios gemidos.
Aperto a estrutura plástica onde minhas mãos estão apoiadas com força ao
ouvir um gemido rouco de Arthur e sinto meu próprio corpo estremecer,
como se fosse ele a ser sacudido pelas investidas cada vez mais aceleradas
contra os quadris da morena.
Com a boca aberta, mesmo que muda, vejo o trio trocar de lugar e posição
uma e outra vez, vejo as mulheres gozarem no pau de Arthur e nas bocas
uma da outra, vejo até mesmo quando ele goza, afundado no cu da ruiva e
sua libertação é também a minha, porque somente quando ele goza, consigo
desviar o olhar.
Eu a assisto fugir de mim, praticamente correr para dentro do barco, mas não
me movo. Permaneço debruçado sobre o guarda-corpo do segundo andar,
para onde fui atraído pelos sons da foda de Arthur e de onde estava prestes a
sair quando avistei Milena, esgueirando-se pelas paredes do andar inferior
até encontrar um ménage se desenrolando bem diante dos seus olhos,
procurando por ele, na verdade.
Assistir às suas reações foi muito mais excitante do que qualquer coisa já foi.
Desejei estar lá, ao seu lado, conduzindo-a pelo momento. Guiando-a pela
percepção que ela provavelmente ainda
não teve. Uma percepção que embora impensável para ela nesse momento,
tenha ficado clara como água para mim. Milena é uma voyeur.
Minha vontade era de despi-la para que ela pudesse ser observada pelas
mesmas pessoas que estava observando.
Porra, eu quis fodê-la ali, marcá-la como minha para que ele, a ruiva e
morena que fodiam com ele soubessem que poderiam olhá-la o quanto
quisessem, mas só a tocariam com a minha permissão.
Eu fui decente, respeitei os pedidos da sua boca, mesmo quando seu corpo
me implorou por coisas completamente diferentes.
Tentei assistir filmes, ler, pesquisar sobre o que farei da minha vida em três
meses, tentei passear no shopping, na 25 de março e no Ibirapuera, mas nada
foi capaz de manter minha atenção por mais do que alguns minutos. E, em
cada intervalo ou momento ocioso que tive, minha mente escorregou do
presente para a madrugada de domingo, mais especificamente, para o
momento em que descobri os olhos de Bruno me espionando enquanto eu
espionava Arthur, Giulia e a mulher ruiva. Solto um suspiro e mordo o lábio.
Ainda não entendo como pude ficar ali, olhando, desejando observar, em
determinado momento, desejando até mesmo participar. Tudo sobre isso é
tão confuso. Eu me excitei assistindo duas mulheres se tocando, se beijando,
se... Chupando. Será que isso quer dizer que eu sou bissexual?
Mal precisei me tocar. Meu corpo estava tão pronto que em menos de um
minuto eu tremia, descontrolada, apertando olhos e lábios para conter
qualquer som teimoso que insistisse em sair.
se não fosse pelas sensações ainda mais intensas que sua presença passou a
despertar em mim, sua suposta indiferença até poderia me fazer acreditar que
eu havia sonhado tudo aquilo.
A cada dia, eu esperava que algo como “Você será oferecida em sacrifício a
um deus pagão” me seria informado em seu próximo contato. E essa
expectativa era, ao mesmo tempo, eletrizante e exaustiva, principalmente
quando dia após dia ela se mostrava injustificada. Até ontem à noite.
Pelos últimos dez minutos, observei Milena através das câmeras desde sua
entrada no elevador. Não havia nenhum motivo especial, a urgência em vê-la
era apenas muito grande para que eu esperasse sua chegada até minha porta.
Manter-me longe nos últimos dias foi necessário. Eu precisava ter certeza de
que meu julgamento não estava sendo afetado por essa coisa inadministrável
que a mulher desperta em mim.
A distância também seria útil para que ela percebesse isso e cada um dos
gestos que observei nas filmagens pelos últimos minutos, me diz que foi
uma boa decisão. Mesmo que essa seja mais uma das coisas que Milena
ainda não entenda.
bater. Como se temesse o que vai acontecer depois de passar pela soleira e
talvez realmente devesse.
— Olá — cumprimento e ela lambe os lábios antes de sorrir nervosamente.
Até o final da noite, darei a ela todas as coisas pelas quais seus olhos me
imploram, mas por ora, aceno para que ela passe pela porta.
Seus movimentos são cuidadosos, dão a impressão de que ela teme esbarrar
em alguma coisa se não tiver cuidado ao se mover. Ela descalça os pés e
deixa os sapatos ao lado da porta.
— Cãozinho? — debocho e seu olhar para mim é divertido, mesmo que não
tão leve quanto foi para Buzz. Ele finalmente a alcança e ela coça sua orelha.
Ele ressona e, cinco segundos depois, está jogado aos seus pés, com os olhos
fechados, pronto para voltar a dormir.
— Você vem?
— Lá em cima?
— Onde?
Os jeans claros de cintura alta deixam sua bunda ainda mais empinada e
delineiam as curvas sutis dos seus quadris. Os ombros estão expostos por
uma camiseta preta de mangas ¾ e seus cabelos soltos balançam com a brisa
suave do ar livre.
— Não vi esse lugar da última vez que estive aqui — comenta, fazendo-me
pensar sobre isso. No dia em que assinamos o contrato eu a encontrei
olhando através das janelas, mas não desse lado da sala.
— Uma vez por mês, nos reunimos pra jogar. O jogo de hoje é Monopoly. —
Seu rosto procura o meu, mas continuo focado na cidade diante de mim.
— Vocês não estão meio velhos pra isso? — Sua resposta me arranca uma
gargalhada e eu finalmente volto a focar minha atenção
completamente em sua figura e começo a caminhar de volta para o interior
do apartamento. Ela me segue.
— Pra começar, eu não tenho ações. Mas o engraçado mesmo é você achar
que se eu tivesse, as colocaria numa loucura dessas.
— Você é minha garota, Milena. É claro que tem. — Não calculo o impacto
das minhas palavras até que elas já tenham ganhado o mundo e ele fique
claro na mudança de expressão de Milena ou na porra da sensação que se
espalha no meu peito como fogo em rastro de pólvora.
Certas pra caralho, é como as palavras soam. Milena pisca, fingindo não ter
sido abalada pelo que eu disse, mas escolhe se sentar na poltrona de frente
para mim ao invés de ao meu lado no sofá, como se isso fosse fazer alguma
diferença nessa coisa ao nosso redor. Só há uma solução para isso e ela é o
extremo oposto de se afastar.
— Eu não vou apostar seu dinheiro — avisa, resoluta, fazendo-me sorrir. —
Vou apostar o meu. Aceito um empréstimo, mas você desconta do meu
pagamento depois.
— E quem foi que disse que eu vou perder? — É a minha vez de erguer as
sobrancelhas em surpresa.
— Isso é porque você tem muito a aprender sobre mim, Milena. Eu estou
sempre negociando. — Seus olhos se estreitam e o ar de desafio neles me faz
morder meu próprio lábio.
— Como?
— Eles podem ser muito criativos, mas principalmente, tentando nunca falir.
Nós usamos papéis marcados, mas, ainda assim, aqueles filhos da puta
sempre dão um jeito. — Milena abre a boca e balança a cabeça de um lado
para o outro, negando.
— Então você também rouba? — deduz o que eu não digo e dou de ombros,
desconversando, logo depois de dar uma piscadinha para ela.
— Desculpe, não estou disponível — ela mesma diz, fazendo uma careta,
como se fosse uma vendedora cuja mercadoria acabou um segundo antes de
o último cliente entrar na loja.
Milena questiona.
A filha da mãe está me roubando. Milena deveria ter falido há pelo menos
três rodadas, mas seu dinheiro não acaba. Eu não sei como ela está fazendo,
mas está e não posso acusá-la, porque eu deveria ter falido há seis rodadas.
Bufo quando ela rola os dados pela segunda vez tirando dois seis e avança
doze casas novamente. Na terceira vez consecutiva em que rola os dados,
como em todas as vezes anteriores, seus dados dão números diferentes,
evitando sua ida para a cadeia. Ela me lança um olhar provocador. Cretina
competitiva.
Puta que pariu! Eu não acredito que estou excitado jogando a porra de
Monopoly. Como se o ar pesado ao nosso redor já não fosse o suficiente, a
cada vez que ela me olha como se estivesse chutando a minha bunda, eu
quero mostrar a ela o que realmente estou disposto a fazer com a sua.
Todos os outros já saíram do jogo, foram falidos por mim ou por ela e agora
só restamos nós dois jogando, embora ela tenha toda a torcida. Até mesmo
Buzz está acordadíssimo, sentado ao seu lado, como estivesse lhe dando
força. Traidor.
No entanto, Milena não é a única que sabe como manipulá-los para que
caiam com os mesmos números virados para cima. Os dois caem com o
número dois para cima e é a minha vez de sorrir brilhantemente.
Entrego para ela o pequeno bolo de papéis em minhas mãos, sabendo que ele
não será o suficiente para pagar o que a jogada exige e que isso significa que
ela é a vencedora da partida. Arthur, Heitor, Conrado e Pedro se levantam e
cantam qualquer besteira alto, como uma torcida organizada, mas eu não me
importo. Não. A única coisa que me interessa é que meu olhar deixe claro
para a mulher ansiosa diante de mim que o jogo entre nós está longe, muito
longe de acabar. Foda-se a calma.
Nem tento disfarçar, deixo que meu corpo se renda, mesmo que minha
mente ainda não esteja disposta a fazê-lo, porque eu não sou capaz de lutar
em duas frentes ao mesmo tempo.
— Eles foram embora, não há mais plateia, Bruno. — Minha voz sai rouca,
deixando do lado de dentro da minha cabeça toda a credibilidade que eu
pretendia imprimir no lembrete. Nem eu
acredito na minha própria resolução, mas seu toque está tão gostoso.
Suas mãos me empurram para trás, na direção do peito duro, quente, e sua
ereção cava minha bunda. Eu quero me esfregar nela, eu deveria me esfregar
nela? Definitivamente, eu quero.
Pai amado, eu deveria. Juro que sim, mas se eu parar agora, vou secar e
explodir e eu não posso secar e explodir, ainda tenho muitas coisas para
fazer, para viver. Pelo amor de Deus! Eu posso me sacrificar, é em nome de
um bem maior, certo?
Ter suas mãos em meu corpo é uma necessidade. Depois de passar a noite
inteira lutando contra a natureza de cada um dos meus movimentos, o tempo
todo me puxando na direção de Bruno, não tenho mais forças para resistir.
Sim, definitivamente, em nome de um bem maior!
— Me diz pra parar. — Labaredas azuis estão fixas em mim, ansiosas pela
minha resposta. Sua boca está a milímetros da minha e quando ele expira por
ela, o hálito quente e mentolado invade meu nariz. É assim que ele domina
quase todos os meus sentidos.
O calor do seu corpo irradia sob minhas mãos, sua expressão de desejo pinta
imagens pornográficas e deliciosas em minha mente, sua voz rouca e
sussurrada, sexy feito o inferno, enlouquece minha
audição e seu cheiro impregna meu nariz como se fosse o meu próprio.
Minha língua sente inveja dos companheiros e não posso culpá-la ou tentar
impedir quando ela decide conquistar sua própria parcela de afetação.
Sem a minha permissão, ela lambe meu lábio inferior até o limite, depois,
sobe, alcançando o superior tão devagar quanto fez com o primeiro antes de
finalmente buscar o que realmente quer e tocar, suavemente, o lábio inferior
de Bruno, sentindo seu gosto.
A verdade é que eu estou arruinada para qualquer boca que não seja a sua e
não há nada que eu possa fazer quanto a isso a não ser aproveitar o tempo
que tenho com ela.
Ele me manipula como se eu fosse uma boneca de pano, ao seu bel prazer.
Quando me dou conta, minhas pernas estão no ar, envolvendo-se em torno
de sua cintura e minhas costas estão sendo pressionadas contra a parede pela
potência da investida da sua pélvis contra a minha.
Deslizo as mãos pelos músculos dos seus braços, afundo os dedos em seus
ombros, arranho sua nuca, cheiro seu pescoço e
lambo sua garganta de baixo para cima. O som que ele emite, tão perto da
minha orelha, reverbera em todo o meu corpo, mas sua mão em minha nuca
afasta minha boca da sua pele ao exigir que minha cabeça fique parada,
encostada à parede.
— Ah, menina! — Sua voz é meio risada, meio determinação e sua boca
volta a consumir a minha, dominando tudo, não me dando chance de nada
além da perdição.
— Me toca. Por favor, me toca. — Esperei tempo demais por isso. Desejei,
fantasiei por tempo demais para suportar um segundo a mais que seja de
expectativa. Tudo no homem diante de mim me diz que ele também, porque
no instante seguinte, meus peitos estão sendo massacrados pelas palmas de
suas mãos grandes.
Bato a cabeça na parede quando a jogo para trás, mas não me importo,
porque o prazer está percorrendo todo o meu corpo em uma intensidade
ímpar. O toque bruto, o deslizar, o apalpar, os apertões e beliscões, todos os
seus movimentos são sentidos em cada parte minúscula de mim. Bruno
lambe minha boca aberta sem parar o trabalho com as mãos.
— Por favor, por favor — peço, outra vez, desesperada por isso e ele passa a
movimentar os quadris em um rebolado coordenado com as palmas das
mãos, feito para me enlouquecer.
De olhos fechados e segura em seus braços, sinto meu corpo ser descolado
da parede. Sinto seus passos nos movendo e a subida dos degraus, mas só
desperto ao ser arremessada sobre a cama, afundando no colchão e edredons
macios antes de ser impulsionada para cima outra vez.
O pau duro, grosso e enorme é uma visão melhor do que qualquer filme
pornô que eu já tenha assistido. Gemer é inevitável, mesmo que o membro
que provoca o meu corpo ainda esteja tão distante de mim. Mesmo que eu
não consiga entender como posso querer tanto algo que nunca realmente
tive.
Meu zíper é aberto, dedos são enganchados nas laterais da minha calça e
assim como fez com a própria bermuda e cueca, Bruno a desliza pelas
minhas pernas. Levanto os quadris, permitindo que o tecido passe sem
barreiras pelos meus quadris, coxas, panturrilhas e pés, até finalmente ser
arremessado no chão, deixando-me só de calcinha.
A renda azul se torna o alvo do seu olhar minucioso e ele estala a língua ao
descobrir o tecido que cobre os lábios da minha boceta completamente
encharcado.
Sua observação faz eu me sentir preciosa. Ele não me toca, mas, ainda
assim, me acaricia com a satisfação que vejo em seu olhar e eu gosto. Gosto
muito dos seus olhos no meu corpo. Não sinto vergonha. Eu poderia deitar
aqui e deixá-lo me observar por horas.
Minha língua faz e refaz o mesmo caminho várias vezes, alternando com os
lábios. Seus quadris ansiosos se contorcem na cama e eu aumento o agarre
em suas coxas. Um gemido mais alto que os outros é sua reação à minha
brutalidade e isso, mais do que qualquer outra coisa, me empurra para a
beirada.
ela. Se meu pau já não estivesse livre, ele teria furado sua libertação para
fora da cueca, com certeza.
Deslizo a ponta do nariz pelos lábios melados até esfregá-la no líquido que
escorre da vulva, lambuzando-me mais antes de rodear sua entrada com a
ponta da língua, transformando o que eram os espasmos finais do seu
orgasmo rápido em tremores violentos e gritos pelo meu nome, implorando-
me para acabar com sua agonia.
Nem fodendo! Eu não a mandei gozar. Estalo a língua sobre seu clitóris,
maltratando os nervos sensíveis como castigo.
— Quem disse que você podia gozar? — Sua respiração ruidosa se mistura
aos gemidos e múrmuros aflitos, mas nenhuma palavra compreensível deixa
sua boca.
encontro o seu fechado. Sopro suas dobras, aumentando sua aflição. O peito
indo e vindo convida meus dedos.
— Aberta pra mim, porra! — exijo ao soltar suas pernas para acariciar seus
mamilos duros e volto a afundar minha língua em sua boceta.
Minha euforia é por mim, pelo prazer atravessando meu corpo inteiro,
reverberando no meu pau, nas minhas bolas, levando-me à beira do gozo
apenas por ter suas dobras em minha língua, sua pele nua em minhas mãos e
seus fluidos espalhados em minha cara.
Caralho! Mulher gostosa da porra!
Uma gota de suor escorre pela minha lombar quando me coloco de pé.
Observo os peitos pequenos, perfeitos para as minhas mãos, subirem e
descerem no corpo ofegante. Sento-me na cama e puxo Milena,
posicionando-a sobre minhas coxas. Ela se deixa manipular como se fosse
uma boneca, acabada. Mas, porra! Estou muito longe de terminar com ela.
— Sabe quantas vezes eu tive que me masturbar pensando nessa sua boceta
gostosa, Milena? — Nega com a cabeça. Seu rosto se ergue e ela tenta focar
os olhos aéreos em mim.
procurar pelo seu cheiro, afundando o nariz no seu pescoço, arrastando pela
bochecha, escorregando até sua orelha.
Os sons fracos e roucos que saem da sua boca depois de tantos gritos, mal
podem ser chamados de gemidos, mesmo assim, são a porra da coisa mais
gostosa que eu já ouvi. Beijo sua boca, roubando-os, engolindo cada um e
sentindo suas mãos sem força procurarem meu corpo, o tocarem com leveza,
aumentarem meu nível de prazer e tesão em sua presença, em tê-la nua e
completamente rendida, participativa e ansiosa.
Sua língua não é tímida. Envolve, circula, chupa, lambe e baba a minha
antes de sua boca abandonar meus lábios para morder meu queixo. Quando
Milena puxa uma inspiração profunda nos fios curtos da minha barba,
sentindo o próprio cheiro e buscando por mais, é impossível conter meu
grunhido.
Agora, seus olhos estão tão embriagados quanto estiveram na noite em que
eu decidi que não a tomar para mim não era uma opção.
Com seu corpo recuperado dos tremores, enfio uma mão entre suas pernas,
meus dedos por suas dobras, até encontrar o grelo sensível e massageá-lo
levemente.
— Aguenta, Mile. Aguenta sim. Você vai gozar nos meus dedos, porque eu
não sei se vai gozar no meu pau quando eu enfiar ele até o talo nessa sua
boceta apertada pra caralho.
sobre os próprios gestos. Seus olhos se fecham enquanto ela se perde nas
sensações.
— Foi isso que você imaginou, Milena? — sussurro, mordendo seu queixo,
lambendo sua garganta. — Enquanto via o Arthur foder aquelas duas
mulheres, você me imaginou te fodendo enquanto os assistia? — Beijo seu
pescoço e a imagem erótica pintada pelas palavras leva sua entrega a outro
nível. — Imaginou meus dedos arregaçando esse grelo? Meu pau fodendo
essa boceta sem dó enquanto eles me viam te comer? — Outro gemido alto.
— Ou era Arthur que você imaginava? Se imaginou no lugar de uma delas,
Milena? — Meto outro dedo, alargando seu canal, afundando gostoso,
sentindo suas paredes estrangulando meus dedos.
seus olhos se abrirem, ela apoia as mãos nos meus ombros, dando-me
liberdade para vestir o preservativo.
Roço meus lábios nos seus, sentindo seu corpo abandonar a postura relaxada
que tinha segundos antes apenas pela perspectiva do que está por vir.
Quando seu corpo desce até o limite, ainda tenho mais de metade do meu
pau fora dela e, apesar das sensações que beiram o insuportável, beijo sua
boca. Não é devagar. O beijo é intenso, molhado e longo. Milena inclina o
pescoço para trás, pedindo-me em silêncio que eu beije ali e eu obedeço.
Suas mãos deslizam pelo meu suor, eu a seguro com firmeza, mantendo-a
parada no lugar e quando minha boca volta à sua, ela parece à vontade. Eu a
puxo para baixo ao mesmo tempo em que impulsiono meus quadris para
cima em um empurrão forte, finalmente, rompendo a barreira física entre
nós.
Seu grito rasga o silêncio, antes perturbado apenas por nossas respirações
descompassadas e gemidos baixos. Fico parado para que seu corpo
reconheça que o pior já passou, mas sua boceta que antes me expulsava,
passa a me estrangular em suas contrações naturais, me mamando,
determinada a extrair cada gota de porra existente em meu corpo.
mente. Caralho! Nunca foi tão bom! E essa é só a porra da primeira vez!
Gememos juntos quando a deslizo por toda a minha extensão pela primeira
vez, até que sua bunda bata contra minhas coxas, deixando-me ser
completamente engolido por ela. O ar some dos meus pulmões com a
sensação.
confesso com a boca colada à sua. Adorando quando ela revira os olhos e
pronuncia palavras impossíveis de compreender em uma urgência deliciosa.
— Caralho, Mile! — grunho, mordendo seu lábio inferior com força antes de
chupá-lo e derrubar o corpo sobre o colchão, trazendo-a junto comigo.
Inverto nossas posições, deixando-a com as costas na cama comigo entre as
suas pernas.
Com o corpo todo beirando o desespero, aproximo meu rosto do seu até que
estejamos, outra vez, respirando o mesmo ar e só então volto a fodê-la. Com
cuidado, em estocadas curtas e rápidas.
Meu gozo é tão violento quanto a foda foi e enche a camisinha em jatos
grossos. Gozo pra caralho, grunhindo, com sua língua em minha boca,
saboreando o som da minha libertação.
— Café?
ser de manhã, já que não tenho ideia de há quanto tempo ele está acordado.
Acordar com a cama vazia e os lençóis ao meu lado frios não me
incomodou.
— Não tão bom quanto o seu, mas podemos providenciar. — É a minha vez
de rir. Meu Mochaccino é mesmo muito bom.
Depois de passar dez minutos na cama pensando, pronta para fingir estar
dormindo a qualquer mínimo sinal de Bruno, decidi que eu estava surtando à
toa e que só havia realmente uma coisa a ser feita: ir embora. Se eu
encontrasse Bruno pelo caminho, sorriria, diria que a noite foi ótima e que
nos falaríamos.
Se não encontrasse, melhor ainda. Poderia mandar uma mensagem que
justificasse minha saída. Ou não. Talvez ele nem sentisse minha falta quando
voltasse para casa de onde quer que tivesse ido.
Talvez, ele tivesse saído e esperasse que ao retornar à própria casa, eu não
estaria mais lá. Talvez essa tivesse sido a intenção de sua saída. Como
naquele filme Qual é o seu número em que o personagem do Chris Evans se
esconde no apartamento da vizinha até que sua transa da noite anterior tenha
ido embora.
Meu pai! Eu sou uma transa da noite anterior! Dancei deitada na cama ao
constatar isso. A virgindade estava fora, muito fora! Apenas a sombra das
lembranças já era capaz de provocar um leve tremor em meu baixo-ventre.
Eu nunca achei que gozar tanto fosse algo que se fizesse na vida real.
Quer dizer, eu tinha certeza de que Bruno era mais do que capaz de me dar
um orgasmo, já que eu mesma me presenteei com um apenas me esfregando
em seu corpo, no entanto, o que aconteceu ontem à noite foi como viver os
minutos iniciais da noite de Ano Novo em um looping infinito. Fogos de
artifício e fogos de artifício e fogos de artifício.
Bruno parecia ter a capacidade de ler meus pensamentos, ou, pelo menos,
cada sinal que meu corpo dava. Quando pensava na minha primeira vez,
minhas fantasias nunca tinham nada a ver com romantismo, lentidão e
cuidado. Tinham a ver com explorar limites e entender até onde meu corpo
poderia me levar. Eu queria entender o que, de tão especial, havia no sexo
que fazia as pessoas ficarem tão enlouquecidas sobre ele e nunca tive
qualquer ilusão de que romantismo tivesse alguma a coisa a ver com isso.
— Café puro — aceito a oferta que começou nossa conversa, ele acena e se
vira para me servir uma caneca.
— Você não tem vergonha de foder, não tem vergonha de dizer que está de
bom humor depois de ter fodido, mas se constrange em me dizer que está
dolorida? — Minha resposta é um dar de ombros e ele bufa. — Como você
está se sentindo, Milena? — Seu tom muda.
— Não. Ele deveria deixar claro que eu quero uma resposta e você vai me
dar uma.
— Eu estou bem — respondo, insatisfeita, sem saber porquê. Não era isso o
que eu queria? Não ser tratada como “mais uma”? Então por que essa
preocupação me incomoda? Suas sobrancelhas se erguem me dizendo que eu
vou precisar fazer melhor do que isso. Fecho os olhos e solto uma expiração
profunda. — Dolorida, alguns roxos pelo corpo, mas nada demais.
— Bom — murmura.
Com a pergunta, eu quero dizer. Só não acho que seja o tipo de coisa com
que você precisa se preocupar. — Seus olhos se movem pelo meu rosto, pela
parte que alcançam do meu corpo, atrás da bancada entre nós, até desviarem
para um ponto além de mim. Viro e percebo que foram até a bolsa que deixei
sobre a mesa.
— O que você acha que aconteceu noite passada? — Ok. Eu não estava
preparada para uma pergunta tão direta.
— Ótimo — repete a palavra e eu não entendo porque ele parece sentir como
se ela tivesse um gosto amargo antes de rir sem humor. —
deixar sua caneca vazia sobre a pia, contornar a ilha e parar diante de mim.
Seu olhar é quase divertido. Seu nariz abaixa até meus cabelos e inspiram.
Seu dedo sobe e desce ali em uma carícia lenta. A luta para manter os olhos
abertos e focados nos seus, ao invés de nos seus lábios que parecem perto
demais agora, é real. O que está acontecendo?
Aproveitando o silêncio que se instala entre nós, Bruno desliza o dedo para
baixo com uma lentidão perturbadora, passando pelo meu maxilar, pescoço,
colo e me arrepiando inteira quando continua descendo até alcançar meu
mamilo por cima do vestido.
— Que você acha que nós acabamos... — Faz outra pausa longa e pinça meu
mamilo entre os dedos polegar e indicador. Dessa vez, o som que sai da
minha garganta escapa mesmo por entre meus lábios e dentes. — Eu saí da
minha cama horas antes do que gostaria, porque assim que acordei e te vi lá,
eu quis me enterrar dentro de você, de novo, Milena. — Nós sentimos
quando nossas pupilas se dilatam?
Vim beber café, Milena, quando o seu cheiro nos meus lençóis me deixou
louco pra beber seus gemidos. — Belisca meu mamilo, sendo
— Bruno... — murmuro quando ele enfia o nariz na curva entre meu ombro
e pescoço e, depois, lambe, beija e morde o ponto sensível.
Sua boca desce, abocanhando o bico até então intocado, por cima do tecido
fino. Sem sutiã, a umidade de sua língua e o calor dela logo alcançam minha
pele e combinados com a aspereza do tecido, me fazem revirar os olhos.
E quando acho que estou sobrecarregada pelo seu toque, seus dedos se
infiltram sob a saia do meu vestido e logo depois pela renda da minha
calcinha e roçam meu clitóris com uma delicadeza alucinante.
Nada abafa meu grito. Durante todo o tempo em que suas boca e mãos
cumprem a missão de me desintegrar, ele me olha nos olhos.
As carícias de Bruno são um vai e vem lento e constante que não só provoca
o formigamento em meu baixo-ventre, como continua estimulando minha
boceta por minutos a fio até que ele se torne insuportável. O orgasmo não é
gentil com meu corpo supersensível.
Seus dedos não me deixam até que o pulsar do meu clitóris cesse e eu abra
os olhos para encontrar aquelas chamas azuis que anunciam minha total e
absoluta rendição diante de mim.
Com uma lentidão excruciante, sua mão é erguida até a altura do nariz e ele
aspira meu cheiro, fecha os olhos brevemente e enfia os dedos melados com
meu gozo na boca. Meu corpo amolecido, apoiado
à bancada, estremece com a visão antes de ser envolvido por um dos braços
de Bruno.
Eu poderia catalogar todas as malditas primeiras vezes que tive desde que
coloquei meus olhos nela e a enxerguei, ao invés de apenas vê-la, como fiz
por tanto tempo. A primeira vez que me importei, a primeira vez que desejei
ser algo além de uma noite gostosa, a primeira vez que desejei algo que não
poderia ter, alguém que estava fora do meu alcance.
A primeira vez que senti satisfação em apenas satisfazer, a primeira vez que
coloquei meus próprios desejos de lado em detrimento aos de outra pessoa, a
primeira vez que eu fiquei feliz por isso, a primeira vez que tirei uma
virgindade e, agora, a primeira vez que eu não tenho ideia do que fazer com
a maneira como me sinto.
Eu sabia que não a queria em minha cama apenas por uma noite.
Tinha certeza de que precisaria de bem mais do que isso para alimentar o
desejo que parece me consumir mesmo que tenha sido despertado há uma
quantidade tão ridiculamente pequena de tempo.
Como é possível que, apenas catorze dias depois, a última coisa em minha
cabeça seja a porra da aposta? Eu deveria estar me sentindo vitorioso. Desde
a boate, até a noite de jogos, tudo saiu exatamente como o planejado. Milena
foi perfeita em cada gesto, basta piscar para que a lembrança de como ela
recebeu meu primeiro beijo inunde minhas veias de outro sentimento
desconhecido. Seria impossível não acreditar.
barriga. — Estava por perto e decidi fazer uma visita. — Seu sorriso é
interesseiro.
— Eu já disse, e...
— Estou tentando encontrar um jeito de dizer o que preciso sem que você se
arme.
— Acordou emotivo hoje, filho da puta? — Sua boca se abre, mas ele a
fecha antes de dizer qualquer coisa, tornando o momento ainda mais
estranho. Arthur suspira longamente, fecha os olhos, abaixa a cabeça e
quando a levanta, o reconhecimento me atinge em cheio. A fagulha de
arrependimento nas pedras verdes é impossível de não reconhecer e só há
uma coisa da qual meu amigo se arrepende. Tão rápido quanto vem, ela vai
embora, como se Arthur tivesse permitido que ela viesse à superfície para
que eu soubesse que ele está falando sério. — Arthur, eu...
— Isso é sobre...
que não combina com a situação, com suas palavras, com o clima que elas
estabeleceram. — E eu estou aqui. Independente de qualquer coisa.
Mais uma vez, meus olhar percorre seu corpo inteiro. Apesar do protesto, ela
realmente vestiu algo fácil de tirar. O vestido preto é ajustado ao corpo, mas
não é justo, tem comprimento até o meio das panturrilhas e há duas aberturas
laterais que deixam suas costelas e uma insinuação da curva de seus seios à
mostra, evidenciando que Milena não usa sutiã.
Seus cabelos estão soltos, repartidos ao meio, com mechas presas atrás das
orelhas em um penteado simples e ela usa saltos altos sem
Não consigo parar de beijá-la. Desde que Davi estacionou o carro na porta
do seu prédio, já perdi as contas de quantas vezes fiz isso.
Seria sua segunda vez transando e eu estava prestes a agir como um bicho.
Não que eu tenha me comportado muito melhor na primeira, mas pelo
menos houve uma cama, caralho. Afastei-me a muito custo, deixando seus
lábios inchados, seu peito ofegante, sua pele exposta avermelhada e suas
pupilas dilatas.
Meu apartamento seria nosso destino final esta noite, não o único, disse para
mim mesmo e me apeguei à determinação de que eu era o senhor das minhas
vontades, não o contrário. Ainda que eu me sentisse ridiculamente disposto a
me tornar escravo dos desejos de Milena quando ela me olhava do jeito que
estava fazendo quando nossas bocas de separaram.
Mas enquanto meu tronco vem, aos trancos e barrancos, vencendo a batalha
de se manter longe do dela, minhas mãos e boca não podem dizer o mesmo.
Elas vêm sendo duramente derrotadas. A cada oportunidade que têm, minhas
mãos procuram sua pele, seu rosto, seus cabelos, seu pescoço, qualquer
pedaço dela que possam alcançar.
noite que tivemos, justifiquei dizendo para mim mesmo que era essa a
questão.
A noite em que finalmente tive o que queria estava nublando meu juízo e
ainda moldando-o em uma massa de descontrole e necessidade. Contudo,
agora, quase quatro dias depois, ao invés de me sentir mais dominador de
mim mesmo, a sensação é o extremo oposto.
— “O passado pode machucar, mas do jeito que vejo, você pode fugir dele
ou aprender.” — recita a frase original. — Você não faz ideia de sobre o que
é esse quadro, não é?
— Culpado. — Sua gargalhada é escandalosa e ilumina seu rosto exposto.
— Eu sou de exatas — me defendo.
— Desonra! Desonra pra tu! Desonra pra tua casa! Desonra pra tua vaca! —
recito mais uma clássica frase de filmes da Disney, novamente fazendo com
que ela gargalhe alto.
Aqui as paredes são pretas e a arte está projetada em todas elas, de maneira
que nós, os expectadores, acabamos, literalmente, dentro da obra.
Ontem ela ficou indignada quando teve uma foto sua, no mercado, divulgada
em um blog sob o título “Acompanhante misteriosa de Bruno Magalhães
prefere pimentões vermelhos aos verdes.”
— Você está dando mais material pra eles. — Sua reclamação é tão
convincente quanto a expressão de brava que não durou dez segundos em
seu rosto.
— E você gosta.
— O que você está fazendo? — minha mãe pergunta ao colocar a cabeça
para dentro do meu quarto.
Dona Daise entra em meu quarto e para às minhas costas, espiando por sobre
o meu ombro.
— Não se parece muito com uma lista pra mim. — Seu comentário arranca
um som arranhado da minha garganta. Eu sei bem que não se parece com
uma lista, ainda. Porém vou chegar lá. Torço os lábios, eu espero chegar lá.
— Você está presa nesse quarto desde que chegou. Ou seja, pelo menos duas
horas! “Coisas que preciso fazer”? — lê o título da minha lista em voz alta.
— O que é isso? Uma lista de tarefas pro fim de semana? Não vai sair com o
cliente gostoso?
— E em segundo lugar, não! Não é uma lista sobre o que fazer no fim de
semana. Tá mais pra uma lista do que fazer com a minha vida...
— É inevitável não soltar um som de frustração quando olho para o papel
com apenas dois itens preenchidos. Um saco!
Olho para a lista uma vez mais e não achando que vou fazer qualquer
progresso no que diz respeito a ela nos próximos cinco minutos, levanto e
vou até minha mãe. Mas ao invés de me sentar ao seu lado, deito na cama e
deixo a cabeça em seu colo. Suas mãos infiltram os dedos pelos meus
cabelos, começando uma carícia lenta e deliciosa.
— Por que você acha que precisa de uma lista de coisas que precisa fazer?
— pergunta, enfatizando a palavra precisa nas duas vezes em que a usa.
— Porque eu preciso?
— Eu queria tantas coisas, mãe. Mas não tinha tempo e nem dinheiro, não é
de se esperar que agora que eu tenho os dois eu faça aquilo que eu queria
antes?
Você não deve nada a ela. Se alguém está em dívida nessa relação,
com certeza não é você.
— Você entendeu o que eu quis dizer, mãe. — Rio, achando graça de sua
reação.
— Não entendi, não. Na verdade, pra mim o que você disse não faz o menor
sentido. E vamos aproveitar pra deixar algumas coisas bem claras, minha
filha. Eu não espero nada de você além de que você seja feliz! — É ela quem
suspira. — Milena, você já fez mais por mim e pelo seu irmão nos últimos
anos do que qualquer mãe seria capaz de pedir...
— Não quero me sentir uma inútil — sussurro, mas sua resposta é uma
gargalhada.
— E eu a você!
homem é todo gostoso e eu mal sei onde fixar meus olhos. Se no peito nu, no
rosto lindo, na boca irresistível ou nos olhos famintos, sempre famintos.
Acreditei nele.
Ontem, quando me deixou em casa, Bruno disse que não sabia se faríamos
algo hoje, aparentemente, sua presença não estava sendo requisitada em
nenhum evento.
Foi somente esta tarde que ele me perguntou se eu já tinha feito planos para
a noite e isso, o pequeno fato de ele ter perguntado, mesmo que realmente
não fosse necessário, foi mais uma das coisas que gerou um sentimento
assustador no meu peito. Bruno não precisava me perguntar nada. Ele está
pagando, e muito, pelo meu tempo.
No entanto, quanto mais eu analiso as últimas semanas, mais isso parece ter
sido esquecido na mesa daquele restaurante Italiano.
Talvez eu estivesse enganada e seja tão boa em mentir quanto Bruno, ou,
talvez, eu precise começar a cuidar do meu coração.
Uma semana desde que o tive dentro de mim pela primeira vez e, a cada
transa, minha vontade é ignorar os limites do meu corpo para ter mais e
mais.
Confiança deveria ser o sobrenome de Bruno, mas há algo sobre seu jeito de
andar, sobre a forma como ele está me olhando e até mesmo sobre a
promessa recém-feita que deixa no ar a impressão de que ele não está me
contando tudo sobre sua proposta de assistirmos a um filme. Ele senta no
sofá enorme da sala de televisão e me puxa para que eu me sente entre suas
pernas.
Bruno está em silêncio, o único som que ouço vindo dele é o de sua
respiração quente, batendo sobre o meu ombro. A imagem na televisão
imensa foca na boceta completamente sem pelos da mulher e nos dedos do
homem que agora esfregam entre os lábios. O gemido alto dela enche a sala,
assim como os sons dos dois batendo contra móveis e paredes enquanto se
empurram, atropeladamente, até um sofá.
Ele se senta e ela se encaixa em seu colo, deixando-o entre suas coxas e
arrancando a camiseta dele antes de beijar sua boca. O
tronco do homem é musculoso e as mãos dos dois estão por todos os lugares.
Ela o apalpa por cima da calça e ele grunhe com a boca colada a dela.
Não demora para que a câmera mude outra vez, passando a focar na mão
dele, afundando os dedos nas dobras da mulher que grita e rebola ao erguer
os quadris e ondulá-los, arrepiando-me inteira. Mordo o lábio e prendo a
respiração.
Sem delicadeza, raspa dois de seus dedos por toda a pele já avermelhada
dela até que eles sumam dentro da boceta e sejam socados nela uma e outra
vez antes de voltarem para fora, completamente melados, e ele fazer com
que ela os chupe.
O calor do corpo de Bruno cercando o meu não faz nada para ajudar. Pelo
contrário, aumenta a expectativa de quando é que ele vai acabar com essa
tortura.
— Tudo o que você quiser, meu bem — responde, antes de afundar os dentes
no meu pescoço e abrir o botão da minha calça.
Seu tronco está grudado ao meu, suas pernas entrelaçadas às minhas e seus
dedos sobem e descem em um vai e vem despretensioso pelo meu braço.
Precisei quebrar a porra da cabeça para saber qual seria meu primeiro passo.
Caralho, eu não sou um cara que ensina. Nunca tive paciência ou vontade
para isso, no entanto, quando se trata da mulher em meus braços, não há
qualquer outra opção. Quero todas as suas descobertas. Todas as que
importam, mesmo que eu não entenda o porquê.
— Pareceu estranho meia hora atrás? — pergunto atento aos seus olhos e ela
nega com um aceno. — Pareceu estranho quando você viu o Arthur? — Ao
me ouvir falar sobre isso longe de qualquer neblina sexual, as bochechas de
Milena ficam extremamente vermelhas, mas ela balança a cabeça, negando
outra vez. —
repito a pergunta, deixando claro com o tom o que espero. Seus cílios
tremem e ela expira pelo nariz pouco antes de soprar pela boca.
— Não foi exatamente consensual... Eles não sabiam que eu estava vendo...
— externa sua preocupação inocente.
— Meu bem, eles estavam transando ao ar livre na porra de uma festa, eles
sabiam que alguém os veria, os escutaria, simplesmente não se importaram.
— Ela morde o lábio, pensativa. A dilatação das suas pupilas deixa clara a
excitação que as imagens povoando seus pensamentos causa. — Isso te
excita? A ideia de se exibir? — Sua respiração falha e eu deslizo o polegar
devagar pela bochecha avermelhada.
— Talvez.
— As palavras são mais uma vez colocadas de lado e ela apenas acena,
concordando.
— Não necessariamente. Pode ser que o que te excita seja a situação como
um todo.
Chupo seu lábio, chamando sua atenção para que termine a pergunta. A
satisfação de tê-la buscando respostas em mim é tão gostosa quanto a de me
afundar em sua boceta apertada e, ainda assim, completamente diferente. —
Eu me imaginei. — Morde o lábio sem terminar a frase.
— Na cena.
— E quando você vê uma mulher que acha bonita, no dia a dia, tem
pensamentos sexuais sobre ela?
— Não. Nunca.
— Às vezes... — Assinto.
— Um ménage?
— Eu não sei...
Olho para o lado e a mulher sentada a duas carteiras de distância está com
fones de ouvido, assistindo a um vídeo no celular apoiado sobre a mesa, não
dando qualquer importância para o que está sendo dito pelo instrutor da
autoescola. Não a julgo, estou a um passo de fazer o mesmo. Meu pai! Que
coisa chata e inútil.
Meu corpo reage tanto quanto a minha mente. Se a segunda se torna quase
eufórica, o primeiro vibra em expectativa pelo que a
mensagem dirá. Assistir a um filme foi o primeiro programa que fizemos
sem nenhuma razão além da companhia um do outro, mas não último.
Na verdade, desde aquela noite em seu apartamento, quatro dias atrás, só não
nos vimos foi ontem, porque Bruno tinha uma reunião fora da cidade.
Digito uma mensagem dizendo que quero vê-lo, mas apago. Não pela
primeira vez, desejando isso, mas não sabendo se tenho esse direito. Na
verdade, sabendo que não tenho.
Ou será que ele decidiu aproveitar nosso status incomum e está agindo
diferente da maneira como costuma conduzir seus relacionamentos porque
temos um prazo de validade e regras bem estabelecidas?
Ou, será... Uma vozinha intrometida na minha cabeça começa a sussurrar
uma terceira opção, mas eu a calo. Não. Não mesmo. Forço-me a lembrar
das palavras tão categóricas de Bruno, um mês atrás: esse não é o tipo de
coisa que ele faz e eu não posso me esquecer disso.
— Isso soa mais como você — acuso antes de beijar sua boca, satisfazendo
meu mais novo vício: seu gosto.
— Almoça comigo? — pede, roçando o nariz em minha pele, aspirando meu
cheiro, deixando-me louca com sua presença, com suas carícias, com sua
existência.
— Onde?
— Tudo ótimo! E sua mãe? Como vai? Seu irmão? — Conforme o homem
vai fazendo perguntas, a sobrancelha arqueada de Bruno vai alcançando
patamares mais altos em sua testa e eu me pergunto se, caso continuemos
assim, ela alcançará as raízes de seus cabelos.
— Eu não tô obcecada! Pode ser que eu tenha trazido minha mãe e meu
irmão aqui três ou quatro vezes nas últimas semanas, ou que eu tenha vindo
aqui algumas outras só pra comprar tiramissu[17]... Mas é que é tão bom...
— Fecho os olhos e gemo ao lembrar o sabor da sobremesa.
— Tudo bem, cinco — admito, mas seus olhos continuam do mesmo jeito.
— Cinco! — exclamo e ele sorri imenso.
— Eu sei.
— Não como uma fã, mas é o Rock in Rio! — Minha afirmação empolgada
arranca uma gargalhada de Bruno.
— Vou fazer uma viagem rápida amanhã — avisa e eu tento impedir que a
decepção se espalhe por todo o meu rosto. É uma sensação sem sentido, mas,
ainda assim, não consigo evitá-la. — Volto no domingo à
tarde. — Assinto e ele continua: — À noite tem um evento na Carmesim, um
DJ e uma banda internacionais estarão lá. O que a senhorita eclética que
gosta de dançar acha? Quer ir? — Fácil demais.
Inclino a cabeça e franzo o cenho. Olho para os lados e para trás, conferindo
se ele não poderia estar falando com outra pessoa, mas seu olhar nunca
desviou do meu.
— O quê?
Você não pode me cobrar por isso! — Aquele sorriso indecente toma conta
da sua boca antes de ele a aproximar da minha orelha.
— Minha filha, você não me deixou falar. Eu nunca disse que o problema
era eu. Aconteceu alguma coisa, mas foi com seu irmão.
— Pelo amor de Deus, Milena. Eu não vou só te deixar em casa, eu vou até
lá com você!
— minha mãe cochicha na minha orelha quando passa por mim, no corredor
de acesso aos quartos. Abro a boca para dizer algo, mas, no fim, me recuso.
Apenas estreito os olhos em uma careta de reprovação.
Bruno está na minha casa, no meu sofá, conversando com o meu irmão. É
bem verdade que o fato de ter sido ele a escolher esse apartamento torna as
coisas menos esquisitas, ou mais, dependendo do ponto de vista. Não vou
pensar nisso agora. O fato é que não houve santo que o convencesse de que
não havia necessidade de vir até aqui.
Assim que chegamos, mesmo sem entender o que estava acontecendo, meu
irmão contou que foi abordado por um paparazzo quando voltava da escola.
O homem lhe ofereceu dinheiro em troca de algumas informações a meu
respeito e chegou a dizer que se Gabriel lhe dissesse por onde eu costumava
andar em que dias e horários, poderia pagar mais.
Por sorte, meu irmão é irritante, mas não é idiota. Mesmo sem entender os
motivos por trás daquilo, já que seu mundinho adolescente não tinha ideia
dos últimos acontecimentos da minha vida, ele mandou o jornalista “se
foder”, em suas palavras, e correu para casa.
Bruno lhe perguntou sobre a aparência do homem, quis saber cada palavra
trocada, o lugar e horário da abordagem e se em algum momento o homem
se identificou como algo além de jornalista, se havia dito, por exemplo, para
que jornal ou revista trabalharia. Infelizmente, Gabriel não tinha a maioria
das respostas. Ele simplesmente não fazia ideia de que deveria ter se
atentado àquelas perguntas enquanto a situação se desenrolava, e quem
poderia culpá-lo? Eu, certamente, não.
E, agora, depois de tomar café, comer bolo, biscoitos, conversar com minha
mãe, ver fotos da minha infância e até fazer umas queixas sem pé nem
cabeça a meu respeito para ela, Bruno está sentado ao lado de Gabriel,
conversando com ele sobre o que quer que eles tenham em comum.
Honestamente, eu não sei como me sinto. Isso parece tão absurdo que é
quase irreal. Bruno, o cliente das sete e quinze, com quem eu passei
praticamente o último mês inteiro transando, está na minha casa.
Tenho quase certeza de que minha mãe acabou de dizer que ele é um puta
gostoso, e não importa quantas vezes eu pisque ou aperte os olhos, a imagem
continua firme ao invés de se desfazer feito fumaça, como era de se esperar.
— Na sé. — Uma ruga surge entre suas sobrancelhas antes que ele concorde
e erga os olhos, passando a observar meu ambiente com atenção.
Não há muito o que ver, considerando que estou aqui há algumas semanas e
o quarto já estava mobiliado. Comprei alguns objetos decorativos, roupa de
cama que me agradasse, mas nada que realmente fale sobre mim. E mesmo
que houvesse, Bruno acabou de ver minhas fotos de quando eu era um bebê.
O que eu teria de mais constrangedor no meu quarto do que uma foto minha
com as pernas abertas, exibindo minhas calças completamente encharcadas
de xixi e com uma mancha marrom de cocô?
Eu realmente não sei o que há de errado com a minha mãe. Quem exibe uma
coisa dessas por aí? A um desconhecido? Um que ela sabe que está
transando com a filha? Qual é o objetivo? O riso ameaça voltar à minha boca
e eu balanço a cabeça, negando e impedindo o som e o descontrole, mas não
o torcer dos meus lábios.
— Não faz tanto tempo assim, faz? — Ele tem uma expressão vitoriosa no
rosto, satisfeito pela oportunidade de retribuir minhas piadinhas sobre sua
idade na mesma moeda.
— Uma cômoda com uma gaveta faltando — continuo, ainda entre risos. —
Um teto com muitas manchas de infiltrações.
— O que faz você pensar que teria coisas vergonhosas para serem vistas? —
Sua resposta é uma cara debochada e eu estalo a língua. —
— Talvez?
— De quem?
— Boyband! É claro!
Rio de mim mesmo quando meu primeiro pensamento ao olhar para a cor do
mar são os olhos de Milena e o segundo, que preciso tirar uma foto desse
lugar e enviar para ela. Mais do que isso, me vejo desejando que ela
estivesse aqui para que eu pudesse ver a expressão de deslumbramento em
seu rosto, aquela assumida por ele todas as vezes que Milena descobre uma
coisa nova. Estou me descobrindo viciado nela.
Com a prancha sob o braço, faço meu caminho do estacionamento até a faixa
de areia da Praia da Joaquina. Sempre que venho a Florianópolis, passo por
aqui.
— Surfando? — Não vejo sua prancha em qualquer lugar. Ele aponta para
alguns metros à nossa frente, fincada na areia, a preciosidade que eu já
conheço. A prancha preta, fabricada em Carbono enche os olhos de qualquer
surfista que se preze.
— Gordo[19].
— Hoje não vai rolar. Já marquei um compromisso. — Pisco para ele e dou
de ombros. O compromisso? FaceTime com Milena até que ela adormeça
diante dos meus olhos. Eu deveria me preocupar que essa tenha sido uma
escolha tão fácil, que o convite de Mario sequer tenha se mostrado uma
opção mais interessante que ver Milena através de uma tela, na verdade.
Eu deveria, mas, ao invés disso, corro para o único lugar que sempre foi
capaz de me fazer esquecer o caos que habita minha cabeça matemática, o
mar. Ou, pelo menos, costumava ser o único, até pouco mais de um mês
atrás.
— É curioso que eu consiga encontrar com vocês com muito mais
frequência quando estou viajando do que quando estou em casa —
comento, mas nem minha mãe nem meu pai dão muita importância às
minhas palavras.
— Nós esperamos, achamos que era algum caso passageiro, mas já faz quase
um mês agora! E vocês aparecem juntos o tempo todo.
Meu alerta do google pro seu nome mostra fotos novas, em lugares
diferentes, todos os dias, Bruno! Não pode ser só mais um caso, certo? — A
maneira como minha mãe argumenta e faz a pergunta soa quase esperançosa
e eu esfrego as mãos no rosto.
Mesmo sem querer, a imagem de Milena tendo uma conversa cotidiana com
meus pais surge em minha mente. Eles a mimariam pra caralho. Meus pais
sempre quiseram uma filha menina, mas também sempre quiseram ter
apenas um filho. Quando fui eu a nascer, eles tiveram que fazer uma escolha.
Uma que resultou na expectativa de que, no futuro, eu satisfaria suas
vontades. Pergunto-me o que fariam com elas se eu fosse gay. Ou se você
não tivesse a intenção de se estabelecer num relacionamento a longo prazo,
o que ainda é o caso, certo, Bruno?
Rio sozinho quando todas as palavras que encontro para a descrever são
mais do que isso. São seus gestos, seus hábitos. São as coisas pequenas que
já me peguei observando-a fazer um milhão de vezes, como lavar os talheres
descartáveis antes de usá-los, devorar sobremesas em tempo recorde ou
soprar a mecha de cabelo que sempre cai na frente dos seus olhos, ao invés
de tirá-la com uma das mãos.
— Vocês não parecem amigos nas fotos que andei vendo — minha mãe
insiste, olhando-me acusadoramente, dizendo, em silêncio, que sabe que
estou mentindo.
ombros caem com a minha explicação e ela troca um olhar significativo com
meu pai. Balanço a cabeça em uma negativa curta para mim mesmo. — E
então? Qual será o próximo destino de vocês?
— Oi — é a única coisa que diz antes de assaltar minha boca sem me dar
tempo de respondê-la. A língua de Milena procura a minha com uma fome
que eu entendo muito bem, porque é a mesma que estou sentindo. Puta que
pariu!
Foi preciso uma dose cavalar de autocontrole para que vê-la não fosse a
primeira coisa que fiz assim que o avião pousou. Repetindo para mim
mesmo que essa era uma atitude irracional, uma vez que eu a veria esta
noite, busquei Buzz em seu tutor, levei-o para casa, trabalhei por algumas
horas, a maior parte delas, alternada entre realmente fazer algo produtivo e
me perguntar por que caralhos eu estava me segurando.
— Sentiu minha falta, linda? — pergunto com a boca ainda colada à sua,
sentindo seu cheiro gostoso pra porra, acariciando seus cabelos, bebendo sua
companhia.
Uma resposta divertida cruza seu olhar, mas Milena morde o lábio e assente
uma confirmação.
— Muita. — Uma palavra tão pequena não deveria me atingir com tanta
força. Os cílios longos e escuros tremem quando ela abaixa os olhos. Apoio
os dedos indicador e médio sob seu queixo, trazendo seu olhar para o meu.
— Eu estava louco pra tocar você. — Beijo cada uma das suas pálpebras
fechadas e o sorriso que se espalha em seus lábios é mais uma martelada no
peito. — Da próxima vez, eu vou sequestrar você.
Escapar das investidas de Milena dentro do carro foi a porra de uma tortura e
eu realmente deveria ser considerado alguma coisa por ter resistido tão
bravamente. Tenho planos para esta noite e não quero furar sua expectativa
por uma rapidinha, mesmo que ela não tenha feito qualquer questão de
esconder sua frustração por não receber o que queria. Ela terá sua primeira
foda sobre quatro rodas, só não será hoje.
— Você fica fofa quando está chateada por não ter sido bem comida —
sussurro em sua orelha assim que entramos na Carmesim
Acho graça, apesar da dor nas bolas. Contudo, sei que assim como o mau
humor de Milena, ela será deixada de lado muito em breve. É
Meus olhos beijam sua pele, aproveitando cada centímetro delicioso, sem
pressa. O vestido de seda é verde escuro e curto, cobrindo somente metade
das suas coxas. O decote em V
Coloco todo o peso do corpo sobre uma perna, enfio as mãos nos bolsos e
permaneço parado no mesmo lugar por uns segundos, apenas olhando para
ela, devorando-a e deixando que ela saiba disso.
Seu colo esquenta, seus lábios entreabrem e seus cílios tremem, arruinando a
expressão malcriada que ela sustentava. Só então, aproximo-me.
Enfio a mão sob a saia solta de seu vestido e ignorando todas as pessoas ao
nosso redor, acaricio sua bunda antes de apertá-la.
Prometo que vai valer a pena. — Deixo um beijo ali, sabendo que isso vai
arrepiá-la.
Ele caminha até o bar e assim que recebe as bebidas escolhidas diz algo para
a atendente em um tom baixo demais para que eu possa escutar, mesmo que
eu esteja prestando atenção.
Viro as costas, sentindo a energia que sempre está ao nosso redor ganhar
novas proporções até parece prestes a nos engolir.
Minha boceta lateja apenas com a ideia de ser observada por todos eles, mais
do que isso de ter cada par de olhos ali observando enquanto sou tocada.
Enquanto Bruno me consome, sem parar, com força, exatamente como adora
fazer, como eu adoro que ele faça.
— No que você está pensando? — A voz é aquele sussurro rouco que tanto
me enlouquece e do qual eu tanto senti falta. Não respondo. Arquejo quando
suas mãos também se comprometem com a tarefa de me acariciar e
começam a subir pelas minhas pernas com uma lentidão agoniante.
Ele morde minha orelha, chupa atrás dela, encaixa o nariz na curva entre
meu ombro e pescoço, aspira meu cheiro e lambe meu suor.
Sem desviar os olhos de mim e com a boca plantada em minha pele, seus
dedos puxam a alça fina em minha cintura, desfazendo a amarração. Bruno a
solta, e o tecido se abre em duas partes que ficam penduradas nas laterais do
meu corpo, revelando meus seios, barriga e pernas nuas.
Labaredas azuis lambem minha pele por tempo o suficiente para incendiá-la
antes que ele volte a afogar meus olhos em chamas com elas.
— Quero.
— O quê?
— Que elas vejam você me foder. — Pelo reflexo, vejo a satisfação quase
palpável que minhas palavras colocam em seu rosto e ele me vira em um
movimento rápido, prensando-me contra o vidro.
Meus peitos roçam seu tórax e eu ondulo os quadris querendo mais contato.
Como sempre, as coisas com Bruno simplesmente se recusam a acontecer de
maneira suave. Somos línguas, mãos, dentes e saliva em todos os lugares,
sem parar, banqueteando-se um do outro, até Bruno girar nossos corpos,
deixando-nos com as laterais de frente para o vidro e enfiar as mãos pelos
meus cabelos.
— Vamos deixar que eles me vejam comer essa boceta gostosa que você
tem, Mile. Mas, primeiro, eles vão ver você me mamar. —
Ele desfaz o próprio cinto, eu abro seu botão, desço o zíper da sua calça e
suas mãos se espalham em minha nuca e pescoço.
Devagar, toco sua ereção por cima da cueca, sentindo a grossura que me
alucina, as veias cujas formas parecem gravadas em minha mente, ansiosa
para gravá-las também em minha língua.
Abaixo a malha preta. Seu membro salta duro, para cima, com a ponta
brilhante e eu aproximo o rosto. Cheiro seu pau e fecho os olhos quando sou
dominada pelo almiscarado da sua pele. A mistura de suor com sua
excitação parece tornar tudo ainda mais erótico.
Lambo os lábios, como sempre, adorando saber que posso afetá-lo com tanta
facilidade quanto ele a mim.
— Bom, então é melhor eu sentir logo o seu gosto. — Sem esperar por
resposta, abocanho a glande, sentindo a língua ser inundada pelo sabor
amargo do seu pré-gozo. Chupo levemente antes de usar a língua para
acariciar o a abertura na parte de baixo dela.
— Puta que pariu! — O xingamento sai num grito que faz eu me sentir a
mulher mais poderosa do mundo e eu deslizo para frente, engolindo o pau de
Bruno até o limite permitido pela minha garganta, antes de recuar, com as
bochechas fundas e fazer tudo outra vez.
Seu membro é grosso e a cada vez que o tenho dentro da minha boca, circulo
toda a extensão com a língua, sentindo as veias pulsando sob ela. Lambo e
chupo enquanto mantenho as mãos segurando firmes em suas coxas.
— As bolas, meu bem. Lambe minhas bolas — pede sussurrado, ofegante,
antes de gemer. Desço os lábios, roço o nariz em suas bolas, aspirando mais
do cheiro gostoso e beijando primeiro com os lábios, só então, com a língua.
— Chega, porra! — Seus braços me puxam para cima e sua boca se choca
contra a minha imediatamente.
O beijo tem o gosto do seu pau misturado às nossas salivas e sou eu quem
geme. Bruno rasga a minha calcinha sem cuidado algum.
— Eu vou te comer aqui, depois nós vamos voltar lá pra baixo e você vai
dançar, vai rebolar a bunda com essa bocetinha completamente nua pra
quem quiser ver. — Gosta da ideia, Milena?
de seus dedos roçando minha boceta antes de se enfiar com força em meu
canal. — Gosta? — repete, juntando um segundo dedo no trabalho de me
enlouquecer. — Gosta da ideia de cada homem lá embaixo sentir meu cheiro
em você? — Dentro de mim, seus dedos se movem em gancho, alcançando
um ponto que me alucina. —
— Ótimo! Então é assim que vai ser — determina e morde meu lábio antes
de me virar de costas e apoiar minhas mãos no vidro. —
Agora abre bem essas pernas e empina pra mim. — Ofegante e letárgica,
luto para obedecer enquanto o ouço se despir do resto de suas roupas e vestir
o preservativo. Suas coxas nuas tocam as minhas quando ele se encaixa em
minha entrada e eu adoro cada ponto de contato entre nós quando curva o
corpo sobre o meu. — E
não esquece de olhar pra baixo, meu bem. — São suas últimas palavras antes
de meter de uma vez em minha boceta, rasgando minha carne com a sua e
me arrancando um grito que eu não sei se o isolamento acústico do camarote
foi capaz de conter.
Seus quadris batem contra os meus num vai e vem perfeito, ritmado. Meus
olhos nunca se fecham e na minha imaginação, cada um dos olhos lá
embaixo, agora, está voltado para cima, encarando Bruno me comer gostoso,
com força. Os homens estão ficando duros, as mulheres estão ficando
molhadas, todos afetados pelo sexo que só o meu corpo é capaz de sentir.
Todos desejando me ter ou ser eu.
— Goza, gostosa! Deixa essa bocetinha melar meu pau todo, vai.
— Seu pedido soa literalmente como uma ordem para o meu corpo
sobrecarregado e eu explodo pela terceira vez.
completamente
entregue
minha
respiração
Quadris batendo, meu grito soando, seu rosnado arranhando e as palmas das
minhas mãos deslizando pelo vidro. Seus lábios desgrudam das minhas
costas suadas enquanto tentamos redescobrir como respirar e minha mente
enevoada pelo prazer, pelas palavras, por absolutamente tudo, só consegue
manter um pensamento claramente.
Esfrego a toalha sobre os cabelos, secando-os, mas assim que saio do closet
e entro em meu próprio quarto, ainda sem me vestir, depois do banho,
interrompo meus passos apenas para observá-la.
Ela não se move muito ou se espalha ao dormir. Na maior parte das noites,
percebi, acorda na mesma posição em que vai dormir e isso costuma ser em
meus braços, tornando difícil que eu realmente levante no meu horário de
costume para malhar.
Quase sempre que ela passa a noite comigo, na manhã seguinte, os dez
primeiros minutos após o toque do despertador são gastos comigo tentando
me convencer a levantar para ir à academia. Algo que sempre fiz de maneira
tão natural, de repente, é colocado na balança, porque me obriga a abrir mão
de uma outra coisa que se tornou extremamente natural, sua companhia. Seu
corpo nu colado ao meu, seu cheiro, a sensação que se apodera de mim a
cada vez que a tenho completamente entregue.
Nunca tive problemas em dormir com uma mulher. Sempre achei que era só
isso, dormir. Uma necessidade fisiológica. Nunca vi mérito em dar
importância para algo tão banal. Porém, olhando Milena deitada em minha
cama e desejando que ela não saísse nunca, porra!
Todos os segundos, de cada hora, de cada dia, de cada semana, de cada mês,
de cada ano, eu sei que seria capaz de matar o filho da puta que ousasse
magoá-la de qualquer forma que fosse. Como isso aconteceu?
Eu não sou um homem que espera. Nunca fui. No entanto, aqui estou,
incapaz de tomar uma decisão prática. Se há dois meses me perguntassem o
que fazer nessa situação, minha resposta seria óbvia: correr. Meus objetivos
sempre foram muito claros e uma mulher, a mesma mulher, dormindo em
minha cama, todas as noites, nunca fez parte deles.
Mas, agora que ela está ali, como eu deveria simplesmente abrir mão disso.
Porra, eu não posso. Desvio os olhos da mulher deitada na minha cama para
os papéis espalhados sobre a escrivaninha, redigidos e impressos hoje antes
mesmo que eu fosse à academia e, por algum tempo, continuo alternando os
olhos entre os dois pontos.
— Bom dia!
— Bom dia. Como você está se sentindo? — pergunto, tentado a não esperar
por uma resposta e apenas beijar sua boca. Milena revira os olhos, atrevida.
— Graças a Deus por isso! Seria muito injusto que ela se divertisse sozinha!
— Estou criando um monstro — sussurra em seu ouvido antes de gargalhar
e ela torce os lábios, fingindo desgosto.
— Feito!
— O quê? Não!
— Como não? Achei que era eu quem decidia. — Rio do seu nervosismo
aparente.
— Eu posso desistir?
Lá estão aquelas duas palavras de novo: Para sempre. Não é a primeira vez
que as digo, assim como não é a primeira vez que Milena reage dessa forma,
como se me perguntasse, silenciosamente, se eu as estou dizendo
levianamente.
— O quê?
— Isso!
— Talvez eu tenha sido uma adolescente curiosa depois de ler cinquenta tons
de cinza.
— É claro que você leu cinquenta tons de cinza! — Gargalho com mais uma
imagem mental inesperada. Se Milena soubesse do quão diferentes as coisas
são do que aquele livro conta... Talvez um dia eu deixe que ela descubra.
— Eu te aviso.
— Você vai ter que esperar pra descobrir, mas vai valer a pena —
repito as palavras ditas na noite passada e ela morde o lábio, deixando sua
mente viajar para lá. — Passa o dia comigo? — peço, de repente, não
querendo que esse momento acabe.
queria interromper seu sono por precisar sair. Então também é uma pergunta
com uma resposta muito complexa.
A gincana escolar é um projeto anual de sua escola e desde que ele chegou
às séries que de fato participam dela, há dois anos, eu nunca consegui vir,
afinal, precisava trabalhar. E durante esse tempo, em sua atitude rebelde,
meu irmão nunca fez mais do que o estritamente necessário para alcançar a
nota mínima exigida pelo bimestre, o que não incluía a gincana, apenas a
feira de ciências que acontece no mesmo dia.
Este ano, no entanto, algo mudou. Desde que fui convocada para ir à escola
pouco mais de um mês atrás, fico cada vez mais convencida de o que quer
que eu tenha dito a ele na ocasião, gerou mais do que remorso, gerou
arrependimento e uma mudança genuína de atitude.
Solto um suspiro ao pensar que essa foi só uma das coisas boas que
aconteceram todas ao mesmo tempo nos últimos meses. Por
mais que eu me sinta grata por cada uma delas, aquela sensação de que nada
tão bom dura por muito tempo é impossível de se ignorar.
Ao meu lado, minha mãe vibra, gritando e assobiando para Gabriel e sua
turma. O tema da gincana é diferenças sociais e a performance do grupo no
palco mistura encenações com dança, tudo ao longo de um mix de músicas
que dura 12 minutos. Eles devem fazer duas apresentações diferentes: uma
no estilo de líderes de torcida e outra em grupo, a que está acontecendo
agora, e ambas devem, de alguma maneira, propor reflexões a respeito do
tema debatido pelo evento.
Era por esse tipo de coisa, por saber que era essa a educação que meu eu
irmão estava recebendo, que cada maldito minuto em pé, carregando uma
bandeja, valia a pena. Pensar nisso me faz perder a batalha contra a vontade
de chorar e uma lágrima silenciosa desliza pela minha bochecha. Minha mãe
se vira no momento exato e eu sorrio e dou de ombros. Seus olhos que já
estavam vermelhos não demoram a ficar molhados.
— Você fez isso! Você! — declara e mesmo que o barulho ao nosso redor
torne ouvir sua voz uma coisa impossível de se fazer, consigo ler seus lábios
e balanço a cabeça, negando.
— Oi, Bruno! Que bom que conseguiu vir! Gabriel está muito empolgado
pra te apresentar o trabalho!
— Aposta? Que aposta? — inquiro apenas para ser ignorada mais uma vez.
— Ele não fala de outra coisa. — A frase de minha mãe me faz bufar,
porque, definitivamente, ele fala, sim, de outras coisas! Ou eu saberia de que
raio de aposta os dois estão falando. — Ele está muito animado com o
estágio. — Eu arranho a garganta, desistindo de fazer perguntas que serão
ignoradas e Bruno me olha de rabo de olho antes de voltar a se dirigir à
minha mãe.
— Acho que sim. Olha como ela está vermelha. Parece prestes a explodir!
— Ele vira o rosto na minha direção como se quisesse me analisar e eu
estreito meus olhos para ele.
— Você tem razão! Parece mesmo. — Abro a boca, pronta para mandá-lo
passear num lugar bem-feito, apesar da presença da minha mãe, mas engulo
a malcriação quando ele começa a explicar. — No dia em que fui até sua
casa, Gabriel me contou que estava fazendo um trabalho sobre criptomoedas.
Deixei meu número com ele e temos estado em contato desde então, eu o
ajudei com algumas informações
e materiais e nós apostamos que se ele tirasse dez, eu daria a ele um estágio
na Magalhães Capital.
— Gabriel pediu pra ele não te contar. Não queria que você achasse que ele
estava se aproveitando do seu namorado. — Minha mãe dá uma explicação
de verdade.
claro que ela aprova. Esse é exatamente o tipo de coisa que ela faz.
Meu irmão tirou dez. É claro que tirou. Gabriel é inteligente e quando se
esforça, não há nada no mundo que não seja capaz de alcançar, para bem ou
para mal, isso era o que mais me preocupada durante seus meses de rebeldia.
Como se tornou parte da nossa rotina, vamos almoçar juntos. No entanto, ela
não precisava vir aqui. Eu poderia buscá-la no curso de inglês onde Milena
começou a ter aulas semana passada, mas eu a queria aqui, mesmo que até
esse momento não entendesse o porquê.
Coço a nuca, sentindo a ansiedade corroer meu estômago como tem feito a
manhã inteira e digo para mim mesmo que isso não tem nada a ver com o
pequeno envelope sobre a mesa, mas sei que é mentira. Eu estou ansioso
como a porra de um adolescente prestes a convidar à garota que gosta para ir
ao baile.
Sempre achei que não saber onde estava ou o que estava fazendo seriam
coisas ruins, no entanto, quanto mais desconhecido
é o terreno em que piso com Milena, mais intensas as coisas ficam e mais
descobertas eu quero fazer junto com ela.
— Oi — diz, mordendo o lábio, assim que passa pela porta aberta para ela
por Raquel. Minha secretária acena para mim antes de nos deixar sozinhos.
comenta e eu sorrio.
Gabriel é um nerd, isso ficou claro desde a primeira conversa que tive com
ele. A princípio, ele estava claramente desconfiado dos meus motivos para
estar ali, interrogando-o sobre o que exatamente havia acontecido em seu
encontro com o fotógrafo que o abordara.
Isso me levou a dizer que eu não era velho, mas que o terno realmente não
ajudava com essa perspectiva, embora fosse
Eu não teria tido qualquer interesse sobre o maldito repórter, que, aliás,
mesmo com as poucas informações fornecidas por Gabriel, fui capaz de
encontrar e ensinar uma lição sobre não chegar perto de quem não deve. O
idiota agora trabalha numa gráfica e até que eu decida o contrário, é o mais
perto que ele vai chegar do mercado editorial.
Se não fosse para fazer Milena se sentir bem e confortável com a minha
presença em sua casa, eu jamais teria estendido minha conversa com seu
irmão para além do necessário, jamais teria descoberto que ele é um garoto
cheio de potencial, eu jamais poderia ou desejaria descobrir que tinha o
poder de fazer alguma diferença em sua vida profissional, e isso, por si só,
seria imperdoável. O que acrescenta mais uma a minha pilha de dívidas
impagáveis com Milena. O que é no mínimo irônico, uma vez que tudo isso
começou com ela sendo a devedora. A vida é mesmo uma vadia caprichosa.
— Sim, outra.
— Estou ouvindo.
— Eu tenho um presente.
escambo!
— Quem te ouve falar, acha que eu nunca vou a qualquer outro lugar. — A
diversão em meu rosto é substituída por desafio e a pergunta fica estampada
nele “Sério?!” porque ela nunca vai. — Eu vou a outros restaurantes! —
protesta e eu mantenho a mesmíssima expressão.
— Quando? — Sua boca se abre e passa pelo menos cinco segundos aberta
antes de ser fechada sem que eu tenha recebido uma resposta.
— Eu vou! — responde por fim e faz um bico que me desafia a contrariá-la
mais uma vez. Rindo como um idiota, acaricio sua bochecha antes de roçar o
nariz em sua pele e concordar, mesmo que não seja verdade.
— Vai sim. — A satisfação em seu rosto não esconde que ela sabe que estou
mentindo, mas ficou feliz do mesmo jeito.
Estendo a mão até minha mesa e arrasto um pequeno envelope branco pela
superfície até entregá-lo para ela. Milena franze as sobrancelhas.
— I-i — começa, olhando-me outra vez, mas gagueja e abaixa os olhos para
as mãos, para os objetos nelas. Sua garganta engole duramente e Milena
sopra uma expiração. Não consigo parar de sorrir. — São de verdade? — A
pergunta sai num fio de voz e suas mãos seguram os ingressos com tanta
força, que me preocupo que ela os rasgue sem querer.
— É claro que eles são de verdade — digo devagar, entendo que sua
pergunta não é desconfiança. — Nada é realmente impossível quando se está
motivado. — Desfaço a curta distância que coloquei entre nós ao lhe dar
espaço para abrir o envelope e toco sua bochecha. A pele é quente sob meus
dedos e quero colocar minha boca ali, mas me concentro em seus olhos.
— Você disse que gostava da banda, ela acabou, mas um dos integrantes está
prestes a fazer um show aqui em São Paulo... —
Há algo na maneira como Milena está me olhando que eu não posso perder,
não posso sequer correr o risco de mudar. Pelo contrário, preciso cultivar.
Não importa o que seja necessário.
— Tem dois ingressos — diz, por fim, e agora eu roço meus lábios nos seus.
Bruno não deveria fazer esse tipo de coisa, é muito para lidar sem que a
minha cabeça exploda em um milhão de perguntas. Há tempos já admiti para
mim mesma que esperar que sua companhia não passasse disso foi tolice.
Ignorar a atração que sempre senti era impossível, principalmente ao
descobrir que ela era retribuída, mas com isso foi fácil de me conformar.
No entanto, há uma linha que eu não deveria cruzar e, a cada vez que Bruno
age como se não se importasse com sua existência, é impossível não me
perguntar por que eu deveria. E, em todas elas, preciso me convencer com a
mesma resposta.
Sair de um acordo para uma relação de sexo casual é aceitável, mas deixar
que meu coração estúpido promova o desejo, a paixão é estupidez, pura e
simples. Mesmo que Bruno pareça particularmente empenhado a provar o
contrário, é só isso! Ilusão!
Não importa se ele foi à minha casa e sentou com a minha família e aquele,
de alguma maneira pareceu ser o seu lugar. Não importa se ele ajudou meu
irmão em um projeto escolar no qual ele não tinha nenhum tipo de
responsabilidade. Não importa se cada vez que sua boca toca a minha, me
afastar parece um suplício.
Mesmo que o gesto em questão seja a porra do show do Harry Styles! Pelo
amor de Deus!
Não acho que Bruno faça alguma ideia do significado que seu gesto teve
para mim, do impacto do seu olhar, de como ele parecia me dizer que
entendia que as minhas lágrimas eram mais do que alegria ou gratidão. Eram
desejo de que se minhas fantasias com o One Direction de alguma forma se
tornaram realidade, outras também pudessem.
Apego-me a essa certeza, que seu cuidado constante, seus olhares e cada
uma das vezes que ele mencionou um futuro de maneira despretensiosa ao
usar as palavras “sempre”, “para
sempre”, ou fazendo qualquer referência ao tempo além dos três meses que
temos, não quis dizer nada.
E mesmo que em todas elas eu tenha tido vontade de perguntar se ele estava
falando sério ou o alertar sobre não fazer promessas que não tem a intenção
de cumprir, eu não fiz. Não queria ouvir um não. Ainda temos um mês e
meio pela frente, eu não posso estragar tudo agora. Há coisas demais em
jogo e meu coração é a menos importante delas.
As imagens são tão claras em minha mente que poderiam ser fotografias ao
invés de meros desejos: minha mãe saudável, vivendo novas experiências,
voltando a trabalhar, talvez, até mesmo, se apaixonando de novo. Gabriel se
formando na escola, depois, na faculdade e então conquistando tudo o que
desejar. Eu quero tudo pra eles e é nisso que preciso me focar.
É o que minha expressão lhe diz, mesmo que minha boca permaneça
fechada. Sua garganta arranha em desdém, antes que ele passe para o
próximo tópico, já que não pode me contrariar.
— Com licença, senhores. — A esposa de João Pedro, que curiosamente
também é sua secretária, interrompe a reunião e ele ergue o olhar para ela.
Seus cabelos escuros estão presos em um coque que deixa seus olhos muito
azuis e muito claros quase gritando.
senhor tem uma ligação. — Franzo o cenho. Por que caralhos alguém me
ligaria aqui? — É urgente — completa. Levanto-me da mesa e assim que
passo pela porta, ela me segue.
— O telefone da sala ao lado está pronto para você. — Seu tom e postura
são profissionais e eu apenas balanço a cabeça, mas assim que me viro,
percebo que isso não é algo que eu possa esperar mais para fazer.
— Não. Está tudo bem — diz, por fim, mas os olhos do marido se mantêm
fixos nos dela e, outra vez, eu entendo sua busca por
qualquer sinal de que ela esteja mentindo e eu não tenho a menor dúvida de
que se ele encontrasse, pouco se importaria por estarmos em um dos
corredores da sua própria empresa, ou por ter interrompido uma reunião para
isso, João Pedro começaria uma briga aqui mesmo.
Ele assente antes de me dirigir um olhar significativo e dessa vez, não reajo
da maneira de costume. Aceito o recado silencioso que é dado e o homem
retorna à sua reunião.
Eu tenho certeza de que ela numa situação parecida, ela não apenas
entenderia o porquê mentir faria sentido, como, apesar de sua relutância
constante em fazer isso, num caso específico como esse, ela cogitaria. Por
fim, Eliza balança à cabeça, desistindo de me entender.
— Não, Bruno. Você recebeu uma ligação urgente, não dava pra esperar.
— O que houve?
celular, eu expliquei que ele deveria estar desligado por você estar em uma
reunião e...
— Ela estava indo para o hospital, mas não queria contar pro Gabriel ainda,
eu...
Não consigo manter os pés parados enquanto o elevador faz seu caminho até
o andar de traumas do hospital em uma velocidade que não pode ser
considerada nada além de fodida, de tão lenta. Solto o ar pelo nariz com
força e aguardo alguns segundos antes de reabastecer meus pulmões com ar.
Ainda não há notícias sobre seu estado de saúde. Tudo o que se sabe é que
ela chegou desacordada, que está sendo examinada e que o filho da puta do
motorista prestou socorro. Estou tentando concentrar toda a minha energia
nesse infeliz em particular, porque todas as vezes que me permiti me
perguntar “E se?” a sensação foi a de que era eu quem estava sendo
atropelado, repetidamente, e por um caminhão.
Milena é jovem, saudável, forte. Vai ficar bem. Ela vai. Repito as palavras
em silêncio mais uma vez, como um mantra. Seu sorriso toma minha mente
de assalto e eu fecho os olhos não sabendo como lidar com o tumulto em
meu peito. Ela... Ela... Sopro o ar pela boca novamente e volto a me
concentrar no motorista, enumerando, mentalmente, as providências que
tomei.
entanto, basta que eu a abrace para que ela desmonte. Daise chora
copiosamente e eu a ouço. Não faço ideia de qual é a sensação para uma mãe
de receber a notícia de que seu filho sofreu um acidente, de precisar esperar
por notícias, de permanecer na incerteza.
Um ambiente projetado para evocar calma e, ainda assim, aqui estou eu, com
a barriga gelada, as palmas das mãos suadas e empenhando todo o esforço
que há em mim em não movimentar meus pés, sentindo como se um botão
de abafar o som tivesse sido acionado em algum lugar do meu cérebro.
Raquel foi embora com a missão de manter Gabriel na Magalhães por tanto
tempo quanto for possível. Dona Daise tem a esperança de que quando o
momento inevitável chegar, teremos mais a dizer a ele do que “Sua irmã
sobre um acidente e não sabemos como ela está.”
— Mas ela vai pra casa, certo? Minha filha vai voltar pra casa, doutor? — A
voz de Daise é um mistura de dor e alívio palpáveis.
— Como ela está? — Arthur me abraça e, pelo tempo que o abraço dura, o
peso em meus ombros parece estar sendo dividido com mais alguém.
Arthur, Heitor, Conrado e Pedro estiveram aqui apenas algumas horas depois
do parecer médico de Milena e têm se revezado para me fazer companhia
desde então. Eles assumiram todas as responsabilidades. Resolveram minha
agenda com Raquel, me trazem roupas e, quando acham que estou passando
dos limites, até me obrigam a engolir alguma coisa além de café.
— Que você não conseguia respirar... Como se todo o seu corpo estivesse
em espera pra decidir o que faria quando recebesse a notícia que mudaria
tudo. — É a minha vez de assentir.
— Ela vai!
Estamos sozinhos.
Felizmente, não houve inchaço no cérebro e, assim que ela acordar, teremos
certeza de que não há nenhuma sequela. Seus exames estão limpos. Toco
minha testa na sua de leve, sentindo o coração bater acelerado apenas com a
proximidade do seu cheiro que, mesmo as roupas de cama e o ambiente
hospitalares não foram capazes de apagar.
— Acorda, Milena. Volta pra mim, meu bem — peço, pela primeira vez,
dando voz aos meus pensamentos, mas ela não volta.
Por que raios, Gabriel está puxando minhas pálpebras pra cima?
Percebo que fiz todas essas perguntas enquanto me arrastava para fora da
inconsciência quando finalmente desperto. Não recomendo.
A dor que achei estar sentindo antes de finalmente acordar não é páreo para
a que eu estou sentindo de verdade. Mal consigo me concentrar nas vozes ao
meu redor. Gemo, sem conseguir me conter, ao tentar me mexer e ser
atingida por um número infinito de agulhas, todas espetando meu corpo ao
mesmo tempo. Puta merda!
Concentrada na dor, não percebo que as vozes se calaram até que eu tenha
me convencido a ficar quieta o suficiente para as agulhas pararem de me
incomodar. Tenho medo até mesmo de respirar com muita força, mas a
sensação de estar sendo observada me obriga a abrir os olhos e, quando o
faço, franzo as sobrancelhas.
Graças a Deus!
como uma pessoa doente. Imagina o que fariam se isso tivesse durado mais
tempo?
Ou seja, não há justificativa para que a cada vez que eu me mexia na cama,
ela ou Bruno corressem para me ajudar a me mexer. Quem no mundo precisa
de ajuda para se mexer? Doía? Feito o inferno!
Ainda dói, na verdade e, de acordo com o médico, vai continuar doendo por
um bom tempo. Mas não vejo como a ajuda deles poderia mudar isso.
Ainda não acredito que fui atropelada. Apesar das dores que insistem em
marcar o evento como verdadeiro, a situação ainda é toda muito surreal.
Lembro-me de estar distraída, mas eu olhei para os dois lados antes de
atravessar.
É claro que isso não faria qualquer diferença. Eu poderia ter olhado, poderia
não ter olhado, poderia atravessar a rua dando estrelinhas ou com os olhos
vendados. Nada teria mudado o fato de que o motorista que me atropelou
dormiu ao volante.
Camilo Rodrigues, um vigilante que tinha acabado de sair de um longo turno
noturno e, sem se dar conta, fechou os olhos e dormiu enquanto dirigia. Foi
o choque do meu corpo contra a lataria do seu carro que o despertou.
preciso um esforço genuíno para evitar o revirar dos meus olhos quando
percebo sua expressão de preocupação exagerada, como se o fato de eu me
levantar oferecesse um risco real à minha vida.
É estranho tê-lo agindo dessa forma. Não estranho de um jeito ruim, mas de
um jeito extremamente surpreendente. Ainda estou tentando descobrir como
encaixar seu comportamento na lista mental que eu fazia segundos antes de o
acidente acontecer.
Bruno não deixou o hospital por nenhum dia desde que acordei e, pelo que
eu soube, nenhum dia antes disso também. O homem enorme dormiu em
uma poltrona nas últimas cinco noites, guardando meu sono e, durante todo
o tempo em que estive acordada, ele também estava lá, certificando-se de
que nada me faltasse.
E sua atenção não foi a única inesperada. Hoje pela manhã meu quarto já
estava parecendo uma floricultura, tantos foram os buquês enviados pelos
rapazes. Todos eles vieram me visitar no dia seguinte ao que acordei e
embora ainda estivesse com a mente um pouco confusa por causa dos
remédios e tenha dormido no meio da visita, foi divertido, como sempre é,
testemunhar a relação deles com Bruno.
Enquanto estou distraída com seu olhar, minha mãe pega minha outra mão,
arrancando-me das minhas divagações. Juntos, os dois me ajudam a entrar
no SUV.
— Quer água? Você não pode beber muita, mas já faz mais de trinta minutos
desde a última vez — é uma das milhares perguntas que minha mãe faz num
intervalo de trinta minutos.
Verdade seja dita, eu até estou cansada, mas de me sentir sufocada, mas eu
entendo a super-reação e, por isso, não vou reclamar dela. Enquanto minha
mãe se movimenta para deixar o quarto e obriga Gabriel a fazer o mesmo,
Bruno me observa com olhos estreitados.
— Vou ficar, caso você precise de alguma coisa — fala baixo e é óbvio que
minha progenitora não se opõe. Coço a sobrancelha. Lá se vai meu momento
de paz.
— Vocês estão exagerando! — digo para ele o que não direi à minha mãe.
acordar! Por dois dias fodidos — faz uma pausa e suas narinas se alargam
quando uma expiração forte passa por elas — nós não tínhamos qualquer
ideia! — A força das suas palavras me faz piscar ao ser, inesperadamente,
atingida por ela.
Não sei o que dizer. Lambo os lábios antes de morder o inferior e Bruno me
dá as costas por alguns segundos. Quando se vira em minha direção
novamente, o que vi antes em seu rosto, já não está mais lá.
— O que você quer fazer? Porque eu tenho certeza de que não está cansada
de verdade. — Seus gestos e rosto sugerem uma piada, mas percebo que em
algum momento, passei a conhecer seu sorriso bem demais para acreditar na
mentira. — O que você acha de assistir a um filme? — Aceito a sugestão
com um aceno. Ele pega o controle da televisão sobre o móvel embaixo dela
e me entrega para que eu escolha.
— Você pode procurar meu celular, por favor? — peço, pensando que,
provavelmente, está descarregado. Não tinha me lembrado dele até agora.
Ao invés disso, Bruno caminha, mais uma vez, até o móvel sob a TV e pega
uma sacola de papel que eu não tinha reparado estar ali.
— Presente de boas-vindas?
— Seu celular quebrou durante o acidente. Ele estava no seu bolso e sofreu o
impacto junto com você. Felizmente, seu corpo era mais resistente. — Suas
últimas palavras atraem minha atenção por completo e isso, à sua
proximidade.
Em minha imaginação, seus olhos me contam que sua presença aqui não é
por amizade ou por qualquer outra coisa que não o fato de ele não se sentir
capaz de ir a lugar algum a mais de dois passos da certeza de que eu estou
bem.
Em minha imaginação, ele me promete que não vai a lugar algum, mesmo
depois que eu já estiver completamente recuperada. E quando seus lábios
tocam os meus, me permito esquecer de que quando eu parar para refletir
sobre esse momento no futuro, direi para mim mesma que tudo não passou
de mera invencionice da minha cabeça.
Um filme se transformou em cinco e, por mais, que minha mente esteja tão
bem quanto sempre esteve, meu corpo se sente cansado muito facilmente.
Isso significa que dos cinco, o único filme que assisti inteiro, foi o primeiro.
Os outros foram vistos entre sonecas.
Bruno está encolhido no pequeno sofá em meu quarto e apenas olhar para
sua posição faz minha coluna ter vontade de chorar.
Na penumbra do quarto semiapagado, só agora reparo que ele não está com a
mesma roupa de antes. Em algum momento entre meus cochilos, Bruno
tomou banho e se trocou. A lembrança de um dos banhos que tomamos
juntos surge em minha cabeça, fazendo-me morder o lábio e ficar em
silêncio quando deveria estar dizendo as palavras que me fizeram
praticamente gritar seu nome.
— Você tem razão — concorda e eu assinto, sem entender como ele pode
não ter percebido isso, afinal, estava encolhido na porcaria do sofá. Era
óbvio que ele não cabia ali.
— Você tem razão! O sofá é muito pequeno, o chão vai ser mais confortável.
— Por que você não vai pra casa? Eu estou bem, você não precisa ficar aqui.
— Nenhuma palavra deixa sua boca, mas dessa vez eu não tenho qualquer
dúvida daquelas que interpreto em seu olhar quando um sorriso pequeno
domina o canto dos seus lábios: “Eu não vou a lugar algum!”.
Solto um longo suspiro antes de deixar o lençol que tinha nas mãos em um
amontoado sobre o sofá e cobrir os poucos passos entre a cama e eu. Sento-
me na borda, tomando cuidado de manter alguma distância de Milena para
evitar acidentes.
— Eu não vou deixar você — declaro, porque não tenho como responder à
pergunta que ela fez. Acaricio sua bochecha, o hematoma ali já está bem
mais claro e, como todas as vezes, ela inclina a cabeça na direção do
carinho. — A condição da sua mãe é complicada, Milena. Não é justo
esperar que Gabriel seja responsável por vocês duas. — Dou a explicação
racional que eu sei que é parte da verdade, mas não toda ela.
Se esse de fato fosse todo o motivo para a minha recusa em ir embora, ele
poderia ser facilmente resolvido pela contratação de uma enfermeira, por
exemplo. Seria a decisão mais inteligente, na verdade.
— Acredite em mim quando eu digo que não vou dormir melhor longe
daqui. — Ela morde o lábio, provavelmente, engolindo a mesma pergunta
que ignorei segundos atrás: “por quê?” e boceja. — Você precisa dormir.
— Se você vai ficar, então deita na cama, não faz o menor sentido dormir no
chão.
— O seu também.
Olho ao meu redor, reparando nas gôndolas cheias e me pergunto quando foi
a última vez que estive em um mercado? Talvez, nunca?
No caminho até ela, passo por um corredor cheio de biscoitos que me lembra
do paladar infantil de Milena, mas ela não pode comer açúcar, então passo
direto, mesmo que hoje mais cedo a mulher estivesse resmungando sobre ser
adulta e dever poder comer o quisesse. Grande adulta ela é.
— Aquelas eram violetas para desejar melhoras, essas são girassóis, pra
trazer alegria.
— Oi, dona Daise! Que bom ver a senhora! Já pensou na minha proposta?
— pergunta, oferecendo a ela as flores que tinha nas mãos.
Expulso o ar pelos dentes com um chiado quando a mãe de Milena o abraça
sorridente. Manipulador.
— É só inveja, dona Daise! Não liga pra ele, pensou na minha proposta? —
repete à pergunta, fazendo referência aos galanteios que começaram no
hospital. O cretino sabe como encantar uma mãe, isso é um fato.
— Não seja bobo, Arthur! Já te disse que você é jovem demais pra mim, mas
se você tiver um pai disponível... — Deixa o restante no ar e se desvencilha
do abraço. — E Bruno não tem do que ter inveja, quem beija meus filhos,
minha boca adoça, e até onde eu sei, ele está fazendo isso com ambos,
felizmente, só com um deles a coisa é literal
— comenta, levando Arthur a gargalhar e eu também rio. Mas assim que ela
nos dá as costas, movimento os lábios, sem produzir som algum, mas tendo a
certeza de que Arthur entendeu às palavras. “Se
fodeu, otário!” — Agora vão ver a Milena, ela está começando a se sentir
entediada.
— Estou falando sério! — enfatizo antes de abrir a porta e meu amigo revira
os olhos ao passar por ela.
— A única coisa que ele não anda fiscalizando esses dias é a minha
paciência — Milena reclama. — Se ele estivesse, saberia que ela está muito
perto do fim.
— Lamento que você sinta assim, mas é pro seu bem. Quando o médico te
liberar, saltamos de paraquedas, se você quiser — digo e suas sobrancelhas
se erguem. Seus olhos se arregalam antes de ela inclinar a cabeça,
estudando-me.
— Arthur, você faz alguma ideia de sobre o que ele está falando?
— Meu amigo, que está se esforçando bastante para ser destituído deste
posto, nega com a cabeça antes de fazê-lo com as palavras.
— Uhum... Eu vou fingir que acredito, já que vocês estão tão empenhados
em fingir que me enganam. — Ambos dão de ombros.
— Arthur!
No entanto, meus planos são frustrados quando Bruno entra no banheiro sem
ter sido chamado.
— Tomando banho?
— E por que você não esperou sua mãe? Por que não me pediu ajuda?
— Você está, literalmente, morando aqui. É claro que você pode entrar —
respondo, tentando não soar tão mal-humorada quanto me sinto e falhando
miseravelmente. Aquele sorriso de menino toma conta do seu rosto, ele entra
com as mãos escondidas atrás das costas e senta ao meu lado do jeito
cuidadoso de sempre.
— Eu sei que essa situação não é confortável — começa e eu torço os lábios,
esse é o eufemismo do século. Ele ri baixo antes de continuar. — É uma
situação de merda.
— Definitivamente.
— E eu também sei que é ainda pior porque você está acostumada a fazer
tudo sozinha, Milena. Eu posso imaginar o quão fodido é estar precisando
depender de outras pessoas, mesmo que sejam pessoas que te adoram e só
querem o melhor pra você, meu bem. — Mordo o lábio ao ouvir a
declaração indireta e ele se aproxima, colando a testa à minha e espalmando
a mão gelada em minha bochecha.
— Estou louco pra te beijar até não conseguir mais respirar, porra!
— diz, quando interrompe o beijo antes que eu possa realmente sentir falta
de ar, mas mantém a boca colada à minha. — Louco pra te ter na minha
casa, na minha cama de novo, de novo e de novo. Louco pra viajar com você
e fazer todas as coisas que ainda não fizemos juntos, mas vamos. — A
promessa contida me leva a mergulhar nos seus olhos e eu percebo que
nunca quis tanto algo na vida, quanto desejo que elas sejam verdadeiras. A
carícia de seu polegar em minha bochecha e das pontas dos seus outros
dedos em minha nuca não para, dificultando que eu me concentre em
qualquer coisa que não seja o homem à minha frente, seu cheiro, sua boca,
tudo nele. — Eu preciso que você melhore, meu bem. Preciso.
Permanecemos trocando toques e beijos suaves por muito tempo até que
Bruno se lembre do que o fez bater na porta, em primeiro lugar.
— Tenho uma coisa pra você — diz e estica a mão até a mesa de cabeceira,
pegando dali um saco de papel envolvendo um formato que eu conheço
muito bem.
— Eu trouxe quando entrei. Você estava distraída e não me viu colocar bem
ao seu lado — responde com um sorrisinho safado no canto da boca. —
Quer?
— Tudo bem — respondo com pressa e depois de pegar uma porção bem
pequena, porque quero comer devagar, já que não posso comer muito, levo o
doce à boca e é impossível conter o gemido.
— De nada. — Beija minha testa e se afasta para me deixar comer meu doce
e quando eu estou com a colher na boca, ele murmura: —
Graças a Deus!
— Só vou te perdoar porque você me deu tiramissu.
— E beijos — negocia.
— Um beijo! — protesto.
Desde o acidente de Milena, ele tem ficado com um tutor. É a opção que uso
quando viajo e foi a que recorri desta vez, quando apesar de estar na cidade,
só tenho ido à cobertura a cada dois ou três dias para buscar trocas de roupas
e com a mesma frequência, venho até o tutor visitar o buldogue gordo.
Buzz esfrega seu nariz achatado em mim, farejando o cheiro diferente, que
não é o da nossa casa, como em minhas últimas visitas e, depois de um
tempo, senta, levanta a cabeçorra e a inclina, deixando os dentes tortos
presos do lado de fora da boca fechada. Eu rio, porque essa é uma de suas
expressões mais engraçadas.
Pedir à Milena que passasse o dia comigo não foi nada planejado. Até alguns
dias atrás, eu sequer tinha me dado conta da importância daquela atitude. Foi
só quando estive a beira de dizer à mulher pequena de olhos azuis, que
estava louco por ela, mesmo que ela estivesse com um humor ruim pra
caralho, que percebi que minhas atitudes já a haviam escolhido antes mesmo
do meu cérebro admitir.
Jogo a cabeça para trás em uma gargalhada solta. Marcos Valente filho de
uma puta! Se fodeu e, sem ter a menor ideia, arrastou-me junto. Porra, os
caras vão me infernizar com essa merda. Porém, primeiro eu preciso
descobrir uma forma de contar para ela.
Não me faltaram oportunidades, o dia do seu mau humor colossal foi apenas
a mais recente delas, no entanto,
Todas as vezes que isso aconteceu, ele saiu daqui extremamente irritado,
resmungando sobre pagar salários altos demais e, ainda assim, as pessoas
serem incapazes de resolver problemas sem a presença dele. Mesmo nessas
ocasiões, ele nunca demorou mais do que duas ou três horas.
Depois, há sua relação com minha mãe. Apesar da minha situação atual, a
condição médica da minha mãe é o que é, uma condição, e ela não daria
trégua só porque fui atropelada. Seus remédios continuaram precisando ser
tomados nos mesmos horários e suas consultas de acompanhamento
continuaram precisando ser frequentadas. Desde que fui obrigada a fazer
repouso absoluto, tivemos duas e Bruno a acompanhou em ambas.
Sua relação com Gabriel dispensa comentários. Meu irmão está cada dia
mais radiante com seu estágio e eu, mais iludida ao ver Bruno ser para
Gabriel o que ele nunca teve, uma figura masculina,
mesmo que, às vezes, como por exemplo, quando eles jogam videogame, eu
me pergunte qual dos dois é o mais imaturo.
Além disso, as palavras “Eu preciso que você melhore, meu bem.
Essa é mais uma das coisas que alguém precisa lhe dizer. Alguém precisa
explicar a ele que eu não quero beijinhos castos, quero sua língua roçando a
minha, massageando, como no dia em que me trouxe tiramissu para
melhorar meu humor. Quero seus lábios chupando minha língua e seus
dentes mordendo meus lábios. Deus, eu pareço estar desesperada por isso. A
cada segundo longe da intimidade na qual eu me viciei, um nervo meu morre
para que um mais atormentado nasça em seu lugar.
Até este momento da minha vida, eu não sabia que era possível ter
abstinência de alguém e Bruno não parece ter qualquer intenção de colocar
os dedos em mim nem tão cedo. Eu estou enlouquecendo.
Não há outra explicação. Porque, enquanto emocionalmente eu preciso que
ele pare, fisicamente, preciso que ele comece. E a pior parte é que eu tenho
certeza de que mesmo que ele fizesse as duas coisas, ao mesmo tempo, ainda
assim, não seria o suficiente.
— Assim, como?
— Já faz catorze dias desde o acidente, Bruno! Amanhã eu vou receber alta!
Uma mulher tem necessidades! — reclamo e ele ri, virando o rosto na
direção da parede por alguns segundos antes de fechar o notebook, o colocar
sobre a mesinha de cabeceira e girar, deixando o tronco de frente para mim.
Nós nos encaramos por algum tempo sem que nenhum de nós faça qualquer
movimento. É ele quem cede, ou pelo menos, é isso que eu acho que está
acontecendo quando seus dedos vão para minha nuca e movendo apenas a
cabeça, ele aproxima o rosto do meu.
E é por isso que eu não vou te foder antes de você receber a maldita alta,
nem na casa da sua mãe, Milena. — Seu tom é definitivo e eu choramingo,
frustrada por não receber o que eu tanto quero e aquilo que acreditei que
receberia. — Porra, meu bem — faz uma pausa e lambe atrás da minha
orelha —, eu quero ouvir você gritar e ela e seu irmão realmente não
precisam fazer parte disso. — Ele me solta e se levanta da cama de maneira
abrupta e, depois de me lançar um olhar que diz muito, agarra um travesseiro
e começa a caminhar na direção da porta.
Beija minha testa, depois minha boca com suavidade. Deus! Eu não quero
suavidade. — E não se atreva a gozar! — Seu tom é imperativo e por um
segundo, quero desafiá-lo, mas a quem eu estou querendo enganar? Me
masturbar não me daria o que eu quero. Eu gozaria, gozaria! Talvez até me
sentisse aliviada, mas é pelo toque dele que me sinto desesperada, não pelo
alívio.
Milena procura meu olhar, sentindo-se tão ansiosa, provavelmente até mais
do que eu. Ela não aguenta mais o repouso e, se a noite passada deixou algo
claro, é que também não aguenta mais a abstinência sexual. “Uma mulher
tem necessidades!” disse.
— Parece que está tudo como deveria estar, Milena. Você está oficialmente
de alta! — Milena pula da maca em que estava sentada e abraça a mãe que já
está chorando. — Mas vamos manter um ritmo reduzido pelas próximas
semanas, tudo bem? — As duas se desvencilham do abraço e se viram para o
médico, mantendo somente os dedos entrelaçados. — O repouso absoluto
está suspenso, mas você ainda não pode praticar atividades físicas de
impacto, nem quaisquer atividades que demandem muito esforço físico.
Felizmente, não foi necessária uma cirurgia, mas seu corpo vai precisar de
tempo. — Ela morde o lábio inferior e balança a cabeça em concordância.
Outra vez, seus olhos me procuram, mas logo depois, param na mãe, ao seu
lado e, então, voltam para o médico.
— Não será um problema, desde que não envolva situações de alto estresse
físico. — Dona Daise se esforça para conter uma segunda gargalhada, mas
não consegue e seu riso enche o consultório.
Ela assente, satisfeita, e pelos próximos trinta minutos, todas as suas dúvidas
são sanadas e novos exames e consultas marcados.
primeiro passo envolve quatro idiotas e uma aposta, mas antes, eu preciso
cuidar das necessidades da minha mulher.
Deixamos dona Daise em casa, passamos algum tempo lá, com sua família, e
mesmo que Milena estivesse aproveitando a reunião sem o peso do repouso
absoluto, seus olhares de esguelha para mim deixavam bem claro que ela
estava ansiosa para o momento em que nos despediríamos de sua mãe e
irmão e finalmente ficaríamos verdadeiramente sozinhos em semanas.
Eu gostaria de ter brincado com sua expectativa, de ter fingido estar sem
quaisquer intenções para esta noite, seria fácil argumentar que a ida ao
médico já havia sido esforço o suficiente para o dia de hoje, mas eu não
enganaria ninguém. Tanto quanto ela, estou louco de saudade, de vontade e
necessidade dela. Da conexão que só
Abro a porta da cobertura e deixo que ela seja a primeira a entrar, seguindo-
a, antes de fechar e me recostar à porta. Ela já se distanciou alguns passos
quando percebe que fiquei para trás e se vira para mim.
pergunta, voltando os passos que nos afastaram e tocando meu rosto com as
mãos pequenas.
Minha boca pode negar o quanto quiser e minha mente pode tentar fugir o
quanto se achar capaz, mas a verdade é que não estou prestes a me apaixonar
por este homem. Eu já me apaixonei, perdida e irremediavelmente.
Mais do que um dia achei que eu seria, caso permitisse que meu coração se
apaixonasse pelo homem devastadoramente lindo que, todos os dias, às sete
e quinze da manhã, passava pelas portas do meu local de trabalho e fazia
minhas pernas bambearem apenas por sorrir para mim e me desejar bom dia
antes de pedir seu café.
— E dói?
o ar, eu—
— Você está com falta de ar? Porra, Milena— Me interrompe com os olhos
se movendo rapidamente de um lado para o outro na cobertura.
— Eu acho que não vou mais conseguir respirar se você não me beijar agora.
— sussurro e leva alguns segundos até que minhas palavras façam sentido
para ele.
Vejo a transformação em seu rosto uma vez atrás da outra. Ele vai do
semidesespero, à compreensão, depois, muito brevemente, ao alívio e, por
fim, a algo parecido com braveza, me fazendo sorrir.
— A saudade que eu tô da sua boca também não tem. — Alcanço sua mão e
trago até meus lábios, deixando seu polegar sobre eles e beijando
suavemente. — Nem um pouco.
— Você me assustou pra caralho, Milena. — Solta um suspiro longo e fecha
os olhos, tão sério, que até me sinto culpada.
Pela primeira vez, em todos os dias que se passaram desde que acordei no
hospital, vejo Bruno demonstrar qualquer coisa que não seja força e
segurança. Ele foi o apoio que minha família precisou durante todo esse
tempo, o apoio que eu precisei. Sua expiração cessa, denunciando que ele
está prendendo a respiração.
— As duas horas em que eu não sabia o que estava acontecendo com você
foram as mais assustadoras da minha vida. — Meu coração, que eu já sentia
bater acelerado no peito, com a declaração, passa a pulsar na minha
garganta. — Eu só... Eu quero te mostrar tantas coisas. —
Na cama, sim, uma atrás da outra, uma sempre parecendo maior do que a
outra. Mas nossas vidas foram entrelaçadas lenta e sutilmente, apesar da
forma inesperada como tudo começou. Primeiro havia essa atração
insuportável, que se recusa a aceitar não como resposta.
procura a sua, declarando que sentir o gosto das suas emoções é muito mais
urgente do que ouvir a maneira como elas soam.
Entre suspiros e gemidos, meu vestido solto é arremessado para longe, assim
como a camiseta que Bruno vestia. O contato dos corpos seminus estende
uma rede elétrica sobre meus músculos, intensificando cada uma das
sensações. Bruno me pega no colo, exatamente como na nossa primeira vez
e eu penso que essa, não deixa de ser mais uma.
Seus passos firmes me levam escada acima e seus lábios espalham beijinhos
pelo meu rosto, pescoço e nariz me arrancando sorrisos e declarações mudas.
Abro a porta do quarto, facilitando nossas vidas, e ele se senta na cama
comigo, encaixa os dedos em minha nuca, infiltra-os pelos fios dos meus
cabelos enquanto me olha com adoração e me faz sentir cada um dos seus
toques com muito mais intensidade.
Minha boca volta aos lábios de Milena, desce pelo seu queixo, lambe sua
garganta e morde seu pescoço, querendo tudo dela e querendo agora. Ela
desliza as mãos pelas minhas costas, acariciando, provocando e me
enlouquecendo.
Seu cheiro me domina, seu gosto me descontrola e sua entrega como sempre,
me escraviza.
Mas não demoro ali, terei tempo para isso depois. Ajoelho aos seus pés,
alisando suas coxas, incentivando-a a ficar de pé enquanto espalho beijos
pelas suas pernas. Milena se ergue e eu inclino a cabeça para trás, focando
meus olhos nos seus ao deslizar sua calcinha para baixo, deixando-a
completamente nua.
— Eu adoro teu cheiro, meu bem. — Ela solta um gemido baixo quando as
palavras vibram em suas dobras sensíveis antes de a ponta do meu nariz
roçá-las. Inclino mais a cabeça, levando meus lábios até a boceta gostosa e
beijando ali sem jamais desviar os olhos dos seus.
Seu olhar sensual acompanha um gemido mais alto e sua atenção ainda está
em mim quando abro a boca e enfio a língua em seu calor.
Seu gosto é uma delícia e me alucina. Lambo até que ela esteja com a cabeça
inclinada para trás, revirando os olhos e precisando apoiar o peso do próprio
corpo em meus ombros.
Volto a lambê-la, mas não paro o trabalho do meu dedo até que ela esteja
gritando, com a mão agarrada aos meus cabelos, empurrando minha cabeça
contra a boceta, tão alucinada quanto eu, e seu corpo convulsione, sentado,
com a cabeça jogada para trás e a boca aberta.
— Vem cá, linda. — chamo, depois de rasgar a embalagem e vestir meu pau.
Ainda letárgica pelo orgasmo, ela reclama.
— E você vai, mais tarde. Agora eu tô desesperado pra estar dentro de você.
— confesso e isso a trás imediatamente para a posição que eu queria.
Acariciando seu corpo, a viro, deixando suas costas coladas ao meu peito e
meu braço sob a sua cabeça. — Vou te comer assim, meu bem: de ladinho e
bem gostoso. — Minhas palavras a fazem gemer.
— Gostosa pra caralho, meu bem. Porra! Puta que pariu! — Os xingamentos
deixam minha boca sem que eu tenha controle, completamente alucinado
pelo seu calor, ficar parado para que ela se acostume ao meu tamanho está
exigindo toda a minha sanidade.
Deliro de prazer quando sua boceta estrangula meu pau, anunciando que
Milena está prestes a gozar de novo. Trago sua boca para mim, virando seu
rosto, e enfio a língua nela, engolindo seus gemidos e desistindo de lutar.
Há algo mais, e, com o peito ofegante, continuo olhando para ela, tentando
descobrir o que é. Seu rosto suado e vermelho está uma bagunça, com fios
de cabelo grudados na testa, nas bochechas e no pescoço, seus olhos azuis
estão brilhantes, seus lábios cheios estão vermelhos e eu realmente preciso
dizer que a amo.
Que me apaixonei pela mulher com alma e jeito de menina, que não há
nenhum lugar no mundo onde eu planeje estar sem ela ao meu lado e para o
caralho com um grande momento, esse é o momento, percebo, porque basta
estar com ela para que qualquer momento seja grande.
— Não. Balões tipo os da Turquia, que você entra e ele te leva ao céu. —
Agora, seu risinho se transforma em uma gargalhada.
— E que tipo de plano era esse? Pra quê você, talvez, precisasse de um
balão?
dá uma risadinha e seu polegar desliza pelos fios curtos da minha barba. —
Eu ainda não mudaria nada. Nenhuma linha. — Roça o nariz no meu.
Mordo o lábio, olhando para a porta, depois para o relógio, sabendo que
Bruno vai chegar à qualquer momento. Pedi à chave do seu apartamento à
Arthur. E, depois de um pequeno interrogatório, segundo ele, para garantir
que eu não estava planejando envenenar os suplementos de seu amigo, ou
substituir seus xampus por cola, ele me emprestou sua cópia.
Nunca me imaginei fazendo esse tipo de coisa, mas desde que Bruno me
disse que tinha planos e que nossa urgência os arruinou, eu quis dar isso a
ele. E não haveria um dia melhor para isso do que, hoje, o dia em que o
nosso contrato inicial, já descartado há algumas semanas, terminaria
oficialmente se tivesse sido levado até o fim.
CONTRATO DE PERDIÇÃO
O presente instrumento pretende firmar um acordo de relacionamento entre
as duas partes envolvidas a serem denominadas i)namorado e ii) namorada.
____________________________________________
Bruno Magalhães
___________________________________________
Milena Garcia
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------
Relacionamento
substantivo masculino
semelhantes.
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Lista da Perdição:
2)
3)
4)
5)
6)
7)
8)
9)
10)
11)
12)
--------------------------------------------------------------------------------------------
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Com as folhas nas mãos, para o caso de Bruno chegar enquanto estou lá em
cima, subo as escadas e faço meu caminho até o quarto.
Ainda na porta, bufo, ao não ver qualquer sinal de um lápis ou uma caneta.
Maldito homem organizado.
Pisco e inclino a cabeça. Eu não deveria bisbilhotar, certo? Não, não deveria.
Mas tem meu nome... Se tem meu nome, deve ser do meu interesse. Justifico
para ninguém além de mim mesma enquanto encaro a folha. Só uma
espiadinha não vai machucar ninguém.
Apesar de tentar manter os ouvidos atentos, sei que é inútil, seria impossível
ouvir a porta do primeiro andar ser aberta de onde estou, o que significa que
não tenho muito tempo. Já estou quase desistindo quando percebo que o
tempo todo as folhas estavam identificadas como Adendo 1 e numeração,
então tudo o que eu tinha que fazer era procurar por outras com as mesmas
identificações laterais.
Assim que de fato entro em casa, constato que ela realmente está aqui,
afinal, a mesa de jantar está posta. Deixo as chaves e o celular sobre o
aparador e começo a desfazer a gravata enquanto subo as escadas até o
segundo andar. Não ouço nada até estar próximo à porta do meu quarto e
quando ouço, não entendo. Isso é farfalhar de papel?
— Tem certeza?
Deixo que minha língua a invada e faça tudo o que tem vontade, lambendo,
chupando e massageando até que nós dois estejamos sem ar.
— Se você não os estivesse guardando, eu não teria o que achar e, pra falar a
verdade, foram eles que me acharam. Tinha meu nome, eu quis saber o que
eram. Agora, você! É sério que em algum momento você pensou em me
apresentar isso? — pergunta, sacudindo as folhas.
me interrompe.
— Eu não penso desse jeito. Dinheiro trás comodidade, foi assim que nós
começamos e você disse que não se arrepende.
— Não me arrependo, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Cheiro seus cabelos, matando a saudade da porra que estou sentindo depois
de apenas um dia longe. As semanas em seu apartamento me deixaram mal
acostumado e desde então, tenho tido que lidar com isso.
— Pra quê?
— Eu gosto muito do item número um. Podemos repeti-lo por mais onze
vezes?
— E tudo o que escrevermos precisará ser feito nos próximos doze meses?
— Você está gastando palavras! Quando realmente precisar usá-las, não vai
ter.
— E por que eu não posso usá-las agora?
— Estou.
— Bruno. — começa, solta a lista sobre a mesa e passa a mão pelos cabelos.
— Eu... — fecha a boca, procurando o que dizer. Milena levanta e vem para
o chão, ajoelhando-se diante de mim. — Amor, não é cedo demais pra nós, é
cedo demais pra mim. Eu só tenho dezenove anos. — Usa as palavras ditas
devagar como se elas fossem argumentos.
— De alguém?
— E por que você não pode descobrir as outras coisas que quer ser depois
que já for minha esposa? — Um sorriso lindo toma conta do seu rosto e ela
arrasta os joelhos até que suas coxas encostem-se às minhas. Logo depois,
envolve os braços ao redor do meu pescoço.
— Por que eu não preciso. Você não vai a lugar algum. — Usa minhas
próprias palavras, ditas em um contexto completamente diferente, contra
mim.
— Eu não vou. — Bufo, mas admito. — Ainda assim, eu quero me casar
com você.
— Sabe? Eu ganhei uma aposta hoje que deixou quatro babacas muito
frustrados. — Ela ri.
— Claro que não. Não era da conta deles, assim como não importa que eu
tenho perdido uma batalha se eu ganhei a guerra. — dispenso sua colocação.
— O que importa é que eles estavam errados, eu estava certo e o mundo está
girando outra vez.
— Uhum...
— É claro que você fez. — comenta, aos risos. — E o que foi dessa vez?
— Que eu vou passar o resto da minha vida com você. — Minha declaração
a faz vacilar e morder o lábio inferior. — E você sabe... Eu não perco.
Nunca.
— Então esse pedido é sobre isso? Sobre outra aposta? É por isso que você
quer se casar comigo?
— Não, meu bem. Eu fiz a aposta porque eu sei que vou me casar com você.
— Beijo seus lábios com suavidade e Milena se derrete em meus braços.
— Nunca!
— Prometo que não vou começar hoje. — Deixa um selinho em meus lábios
e nós entramos na boate que é a minha preferida, embora também seja a
única que eu conheço.
Bruno me conduz através da pista de dança, da área dos sofás e da escada
para os camarotes, me fazendo franzir as sobrancelhas, sem entender para
onde estamos indo.
sorriso em seu rosto denuncia que ele está aprontando alguma coisa.
Os últimos dois meses foram perfeitos em tantos sentidos. Tanto quanto quis
beijá-lo, eu quis matá-lo, mas ainda assim, exatamente como disse na noite
em que admitimos nossos sentimentos, eu não mudaria nada. Nem uma
vírgula ou ponto da história que estamos construindo.
O homem negro é lindo, alto e atlético. Sua pele parece reluzir sob a luz
amarela da caixa metálica, ele tem os cabelos cortados rentes ao couro
cabeludo, olhos amendoados e castanhos de um tom brilhante que parece
chocolate derretido e seu sorriso é uau! Desvio o olhar, temendo estar
encarando.
— Boa noite, Bruno. Qual andar? — pergunta e eu mordo o lábio para
engolir a pergunta.
O elevador se move, mas não leva sequer dez segundos antes de parar
novamente. As portas se abrem em um novo corredor vazio e com os dedos
entrelaçados, saímos.
Seus olhos vão para o meu pulso e só então me dou conta da coisa óbvia.
Estendo o braço e Bruno envolve a pulseira nele antes de prender a outra ao
seu. Ele dá uma piscadinha, se vira e começa a caminhar.
uma boate como outra qualquer em São Paulo, é claro que não. E, agora,
mesmo ainda não sabendo do que se trata, tenho certeza de que estará tão
distante do comum quanto for possível.
— Tudo bem. — concordo em voz alta quando me dou conta de que é isso o
que ele está esperando.
Seu braço envolve minha cintura e nós entramos no lounge que, na verdade,
é o centro de dois espaços diferentes. Bruno aproxima a boca da minha
orelha, disparando um arrepio que percorre todo o meu corpo já ansioso.
Ela está muito molhada. Noto a excitação escorrendo entre suas pernas e a
mulher geme alto enquanto engole, cada vez mais fundo, o pau sendo
enterrado em sua boca. Meus mamilos já estão rígidos e doloridos.
A risada rouca de Bruno em minha orelha me diz que ele já percebeu isso e
eu engulo, sem conseguir parar de olhar até o homem se derramar e seu gozo
escorrer pelos cantos da boca da ruiva. Estou dolorosamente excitada e
procuro o olhar de Bruno, levemente atordoada.
Ele sorri para mim e beija a minha boca com suavidade antes de inclinar a
cabeça, me dizendo que vamos continuar nosso passeio.
Nada do que vejo a partir dali faz qualquer coisa para aliviar a necessidade
crescente em meu baixo ventre. Mais cabines, algumas completamente
escuras, diante das quais me sinto compelida a parar e observo o movimento
de muitas pessoas sobre sofás imensos.
— Mas não quer participar de nada que viu, quer? — Não é uma pergunta. É
uma afirmação e isso sim me faz desviar os olhos para ele. Sorrio ao acenar
negativamente, devagar. — Imaginei que esse não seria o seu andar.
— Tem mais? — pergunto, surpresa. Quer dizer, é claro que eu reparei que o
elevador tinha mais botões, mas imaginei que todos os outros andares seriam
como esse.
— Mais três. — Minha boca se abre choque e ele aproveita para passar a
língua nela. Nosso beijo é deliciosamente obsceno, mas não chega nem perto
de tudo o que está acontecendo ao nosso redor. —
— Então vamos.
Não consigo decidir para onde olhar. Não consigo nem mesmo desviar
minha atenção por tempo o suficiente para dizer a Bruno que
Corpos nus estão por todos os lados, há até mesmo algumas caixas em que
mulheres e homens estão sendo açoitados ou tendo cera derretida derramada
em suas peles. Aqui, eu me sinto mais do que excitada, me sinto desesperada
com tantos estímulos e com a segurança de que ninguém que eu não quero
vai me tocar.
— Escolha um dos que estão com a luz verde acesa, meu bem. —
Bruno sussurra em minha orelha antes de lamber o ponto que sabe que me
enlouquece. — Escolhe um, porque eu preciso te foder e preciso agora. —
avisa e eu engulo em seco. A perspectiva de ser fodida aqui, diante dos olhos
de todas essas pessoas despeja combustível sobre a minha pele.
— Qualquer um?
— Qualquer um. Os verdes estão limpos e disponíveis. Os vermelhos,
ocupados ou já foram usados esta noite.
Não há nada além de uma cama de ferro retorcido, uma cômoda, uma
poltrona e uma mesa de centro dentro do quarto.
— Vamos.
Sua ereção cava minha bunda por cima do vestido e, sem poder me
controlar, eu me esfrego nela. Não fecho os olhos. Deixo que eles corram
pelas cenas ao meu redor e pelos expectadores também.
Saber que eles estão ali, que estão nos observando, me deixa num estado de
excitação inexplicável. Uma das mãos de Bruno sobe, infiltrando-se pelos
meus cabelos e obrigando minha cabeça a se manter inclinada com um
agarre firme.
Eu gemo com seus lábios em meu pescoço e depois, mais alto, quando ele
afunda os dentes no mesmo lugar. Seu toque, apesar de intenso, é lento. Ele
está me provocando, eu sei que está e, por isso, deixo que faça. Pressiono-
me contra seus quadris, gemo, aproveito as migalhas quando aquilo pelo que
estou desesperada é o banquete.
movimentos da sua mão até que a camisa seja arrancada do seu corpo e
descartada sobre o encosto da Poltrona.
Acho que ele vai continuar o que começou, mas ele não o faz.
— Tira a roupa pra mim. — pede com a voz rouca, excitado. Solto o lábio
que tinha preso entre os dentes e começo a me movimentar para tirar os
saltos. Ele estala a língua em negativa. — Os sapatos ficam.
Ele ri, acompanhando meu olhar e sabendo exatamente o que se passou pela
minha cabeça. Saio completamente de dentro do vestido e, agora, estou
praticamente nua. O único tecido em meu corpo é a calcinha, que já não tem
qualquer serventia. Bruno olha para ela em um pedido claro.
essa parte específica. Seu dedo indicador avança mais para o centro, na
altura dos seios, alcançando um mamilo.
— Quer gozar pra eles, meu bem? — pergunta, colando a boca ao meu
ouvido. — Quer arreganhar essa boceta gostosa e deixar eles verem como eu
te masturbo bem gostoso?
— Olhe pra eles, Milena. Olhe o quanto eles adoram te ver gemer, como
somente te ver nua deixa os homens duros e os mamilos das mulheres
eriçados. — Eu olho e a névoa de desespero ao meu redor se torna mais
densa conforme as mãos de Bruno vão descendo. —
Não quero perder um segundo que seja do desejo que vejo estampado em
nossos expectadores. Quando acho que não posso sentir mais, um dos
homens liberta o próprio pau, veste um
Nosso contato se desfaz apenas para que ele possa se livrar dos sapatos e das
roupas e, assim que está livre e completamente nu, Bruno volta a me beijar.
Sua língua domina minha boca, ocupando cada pequeno espaço que
encontra, lambendo, chupando, massageando e eu adoro cada uma das
sensações causadas por ela e pelas mãos de Bruno, me apertando e tocando,
mas eu quero mais.
O movimento o faz gemer alto e eu repito uma vez atrás da outra até que ele
me erga pelos braços e choque a boca contra a minha, me conduzindo até a
parede diante da qual estivemos antes.
É impossível não olhar para o seu pau. Encontrá-lo duro me faz lamber os
lábios e como se entendesse isso como um convite, ele começa a abrir sua
calça. As investidas de Bruno me alargam, roçando minhas paredes e me
afogando em prazer enquanto Arthur, a minha frente, tirando o pau grosso e
cheio de veias da cueca, exibindo-o para mim, me faz imaginá-lo em minha
boca.
De repente, me vejo desejando ser preenchida pelos dois homens que me
cercam, ao mesmo tempo. Gemo e rebolo proporcionalmente, como se isso
não estivesse acontecendo apenas na minha cabeça.
exibindo-se e deixando que eu beba da sua visão tanto quanto ele está
bebendo da nossa.
— Você quer o pau dele na sua boca, Milena? Quer ter dois buracos fodidos
ao mesmo tempo? — Bruno pergunta, conhecendo meu corpo e reações com
perícia e metendo com ainda mais potência.
Sinto Bruno continuar a investir, sei que Arthur está vidrado em nossa foda,
mas por longos segundos, eu não consigo raciocinar e entender o que
qualquer coisa além da sensação adormecendo meu corpo significa.
Através do vidro, vejo Arthur jogar a cabeça para trás e esporrar a camisinha
com jatos grossos e potentes e, refletido na parede transparente, vejo Bruno
se entregando ao gozo com os olhos fixos no meu reflexo absolutamente
exausto e deliciado.
Sete anos. Eu mal posso acreditar que já se passaram sete anos desde que
uma aposta mudou a minha vida, porra! Eu tenho quarenta anos! Um
quarentão gostoso, é verdade, mas ainda assim.
Quarenta anos e ela ainda não aceitou fazer de mim um homem respeitável.
Aos vinte e seis anos, Milena foi capaz de, com a minha ajuda, é claro,
administrar e multiplicar consideravelmente o dinheiro que recebeu dos
nossos primeiros meses de contrato, o que tornou muitas coisas possíveis.
Ela não precisava, eu teria lhe dado tudo o que quisesse, mas a mulher tem
uma determinação que me deixa louco, em todos os sentidos.
Ela se formou em arquitetura, projetou algumas das nossas casas pelo mundo
e viajou boa parte dele ao meu lado, visitando a cada uma delas. Milena
pulou de bung jump, saltou de paraquedas,
Ela me dá as costas para olhar, outra vez, pela janela, e eu acho que essa é
uma excelente oportunidade. Repetindo o gesto que já fiz oitenta e quatro
vezes nos últimos sete anos, me ajoelho e puxo do bolso a caixinha que está
sempre comigo.
Sou capaz de sair de casa sem a carteira, sem o celular, mas nunca sem o
anel. Nunca se sabe quando vai surgir uma oportunidade. E hoje é nosso
aniversário, talvez isso me dê sorte.
Coço a garganta para chamar sua atenção e ela sequer tem a decência de
parecer surpresa ao me encontrar de joelhos, lhe oferecendo um anel.
— Eu aceito.
— Eu disse que aceito. — pisco, me sentindo tonto, porra! Eu acho que meu
coração está falhando! — Só tenho uma condição.
— Não me diz que é sem sexo, meu bem. Eu sou viciado em você há sete
anos, não tem a menor condição de você querer me
reabilitar agora! — digo e ela joga a cabeça para trás em uma gargalhada
escandalosa.
— Então tudo o que você quiser! O que é? Uma casa nova em cada país do
mundo? Projetada por você? Você quer morar em um país diferente a cada
três meses? A gente vai!
— Meu amor, eu casaria com você hoje, agora. A gente pega o avião e vai
pra Vegas se você me disser que topa.
— Vo— Não consigo sequer dizer uma palavra inteira, porque, de repente,
falar se tornou difícil. Aperto os lábios, a porra da ardência nos olhos é
impossível de conter. — Você?
— Eu preciso tornar o pai do meu filho um homem respeitável antes que ele
nasça, vai saber quais são as consequências se eu não fizer? — responde
como se estivesse me dizendo que foi à feira e comprou bananas.
— Eu vou ser pai? Eu vou ser a porra de um pai? De um filho seu? Você vai
ser a mãe do meu filho? — pergunto atropeladamente como os anos de
convivência com Milena acabaram me ensinando a fazer. Minha voz já está
para lá de embargada, e eu já desisti completamente de conter a emoção.
— Ou filha. — diz e imaginar uma garotinha com os olhos de Milena é o
tiro de misericórdia. Eu choro. Não uma lágrima discreta.
Várias, deslizando pelo meu rosto e fazendo uma bagunça. Abraço o corpo
da minha mulher e colo minha boca na sua.
— Nós vamos ser pais? — repito a pergunta, ainda sem poder acreditar e ela
balança a cabeça, concordando. Toco minha testa na sua, fecho os olhos,
deixando que o choro flua livre e quando volto a abri-los, impossivelmente,
da mesma maneira que acontece todos os dias, eu amo mais a essa mulher e,
finalmente posso dizer que venci a aposta mais importante da minha vida. —
Eu te disse. —
Um dia, sua amiga faz piada dizendo que ela deveria se tornar uma sugar
baby. Mas aos vinte e dois anos, Eliza acha que está velha demais para
competir com meninas de dezoito, então para rir da sua própria desgraça,
decide enviar um e-mail para sua amiga com um currículo sexual e um
contrato de prazer.
Era para ser uma piada, mas por um erro de digitação, seu e-mail vai parar
na caixa de entrada de João Pedro Govêa, um CEO paulistano,
sobrecarregado de trabalho e necessitado de novos desafios.
João Pedro está acostumado a ter tudo o que quer, e o que começa como
curiosidade para saber de onde veio o e-mail absurdo que recebeu, se
transforma em determinação quando coloca seus olhos pela primeira
vez na mulher pequena e com os olhos mais transparentes que ele já viu na
vida.
Pernas doendo de tanto andar, pés latejando dentro dos tênis velhos e duros,
cabeça explodindo de tanto tomar sol quente, boca seca de sede e corpo mole
de exaustão, esse é o resumo do meu dia. Com os olhos pesados e a pele
colando de suor seco, giro a chave na fechadura. Finalmente, cheguei.
Finalmente, em casa. Mas o que vejo é tão desanimador, ou mais, do que a
imagem que, contra a minha vontade, sou obrigada a encarar no espelho
pendurado de frente para a porta. Uma imagem que rouba a minha atenção
por parecer terrível, eu mesma.
alienígenas moradores de planetas sem Sol. Quando foi a última vez que eu
fui à praia? Meus cabelos longos e castanho-escuros parecem palha, já que
há semanas eu não sei o que é um condicionador e tenho usado detergente de
cozinha para lavá-los. Os círculos quase pretos ao redor dos meus olhos, que
foram
muito mal disfarçados por um corretivo barato ainda pela manhã, voltam a
dar sinal de vida, depois de horas suando e andando a pé, derretendo minha
pele, minha maquiagem e minha força de espírito.
Cinco passos são suficientes para atravessar a distância ínfima entre a porta
da casa e a geladeira.
Todo o meu glorioso espaço tem apenas um cômodo que, no fim das contas,
abriga todos: quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. É quase como
voltar à infância, quando eu imaginava que uma caixa de papelão era o
castelo da Barbie, só que agora eu brinco de imaginar que esse cubículo é o
lar dos meus sonhos.
Porque da maneira como as coisas andam, por mais esperançosa que eu seja
capaz de me manter, ainda assim, a improbabilidade de que um dia eu possa
ter esse lar continua a mesma, altíssima. Morar em São Paulo custa uma
pequena fortuna, uma que eu não posso pagar. O segredo mais mal guardado
da história da humanidade? Eu estou falida! Absoluta e completamente.
Nem um real no bolso, nada na conta, debaixo do colchão ou no fundo do
guarda-roupa.
Deitar nela requer paciência, tenho que deitar devagar para ter certeza de que
vai ficar tudo bem, porque nem
Suspiro derrotada e abro a geladeira. Uma dúzia de ovos, meia caixa de leite,
três garrafas de água e duas bananas. É tudo o que há. Curvo a cabeça para o
lado, perguntando-me o que fazer, mas não é como se eu tivesse muitas
opções. Vitamina de banana, então, tomo todos os dias nos últimos quase
dois meses. Às vezes consigo comprar outras frutas, mas, no geral, a banana
é a mais barata. E, apesar de parecer pouca coisa, a diferença entre a banana
e o mamão, que é a segunda fruta mais barata, muitas vezes, é preço da
batata.
Enquanto preparo minha última/única refeição do dia, a cama segue com sua
cantiga encantada. Mas um banho, eu preciso de um banho para esquecer
esse dia de derrota. Oito horas andando a pé, entregando currículos. Gastei
meus últimos centavos para imprimi-los e andei até onde meu corpo
aguentou, entregando-os em todos os lugares que vi: lojas, restaurantes,
lanchonetes, bares, todo e qualquer lugar que pudesse ter uma vaga, e em
nenhum, nem mesmo
Nove meses. Nove meses desde o último “Você está demitida”. Três meses.
Três meses desde a última parcela de seguro desemprego. E a dez reais. Eu
estou a exatos dez reais de passar fome. Jogo a cabeça para traz, encostando-
a na geladeira atrás de mim e deixando que mais lágrimas escorram pelo
meu rosto.
Quando saí de São Roque, minha cidade, no interior do estado, foi porque a
vida que eu via as pessoas levando lá não era a que eu queria para mim.
Homens
Mas eu não, eu não seria mais uma. A verdade é que eu não fazia ideia do
que eu queria ser, mas eu tinha absoluta certeza daquilo que eu não queria. E
foi assim que eu fiz dezoito anos num dia e, no outro, estava dentro de um
ônibus, com uma mochila nas costas, carregando nela não só roupas, mas
mil e um planos de futuro e todo o dinheiro que eu economizei desde o meu
aniversário de quinze anos, fosse vendendo doces na escola, cuidando de
crianças aos sábados e domingos, ou fazendo toda e qualquer atividade que
pudesse me render alguns trocados.
Passei os primeiros dias na casa de uma prima distante que eu nunca tinha
visto antes, mas eu logo percebi que o marido dela não estava muito feliz
pela minha estadia. Duas semanas depois da minha chegada, ele disse que eu
precisava mostrar gratidão pelo que estava fazendo por mim, e aquilo não
me soou bem.
Eu poderia voltar para casa. Mas voltaria para o quê? Para ser empregada
doméstica em uma casa de
interior? Não que isso seja um problema, só não é o que eu quero, nunca foi.
Os filhos não deveriam caminhar mais léguas do que os pais caminharam ao
longo de suas vidas? Repetir os passos de minha mãe sempre foi exatamente
do que eu fugi. Por mais que eu a ame, não quero a vida dela para mim. Ou,
talvez, eu pudesse voltar para casa para um casamento, não seria exatamente
igual à minha mãe, mas também não seria exatamente diferente, não é
mesmo?! Dormir, eu só preciso dormir e amanhã vai ser um dia bem melhor
do que hoje.
Passo as mãos sobre os ossos pontudos da minha clavícula, notando que eles
estão cada vez mais aparentes, provas incontestáveis de que estou cada vez
mais magra. Mas, também, o que eu queria? Mal tenho dinheiro para comer,
engordar é que eu não iria.
O banho limpa meu corpo e alivia a exaustão dos meus músculos, mas não
faz nada pelo meu espírito desanimado ou pela minha alma dolorida. Fico
ali, sentindo o jato de água acertar meu corpo como um chicote gelado por
muito mais tempo do que deveria, e muito menos do que gostaria. Mas,
sabendo que não posso abusar da água, ou o dono da casa vai reclamar da
conta, e que eu não posso dar motivos para isso,
respirações profundas, esperando pela dormência do sono, mas antes que ela
possa me alcançar, meu celular toca. Gemo, frustrada, porque ele está na
bolsa que deixei sobre a cadeira ao lado da porta.
Mãe. Eu adoraria falar com ela, Deus sabe o quanto eu preciso de colo, mas
não estou com disposição para fingir hoje. Hoje não. O toque do celular,
uma música que eu adoro, mas que diz muito pouco a meu próprio
respeito estes dias, “Dona de mim” da Iza, vai morrendo à medida que a
chamada vai sendo
— Oi, mãezinha! Tudo bem? — falo alto e com força, fingindo uma
animação que estou longe de ter.
— Ô, minha filha! Que susto! Por que demorou tanto pra atender?
Aperto os olhos ainda fechados e levo a mão à ponte do meu nariz, fazendo
pressão ali também.
Mas a última semana foi tão terrível que foi simplesmente impossível ligar e
fingir que estava tudo bem. Fingir que eu tenho uma casa que não é uma
espelunca. Fingir que eu tenho um emprego com ótimos colegas de trabalho
e um chefe muito chato em uma loja de roupas. Fingir que estou no terceiro
período da faculdade de nutrição. No sábado pela manhã, eu me senti tão
sobrecarregada pela minha
realidade, que preferi abrir mão do único momento na semana em que não
me sinto só ultimamente — o telefonema para minha mãe — a precisar
fingir qualquer coisa.
Depois de mais ou menos vinte minutos, ela diz que precisa desligar, pois
está me ligando da casa dos patrões. Nós nos despedimos e, quando ela diz
que me ama, coloco meu punho na boca, mordendo-o, para
impedir que o soluço irrompa por ela, mas quando a chamada finalmente é
desligada, eu me arrasto até a cama e lá eu choro, sozinha, completa e
totalmente sozinha.
Os vários estilos de móveis espalhados pelo salão cumprem seu papel, dando
à festa a identidade perfeita para a ocasião. Debruçado sobre o guarda-corpo,
levo meu copo à boca, apreciando o sabor do Macal an 18.
Porra, eu não poderia ser pobre! Tem gente que não vive sem café, eu não
vivo sem um Uísque que tenha idade para pedir seu próprio uísque.
Apesar disso, esta noite, nem mesmo a minha bebida preferida espanta o
tédio. A festa está perfeita, exatamente
que
deveria
ser,
chata.
— Espero que você tenha trazido um pouco de diversão com você! Porque
essa porra tá um saco. — O
festa, sem mim, qualquer uma fica morta. Mas pode relaxar, eu cheguei! —
É a resposta que ouço e o sorriso na voz do meu amigo é tão claro quanto as
vogais e consoantes que ele pronuncia.
Você é muito mais que a alma dela, você pode ser declarado, oficialmente, a
porra de um santo! — Uma gargalhada efusiva alcança meus ouvidos e eu
preciso afastar o telefone para não ficar surdo.
— Você sabe que foi você quem organizou essa festa, né?
— No mezanino.
— Vai pra porra, filho da puta! — Digo por último e desligo o telefone.
Com o celular em mãos e sem nada melhor para fazer, aproveito para
conferir minhas mensagens: mãe, trabalho, trabalho, trabalho, mulher,
trabalho, trabalho, trabalho, mulher, trabalho, mulher, mulher, mulher,
trabalho… nada importante. Deixo para responder minha mãe quando entrar
no avião mais tarde. O
soa alta em meio à música ambiente, chata para um caralho, tocando ao meu
redor.
— Eu não queria que fosse fácil, puto! Mas um pouco mais de tempo não me
faria mal. Tem meses que eu não consigo uma porra de uma noite de folga!
Fora que tudo parece tão igual esses dias, o trabalho é exaustivo, mas
constante… Constante demais pro meu gosto.
— Tá precisando transar, é? — Ele debocha com uma sobrancelha arqueada,
cruzando uma perna sobre a outra, enquanto se recosta no sofá.
Deslizo a palma das mãos pela lateral do cabelo e Marcos ri alto do meu
comentário, chamando a atenção de algumas pessoas ao nosso redor. Estreito
meus olhos para ele, apenas para ser completamente ignorado.
— Sabe, Marcos, vai chegar o dia em que vai ser você assumindo a
presidência do seu escritório e quando esse momento chegar, você pode ter
certeza, eu vou rir do quão fodido você vai ficar!
— Ah, mas ainda falta muito pra isso acontecer. Ao contrário do seu pai, o
meu não quer largar o osso! E eu não vejo nenhum problema nisso! Porque,
enquanto ele estiver lá, eu sou livre pra…
— Vadiar! — Corto sua fala e é a minha vez de gargalhar, mas ele não
discorda.
— Pode rir, eu sei que é inveja! Você só tá com saudade da vida que levava e
que eu continuo levando…
— Saudade? Talvez! Inveja, com certeza não. Você sabe que eu me preparei
a vida toda pra estar onde estou agora. O cargo de CEO do grupo Govêa
sempre foi meu objetivo. Mas eu realmente estou sentindo falta de ter uma
companhia além do trabalho constante…
Recosto minha coluna e estalo o pescoço. Não vou contar para ele ou ele vai
ficar ainda mais fodidamente convencido, mas até de conversas simples
como essa, cara a cara, sem que o propósito seja trabalho, eu estou sentindo
falta.
— Se o problema é companhia, a solução tem quase
— O quê? Você precisa de alguém que esteja disponível pra você 24/7,
porque vossa excelência está com uma agenda infernal. A única outra
solução que eu consigo imaginar pra isso se chama relacionamento, e eu não
acho que você esteja interessado…
tô aqui nesse evento chato e em quatro horas vou estar em um avião rumo à
Nova Iorque!
Então
solução
continua
válida…
— Blaséè? Não sei, Marcos, porque uma coisa é fazer disso algo esporádico.
Mas a ideia de tornar um hábito, o que acabaria se tornando… Não gosto
muito da ideia…
Tossindo, coloco o copo sobre a mesa entre nós e puxo o ar com fora para os
meus pulmões, enquanto o desgraçado ri frouxamente.
— Eu quis dizer que você deveria contratar uma secretária com esse único
propósito…
Enlouqueceu, Marcos?!
— Ah, claro! Eu já posso imaginar o anúncio de vaga que vou mandar para
as agências de emprego que
— Tudo bem, se você não quer, não quer! Mas é uma boa ideia! Jeito de
fazer dar certo, tem! Enfim…
— Aproximadamente…
— Ótimo! Isso quer dizer que você tem três horas pra melhorar esse humor.
— Então que bom que você encontrou seu grande amigo Marcos, não é? —
Eu o encaro com um sorriso de canto de boca e franzo o cenho, curioso. Ele
se levanta dos sofás e caminha na direção do guarda-corpo do mezanino.
Sem opção, eu o sigo. — Bom, não!
— Se você não tivesse um voo pra pegar, nós poderíamos fazer algo muito
melhor juntos, algo que não inclui você tocando em nenhuma parte de mim,
ou eu sua, mas nós dois tocando muitas partes de uma terceira e quarta
pessoas… Mas como você está com pressa… Eu vou aproveitar meu tempo
muito melhor sem você… Ali, à sua direita, ao lado do bar.
Marcos me diz, apontando com a cabeça e, ao levar meu olhar para a direção
apontada, encontro duas mulheres paradas de frente para uma mesa de
coquetel.
A primeira é loira e alta, tem os cabelos curtos na altura do queixo e usa um
vestido vermelho que se agarra às suas curvas, deixando seus quadris
evidentes e os seios pequenos à mostra em um decote generoso.
não é magro, tem as curvas nos lugares certos, e seu vestido azul escuro,
ajustado até a cintura, contorna os seios, deixando claro o quão volumosos
são. A imagem deles nus na minha boca faz meu pau dar sinal de vida.
O vestido até seria comportado, se não fosse por uma fenda um pouco
abaixo dos quadris pela qual, na posição em que a mulher está agora, eu
consigo ver perfeitamente sua coxa deliciosamente torneada. E
Subo meu olhar pelo corpo da morena que não me vê. Além de estarmos
distantes, ela está distraída em uma conversa com a amiga. Inclino a cabeça
levemente para o lado, fazendo cálculos mentais de quanto tempo eu ainda
tenho, mas quando a mulher morde o lábio, eu mando os cálculos para a casa
do caralho.
em voz alta.
— Então que bom que elas já estão esperando por nós! — Marcos me diz e,
ao virar meu rosto para ele, deparo-me com um sorriso de gato da Alice
— O quê? Como?
Desde que cheguei à São Paulo, já fiz quase tudo que se possa imaginar. Já
fui manicure, mas minhas clientes não concordaram com a frase que dizia
que a
Eu também já trabalhei como atendente de fast food, só que por mais que eu
precise muito do emprego e do mísero salário mínimo, você sabe o que é
carma? É
aquilo que não importa o quanto você fuja, sempre vem atrás de você! O
meu se chama chefes prepotentes e arrogantes, e quem é que consegue
tolerar um gerente de fast food que se acha o poderoso CEO?! Deus, eu não!
E aí está, cinco demissões em cinco redes diferentes, e bum! Marcada como
uma má profissional, como se fosse eu a problemática.
Com os olhos cansados e o corpo travado por estar na mesma posição pelos
últimos vinte minutos, encaro o milésimo e-mail que estou enviando esta
semana. O
Checado também!
Celular sem créditos para internet e ligações? Desde que acordei na terça-
feira!
pequenas farpas dos paletes que formam minha cama maltratam minhas
costas apoiadas neles, suspiro derrotada, torço os lábios e inclino a cabeça
para o lado.
Nunca recebi nenhum tipo de retorno. Nenhum telefonema, nem para dizer:
não, obrigado, não estamos interessados. Nenhuma resposta de e-mail,
sequer algo absurdo ou ofensivo, como: recebemos seu e-mail, mas seu
currículo é péssimo! Não queremos você!
Estreito os olhos para a tela à minha frente, tendo meus pensamentos como
combustível para uma raiva da qual absolutamente ninguém é culpada, só a
vida.
Mas quando minha barriga ronca e me lembro de que tudo o que tenho para
comer é um miojo que precisará ser feito no micro-ondas, porque o gás
acabou semana passada, e porque estou racionando os 120 reais que recebi
da faxina que fiz na quarta-feira, a raiva cresce, ainda que eu não possa
acusar ninguém como culpado dela. Felizmente, o sentimento dura pouco,
porque, desde a noite passada, a constatação da minha falta de opções
acabou se tornando agridoce. Ao mesmo tempo
que me deixa triste, agora também me faz sorrir ao me lembrar da outra
pessoa nesse mundo inteiro, além da minha mãe, é claro, que se importa
comigo. Alguém que faz isso há muito tempo, minha melhor amiga, Joana
Pietra Goulart.
Enfim, durante a ligação, ela me disse para comer o miojo e imaginar que
era um espaguete com molho de quatro queijos. Respondi que tentaria,
porque se eu consigo imaginar lasanha enquanto tomo vitamina de banana,
com certeza posso imaginar espaguete enquanto como miojo. A verdade é
que se não fosse por ela, talvez meus dias mais difíceis já tivessem se
A linda mulher loira de olhos azuis e corpo esguio já foi uma menina, e foi
nessa fase das nossas vidas que nos conhecemos, na escola, mas seu pai foi
transferido para São Paulo capital quando estávamos no segundo ano do
ensino médio, por isso nos separamos. Aqui na cidade o pai dela melhorou
de vida e agora a Jô faz faculdade particular, enquanto ainda mora com os
pais, que podem sustentá-la. Assim que me mudei para cá, nós nos
reencontramos, porque apesar da distância, nunca perdemos o contato.
Não que eu me ache velha aos vinte e dois anos, mas para “competir” com
garotas de dezoito… Depois disso ela me perguntou se era essa, realmente, a
única razão para eu não fazer uma coisa dessas e, então, nós duas
explodimos em gargalhadas. Depois começamos a falar sobre possibilidades
reais de trabalho.
com os amigos. Joana faz o que pode, liga-me pelo menos duas vezes na
semana, sempre, não importa o momento, atende minhas ligações, e sempre
que pode vem me visitar ou me convida para visitá-la. Seus pais sempre me
trataram muito bem, mas nos últimos tempos evitei ir até a casa deles. O
olhar de pena em seus olhos não ajudava em nada a encontrar a melhora no
meu estado de espírito que costumo buscar em Joana.
Dessa vez não anexo meu currículo, mas, determinada a pagar minha amiga
nem que seja com alguns sorrisos, escrevo todas as minhas informações e as
coisas mais absurdas que consigo pensar no corpo do e-mail:
22 987655666 / elizasalporto@gipsymail.com
OBJETIVO:
FORMAÇÃO ACADÊMICA:
Belize
EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS:
PRÊMIOS E RECONHECIMENTOS:
CONTRATO DE PRAZER
Tendo
como
seu
único
objetivo
garantir
__________________________________________
__
Assinatura da contratada
__________________________________________
___
Assinatura do contratante
O riso volta a tomar conta de mim com tudo e eu só volto a mim quando
ouço passos no corredor, meu
jpgov.pessoal@gipsymail.com
Giro a cadeira, deslizando minhas pernas para fora da mesa, e não sei se sou
eu quem aprecia a vista da cidade, quarenta e dois andares abaixo de mim
através das janelas do chão ao teto, ou se é ela que me engole, enquanto me
desfaço em pensamentos e exaustão. Há seis meses, a uma hora dessas, eu
estaria a caminho de casa, para me preparar para uma noitada de respeito, ou
já estaria em uma. É engraçado como uma decisão muda tudo. Porra, eu
costumava ser o cara engraçado da roda! Eu! Agora, sou só o rabugento, o
que está sempre trabalhando ou falando de trabalho.
Com um suspiro, meus olhos se desviam das janelas e olho com atenção o
espaço em que estou. O escritório amplo, de chão e paredes revestidos por
mármore escuro, é cercado por vidro, com exceção da parede diante de mim,
aquela que me separa do restante da firma, assim ninguém vê o que acontece
aqui dentro.
Obras de arte, móveis assinados por grandes nomes, um bar com as bebidas
mais caras que o dinheiro pode comprar e, é claro, a cereja do bolo, uma
peça de design expondo todos os produtos atuais do grupo editorial Govêa:
revistas, jornais, folhetins, tudo o que trabalhamos aqui para produzir e
distribuir lá fora. Por tanto tempo estar nessa sala foi meu objetivo e agora
aqui estou eu, olhando para ela, questionando-me.
Não tenho dúvidas de que vale a pena, mas, definitivamente, eu esperava
que fosse diferente. Quer dizer, eu tive um pai presente, então porque
caralhos eu não tenho conseguido me fazer presente na minha própria vida?
Eram outros tempos… O tempo valia e durava mais do que hoje em dia…
Ainda assim, essa constatação apenas traz de volta à minha mente a pergunta
que eu venho repetindo com frequência há pelo menos dois meses: o que eu
estou fazendo de
— Não, Norma! Está tudo bem por hoje! Tenha um bom fim de semana.
— Tudo bem, meu filho! Eu pedi para o Fazzano’s entregar o seu jantar às
21h. —Tudo na frase me faz sorrir. Do vocativo informal, agora que o seu
horário de expediente foi oficialmente encerrado, ao cuidado em
pedir meu jantar antes de ir embora, mesmo que eu não tenha pedido que
fizesse isso, ela nunca me deixa antes de ter certeza de que irei me alimentar
corretamente, como se eu ainda tivesse dez anos de idade e não fosse capaz
de cuidar de mim mesmo.
Norma faz parte da família Govêa há quase quarenta anos, chegou aqui aos
vinte, como datilógrafa, quando essa profissão ainda existia. Depois foi
secretária do meu pai por todo o tempo em que ele comandou o grupo, agora
é a minha. Ela conhece o funcionamento da empresa melhor do que muitos
novos profissionais que chegam aqui com seus diplomas e Mba’s ainda
reluzindo, de tão novos. Nenhuma faculdade ensina o que ela sabe, nenhum
curso de graduação, pós-graduação ou especialização ensina o que ela já viu.
funcionários, porque sabia que um dia eu seria o que sou hoje, aquele quem
controla tudo isso.
Disse que deveria fazer o que eu mandasse, porque eu era o dono de tudo
isso. Meu pai descobriu, um outro funcionário viu e contou. Ele me chamou
para conversar e, mesmo que não tenha feito diferença na minha forma
rebelde de pensar da época, ele me fez pedir desculpas à Norma. Foi a
primeira lição de negócios que me ensinou explicitamente: “Nenhum
funcionário respeita um patrão que não os respeita”, disse e, mesmo pedindo
desculpas, só fui entender o que aquilo realmente significava anos depois.
Que foi também quando perguntei à própria Norma: por que ela não contou
ao meu pai o que eu fiz? Por que foi preciso que uma terceira pessoa
contasse? Eu estava começando a faculdade na época e ela me disse que não
importa o que vistam, como cheirem ou o que comam, crianças são apenas
crianças.
— Não importa o que vistam, como cheirem, ou o que comam, crianças são
apenas crianças, e sempre serão crianças, minha criança — recita a frase dita
anos atrás e repetida muitas outras vezes depois, fazendo-me sorrir e
concordar com a cabeça.
— Obrigado, Norma! Até segunda.
Quando ouço o apito do elevador avisando que Norma já não está no andar,
o sorriso plantado por ela ainda está no meu rosto. A vida pode não estar
exatamente como eu gostaria, mas não está ruim e em algum momento vai
chegar aonde deve. Com isso em mente, abandono as reflexões, tiro o
relógio do pulso, deixando-o com o visor voltado para baixo, e mergulho no
trabalho. Comparo planilhas, aprovo comunicados e relatórios, peço o
agendamento de reuniões, confiro balancetes e planos de negócios.
— Está tudo bem, Jhonatan. Não tem problema nenhum. Você pode deixar
em cima da mesa, por favor?
Isso é coisa da Norma. — Respondo, cansado, ansioso por uma chuveirada e
pela minha cama.
dirigindo-me até o bar. Sirvo uma dose dupla de Macal an e giro-o no copo
algumas vezes antes de levar o primeiro gole à boca. O cheiro forte afeta
meus sentidos antes do sabor, relaxando-me. O gosto amargo, seco e frutado
se desdobra em minha língua e eu aproveito cada gota que desliza garganta
abaixo.
janela, vejo as primeiras gotas de chuva caírem, primeiro elas vêm finas e
espaçadas, mas em questão de minutos tornam-se grossas e rápidas, uma
chuva cada vez mais volumosa. Mas como chuva de verão, antes que eu
esvazie meu copo, já passou.
Será possível? Mas ninguém nunca envia e-mails para o meu pessoal…
Basta deslizar o dedo pela barra de notificações para constatar que eu estava
errado, aparentemente, alguém me enviou, sim, um e-mail para a conta
particular, mas isso nem é o mais surpreendente. O que me faz arquear uma
sobrancelha e me sentir ainda mais confuso sobre a situação inusitada é o
título da mensagem eletrônica: Vaga para assistente pessoal. Mas que
porra…
Leio a primeira parte, com os dados pessoais da remetente. Que perigo! Isso
poderia ter ido parar na mão de um psicopata, ao invés de nas minhas… A
mulher mora em Paraisópolis? Que merda…
Vinte e dois anos… Eliza Porto… objetivo… espera, o quê? Leio o texto
pelo menos três vezes para ter certeza de que não estou vendo coisas ou
imaginando
— Marcos, seu filho da puta! — Preciso dizer em voz alta, mesmo que só
para eu mesmo escutar. Eu sabia que ele era uma vadia, mas, porra! Olho
para o celular nas minhas mãos, acendo a tela e releio a última frase
sabendo que a vadia do Marcos com certeza está na noite a essa hora e não
vai me responder, mando uma mensagem para ele: “Assistente pessoal?
Você é um filho da puta! Kkkkkk”
“Não sei do que você está falando, mas fico feliz de servir de palhaço para
você a qualquer hora. E quanto à idade, a mesma que você, babaca. Só que
sou mais bonito e inteligente!”
sorridente, sem camisa, com o mar ao fundo, acende na tela. Inclino a cabeça
para o lado, provavelmente ele quer se gabar da sacanagem que fez. Bufo,
meio indignado, meio divertido, e toco o ícone verde, atendendo ao telefone.
As gargalhadas escandalosas inundam o carro de tão altas, ainda que o
celular não esteja no viva-voz.
— Tudo bem, eu tenho que admitir! Essa sua ideia adolescente me fez quase
rolar no chão de rir. —
— Marcos, deixa de ser vadia! Eu sei que você que me enviou essa porra…
— Eu adoraria levar o crédito, porque, sério! A ideia é genial! Eu te disse
que você deveria contratar uma secretária pra foder, e olha só! Esse currículo
seria perfeito! Pele clara pra marcas de leves palmadas? Puta que pariu,
João! Se isso fosse verdade e você não contratasse, eu contrataria! — diz
depois de várias respirações profundas, mas sua última frase faz com que
nós dois gargalhemos.
— Não, meu amigo! Infelizmente, alguém foi mais rápido que eu dessa vez.
— Mas que porra! — As palavras saem sem que eu perceba que estou
falando em voz alta.
— Que foi?
— Que foi? Como o que foi, Marcos? Se não foi você, então quem?
— Algum amigo?
— Acho que você tá pensando demais sobre isso, foi só uma brincadeira de
algum idiota…
— Talvez…
— Não, tô a caminho de uma reunião, não sei que horas vou sair de lá e
ainda tenho uma porrada de coisa pra fazer no escritório quando voltar…
— Vai agourar o cu, filho da puta! — É a resposta infantil que recebo e que
me faz gargalhar. — Deixa de ser frouxo, porra! Desde quando virar a noite
é problema? —questiona minha negativa.
— E quem foi que disse que eu não vou passar a noite acordado? Só não vai
ser vadiando, caralho!
Cuidado com essa coroa, meu bom! —Seu tom é debochado e eu apenas
repito para ele o discurso que sempre funciona com as suas provocações.
— Vai-pra-porra!
— Norma, eu preciso que você tente marcar uma entrevista de emprego com
essa pessoa pra mim. —
— Não é para a empresa, Norma. É pra um cargo pessoal. Você pode fazer
isso, por favor? Tente contato e se conseguir agende para amanhã aqui no
escritório às… — pauso um instante, pensando qual seria o melhor horário
para receber essa pessoa que pode ser um amigo idiota, um jornalista
armando para mim ou uma prostituta testando novos métodos de captação de
clientes. Depois do expediente, então. Definitivamente, depois do
expediente. — Às dezenove e trinta. Me avise assim que tiver uma resposta.
Ela se explica: — Senhor, eu devo dizer que é uma entrevista para quê?
a ansiedade.
Ou não, afinal, ainda pode ser um jornalista esperando que eu caia nessa…
— Que porra!
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AGORA MESMO!
Obrigada a cada um que entrou na minha vida através dos livros e fez dessa
mudança algo magnifico, amigas, leitoras e autoras.
E, àquela, onde tudo começou. Obrigada, Eliza. Esse ponto final é para você.
Rowling.
[16] "Baby Looney Tunes" foi uma série de televisão animada co-
produzida entre os Estados Unidos e o Canadá que descreve as versões
infantil e pré-escolar dos personagens de Looney Tunes. Foi produzido pela
Warner Bros. Animation. [1][2]
[19] Quando o mar está com ondas muito largas, que são difíceis de pegar
quando se está próximo a elas.
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SINOPSE
DEDICATÓRIA:
PLAYLIST:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
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39.
40.
41.
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44.
45.
46.
47.
48.
49.
50.
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
AMOSTRA DO PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA
AGRADECIMENTOS